investigacao Ministério Publico

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    LUS ROBERTO BARROSO

    Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJDoutor Livre-Docente pela UERJ

    Mestre em Direito pela Yale Law School

    INVESTIGAO PELO MINISTRIO PBLICO. ARGUMENTOSCONTRRIOS E A FAVOR. A SNTESE POSSVEL E NECESSRIA

    S UMRIO

    I. I NTRODUOII. OS PRECEDENTES DOSUPREMOTRIBUNALFEDERAL NA MATRIA

    III. O ARGUMENTO CONTRRIO INVESTIGAO PELOMINISTRIOPBLICO

    IV.O ARGUMENTO A FAVOR DA INVESTIGAO PELOMINISTRIOPBLICOV. CONCLUSO

    1. Reflexo relevante2. A sntese possvel e necessria

    I. INTRODUO

    Trata-se de parecer solicitado pelo Ministro NilmrioMiranda, Secretrio Especial dos Direitos Humanos e Presidente doConselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), acerca dequesto polmica, que vem dividindo opinies na comunidade jurdicanacional: a da legitimidade ou no do Ministrio Pblico para conduzir diretamente investigaes criminais, mediante procedimento administrativo prprio, em lugar de requisitar a instaurao de inqurito pela PolciaJudiciria (civil ou federal).

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    Rememore-se que no dia 18.11.2003 a matria foidebatida na 119a. Reunio do CDDPH, qual compareceram comoconvidados os Drs. Jos Muios Pieiro, ex-Procurador Geral de Justia doEstado do Rio de Janeiro, e Lus Guilherme Martins Vieira, professor eadvogado criminal no Rio de Janeiro. Tambm participaram do debate, quetive a honra de coordenar, os Drs. Cludio Fontelles, Procurador-Geral daRepblica, Luiz Antnio Guimares Marrey, Procurador-Geral de Justiado Estado de So Paulo, e os Conselheiros do CDDPH, Advogado Percliode Souza Lima Neto, Professor Humberto Espndola e Embaixador Tadeu

    Valladares.

    As duas correntes que disputam primazia na matria,ambas munidas de um conjunto amplo de argumentos jurdicos emetajurdicos, podem ser assim sintetizadas:

    1a. A investigao criminal foi reservada, pela

    Constituio Federal, Polcia Judiciria (Polcia Civil estadual e PolciaFederal), sendo ilegtimo e inconstitucional o desempenho de tal atividade pelos membros do Ministrio Pblico, que assim agindo estariamusurpando atribuio que no lhes foi deferida;

    2a. Decorre, naturalmente, do papel institucionalreservado ao Ministrio Pblico pela Constituio Federal, a funo deconduzir a investigao criminal quando entender necessrio, mediante procedimento administrativo prprio, sem estar obrigado a requisitar autoridade policial as diligncias investigatrias ou a instaurao deinqurito.

    Como comum em situaes nas quais h argumentos

    consistentes em prol dos dois lados, o debate tornou-se apaixonado. No

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    mercado geral de idias sobre a matria, alm da questo constitucional propriamente dita, podem ser encontrados perspectivas filosficas esentimentos diversos a propsito do papel do direito penal e da persecuocriminal, vises antagnicas acerca das causas da violncia, da impunidadee da corrupo na sociedade brasileira, alm de interesses institucionais,corporativos e profissionais contrapostos.

    O presente estudo, aps a exposio sumria dosargumentos existentes, procura produzir a melhor concluso, vista do

    direito constitucional posto, pautada pelo princpio do Estado de direitodemocrtico e pela proteo dos direitos fundamentais. E apresenta,igualmente, sugestode lege ferenda isto , a ser implementada mediantea edio de lei sobre a matria que permita um tratamento jurdicointermedirio entre os dois extremos.

