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introdução - Platão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

ADRIANO RODRIGUES CORREIA

DUALISMO ALMA/CORPO E NEGAÇÃO DA CORPOREIDADE EM PLATÃO: UMA LEITURA DO FÉDON SOB A PERSPECTIVA DE NIETZSCHE

RECIFE – JUNHO 2010

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ADRIANO RODRIGUES CORREIA

DUALISMO ALMA/CORPO E NEGAÇÃO DA CORPOREIDADE EM PLATÃO: UMA LEITURA DO FÉDON SOB A PERSPECTIVA DE NIETZSCHE

Trabalho para analise de aproveitamento em introdução a filosofia, disciplina do programa de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco.

RECIFE – JUNHO 2010

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. DUALISMO ALMA/CORPO NOS MISTÉRIOS ÓRFICOS

3. DUALISMO ALMA/CORPO NO FÉDON E A METAFÍSICA COMO NEGAÇÃO DA VIDA EM NIETZSCHE

3.1. A RACIONALIDADE PLATÔNICA E A NEGAÇÃO DO MUNDO SENSÍVEL

3.2. A IMORTALIDADE DA ALMA COMO NEGAÇÃO DA VIDA

3.3. PURIFICAÇÃO, CASTIGO E RECOMPENSA: SISTEMA DE FALSIFICAÇÃO DO REAL E NEGAÇÃO DA VIDA

4. CONCLUSÃO

5. BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO

O Fédon é considerado por quase toda a totalidade dos historiadores da filosofia como a carta magna da metafísica ocidental. Tido como obra da maturidade de Platão (428/7 – 348/7 a.C), expõe idéias importantes do pensamento platônico a respeito da morte, da imortalidade da alma, das formas inteligíveis e da visão dual do homem – relação alma/corpo -, que será explorada nessa pesquisa.

O diálogo impressiona pela maneira como constrói seu edifício metafísico de modo coeso: todas as idéias estão interligadas de maneira fantástica, como só um pensador dotado de um especial talento literário como Platão poderia fazer. Na medida em que Sócrates – personagem central do diálogo – responde as interrogações dos discípulos, reunidos na ocasião da morte do mestre, acerca de como resolver problemas nascidos após a exposição do argumento anterior, monta um pensamento sólido e bem elaborado; ao pensar o mundo sensível compreensível através das idéias ou formas inteligíveis, é necessário supor que o homem já tenha conhecimento das essências quando entra em contato com o universo material, ou seja, que tenha tido contato com as formas antes de encarnar (nascer), então, brota a hipótese de que a alma antecede o corpo, de sua imortalidade, reminiscência. Da mesma forma relaciona-se a idéia do aprender como exercício de rememoração, “aprender não é outra coisa senão relembrar”. Enfim, o Fédon encanta pela coesão com que Platão faz desfilar seus argumentos diante do leitor.

Entre os muitos temas que surgem da leitura do Fédon, um será explorado nas páginas que seguem: dualismo alma/corpo e negação da corporeidade. Ainda no inicio do diálogo, Platão – através da boca de Sócrates -, revela uma visão dicotômica do homem carregada de negatividade contra o corpo. A alma é convidada a isolar-se em si mesma, a afastar-se das impurezas do corpo a fim de pensar por si mesma, longe dos muitos enganos dos sentidos; além da necessidade de purificação, se estabelece a relação castigo/recompensa pós-morte do corpo. Platão refere-se com relativa freqüência aos mistérios, precisamente ao Orfismo. A religião Orfica é de suma importância na compreensão do pensamento platônico sobre a alma e o corpo no Fédon, por isso dedicaremos atenção aos conceitos introduzidos pelos mistérios órficos na Grécia antiga.

É necessário ser honesto e assumir desde o inicio que embora considere a construção do pensamento platônico fantástica, tenho dificuldades para identificar-me com o mesmo. Muitos dos argumentos enunciados no Fédon soam-me, como escreveu Nietzsche, como negadores da vida, do instinto próprio da natureza humana. De fato, enquanto lia o diálogo relacionava considerações feitas pelo Nietzsche na obra O Anticristo acerca da metafísica cristã com o próprio pensamento de Platão. As críticas feitas ao Cristianismo se encaixam perfeitamente ao platonismo: desprezo ao corpo e seus atributos, a necessidade de purificação e afastamento das paixões da corporeidade, o “jogo” castigo e recompensa pós-morte, a negação da vida terrena em função de uma realidade além da física, são aspectos que podem ser identificados tanto no pensamento cristão quanto no de Platão. Evidente que a critica se estende naturalmente ao pensamento platônico, visto que Platão é o pilar principal da metafísica ocidental e, como bem aponta a obra Deus na Filosofia do Século XX, que reúne uma série de artigos organizados pelo italiano Rosino Gibeline, em Nietzsche não se trata de

