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Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

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Page 1: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Introduccedilatildeo agrave Criminologia e a Seguranccedila Puacuteblica

Criminologia introduccedilatildeo

A criminologia eacute o conjunto de conhecimentos a respeito do crime da

criminalidade e suas causas da viacutetima do controle social do ato criminoso

bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializaacute-lo

Etimologicamente o termo deriva do latim crimino (crime) e

do grego logos (tratado ou estudo) seria portanto o estudo do crime

Eacute uma ciecircncia empiacuterica por basear-se na experiecircncia da observaccedilatildeo nos fatos

e na praacutetica mais do que em opiniotildees e argumentos e tambeacutem interdisciplinar

por ser formada pelo diaacutelogo de uma seacuterie de ciecircncias e disciplinas tais como

a biologia a psicopatologia a sociologia poliacutetica a antropologia o direito

a criminaliacutestica a filosofia e outros

A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em

1883 e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885

em sua obra Criminologia

Escolas

Quando surgiu a criminologia tratava de explicar a origem da delinquecircncia

(crime) utilizando o meacutetodo das ciecircncias naturais a etiologia ou seja buscava

a causa do delito Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito

como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade

A criminologia eacute dividida em escola claacutessica (Beccaria seacuteculo XVIII) escola

positiva (Lombroso seacuteculo XIX) e escola socioloacutegica (final do seacuteculo XIX)

Academicamente a Criminologia comeccedila com a publicaccedilatildeo da obra de Cesare

Lombroso chamada LUomo Delinquente (O Homem Delinquente em

traduccedilatildeo livre) em 1876 Sua tese principal era a do delinquente nato Com

isto Lombroso pretendia identificar o criminoso por intermeacutedio de sua

aparecircncia fiacutesica (orelha tamanho da cabeccedila ossos cor da pele olhos) e

inclusive de procedecircncia espacial (asiaacuteticos indiacutegenas etc) o que se

comprovou completamente equivocado

Poreacutem ateacute os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os

suspeitos especialmente pelos seus estigmas Em 2004 Carlos Roberto Bacila

fez uma releitura histoacuterica do crime apresentando a tese dos estigmas como

metarregras na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas

as naturezas (racial mulher pobreza religiatildeo fiacutesica etc) e as influecircncias deles

no sistema penal

Jaacute existiram vaacuterias tendecircncias causais na criminologia Baseado em Rousseau

a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade baseado em

Lombroso para erradicar o delito deveriacuteamos encontrar a eventual causa no

proacuteprio delinquente e natildeo no meio Enquanto um extremo que procura todas as

causas de toda criminalidade na sociedade o outro organicista investigava

o arqueacutetipo do criminoso nato (um delinquente com determinados

traccedilos morfoloacutegicos influecircncia do Darwinismo) (Veja Rousseau Personalidade

Criminosa)

Isoladamente tanto as tendecircncias socioloacutegicas quanto as orgacircnicas

fracassaram Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social Volta a tomar

forccedila os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do

delinquente agrave testosterona (hormocircnio masculino) os estudos de geneacutetica ao

tentar identificar no genoma humano um possiacutevel conjunto de genes da

criminalidade (fator bioloacutegico ou endoacutegeno) e ainda haacute os que atribuem a

criminalidade meramente ao ambiente (fator mesoloacutegico) como fruto de

transtornos como a violecircncia familiar a falta de oportunidades etc

Lombroso eacute considerado o marco da Escola Positivista em termos filosoacuteficos

encontramos Augusto Comte Esta escola italiana critica os da Escola Claacutessica

como Beccaria e Bentham no que diz respeito agrave utilizaccedilatildeo de uma metodologia

loacutegico-dedutiva metafiacutesica onde natildeo existia a observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos

As caracteriacutesticas principais desta escola mostram-se em trecircs pontos

Empirismo (cientificidade observaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo dos factos Negaccedilatildeo

aos pensamentos dedutivos e abstractos) O Criminoso como objecto de

estudo (importacircncia do estudo do criminoso como autor do crime A

delinquecircncia eacute vista como um mero sintoma dos instintos criminogeacuteneos do

sujeito Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o

crime) Determinismo

Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o

indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue

controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de

[reeducaccedilatildeo] do delinquente

Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o

conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o

reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que

possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos

sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma

relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a

psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal

Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie

de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um

determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de

informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez

idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do

direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto

produzido por essa nova lei na criminalidade

Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso

Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do

criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e

motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os

antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva

o agressor a praticar pragmaacutetica o crime

Cientificidade da criminologia

A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de

conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da

experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de

conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio

da realidade)

Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um

rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade

de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de

seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se

confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e

sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo

Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve

numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de

controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que

agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)

A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem

crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma

abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa

que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-

se ao princiacutepio de justiccedila social

Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos

determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta

do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma

preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas

determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da

criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente

Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo

independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia

Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular

anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro

lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo

estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o

procedimento de deduccedilatildeo

Criminologia e ciecircncias afins

A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo

diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer

ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com

disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou

naturais

Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos

Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito

Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia

na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O

direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e

atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os

indiviacuteduos a evitar essas condutas

Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos

necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito

jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do

acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais

justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa

Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e

desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso

Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito

Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo

do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando

o objetivo de punir sem castigar

Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato

criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia

Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias

que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental

Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua

dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua

histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)

Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute

resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 2: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Criminologia introduccedilatildeo

A criminologia eacute o conjunto de conhecimentos a respeito do crime da

criminalidade e suas causas da viacutetima do controle social do ato criminoso

bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializaacute-lo

Etimologicamente o termo deriva do latim crimino (crime) e

do grego logos (tratado ou estudo) seria portanto o estudo do crime

Eacute uma ciecircncia empiacuterica por basear-se na experiecircncia da observaccedilatildeo nos fatos

e na praacutetica mais do que em opiniotildees e argumentos e tambeacutem interdisciplinar

por ser formada pelo diaacutelogo de uma seacuterie de ciecircncias e disciplinas tais como

a biologia a psicopatologia a sociologia poliacutetica a antropologia o direito

a criminaliacutestica a filosofia e outros

A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em

1883 e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885

em sua obra Criminologia

Escolas

Quando surgiu a criminologia tratava de explicar a origem da delinquecircncia

(crime) utilizando o meacutetodo das ciecircncias naturais a etiologia ou seja buscava

a causa do delito Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito

como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade

A criminologia eacute dividida em escola claacutessica (Beccaria seacuteculo XVIII) escola

positiva (Lombroso seacuteculo XIX) e escola socioloacutegica (final do seacuteculo XIX)

Academicamente a Criminologia comeccedila com a publicaccedilatildeo da obra de Cesare

Lombroso chamada LUomo Delinquente (O Homem Delinquente em

traduccedilatildeo livre) em 1876 Sua tese principal era a do delinquente nato Com

isto Lombroso pretendia identificar o criminoso por intermeacutedio de sua

aparecircncia fiacutesica (orelha tamanho da cabeccedila ossos cor da pele olhos) e

inclusive de procedecircncia espacial (asiaacuteticos indiacutegenas etc) o que se

comprovou completamente equivocado

Poreacutem ateacute os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os

suspeitos especialmente pelos seus estigmas Em 2004 Carlos Roberto Bacila

fez uma releitura histoacuterica do crime apresentando a tese dos estigmas como

metarregras na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas

as naturezas (racial mulher pobreza religiatildeo fiacutesica etc) e as influecircncias deles

no sistema penal

Jaacute existiram vaacuterias tendecircncias causais na criminologia Baseado em Rousseau

a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade baseado em

Lombroso para erradicar o delito deveriacuteamos encontrar a eventual causa no

proacuteprio delinquente e natildeo no meio Enquanto um extremo que procura todas as

causas de toda criminalidade na sociedade o outro organicista investigava

o arqueacutetipo do criminoso nato (um delinquente com determinados

traccedilos morfoloacutegicos influecircncia do Darwinismo) (Veja Rousseau Personalidade

Criminosa)

Isoladamente tanto as tendecircncias socioloacutegicas quanto as orgacircnicas

fracassaram Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social Volta a tomar

forccedila os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do

delinquente agrave testosterona (hormocircnio masculino) os estudos de geneacutetica ao

tentar identificar no genoma humano um possiacutevel conjunto de genes da

criminalidade (fator bioloacutegico ou endoacutegeno) e ainda haacute os que atribuem a

criminalidade meramente ao ambiente (fator mesoloacutegico) como fruto de

transtornos como a violecircncia familiar a falta de oportunidades etc

Lombroso eacute considerado o marco da Escola Positivista em termos filosoacuteficos

encontramos Augusto Comte Esta escola italiana critica os da Escola Claacutessica

como Beccaria e Bentham no que diz respeito agrave utilizaccedilatildeo de uma metodologia

loacutegico-dedutiva metafiacutesica onde natildeo existia a observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos

As caracteriacutesticas principais desta escola mostram-se em trecircs pontos

Empirismo (cientificidade observaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo dos factos Negaccedilatildeo

aos pensamentos dedutivos e abstractos) O Criminoso como objecto de

estudo (importacircncia do estudo do criminoso como autor do crime A

delinquecircncia eacute vista como um mero sintoma dos instintos criminogeacuteneos do

sujeito Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o

crime) Determinismo

Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o

indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue

controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de

[reeducaccedilatildeo] do delinquente

Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o

conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o

reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que

possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos

sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma

relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a

psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal

Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie

de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um

determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de

informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez

idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do

direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto

produzido por essa nova lei na criminalidade

Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso

Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do

criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e

motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os

antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva

o agressor a praticar pragmaacutetica o crime

Cientificidade da criminologia

A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de

conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da

experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de

conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio

da realidade)

Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um

rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade

de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de

seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se

confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e

sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo

Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve

numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de

controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que

agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)

A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem

crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma

abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa

que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-

se ao princiacutepio de justiccedila social

Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos

determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta

do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma

preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas

determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da

criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente

Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo

independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia

Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular

anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro

lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo

estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o

procedimento de deduccedilatildeo

Criminologia e ciecircncias afins

A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo

diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer

ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com

disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou

naturais

Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos

Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito

Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia

na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O

direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e

atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os

indiviacuteduos a evitar essas condutas

Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos

necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito

jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do

acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais

justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa

Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e

desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso

Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito

Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo

do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando

o objetivo de punir sem castigar

Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato

criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia

Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias

que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental

Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua

dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua

histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)

Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute

resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 3: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Poreacutem ateacute os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os

suspeitos especialmente pelos seus estigmas Em 2004 Carlos Roberto Bacila

fez uma releitura histoacuterica do crime apresentando a tese dos estigmas como

metarregras na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas

as naturezas (racial mulher pobreza religiatildeo fiacutesica etc) e as influecircncias deles

no sistema penal

Jaacute existiram vaacuterias tendecircncias causais na criminologia Baseado em Rousseau

a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade baseado em

Lombroso para erradicar o delito deveriacuteamos encontrar a eventual causa no

proacuteprio delinquente e natildeo no meio Enquanto um extremo que procura todas as

causas de toda criminalidade na sociedade o outro organicista investigava

o arqueacutetipo do criminoso nato (um delinquente com determinados

traccedilos morfoloacutegicos influecircncia do Darwinismo) (Veja Rousseau Personalidade

Criminosa)

Isoladamente tanto as tendecircncias socioloacutegicas quanto as orgacircnicas

fracassaram Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social Volta a tomar

forccedila os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do

delinquente agrave testosterona (hormocircnio masculino) os estudos de geneacutetica ao

tentar identificar no genoma humano um possiacutevel conjunto de genes da

criminalidade (fator bioloacutegico ou endoacutegeno) e ainda haacute os que atribuem a

criminalidade meramente ao ambiente (fator mesoloacutegico) como fruto de

transtornos como a violecircncia familiar a falta de oportunidades etc

Lombroso eacute considerado o marco da Escola Positivista em termos filosoacuteficos

encontramos Augusto Comte Esta escola italiana critica os da Escola Claacutessica

como Beccaria e Bentham no que diz respeito agrave utilizaccedilatildeo de uma metodologia

loacutegico-dedutiva metafiacutesica onde natildeo existia a observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos

As caracteriacutesticas principais desta escola mostram-se em trecircs pontos

Empirismo (cientificidade observaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo dos factos Negaccedilatildeo

aos pensamentos dedutivos e abstractos) O Criminoso como objecto de

estudo (importacircncia do estudo do criminoso como autor do crime A

delinquecircncia eacute vista como um mero sintoma dos instintos criminogeacuteneos do

sujeito Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o

crime) Determinismo

Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o

indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue

controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de

[reeducaccedilatildeo] do delinquente

Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o

conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o

reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que

possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos

sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma

relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a

psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal

Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie

de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um

determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de

informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez

idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do

direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto

produzido por essa nova lei na criminalidade

Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso

Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do

criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e

motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os

antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva

o agressor a praticar pragmaacutetica o crime

Cientificidade da criminologia

A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de

conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da

experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de

conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio

da realidade)

Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um

rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade

de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de

seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se

confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e

sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo

Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve

numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de

controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que

agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)

A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem

crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma

abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa

que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-

se ao princiacutepio de justiccedila social

Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos

determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta

do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma

preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas

determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da

criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente

Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo

independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia

Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular

anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro

lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo

estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o

procedimento de deduccedilatildeo

Criminologia e ciecircncias afins

A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo

diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer

ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com

disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou

naturais

Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos

Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito

Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia

na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O

direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e

atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os

indiviacuteduos a evitar essas condutas

Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos

necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito

jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do

acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais

justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa

Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e

desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso

Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito

Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo

do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando

o objetivo de punir sem castigar

Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato

criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia

Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias

que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental

Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua

dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua

histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)

Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute

resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 4: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o

indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue

controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de

[reeducaccedilatildeo] do delinquente

Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o

conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o

reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que

possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos

sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma

relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a

psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal

Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie

de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um

determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de

informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez

idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do

direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto

produzido por essa nova lei na criminalidade

Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso

Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do

criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e

motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os

antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva

o agressor a praticar pragmaacutetica o crime

Cientificidade da criminologia

A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de

conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da

experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de

conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio

da realidade)

Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um

rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade

de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de

seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se

confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e

sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo

Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve

numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de

controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que

agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)

A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem

crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma

abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa

que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-

se ao princiacutepio de justiccedila social

Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos

determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta

do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma

preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas

determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da

criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente

Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo

independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia

Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular

anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro

lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo

estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o

procedimento de deduccedilatildeo

Criminologia e ciecircncias afins

A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo

diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer

ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com

disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou

naturais

Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos

Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito

Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia

na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O

direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e

atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os

indiviacuteduos a evitar essas condutas

Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos

necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito

jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do

acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais

justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa

Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e

desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso

Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito

Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo

do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando

o objetivo de punir sem castigar

Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato

criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia

Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias

que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental

Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua

dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua

histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)

Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute

resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 5: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um

rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade

de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de

seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se

confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e

sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo

Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve

numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de

controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que

agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)