    II. OS PRECEDENTES DOSUPREMOTRIBUNALFEDERAL NA MATRIA

    A matria objeto do presente parecer j esteve emdebate perante o Supremo Tribunal Federal em mais de uma ocasio.Confiram-se, abaixo, quatro decises proferidas por Turmas da Corte, emaes individuais:

    1. Habeas Corpus n75.769-3-MG, 1a. Turma, Rel. Min. OctvioGallotti. DJU 28 nov. 1997.

    No julgamento do processo identificado acima, aPrimeira Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu o pedido dehabeascorpus, acolhendo a tese do Tribunal de Alada do Estado de Minas Gerais

    no sentido de que a prtica de atos de investigao pelo Promotor de

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    Justia, inclusive a instaurao de inqurito administrativo embasador daao penal, no o impede de oferecer denncia. O acrdo est assimementado:

    Regular participao do rgo do Ministrio Pblicoem fase investigatria e falta de oportuna argio desuposta suspeio. Pedido indeferido.

    Nesse acrdo, a questo especfica da conduo da

    investigao pelo Ministrio Pblico no foi objeto de debate aprofundadono Supremo Tribunal Federal. Mas a admisso da tese estava claramenteafirmada na deciso do Tribunal Estadual e no foi objeto de censura.

    2. Recurso Extraordinrio n205.473-9-AL, 2a. Turma, Rel. Min.Carlos Mrio Velloso. DJU 19 mar. 1999.

    Estes os fatos relevantes subjacentes a esta deciso.Procurador da Repblica em Alagoas requisitou ao Delegado da ReceitaFederal no Estado determinadas diligncias investigatrias em umaempresa, para a apurao de ilcitos fiscais. O Delegado informou que amatria envolvia o caso PC Farias, cujas investigaes estavamcentralizadas na Coordenao Geral em Braslia, instncia superior, razo

    pela qual no poderia realizar as diligncias requisitadas. Diante da recusa,o Procurador da Repblica requisitou a instaurao de inqurito contra oDelegado da Receita. Suscitada a questo de o Ministrio Pblico dirigir-sediretamente autoridade administrativa, sem recorrer autoridade policial, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal, em acrdo do qual consta daementa o seguinte registro:

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    Inocorrncia de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fatode a autoridade administrativa deixar de atender requisio de membro do Ministrio Pblico no sentidoda realizao de investigaes tendentes apurao deinfraes penais, mesmo porque no cabe ao membrodo Ministrio Pblico realizar, diretamente, taisinvestigaes, mas requisit-las autoridade policial

    competente para tal (CF, art. 144, 1e 4 ). Ademais,a hiptese envolvia fatos que estavam sendo

    investigados em instncia superior.

    A possibilidade de investigao direta pelo MinistrioPblico, embora no tenha sido objeto de debate mais minucioso, foiexpressamente rejeitada pela 2a. Turma nessa deciso.

    3. Recurso Extraordinrio n233.072-4-RJ, 2a. Turma, Relator parao acrdo Min. Nelson Jobim. DJU 3 mai. 2002.

    Os fatos subjacentes a esta deciso foram os seguintes.Entendendo ter havido irregularidades em procedimento licitatrio de rgodo Ministrio da Fazenda, o Procurador da Repblica requisitou orespectivo processo administrativo e convocou pessoas para serem ouvidas.

    Com base em tais elementos, ofereceu denncia contra os envolvidos. OTribunal Regional Federal da 2a. Regio concedeuhabeas corpusparatrancamento da ao penal, sob o fundamento de que o Ministrio Pblicoexorbitara de sua funo. Os Ministros Nri da Silveira e Maurcio Corraconheceram e deram provimento ao recurso, para que se desse prosseguimento ao penal. Os Ministros Nelson Jobim e Marco Aurliono conheceram do recurso, por entenderem que o Ministrio Pblico no

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    ser ouvido em Procedimento Administrativo Investigatrio Supletivo(PAIS). Contra essa requisio, o recorrente impetrouhabeas corpus perante o Tribunal de Justia do Distrito Federal, no obtendo xito.Impetrou, assim,habeas corpussubstitutivo de recurso ordinrio perante oSuperior Tribunal de Justia, que o indeferiu afirmando terem-se comovlidos os atos investigatrios realizados pelo MP, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando instruo de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denncia.

