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ISBN 978-85-8422-090-8 · 2016-12-09 · Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) T314 Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy: argumen-tações e contribuições

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ISBN 978-85-8422-090-8

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

T314 Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy: argumen-tações e contribuições reflexivas - Tomo IX / organizadores Mônia Clarissa H. Leal, Rogério Luiz Nery da Silva, Rubens Beçak. – Joaçaba: Editora Unoesc, 2016. – (Série Direitos Fundamentais Civis)190 p. ; il. ; 30 cm.

ISBN 978-85-8422-090-8

1. Direitos fundamentais. 2. Hermenêutica (Direito). 3. Morali-dade (Direito) . I. Leal, Mônia Clarissa H., (org.). II. Silva, Rogé-rio Luiz Nery da, (org.). III. , Beçak, Reubens (org.). IV. Série

Doris 341.27

A revisão linguística é de responsabilidade dos autores.

Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc

ReitorAristides Cimadon

Vice-reitores de CampiCampus de Chapecó

Ricardo Antonio De MarcoCampus de São Miguel do Oeste

Vitor Carlos D’AgostiniCampus de Videira

Antonio Carlos de SouzaCampus de Xanxerê

Genesio Téo

Diretora Executiva da ReitoriaLindamir Secchi Gadler

Pró-reitor de GraduaçãoRicardo Marcelo de Menezes

Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão

Fábio Lazzarotti

Conselho Editorial

Fabio Lazzarotti Débora Diersmann Silva Pereira Andréa Jaqueline Prates Ribeiro

Jovani Antonio Stefani Lisandra Antunes de Oliveira

Eliane Salete Filippim Carlos Luiz Strapazzon

Marilda Pasqual Schneider Claudio Luiz Orço

Maria Rita Nogueira Daniele Cristine Beuron

Comissão Científica

Rogerio Gesta Leal (Unoesc, Brasil)Carlos Strapazzon (Unoesc, Brasil)

Francesco Saitto (La Sapienza, Italia)Mercè Barcelò i Serramalera (UAB-Espanha)

Elda Coelho Bussinguer (FDV, Brasil)Eduardo Biacchi Gomes (Unibrasil, Brasil)

Christian Courtis (UBA, Argentina)Ivan Obando Camino (Talca, Chile)

Revisão metodológica: Giovana Patrícia BizinelaProjeto Gráfico e Capa: Daniely A. Terao Guedes

Editora Unoesc

CoordenaçãoDébora Diersmann Silva Pereira - Editora Executiva

© 2016 Editora UnoescDireitos desta edição reservados à Editora Unoesc

É proibida a reprodução desta obra, de toda ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios, sem a permissão expressa da editora.Fone: (49) 3551-2000 - Fax: (49) 3551-2004 - www.unoesc.edu.br - [email protected]

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A revisão linguística é de responsabilidade dos autores.

SUMÁRIO

PREFÁCIO ............................................................. 5

O DIÁLOGO ENTRE DIREITO E MORAL EM ALEXY E POSNER – COMO FICAM AS CONTRIBUIÇÕES JURÍDICAS PARA AS NANOTECNOLOGIAS? ..................................... 7Daniela Regina Pellin, Wilson Engelmann

PERSPECTIVAS E REPERCUSSÕES DA RELAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL EM ROBERT ALEXY ........................... 31Daniel Ortiz Matos, Rafael Giogio Dallabarba

O DIREITO À MORADIA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS URBANAS: CONSIDERAÇÕES À LUZ DO MODELO DUPLO DE ROBERT ALEXY ................... 49Alline Luiza de Abreu Silva, Mariana Carolina Lemes

EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DIANTE DAS TEORIAS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO MÍNIMO EXISTENCIAL .............................................. 69Rogerio Luiz Nery da Silva, Daiane Garcia Masson, Sonia Maria Cardozo dos Santos

A LEGALIDADE DO DUPLO LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE MANAUS ....................................... 93Ygor Felipe Távora da Silva, Romaro Antonio Silva

O ATIVISMO JUDICIAL COMO SUBVERSÃO ÀS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................ 109Marcos Leite Garcia, Paola Fernanda de Souza Cunha

UMA TEORIA DE JUSTIÇA DENTRO DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY COMO SOLUÇÃO JUSTA PARA CASOS CONCRETOS ................... 135Ana Paula Goldani Martinotto Reschke, Narciso Leandro Xavier Baez

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A INCLUSÃO DA PONDERAÇÃO NO NOVO CPC COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA ..................... 163Marcela Pithon Brito dos Santos Dantas, Clara Angélica Gonçalves Cavalcanti Dias

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5Série Direitos Fundamentais Sociais | Tomo VIII

PREFÁCIO

A Unoesc por meio de seu Programa de Pós-Graduação Stricto sensu – Mestrado em Direito comemora mais um ano de existência e mantendo a tradição de oferecer eventos internacionais de alto nível à comunidade jurídica brasileira, organizou o WINTER 2016 UNOESC ROBERT ALEXY INTERNATIONAL LEGAL SEMINAR – Teoria dos Princípios, Proporcionalidade, Razoabilidade e a Dimensão Ideal do Direito – suas conexões, de 22 a 24 de junho deste ano. A iniciativa constituiu-se de conferências diversas, protagonizadas pelos juristas alemães Robert Alexy (da Christian-Albrechts-Universität zu Kiel) e Martin Borowski (Ruprecht Karl-Universität zu Heidelberg), mas também de mesas re-dondas com apresentações de pesquisas em curso pelos membros da Rede Brasileira de Direitos Fundamentais (RBDF) e da submissão de artigos científicos e posters versantes sobre pesquisas em andamen-to, com o finalidade de serem apresentados para avaliação e discus-são sob a forma de debate acadêmico, perante os participantes do Seminário e obtenção de contribuições complementares e de críticas acerca de eventuais fragilidades ou insuficiências, em distintas áreas de concentração. O volume que agora é publicado reúne os artigos aprovados e apresentados no Grupo de Trabalho sobre a Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy: argumentações e contribui-ções reflexivas. Assim, muito orgulhosamente, a Unoesc disponibiliza artigos de analise conceitual e de aplicação material concreta da pro-porcionalidade aos direitos fundamentais; são contribuições dos par-ticipantes – professores, pesquisadores e outros tantos profissionais do direito – todos engajados na produção literária especializada, com vistas a colaborar para a construção de uma sociedade mais justa.

Boa leitura!Rogério Luiz Nery da Silva –

Prof. Doutor do Mestrado da UnoescPós-doutor pela Université de Paris X – Nanterre – La Defense

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7Série Direitos Fundamentais Civis | Tomo VIII

O DIÁLOGO ENTRE DIREITO E MORAL EM ALEXY E POSNER – COMO FICAM AS CONTRIBUIÇÕES

JURÍDICAS PARA AS NANOTECNOLOGIAS?

Daniela Regina Pellin*

Wilson Engelmann**

1 INTRODUÇÃO

Uma avaliação mais detida, sendo essa a proposta das refle-xões desse ensaio, é possível identificar que a moral humana sempre foi o ponto de partida, ou de saída, do homem, dos dilemas da vida, da morte e da sobrevivência: bem e mal; bom e ruim; justo e injusto; certo e errado; belo e feio; santo e profano; aprovável e reprovável; salutar e nefasto; ganhar e perder; matar e morrer. A moral é intrín-seca, inerente ao homem; é sua parte integrante; é parte do seu todo completo: corpo, alma e espírito. Tudo o que o homem exterioriza, sozinho ou em sociedade, passa pela sua alma. É nela que vemos seus elementos bem presentes: vontade, emoções e razão. Não é parte integrante do espírito, onde tem a chama da vida e a imagem do Criador; lugar onde acontece a fusão do Ser com o Ente, tornando-o completo e pleno, um ser excelente; lugar onde a existência toma sentido. É o pensar ético.

Zanni, do Departamento de Filosofia da Universidade Iberoa-mericana do México, ao tratar a necessidade de o homem recobrar seu Ser explicou que “[...] lo ético no es ya pura constructividad humana

para arreglar el lugar del hombre em el mundo, sino es movimento __________________________________

* Doutoranda em Direito Público na Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Mestre em Direito da Sociedade da informação pela FMU/SP; Bolsista do Programa de Excelência Acadêmica/CAPES; Membro do Grupo de Pesquisa JUSNANO/CNPq; Professora Universitária.** Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos; [email protected]

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8 Série Direitos Fundamentais Civis | Tomo VIII

O diálogo entre direito moral...Daniela Regina Pellin, Wilson Engelmann

del hombre que se ‘da’ al ser em correspondência al movimento del

ser que se ‘da’ al hombre.” (ZANNI, 2001, p. 406). O homem é capaz de sobreviver sendo corpo e alma, muito

embora, o vazio do espírito o conduza à bancarrota existencial e à falta de sentido; o conduz à irracionalidade; fica desorientado. Trata--se de uma questão de escolha. Ao homem foi concedida a chance da escolha: ser pleno ou não. É onde reside o livre-arbítrio existencial; onde se aloja a responsabilidade individual com a dádiva recebida de viver; como viver e os resultados desse viver. A alma e o espírito, juntos, em perfeita harmonia, conformam a natureza humana projetada pelo Criador, capacitam o homem a agir e a pensar conforme a expressão do seu Criador.

O Ente é a referência, a bússola, o endereço de partida e de retorno; a margem de segurança; a razão de decidir. A razão é o portal de sua vinculação ou de sua separação. Por ela se achega ou se distancia do Ente.

Nesse sentido, os dados atuais mostram que os resultados pro-movidos pelo homem no percurso de sua existência, escolheu Ser. Esse Ser se realiza pelo excesso da técnica e a projeta, insaciavelmente, em todos os campos dos saberes racionais, a denotar que, por esses frutos, a irracionalidade acometeu toda a alma do homem e, consequente-mente, toda a completude de sua conformação moral. O recém rela-tório do Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas (IPEA) (2015), no intuito de auxiliar os avanços nacionais, apresentou documento intitu-lado: Megatendências Mundiais 2030: o que entidades e personalidades internacionais pensam sobre o futuro do mundo?

A investigação sobre as perspectivas futuras envolveu áreas de população e sociedade; geopolítica; ciência e tecnologia, econo-mia e meio ambiente. O conteúdo estratégico do documento aponta, como norte geral, no sentido de que o futuro será marcado pelas incertezas As megatendências em ciência e tecnologia serão mar-cadas pela economia da inovação, avanço científico e tecnológico

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9Série Direitos Fundamentais Civis | Tomo VIII

O diálogo entre direito moral...

transformando as sociedades movidas por automação, robótica, nano e biotecnologias, sendo certo que as tecnologias da informação e comunicação modificarão, substancialmente, além do que já está, as relações humanas (INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS AVANÇA-DAS, 2015, p. 12-13).

Por outro lado, ilustram que a moral, dominada pela razão téc-nica é a bússola que norteia as decisões. No entanto, os caminhos esco-lhidos pela razão através do instrumental da técnica, estão a anos-luz de preencher o vazio do espírito e aproximar o homem de seu Criador.

Galimberti (2006, p. 270) mergulhando em Prometeu Acor-rentado, de Ésquilo, castigado por ter instruído os homens a apro-priação da técnica e, portanto, do pensamento racional, aponta que a técnica é a razão que calcula e que aprisiona o homem, pois, “[...] com a técnica, o homem se emancipa da divindade, porque obtém por si aquilo que, antes, era obrigado a implorar de deus.”

A razão é a responsável pelo esvaziamento do espírito e a deformação da alma. A deformação da alma é bem compreendida por Aquino (2014, p. 108). É a protagonista no cenário da existência humana em convencer o homem de que, para a existência, basta cor-po e alma; o Ente é dispensável, pois abandonou a sua criação para viver só. A razão avoca a condição de conduzir o homem em seguran-ça, com a garantia de lhe proporcionar todos os avanços necessários para o preenchimento do vazio do espírito, dispensando-o de maiores reflexões que não sejam as individuais e as de independência do Cria-dor, sobretudo, da obstinação existencial de acabar com tudo o que foi criado pelo Ente, pois, é um ser ressentido.

Esse ressentimento é muito bem fotografado por Pondé (2014), ao considerar que a humanidade está excessivamente indivi-dualista e, sobretudo, narcisista.

Diante disso, a razão é a grande vilã da história. Ela é capaz, habilmente, de negar a gênese. Ela é a fera a ser domada. É nela que deve ser despejada a força neutralizante da vontade da alma preen-

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cher o espírito e ser excelente à imagem do Ente; da paixão e amor incondicional de sentir-se pleno e completo no Criador; e do espírito acender, novamente, o sentido da vida. É ela a responsável pelos horrores e deformações na moral, sujeitando a vontade e as emoções à mesma irracionalidade. É nela que depositado está todo o dilema.

Assim é que a moral deformada age, e sempre agiu, forte-mente, sobre a sociedade, a economia, a política e a religião. Claro! São as vias pelas quais o homem se realiza no mundo. Esse é o seu universo de conformação natural! O Direito, como técnica desenvol-vida pela razão dessa alma deformada, sempre foi servo fiel e, ainda presta exímio serviço em conformar a realidade a partir dessa defor-midade. Qualquer tentativa de retorno é rechaçada pela razão.

Por isso, o Direito, como assistente imediato, sofre com os critérios de Justiça. O Direito está alojado na técnica da razão dessa moral sem prumo, e a Justiça reside no espírito, limpa e cristalina, sabedora da medida do prumo. Enquanto o homem não conformar a sua moral ao espírito, reencontrar o Ser com o Ente, certamente, os desequilíbrios históricos se perpetuarão até que seja exposta, de uma vez por todas, a nudez da sua moral e, com suas vergonhas a mostras, o homem possa retornar, em tempo de redimir-se, histórica e cientificamente.

Galimberti (2014, p. 828-829), por outra abordagem, sus-tenta que, se houver uma ampliação psíquica do homem a ponto de conseguir dominar a razão técnica, é hábil para evitar que ocorra o absoluto técnico e a técnica aconteça sem que o homem a saiba e, de condição essencial, promova sua extinção. Nesse momento da pesquisa, basta deslocar a moral social e religiosa jazida no esque-cimento histórico para o locus da economia, de forma nua, limpa e cristalina para que seja possível ao homem encontrar algum limite e equilíbrio no enfrentamento das questões jurídicas atinentes às na-notecnologias e, com isso, deixando a hipocrisia de lado, alcançar, limites às irracionalidades que, por ventura, tenha inclinação. A ciên-

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O diálogo entre direito moral...

cia, se socorrendo dos diálogos interdisciplinares e dos dados, talvez, ainda sirva para isso.

2 O PRETEXTO DA MORAL ORTODOXA DO CAPITALISMO E O CONTEXTO PARA A MORAL RADICAL DESSE INÍCIO DE SÉCULO

Por uma questão de recorte metodológico, o marco histórico epistemológico à análise do objeto é o do Pós Segunda Guerra Mundial e as alterações significativas que houve nas sociedades espalhadas ao redor do globo, sendo a mais marcante, a pseudo decadência do ca-pitalismo como sistema econômico dos povos da Europa Ocidental e América, diante do resultado catastrófico para as gentes e governos.

A partir da Segunda Guerra, o capitalismo, por alguns, foi repensado, por outros, reforçado. Pelos países do chamado “Terceiro Mundo”, eclodiu a luta pela emancipação política e, como consequ-ência, a independência econômica.

Os quinze anos que se seguiram logo após o término da guer-ra foram de grandes acomodações internas nos países, em especial, os hegemônicos, europeus e Estados Unidos. Na maioria dos países europeus, os partidos socialistas, social-democratas e comunistas tornaram-se mais conservadores e retomaram as estruturas básicas da sociedade e da economia, defendendo a melhoria de vida dos trabalhadores. Já, nos Estados Unidos, o sistema foi retomado com agressividade, acentuando políticas violentas de combate ao comu-nismo, Guerra Fria e expansão da repressão social, política e inte-lectual, cujos resultados foram a quase destruição dos movimentos radicais e socialistas nas organizações sindicais e nas universidades (HUNT, 2005, p. 472).

Demais disso, a guerra fria tinha como mote capitalistas versus comunistas e, portanto, inevitável. A maioria das pessoas se convenceram desse discurso ideológico e, com isso, acreditaram que o capitalismo, a bem da verdade, deveria avançar, pois era a única

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forma de eliminar a pobreza, as diferenças de classes, o imperialismo e a instabilidade econômica (HUNT, 2005, p. 472). Mas os resultados foram completamente adversos e os Estados Unidos soergueram-se como a grande potência bélica e econômica mundial, expandindo-se como imperialista. Nas universidades, onde eram tratadas as ciências econômicas, também, a divisão foi sentida. As escolas austríacas e de Chicago foram tidas como extremistas, predominando as liberais de elite, pois, exerciam as críticas ao sistema. Os países capitalistas foram fortemente abalados entre 1960 e 1970, devido ao aumento das crises social, econômica, política e ideológica internas, represen-tadas pelo alto índice de desemprego, inflação crônica, crises mone-tárias, inclusive, nos Estados Unidos, com movimentos pelos direitos civis, revoltas nos guetos urbanos, movimentos contra a guerra, des-coberta de escândalos de fraudes no governo. Com isso, foi destruída “[...] a convicção de muitos de que os governos capitalistas serviam ao povo de forma neutra, benevolente e democrática, interessados apenas em maximizar o bem-estar da população e promover a paz, a harmonia e a fraternidade em todo o mundo.” (HUNT, 2005, p. 473). Discurso esse ideologizado pela ciência econômica ortodoxa (hiper-racionalidade lucrativa) de visão utilitarista (o fetiche do consumo).

Nesse cenário de sentimento de fracasso, recobraram forças as críticas ao capitalismo de Marx e Veblen, as quais eram estuda-das nas escolas de Chicago e da Áustria. Com isso, surge a escola da economia política crítica (radical), 1960, que incluía nas análises dos preços e dos lucros, a teoria do valor trabalho.1

Explica Hunt (2005) que uma das diferenças mais marcantes entre a ciência econômica ortodoxa e a radical reside, justamente,

1 A teoria do valor trabalho representa uma medida invariável de valor em qualquer sistema capitalista, mas, rejeitada pelos economistas ortodoxos, pois, não está na base do lucro nem do excedente, da mais-valia. As análises de Marx sobre a natureza e estrutura de classes do capitalismo e a natureza e as origens do lucro exigem os conceitos de valor e de mais-valia.

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no fato de que, a primeira pensa que o homem econômico, racional e maximizador, explica todo o comportamento humano, enquanto a segunda, entende que, a economia deve ser estudada a partir dos as-pectos econômicos, psicológicos, sociológicos e políticos da sociedade, pois, tudo está inter-relacionado. “Nenhum aspecto da sociedade pode ser adequadamente apreendido ou entendido isoladamente de seu lu-gar na totalidade orgânica de toda a sociedade.” (HUNT, 2005, p. 482).

Ao longo da história, desde as primeiras conformações so-ciais econômicas, o utilitarismo econômico, enquanto ideologia do capitalismo ortodoxo, predominou como razão de decidir; estabele-ceu a estrutura de classes, se apoiou no monopólio dos capitalistas sobre a propriedade dos meios de produção, que resultou em uma extrema desigualdade na distribuição de renda, capaz de gerar ins-tabilidade eestagnação; propiciou ambiente para a irracionalidade e o caos que sempre caracterizam seu funcionamento, mitigados pelas intervenções governamentais2 de contenção. E mais. O capitalismo avançou exponencialmente pelos territórios dos países do “Terceiro Mundo”, hoje, identificados como “em desenvolvimento”, para se li-vrar dessa irracionalidade e do caos, que são compreendidos pela ab-sorção dos excedentes, da mais-valia, do excesso de produção. Esse fato é marcado pelo imperialismo econômico dos Estados Unidos3 e

2 “Dada a substancial influência dos capitalistas nos governos, o governo gasta e, portanto, absorve o excedente de maneiras que promovem as de-sigualdades de riqueza e de renda vigentes, ou pelo menos não interferem nelas.” (HUNT, 2005, p. 486).3 “Os EUA instalam e mantêm (econômica e militarmente) em numerosos países do Terceiro Mundo governos impopulares, corruptos e brutais; esses governos representam os interesses de reduzidas elites locais e de grandes empresas multinacionais; esses governos adotam políticas que frequente-mente pioram uma já obscena desigualdade na distribuição da riqueza e da renda vigente nesses países; eles mantêm seu controle impopular e repressi-vo pelo uso amplo e sistemático do terror, da tortura e do assassinato contra qualquer cidadão que seja suspeito de críticas do governo. O governo dos EUA auxilia direta e indiretamente e apoia (e até ocasionalmente dirige e

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O diálogo entre direito moral...Daniela Regina Pellin, Wilson Engelmann

a dominação desses países, dentre eles, cristalinamente, o Brasil. Depreende-se, portanto, que a escola econômica clássica, de orien-tação utilitária nunca foi despretensiosa de valores, ausente de senti-mentos, de observação empírica do comportamento do homem, indi-vidual e coletivamente. É a partir da compreensão desse homem, do comportamento social, que a doutrina econômica foi elaborada para a maximização lucrativa. Foi feita uma escolha histórica racional da metodologia econômica. Nesse sentido, Hunt (2005, p. 489) mencio-na que “[...] a maioria dos economistas clássicos e todos os neo-clássicos embasam sua teoria econômica numa concepção utilitária, hedonista, da psicologia e da ética humanas.”