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“ver uma crise no pensamento metafísico, mas de ver a metafísica essencialmente como crise”. Mais que apenas um ensaio de critica ao Cristianismo, Nietzsche empreende um ataque feroz a tradição metafísica do pensamento ocidental, por isso a correlação é evidente e imediata.

Não se trata de pretender assumir uma postura da qual se possa dizer nietzscheana, o que propomos é uma leitura do Fédon e sua metafísica sob o olhar de Nietzsche. É precisamente o que tentaremos fazer a partir de agora. Como dissemos, iniciaremos pela questão do Orfismo, procurando identificar em que momento da história grega e por quais razões, se introduz a visão negativa do corpo. A seguir, passaremos a pensar a partir do Fédon, belíssimo diálogo platônico, sob a ótica da crítica de Nietzsche a metafísica ocidental, enunciada na obra O Anticristo.

1. O DUALISMO ALMA/CORPO NOS MISTÉRIOS ÓRFICOS

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A religião pública dos gregos, baseada na representação dos deuses e do culto elaborada por poetas como Homero e Hesíodo, caracteriza-se pela visão de que tudo é divino: tanto os fenômenos naturais como os acontecimentos da vida social eram explicados pela ação dos deuses, e como bem assinala Reale, essa relação era feita “de modo não acidental e, por vezes, de modo essencial” (História da Filosofia, v. 1 p 17). Os deuses da religião pública são personificações da natureza em figuras humanas idealizadas, ou então forças e aspectos do homem amplificados. Os deuses gregos sofrem as mesmas paixões que os homens, e são freqüentes na mitologia dos helênicos os relatos sobre discórdias ferrenhas entre as divindades. De fato, os deuses gregos mentem, enganam, matam. Tudo aquilo que no homem pode ser classificado como desprezível está igualmente presente nos deuses.

Disso decorre que essa forma de religiosidade não exige – e é evidente que não poderia fazê-lo - que o homem mude ou lute contra sua natureza a fim de elevar-se enquanto ser, mas ao contrário, o exorta que siga sua natureza em honra aos deuses. Parece claro segundo esse pensamento religioso, que nada de negativo há na corporeidade; de fato, os gregos conservavam certo apego ao corpo, valorizando a estética do corpo, o que é bem representado pela manifestação artística, que procurava exaltar a beleza humana destacando a perfeição de suas formas.

Nesse ambiente religioso desenvolvem-se os chamados mistérios, em círculos restritos de iniciados, dos quais o Orfismo – o nome deriva de Orfeu, lendário herói grego e patrono na música - merece menção especial. Por que se desenvolveu essa manifestação religiosa? É possível que a religião pública não atendesse aos desejos religiosos de parte dos gregos, que desejam mais. Embora conservasse o politeísmo e outras características da religião pública, no que diz respeito à concepção sobre o homem, o sentido de sua vida e seu destino final, o Orfismo irá se configurar como uma verdadeira antítese à forma religiosa chamada pública. No núcleo principal das crenças órficas e que nos interessam em particular, estão às idéias de culpa original, em razão da qual a alma vem habitar o corpo – note-se que a idéia em questão pressupõe a existência da alma anterior ao corpo, assim como no Fédon – e a visão negativa do corpo, que é tido como prisão para alma, que está destinada a renascer sucessivas vezes a fim de expiar a culpa original. Através de seus ritos, os órficos acreditavam que era possível por fim ao ciclo de reencarnações, libertando de uma vez por todas a alma de seu algoz, nesse caso, do corpo. Para os devidamente purificados há uma recompensa no além-mundo, bem como uma punição para os não purificados. Pela primeira vez o homem grego ver-se em luta consigo mesmo, e percebe que algumas tendências ligadas ao corpo, ao instinto próprio do homem, devem ser reprimidas.