    Dessa deciso foi interposto o recurso ordinrio aquicomentado, no qual a 2a. Turma afirmou seu entendimento contrrio legitimidade do Ministrio Pblico para realizar diretamente investigaes ediligncias em procedimento administrativo investigatrio. Na ementa doacrdo, lavrou-se:

    A Constituio Federal dotou o Ministrio Pblico do

    poder de requisitar diligncias investigatrias e ainstaurao de inqurito policial (CF, art. 129, III).A norma constitucional no contemplou a possibilidadedo parquet realizar e presidir inqurito policial. No cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.Mas requisitar diligncia nesse sentido autoridade policial. Precedentes.O recorrente delegado de polcia e, portanto,autoridade administrativa.Seus atos esto sujeitos aos rgos hierrquicos prprios da Corporao, Chefia de Polcia,Corregedoria.

    Recurso conhecido e provido.

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    No seu voto, o Ministro Jobim consignou, em breveexposio sobre a evoluo histrica da matria, que desde a dcada de 30se discute a adoo da frmula dos juizados de instruo, sem que ela jamais tenha prevalecido. Lembrou que na Assemblia Constituinte de 1988voltou-se a debater a questo, tendo prevalecido o modelo tradicional doinqurito policial.

    Estas as quatro decises especficas do Supremo

    Tribunal Federal enfrentando o tema. Todas elas proferidas por Turmas eno pelo Plenrio. Atualmente, encontra-se pendente de deciso o Inqurito1.968-DF, Rel. Min. Marco Aurlio, no qual se discute o recebimento dedenncia oferecida contra Deputado Federal pela suposta prtica de fraudescontra o Sistema nico de Sade SUS, levantadas a partir deinvestigaes efetivadas no mbito do Ministrio Pblico Federal. O julgamento teve incio, havendo votado os Ministros Marco Aurlio e

    Nelson Jobim. O Ministro Joaquim Barbosa solicitou vista. Do Informativo325 do Supremo Tribunal Federal consta a seguinte notcia:

    O Min. Marco Aurlio, relator, considerando que oselementos que serviram de base denncia provmexclusivamente de dados obtidos em investigaocriminal realizada pelo Ministrio Pblico, proferiuvoto no sentido de rejeitar a denncia, por entender queo Ministrio Pblico, embora titular da ao penal, no possui competncia para realizar diretamenteinvestigaes na esfera criminal, mas apenas derequisit-las autoridade policial competente, no quefoi acompanhado pelo Min. Nelson Jobim. Aps, o

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    julgamento foi adiado em face do pedido de vista doMin. Joaquim Barbosa.

    Merece registro o fato de j haverem sido ajuizadas trsaes diretas de inconstitucionalidade pelo Partido Social Liberal ADIns

    n s. 2.202, 2.613 e 2.703, tendo por objeto dispositivos da Lei

    Complementar n75, de 20.5.93, que dispe sobre o Ministrio Pblico daUnio; da Lei n 8.625, de 12.2.93, que a Lei Orgnica do MinistrioPblico, bem como de provises de leis do Estado de Minas Gerais, que

    supostamente outorgariam ao Ministrio Pblico poderes para realizar diretamente investigaes criminais. Tais aes, todavia, foram extintas, pelo fato de o partido poltico autor haver deixado de ter representao noCongresso Nacional ( DJU 29 ago. 2003).

    Nos dois captulos que se seguem esto expostos, deforma objetiva e imparcial, os principais argumentos suscitados pelas duascorrentes em defesa de seu ponto de vista.