O utilitarismo tem sua defesa intelectual para conformar o sistema social sob dois argumentos: i) os sentimentos, as emoções, ideias, padrões de comportamento e desejos são tidos como metafisi-camente dados, por isso, não são levados em conta pela administra-ção financeira e econômica; ii) os desejos humanos são considerados independentes das interações sociais e a satisfação deles se dá pela via do consumo de mercadorias; o bem-estar humano depende da satisfação desses desejos, individualmente. Já a escola econômica radical tem em sua defesa intelectual que: i) os desejos humanos são determinados, em boa parte, socialmente, e a satisfação deles pode ou não aumentar o bem-estar humano; ii) que a produção é um fenômeno social em que nenhuma pessoa pode ser responsabilizada pelo todo produzido; iii) que a destinação dos produtos ao consumo é determinada socialmente, podendo ser benéfica ou prejudicial ao bem-estar humano, assim, definidos pela própria coletividade, que se apropria das regras de mercado.

Constata-se que ambas as escolas estão a considerar o ho-mem e o atendimento de suas necessidades, individuais e sociais,

supervisiona) esses procedimentos, sempre em nome do combate ao ‘comu-nismo’ e da defesa da ‘democracia’ (HUNT, 2005, p. 488).

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sobretudo, depreende-se que tipo de homem pretendem atender: a ortodoxa, preocupada em satisfazer o homem pela metade (alma) porque com isso consegue maximizar lucros, entendendo que esse ser é esvaziado de sentido; a radical, preocupada em atender o homem na sua plenitude (alma + espírito), entendendo que esse ser pleno não se preenche com mercadorias, mas com o sentido de sua existência.

Trata-se de um paradoxo recente para a economia, mas an-tigo para as ciências filosóficas e sociais, podendo representar a pos-sibilidade de rompimento e emancipação, a exemplo do que mencio-na Hunt (2005, p. 490): “[...] os seres humanos sempre funcionam, pensam e escrevem com base em, dentre outras coisas, sentimentos, preceitos e conceitos morais.” Assim, sob a análise desse dilema, as necessidades humanas universais natas são separadas das individuais conscientes, as quais são conformadas pelo processo social a que o indivíduo é protagonista, entretanto, a socialização pode condicio-nar padrões de comportamento que torne a necessidade universal inata como individual e essa inversão seja o padrão de normalidade, esvaziando a individualidade que provoca ansiedade neurótica4 (sen-timentos de pequenez, insignificância e desamparo) (HUNT, 2005, p. 490). Esse é o perfil das gentes que estão sob o império do sistema capitalista: enfermidade crônica na alma, cuja expressão da razão é distorcida da realidade existencial da humanidade. É possível com que está sendo visto até aqui, depositar nas grades desse sistema ortodoxo, a responsabilidade pelos fenômenos identificados como o individualismo exacerbado, a mitigação das so-beranias políticas e econômicas dos países em desenvolvimento, a perda de identidade cultural, o desequilíbrio na exploração da natu-

4 “Esses sentimentos não seriam neuróticos se a pessoa percebesse que eles decorrem da negação social da essência real dessa pessoa e que uma socie-dade que nega aos seres humanos sua humanidade pode ser de fato mudada por uma ação humana coletiva.” (HUNT, 2005, p. 490).

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O diálogo entre direito moral...Daniela Regina Pellin, Wilson Engelmann

reza, as mudanças climáticas, a amputação da emancipação política dos povos, a degradação sexual, o apelo à sensualidade, a massifi-cação do consumo, o aumento da criminalidade, da miséria, a con-centração de riquezas globais; toda expressão humana deformada, a partir de si mesma.

Para o outro lado do paradigma Hunt conclui seu trabalho crítico sustentando que o conceito de bom para os seres humanos e de seu bem-estar, consiste nas estruturas da vida social e que cada um seja considerado como fim em si mesmo. Assim, é possível iden-tificar um desejo universal de que cada pessoa alcance o máximo de sua auto - realização (biológica, emocional, intelectual, criativa e estética) e uma preocupação unificada consigo mesmo que reflete, diretamente, no outro (HUNT, 2005, p. 492). Por tal contextualização sumária e rasa, é possível perceber que o sistema capitalista deu cer-to e uma produção infindável de tentáculos sistêmicos e de produtos ao consumo, não é capaz de saciar o homem que reclama mais satis-fação à sua insatisfação, desapercebendo-se que é existencial. Com isso, todo o sistema global caótico está -falsamente – justificado e é tido como padrão de normalidade do qual derivam todas as implica-ções dos sistemas que são pensados, a partir de então.

Mas isso não ocorreu com um estalo de dedos. A escolha foi realizada no século XVI, com a derrocada do feudalismo e o avanço do mercantilismo, momento de acumulação primitiva. Então, o início do século XXI, pode ser marcado pela apropriação do direito de decidir novamente por qual caminho social e econômico seguir; o capitalismo radical é uma possibilidade para a pesquisa. Com isso, também, signi-fica dizer, que o homem precisa escolher retornar à plenitude de seu espírito para recuperar a chama perdida e, assim, curar a alma e re-tomar o sentido de sua existência mediante a apropriação social.

Muito embora, pareça uma escolha impossível de romper, porque o sistema arraigou suas verdades como absolutas, muitos mul-tiplicadores são encontrados resistindo ao que aí está e o Direito,

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mais uma vez, é o servo fiel da razão que se permite ser usado como ferramenta da moral que, por sua vez, ostenta a política e a econo-mia como pano de fundo e a justiça como moldura. É, de fato, por onde tudo o que é pensado é materializado, na prática. É hábil para sair da compreensão e se efetivar no chão da sociedade.

Nessa seara de reflexões, para a juridicização dos fatos so-ciais, políticos e econômicos que permeiam as nanotecnologias, im-prescindível que o Direito, de forma limpa e honesta, mas, sobretu-do, parcial, ao lado da moral excelente e do capitalismo radical, dê contribuição estruturante e reveladora de uma nova ordem social: o homem como fim de todo desenvolvimento. Esse é o princípio estru-turante da moral social e econômica que o Direito deverá pensar. Sim, deverá servir à moral social e econômica pois, ambas estão fundidas.

O Direito a serviço da moral social causa prejuízo econômico à sociedade; a serviço da economia, como já vimos, causa problema social. Então, a conclusão, partindo de uma moral excelente, é esta-belecer como razão de pensar, a moral social fundida com a econômi-ca e, depois, a política, porque a economia e a política, também es-tão fundidas entre si. Assim como Engelmann menciona, os princípios são a base do pensar (ENGELMANN, 2001, p. 88) e a razão de decidir; uma moral excelente para um bom início de juridicização é escolher o princípio pelo qual todo pensamento jurídico irá perpassar.

3 O DIÁLOGO ENTRE ALEXY E POSNER A RESPEITO DA EFI-CIÊNCIA DA MORAL SOCIOECONÔMICA E JURÍDICA PARA O ENFRENTAMENTO DO DIREITO DAS NANOTECNOLOGIAS

Os princípios são a razão de pensar. É no campo dos princí-

pios que reside a moral estruturante, fundamental. A lei, por sua vez, é a expressão da razão prática, que se realiza a partir da técnica. A justiça, de outra borda, fica nas impressões do espírito – muito dis-tante! - e, portanto, não tem parte com a moral, muito menos com

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a lei. O Direito, em toda sua complexidade estrutural de fontes, é o administrador técnico desse cenário repartido da conformidade hu-mana, que se reflete na conjuntura social, locus do agir do Direito, como consequência, lugar histórico de revolver-se com os ideais da Justiça. Impossível, pois não tem parte com ela, ela está no Ente e o homem e sua moral estão alojados no Ser.

Entretanto, a proposta, a partir daqui, é a de estabelecer, por tudo o que foi construído, até agora, que os princípios fundantes do Direito das Nanotecnologias devem ter como pedra de esquina, as bases do capitalismo radical (sic) para promover como resultado, a retomada da moral excelente e, via reflexa, alçar o Direito a Justiça.

Como laboratório, o capitalismo radical deverá se infiltrar nos princípios estruturantes do Direito das Nanotecnologias, a fim de que as fontes possam ser elaboradas a partir dessa fusão entre eco-nomia e Direito e alcançar a eficiência social.

Para Engelmann que entende que os princípios são a razão de pensar a sociedade, o Direito e a Justiça, salienta que, no perfil, eles têm caráter polêmico e polissêmico e que “[...] pode-se dizer que os mesmos representam as linhas gerais do Direito, responsáveis pela formação do sistema jurídico.” (ENGELMANN, 2001, p. 95). O norte dos princípios que orienta, ou deveriam orientar o Direito, no Brasil, estão sistematicamente catalogados na Constituição da República, dos quais, todos os demais, a partir dela, estão ou deveriam estar, a ela, sujeitos, pois, é nela que estão contidas as razões de pensar o país.

E mais. É possível diagnosticar um princípio nacional muito maior, de prospecção interna e externa, que é o contido na bandeira institucional do país: ordem e progresso. Essas duas palavras signifi-cam que o país está, claramente, assentado em dois princípios estru-turantes: social e econômico. Essa compreensão é possível tendo em vista o local histórico de suas afirmações e o andar da história, até aqui. Portanto, já, em 1988, o Brasil assumia a posição de alavancar todo o processo social a partir da economia, possível de verificar,

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também, da leitura atenta do preâmbulo e do artigo 1º, os quais con-validam a intenção flamular.

Então, não há mais como discutir essas ideias no campo das ideologias políticas, porque é fato escolhido pela alma da nação. A democracia já está consolidada no Brasil, agora, é o momento da efi-ciência. Estamos, na régua histórica, no momento de proporcionar efi-ciência a esses princípios estruturantes escolhidos por nós. Então, não há nenhuma eficiência em retroceder. Não há mais tempo para voltar a ser um país criança. Havia outras escolhas, outros caminhos, mas a nação escolheu este: uma sociedade econômica por base de sua exis-tência e conformação social, sendo esse seu padrão de moralidade.

Portanto, todos os princípios, quando usados, que não este-jam afetos a essa fusão são mal interpretados porque, muito embora, a nação tenha escolhido esse caminho em 1988, o chão social não compreendeu o que foi feito, ou como isso funciona, porque não hou-ve sua emancipação necessária para tal, e diante da ineficiência da administração nacional por questões inúmeras, desde então, reclama outro caminho, mediante ideologias que, nesse momento de globali-zação e tecnologia, não funcionam mais, a não ser, para mergulhar o país no caos.

Contudo, se nesse momento forem adotadas como regras de todo o sistema social, jurídico, político e econômico a compreensão do princípio maior que é o da fusão social e econômica, e essa razão de pensar for capaz de refletir no dia-a-dia do país, certamente se, e somente se, de forma adequada, haverá uma harmonia capaz de instaurar a eficiência em todos os setores.

E, na esfera jurídica não é diferente, senão, essencial, pois faz parte de uma das esferas de poder político do país, que também está debaixo dessa moralidade, e que já vem dando amostras consi-deráveis de tudo o que se está a dizer, a partir de decisões judiciais em todas as esferas de reclamação, a moral econômica para atingir

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o chão social tem sido a razão de pensar o Direito e isso tem passado pelo filtro dos princípios. Esse discurso tem amparo.

Engelmann (2001, p. 103), de forma coerente com a propos-ta da pesquisa, propõe classificar os princípios assim: i) princípios fundamentais, como aqueles esculpidos na Constituição da Repúbli-ca e demais proposições jurídicas; ii) princípios fundamentais secun-dários que revelam as orientações do pensamento, residindo aqui, a moral fundante considerada na construção do pensamento como extrajurídica;5 iii) princípios de sistematização, aqueles capazes de delimitar e conformar o sistema de normas e regras jurídicas; iv) princípios hermenêuticos para a aplicação do direito e que devem orientar o pensamento no momento de uso das normas jurídicas.

É nessa categoria dos princípios fundamentais chamados de secundários, onde está alojada a moral extrajurídica, que os doutrinadores dogmáticos esperneiam em favor ideológico da sistemática positiva e mantença da tradição técnica do Direito, negando-lhe espaço de interferência sob a pecha da bandeira da insegurança jurídica. Quando, a bem da verdade, seria uma emancipação do Direito admitir a interferência da moral no seu quadro anêmico de fontes. É possível perceber que isso se dá em decorrência da asfixia sintomática causada pela razão técnica que não admite, e sequer permite, que o homem retorne às impressões do espírito e da Justiça, cujo caminho é a moral sã. Mas, é, justamen-te nesse ponto que Engelmann (2001, p. 102) os considera possíveis de serem incorporados ao sistema jurídico como função normativa ou mediante a atividade judicial, capaz de fechar a completude de

5 Na construção do pensamento das categorias dos princípios, Engelmann parafraseia Aulis Aarnio e a leitura que faz de uma das categorias é a dos princípios extra – sistêmicos, que são aqueles de conotação extrajurídica e de caráter moral que devem ser levados em considerados no universo jurí-dico e têm função de orientar o pensamento jurídico e os seus significados ideológicos (ENGELMANN, 2001, p. 98).

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regras, a partir da moral estruturante. A isso o Professor chama de “norma de clausura do sistema de liberdades”, que é compreendido como sendo “[...] a liberdade jurídica como a garantia institucional da liberdade natural, de modo que qualquer limitação que possa ser lançada sobre esta, caracteriza-se como uma restrição à liberdade jurídica e, desta forma, aos direitos fundamentais.” Bingo! Uma vez que os princípios fundamentais extrajurídicos sejam a razão de pen-sar o Direito, qualquer regra jurídica que não contenha essa soma como resultado, deverá ser remanejada para que essa eficiência seja promovida no caso concreto. Essa é a posição ótima almejada pelo Estado Democrático de Direito e onde residem as crises jurídicas que não são identificadas pelos operadores de plantão.

E é nessa conta de soma 10 na eficiência, que os pensamen-tos de Alexy e de Posner auxiliam nessa reorganização jurídica de pensar o Direito das Nanotecnologias. Alexy estuda as regras jurídicas fundamentais para alcançar a eficiência social, que têm como pano de fundo, a eficiência econômica; e Posner, a partir da eficiência econômica, mostra como alcançar a eficiência social. Por isso, vale travar um diálogo sobre a eficiência a partir da fusão socioeconômica que o Direito brasiliense deve aparelhar e condiga com a pretensão maior da Constituição da República.

Além disso, Alexy observa o sistema jurídico a partir da es-trutura do seu país, que regra a sociedade pela codificação de normas. Já, Posner, observa o sistema jurídico a partir da estrutura da socieda-de pelo common law, a denotar a riqueza da contribuição do diálogo.

Na proposta de Alexy, os princípios dialogam de forma har-mônica e exponencial com as regras jurídicas para fechar a comple-tude normativa. Princípios e regras fazem parte da categoria-gênero norma. Os princípios, para ele, otimizam, da melhor maneira pos-

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sível, o sistema de normas; proporciona qualidade ao Direito, são “mandatos de otimização”.6

Ora, otimizar significa proporcionar eficiência na aplicação do Direito, a partir dos princípios. Por sua vez, otimização está rela-cionada a sinônimos como pró-atividade, movimento adiante, avan-ços, saltos qualitativos, alavancagem de qualidade, signos estes de conotação de resultados positivos, maximização de riquezas sociais.7 O próprio Alexy se socorre de operações lógicas da matemática para conferir eficiência à aplicação do peso concreto dos princípios de sua teoria, como se depreende do Posfácio escrito em 2002, de sua obra de 1986, almejando, com isso, critérios (ALEXY, 2015, p. 575-627).

Assim, é possível fazer a leitura da teoria de Alexy (2015) de que, se o Direito positivo não é eficiente para atender às demandas sociais, dada a impossibilidade de subsunção universal, os princípios como razão de pensar e orientar o Direito devem ser vivificados como critérios para promover a máxima eficiência na solução das pendências jurídicas, estando ou não previstos na Constituição Federal, positiva-dos ou não. E, se os princípios fundamentais contêm a moral socioeco-nômica, maximizar o Direito significa conformar essa realidade.

Ele mesmo menciona que “[...] uma constituição é uma or-dem-fundamento em sentido qualitativo e quantitativo substancial se por meio delas são decididas questões que sejam fundamentais para a comunidade.” E prossegue: “[...] de acordo com a teoria dos prin-cípios, uma boa constituição deve conciliar as duas coisas. Ela tem

6 Engelmann (2001, p. 108) explica que os mandatos de otimização se ca-racterizam pelo fato “[...] de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida de seu cumprimento não depende apenas das condições reais, mas também das jurídicas.” 7 O conceito de maximização de riquezas difere, em muito, de maximização de lucros. Conforme Posner, trata-se da doutrina jurídica-econômica que analisa a relação custo-benefício para orientação das decisões judiciais. Não se trata de análise financeira, envolvendo perdas e ganhos pecuniários, mas, sim, sobretu-do, a eficiência das normas que inclui ganhos ou perdas não pecuniárias.

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que ser tanto uma ordem-fundamento quanto uma ordem-moldura.” (ALEXY, 2015, p. 584).

Ao entender a teoria de Alexy, Engelmann (2001, p. 109) diz que “[...] tomando-se em conta esses argumentos (os acima expostos), cabe observar que não são os princípios que apresentam a ‘dimensão de peso’, mas as razões e os fins aos quais eles fazem referência.”

Posner (2010), por sua vez, mas por outro caminho, salienta que a teoria da análise econômica do direito se predispõe a maximizar riquezas sociais e, portanto, tornar o direito eficiente. Para isso, não é possível sói acontecer sem a economia servir de baliza para o direito – tudo gira em torno do dinheiro! -. Com isso, não se está a que os poderes da República precisam ser eficientes, já que são democráticos. Diz ele:

A novidade do movimento ‘direito e economia’ está sim-plesmente em insistir que os juízes, ao tomar decisões, exerçam sua ampla discricionariedade de modo que se produzam resultados eficientes, entendidos no sentido de resultados que evitem o desperdício social. [...] E continua: a análise econômica do direito não se aplica somente às áreas de direito privado, como o direito dos contratos e a responsabilidade civil extracontratual. Po-de-se aplicar, também, a muitas áreas do direito público [...] (POSNER, 2010, p. 15).

Muito embora, Posner administre muito melhor do que Alexy

a discricionariedade judicial – para os positivistas é o problema e para os do sistema da common law é a solução - é possível denotar que ambos, cada um em seu sistema jurídico, pretendem dar caminhos que permitam ao direito ser eficiente, chegar até o chão social, e agregar resultados positivos e satisfatórios. Mas, também, denota--se que, ambas as teorias foram elaboradas a partir do contexto da moralidade social, política e econômica. Alexy, jurista alemão, cuja Constituição de Weimar é um arcabouço de intenções em recuperar

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os efeitos negativos da moral do país por causa da Segunda Guerra Mundial; recheada de padrões de distribuição social igualitária por um Estado paternalista e cheio de bondades. Ao Estado, resta a con-dução do povo. Do outro lado, Posner, americano, de Constituição Li-beral e eminentemente econômica; recheada de padrões igualitários de responsabilidades individuais que conformam um todo produtivo; cada cidadão é emancipado à condição de corresponsável com o cres-cimento do país, que se dá pela via do trabalho duro; basta ler o dis-curso de Benjamin Franklin em Max Weber sobre A ética protestante e o espírito do capitalismo (WEBER, 2004, p. 42-44). Ao Estado resta a condução política. Essa moral que está por detrás das teorias não es-capa ao Brasil que, tem a sua formada, num primeiro momento, pela colonização de exploração e, posteriormente, pela política do café. De lá para cá, a Constituição Federal de 1988, pretende emancipar o país e reescrever essa história, mas essa questão depende da moral que se riscou no diploma político de 1988.

Posner (2010, p. 17), não avesso ao panorama geral brasi-liense, diz em seu livro A Economia da Justiça, traduzido para a Lín-gua Portuguesa, que a abordagem econômica e jurídica tem suas con-tribuições a dar para o Brasil: i) formação dos juízes; ii) o fato de o país estar em desenvolvimento. E, ainda por cima de tudo, reconhe-ce que os juristas brasileiros, muito preocupados com metodologias conservadoras, têm dificuldades no enfrentamento do direito como fator político, impedindo o avanço da discricionariedade judicial e a permeabilidade do processo judicial por outras disciplinas, a exemplo da economia. Posner está do lado da escola do capitalismo radical porque verifica a anarquia moral que se concebe no mercado, locus das nanotecnologias que estão alojadas em um vácuo sócio jurídico. Assim, a partir das duas teorias convergentes é possível construir algo jurídico nacional relevante para tratar o Direito das Nanotecnologias, levando-se em conta, conceitos de eficiência jurídica e econômica inseridas nos princípios, os quais não podem dispensar itens de mo-

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ralidade excelente, que só a teoria da Análise Econômica do Direito pode incutir.