Muitas são as semelhanças entre platonismo e orfismo, e de fato, seria impossível compreender os enunciados sobre a alma e o corpo do Fédon sem o conhecimento das doutrinas órficas. Em Platão, a alma também preexiste ao corpo, visto que o homem compreende o mundo sensível com bases nas formas inteligíveis, com as quais entrou em contato antes de habitar o corpo (Idéia explorada no Fédon, mas melhor exposta no Menon), sendo o aprender um esforço de rememoração da alma. A negação do corpo e de seus atributos, como a necessidade de purificação, bem como a regra de castigo e recompensa pós-morte também estão presentes no Fédon. A influência do Orfismo no pensamento platônico é evidente, por isso não poderia ser ignorada.

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Assim como os órficos acreditavam poder libertar a alma do corpo através de seus ritos e práticas, purificando-a e garantindo-lhe uma recompensa no além, Platão anuncia que, a atividade filosófica legitima, na qual a alma se esforça para afastada do corpo e concentrada em si mesma contemplar o real – o belo sem si, o bom em si – purifica a alma e garante-lhe um bom lugar com “melhores tutores”, onde poderá obter finalmente a fonte de seu desejo: o conhecimento da realidade, contemplando os seres em sua essência. Nesse sentido dedicar-se a filosofia é “preparar-se para morrer”. E é precisamente esse o argumento que Platão põe a boca de Sócrates para que este possa explicar a passividade frente à morte eminente e injusta: aquele que durante toda vida esforçou-se para concentrar a alma sobre si mesma isolando-a do corpo a fim de contemplar as formas inteligíveis, deve alegrar-se quando finalmente a morte chega para por fim as pulsões do corpo - que é um empecilho ao conhecimento - e libertar a alma. Desse modo, a morte é encarada com libertação do pensamento.

Creio estarem claras as relações entre o pensamento platônico e o Orfismo, e de que maneira este influenciou a própria vida grega. Com o Orfismo se inaugura na Grécia a visão negativa acerca do corpo; enquanto a religião pública baseada nos relatos dos poetas exaltava a natureza do homem, sua corporeidade, os órficos apontavam para o fato de que o corpo é impuro, prisão da alma, e que precisa ter certas tendências suprimidas. Tendo posto isso, passemos ao Fédon e as relações que a critica nietzscheana.

2. DUALISMO ALMA/CORPO NO FÉDON E A METAFÍSICA COMO NEGAÇÃO DA VIDA EM NIETZSCHE

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Nietzsche é ferrenho crítico da cultura e de toda a tradição filosófica do ocidente. Platão, expoente maior da metafísica ocidental, e Sócrates, seu mestre, não poderiam escapar aos ataques do niilista. A intenção a seguir é pensar o tema alma/corpo no Fédon de Platão sob a ótica de Nietzsche. Para isso, listamos três pontos: A racionalidade platônica e a negação do mundo sensível, a imortalidade da alma como negação da vida e purificação castigo, e recompensa: sistema de falsificação da realidade e negação da vida.

2.1. A racionalidade platônica e a negação do plano sensível

Platão é o marco da racionalidade ocidental. Racionalidade que pretende o afastamento dos atributos do corpo, de qualquer sentimento ou subjetividade; a verdade é una, imutável e, portanto, não pode habitar no imperfeito plano sensível. Retomando a questão cosmológica, Platão substitui o elemento natural pelas formas ou idéias inteligíveis, explicado o mundo sensível a partir de uma realidade não sensível, da qual deriva tudo que se vê, como uma espécie de cópia. As formas inteligíveis são uma realidade – Alias, a circularidade é, para Platão, mas real que qualquer circulo que possa ser visto no plano sensível – independente.

No Fédon fica claro que para Platão – o mesmo vale para Sócrates – o pensamento deve ter como único guia a razão. A verdade – o belo em si, o justo em si – pode ser alcançada quando o homem “afasta tanto quanto pode a alma do contato com o corpo” (Fédon, 65ª), porquanto, “nenhuma verdade é transmitida ao homem por intermédio dos olhos ou do ouvido [corporeidade]” (65b).

Nietzsche opõe-se a essa abordagem duplamente: primeiro, é crítico desse pensamento baseado unicamente na razão e num otimismo científico que nega a condição humana: “Compreender os limites da razão, precisamente isto é verdadeiramente filosofia”. Segundo, a tese das formas inteligíveis como explicação da realidade sensível desloca o centro da questão epistemológica para uma realidade além-física, o que pode ser identificado como um retrocesso, um sinal de decadência.