    III. O ARGUMENTO CONTRRIO INVESTIGAO PELOMINISTRIOPBLICO

    A posio daqueles que se opem investigao peloMinistrio Pblico composta de um conjunto de argumentos que podemser ordenados, para facilitar a apresentao, em trs grupos. O primeirogrupo trata da interpretao sistemtica das disposies constitucionais pertinentes e tambm de algumas normas infraconstitucionais. O segundogrupo se ocupa de elementos histricos de interpretao e o terceirocongrega argumentos de natureza metajurdica, ligados compreenso

    prtica do problema. O estudo elaborado pelo criminalista Lus Guilherme

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    Vieira2 sobre o assunto informa que alguns juristas j se manifestaram emfavor dessa posio, dentre os quais os professores Jos Afonso da Silva,Miguel Reale Jnior, Eduardo Reale e Jos Carlos Fragoso. Seguemresumidos, portanto, os principais argumentos que sustentam a posiocontrria investigao pelo Ministrio Pblico.

    1 Grupo: interpretao de normas constitucionais einfraconstitucionais

    a) O art. 144, 1, I e IV3

    , e 44

    , da Constituioatribui de forma expressa s Polcias Federal e Civil a apurao de infraes penais. A Polcia, portanto, a autoridade competente para proceder ainvestigaes criminais, como exigido pela garantia constitucional dodevido processo legal (CF, art. 5, LIII5).

    b) A Constituio atribui ao Ministrio Pblico a

    funo de exercer o controle externo da atividade policial (CF, art. 129,

    2 Lus Guilherme Vieira, O Ministrio Pblico e a investigao criminal , 2004,mimeografado. V. tambm sobre a matria o artigo de Jacinto Nelson de MirandaCoutinho, A inconstitucionalidade de lei que atribua funes administrativas do inqurito

    policial ao Ministrio Pblico, Revista de Direito Administrativo Aplicado, n 2, Curitiba,1994, p. 445-453.3 CF/88: Art. 144, 1. A polcia federal, instituda por lei como rgo permanente,organizado e mantido pela Unio e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infraes penais contra a ordem poltica e social ou em detrimento de bens, servios einteresses da Unio ou de suas entidades autrquicas e empresas pblicas, assim comooutras infraes cuja prtica tenha repercusso interestadual ou internacional e exijarepresso uniforme, segundo se dispuser em lei; IV - exercer, com exclusividade, asfunes de polcia judiciria da Unio.4 CF/88: Art. 144, 4. s polcias civis, dirigidas por delegados de polcia de carreira,incumbem, ressalvada a competncia da Unio, as funes de polcia judiciria e aapurao de infraes penais, exceto as militares.5 CF/88: Art. 5, LIII. Ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridadecompetente.

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    VII6) e no o de substitu-la. A Constituio de 1988 no permite a figurado promotor investigador.

    c) O escopo do inciso VI do art. 1297 da CF/88 (queatribui ao Ministrio Pblico poderes para expedir notificaes nos procedimentos administrativos de sua competncia, requisitandoinformaes e documentos para instru-los) est restrito aos inquritos civis pblicos e outrostambm de natureza administrativa, como os preparatrios de ao de inconstitucionalidade ou de representao por

    interveno. O inqurito criminal disciplinado em inciso diverso (VIII8

    ) equanto a ele a atuao do Parquet se limita requisio de instaurao do prprio inqurito e de diligncias investigatrias.

    d) A competncia para promover a ao penal (CF, art.129, I9) no engloba a investigao criminal esta competncia no umminusem relao quela. Trata-se, na verdade, de uma competnciadiversa

    e que foi atribuda de forma expressa pelo constituinte a outro rgo. Nose aplica aqui, portanto, a lgica dos poderes implcitos, pela qual o rgo aquem compete omais, compete igualmente omenos.

    e) Em decorrncia dos argumentos expostos acima, aatribuio de competncia investigatria ao Ministrio Pblico depende de

    6 CF/88: Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: VII - exercer ocontrole externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada noartigo anterior.7 CF/88: Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: VI - expedir notificaes nos procedimentos administrativos de sua competncia, requisitandoinformaes e documentos para instru-los, na forma da lei complementar respectiva.8 CF/88: Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: VIII - requisitar diligncias investigatrias e a instaurao de inqurito policial, indicados os fundamentos jurdicos de suas manifestaes processuais.9 CF/88: Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: I - promover,

    privativamente, a ao penal pblica, na forma da lei.