Para Posner (2010, p. 8) a teoria é sistêmica quando diz que “a estrutura econômica implícita no common law em diversos estudos das normas e instituições jurídicas, bem como análises dos procedimentos e das decisões judiciais” parte da análise econômica do direito. Aqui, no Brasil, a teoria vem sendo aplicada em vários setores, mas, muito discretamente e com conotação de metodologia de resolução de conflitos. No caso das nanotecnologias, é deveras interessante que a teoria possa repousar em harmonia e cumprir o desiderato constitucional, como se verá. A Análise Econômica do Di-reito pretende romper com a razão técnica do sistema ortodoxo de capitalismo. É através da racionalidade limitada que se alcança a eficiência jurídica e econômica e se maximiza as riquezas sociais. O valor agregado a ser computado está no bem-estar do indivíduo e sua auto- realização, o que difere, em muito, da massificação do consu-mo, sustentado pela economia clássica. A teoria rompe com o sistema quando trava a batalha entre valor e preço.8 Preço está ligado ao cál-culo do custo; valor, à potencialização agregada, que vai muito além do preço, além do fetiche de consumo como bem-estar.

A partir da leitura pretenciosa do artigo 170, da Constituição Federal é possível identificar que o Constituinte de 1988, diferenciou ordem econômica e financeira. A economia é o todo social no merca-do e a financeira, é o resultado do dinheiro circulado. E mais. Nomeia o capítulo como sendo o dos princípios gerais da atividade econômi-ca, ou seja, a moral comportamental na praça econômica chamada de mercado.

8 “Embora o conceito de valor seja inseparável do de mercado, valor não é o mesmo que preço. O preço de uma mercadoria é o valor desta para o con-sumidor marginal, e os consumidores intramarginais a valorizarão mais alto, no sentido de que estariam dispostos a pagar um preço mais alto por ela.” (POSNER, 2010, p. 73).

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Além disso, assim como as categorias presentes na teoria, o artigo 170, também, descreve categorias tal qual, hábeis à eficiên-cia e a maximização de riqueza social pelo valor agregado. Então, a teoria já está prevista na Constituição Federal. Olhando para a reda-ção do dispositivo político, a livre iniciativa obterá lucro financeiro a partir da ciranda econômica que é gerida pelos princípios de mo-ralidade que rompem com a hiperracionalidade lucrativa; segundo, os nove princípios econômicos mais o parágrafo único mostram o que a sociedade brasiliense entende o que deseja como valor agregado; terceiro, a inclusão no caput de dignidade, valor do trabalho e justiça social, fecham a compreensão da moral socioeconômica nacional.

Grau tratando do aspecto em comento da Constituição Fede-ral, diz que o país escolheu o sistema capitalista para desenvolver-se, e como modelo de operar esse sistema, rejeitou a economia liberal - a ortodoxa - e, optou pela intervenção do Estado na economia - o neoliberalismo. E que o faz a partir dos princípios que mostram toda a ideologia por detrás da textura harmônica dos princípios constitu-cionais. Prossegue para esclarecer as ambiguidades possíveis, dizen-do que o país é Estado Democrático de Direito e não Estado de Direito social; com isso, que a busca pela realização do bem-estar cabe à sociedade e ao Estado (GRAU, 2015, p. 304-307).

Uma vez entendida que a teoria já está no ordenamento, o modelo de intervenção como ferramenta de promoção da eficiência e da maximização pode ser alcançado pela chamada Tríplice Hélice nessa fase de estruturação para o desenvolvimento.

E esse ferramental é um dos possíveis de eleição porque a teoria é aplicada em todos os setores da sociedade, como um sis-tema. Gico Júnior esclarece que para a aplicação da teoria é im-portante “empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação ás suas

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consequências (GICO JÚNIOR, 2012, p. 2-33). A Hélice Tríplice (ET-ZKOWITZ, 2009) envolve de forma integrada, universidade, indús-tria e governos na promoção do desenvolvimento seguro, eficiente e maximizador, pois, tem na sua proposta teórica e prática elementos sociais (universidade), econômicos (indústria e Governo) e jurídico (instrumental de concretização e convergência dos interesses). A uni-versidade assume o papel de estimular a criação de empresas a partir do desenvolvimento científico inovador, introduzindo a capitalização do conhecimento. As empresas, por sua vez, desenvolvem treinamen-tos para níveis cada vez mais alto no compartilhamento dos ativos intelectuais por meio de contratos de joint venture. O governo, como capitalista público, interessado e interventor na economia, promove a integração desses contratos ao mesmo tempo em que mantem atu-ação regulatória, cumprindo seu mister Constitucional. odo o foco de desenvolvimento, nesse momento, sai da universidade, local onde se desenvolve avanço e segurança científica, o que é imprescindível nes-se cenário de risco que as nanotecnologias já demonstram promover.

4 CONCLUSÕES

É a partir de uma inquietação sistêmica que a pesquisa par-tiu e as nanotecnologias, um de seus aspectos.

De um lado, a técnica do Direito insuficiente e ineficiente para atender às demandas que gravitam em torno das nanotecnolo-gias, que coloca em risco a sociedade e favorece a exploração econô-mica na forma clássica, pois está inserido em aparente crise existen-cial pelos juristas de plantão.

De outro, a necessidade de recolocar as questões morais, políticas e econômicas dentro desse cenário jurídico para conseguir estruturar um Direito das Nanotecnologias que não postergue essa ineficiência e insuficiência.

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Então, foi a partir da investigação da moral econômica que o dilema foi resolvido, que permite avançar no tratamento jurídico dos riscos e avanços nanotecnológicos. Inclusive, possível estruturar um Direito das Nanotecnologias sem hipocrisia.

Para isso, revolver a história econômica, política e social foi necessária para desnudar a moral, que sempre foi econômica e este-ve presente o tempo todo no Direito, tanto positivo, constatado estu-dando os princípios na teoria de Alexy, quanto no sistema do common law, na teoria da Análise Econômica do Direito, em Posner, colimando na análise no artigo 170, da Carta Política Nacional.

Para resolver a problemática, a partir dos dados e da revi-são bibliográfica interdisciplinar, confirmou-se a hipótese de que a Análise Econômica do Direito é suficiente para estruturar o Direito das Nanotecnologias e, nesse modelo deve ser todo o pensamento jurídico perpassado por princípios ideológicos, de moral excelente e de valor agregado.

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ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel (Org.). Direito & Economia. Análise Econômica do Direito e das Organizações. 2. reimp. Rio de Janeiro: Campus, 2005.

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PERSPECTIVAS E REPERCUSSÕES DA RELAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL EM ROBERT ALEXY

Daniel Ortiz Matos*

Rafael Giogio Dallabarba**

1 INTRODUÇÃO

A relação entre Direito e Moral é, certamente, um dos temas mais discutidos pela teoria do Direito ao longo dos tempos. Dentre os célebres filósofos e/ou juristas que se debruçaram sobre esta discus-são podemos citar, dentre outros: Aristóteles; Tomás de Aquino; John Finnis; Lon Fuller; Hans Kelsen; Gustav Radbruch; Herbert Hart; Haber-mas; Joseph Raz; Ronald Dworkin; Wilfrid Walluchow; e Robert Alexy.

A compreensão acerca do modo como estes dois sistemas normativos se articulam repercute em todo o empreendimento te-órico, direcionando horizontes, possibilidades e limitações. Por isso, toda e qualquer incursão paradigmática sobre o Direito, isto é, aquela que alcançam seus fundamentos (grounds), de alguma forma sempre (per)passa por esta temática. Num esforço de síntese, poderíamos apresentar ao menos três perspectivas básicas sobre esta relação. A primeira, tradicionalmente ligada ao Jusnaturalismo, mas não apenas limitada a esta1 – defende que haveria uma relação necessária, seja de submissão ou de complementariedade. A segunda – historicamente atrelada ao Positivismo Jurídico – afirma que a uma separação concei-tual, mesmo reconhecendo que existam pontos de contato reforçam

* Mestre e Doutorando em Direito Público na Universidade do Vale do Rio dos Sinos; [email protected] ** Mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; [email protected] Um dos juristas que defende a tese da conexão necessária é Dworkin (2012), que entende o direito como um ramo da moralidade política, porém, simul-taneamente, ao longo de sua obra também critica o Jusnaturalismo.

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a autonomia do direito independentemente dos seus (de)méritos mo-rais. A terceira – numa zona intermediária mais ainda autodeclarada Positivista, embora numa versão Inclusivista ou Incorporacionista – procura enfatizar que não há uma relação necessária, todavia esta poderia existir apenas devido a contingências históricas.

Este trabalho se propõe a analisar o modo como Robert Alexy desenvolve a relação entre Direito e Moralidade em sua teoria. Ade-mais, entender em qual das três abordagens apresentadas o jurista mais se aproxima, ou se em nenhuma daquelas. Por fim, será feita uma breve exposição crítica.

O método “utilizado” é fenomelógico-hermenêutico, em que há um exercício de revolvimento do chão linguístico em que se as-senta a tradição no intuito de uma compreensão mais originária do fenômeno estudado. Neste artigo, esta tarefa volta-se aos escritos do próprio Alexy na busca dos standards de racionalidade2 que lhe dão sustentação e sentido.

O texto se desenvolve em três atos. Primeiramente, será re-alizada uma apresentação do estado da arte das discussões sobre o assunto proposto. Após, a análise será centrada na elaboração ale-xyana. No terceiro e último, será feita uma aproximação contextual com as correntes tratadas anteriormente, bem como uma leitura crí-tica de sua proposta.

2 Este modo de análise foi elaborado pelo filósofo brasileiro Ernildo Stein. Em suas palavras: “[...] é preciso encarar, de frente a contribuição dos stan-darts de racionalidade que a Filosofia desenvolve, quando ela é mais que uma simples retórica ornamental ou orientação na perplexidade.” (STEIN, 2004, p. 136) [...] Dessa maneira, qualquer campo teórico do direito pode esperar respostas importantes de um standart de racionalidade filosófico. Isso, no entanto, pressupõe que o campo teórico do Direito se vincule a determinado paradigma que lhe dá sustento no método e na argumentação (STEIN, 2004, p. 137).

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Espera-se ao final contribuir no avanço das reflexões acerca da obra de Robert Alexy, que salvo exceções, tem sido equivocada-mente recepcionada em terras brasileiras.

2 REFLEXÕES ENTRE O DIREITO E A MODERNIDADE

A partir da Modernidade com a descoberta do sujeito (res co-gitans) o conhecimento humano procurou se desvencilhar de qualquer elemento transcendente como fundamento do real. Talvez por isso, nesse caminho de transição, entre o Jusnaturalismo do medievo (Tomás de Aquino) e a primeira manifestação do Positivismo Jurídico existiu uma Escola do Direito Natural de cunho racionalista, sobretudo, com o Iluminismo. A questão não seria uma procura para além do homem, mas tentar encontrar em si próprio à estrutura básica para o saber.

Após, com certo desencantamento, essa busca voltou-se a um conhecimento possível, seja numa aproximação com a lógica/matemática, numa limitação à empiria (hard facts), ou até mesmo voltando-se para a vontade enquanto ordenador do caos que seria a realidade. Na contemporaneidade, encontra-se um caleidoscópio com correntes que procuram retornar a concepções pretéritas, e ou-tras que procuram apresentar se em espaços intermediários procu-rando compatibilizar teses/perspectivas até então tidas como anta-gônicas, inconciliáveis.

O Direito imerso nestes contextos não poderia permanecer alheio a estas mudanças tão profundas, e especificamente, a relação entre Direito e Moral foi se alterando de modo significativo com o transcorrer da história. Da Grécia, berço da filosofia ocidental, foi nos legada a ideia que haveria na realidade alguma ordenação (cos-mos), conhecê-la seria uma tarefa a ser alcançada. Deste modo, foi neste contexto que os primeiros esboços da teoria da Lei Natural foram traçados.

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Aristóteles no Livro V da Ética a Nicômaco nos dirá que o di-reito do Estado é formado parte de um direito natural, e parte de um direito legal. Esta parcela natural, apesar de ser mutável, teria vali-dade universal não necessitando de aprovação convencional. Ao juiz caberia ante a generalidade da lei realizar um juízo de adequação as particularidades do caso, o que denominava de equidade/razoa-bilidade (epiekeia). Do modo similar, deveria ser a ação em casos de anomia. Por isso a equidade ser superior à justiça legal, pois a corri-ge. Importante salientar que, nestas situações, o problema não seria de natureza lógica, mas sim de valor. Podemos ver que em Aristóteles há uma conexão entre Justiça e Direito, que em termos hodiernos, estaria próximo da tese da conexão necessária entre direito e mora-lidade num caráter complementar, de orientação.

Em Tomás de Aquino ([201-], p. 576), já na idade Média, esta tese alcança uma versão ainda mais forte, de submissão, que pode ser vista na máxima agostiniana: “Uma lei injusta, não é lei alguma.” Desta forma, na Suma Teológica o filósofo vai dizer que haveria uma derivação da lei humana a partir da Lei Natural, em suas palavras: “Portanto, toda a lei humanamente imposta tem tanto de razão de lei quanto deriva da lei da natureza. Se, contudo, em algo discorda da lei natural, já não será lei, mas corrupção de lei.”

A partir da Modernidade há uma mudança quanto ao objeto da razão humana para encontrar “descobrir” a Lei Natural, seria o próprio homem em simesmo, e não como um espelho de algo trans-cendente, como era Deus no medievo.3 Haveria ainda uma relação

3 Sobre o tema Hespanha (2005) declara que: “Mas, para além destas vozes que lhe vinham do passado, o século XVII encontrou no ambiente filosófi-co de seu tempo elementos que contribuíram partir de direitos que foram sendo reconhecidos como invioláveis, pois seriam constitutivos da natureza humana. Com o Positivismo Jurídico, a conexão necessária foi substituída pela tese da separação que pode ser resumida na afirmação de Austin (1995, p. 157): “The existence of law is one thing; its merit and demerit another.

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necessária entre direito e moralidade, a impediria que estas, cir-cunstancialmente, incorporem ou façam uso de princípios de moral política como critério de validade do direito.

Destarte, o direito não seria necessariamente identificável por standards morais, porém, isto poderia ocorrer de uma forma con-tingencial. Os inclusivistas defendem, portanto, uma tese convencio-

Whether it be or be not is one enquiry; whether it be or be not conformable to an assumed standard, is a different enquiry.” Nesta linha Hart elaborou seu Conceito de Direito, apesar de certo abrandamento no pós-fácio escrito décadas após. Ou seja, não haveria nenhuma conexão necessária, o direito deveria ser descrito no que ele é, e não como deveria ser. Esta premissa resulta da crença de que todo e qualquer elemento valorativo estaria além dos limites da racionalidade (científica). Deste modo, o direito se limitaria aquilo foi posto, positivado pela vontade, convencionalmente, sendo excluí-do o que não derivasse e se circunscrevesse a essa realidade. Contempora-neamente, o Positivismo pós-Hart, se dividiu em duas vertentes, uma que reforça a tese da separação e outra que a atenua. De um lado o Positivismo Exclusivo ou Excludente, que defende ser o direito identificado somente pe-las fontes sociais – que identifica todo o direito a convenções sociais – num sentido mais forte, enquanto critério neutro de validade do Direito. A vali-dez do Direito seria, portanto, auferida por um critério fático amoral. Assim, mesmo que certos imperativos jurídicos contenham padrões morais, a sua normatividade seria decorrente dos fatos sociais e não de seu conteúdo. Des-te modo, inexistiria qualquer vinculação conceitual necessária entre Direito e Moral. Em sentido diverso, o Positivismo inclusivo ou incorporacionista mantém a tese das fontes sociais, contudo, a compreende num sentido mais “leve” o que torna a tese da separação do direito e da moral, numa tese de separabilidade. Em suma, se o direito é identificado por convenções, nada para formar a sua concepção de um direito natural, estável como a própria razão. Referimo-nos ao idealismo cartesiano, embora tal concepção filosófi-ca tenha ligações muito profundas com uma anterior escola filosófica da Bai-xa Idade Média – o nominalismo de Duns Scotto e Guilherme de Occam (HES-PANHA, 2005, p. 296). Acerca das ideias básicas deste movimento Hespanha (2005, p. 297) diz: “Também estes fizeram fé nas ideias claras e distintas, na evidência racional dos primeiros princípios do direito, na possibilidade da sua extensão através da dedução; enfim, no poder da razão individual para descobrir as regras do justo, de um justo que fugisse à contingência, por se radicar numa ordem racional (quase matemática) da natureza (mathesis uni-versalis) de que a razão participava. E é com este direito natural racionalista que se vai avançar no sentido de tornar mais certo o direito positivo.”

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nalista débil, isto é, mesmo considerando a importância da regra de reconhecimento (tese das fontes sociais), por ser esta convencional, não imporia nem a exclusão nem a inclusão da moral, possibilitando uma relação contingente entre direito e moralidade.

Alexy (2009, p. 3) introduz seu pensamento jurídico a partir do que entende pelo principal problema na polêmica acerca do con-ceito de Direito e a sua relação com a Moral. Conforme o jurista, ape-sar de uma discussão que ultrapassa 2.000 anos, sobressaem-se duas posições fundamentais que até os dias de hoje continuam se contra-pondo insistentemente: a positivista e a não positivista.

Alexy (2009, p. 4) refere que todas as teorias positivistas defendem a tese da separação, que determina o conceito de Direito definido sem incluir qualquer elemento moral, e, assim, inexistindo conexão conceitualmente necessária com a esfera Moral. Em contra-partida, todas as teorias não positivistas defendem a tese da vincu-lação, vertente que entende o conceito de Direito definido de modo que contenha elementos morais.

Nessa medida, o autor alemão coloca que a resposta a esta problemática deve necessariamente levar em consideração três ele-mentos essenciais: (i) o da legalidade conforme o ordenamento; (ii) o da eficácia social; e o (ii) da correção material. Aquele que não atribui importância alguma aos elementos da legalidade conforme o ordenamento e da eficácia social, considerando exclusivamente a correção material, obtém um conceito de Direito puramente jusnatu-ral (ou jusracional). De outro lado, quem recusa o elemento da corre-ção material e observa apenas os elementos da legalidade conforme o ordenamento e/ou o da eficácia social, encontra um conceito de Direito puramente positivista. No espaço entre essas posições extre-madas, torna-se possível conceber muitas formas intermediárias, e é no seio dessas variantes que o autor encontra acomodação (ALEXY, 2009, p. 15).

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Assim, ao conceito positivista de Direito restam apenas dois elementos de definição: o da legalidade conforme o ordenamento e o da eficácia social. Em outras palavras, todas as diversas teorias po-sitivistas têm em comum o fato de considerarem o Direito exclusiva-mente dependente ou daquilo que é estabelecido conforme o próprio ordenamento jurídico, ou que obtenha contundente respaldo social. Alexy alerta para a circunstância de que para as teorias não positivistas, pelo fato de defenderem a tese da vinculação e admitirem elementos morais em seu conceito de Direito, nenhuma delas deve ser levada a sério se excluem os elementos da eficácia social e da legali-dade conforme o ordenamento. Assim, o que faz as teses da separação e da vinculação se distanciarem é muito mais a concepção de que o conceito de Direito deve ser definido de maneira a além de aceitar os elementos do conceito positivista, também incluir elementos morais.

Nesse contexto brevemente exposto, Alexy (2009, p. 24-25) irá dar um passo adiante na reflexão sobre o conceito de Direito que entende como o mais adequado, afirmando ser necessário relacionar os três elementos anteriormente apresentados. Aqui as atenções se voltam para a inclusão do terceiro elemento – a correção material.

O argumento da correção constitui o apoio para os outros argu-mentos – o da injustiça e o dos princípios -, uma vez que afirma que tan-to as normas e decisões judiciais individuais como os sistemas jurídicos em seu todo formulam necessariamente uma pretensão à correção. Para Alexy, sistemas normativos que não formulam explícita ou implicitamen-te essa pretensão não são sequer sistemas jurídicos e, para sustentar essa afirmação, traz dois exemplos para embasar seu pensamento.

O primeiro diz respeito ao artigo preambular de uma Cons-tituição hipotética em que a maioria dos cidadãos explora a minoria deles e assim deseja que se permaneça: “X é uma República sobera-na, federal e injusta.” (ALEXY, 2009, p. 43-45). O autor coloca que se trata de uma falha conceitual em sentido amplo, já que se refere a

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uma infração dos chamados atos de fala de John L. Austin, expressões linguísticas que se manifestam como ações (AUSTIN, 1999).

Ao ato do legislador constituinte está necessariamente vin-culada uma pretensão de correção, que, nesse caso, também consti-tui uma pretensão à justiça, tendo em vista que o constituinte incor-re em contradição performativa quando o conteúdo de seu ato nega essa pretensão. Ou seja, o ato de sancionar as diretrizes básicas de uma Constituição está vinculado, necessariamente, a uma pretensão de correção porque o que está em questão é, sobretudo, uma pre-tensão de justiça. Assim, o constituinte comete uma contradição per-formativa quando o conteúdo de seu ato nega esta pretensão, muito embora a formule com sua atuação.