“Quando o centro de gravidade da vida se põe, não na vida, mas no além – no nada – tira-se em geral a vida de seu centro de gravidade. A grande mentira da imortalidade pessoal destrói toda razão, toda a natureza do instinto. Tudo o que nos instintos é benéfico, vivificante, garantia de futuro, inspira agora desconfiança. (NIETZSCHE. O Anticristo, 1997.)

Anulada qualquer possibilidade de conhecimento através do contato sensível, anulada está a corporeidade. O corpo é posto como empecilho ao conhecimento, gerador de enganos, impuro. Deste modo, que seria filosofar a não ser preparar-se para a morte? Se é necessário isolar a alma em si mesma, afastá-la ao máximo das paixões e pulsões do corpo para se conhecer, que filósofo veria na morte um mal, visto que representa precisamente separação total entre alma e corpo? Ao defender frente a seus discípulos sua postura passiva ante a morte, Sócrates demonstra total desprezo ao corpo:

“(...) E quanto aos demais cuidados do corpo, pensas que pode ter valor para tal homem [filósofo]? Julgas que se importará em possuir boa vestimenta ou

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sandálias de boa qualidade, ou não se importará com essas coisas se a força de uma necessidade maior não obrigá-lo a utilizá-las? (...) As preocupações de tal homem não se dirigem ao corpo, mas ao contrário, na medida em que lhe é possível, elas se afastam do corpo e é para a alma que estão voltadas?”(PLATÃO. Fédon, 64e – 65a)

Todo discurso Socrático – platônico – é carregado de negatividade contra o corpo, ao ponto de instruir Cébes a dizer a Eveno para “seguir-lhe as pegadas o mais depressa que puder” (Fédon. 61c). Deslocado está o centro de gravidade da vida. Pode-se dizer neste ponto que, para Nietzsche, tal pensamento “rejeita a vida terrena em função de um além-mundo”, visto que, segundo Sócrates, após a morte, afastados do corpo finalmente alcançaremos o conhecimento pleno. Toda a construção do argumento é uma negação da vida, desde a conceituação da atividade filosófica como uma preparação para a morte, ou por que não, para o pós-morte.

2.2. A imortalidade da alma e a negação da vida

Se filosofar é um prepara-se para a morte, pressuposto está à imortalidade da alma, a existência desta num outro plano pós-morte do corpo, assim como a tese das formas inteligíveis pressupõe a existência da alma anterior ao próprio corpo. Nietzsche vê na noção de imortalidade da alma um sintoma de decadência, de negação da vida; movido pela ilusão de um além metafísico, o homem é impelido a negligenciar a realidade terrena: “Os conceitos de além, de juízo, de imortalidade da alma, de alma, são instrumentos de tortura, sistemas de atrocidades” (O Anticristo, p 39).

Seria essa mais uma objeção nietzscheana a metafísica, a imortalidade da alma argumentada por Sócrates e Platão, submete a vida a um além-mundo. Sócrates declara abertamente que se alegra por saber que no além, terá ainda melhores tutores e se encontrará com homens ainda melhores e, em fim possuirá com abundancia tudo que na vida passada, exigiu a realização de um imenso esforço (67c). Mais uma vez, Nietzsche identificaria no pensamento platônico um deslocamento do centro da vida, o que resulta em negação da própria vida.

2.3. Purificação, castigo e recompensa: sistema de falsificação da realidade e negação da vida

Sócrates reivindica a necessidade de purificação; em que consiste tal purificação ou, o que deve fazer o homem para purificar-se? A resposta resulta quase numa redundância: afastar-se o tanto quanto possível do corpo, de suas pulsões, mantendo a alma isolada em si mesma.

“(...) é apartar-se do corpo, habituá-la a evitá-lo, a concentrar-se sobre si mesma (...) inteiramente desligada do corpo e como se houvesse desatado o laço que a ele a prendiam?”(PLATÃO. Fédon, 67d)

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O próprio pensamento seria, segundo o discurso de Sócrates, um meio de purificação; a necessidade de purificação é expressão de negação do corpo, da vida e da natureza humana. O corpo é tomado como unidade impura, suja, que aprisiona a alma. De fato, essa noção pode ser estendida as três grandes religiões monoteístas existentes, que empreendem uma série de rituais de purificação, a fim de manter a alma limpa e, claro que as semelhanças entre a metafísica cristã e a platônica não são mera coincidência.