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    prvia emenda constitucional. De toda sorte, a legislao infraconstitucionalatualmente em vigor (especialmente a Lei Complementar n 75/93 e a Lein 8.625/93) em momento algum atribuiu ao Parquet essa competncia eela simplesmente no pode ser extrada diretamente do texto constitucional.

    2 Grupo: elementos histricos

    f) No Brasil, historicamente, a competncia pararealizar as investigaes preparatrias da ao penal sempre foi da Polcia.

    Em vrias ocasies tentou-se modificar esse regime, mas as propostasforam rejeitadas. Isso foi o que aconteceu quando, em 1935, se procurouinstituir juizados de instruo, proposta apresentada pelo ento Ministro daJustia, Vicente Ro. O mesmo se passou, em vrias ocasies, quando setentou conferir atribuies investigatrias ao Parquet ; propostas nessa linhaforam rejeitadas na elaborao da Constituio de 1988, nas discusses quederam origem lei complementar relativa ao Ministrio Pblico, em 1993,

    e tambm nos debates que envolveram as propostas de emendasconstitucionais discutidas em 1995 e 1999. Especificamente nas discussesda assemblia constituinte, o texto aprovado pretendia exatamente manter as investigaes criminais como atribuio exclusiva da polcia judiciria.

    g) Tanto assim que se encontra hoje no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n 197, apresentada emsetembro de 2003, cujo propsito dar nova redao ao inciso VIII do art.129 da Constituio da Repblica que dispe sobre as funes institucionaisdo Ministrio Pblico, o qual, ento, passaria a ter a seguinte redao:[Cabe ao MP] promover investigaes,requisitar diligncias investigatriase a instaurao de inqurito policial, indicados os fundamentos jurdicos desuas manifestaes processuais.

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    3 Grupo: outros elementos

    h) Concentrar no Ministrio Pblico atribuiesinvestigatrias, alm da competncia para promover a ao penal, de todoindesejvel. Estar-se-ia conferindo excessivo poder a uma nica instituio,que praticamente no sofre controle por parte de qualquer outra instncia,favorecendo assim condutas abusivas.

    i) A concentrao de atribuies prejudica aimpessoalidade e o distanciamento crtico que o membro do MinistrioPblico deve manter no momento de decidir pelo oferecimento ou no dadenncia. apenas natural que quem conduz a investigao acabe por ficar comprometido com o seu resultado

    j) A ausncia de qualquer balizamento legal para esse

    tipo de atuao por parte do Ministrio Pblico, para alm de impedir a prpria atuao em si, sujeita os envolvidos ao imprio dos voluntarismos ecaprichos pessoais.

    l) O Ministrio Pblico j dispe de instrumentossuficientes para suprir deficincias e coibir desvios da atuao policial.

    IV. O ARGUMENTO A FAVOR DA INVESTIGAO PELOMINISTRIOPBLICO

    Os defensores da posio favorvel a que o MinistrioPblico proceda a investigaes criminais tambm apresentam um conjunto

    de argumentos diversos para sustentar sua tese. Eles podem ser

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    necessrios ao oferecimento da denncia, por meio inclusive da expediode notificaes para a coleta de depoimentos.

    e) No h conflito entre as normas constitucionaisindicadas acima e o que dispe o art. 144 da Carta, tanto porque tais normastm carter principiolgico, como porque o art. 144 no conferiuexclusividade Polcia no que diz respeito investigao de infraes penais.