O segundo exemplo parte da decisão que afirma: “[...] O réu é condenado à prisão perpétua em virtude de uma interpretação incorreta do Direito vigente.” (ALEXY, 2009, p. 46-48). Também nes-se caso o juiz comete uma contradição performativa (ou uma falha conceitual), considerando que uma decisão judicial pretende sempre que o Direito seja corretamente aplicado, por menor que essa pre-tensão seja satisfeita.

O argumento da injustiça é colocado em pauta por Alexy quando menciona, fazendo referência à Gustav Radbruch, que as nor-mas jurídicas individuais perdem esse caráter não quando são con-sideradas injustas, mas somente no momento em que determinado limiar da injustiça é transposto, isto é, quando atinge um grau insus-tentável (RADBRUCH, 2010, p. 56). Desse modo, o argumento da in-justiça é subdividido pelo autor em outros oito argumentos internos: linguístico, da clareza, da efetividade, da segurança jurídica, do re-lativismo, da democracia, da inutilidade e da honestidade. Expondo de forma arquitetada cada um deles, o jurista alemão explica que as objeções ao argumento da injustiça não são fortes o suficiente para afastar as razões que o defendem (ALEXY, 2009, p. 48-83).

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O argumento dos princípios surge, na obra alexyana, a partir da afirmação tomada por Herbert Hart de que todo o direito positivo contém aquilo que ele chamou de textura aberta (open texture), uma vez que o caráter vago da linguagem do Direito possibilita diversas contradições, lacunas, e, ainda, a possibilidade extrema de se decidir até mesmo contra as normas jurídicas. Nestes casos, o juiz estaria autorizado pelo próprio Direito positivo a criar um novo direito com base em critérios extrajurídicos (HART, 2001, p. 170-171).

Contra esse modelo de Direito pautado exclusivamente pela existência de um conjunto de regras, Alexy propõe que mesmo no âm-bito de abertura do Direito positivo o juiz estaria legalmente vincu-lado, de maneira a sinalizar a necessária vinculação entre os âmbitos do Direito e da Moral. Ao final do percurso articulado por Robert Alexy com a intenção de se conduzir à formulação terminal de seu conceito de Direito não positivista, o autor apresenta, englobando o conceito de validade, a sua definição conclusiva (ALEXY, 2009, p. 151):

Direito é um sistema normativo que (1) formula uma pretensão à correção, (2) consiste na totalidade das normas que integram uma constituição socialmente eficaz em termos globais e que não são extremamente injustas, bem como na totalidade das normas estabe-lecidas em conformidade com essa constituição e que apresentam um mínimo de eficácia social ou de possibi-lidade de eficácia e não são extremamente injustas, e (3) ao qual pertencem os princípios e outros argumentos normativos, nos quais se apoia e/ou deve se apoiar o procedimento de aplicação do Direito para satisfazer a pretensão á correção.

A primeira parte da definição contém a pretensão à correção como elemento necessário, tendo em vista que sistemas normativos que não a formulam explícita ou implicitamente não podem ser siste-mas jurídicos. A segunda parte relaciona os três elementos clássicos

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da definição – legalidade conforme o ordenamento, eficácia social e correção material -, destacando-se a ressalva dos casos considerados extremamente injustos. A terceira parte amplia o conceito tradicio-nal de Direito para incorporar princípios e outros argumentos nor-mativos que procuram fundamentar a decisão judicial, no intuito de satisfazer a pretensão de correção.

Com essa explanação prévia do quadro teórico que diferen-cia os dois grandes sistemas jurídicos, Alexy avança na construção de sua Teoria dos Direitos Fundamentais (Theorie der Grundrechte), vindo a tornar-se um marco teórico na matéria que diz respeito a estrutura normativa dos direitos fundamentais constantes na Consti-tuição alemã. De início, o autor indica as consequências de se conter um elenco de direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental de um Estado Constitucional, na medida em que a atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário passa a estar sujeita à possibilida-de de interferência de um Tribunal Constitucional.

Embora a positivação dos direitos fundamentais deva ser considerada como algo extremamente relevante em termos de avan-ços de direitos e garantias – principalmente em países com culturas jurídicas provenientes da civil law –, imediatamente se coloca em discussão o alcance dessas normas jurídicas no plano da aplicação concreta. Ao reconhecer a imprescindibilidade dessa questão, Alexy (2008, p. 26) constata que existem inúmeros dispositivos da Consti-tuição alemã que estabelecem uma regulamentação semanticamente “aberta”, isto é, que não permitem um consenso despreocupado so-bre o alcance de sua aplicabilidade.

Assim, deve-se reconhecer que, para além do texto consti-tucional, as discussões que tratam da amplitude de incidência dos direitos fundamentais envolvem elementos a serem considerados a partir da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Entretanto, mesmo a Suprema Corte alemã agindo para tentar redu-zir esse aspecto aberto das disposições dos direitos fundamentais, o

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autor reconhece que é humanamente impossível prever todas as hi-póteses fáticas que reclamariam a aplicação dos mesmos. Para tanto, o professor alemão entende que, juntamente com as decisões do Tri-bunal Constitucional, é necessário analisar quais as respostas que po-deriam ser consideradas racionalmente fundamentadas (ALEXY, 2008, p. 29). É nessa medida que Robert Alexy vai definir o principal objetivo teórico da sua obra: elaborar uma teoria jurídica que ofereça uma fundamentação racional para a aplicação dos direitos fundamentais da Constituição alemã. Pretende o autor, em vista disto, apresentar uma adequada dogmática dos direitos fundamentais considerando uma teo-ria dos princípios e dos valores, a fim de alcançar resultados capazes de expor argumentos racionais para a sua concreta (e racional) aplicação.

Dito de outra forma, em sua Teoria dos Direitos Funda-mentais, Alexy desenvolve um modelo atento às consequências de um ordenamento jurídico que contém um elenco de direitos fun-damentais, na medida em que a atuação do Estado passa a estar sujeita à interferência de um Tribunal Constitucional. O objetivo de Alexy não é desenvolver uma teoria geral do Direito, mas uma nova dogmática constitucional elaborada a partir de uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição alemã, valendo-se, para tanto, das práticas decisórias do Tribunal Constitucional Federal alemão.

Quanto ao conceito de norma de direito fundamental, Alexy adota um conceito semântico, pois entende ser o único referencial sobre o qual as diferentes concepções de validade poderiam se de-bruçar sem encontrar maiores dificuldades, além de reconhecer a possibilidade de se construir normas atribuídas (zugeordnete Grun-drechtnorm), cujo conteúdo não se encontra expressamente no texto constitucional. Verificada a larga amplitude semântica das normas de direito fundamental, Alexy entende necessária a formulação de outra metodologia – diferente da subsunção – para fundamentar a aplica-ção desse tipo de norma (ALEXY, 2008, p. 69).

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Assim, as normas jurídicas comportam duas categorias dife-renciadas: regras, aplicadas mediante subsunção, e princípios (man-damentos de otimização), operando mais evidentemente nos casos de colisão entre normas de direito fundamental em que se recorre à máxima da proporcionalidade. Na medida em que as normas de direito fundamental tem natureza de princípio e podem entrar em colisão, o modo para resolver esse caso é por meio da máxima da proporcionalidade que, dividida em três submáximas (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), fica responsá-vel por explicitar conceitualmente qual princípio exerce maior peso concreto. Nesse aspecto, Alexy refere que princípios e valores morais estão intimamente relacionados, diferenciando-se unicamente pela noção de que os primeiros, enquanto mandamentos de otimização, possuem um caráter deontológico (dever-ser) ao passo que os últimos revestem-se de um caráter axiológico (bom) (ALEXY, 2008, p. 144). Ou seja, na medida em que as normas de direito fundamental são ca-racterizadas por uma amplitude semântica consideravelmente maior que a das regras jurídicas infraconstitucionais, Alexy enxerga neces-sária uma nova metodologia para resolver os casos jurídicos em que essas normas entram em rota de colisão uma contra outra. Ademais, uma vez que os direitos fundamentais assumem caráter de manda-mentos de otimização e natureza principiológica, é desenvolvida uma estrutura procedimental trifásica cuja etapa derradeira fica encar-regada de estabelecer uma espécie de termômetro entre o grau de intervenção e satisfação destes princípios colidentes a partir de uma poderosa elucidação conceitual das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

No interior dessa estrutura opera a lei do sopesamento (tam-bém denominada lei da ponderação), responsável pelo cerne da co-lisão entre direitos fundamentais e que não deve ser compreendida como mecanismo prescritivo, mas dogmático e elucidativo desse con-flito. Isso significa que seria indevido dirigir-se ao texto de Alexy com

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a expectativa de que a máxima da proporcionalidade ou a lei do sope-samento garantirá a única (ou melhor) resposta para o caso, pois não se trata de um padrão normativo, mas lógicoconceitual, cujo objeti-vo é esclarecer – depois de esgotada a verificação das possibilidades fáticas dos meios utilizados para promover determinada finalidade – o grau de intervenção e satisfação de um princípio sobre outro coliden-te, sem estabelecer a priori qual tem o peso mais forte. Esgotados os limites epistêmico-metodológicos da máxima da proporcionalidade, a solução do caso é direcionada para uma teoria da argumentação jurídica, cujos critérios discursivos ficam responsáveis por estabele-cer uma espécie de filtro dos argumentos racionais aptos a alicerçar a decisão judicial (ALEXY, 2008, p. 176).

Distintamente da Teoria dos Direitos Fundamentais, na sua Te-oria da Argumentação Jurídica, Robert Alexy não toma como ponto de partida a prática argumentativa que ocorre no interior da atividade jurisdicional, mas uma teoria da argumentação prática geral cuja tese central é a de que “[...] o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral.” (ALEXY, 2005, p. 209). Nesse âmbito jurídi-co-argumentativo, um enunciado normativo só poderá ser válido na medida em que será o resultado de um procedimento discursivo de-terminado por regras pragmáticas, muito embora não possa com isso garantir a certeza definitiva de todo o resultado, ainda que racional. Essas considerações fazem Alexy assumir uma teoria do dis-curso jurídico não apenas analítica, mas também normativa, uma vez que não se restringe à análise formal da estrutura lógica das proposi-ções em questão, marchando em direção da busca por critérios para a racionalidade do discurso. Assim, dando especial atenção aos alicer-ces da pragmática transcendental de Habermas, Alexy (2005, p. 109) reivindica a combinação de uma série de modelos de fundamentação argumentativa a fim de construir uma teoria jurídico-discursiva mais completa, a qual se desdobra por meio do que o autor chamará de regras e formas do discurso prático geral.

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Quanto à fundamentação das regras do discurso, Alexy (2005) as organiza em quatro conjuntos teóricos distintos: (i) A fundamen-tação técnica, na qual as regras de um procedimento prescrevem os meios para que determinado fim possa ser realizado; (ii) A funda-mentação empírica, a fim de demonstrar se as regras são real e sufi-cientemente seguidas, ou se os resultados produzidos pelas mesmas “correspondem às convicções normativas existentes”; (iii) A funda-mentação definitória, pela qual a “[...] a apresentação de um sis-tema de regras, independentemente da indicação de outras razões, seja vista como a fundamentação ou o motivo para sua aceitação”; (iv) A fundamentação pragmático-transcendental (ou pragmático--universal), como sugerem Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, que “[...] consiste em mostrar que a validade de determinadas regras é condição de possibilidade da comunicação linguística.” (ALEXY, 2005, p. 183-188).

A abordagem das decisões judiciais conforme tais pressu-postos discursivos permite indicar dois padrões de justificação: uma justificação interna, responsável por avaliar a correta conexão das premissas com o resultado; e uma justificação externa, que trata da demonstrabilidade das premissas utilizadas na estrutura silogística da decisão judicial (ALEXY, 2005, p. 244).

Em linhas gerais, a posição do jurista alemão se direciona na tentativa de conjugar a proposta de esclarecimento conceitual das normas de direito fundamental com uma criteriologia discursiva para definir os argumentos morais que inevitavelmente integram o discur-so jurídico nos casos mais controversos, e assim evitar situações de notória injustiça.

Nessa medida, como é reconhecido pelo próprio autor da Teoria dos Direitos Fundamentais e da Teoria da Argumentação Ju-rídica, a questão da (in)determinabilidade interpretativa dos textos jurídicos é concluída, em certa medida, com o amparo das preferên-cias do intérprete, tendo em vista que as próprias regras e formas da

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argumentação, ainda que possibilitem um acurado controle racional da fundamentação das decisões judiciais, não são capazes de eliminar as incertezas normativas e interpretativas de modo a viabilizar uma única (ou melhor) resposta para o litígio. Desse modo, Alexy reconhece mais de um resultado possível ou adequado naquelas demandas judiciais em que a sua racionalidade procedimental não fornece mais recursos argumentativos para solucionar a questão de forma definitiva.

Quanto a sua filiação a alguma das vertentes de pensamento outrora apresentadas, Alexy (2015) declara que sua perspectiva se-ria caracterizada como um não-positivismo inclusivo. Esta definição parece adequada, pois sua abordagem pode ser entendida como uma posição moderada, pois refuta a tese da separação e separabilidade, defendendo a tese da conexão necessária – decorrência da pretensão de correção – mas que conjuga com características juspositivistas, como as ideias de legalidade conforme o ordenamento e de eficácia social, e, apesar de todo o esforço de seu discurso prático racional, mantém a discricionariedade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de Robert Alexy não pode ser desconsiderada de entre uma das mais complexas e sofisticadas posturas teóricas no âmbito da teoria e da filosofia do Direito contemporâneas. Com suas teorias da argumentação jurídica e dos direitos fundamentais, de nítida inspiração kantiana, o autor apresenta um novo sistema jurídico que não se limita simplesmente a questionar a vinculação do conceito de Direito com a esfera da Moral, mas avança em direção da construção de uma nova dogmática constitucional a partir da estrutura dos direitos fundamentais e da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Isso aliado a uma complexa teoria discursivoprocedimental responsável por realizar uma espécie de fil-

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Daniel Ortiz Matos, Rafael Giogio Dallabarba

tro de racionalidade sobre os argumentos morais que surgem no dis-curso jurídico.

No entanto, a teoria discursiva de Alexy (2014, p. 150-151) está longe de obter consenso no ambiente da teoria do Direito, sobre-tudo no território onde ela foi desenvolvida. Como o próprio profes-sor de Kiel reconhece, em geral, podemos estipular uma série de sete objeções básicas distintas, agregando-se uma oitava de nossa parte. A primeira objeção questiona a dicotomia alexyana entre re-gras e princípios, indagada desde a própria existência de princípios no sistema jurídico até a estrutura metodológica em que essas duas espécies de normas são aplicadas nos casos concretos; A segunda ob-jeção, levantada por Habermas (1997), dirige-se em relação à racio-nalidade da lei da ponderação, sustentando que essa técnica levaria o intérprete a argumentos irracionais para fundamentar decisões ju-diciais; A terceira objeção diz respeito a que os princípios enquanto mandamentos de otimização representam um perigo para os direitos fundamentais na medida em que permite que sua carga deontológica seja aplicada em graus distintos, diferentemente do caráter definiti-vo das regras.

A quarta objeção vai à direção contrária. Conforme essa ob-jeção, princípios entendidos como mandamentos de otimização leva-riam a uma expansão dos direitos fundamentais a ponto de restringir demasiadamente o papel do Poder Legislativo em uma democracia constitucional; A quinta objeção apresenta um argumento cético em relação à validade universal da construção dos direitos fundamentais como princípios e da consequente utilização da máxima da proporcio-nalidade; A sexta objeção é a de que a teoria dos princípios afrontaria a estrutura escalonada das normas jurídicas dentro de um sistema jurídico, uma vez que a se flexibilizaria a vinculação dos Poderes Executivo e Judiciário à legislação; A sétima objeção sustenta que a teoria dos princípios de Alexy fornece proposições que abstratamente não albergam um conteúdo factível, o que levaria a se permitir ex-

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plicar qualquer decisão e, por isso, não haveria força vinculante para os casos futuros; A oitava objeção, advinda da Crítica Hermenêutica do Direito, refere que embora Alexy se autodenomine um teórico que se alinha ao que chama de não-positivismo, em sua proposta teórica ainda permanece justamente o elemento característico do jusposi-tivismo: a discricionariedade judicial. Por mais que na composição primordial do seu conceito de Direito o autor aposte em uma teoria que vincule a esfera jurídica com a esfera moral, o modelo alexyano admitirá certa margem de mobilidade subjetiva do intérprete para ser concluído o seu projeto (STRECK, 2014, p. 174 e ss.).

Evidentemente, não pretendemos abordar a integralidade do pensamento jurídico-filosófico de Alexy, mas em concentrar es-forços no sentido de esclarecer alguns aspectos conceituais da obra do jurista alemão, fartamente citada na doutrina e na jurisprudência dos tribunais brasileiros, assim como apresentar brevemente algumas críticas oferecidas contra a sua teoria discursiva. Da mesma forma, faz-se necessário salientar que realizamos apenas uma leitura possí-vel do pensamento de um dos juristas mais sofisticados da teoria do Direito da atualidade, tendo como enfoque inicial a relação entre Direito e Moral que sustenta todo o seu projeto jurídico.

REFERÊNCIAS

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ALEXY, Robert. Teoria discursiva do direito. Tradução Alexandre Trivisonno. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2014.

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Daniel Ortiz Matos, Rafael Giogio Dallabarba

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

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DWORKIN, Ronald. Justiça para Ouriços. Tradução Pedro Elói Cha-ves. Coimbra: Almedina, 2012.

DWORKIN, Ronald. Non-Positivism Inclusive. Espaço Jurídico Jour-nal of Law, Joaçaba, v. 16, i. 2, p. 283-292, 2015. Disponível em: <http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/8302/pdf>. Acesso: 14 maio 2016.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e va-lidade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução A. Ribeiro Men-des. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.

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STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêuti-ca e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma Teológica. 3. ed. São Paulo: Loyola, ([201-]).

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O DIREITO À MORADIA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS URBANAS: CONSIDERAÇÕES

À LUZ DO MODELO DUPLO DE ROBERT ALEXY

Alline Luiza de Abreu Silva*

Mariana Carolina Lemes**

1 INTRODUÇÃO O tema de análise do trabalho que ora se apresenta à co-

munidade acadêmica está centrado no contraponto entre o direito à moradia e o desenvolvimento sustentável de áreas urbanas.

Para a delimitação do tema, restringiu-se o âmbito de in-vestigação deste estudo a considerações sobre o direito social [mo-radia] à luz dos compromissos de Aalborg, como forma de alcançar a realização do direito fundamental em consonância com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com especial atenção ao desenvolvimento sustentável e aos ditames da denominada ‘justiça ambiental’, ou seja, da “[...] espacialização da justiça distributiva, uma vez que diz respeito à distribuição do meio ambiente para os seres humanos.” (LOW; GLEESON apud LYNCH, 2001).

O tema é relevante e atual, justificando-se a sua escolha diante da escassez de textos científicos que explorem o prisma tal como delimitado, bem como pela contemporaneidade e pertinência dos debates referentes ao adensamento urbano e seus pontos de con-flito com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A pertinência do assunto se justifica, ainda, pelo recrudescimento do _________________________________________

* Mestre em Concretização dos Direitos Difusos, Coletivos e Sociais pelo Cen-tro Universitário Salesiano de São Paulo. ** Mestre em Concretização dos Direitos Sociais, Difusos e Coletivos pelo Cen-tro Universitário Salesiano de São Paulo; Coordenadora substituta do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Concórdia, Campus Lorena; Professora de Direito da Faculdade Concórdia; Advogada; [email protected]

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O direito à moradia...Alline Luiza de Abreu Silva, Mariana Carolina Lemes

número de demandas administrativas e judiciais que perseguem a ga-rantia do direito humano à habitação, principalmente confrontando--o com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A pesquisa tem como problema a aplicação do modelo duplo de regras e princípios, de Robert Alexy, na solução de conflitos entre a realização do direito à moradia e do direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado.

O objetivo geral do artigo é discutir a aplicação do modelo duplo de regras e princípios às questões referentes ao direito à mora-dia e ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Optou-se pelo método de abordagem hipotético-dedutivo para o estudo do tema, através da percepção de uma lacuna nos co-nhecimentos acerca da qual formula hipóteses.

No intuito de atingir os propósitos da pesquisa, coletando os dados necessários à sua realização, foi utilizada a documentação indireta, abrangendo a pesquisa documental e a bibliográfica.