A necessidade de purificar-se estabelece a relação castigo/recompensa, também mal vista por Nietzsche.

“(...) Todo aquele que atinja o Hades como profano e sem ter sido iniciado, terá como lugar de destino o lodaçal, enquanto que aquele que houver sido purificado morará, uma vez lá chegado, com os deuses (...).”(PLATÃO. Fédon, 69c)

O discurso faz, uma vez mais, referencias aos mistérios órficos, afirmando que a verdade desde muito está oculta sob aquela linguagem misteriosa. Na noção de castigo e recompensa pregada pelo Cristianismo, Nietzsche teria visto uma espécie de sistema de dominação, que permitia o domínio do sacerdote sobre o rebanho; essa é uma crítica que talvez não caiba a Sócrates e Platão, contudo outra consideração é feita, a de que conceitos metafísicos como alma, castigo, remissão, em nada tocam a realidade, sendo ficções puras, construções de um universo imaginário que desconhece, desvaloriza e trai a realidade, sendo, portanto, uma falsificação da realidade e uma expressão de negação da vida. O tipo de homem que emerge nesse contexto metafísico nega o próprio homem, que se vê na obrigação de reprimir-se, a fim de conquistar melhor sorte no além.

A visão negativa do corpo resulta na necessidade de purificação, que está diretamente atrelada a noção de castigo/recompensa. Aos purificados a recompensa; aos impuros, o castigo. Toda essa construção metafísica é, para Nietzsche, sinal de decadência e negadora da vida.

CONCLUSÃO

De fato, a intenção foi justamente tentar uma leitura do Fédon – tendo em mente como tema central o dualismo alma/corpo e suas implicações – sob a perspectiva de Nietzsche a

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respeito da metafísica, especificamente de conceitos como alma, imortalidade da alma, purificação da alma, castigo e recompensa.

Toda a tradição metafísica do ocidente será duramente criticada por Friedrich Nietzsche e, sendo Platão o pilar principal de tal pensamento, tendo seu Fédon considerado como a carta magna da metafísica ocidental, sofreu este os ataques de Zaratustra.

As críticas feitas à metafísica cristã se estendem ao pensamento platônico, ou talvez fosse mais adequado dizer que a critica a tradição metafísica do ocidente é que se estende ao Cristianismo, que apenas encontrou terra fértil no espírito decadente que há muito já havia tomado a civilização ocidental. Na verdade, como já dissemos, O Anticristo não se trata apenas de um simples ataque ao Cristianismo, mas, sobretudo, trata-se de uma tentativa de denuncia de conceitos que falsificam a realidade e configuram-se como negadores da vida e do instinto humano. A pretensão de Nietzsche é uma crítica a toda tradição cultural, filosófica e moral do ocidente.

Todo o discurso proferido por Sócrates no Fédon, que na verdade pode ser considerado discurso de Platão posto na boca de seu mestre – Pelo menos é assim que analisam boa parte dos historiadores da filosofia -, desde a conceituação da atividade filosófica como uma preparar-se para a morte, passando pela rejeição do corpo, a necessidade de purificação e a imortalidade da alma, encontra sua antítese no pensamento nietzschiano, que é capaz de identificar ali um sinal claro de decadência e negação da vida. A alma e sua imortalidade, a purificação das impurezas do corpo e, o que decorre disso, a noção de castigo e recompensa, seriam construções do imaginário que em nada tocam a realidade, logo, falsificações do real. A própria tese das formas inteligíveis, celebre formulação de Platão, pode ser identificada como ponto de deslocamento do centro da vida para algo que lhe é exterior e, portanto, estranho.

Nietzsche é um pensador controverso e que se põe na contramão de toda tradição do pensamento ocidental, criticando duramente a racionalidade proposta por Sócrates e Platão que foi seguida pelos filósofos posteriores, junto com todo edifício metafísico e moral, que fez surgir um tipo de vida que é negação da própria vida.

BIBLIOGRAFIA

PLATÃO. Fédon. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Cia das Letras, 1996.

GIBELINE, Rosino (Org.). Deus na Filosofia do Século XX. São Paulo: Loyola, 2002.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade média. São Paulo: Paulus, 1990.