A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem

crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma

abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa

que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-

se ao princiacutepio de justiccedila social

Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos

determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta

do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma

preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas

determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da

criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente

Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo

independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia

Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular

anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro

lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo

estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o

procedimento de deduccedilatildeo

Criminologia e ciecircncias afins

A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo

diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer

ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com

disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou

naturais

Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos

Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito

Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia

na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O

direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e

atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os

indiviacuteduos a evitar essas condutas

Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos

necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito

jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do

acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais

justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa

Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e

desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso

Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito

Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo

do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando

o objetivo de punir sem castigar

Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato

criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia

Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias

que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental

Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua

dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua

histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)

Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute

resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 6: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo

diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer

ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com

disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou

naturais

Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos

Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito

Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia

na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O

direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e

atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os

indiviacuteduos a evitar essas condutas

Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos

necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito

jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do

acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais

justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa

Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e

desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso

Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito

Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo

do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando

o objetivo de punir sem castigar

Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato

criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia

Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias

que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental

Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua

dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua

histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)

Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute

resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 7: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que

influenciam ou determinam a conduta do criminoso

Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso

(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel

influecircncia para a ocorrecircncia do crime)

Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um

crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor

especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea

Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental

analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute

determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa

probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha

Criminologia

Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde

e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940

INTRODUCcedilAtildeO

O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina

quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute

diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no

espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo

marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por

ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e

sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a

criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute

indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-

cientiacutefica

Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o

momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos

doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 8: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente

Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria

empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a

tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de

um livro cientiacutefico

Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com

Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros

aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no

entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na

segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias

liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a

ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por

derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe

Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica

Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises

estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos

sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados

formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa

discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia

uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos

claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos

ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA

A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma

conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia

meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo

dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de

estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor

Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os

postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos

acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito

niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 9: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que

investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as

empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais

substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental

(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de

claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da

cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo

No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de

forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas

correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas

como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do

direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees

ESCOLA CLAacuteSSICA

Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola

Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum

relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados

pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir

os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar

um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo

surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento

comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo

pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das

valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo

que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria

Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova

doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias

Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do

seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo

reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e

juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 10: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da

dignidade do homem

Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor

Sampaio Penteado Filho in verbis

Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)

que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social

ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os

homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila

coletiva

Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural

ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou

melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma

reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de

maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao

individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como

preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos

Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos

benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar

da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a

conduta delitiva

Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas

conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para

maior satisfaccedilatildeo do grupo social

ESCOLA POSITIVA

Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no

campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo

com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que

a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa

influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos

fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar

que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -

jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 11: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a

criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante

pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste

artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e

delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra

Fiacutesica Social

A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de

observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia

Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e

em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse

substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando

assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica

juriacutedica

Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva

satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave

diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e

metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de

observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto

psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais

(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos

fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias

poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na

realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado

tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os

direitos coletivos

Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases

antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais

iremos discorrer mais adiante

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 12: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

CESAR LOMBROSO (1835-1909)

Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e

Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se

sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo

Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu

iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso

natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos

esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da

ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas

para traccedilar um perfil dos criminosos

Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas

e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido

dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de

matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou

informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de

cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato

Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser

consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou

independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno

humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma

uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua

tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)

epileacutetico

Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que

milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime

Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam

relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade

na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria

em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
Page 13: Introdução à Criminologia e a Segurança Pública

Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em

manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser

que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce

criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros

nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo

degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte

fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios

finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro

etc32

Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso

natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento

socioloacutegico de Ferri

RAFAEL GAROFALO (1851-1934)

Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola

Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33

Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa

transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert

Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola

Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a

periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a

prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum

da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da

Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos

reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez

que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35

Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no

homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de

temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo

de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a

necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de

seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural

(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os

criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral

especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena

de morte aos primeiros 36

Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como

principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que

estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em

sociedade vejamos

As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as

de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do

homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees

radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a

seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade

de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta

capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua

preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a

incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo

ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do

criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que

permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa

social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente

ENRICO FERRI (1856-1929)

Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na

investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu

primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-

arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de

autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade

De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi

sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri

passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais

adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves

ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao

estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou

nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva

O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do

grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola

positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave

impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute

poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais

admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de

uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt

Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo

ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura

diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e

Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava

incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de

uma pequena minoria dentro desse grupo40

Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou

de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para

Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da

Escola Positiva41

Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto

social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida

em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais

fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo

preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo

do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42

Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo

destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos

fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o

nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a

preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo

das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o

desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo

condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou

assistencial do menor 43

TERZA SCUOLA ITALIANA

O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram

as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente

bem definidas

Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo

dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias

reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam

romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores

especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes

representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com

uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de

novas ideias44

Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de

Criminologia

As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua

eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas

apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias

ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem

romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45

A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana

tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por

Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891

Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico

Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni

(Istituzioni di Diritto Penale)46

A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente

distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a

responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo

determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte

sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A

quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo

pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e

para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta

escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado

poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social

embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta

da medida de seguranccedila47

ESCOLA MODERNA ALEMAtilde

O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes

ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual

representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola

italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido

como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com

a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel

que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal

que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi

retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito

Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade

destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos

cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48

Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os

mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande

influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou

toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de

jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude

o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o

interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-

cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal

Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em

Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se

aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras

juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em

1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande

dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se

digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a

utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os

juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da

realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo

juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50

Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de

Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do

Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal

fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo

vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal

dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras

disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar

que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51

Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela

normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a

finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt

incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a

Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a

missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as

causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso

Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de

Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande

repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em

choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal

representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico

seguidor das teorias de Kant e Hegel53

Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca

dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola

moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento

tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica

alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do

holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo

Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica

e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias

contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime

era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e

socioloacutegicordquo 54

Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser

sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-

experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais

ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das

demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia

etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa

distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo

do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a

medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute

concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o

crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno

humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica

da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena

finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem

perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a

prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de

liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de

alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando

efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55

CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA

Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os

motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal

explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e

legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o

positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e

investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia

antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era

inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo

levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era

cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse

por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao

nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57

Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente

cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico

conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores

houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que

abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente

criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social

bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente

juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que

casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58

A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do

Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a

anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes

do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das

normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade

social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro

entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a

Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses

ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada

para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da

construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas

sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59

INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940

A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da

Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os

postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola

Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave

Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem

um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres

em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente

oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente

agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O

Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais

Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de

coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o

classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola

positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o

talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade

legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio

judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62

A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo

estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do

criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem

ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores

endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor

intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63

O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor

assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da

personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64

Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos

motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra

de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe

representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme

acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o

ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime

figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de

relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65

A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena

medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica

em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato

assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em

seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da

pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066

O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a

circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo

Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65

do Coacutedigo Penal

Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois

criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do

delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento

poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido

pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o

singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada

pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no

Projeto Ferri 67

Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri

aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli

Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo

nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o

criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de

motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de

reconhecimento da reincidecircncia68

As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola

Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas

sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social

foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das

medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a

periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola

Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo

definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a

quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo

delinquente69

O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade

e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como

observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo

soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os

instrumentos de poliacutetica criminal 70

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar

teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo

Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A

Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-

se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a

uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade

inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola

Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no

campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A

Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna

Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime

e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores

O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito

Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do

fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua

conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de

que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade

Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como

fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a

socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe

dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica

das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria

comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras

envolvidas

A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e

natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge

o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os

indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de

inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute

responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder

estatal

De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela

implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-

tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da

construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa

ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de

elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo

Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a

criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-

ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico

e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados

considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos

iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia

na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma

sociedade

NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA

O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia

bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de

acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo

de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-

mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia

eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal

capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito

De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO

SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra

nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa

forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da

criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute

sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca

das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais

construiratildeo seus proacuteprios conceitos

Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus

tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-

nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da

criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-

toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de

meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram

diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas

com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram

A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a

enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era

constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais

antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos

que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os

manicocircmios judiciaacuterios

O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da

criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado

um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras

palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os

fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-

los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente

Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto

da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade

da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca

em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do

conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o

corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser

controlada ou mesmo interrompida

Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado

criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-

ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6

Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se

manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de

normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna

uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro

lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do

comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel

delitivo

Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res

com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-

ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de

pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas

passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados

estando o crime em permanente oferta

A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo

da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de

dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos

permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez

de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)

Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente

encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas

as possibilida- des de controle informal da criminalidade

Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se

realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-

portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito

mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos

cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma

atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou

negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no

paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas

natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas

A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to

Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo

qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou

mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno

delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de

demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas

razotildees que o ocasionam

A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas

preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto

insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de

medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se

trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que

conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem

conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se

determinada medida deveraacute ser adotada

Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo

complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO

MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes

natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar

da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno

delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo

dos fatos que a ele dizem respeito

O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos

satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo

bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do

tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de

entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis

penais

A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas

razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja

meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo

qual se pode realizar tal conclusatildeo

O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados

de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas

Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que

constituem uma disciplina

CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-

junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito

entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as

teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-

dade ou totalidade justamente por serem sempre formais

Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de

ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo

explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-

raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes

que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos

fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros

Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma

forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te

deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em

suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a

uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-

mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo

O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve

sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No

entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se

pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-

dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise

con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das

possiacuteveis respostas mais adequadas a estas

A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do

delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia

Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para

tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos

experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real

Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada

pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para

a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de

explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com

essa afirmativa ao lecionar

Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo

Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo

formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela

relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-

cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias

permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito

auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia

O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime

tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de

que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do

desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O

conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza

dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria

possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do

objeto investigado

Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo

minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia

tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de

estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de

imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade

completa do investigador eacute uma utopia

O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para

explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me

diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico

empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais

deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo

A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente

descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar

sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios

de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute

elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo

uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos

criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito

de delito

Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-

pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-

mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus

estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por

parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa

forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees

colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso

CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL

Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal

estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da

mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao

estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que

surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a

criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal

Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las

radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras

diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-

minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial

ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige

profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma

disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles

normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo

Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs

distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da

poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque

tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo

mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que

ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um

conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo

O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel

relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas

disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia

de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de

conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito

os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave

infraccedilatildeo das leisrdquo

A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas

antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que

sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-

cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais

completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas

Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica

criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso

natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas

autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus

respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias

realizaccedilotildees distintamente

Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas

penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter

resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com

relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos

sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-

se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua

diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo

Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-

nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em

primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real

faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash

assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash

analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por

meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a

importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais

para os estudos criminoloacutegicos

Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por

empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-

tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma

qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-

nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos

indiviacute- duos ou desviados por estes

Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser

deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-

gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na

medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma

conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo

da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras

disciplinas

Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais

eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las

Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente

porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem

alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de

que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais

lograratildeo sucesso

Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal

Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de

tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente

parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso

paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo

desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a

dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade

dos estudos criminoloacutegicos

Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute

o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como

fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas

finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com

que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem

autonomia e independecircncia

Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando

insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a

funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as

menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias

relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o

Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao

contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses

diversos de classes distintas

Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo

do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise

das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito

penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados

para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees

obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados

conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a

ambos os campos do conhecimento

A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa

tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como

o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e

portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente

refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da

reaccedilatildeo social (labelling approach)

De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da

igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque

o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-

tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-

noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se

leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados

Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber

criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo

afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica

do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute

questionada pela criminologia

A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a

efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-

sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito

penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se

justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-

quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como

um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade

Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o

confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal

nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute

algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas

ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao

maacutexi- mo o problema da criminalidade

Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada

sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do

direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso

dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-

ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do

sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de

controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos

problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal

A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia

criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na

evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense

que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer

possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa

opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado

sua perfeiccedilatildeo

Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o

ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O

direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo

do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a

criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo

Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se

dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da

interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente

tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de

forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve

dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se

conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo

Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo

de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas

de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de

convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer

que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e

independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em

muitos aspectos

O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia

eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo

responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada

uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode

deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a

compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social

Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do

objeto das referidas esferas de conhecimento

ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo

Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as

disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem

que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-

tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra

Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia

tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute

certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do

que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu

conteuacutedo de estudo

Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas

acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que

meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal

deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e

a execuccedilatildeo das penas

Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre

dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a

autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da

de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um

entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da

sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees

O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO

O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para

definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as

terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-

sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-

denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo

infraccedilotildees de menor gravidade

Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de

Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou

delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se

Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina

isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente

Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil

historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No

entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo

deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal

conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to

cientifico do que seja crime

A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em

outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos

e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados

Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de

accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila

entre os indiviacuteduos

Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos

problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-

frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por

aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves

necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a

atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais

A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este

cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que

deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa

compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-

niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de

entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que

lhes deveratildeo ser aplicadas

A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que

a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem

a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem

certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o

delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu

momento de observaccedilatildeo

Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-

dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque

estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de

vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito

tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-

dido como desviante

Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo

o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-

mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente

uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo

repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias

caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas

quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade

O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente

importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-

ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a

criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre

tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-

taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis

do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto

como problema individual de todos

A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute

utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-

metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-

laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes

serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes

fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-

cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo

A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao

princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em

todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como

desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica

realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem

ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos

que foram por ela estudados

Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela

poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos

da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de

eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo

aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a

normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO

anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou

decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo

Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina

penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia

ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas

delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de

criminalidade na verdade natildeo existe

A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no

fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro

lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras

negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha

conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas

de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por

pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de

falha humana

Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade

do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila

entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em

determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo

A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para

a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo

tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da

referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo

dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas

pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo

acerca das medidas a serem implementadas)

SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com

uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo

legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-

minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo

natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila

fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio

proacuteprio

Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A

concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de

que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem

disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e

imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis

podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais

dominantes

A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a

necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu

proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-

ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-

cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal

concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-

tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com

tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio

Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e

independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo

resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso

Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como

o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-

das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev

dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados

obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso

Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em

mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa

criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo

etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte

enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-

nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo

NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA

Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas

(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a

conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1

Histoacuterico

As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade

senatildeo vejamos

Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se

tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo

e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2

Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do

Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3

Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o

meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas

caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado

o genitor da Criminologia

Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica

de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas

caracteriacutesticas fiacutesicas

Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato

carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua

potencialidade criminal5rdquo

Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O

estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas

fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua

um determinado grupo social6rdquo

Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de

Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia

e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de

organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos

tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda

citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal

repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o

delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a

Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a

maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal

e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave

repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8

Objeto da Criminologia

Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o

ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)

baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)

b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime

tratamento e profilaxiardquo9

Meacutetodos

O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os

meacutetodos empregados pela Criminologia

ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente

que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias

naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia

satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia

b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame

Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()

Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de

fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado

desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das

taacutebuas de prognoacutesticordquo10

Finalidade da Criminologia

Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu

conceito

O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades

psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina

ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar

para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os

delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash

prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees

atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade

Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica

Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter

consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os

seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos

uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar

legitimar e manter o status quo11rdquo

Criminologia e outras disciplinas

Sociologia Criminal

Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas

dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)

sociais

Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o

autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do

fenocircmeno social da criminalidade12rdquo

Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o

crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13

ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se

sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem

individualrdquo14

Psicologia Criminal

A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do

criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade

e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15

Psiquiatria Criminal

A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a

profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16

Biologia Criminal

A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de

Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que

estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o

levam a cometer crimerdquo

ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do

delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os

coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa

devem ser focalizados e equacionadosrdquo17

A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito

Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio

Gomes nos ensina que

ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em

dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem

ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter

natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou

contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico

destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo

equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias

natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu

rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio

Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do

processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por

sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou

contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele

eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O

centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que

o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e

singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais

complexo()

a) O modelo claacutessico

De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a

resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida

eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do

castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo

conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia

explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz

necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito

constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas

criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se

com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e

que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade

repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei

O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas

razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como

instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais

produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise

cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio

natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele

produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui

elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser

exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete

mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e

energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica

criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a

poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor

desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito

tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que

existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa

necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da

criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da

debilidade das penas ou do fracasso do controle social

Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o

decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com

que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza

ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator

potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente

a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto

senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser

cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva

aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena

que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de

forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela

sociedade como justa e merecida18

b) O modelo neoclaacutessico

Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito

dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento

(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de

fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a

seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria

do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a

criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e

melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o

infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de

um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os

partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre

poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando

progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua

estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos

em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre

esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores

resultados

Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente

Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida

relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da

delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque

o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do

ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade

preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites

estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o

problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees

Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo

parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o

descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal

Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo

da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da

registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma

proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o

problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis

Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da

prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento

e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso

a meacutedio prazo

De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a

suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema

legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este

uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do

sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade

real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima

constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais

e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a

propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados

poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da

efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime

registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros

oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime

nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta

mais crime

() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma

prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social

formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do

informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade

Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se

quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que

reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial

social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente

sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e

prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)

As duas grandes etapas da criminologia

A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA

A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu

Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria

A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se

com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo

entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles

visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)

A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela

observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da

configuraccedilatildeo do cracircnio

A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base

para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime

Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo

psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento

mas com psicopatologia grave)

B) CIENTIacuteFICA

B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o

lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo

antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas

suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo

Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras

investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo

natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo

existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie

A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato

admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo

que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia

B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da

Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional

4) habitual e 5) passional

Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)

assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos

Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores

da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram

efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito

B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter

estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias

lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no

cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de

infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um

ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente

em que vive

As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo

Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa

educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social

aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a

prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a

especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa

do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a

economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor

qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os

conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute

proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo

secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou

exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos

ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de

problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees

policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo

urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo

terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente

naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida

novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao

meio social

O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal

Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia

5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam

ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema

interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase

domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que

deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com

tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e

tratamento

A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal

simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si

solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um

duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada

submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo

criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator

polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica

sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano

causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo

proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como

exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator

(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila

quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do

conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se

pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de

prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de

dissuasatildeo penal

A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais

complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico

que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a

relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e

interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito

sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso

problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a

serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem

o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e

de seu controle

Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o

fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e

prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o

enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de

um Estado social e democraacutetico de Direito

A Criminologia no Brasil

Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia

no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de

Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro

autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao

comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e

tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o

Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo

jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de

vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria

representado sobretudo pela obra de Lombroso

O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito

agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do

grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma

ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos

paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos

estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)

Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal

de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um

puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do

Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil

como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de

Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf

Viveiros de Castro 189414)

Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias

Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira

de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio

Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo

Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas

categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto

sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado

admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros

revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia

germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista

sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a

um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da

abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso

De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros

juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas

abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa

Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda

Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo

Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito

entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais

conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal

Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o

exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria

toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios

de debate no interior do direito penal

Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o

pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que

tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de

reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos

de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar

com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito

de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil

(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo

da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre

os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta

aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das

novas teorias criminoloacutegicas

Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica

Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu

deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil

se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores

jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio

europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil

grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai

da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios

Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na

incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no

Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo

intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente

atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior

Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto

satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885

que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente

repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se

destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de

perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo

inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os

juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a

respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do

que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do

crime

Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas

na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo

deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola

Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender

as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no

Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus

correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do

direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas

isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da

antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil

estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se

situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a

despontar no campo do direito

[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo

tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute

entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na

economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se

possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica

conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no

mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros

esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala

desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias

(Macedo Soares 1888499)

Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas

concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de

mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os

defensores da criminologia

Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de

Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por

refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo

de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo

(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua

vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas

indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho

1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do

criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees

audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces

da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem

as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais

objeccedilotildees presentes no debate europeu

Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e

da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo

equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora

do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas

parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos

setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo

dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico

e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos

O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as

diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como

se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria

terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal

criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como

sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo

eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa

Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave

frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na

construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a

maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um

prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais

aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos

criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a

antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de

Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola

Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da

criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta

mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a

necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico

nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de

sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)

Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente

constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas

em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os

problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo

contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela

grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees

juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo

tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais

avanccedilado existia no mundo

Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas

europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser

pensados como problemas complexos demais para serem observados de um

ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem

ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis

Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica

natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime

Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao

delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute

impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se

poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se

depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave

perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse

germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)

O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que

interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime

subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado

no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro

As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as

abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de

admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam

secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21

Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas

Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que

atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas

natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila

simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da

antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros

de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a

atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do

crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre

outros

De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos

trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das

abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo

aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola

Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus

disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha

lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de

consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da

contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da

criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada

com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das

accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado

como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova

Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a

presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso

diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal

Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash

satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma

nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das

instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais

Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a

defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista

antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola

Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade

de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os

diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir

Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de

entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de

mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de

1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas

sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo

formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos

juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o

triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal

Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual

do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e

efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da

ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf

Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus

trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo

pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito

penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar

a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891

mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo

servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e

justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da

naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema

foram produzidas por professores e alunos da faculdade23

Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do

Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo

Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)

as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates

teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos

Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram

aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo

capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o

proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo

A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro

na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos

novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo

Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a

antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na

defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira

de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira

Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do

Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o

advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da

doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos

Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso

Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se

restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)

Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal

tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no

interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola

do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista

que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre

outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro

significado reformador

Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas

teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como

jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se

correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o

reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)

Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus

seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova

Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista

especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do

Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais

defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A

Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e

Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e

sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as

sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)

No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O

Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro

afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel

haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o

processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente

seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos

tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma

constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente

abolido perante os crimes comuns

Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma

instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para

julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores

falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a

impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se

funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do

delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)

O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos

juristas da Nova Escola24

No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos

que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da

nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de

conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da

experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus

caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que

Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da

antropologia criminal

Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia

Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o

direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos

estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a

tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada

no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos

O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados

sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que

nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa

das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando

assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no

centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da

Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus

defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto

das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)

lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute

se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo

social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica

e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que

animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez

em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e

Satildeo Paulo

Tratar Desigualmente os Desiguais

No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo

por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade

de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola

Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal

na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo

uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava

por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola

Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees

sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo

XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do

poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A

substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade

poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas

urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os

juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas

de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico

contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa

mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca

da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e

disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das

elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da

presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes

A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem

criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave

criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo

dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade

local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as

elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de

controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como

consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as

particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse

problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido

mais interessantes

As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila

diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente

para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano

longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar

pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na

vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)

A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de

expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores

adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo

poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e

sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das

desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa

desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos

debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de

reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a

Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)

Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da

igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia

criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de

Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a

Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash

expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser

deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade

nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e

na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a

legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que

diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao

Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a

uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada

Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um

coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente

contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana

Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto

fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e

que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos

da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais

que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente

distintas (Rodrigues 1938225-226)

Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e

eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse

toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises

cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade

fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola

Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o

legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma

realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio

simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que

marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira

ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que

ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo

social

Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com

as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por

outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto

poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo

da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute

que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os

dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a

tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar

reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o

liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas

entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal

estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do

Estado ante a sociedade

Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como

possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de

vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio

geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas

representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e

seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos

mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo

poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem

comum (Fry e Carrara 198650)

Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica

iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo

ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja

aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que

necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes

das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo

da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de

192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a

Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e

institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram

influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por

Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do

criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito

tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal

ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros

tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais

Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar

desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento

juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no

paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as

transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias

especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de

tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como

um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores

naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da

criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas

claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos

indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos

juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais

Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar

totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e

de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas

legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas

seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de

seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino

ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo

dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no

debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na

primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante

de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as

praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso

paiacutes

  • Criminologia introduccedilatildeo
  • Criminologia
    • Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
      • ESCOLA CLAacuteSSICA
          • Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
          • Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
          • Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
          • Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
          • Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
            • ESCOLA POSITIVA
              • CESAR LOMBROSO (1835-1909)
              • RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
              • ENRICO FERRI (1856-1929)
              • TERZA SCUOLA ITALIANA
              • ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
                • CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
                • INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
                • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                  • NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
                  • CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
                  • O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
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