No intuito de alcançar os objetivos o desenvolvimento do texto foi organizado em três seções. A primeira seção está dedicada ao estudo do direito à moradia e do direito meio ambiente ecologica-mente equilibrado. A segunda seção dedica-se à problematização do modelo duplo de regras e princípios, de Robert Alexy, refletindo sobre a justificação e a intensidade de restrições às normas de direito fun-damental envolvidas. A terceira e última seção trará considerações sobre a harmonização do direito à moradia na sociedade de risco e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 2 COLISÕES ENTRE DIREITO À MORADIA E AO MEIO AMBIENTE

O ponto de partilha do presente estudo está assentado no contraponto a ser estabelecido entre os direitos fundamentais à mo-radia e ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

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principalmente quando tais direitos estiverem, ao menos hipotetica-mente, em colisão.

Para tanto, o direito à moradia será apresentado inicialmen-te, contextualizado no cenário internacional e, após, no nacional, com a parametrização de suas principais características. Logo após, será dado enfoque ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do, com a utilização da mesma metodologia de abordagem.

Não se olvida que os direitos aqui tratados possuem trata-mento supranacional, no âmbito do direito público internacional, sendo reconhecidos por este e possuindo, nesse particular, fundamen-tação de matriz jusnaturalista, o que será devidamente evidenciado.

Cabe assentar, porém, que, para os fins da presente investi-gação, os direitos serão tratados apenas como fundamentais, vez que ambos são objeto do direito público interno brasileiro, tendo sido estabelecidos pelo direito positivo estatal e, estando regidos pela teoria dos direitos fundamentais, de matriz positivista.

2.1 MORADIA

Em âmbito internacional, o direito à moradia é reconhecido como direito humano desde 1948, tendo sido expressamente desta-cada pela declaração universal dos direitos humanos, em seu artigo 25.1, o qual assim destaca:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida ca-paz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, grifo nosso).

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A partir daí, a moradia erigiu-se num direito humano reco-nhecido ao redor do mundo, passando a ser reconhecido por sua in-dispensabilidade à dignidade da pessoa humana. O pacto internacio-nal de direitos econômicos sociais e culturais (PIDESC), internalizado pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992, em seu artigo 11.1 prevê que os Estados-partes reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida.

O comitê de direitos econômicos, sociais e culturais (CESCR), ao interpretar o artigo 11.1 do PIDESC aponta aspectos do direito à moradia, bem como da questão atinente a remoções e despejos forçados (Comentário Geral nº 7 do CESCR). A convenção internacio-nal sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, internalizada no Brasil pelo Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969, em seu artigo V, “e”, “iii”, dispõe sobre o compromisso dos Estados-partes de proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, inclusive no gozo do direito à habitação.

A convenção sobre a eliminação de todas as formas de dis-criminação contra a mulher, adotada e aberta à assinatura, ratifica-ção e adesão pela Resolução 34/180, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 1979, no artigo 14. 2, traz que os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdades entre homens e mulheres, que elas parti-cipem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, especialmente através de reforma agrária e reassentamento, assegurando às mulhe-res o gozo de condições de vida adequadas, inclusive no que pertine à habitação.

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A convenção sobre os direitos das crianças, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, por seu artigo 16.1 dispõe que nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domi-cílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação, sendo ônus dos Estados-partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotar medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionar assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação.

A convenção sobre o status dos refugiados, em seu artigo 21, dita que os Estados Contratantes darão aos refugiados que residam regularmente no seu território, tratamento tão favorável quanto pos-sível e, em todo caso, tratamento não menos favorável do que aquele que é dado, nas mesmas circunstâncias, aos estrangeiros em geral no que respeita ao alojamento.

Finalmente, a convenção internacional para a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas fa-mílias, de 1990, no artigo 43.1 traz previsão de que os trabalhadores migrantes devem gozar de igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado do emprego em relação ao acesso à moradia, in-cluindo projetos de moradia social, e proteção contra exploração em relação a aluguéis.

Já no âmbito nacional, o direito à moradia possui status constitucional, assegurado como direito fundamental, no artigo 6º, caput, da Constituição Federal de 1988, tendo sido inserido através da Emenda Constitucional nº 26, de 2000. Dita o mencionado dispo-sitivo legal, em sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimen-tação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistên-

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cia aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Como se vê, o direito à moradia foi reconhecido de forma expressa pelo constituinte mais de uma década após o termo inicial de vigência da Lei Fundamental de 1988. 2.2 MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Os seres humanos estão todos – sem exceção – inseridos no meio ambiente.nO meio ambiente está protegido em diversos do-cumentos internacionais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 traz, em seu Título VIII, Capítulo VI, artigo 225, previsão sobre o di-reito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim dispondo:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologica-mente equilibrado, bem de uso comum do povo e essen-cial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Públi-co e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988).

Em nível infraconstitucional, o inciso I do artigo 3º da Lei nº 6.938, de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA) oferece o conceito de meio ambiente: “Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; [...]” (BRASIL, 1981).

Já o artigo 4º da PNMA define, dentre outros objetivos, que a política nacional do meio ambiente visará a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e, a definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilí-

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brio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

2.3 MODELO DUPLO

Os direitos à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estão inseridos, ambos, no rol de direitos fundamentais, tratando-se, portanto, de normas materialmente constitucionais.

Para muitos, é grande a importância em reconhecer se as normas1 que tratam de direitos fundamentais devem ser reconhe-cidas como regras ou como princípios. Tal premissa está vazada no pensamento de Alexy (2011, p. 82), para quem “[...] a distinção entre regras e princípios é um dos pilares fundamentais do edifício da teo-ria dos direitos fundamentais.”

Alexy discute, em sua teoria, os modelos puros de princípios e de regras e propõe um modelo duplo, de regras e princípios. Ab initio, uma norma seria reputada ou como regra ou como princípio mas, na prática, podem adquirir um caráter dúplice e, uma vez que nenhum direito fundamental é absoluto, poderá, em qualquer caso, sofrer restrições.

As restrições que possam atingir as normas fundamentais es-tão autorizadas pela Constituição, de forma explícita ou implícita. Cada restrição a direitos fundamentais deve ser estabelecida apenas e tão somente no caso de restarem preenchidas algumas condições (“estados de restrição”), de forma garantir que a redução dos direi-tos ou garantias é autorizada num nível menor (por exemplo, indivi-

1 Diferenciam-se as disposições normativas das normas. Aquelas são o ob-jeto da interpretação; a fórmula linguística reconhecida como ato ou fato de produção de direito, ou seja, a parte de um texto ainda a interpretar. Essas são o resultado da interpretação; conteúdo de sentido resultante da interpretação da disposição normativa, ou seja, a patê de um texto já interpretado (BERNARDES; FERREIRA, 2016, p. 225).

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dual) para garantir a sua manutenção ou ampliação num nível maior (por exemplo, metaindividual).

Nos processos de enfrentamento entre normas de direito fun-damental, “[nenhuma] tem inteiramente o caráter de regra ou de prin-cípio, senão um caráter normativo de duplo nivelamento (nível das regras e nível dos princípios).” (BERNARDES; FERREIRA, 2016, p. 639).

2.3.1 Direitos ou garantias fundamentais?

Nesse ponto do trabalho, cabe indagar se o direito à mora-dia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado consti-tuem-se em direitos ou garantias fundamentais.

Sobre a distinção, entende Canotilho (apud BERNARDES; FERREIRA, 2016, p. 630) que, a rigor, todas as garantias fundamentais não deixam de ser também direitos fundamentais.

O pensamento do doutrinador português deve ser conside-rado uma evolução se comparado à doutrina – ainda majoritária no Brasil – que pretende sejam as normas pertinentes aos direitos funda-mentais compreendidas ora como direitos fundamentais, se simples-mente enunciam os próprios direitos fundamentais, ora como garan-tias fundamentais, quando tenham por intenção assegurar a defesa dos direitos fundamentais, impondo limites à atuação de quem deva observá-los.

Compreendidos ambos como direitos, tem-se que, tanto o direito à moradia quanto o direito a meio ambiente ecologicamente equilibrado enunciam os próprios direitos fundamentais.

De outro lado, aceita a dicotomia direitos-garantias, impor-ta dividir as garantias em gerais e específicas. As garantias gerais proíbem o abuso de poder e todas as espécies de violação dos direi-tos por ela assegurados, bem como aquelas cujo objetivo seja tornar efetivos os direitos a que se referem, enquanto as garantias especí-ficas serviriam de instrumentos de proteção não apenas dos direitos

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fundamentais a que se referem, como também das próprias garantias fundamentais gerais, traduzindo-se através dos remédios constitucio-nais (BERNARDES; FERREIRA, 2016, p. 631). 2.3.2 Dimensões dos direitos fundamentais

O direito à moradia está relacionado ao princípio da igual-dade, ou seja, à segunda dimensão dos direitos fundamentais, repre-sentando poderes de reivindicação de prestações estatais. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está afinado, por seu turno, com os direitos fundamentais de terceira dimensão, afinando--se ao princípio da solidariedade intergeracional. O direito à moradia representa, portanto, geração dos direitos coletivos, ao passo que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado diz com a ge-ração dos direitos difusos.

Nesse sentido, o aresto a seguir, extraído da ADInMC 3.450/DF, do Supremo Tribunal Federal (STF):

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Es-tado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e fu-turas gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). (Plenário ADInMC 3.450/DF).

O trecho do julgado colacionado demonstra o entendimento do STF sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de terceira dimensão, de titularidade de todo o gênero humano, sendo dever de todos a sua proteção.

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2.3.3 Regras ou princípios

A doutrina brasileira não se dedica à distinção das normas de direitos fundamentais em regras e princípios, limitando-se a afirmar que a maioria delas é constituída por princípios.

Nesse sentido, Barroso (2009, p. 332) sustenta que, como regra, os direitos fundamentais são estruturados como princípios.

2.4 DIREITO À MORADIA E(M) AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Assim apresentados os direitos à moradia e ao meio ambien-te ecologicamente equilibrado, premente a reflexão acerca da forma como proceder no caso da colisão de ambos.

Ao falar em meio ambiente na ‘sociedade de risco’ - expres-são atribuível a Beck (2006), que busca fazer referência no texto aos riscos aumentados presentes na sociedade de consumo -, necessária a compreensão, ao menos inicial, do que vem a ser a ‘justiça am-biental’, tema tratado com maestria por Acselrad (2010),2 através da doutrina de quem a expressão vem ganhando renome.

A justiça ambiental trata de questões afetas ao tema meio ambiente como objeto de atenção na atualidade, pois falta reconhe-cer a centralidade dos princípios de justiça ambiental para a viabi-lização da proteção ecológica, atividade econômica e futuro da de-mocracia.

2 Ao tratar do tema, Acselrad (2010) trata da “tragédia dos comuns”, uma situação onde indivíduos agindo de forma independente e racionalmente de acordo com seus próprios interesses se comportam em contrariedade aos melhores interesses de uma comunidade, esgotando algum recurso comum. Poder-se-ia dizer, assim, que a injustiça ambiental é fruto de consensos ar-tificiais entre grupos afetados e aqueles que se beneficiam da degradação ambiental, com o sistemático encobrimento das causas políticas da degra-dação ambiental.

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O direito à moradia...

Segundo a doutrina da ‘justiça ambiental’, atualmente há uma crescente escassez de recursos naturais e desestabilização de ecossistemas, que atinge determinados grupos sociais e áreas geográ-ficas de modo diferente e injusto.

A relação entre a sociedade e a natureza reflete assimetrias políticas, sociais e econômicas, havendo um aumento da degradação ambiental em comunidades negras, grupos indígenas e populações de menor renda.

Existiria um (des)balanço de poder que se torna origem e multiplicação de impactos ambientais, sem que existam análises a respeito. A ausência de comprovação científica das injustiças ambien-tais permite que os detentores do poder e as camadas produtoras pretendam a sua neutralidade política nos problemas de conservação do meio ambiente.

Uma vez que inexiste comprovação da ‘culpa’ dos governos e dos produtores, o problema passa deve ser tratado a partir de mé-todos técnico-regulatórios ao invés de redistributivos, participativos e compensatórios.

2.4.1 “Compromissos de Aalborg”

Os denominados “Compromissos de Aalborg” são fruto da 4ª Conferência Européia de Cidades e Vilas Sustentáveis (CECVS), realizada em 2004, na cidade de Aalborg, Dinamarca, com o tema “Inspirando o Futuro: Aalborg + 10”, uma revisão das intenções da Declaração de Aalborg (o documento também é conhecido como Car-ta de Aalborg), de 1994. Os “Compromissos de Aalborg” são uma fer-ramenta útil às autoridades locais (Municípios e Estados-membros, mais especialmente) que decidam ir ao encontro do desenvolvimento sustentável, envidando esforços no planejamento e gestão para a sus-tentabilidade.

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São dez os denominados “Compromissos de Aalborg”, a sa-ber: 1. governança; 2. gestão local para a sustentabilidade; 3. bens comuns naturais; 4. consumo responsável e opções de estilos de vida; 5. planejamento urbano e desenho urbano; 6. melhor mobilidade, menor tráfego; 7. ação local para a saúde; 8. economia local dinâ-mica e sustentável; 9. equidade e justiça social; e, 10. do local para o global. Especificamente os compromissos de planejamento urbano e desenho urbano e o de equidade e justiça social devem estar em compasso com a realização do direito fundamental à moradia.

Trata-se de uma perspectiva sustentável e inclusiva de rea-lização do direito social à habitação, numa interpretação revisitada do direito à propriedade e de sua função social. Como ressaltado pela Câmara Municipal de Torres Vedras:

Os Compromissos de Aalborg visam ajudar as autar-quias, e os seus parceiros, a trabalharem no sentido de conseguirem cidades, vilas e comunidades lo-cais inclusivas, prósperas, criativas e sustentáveis que proporcionem uma boa qualidade de vida a to-dos os cidadãos. Encorajam também o envolvimen-to dos cidadãos e restantes atores locais em todos os aspectos relativos à vida e destinos coletivos da comunidade. O processo de implementação dos Compromissos de Aalborg é um instrumento para o Desenvolvimento Sustentável inserido num ciclo de planejamento para a sustentabilidade.

Evidente, portanto, que os compromissos propostos foram enunciados no sentido de guiar as administrações na conquista de es-paços mais inclusivos, com possibilidade de crescimento econômico, que se reinventem de acordo com suas principais características e necessidades e, acima de tudo, sustentáveis, proporcionando, desse modo um ganho aos cidadãos e demais envolvidos na realidade comu-nitária como um todo.

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O direito à moradia...

Trata-se, como evidenciado, de uma ferramenta que deve ser destinada ao desenvolvimento sustentável local, assim compreen-dido como um mecanismo de realização da justiça ambiental, com a possibilidade de (re)inserção dos grupos excluídos ou marginalizados no contexto global, com a divisão igualitária de recursos e da respon-sabilidade pelos danos ambientais infligidos no meio por governos e detentores de meios de produção.

2.4.2 Políticas públicas: ideia-guia alexyana, gestão e ponderação

Em outubro de 1996, realizou-se uma segunda Conferência Européia, em Lisboa (Portugal), tendo sido lançadas as bases do do-cumento “Plano de Acção de Lisboa: da Carta à Acção”.

Mais recentemente, em 2000, foi aprovada a Declaração de Hanover, em que se reforça a importância das autoridades locais na promoção do desenvolvimento sustentável.

No Brasil, foi criado em 2010 o programa “Cidades Susten-táveis”, fruto da iniciativa da Rede Nossa São Paulo e da Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis, que lançaram a platafor-ma na rede mundial de computadores no intuito de socializar práticas sustentáveis adotadas por municípios do país e do mundo. O objetivo do programa “Cidades Sustentáveis” é evidenciar as práticas implanta-das para que as mesmas sirvam de exemplo, inclusive a políticos, para o estabelecimento de planos de ação e políticas públicas.

Nesse sentido, ressalte-se a importância de que sejam con-centrados esforços de gestão de políticas públicas, como ressaltado por Silva e Masson (2015, p. 211):

[...] faz-se necessário concentrar os esforços de gestão de políticas públicas na garantia do atendimento de al-gumas das distintas manifestações da dignidade humana – que vêm a ser o mínimo existencial digno – e devem representar fina expressão da ideia-guia alexyana ou

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O direito à moradia...Alline Luiza de Abreu Silva, Mariana Carolina Lemes

valor-guia sarletiano, conforme afirmado ao longo des-se trabalho. Resta provado, enquanto problema central desse estudo o grau de inter-relação entre os direitos sociais e a dignidade humana e a necessidade de modu-lar seu atendimento, em consonância com a realidade fática, pelo recurso à observância e efetivo atendimento ao mínimo existencial [...]

Como anotado, a ideia-guia alexyana deve servir de norte às políticas públicas, de forma a permitir o atendimento das distintas manifestações da dignidade humana, a qual está inter-relacionada com os direitos à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equili-brado. Dessa forma, todas as decisões, administrativas e judiciais, devem ter como pressuposto a ideia-guia alexyana, não podendo o Estado deixar de dar atendimento ao quanto compromissado na Cons-tituição Federal.

De notar-se, outrossim, a necessidade de aplicação da ideia alexyana aos conflitos já instaurados, com a ponderação dos direitos em colisão (moradia e meio ambiente), com vistas, mais uma vez, ao atendimento das diferentes facetas da dignidade humana. Nesse sentido o aresto a seguir, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no qual se confluem as ideias lançadas no presente ar-ticulado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AM-BIENTE. DIREITO À MORADIA. DIGNIDADE PESSOA HUMANA. PONDERAÇÃO. RECOMPOSIÇÃO DO MEIO. DESIGNAÇÃO DE NOVO LOCAL PARA HABITAÇÃO DA FAMÍLIA. Tendo em vis-ta que não há direito fundamental absoluto, havendo o embate entre o direito fundamental difuso ao um meio ambiente hígido e o direito fundamental à moradia, que perpassa pela dignidade da pessoa humana, em que pese a prevalência geral do primeiro, porque sensível e afe-to a toda a coletividade, há casos da prevalência deste, afim de garantir o mínimo existencial no caso concreto.

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Trata-se de prevalência, jamais total subrogação de um sobre o outro. Desta forma, demonstrada ocupação de área de preservação permanente ou terreno de marinha, com fins de moradia por tempo considerável, deve o pos-seiro demolir a construção ilegitimamente levada a efei-to, recompondo o meio integralmente ou pagando multa indenizatória direcionada para tal fim. Entretanto, a de-socupação somente poderá ser efetivada após garantia do Poder Público de designação de novo local adequado para moradia da família. (BRASIL, 2009).

No mesmo sentido, ainda, o artigo de Boeira (2011), sobre

o direito fundamental à moradia em zonas seguras, no qual trata da prevenção e do dever de agir do Estado frente a ocupação irregu-lares, no qual ressalta a dificuldade de concretização do direito à moradia no Brasil, e o mínimo existencial aí envolvido, bem como os danos causados ao meio ambiente.

3 CONCLUSÕES

Como cidadãos devemos empreender uma busca constante por cidadanias mais justas e estratégias mais inclusivas e democráticas.

Nesse sentido, torna-se necessário compreender que ‘justiça ambiental’ é muito mais que uma doutrina, ou uma ideologia, repre-sentando um processo contra as injustiças tradicionalmente incrusta-das no Estado de Direito convencional.

A problemática ambiental incorpora desigualdades sociais, de raça, de sexo, de classe, bem como a lógica hegemônica de acu-mulação de capital e cerceamento de oportunidades, inclusive de obtenção de moradia digna.

As pessoas mais ricas têm advogados, assistentes periciais e dinheiro para se defender, enquanto as mais pobres nada têm senão os problemas ambientais que legados pelas indústrias e governos, e

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O direito à moradia...Alline Luiza de Abreu Silva, Mariana Carolina Lemes

a maior parte delas não possui uma propriedade, estando alijadas do âmbito de realização do direito à moradia.

A verdade é que nosso planeta vem sendo apropriado por interesses cada vez mais excludentes. Prova disso seria o ‘Memo-rando Summers’ (1991), do Banco Mundial, caso em que se postulou a transferência das indústrias mais poluentes aos países menos de-senvolvidos ao pensamento de que nesses países há menor controle, maior aceitação da degradação e menor expectativa de vida, o que autorizaria países ditos desenvolvidos a poluí-los e causar lesões à população, tratada como “refugo humano” (BAUMAN, 2005).

Se forem consideradas as desigualdades sociais, podemos alcançar um maior nível de justiça ambiental, através de múltiplas estratégias de ação e maior capacidade criativa, ao passo que, se ignorarmos as desigualdades sociais, alcançaremos apenas soluções que não asseguram proteção ambiental para todos, consequentemen-te com um menor nível de justiça ambiental e estratégias limitadas.

As injustiças ambientais não são uma abstração; elas são facilmente quantificadas e localizadas, sendo possível verificar que lutas para democratização de acesso a bens e serviços supostamente universais “ambientalizam” demandas.

Os riscos ambientais devem ser percebidos como atos essen-cialmente políticos e, a população deve perceber e reagir de acordo com suas condições sociais, culturais e organizativas.

Comunidades de baixa renda “aceitam” maiores riscos na falsa cognição de que serão beneficiadas por melhores oportunidades de emprego e moradia.