    f) Outras normas constitucionais fundamentam aatribuio dessa competncia ao Ministrio Pblico: (i) o art. 127,caput 10,que impe ao Parquet a defesa da ordem jurdica e dos interessesindividuais indisponveis; (ii) o art. 129, II11, que conferiu ao MinistrioPblico o dever de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Pblicos, promovendo as medidas necessrias a sua garantia; (iii) o art. 129, IX12, queadmite que o Ministrio Pblico exera outras funes compatveis com sua

    finalidade; (iv) o art. 144,caput 13 , que indica a segurana pblica comodever do Estado e direito e responsabilidade de todos; e (v) os arts. 114, 315

    10 CF/88: Art. 127. O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regimedemocrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis.11 CF/88: Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: II - zelar pelo efetivorespeito dos Poderes Pblicos e dos servios de relevncia pblica aos direitos

    assegurados nesta Constituio, promovendo as medidas necessrias a sua garantia.12 CF/88: Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: IX - exercer outrasfunes que lhe forem conferidas, desde que compatveis com sua finalidade, sendo-lhevedada a representao judicial e a consultoria jurdica de entidades pblicas.13 CF/88: Art. 144. A segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade detodos, exercida para a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas edo patrimnio, atravs dos seguintes rgos: (...).14 CF/88: Art. 1. A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dosEstados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico deDireito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade dapessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismopoltico. Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio derepresentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio.

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    e 516, que cuidam dos direitos fundamentais, da dignidade humana e dacidadania, j que a persecuo penal rpida e eficiente exigida por esses bens constitucionais.

    g) Quanto ordem infraconstitucional, a Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico (Lei n 8.625 de 1993), em seu art. 26, I,a e b17, prev a expedio de notificaes para colher depoimento ouesclarecimentos, bem como a requisio de informaes, exames periciais edocumentos de autoridades e rgos pblicos.

    2 Grupo: outros elementos

    h) A investigao pelo Ministrio Pblico tem umcarter subsidirio e ser empregada apenas quando for necessrio, de modoque a competncia da Polcia no subtrada. De todo modo, o sistema peloqual se atribui com exclusividade Polcia a investigao criminal,

    reservando-se ao Ministrio Pblico a funo de mero repassador de provas, anacrnico e contraproducente. A atuao direta do Ministrio

    15 CF/88: Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidria; II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais eregionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor,idade e quaisquer outras formas de discriminao.16

    CF/88: Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade dodireito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termosseguintes: (...).17 Lei n 8.625/93: Art. 26. No exerccio de suas funes, o Ministrio Pblico poder:I - instaurar inquritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentese, para instru-los:a) expedir notificaes para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de nocomparecimento injustificado, requisitar conduo coercitiva, inclusive pela Polcia Civilou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;b) requisitar informaes, exames periciais e documentos de autoridades federais,estaduais e municipais, bem como dos rgos e entidades da administrao direta,indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municpios; (...)

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    Pblico nesse particular pode conferir maior celeridade atividadeinvestigatria, permitindo ademais o contato pessoal do agente do Parquet com a prova e facilitando a formao de seu convencimento.

    i) Diversas situaes recomendam a interveno doMinistrio Pblico por sua independncia em relao aos Poderes estatais.Alm disso, no raro apurar-se o envolvimento de policiais em episdiosde corrupo ou mesmo com o crime organizado.

    V. CONCLUSO

    1. Reflexo relevante

    Dentre os militantes dos direitos humanos possvelidentificar um sentimento difundido de que o Ministrio Pblico tem maior

    compromisso com a causa do que as instituies policiais. De fato,estatisticamente, existe uma quantidade importante de violaes associadas atuao formal ou informal de autoridades policiais de diversos nveis.Muitas dessas violaes chegam ao Conselho de Defesa dos Direitos daPessoa Humana CDDPH, junto ao qual milita, com abnegao e notvel proficincia, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado, rgo doMinistrio Pblico.