De um lado temos o aumento da legislação ambiental (cres-cente em volume, complexidade e burocratização) e, de outro, um “Estado-anão” (com a contenção de seu papel quanto a políticas re-distributivas sociais, regionais e ambientais).

A globalização torna-se outro obstáculo às lutas por justiça ambiental em razão da mobilidade do capital, captura do Estado pelo

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O direito à moradia...

neoliberalismo, neutralização das relações antagônicas e, riscos da política de desregulamentação.

Emprego e renda sofrem forte pressão de parcelas impor-tantes da população para submissão à exploração ambiental e so-cial enquanto o movimento de justiça ambiental se digladia com o modelo monocultural exportador (produção de divisas/crescimento econômico), viabilizando mais injustiças ambientais e o aumento da desigualdade e da marginalização.

Vivemos uma necessidade de mobilização forte e centrada dos direitos universais, pois, enquanto os danos ambientais puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o meio ambiente não recrudescerá. É necessário proteger o meio ambiente hoje, para a presente e as futuras gerações, ou não haverá quase nada o que se proteger. O desenvolvimento deve ser sustentável, com a busca continua por alternativas que permitam o aumento da prote-ção deferida ao ambiente.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 103-119, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142010000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 maio 2016. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgilio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contempo-râneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BAUMAN, Zigmunt. Vidas desperdiçadas. São Paulo: Zahar, 2005.

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Espanha: Siglo XXI de España Editores, 2006.

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O direito à moradia...Alline Luiza de Abreu Silva, Mariana Carolina Lemes

BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. 6. ed. Bahia: JusPodvm, 2016.

BOEIRA, Alex Perozzo. O direito fundamental à moradia em zonas seguras: a prevenção e o dever de agir do Estado frente a ocupações irregulares. Revista de Doutrina do TRF4, Porto Alegre, n. 42, n. 71, jun. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br /artigos/edi-cao042/alex_boeira.html>. Acesso em: 26 maio 2016.

BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasí-lia, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 22 maio 2016.

BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>. Acesso em: 22 maio 2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADInMC 3.450/DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000094348&ba se=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2016.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Processo AC 20856 SC 2005.04.01.020586-8. Relatora: Min. Maria Lúcia Luz Leiria. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento em 15 set. 2009. Dispo-nível em: <http://www.trf4.jus.br>. Acesso em: 26 maio 2016.

CÂMARA MUNICIPAL DE TORRES VEDRAS. Declaração de Aalborg. Dis-ponível em: <http://www.torresvedras21.com/paginas/declaracao--de-aalborg-1994>. Acesso em: 20 mar. 2016.

CIDADES SUSTENTÁVEIS. Histórico. Disponível em: <http://www.cidadessustentaveis.org.br/institucional/historico>. Acesso em: 20 mar. 2016. LYNCH, B. D. Instituições Internacionais para a Proteção Ambiental: suas implicações para a justiça ambiental em cidades latino-ameri-canas. In: ACSELRAD, Henri (Org.). A Duração das Cidades: susten-tabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: De Paulo Editora, 2001. p. 57-82.

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O direito à moradia...

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê sobre Direitos Econô-micos, Sociais e Culturais (CESCR). Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/abc/onu/comites_economicos.htm>. Acesso em: 26 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção internacional para a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e mem-bros de suas famílias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D58819.htm>. Acesso em: 26 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. Disponí-vel em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94836>. Acesso em: 26 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/mulher/lex121.htm>. Acesso em: 26 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre o status dos refugiados. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/port ugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados>. Acesso em 26 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os direitos das crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-creto/1990-1994/D99710.htm>. Acesso em 26 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direi-tos humanos de 1948. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 22 maio 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 26 maio 2016.

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Alline Luiza de Abreu Silva, Mariana Carolina Lemes

SILVA, Rogério Luiz Nery; MASSON, Daiane Garcia. Direitos sociais e dignidade da pessoa humana: reflexões a partir do conceito de mí-nimo existencial. In: ALEXY, Robert; BAEZ, Narciso Leandro Xavier; SILVA, Rogério Luiz Nery (Org.). Dignidade humana, direitos sociais e não-positivismo inclusivo. Florianópolis: Qualis, 2015. p. 179-214.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. 20 anos do Memorando Summers. Uni-versidade de Brasília. Disponível em: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/cpmod.php?id=84785>. Acesso em: 26 maio 2016.

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EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DIANTE DAS TEORIAS DA RESERVA DO

POSSÍVEL E DO MÍNIMO EXISTENCIAL

Rogerio Luiz Nery da Silva*

Daiane Garcia Masson**

Sonia Maria Cardozo dos Santos***

1 INTRODUÇÃO

A efetivação do direito fundamental à educação comporta muitos desafios, tendo em vista que está sujeito a limites, especial-mente de recursos públicos financeiros. Apesar disso, é certo que possui grande valor para o país e também para cada indivíduo, por-tanto, há que se buscar a sua máxima efetividade.

Atento a essas considerações, o constituinte originário, em 1988, previu que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. Tal previsão dá respaldo ao ajuizamento de ações na busca da concretização desse direito sempre que não for garantido por meio de políticas públicas sérias e eficazes.

Por ser direito fundamental, a educação demanda ser con-cretizada, na maior medida possível, atendendo aos objetivos pre-vistos na Constituição, tais como a qualificação da pessoa para o tra-balho e a preparação para que exerça a cidadania e se desenvolva plenamente. No atual cenário mundial, em que se destaca o conhe-cimento, não se imagina que alguém consiga viver dignamente sem desfrutar do direito à educação, pelo menos em termos mínimos__________________________________________

* Pós-Doutor na Université de Paris X; Professor e pesquisador do Programa de Mestrado em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina; Conferen-cista Visitante na New YorK Fordham University Law School; [email protected]** Mestre em Direitos Fundamentais Universidade do Oeste de Santa Catari-na; [email protected]*** Oficial da Infância e da Juventude – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no Fórum da Comarca de Videira, Santa Catarina, Brasil.

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Rogerio Luiz Nery da Silva, Daiane Garcia Masson, Sonia Maria Cardozo dos Santos

Por um lado, forte se mostra o argumento da reserva do fi-nanceiramente possível, cotidianamente aludido pelo Estado, a sus-tentar que não tem condições de suprir as necessidades de todos sem comprometer a ordem orçamentária. Por outro lado, também ganha destaque a teoria do mínimo existencial, firme no debate sobre os componentes mínimos de cada direito fundamental.

A educação faz parte do mínimo para uma existência digna e se desdobra em poder-dever do Estado e do cidadão. Mas como é pos-sível efetivar o direito fundamental à educação diante das teorias da reserva do possível e do mínimo existencial? A teoria da proporcionali-dade ou da ponderação de princípios pode ajudar o magistrado a deci-dir com justiça, especialmente quando se vê diante de casos difíceis?

O estudo se estrutura em três tópicos, iniciando com a apro-ximação teórica sobre a educação como direito subjetivo, presente nos mais diversos sistemas normativos nacionais e internacionais, se-guindo com breve exposição da teoria da reserva do possível como limitadora da efetivação do de tal direito e, finalmente, concluindo com argumentos amparados na teoria do mínimo existencial. Para tanto, adota-se procedimentos metodológicos de pesquisa bibliográ-fica e documental, com aplicação do método analítico-interpretativo.

2 EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL SUBJETIVO DE TODOS

O direito fundamental social à educação tem grande rele-vância como ferramenta para alcançar a efetivação de outros direi-tos. Deve-se a isso, as maiores possibilidades de obter melhor inser-ção social, política, econômica e cultural pela pessoa que possui mais conhecimentos.

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Efetivação do direito...

A educação significa para as pessoas real possibilidade de acesso à segurança social,1 ao trabalho, à segurança pública, dentre outros. Atualmente, é reconhecida como essencial para todo ser hu-mano em tratados e declarações internacionais, em cartas constitu-cionais e legislações infraconstitucionais dos mais diversos Estados. Desde o Código de Hammurabi2 até os documentos internacionais pos-teriores à Revolução Francesa, os ideais de proteção ao ser humano influenciaram as constituições e legislações de muitos Estados. Podem-se citar alguns dos importantes documentos interna-cionais no que tange ao direito à educação: a Declaração Universal dos Direitos Humanos3 de 10 de dezembro de 1948 traz, no art. 26, que toda pessoa tem direito à instrução. E, no mesmo sentido, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem4 de abril de 1948 no seu art. 12.

1 Segurança social abrangendo a saúde, previdência social e assistência social. 2 De 1792 a.C. a 1750 a.C., o Rei da Babilônia, Khammu-rabi criou na Meso-potâmia, um dos primeiros códigos de leis escritas de que se tem notícia, foi o Código de Hammurabi. Este Código instituiu regras objetivas válidas para a coletividade e também sagrou o direito de o indivíduo não ser considerado culpado antecipadamente e sem provas. Isso demonstra a proteção e o res-peito da dimensão básica da dignidade humana (BAEZ, 2004, p. 22-23).3 “Artigo 26. 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade hu-mana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liber-dades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.”4 “Artigo XII. Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios de liberdade, moralidade e solidariedade humana. Tem, ou-trossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade. O direito à educação compreende

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Rogerio Luiz Nery da Silva, Daiane Garcia Masson, Sonia Maria Cardozo dos Santos

A Declaração Universal dos Direitos da Criança5, de 20 de novembro de 1959, não se limita a enunciar o direito à educação, mas também estabelece alguns parâmetros para seu exercício, entre eles, a gratuidade ao direito à educação, a promoção da cultura, da igualdade de oportunidades e da responsabilidade.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais6 ao qual o Brasil aderiu em 16 de dezembro de 1966 e somente passou a fazer parte da legislação brasileira em 1992, a partir do Decreto nº 591, estabelece, no seu art. 13, o direito de toda pessoa à educação, bem como que esta promova o pleno desenvolvimento humano.

A trajetória percorrida pela humanidade em busca da prote-ção da dignidade humana, dos direitos sociais e especificamente do direito à educação teve reflexos em muitos países do mundo, bem como no Brasil. A educação constou de forma expressa pela primei-ra vez na Constituição Brasileira de 1934,7 no seu art. 149.

o de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acordo com os dons naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam propor-cionar a coletividade e o Estado. Toda pessoa tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instrução primária.” 5 Princípio 7º: “A criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares. Deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade.”6 Art. 13: “1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao ple-no desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.” (BRASIL, 1992).7 Art 149 - “A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores

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Tendo como antecedentes os documentos internacionais e sua própria história constitucional, a Constituição da República Fe-derativa do Brasil de 1988 apresentou um novo alento e novas pers-pectivas para tornar realidade o direito à educação. A Carta Consti-tucional buscou oportunizar às pessoas a obtenção da escolaridade fundamental, sendo facilitado o seu acesso ao ensino médio e até mesmo ao ensino superior.

A Carta Constitucional atual, além de instituir a educação como um direito social, no seu artigo 205, erigiu três objetivos centrais: o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade. O direito à educação compreende o de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acor-do com os dons naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam proporcionar a coletividade e o Estado. Toda pessoa tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instru-ção primária, desenvolvimento pleno do ser humano, a preparação para exercer a cidadania e a qualificação para o trabalho.

A educação é um dos alicerces da democracia. Não se pode conceber um Estado Democrático de Direito que não prime pela edu-cação a qual é uma forma de assegurar o próprio Estado de Direito. Assim há uma íntima correlação entre educação e democracia. Não só a educação no seu processo se vale da democracia, mas também a democracia é exercida por meio da educação. Dessa forma ela cola-bora para o desenvolvimento do ser humano e seu bem-estar e ainda auxilia no exercício da democracia (ALVAREZ, 2010, p. 222-223).

Embora instituída na Constituição de 1988, ainda assim sur-ge a questão se a educação seria um direito subjetivo e, portanto, exigível. A própria Constituição responde com a previsão inserta no

da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.” (BRASIL, 1934).

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artigo 208, parágrafo 1º, que considera a educação como um direito subjetivo.8

O direito à educação, na condição de autêntico direito fun-damental social, exprime valores de dignidade, de igualdade e de solidariedade e não se olvida que seja um dos principais instrumentos de superação das desigualdades sociais, bem como requisito neces-sário para a fruição de outros direitos que integram o instituto da cidadania. Com efeito, a Constituição brasileira de 1988, atenta ao dever de fornecer educação básica gratuita, prevê em seu artigo 208, I, que até mesmo aqueles que não tiveram acesso na idade própria têm esse direito.

O direito subjetivo a prestações no âmbito educacional está explicitamente previsto quanto ao ensino fundamental na Car-ta Constitucional brasileira. No que tange à educação infantil em creches e pré-escola, as decisões do Supremo Tribunal Federal - STF- a reconhecem como direito subjetivo com base no art. 208, IV9 da CRFB/1988. Sarlet (2012, p. 343) entende que, mesmo não existin-do previsão expressa quanto ao ensino médio e superior, podem-se utilizar os mesmos argumentos de direito subjetivo levando-se em conta o texto constitucional no seu art. 208 II e V.10 Para Schwarz (2015, p. 7), os direitos sociais fundamentais são direitos exigíveis por meio da intervenção legislativa e a ação do Poder Executivo, inclusive por meio de políticas públicas sociais. São

8 Art. 208. [...] § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito pú-blico subjetivo. 9 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; 10 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; [...] V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; [...]

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direitos plenamente justiciáveis, podendo ser exigidos pelos cidadãos perante o Poder Judiciário e por este tutelado.

O direito à educação, se for negado pela instituição de en-sino público ou ente federado, pode judicialmente ser exigido, seja uma vaga em creche ou em escola. Depreende-se então que o direito à educação obrigatória e gratuita é um direito subjetivo a que todos têm direito, sendo um dever do Estado proporcioná-la. Da mesma forma, ela deverá ser fornecida para aqueles que foram coibidos de acessá-la em idade própria.

Apesar da previsão constitucional e legislativa infraconsti-tucional, a educação, muitas vezes, não é efetivada. Uma das limi-tações à efetividade dos direitos fundamentais sociais em geral e também do direito à educação é a alegação da reserva financeira do possível, assunto que será tratado a seguir. 3 A RESERVA FINANCEIRA DO POSSÍVEL COMO LIMITAÇÃO À

EFETIVIDADE DA EDUCAÇÃO

No Brasil, por falta de previsão específica quanto à limitação dos direitos fundamentais, a doutrina e a jurisprudência têm utiliza-do, dentre outros, os conceitos de reserva legal, mínimo existencial, princípio da proporcionalidade e reserva financeira do possível. Esta última leva em conta a restrição orçamentária como impeditiva para a consecução dos direitos fundamentais sociais e, consequentemente, um óbice para a efetivação do direito fundamental à educação

Alexy (2015a, p. 176) afirma que “[...] o princípio das possi-bilidades financeiras é o argumento mais importante para a limitação dos direitos sociais.” Para ele, ao lado dos direitos sociais se encontra a dignidade humana, e ao lado das possibilidades financeiras estão os argumentos contrários.

Na consecução das políticas públicas, quanto aos direitos fundamentais sociais, inclusive à educação, convencionou-se deno-

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minar de reserva do possível o condicionamento da garantia dos direi-tos fundamentais pelo Estado (em qualquer das esferas federativas) à prévia existência de recursos financeiros.

Para Alexy (2015a, p. 176), os direitos fundamentais sociais têm relevância financeira. E, diante disso, o Estado, muitas vezes, põe-se a discutir as suas possibilidades financeiras. Isso porque, sen-do prestacionais, para que sejam concretizados dependem de uma atuação expressa do Estado (possuírem status positivo). O princípio das possibilidades financeiras tem sido utilizado como principal argu-mento para a limitação dos direitos sociais.

A restrição orçamentária pode trazer inúmeros óbices à efe-tivação do direito à educação.11 São situações caóticas advindas da falta de verbas públicas ou do seu mau emprego. Porém, não se pode desconhecer que a dificuldade quanto aos recursos é uma realidade. A economia ensina que os recursos são limitados e as demandas crescentes. Os entes públicos são munidos de discricionariedade. Podem, respeitado o princípio da legalidade, dentre outros, optar por essa ou aquela política pública, bem como verificar se esta ou aquela ação, no seu entendimento é mais adequada.

11 Pode-se lembrar que a educação formal não se faz somente com a presen-ça de alunos e de um professor. Há necessidade de uma razoável estrutura física com uma sala, carteiras, quadro, água potável, sanitários adequados. E ainda é preciso ter outros recursos pedagógicos e administrativos como biblioteca, máquina de xerox, telefone, televisão, internet. Infelizmente, muitas escolas possuem como recursos pedagógicos somente o quadro negro e o giz. No aspecto relacionado à preparação profissional, há professores que ficam anos sem ter a oferta de algum curso pelo setor público. Aliás, é uma área facilmente sujeita a cortes em uma situação de restrição finan-ceira. Isso acarreta prejuízos à educação que não se pode mensurar, pois é o professor que permanece face a face com o aluno no dia-a-dia com a tarefa de coordenar o ensino-aprendizagem. Também, a legislação prevê o transporte escolar obrigatório no ensino público. Mas, apesar das políticas públicas na área, ainda existem alunos com dificuldade para o transporte até a escola. Eles percorrem longas distâncias a pé, em caminhão ou barco. Estes últimos fatos ocorrem no Brasil, com maior frequência na zona rural.

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Ao se alegar a reserva do possível, há de se investigar porquê motivo dentro do ato discricionário do setor público ocorrem proble-mas de poucos recursos. Estaria havendo negligência, incompetência ou até corrupção no trato com o dinheiro público? Além disso, há que se levar sempre em consideração a copiosa importância da educação para a população e para a economia de um país, estado federado ou município, mesmo diante de restrições financeiras.

Convém lembrar que o dispêndio do Estado em educação não pode ser considerado simplesmente um custo, mas um investimento. Embora se utilize correntemente o termo custos, não se deve olvidar que as conquistas que se tem atualmente na humanidade são frutos do conhecimento acumulado. A educação permite a evolução cultu-ral, tecnológica, econômica de cada país. Estados que focaram suas políticas públicas em educação tiveram verdadeiros saltos qualitati-vos e quantitativos nas diversas áreas de conhecimento e no desen-volvimento de sua economia.

Sarlet (2012, p. 285) enfatiza, na esteira de José Casalta Nabais, que todos os direitos fundamentais implicam custos e estes, em sentido amplo, vinculam-se à própria existência e sobrevivência do Estado. Exemplifica-se com o caso dos custos da segurança pública (defesa interna e externa da pátria), bem como, dentre outros, os custos com a garantia da democracia por meio do direito ao voto. As-sim há custos financeiros públicos na salvaguarda de todos os direitos, sejam prestacionais ou direitos de defesa.

No Brasil, a Constituição, no seu art. 208, § 1º, estabelece a manifesta declaração de acesso gratuito ao ensino obrigatório, sendo um direito público e subjetivo. Também, encontra-se normatizada no art. 208, § 2º, a possibilidade de responsabilização da autoridade competente que não oferte o ensino obrigatório gratuito ou o faça de maneira insatisfatória (SARLET, 2012, p. 341).

É dever do Poder Judiciário atuar para que a legislação seja cumprida. Não se desconhece ocorrência de questionamentos sobre

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a atuação jurisdicional referente a políticas públicas, perquirindo se isso não estaria a ferir a separação dos poderes, mas isso já foi pacificado pelos tribunais. Tem sim o Poder Judiciário um dever de agir se quem devia fazê-lo (Poder Judiciário) não o fez ou o fez inadequadamente. Os direitos fundamentais sociais, dentre eles a educação, podem ser exigidos judicialmente.

Recentemente, o direito fundamental à educação foi objeto de alteração constitucional com a finalidade de aumentar o número de potenciais usuários do sistema de ensino. A Emenda Constitucional nº 59 - EC/59-2009 - de 11 de novembro de 2009 ampliou o tempo de obrigatoriedade da educação básica gratuita alterando-a para o perí-odo dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade.12

Barcellos (2011, p. 305-306) sustenta que, no Brasil, integra o mínimo existencial não apenas a educação fundamental, mas aquilo que a Emenda Constitucional nº 59/2009 passou a denominar de edu-cação básica obrigatória. Destaque ao disposto no artigo 208, I e VII da Constituição.13

A referida emenda trouxe um avanço importante: a inclusão do ensino médio no conceito de educação básica obrigatória e, por

12 A ampliação da idade obrigatória ocorreu por meio da alteração do artigo 208 por meio da Lei Complementar nº 59 que passou a ter seguinte redação: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;” [...]13 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009).VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucio-nal nº 59, de 2009).

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isso mesmo, no conteúdo do mínimo existencial. Tal nível de ensino tem um papel importante a desempenhar, e sua expansão pode significar um poderoso fator de formação de cidadãos e profissionais qualificados, aptos a participar do discurso político e a ocupar postos de trabalho privilegiados. Agora tratado como etapa da educação básica, adquiriu o mesmo grau de importância já ostentado pelo ensino fundamental.

Foi previsto um período de transição para oportunizar ao Es-tado efetuar a ampliação do fornecimento de educação para esta faixa etária. A própria EC/59-2009 estipulou um período para o Poder Executivo preparar-se e adequar-se para esse aumento de demanda,14 podendo fazê-lo progressivamente, até o ano de 2016.

Certamente, a educação é muito importante nos diversos níveis de ensino e por óbvio também na educação infantil. Sem aden-trar demasiadamente nesta esfera, referencia-se a pesquisa de Bar-ros e Mendonça (2005, p. 4-10) realizada na Faculdade de Economia da Universidade Fluminense que traz como benefícios da educação infantil o impacto sobre a situação nutricional, desempenho educa-cional e inserção no mercado de trabalho. Ainda que determinado nível de ensino não esteja amparado com a obrigatoriedade, a simples alegação da reserva do possível não é suficiente para deixar de prestá-lo. Há necessidade da devida compro-vação de escassez de recursos. Ocorre que, muitas vezes, é invocada a reserva do possível diante da existência de recursos, mas estes são des-tinados a outras áreas, negandose o direito à educação.

Segundo Alexy (2015a, p. 174), “[...] o princípio da digni-dade humana é o único princípio que pode ficar do lado dos direitos fundamentais sociais constitucionais em todos os casos.” Os direitos

14 A Emenda Constitucional nº. 59 dispõe no seu art. 6º: “O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressi-vamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União.”

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sociais, portanto, correspondem a explicitações, em maior ou menor grau, da dignidade da pessoa humana.

Em verdade, todos os direitos sociais constituem derivações da dignidade humana e exprimem os valores de dignidade, de igual-dade e de solidariedade na busca da superação das desigualdades sociais, o que gera o direito de participar da vida social e ter acesso a um mínimo existencial compatível com a dignidade por meio de direi-tos e prestações advindas direta ou indiretamente do poder público (ALCALÁ, 2009, p. 18-19).

Em muitas ocasiões, faz-se necessária a intervenção do Po-der Judiciário para que o Poder Executivo efetive o que prevê a Carta Constitucional e a legislação infraconstitucional pertinente. Pela atu-ação jurisdicional, busca-se assegurar o chamado mínimo existencial, objeto de aprofundamento do próximo tópico.

4 O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO ENTRE A RESERVA DO POSSÍVEL E O MÍNIMO EXISTENCIAL

Não há consenso teórico em torno do significado de mínimo

existencial. Para Torres (2009, p. 83-85, 137) “O mínimo existencial não é um valor nem um princípio jurídico, mas o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.” Tal conteúdo essencial funciona como li-mite para a atuação do Estado e revela-se como o núcleo intocável e irrestringível dos direitos fundamentais. Do ponto de vista normativo, trata-se de uma regra jurídica.

Alexy (2015a, p. 165) refere-se ao mínimo existencial con-textualizando quanto à situação de seu país, a Alemanha. Ele asse-gura que, embora a Carta Magna seja pouco expressa em matéria de direitos fundamentais sociais, sustenta, desde 1985, que a Constitui-ção alemã, possui direitos sociais, em especial, o direito ao mínimo existencial. Shwartz (2011, p. 31) assevera que a efetividade de todo direito humano está baseada na dignidade e vinculado à liberda-

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de e autonomia da pessoa. E que condicionamentos econômicos, sociais e culturais dificultam ou impedem a garantia do mínimo existencial.

Não há como efetivar os demais direitos se não se está a aten-der pelo menos o mínimo existencial, em consonância com os aspectos econômicos, sociais e culturais. Não há o que se falar em liberdade de voto, por exemplo, entre pessoas famélicas que não têm o mínimo indispensável para viver. Estes indivíduos não têm autonomia e podem ser reféns de quem se apresenta momentaneamente para suprir suas necessidades e determina sua suposta “escolha” eleitoral.

Na visão de Bitencourt Neto (2010, p. 172-173), o direito ao mínimo é um direito sobre direitos e não possui conteúdo próprio, distinto e complementar dos demais direitos, mas se trata de um direito ao cumprimento mínimo dos demais direitos fundamentais. Por isso indispensável se faz a garantia do mínimo existencial. O ser humano precisa ter acesso a certos bens e serviços que estão ligados e são indispensáveis à realização de sua dignidade. O mínimo existencial encontrase na essência da dignidade humana e necessita para sua realização que os direitos fundamentais sejam efetivados. Garcia (2008, p. 21) entende que há um conteúdo mínimo que age como elemento aglutinador quanto à essência dos direitos fundamentais. É proibido ao Estado utilizar quaisquer medidas, de ordem legislativa ou material, comissivas ou omissivas, que levem a frustração de sua concretização.

O mínimo existencial vincula-se ao mínimo que o ser humano precisa para sua existência. Mas não uma existência qualquer e sim uma existência com dignidade humana. O ideal é buscar maximizar a efetividade dos direitos fundamentais, porém, diante das limitações encontradas, o mínimo existencial tem que ser garantido, principal-mente pelo Estado, o qual está proibido por todos os meios de negar ou deixar de atuar impedindo a consecução do mínimo existencial.

Os direitos fundamentais sociais, e dentre eles, a educação, ficam mais suscetíveis de limitações quanto a sua concretização dian-

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te das possibilidades financeiras do Estado. Assim, impõe-se a análi-se do direito fundamental diante da razoabilidade da concretização desse direito e a viabilidade econômica, buscando-se a sua maior realização.

Mas é preciso levar em consideração, com Alexy (2015a, p. 177), que “A dignidade humana tem precedência sobre possibilidades financeiras quando o mínimo existencial não se vê garantido” Ora, considerando-se que a dignidade e a educação caminham juntas, é certo que o Estado não pode se valer do argumento de impossibilida-de financeira para justificar, por exemplo, a falta de vagas no sistema fundamental de ensino. O mínimo existencial, assim, adquire caráter de regra.

É certo que o mínimo existencial não está circunscrito somente a alguns bens materiais ligados à preservação da vida física. O ser humano, por óbvio, não se restringe ao seu aspecto físico, por isso o mínimo existencial comporta a educação, a cultura, dentre outros.

Para Alexy (2015b, p. 501-502), há maior proteção quanto às normas vinculantes que conferem direitos subjetivos definitivos à prestação. Ele exemplifica afirmando que, com o direito subjetivo definitivo vinculado à máxima proteção, tem-se o direito do mínimo existencial.

A efetivação ou a criação de obstáculos à concretização do direito à educação diferencia-se diante da concepção que se tem do mínimo existencial. Reduzindo-se a uma linguagem muito simplis-ta, ao se considerar suficiente que o ser humano apenas alimente--se e esteja vivo, encontra-se diante de uma concepção minimalista dos direitos fundamentais. Seriam os chamados “direitos mínimos” e “’pequenos’ direitos sociais”. Ao contrário, caso se esteja diante de uma concepção maximalista dos direitos fundamentais, a educação é incluída no mínimo existencial (ALEXY, 2015b, p. 502).

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Indubitavelmente, segundo Garcia (2008, p. 21), o direito à educação fundamental é sem dúvida parte que integra o mínimo existencial, pelas próprias características, bem como para acessar a outros direitos que são garantidores de uma vida digna. Um direito subjetivo a prestações em matéria educacional, especialmente no campo do ensino fundamental, situa-se na esfera da garantia do mí-nimo existencial, pois abrange uma dimensão sociocultural e não se limita a um mínimo vital.

Todas as posições ativas que se retiram do conteúdo do mí-nimo existencial são direitos públicos subjetivos, portanto, imediata-mente justiciáveis. Assim, por exemplo, a pessoa que não tem acesso ao ensino fundamental tem uma posição ativa jusfundamental que decorre do direito ao mínimo e corresponde ao direito subjetivo de ter acesso a uma vaga em estabelecimento de ensino básico (BITEN-COURT NETO, 2010, p. 174). Os direitos básicos, necessários para uma sobrevivência com dignidade, devem ser concretizados. Sua não concretização dá à parte lesada o direito de exigir o imediato cum-primento por intermédio do Poder Judiciário.

Pode-se afirmar, portanto, que o direito ao mínimo existen-cial se trata de um direito sobre direitos, pois é um direito funda-mental autônomo cujo conteúdo é composto de dimensões de outros direitos fundamentais (BITENCOURT NETO, 2010, p. 174). Para o STF, os diversos entes da federação devem cumprir os ditames constitucionais, não cabendo deles eximir-se, sob a pretensão de fal-ta de recursos. Concernente a creches e pré-escolas, assim o Egrégio Tribunal julgou no RE nº 356.479-0 de 24/05/04 referente à União, Estados federados e Municípios: cada ente deve preparar-se e obser-var de forma irrestrita os ditames constitucionais, não desviando-se deles sob a alegações de falta de recursos financeiros.15

15 CRECHE E PRÉ-ESCOLA - OBRIGAÇÃO DO ESTADO - IMPOSIÇÃO - INCONSTI-TUCIONALIDADE NÃO VERIFICADA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - NEGATIVA

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Em julgados mais recentes, o STF manteve-se no mesmo sen-tido. Até estabeleceu a possibilidade de multa no caso de municípios que não cumprirem a decisão judicial fornecendo vagas em creche e pré-escola para crianças de até 5 (cinco) anos de idade. O STF, por meio do RE nº 639337 AgR/SP, em 23/08/2011, julgou que há obrigatoriedade do município de São Paulo proporcionar o ensino in-fantil. Em caso de descumprimento, previu multa diária por criança não atendida e considerou juridicamente legítima a aplicação das astreintes contra o poder público. Também assinala que não houve transgressão à separação dos poderes.16

Em 12/05/16, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 956475,17 o STF restabeleceu a decisão da primeira instância que im-

DE SEGUIMENTO.1. Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Fe-deral, consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estado - União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Muni-cípios - deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames cons-titucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa. [...] (BRASIL, 2004). 16 CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRI-CULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESI-DÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO [...] - INO-CORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - [...] (STF. 2ª T. A RE nº 639337 AgR/SP. Rel. Min. Celso de Mello. J. em 23/08/2011).17 CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE MU-NICIPAL. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO.DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IM-PLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NACONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULADA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTA-

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põe ao Município de Volta Redonda (RJ) a matrícula de uma criança de quatro anos em creche pública. O relator argumenta que confor-me a Constituição Federal, a educação infantil é “prerrogativa indis-ponível” que permite o desenvolvimento integral das crianças em sua primeira etapa da educação básica em creches na pré-escola e não há possibilidade da reserva do possível.

Como se vê, o poder judiciário brasileiro, via de regra, tem procurado garantir a efetividade dos direitos fundamentais por meio de decisões paradigmáticas importantes. Nota-se intensa preocupa-ção por parte dos magistrados quanto ao acesso aos bancos escolares. A viabilização do acesso perpassa pelo oferecimento, por exemplo, de transporte escolar, situação observada no Agravo de Instrumento nº 001.5326-87-2014-4-03-0000, 3ª Turma do TRF da 3ª Região18, que inclusive aplicou astreintes.

TAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO [...] (STF. 2ª T. A RE nº 956475 /RJ. Rel. Min. Celso de Mello. J. em 12/05/2016)18 DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CI-VIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO. MUNICÍ-PIO DE CORUMBÁ/MS. ASTREINTES. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Caso em que a antiga escola que atendia há quarenta anos os estudantes da Comunidade Tradicional de Bracinho, na cidade de Corumbá/MS, em ra-zões de suas condições precárias de funcionamento, foi transferida para outro local distante sete quilômetros, obrigando os alunos a caminharem cerca de duas horas, já que desprovida a região de qualquer meio de trans-porte. 2. Após tratativas diretas entre o Ministério Público Federal e re-presentantes do município para solução do problema, sem êxito, o Parquet ajuizou ação civil pública, requerendo a antecipação dos efeitos da tutela para a imediata implementação do serviço público de transporte escolar gratuito. 3. Antes de apreciado o pedido, foi designada audiência de con-ciliação em 23.04.2014, na qual convencionou-se pela suspensão do feito até 08.05.2014, ante o compromisso de implementação do serviço. 4. Em que pese à alteração da sede da escola tenha se revelado realmente ne-cessária, para garantir melhores condições de funcionamento, não poderia o Poder Público tomar tal providência sem a prévia garantia de acesso dos alunos ao novo local. 5. Não se pode admitir que a frequência escolar ficasse subordinada à conclusão de trâmites burocráticos, tardiamente iniciados,

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Segundo Canela Junior (2006, p. 129), uma vez comprovada lesão a um direito fundamental, o Poder Judiciário deve admitir o exercício do direito de ação e lançar a mais ampla cognição sobre as políticas públicas realizadas pelos demais poderes. Agindo assim, es-tará em consonância com o sistema ético adotado internacionalmen-te após a segunda guerra mundial, cujo objetivo é assegurar a prote-ção dos direitos fundamentais. Clève (2003, p. 27) partilha do mesmo entendimento ao afirmar que os direitos sociais não têm o fim de oferecer apenas o mínimo. Reclamam, pois, um horizonte de eficácia progressivamente mais vasto, o que depende do comprome-timento da sociedade, da riqueza produzida e do governo.

e que, conforme assumido pelo próprio Poder Público, findariam somente em outubro/2014, final do ano letivo que se iniciara em fevereiro, já na nova sede. Ou seja, os estudantes da Comunidade Tradicional de Bracinho ficariam quase o ano inteiro sem estudar, por pura falha de administração e logística do Município de Corumbá. 6. A conduta do Município inviabilizou o exercício do direito fundamental à educação daquela comunidade, com reflexos diretos no exercício de outros direitos sociais, constitucional e le-galmente garantidos, legitimando a atuação provocada do Poder Judiciário, sem configurar qualquer violação à separação dos poderes. 7. Devidamente instado a suprir a falta em diversas oportunidades, o Município não tomou qualquer providência efetiva até que judicialmente determinada sob pena de multa por descumprimento, cuja majoração se revelou necessária, em razão da utilização de meios inidôneos, que resultaram em novo descumpri-mento, pelo que não há falar-se em julgamento imparcial ou tendencioso. 8. Ao contrário do alegado, a alegação de suspensão das aulas em razão do pe-ríodo de cheia “notoriamente” conhecido na região não foi desconsiderada, mas, na verdade, fundamentadamente afastada, por não justificar a mora no cumprimento de providência que já deveria ter sido providenciada com a própria mudança da escola. 9. Caso em que, se a garantia de transporte escolar gratuito sempre foi à intenção real do agravante, não se verifica a iminência de qualquer prejuízo ao orçamento anual da educação municipal, que só viria a ocorrer com a reiteração da conduta omissiva. 10. Agravo ino-minado desprovido. (Agravo de Instrumento nº 001.5326-87.2014.4.03.0000, 3ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Carlos Muta. j. 05.03.2015, unânime, DE 10.03.2015).

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De fato, não é objetivo do mínimo existencial anular direitos sociais que estão além dele, mas mínimo concentra apenas o básico dos direitos fundamentais, a ser garantido sempre, por se tratar de uma regra.

Ao analisar a questão de custos quanto à educação, Sarlet (2012, p. 341) entende que a ponderação relativa à ausência de re-cursos (alegação da reserva do possível), não se aplica à hipótese do ensino público fundamental gratuito.

Nesse ponto, uma pergunta se mostra indispensável: o mí-nimo existencial sempre terá caráter de regra? Para respondê-la, recorre-se à teoria de Alexy, para quem é preciso levar em conside-ração que existem casos simples e casos complexos de análise sobre o mínimo. Nos casos simples é possível trabalhar com a subsunção sem problemas. Já nos casos difíceis, será indispensável valer-se da ponderação entre dignidade e possibilidade financeira (ALEXY, 2015a, p. 177-178).

Os tribunais devem controlar com razoabilidade a atuação dos poderes públicos quanto aos direitos fundamentais, respeitando a divisão dos poderes. As garantias políticas para os direitos sociais es-tão vinculadas ao mínimo existencial [...] (SCHWARZ, 2011, p. 96), e este, na medida do possível, deve ser efetivado.

Apesar das restrições orçamentárias e a alegação da reserva do possível por parte dos poderes públicos, a busca da efetivação do direito à educação tem se mostrado presente nas decisões dos tribu-nais brasileiros, que adotam o mínimo existencial como regra, afinal, dizer que a educação é um direito fundamental implica afirmar que constitui um pré-requisito para a expansão e realização de outros direitos voltados ao desfrute da cidadania e da formação de uma so-ciedade mais justa e igualitária.

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5 CONCLUSÃO

A reserva do possível impõe limitações financeiras quanto à efe-tivação dos direitos fundamentais. Por outro lado, o mínimo existencial assegura ao ser humano o atendimento de suas necessidades básicas e encontra-se na essência da dignidade humana, necessitando para sua realização que os direitos fundamentais sejam efetivados.

Concebe-se a educação de importância incontestável em qualquer faixa etária, mas é na infância que ela a educação se torna indispensável tendo em vista o período de desenvolvimento, prepara-ção e efetivação da alfabetização, bem como a formação de valores. Porém, a ausência ou o incompleto acesso ao direito à educação im-pede o exercício das liberdades. Para decidir é preciso ter razoável discernimento. De nada adianta existir uma suposta liberdade, se de fato o ser humano não tiver condições de exercê-la. Isso traz futuros reflexos no desenvolvimento da pessoa humana, no exercício da ci-dadania e no acesso e condições de trabalho. A livre escolha da profissão também se vincula ao direito à educação, pois, não tendo acesso ao ensino, a pessoa tem tolhido este, bem como outros direitos e precisará, no futuro, submeter-se a qualquer tipo de trabalho pela falta de instrução. Portanto, a opção do constituinte em garantir o ensino fundamental prioriza a parte mais importante da educação.

Apesar dos diversos limites que dificultam a efetivação dos direitos fundamentais sociais, no que tange à educação, há que se reconhecer sua importância crucial para garantir a dignidade do in-divíduo em suas diversas dimensões. A integridade da pessoa não é somente derivada da pessoa humana individualmente, mas é também uma construção histórica concebida pela cultura da humanidade e emoldurada no decorrer dos séculos.

O direito à educação deve ser protegido tendo em vista estar incluído no mínimo existencial, pela sua importância e por ser esta

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inafastável para a obtenção de uma vida digna. Se, por um lado, o poder público se vale da teoria da reserva do possível para, muitas vezes, esquivar-se de seu dever constitucional de garantir o acesso e a permanência na escola, por outro lado, o cidadão tem a sua dis-posição os argumentos aventados pela teoria do mínimo existencial, o que lhe garante a exigência de, pelo menos, o que se entende por indispensável, irrenunciável em termos educacionais.

Diante das alegações de reserva do possível pelo Poder Exe-cutivo, vêse a atuação do Poder Judiciário, resolvendo casos fáceis simplesmente aplicando o mínimo existencial como regra para que políticas públicas de educação sejam implementadas e seja assegu-rada a efetivação da dignidade humana e resolvendo casos difíceis aplicando a teoria da proporcionalidade.

REFERÊNCIAS

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Rogerio Luiz Nery da Silva, Daiane Garcia Masson, Sonia Maria Cardozo dos Santos

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BARCELLOS. Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucio-nais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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Efetivação do direito...

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A LEGALIDADE DO DUPLO LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE MANAUS

Ygor Felipe Távora da Silva*

Romaro Antonio Silva**

1 INTRODUÇÃO

O Licenciamento Ambiental é um mecanismo utilizado para proteger o Meio Ambiente. Além de, propiciar a atuação de forma pre-ventiva da Administração Pública aplicando recursos que mitiguem efi-cazmente o impacto gerado por cada atividade no Município de Manaus. O problema fica evidenciado no momento em que a Administração obri-ga o empreendedor o segundo licenciamento mesmo que exerça sua ati-vidade tendo sido licenciado por um dos órgãos ambientais, ou seja, em Manaus tem se tornado frequente a obrigatoriedade do licenciamento ambiental, mesmo já sido concluído o estadual, em um aparente bis in idem. Fato que gera um ônus excessivo ao cidadão, aplicando uma dupla obrigação frente ao mesmo fato e objeto tutelado.

Assim, discute-se que a questão ambiental deve ser inter-pretada no aspecto mais rígido possível, a fim de, conter os impactos ambientais, aumentando a fiscalização para as atividades que gerem significativo impacto ambiental.

Por isso, o Meio Ambiente é tratado como um bem que ne-cessita ultrapassar gerações com mínimo de danos. Isso transmite a ideia de que qualquer excesso é mero meio para a busca do interesse coletivo em proteger tal patrimônio, suprimindo, omissões ou antino-mias da lei sempre em favor do Meio Ambiente e, por consequência, ________________________________________

* Mestre em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia; Mestrando em Direito Ambiental pela Universida-de do Estado do Amazonas; Advogado e Administrador.** Professor do quadro permanente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá – Campus Santana; [email protected]

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da Administração Pública. Portanto, a interpretação da legislação quanto ao ente competente para licenciar ambientalmente causa conflitos reincidentes que perduram tanto na Administração Pública Municipal, quanto no Judiciário, face ao entendimento que mesmo licenciado pelo Estado, pode ser também compelido pelo município a um procedimento complementar de licenciamento. Este trabalho analisará se a questão é de ambiguidade da lei ou de lacunas do legislador que ao elaborar uma legislação sem delimitar quem é competente a licenciar corrobora no fato de ser atribuir uma penalidade retrotranscrita.