    Sem a pretenso de uma elaborao sociolgica maissofisticada, e muito menos de empreender qualquer juzo moral, impe-seaqui uma reflexo relevante. No sistema brasileiro, a Polcia que atua nalinha de fronteira entre a sociedade organizada e a criminalidade, precisamente em razo de sua funo de investigar e instaurar inquritos

    criminais. Por estar frente das operaes dessa natureza, so os seus

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    agentes os mais sujeitos a protagonizarem situaes de violncia e asofrerem o contgio do crime, pela cooptao ou pela corrupo. O registro feito aqui, porque necessrio, sem incidir, todavia, no equvoco grave dageneralizao ou da atribuio abstrata de culpas coletivas.

    Pois bem: no se deve ter a iluso de que odesempenho, pelo Ministrio Pblico, do papel que hoje cabe Polcia,manteria o Parquet imune aos mesmos riscos de arbitrariedades, abusos,violncia e contgio. A viso crtica que os militantes dos direitos humanos

    devem conservar em relao ao modelo atual e, conseqentemente, ocompromisso com a sua transformao , no nos exonera da obrigao deencarar com realismo as frmulas alternativas, para que se faam escolhasconscientes.

    2. A sntese possvel e necessria

    Do exame da argumentao desenvolvida pelosdefensores das duas correntes que disputam precedncia na matria; dainterpretao sistemtica e teleolgica do texto constitucional, coadjuvada pela interpretao histrica; e da ponderao dos valores em jogo, inclusive vista das conseqncias prticas que resultaro da opo doutrinria a ser feita, possvel chegar s concluses que se seguem.

    Parece fora de dvida que o modelo institudo pelaConstituio de 1988 no reservou ao Ministrio Pblico o papel de protagonista da investigao penal. De fato, tal competncia no decorre denenhuma norma expressa, sendo certo que a funo de polcia judiciria foiatribuda s Polcias Federal e Civil, com explcita referncia, quanto a estaltima, da incumbncia de apurao de infraes penais, exceto as militares

    (art. 144, IV e 4).

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    Nesse contexto, no parece adequado reconhecer comonatural o desempenho dessa atribuio especfica pelo Ministrio Pblico,com fundamento em normas constitucionais que dela no tratam (como ocaso do art. 129, I, VI, VII e VIII), especialmente quando o constituintecuidou do tema de forma expressa em outro dispositivo (o art. 144). Pelamesma razo, no parece prprio extrair tal concluso de clusulas gerais,como as que impem ao Parquet a defesa da ordem jurdica e dos interessessociais e individuais indisponveis (art. 127,caput ) ou ainda das que tratam

    da segurana pblica como dever do Estado (art. 144,caput ) e da dignidadehumana (art. 1, III).

    Acrescente-se um argumento em favor desse ponto devista. luz da teoria democrtica, e considerando jamais ter havidodeliberao constituinte ou legislativa em favor do desempenho decompetncia investigatria criminal pelo Ministrio Pblico, no se afigura

    legtimo inovar nessa matria por via de uma interpretao extensiva. que, dessa forma, estar-se-ia subtraindo da discusso poltica em curso e,conseqentemente, do processo majoritrio, a deciso acerca do tema.

    Nada obstante o que se acaba de registrar, igualmente verdadeiro que o sistema constitucional no instituiu omonoplio da investigao criminal por parte da Polcia. A prpriaConstituio contempla hipteses de investigao por outros rgos, comoocorre, por exemplo, com as Comisses Parlamentares de Inqurito (art. 58, 318) e com o Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da

    18 CF/88: Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas tero comisses permanentes etemporrias, constitudas na forma e com as atribuies previstas no respectivoregimento ou no ato de que resultar sua criao. 3. As comisses parlamentares de

    inqurito, que tero poderes de investigao prprios das autoridades judiciais, alm deoutros previstos nos regimentos das respectivas Casas, sero criadas pela Cmara dosDeputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante

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    Unio (art. 7119). A legislao infraconstitucional prev ainda outrashipteses que sempre foram admitidas como constitucionais20. Tambm no parece decorrer do texto constitucional uma vedao expressa ou implcitaao desempenhoeventual da atividade investigatria por parte do MinistrioPblico. Com efeito, colhe-se na letra expressa do art. 129, IX, daConstituio a possibilidade de o Ministrio Pblico desempenhar outrasfunes que lhe forem conferidas, desde que compatveis com suafinalidade, sendo-lhe vedada a representao judicial e a consultoria deentidades pblicas.

    Restaram assentadas, portanto, duas premissas: osistema constitucional reservou Polcia o papel central na investigao penal, mas no vedou o exerccio eventual de tal atribuio pelo MinistrioPblico. A atuao do Parquet nesse particular, portanto, poder existir,mas dever ter carter excepcional. Vale dizer: impe-se a identificao decircunstncias particulares que legitimem o exerccio dessa competncia

    atpica. Bem como a definio da maneira adequada de exerc-la. Sobreesse ponto, cabe ainda uma ltima considerao.

    A legislao federal infraconstitucional atualmente emvigor no atribuiu de forma clara ou especfica ao Ministrio Pblico acompetncia de proceder a investigaes criminais. Tampouco existequalquer disciplina acerca das hipteses em que essa competncia pode ser exercida, de como o Ministrio Pblico deve desempenh-la ou de formas

    requerimento de um tero de seus membros, para a apurao de fato determinado e por prazo certo, sendo suas concluses, se for o caso, encaminhadas ao Ministrio Pblico,para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.19 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, ser exercido com oauxlio do Tribunal de Contas da Unio, ao qual compete: (...).20 A legislao infraconstitucional prev hipteses especiais de investigao por outrasautoridades, como, ilustrativamente, a Lei Orgnica da Magistratura (Lei Complementar n 35/79, art. 33, pargrafo nico) e a Lei de Falncias (Decreto-Lei n 7.661/45, arts.103 a 113).

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    de controle a que deva estar submetida. No desimportante lembrar que aPolcia sujeita-se ao controle do Ministrio Pblico. Mas se o MinistrioPblico desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da Polcia, quemir fiscaliz-lo? O risco potencial que a concentrao de poderes representa para a imparcialidade necessria s atividades tpicas do Parquet noapenas fundamenta a excepcionalidade que deve caracterizar o exerccio dacompetncia investigatria, mas exige igualmente uma normatizaolimitadora.

    Desse modo, ede lege ferenda, de todo convenientedisciplinar, por meio de ato legislativo prprio, as hipteses e a forma emque ser legtima essa atuao eventual e excepcional do MinistrioPblico21.

    como me parece.

    Do Rio de Janeiro para Braslia, 22 de janeiro de 2004.

    Lus Roberto Barroso

    21 Em sesso realizada em 18 de fevereiro de 2004, o CDDPH aprovou por unanimidadeo presente parecer, que passou a expressar a posio oficial do Conselho, com oacrscimo da seguinte explicitao: 1. O exerccio de competncia investigatria peloMinistrio Pblico dever ser disciplinada, como proposto no parecer, mediante atolegislativo prprio. At a promulgao desse ato, a eventualidade e a excepcionalidadeda atuao do Parquet sero clusulas abertas, a serem integradas vista do casoconcreto. 2. At a edio do ato normativo primrio prprio, o rgo competente doMinistrio Pblico dever disciplinar o exerccio de tal competncia, limitando seucontedo e estabelecendo procedimentos adequados, mediante ato normativo interno. 3.Devero ser considerados como situaes excepcionais, legitimadoras da atuao doMinistrio Pblico, dentre outras, as que envolvam casos: de grave violao dos direitoshumanos; pendentes de apreciao junto s instncias internacionais de proteo dosdireitos humanos; nos quais haja falta de iniciativa de investigao policial ou falha nasua conduo; ocorridos em localidades nas quais no haja rgo policial estabelecido.

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