A Lei n. 6938/81 representa uma figura mister no campo do Direito Ambiental pátrio, introduzindo elementos de modo precoce e de grande relevância social, ratificados pela própria Constituição Fe-deral ao recepcioná-la, versando sobre a obrigatoriedade de um es-tudo prévio de impacto ambiental evitando assim danos posteriores, bem como a educação ambiental em todos os níveis de ensino, cons-cientizando a população sobre os efeitos e finalidades das exigências administrativas de proteção ambiental.

Ademais, será contemplada na pesquisa a possibilidade de atuação, por meio de Ação Civil Pública, do Ministério Público no que tange a seara do Meio Ambiente, tendo em vista se tratar de um bem difuso, portanto passivo de maior exigibilidade e rigidez frente aos interesses particulares.

2 O DIREITO AMBIENTAL

O Direito Ambiental também chamado de Direito do Meio Ambiente, ou o Direito do Ambiente foi surgindo na sociedade com uma finalidade definida e com um objetivo claro de conservar o meio ambiente, propiciando uma saudável qualidade de vida. Para tanto, o Direito implantou e está pondo em prática sis-temas de prevenção e de reparação adaptados a uma melhor e mais

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A legalidade do duplo...

eficaz defesa contra as agressões decorrentes do desenvolvimento da sociedade moderna.

Ainda segundo a autora, a proteção dos recursos naturais não se esgota na vontade de proteger a natureza, mas objetiva a ma-nutenção de uma prática econômica socialmente desenvolvida. Esta nova designação reflete um outro modo de ver o Direito Ambiental. Dá-se numa mudança de perspectiva.

O meio ambiente permeia diretamente a vida humana e não há como dissociá-los. No entanto, as forças de mercado nem sempre atingem o ponto de equilíbrio ideal para atender às necessidades de todos os elementos envolvidos. Nesse momento, cabe a atuação do Estado, de forma a determinar limites e a preservar o bem comum.

Segundo o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis - IBAMA (2012) o licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambien-te e possui como uma de suas mais expressivas características a par-ticipação social na tomada de decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo. A Audiência Pública é uma das etapas da avaliação do impacto ambiental e o principal canal de participação da comunidade nas decisões em nível local.

O licenciamento ambiental, como já afirmado, é a principal ferramenta que a sociedade tem para controlar a manutenção da qualidade do meio ambiente, o que está diretamente ligado com a saúde pública e com boa qualidade de vida para a população. Neste sentido, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo/72, salientou que o homem tem direito fundamental a “[...] adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade.”

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-senvolvimento, na Declaração Rio de Janeiro/92, afirmou que os se-res humanos “têm direito a uma vida saudável” (Princípio 1).

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A Organização das Nações Unidas-ONU anualmente faz uma classificação dos países em que a qualidade de vida é medida, pelo menos, em três fatores: saúde, educação e produto interno bruto. Os denominados princípios do direito ambiental, são construções te-óricas que visam a melhor orientar a formação do Direito Ambiental, procurando denotarlhe uma certa lógica de desenvolvimento, uma base comum presente nos instrumentos normativos.

Nota-se também, que o direito ao meio ambiente equili-brado, do ponto de vista ecológico, segundo Krieger et al. (2008), cinsubstância-se na conservação das propriedades e das funções na-turais desse meio, de forma a permitir a “existência, a evolução e o desenvolvimento dos seres vivos. Ter direito ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado equivale a afirmar que há um direito a que não se desequilibre significativamente o meio ambiente.

A especial característica do princípio é a de que o desequi-líbrio ecológico não é indiferente ao Direito, pois o Direito Ambien-tal realiza-se somente numa sociedade equilibrada ecologicamente. Cada ser humano só fruirá plenamente de um estado de bem-estar e de quidade se lhe for assegurado o direito fundamental de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Para Machado (2009, p. 16), o Estado e os Municípios são au-torizados e obrigados a garantir ao público o acesso às montanhas, ao lagos, aos rios e a outras belezas da paisagem, e em todos os casos, ainda que através de limitação do direito de propriedade, assim como construir caminhos e parques de recreação.

Salienta-se ainda, que a Lei de Política Nacional do Meio Am-biente (Lei n. 6.938/1981) inseriu como objetivos dessa política pú-blica a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (BRASIL, 2011, p. 616).

Machado (2009, p. 71) acentua que

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A legalidade do duplo...

[...] a Política Ambiental não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja com-batida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro.

Sendo assim, a implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas, apenas evi-tar prematuramente os potenciais riscos e danos ambientais. Não se trata, portanto, da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta (MACHADO, 2009).

O risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente não é matéria que possa ser relegada pelo Poder Público. A Constitui-ção Federal foi expressa no art. 225, §1º: “Para assegurar a afetivida-de desse direito, incumbe ao Poder Público: V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substancias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio am-biente.” (BRASIL, 2011, p. 78).

De modo supraconstitucional, a Política Nacional do Meio Ambiente versa sobre a preservação e restauração dos recursos am-bientais para uma utilização racional e sustentável, mantendo um ambiente equilibrado, sem bloquear as atividades realizadas, tam-pouco inviabilizá-las, entretanto faz-se necessária um fiscalização e planejamento que a torne dentro de padrões ambientalmente acei-táveis. Conforme vemos no art. 4º da Lei 6938/81:

Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; [...] VI - à preservação e restau-ração dos recursos ambientais com vistas à sua utiliza-

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ção racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causa-dos e, ao usuário, da contribuição pela utilização de re-cursos ambientais com fins econômicos. (BRASIL, 1981).

No há nenhuma possibilidade de ser restringida a obrigato-riedade do licenciamento, quando presente a figura de uma atividade potencialmente poluidora, isso se deve ao fato de estarmos tratando de um bem maior, ou seja, a preservação da vida, em seu aspecto lato. Portanto, qualquer pessoa jurídica ou física que se enquadre nessa exigência legal de licenciamento, está imediatamente subme-tida às políticas e diretrizes estabelecidas na legislação vigente.

Art 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Am-biente serão formuladas em normas e planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambien-tal e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei. Parágrafo único - As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Po-lítica Nacional do Meio Ambiente.

Diante de políticas e exigências supramencionadas torna-se comum o questionamento quanto à competência para legislar e li-cenciar, o Brasil possui um órgão deliberativo, o CONAMA, mas os governos estaduais devem exercer programas e atividades fiscalizató-rias, tendo em vista, que a preservação ambiental é um bem comum, sendo assim, autorizado a penalizar o ente degradador. Não obstante este entendimento, a mesma lei, assegura ao Município plena capa-

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cidade de fiscalização e preservação dentro de sua jurisdição. Vide art. 6º da Lei 6938/81:

Logo, a competência legislativa se estenderá aos entes fede-rativos com o de conservação e sustentabilidade do ambiente, ten-do em vista, a facilidade em fiscalizar a atividade licenciada, além de reconhecer as peculiaridades do local, sendo assim, o próprio le-gislador possibilitou os municípios estabelecerem padrões e regras relacionados ao meio ambiente, desde que em consonância com as legislações vigentes.

§ 1º Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaboração normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA. § 2º Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior.

Vale aduzir, que os órgãos outrora tratados devem manter os resultados das análises realizadas, descriminando as alterações e seus efeitos, para que assim, possa ser acompanhados os impac-tos das atividades licenciadas, podendo serem revogados a qualquer momento, caso descumprido exigências ou finalidades da atividade. “§ 3º Os órgãos central, setoriais, seccionais e locais mencionados neste artigo deverão fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação, quando solicitados por pessoa legitimamente interessada.”

No entanto, essa preocupação começa com o próprio ente público ao possuir o dever de criação e manutenção de espaços terri-toriais com interesses ecológicos, além de exercer um maior controle no que tange as reservas extrativistas, pois nesse caso estaremos tra-tando e um caráter de sustentabilidade.

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Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de quali-dade ambiental; II - o zoneamento ambiental; (Regula-mento) III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou po-tencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade am-biental; VI - a criação de espaços territoriais especial-mente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989) VII - o siste-ma nacional de informações sobre o meio ambiente; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando ine-xistentes; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989).

Conforme supracitado, o IBAMA propõe normas e regras de licenciamento ao CONAMA, este processo viabiliza uma interação en-tre os entes a fim de verificar a aplicabilidade e os mecanismos mais proveitosos na redução dos impactos ambientais. Gerando uma fis-calização e um controle também abordados quanto à recuperação dos recursos naturais, bem como penalidades administrativas, civis e penais aos degradadores.

Art. 11. Compete ao IBAMA propor ao CONAMA normas e padrões para implantação, acompanhamento e fiscaliza-ção do licenciamento previsto no artigo anterior, além das que forem oriundas do próprio CONAMA. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989) § 2º - Inclui-se na competência da fiscalização e controle a análise de projetos de enti-dades, públicas ou privadas, objetivando a preservação

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ou a recuperação de recursos ambientais, afetados por processos de exploração predatórios ou poluidores.

Os incentivos e financiamentos governamentais retomam sua importância na habilitação para os benefícios, tendo em vista que um dos requisitos essenciais é a obediência aos padrões ambientais, bem como ao licenciamento pelo órgão competente, contendo meios ne-cessários, com equipamentos e materiais de controle de degradação.

Art 12 - As entidades e órgãos de financiamento e incen-tivos governamentais condicionarão a aprovação de pro-jetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA. Pará-grafo único - As entidades e órgãos referidos no “caput “ deste artigo deverão fazer constar dos projetos a reali-zação de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente.

Os incentivos retrotranscritos terão um papel mister no po-der executivo, pois o mesmo utilizará mecanismos que assegurem a pesquisa, a racionalização e o desenvolvimento tecnológico no âmbi-to do Meio Ambiente, estabelecendo prioridades e metas de melho-rias e conservação dos recursos naturais.

O Poder Público poderá a qualquer momento suspender, re-vogar e penalizar o transgressor por descumprir ou realizar qualquer exercício que extrapole os fixados no processo de licenciamento, re-tirando incentivos fiscais, financiamentos governamentais, bem como paralisar imediatamente a atividade poluidora. Devendo em todas as hipóteses, o degradador reparar o dano, respondendo na medida de sua culpabilidade nas esferas penais e cíveis. Além da possibilidade do Ministério Público em ingressar com uma Ação Civil Pública, por se

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tratar de um bem difuso, e, portanto, de interesse da coletividade na conservação dos meios necessários para uma sadia qualidade de vida.

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cum-primento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os trans-gressores: [...] II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de finan-ciamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplica-ção das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambien-te e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por da-nos causados ao meio ambiente. § 2º - No caso de omissão da autoridade estadual ou mu-nicipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplica-ção das penalidades pecuniárias previstas neste artigo. § 3º - Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamen-to, cumprindo resolução do CONAMA. § 5o A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplica-ção das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1o deste artigo.

Sobre as penalidades causadas no meio ambiente O CÓDIGO

AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE MANAUS (2001) em seu art. 131 do Capí-tulo II – Das Penalidades, no parágrafo 1° do referido código, cita que a pena de multa simples consiste no pagamento do valor correspon-

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dente nas infrações graves de 51(cinquenta e uma) a 250 (duzentos e cinquenta) Unidades Fiscais do Município.

De acordo com Vieira, Ramalho e Mendes (2009) segundo a lógica clássica, o sistema industrial de produção, caracterizava-se por uma men-talidade de uso de recursos, descarte e reposição de novos produtos.

Esta política era reveladora de uma diminuta preocupação ambiental das empresas. Num período de intenso crescimento indus-trial e bem-estar social, as empresas, face ao crescente consumismo privilegiavam as prioridades económicas conduzindo a uma massiva extração de recursos naturais e posterior acumulação das matérias--primas sob a forma de resíduos. A acumulação destes fatores ao lon-go de várias décadas resultou numa progressiva poluição global.

Assim, o Princípio da Precaução impõe ao sujeito que desen-volve uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente o ônus de provar que sua atividade não lhe oferece riscos. A inversão do ônus da prova, portanto, abarca a certeza cientifica e também o risco in-certo do dano ambiental.

Quanto ao duplo licenciamento ambiental, Machado (2009) entende que haverá casos de licenciamento em que poderão haver atuação de mais de um órgão, ou seja, é possível que sejam necessá-rias licenças diversas.

Camargo (2010) em seu artigo menciona que:

Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados, e, nesse caso, pode haver duplicidade de licenciamento”. Enten-de que referida resolução acertou ao estabelecer ser inadmissível mais de um licenciamento a respeito do mesmo empreendimento, tendo em vista que a identifi-cação de atribuições entre os entes federados é inerente à própria essência da cooperação. Alega ainda que se o entendimento for diverso, estaremos perante um quadro de verdadeira desordem, posto que a simultaneidade de

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competências, sem qualquer cooperação, acabaria por gerar a ausência de atuação.

O IPAAM (Instituto Proteção Ambiental do Amazonas), de acordo com o tipo de atividade do contribuinte, estabelece no verso de suas licenças uma série de condições e restrições, Dentre outros, validade a partir da publicação em jornal oficial do município ou clas-sificados periódicos; encaminhamento da publicação da licença ao órgão; a coleta e o transporte dos resíduos de qualquer natureza gerados no empreendimento por empresas licenciadas.

À SEMMAS (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade) cabe elaborar e executar a política municipal de desenvolvimento e meio ambiente de Manaus em consonância com as diretrizes estabelecidas pela política nacional de desenvolvimento econômico, científico, tecnológico e de meio ambiente. Como uma das ações mais importantes destaca-se a criação do Corredor Ecológico Urbano do Igarapé Cachoeiras do Tarumã.

A Lei Complementar 140/11 traz como principal ponto po-sitivo a adequada regulamentação da competência comum entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal prevista no artigo 23 da Constituição Federal de 1988, corrigindo o sistema jurídico relativo à proteção ambiental.

A Lei permitirá a solução de antigos entraves processuais, visando garantir maior celeridade e transparência nos procedimentos para licenciamento de empreendimentos e atribuição da competên-cia comum entre os entes federativos para exercício do poder de polícia, e especifica para instauração de processos administrativos, lavratura de autos de infrações e aplicação de penalidades adminis-trativas a empreendimentos e/ou atividades licenciadas.

A Lei, ainda, atribui competências específicas a União, Es-tados e Municípios para a concessão de licenciamento ambiental e para autorização para supressão de vegetação, sendo que atuação

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irregular de qualquer ente federativo poderá ser questionada pelos demais, contando ainda com a atuação do Ministério Público para reprimir quaisquer arbitrariedades que possam por em risco as ações de preservação ambiental. 4 CONCLUSÃO

As questões ambientais ganham a cada dia maior relevância em todos os aspectos. É natural que, por esta razão, maiores ini-ciativas fiscalizatórias por parte do Ministério Público e dos órgãos licenciadores.

O Licenciamento Ambiental é um mecanismo utilizado para proteger o Meio Ambiente, propiciando a atuação de forma preventi-va da Administração Pública medindo eficazmente o impacto gerado por cada atividade no Município de Manaus.

Desenvolvendo esta pesquisa, verificou-se que o duplo licen-ciamento não se trata de uma questão de falha na Administração Pública, mas sim de uma segurança respaldada pelo princípio da pre-venção e precaução que buscam resguardar a saudável qualidade de vida, assim, utilizando princípios, doutrinas e legislações, buscare-mos encontrar um denominador que afaste qualquer ambiguidade ou omissão que a lei possa trazer em seu bojo.

A prática utilizada pela Administração Pública no que diz res-peito aos Autos de Infrações emitidos ao ente que apresenta apenas um Licenciamento Ambiental deve estar na legislação sendo clara e objetiva, não transformando a proteção ambiental em um aparente conflito de interesses entre a administração e o particular.

Durante o trabalho foi verificado a legalidade desta prática com bases nos princípios do Direito Ambiental, bem como, A Política Nacional do Meio Ambiente, trazida pela Lei 6938/81 e recepcionada pela Constituição Federal de 1988, ficando demonstrado que o in-teresse coletivo não pode ser mitigado face ao interesse particular,

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exercendo a Administração Pública seu papel de proteção e fisca-lização acerca da preservação do Meio Ambiente saudável para as presentes e futuras gerações.

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Ygor Felipe Távora da Silva, Romaro Antonio Silva

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O ATIVISMO JUDICIAL COMO SUBVERSÃO ÀS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Marcos Leite Garcia*

Paola Fernanda de Souza Cunha**

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa de tema “o Ativismo Judicial como subversão às normas de Direitos Fundamentais” terá por objetivo o estudo da pro-teção dos Direitos Fundamentais na atividade jurisdicional, especial-mente ao que se denomina Ativismo Judicial.

O objetivo geral será verificar o Ativismo Judicial como for-ma de interpretação criativa e, quiçá, modificadora do contexto das normas constitucionais em relação, principalmente, aos Princípios de Direitos Fundamentais.

Os objetivos específicos serão: a) tratar da consagração dos Direitos Fundamentais; b) estudar os Direitos Fundamentais na Teoria dos Princípios de Robert Alexy; c) analisar o Ativismo Judicial como mecanismo que ao gerar interpretação diversa do que está escrito na Constituição, ou mesmo ao produzir Princípios com o fito de criar a fundamentação que entende correta, subvertem os fins do modelo democrático e formulam decisões casuísticas que, por consequência, violará os Direitos Fundamentais. A pesquisa se justifica na medida em que a interpretação jurídica realizada pelo órgão jurisdicional deve restar alinhada a proteção dos Direitos Fundamentais previstos

__________________________________

* Doutor em Direito (Programa Direitos Fundamentais) pela Universidad Com-plutense de Madrid, Espanha; Mestre em Direitos Humanos pelo Instituto de Derechos Humanos da Universidade Complutense de Madrid, Espanha; Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Uni-versidade do Vale do Itajaí nos Cursos de Mestrado e de Doutorado; [email protected]** Pós-graduada em Direito Material e Processual Civil pelo Complexo de Ensino Superior do Estado de Santa Catarina.

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Marcos Leite Garcia, Paola Fernanda de Souza Cunha

constitucionalmente. Neste passo, as subversões dessa postura por via do Ativismo Judicial ultrapassarão os limites semânticos da norma constitucional e acabará por relativizar as garantias fundantes do Es-tado Democrático de Direito.

Para tanto, inicia-se a primeira parte do estudo com a análise da evolução até ao reconhecimento e à consagração dos Direitos Fun-damentais. Neste passo, avaliar-se-á o desenvolvimento dos Direitos Fundamentais como conquista da humanidade e o seu surgimento a partir do trânsito da história à modernidade, bem assim as linhas de formação históricas desse conceito e o processo de formação do seu conteúdo, que culminarão no seu reconhecimento e positivação em inúmeras Constituições, inclusive a nível internacional.

Na sequência, abordar-se-á o estudo dos Direitos Fundamen-tais por meio da Teoria dos Princípios de Robert Alexy, sustentando que os Direitos Fundamentais são garantidos por uma norma que con-sagra um direito prima facie. Ademais, partirse-á para a distinção entre Regra e Princípio e como se aplicam pelo intérprete ao caso concreto. Por fim, ao analisar o Ativismo Judicial como mecanismo que ao dar interpretação diversa do que está escrito na Constituição, suspeita-se que a decisão judicial sob esse viés, fragiliza a defesa dos Direitos Fundamentais.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo,1 na Fase de Trata-mento de Dados o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados expresso na presente pesquisa é composto na base lógica indutiva. Nas diversas fases da pesquisa serão utilizadas as Técnicas do

1 “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pes-quisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” (PASOLD, 2015, p. 213).

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Referente, da Categoria,2 do Conceito Operacional,3 e da Pesquisa Bibliográfica.4

2 A ATIVIDADE JURISDICIONAL E A SUBVERSÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 A CONSAGRAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO DIREITO

Para Peces-Barba, os Direitos Fundamentais são um conceito do mundo moderno e surgiram a partir do trânsito à modernidade.5 Conforme ele,

[...] o trânsito à modernidade é um momento revolucio-nário, de profunda ruptura, mas ao mesmo tempo im-portantes elementos de sua realidade já se anunciavam na Idade Média, e outros elementos tipicamente Medie-vais sobreviveram ao fim da Idade Média, neste trânsito à modernidade e até o século XVIII, aparecerá a filosofia dos direitos fundamentais, que como tal, é uma novida-de histórica do mundo moderno, que tem sua gênese no trânsito à modernidade, e que, por conseguinte, parti-cipa de todos os componentes desse trânsito já sinali-zados, ainda que sejam os novos, especificamente mo-dernos, os que lhe dão se pleno sentido. (PECES-BARBA, 1982, apud GARCIA, 2008, p. 194).

2 Nas palavras de Pasold (2015, p. 36) “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma ideia.”3 Segundo Pasold (2015, p. 54) “Conceito Operacional (=Cop) é uma defini-ção para uma palavra ou expressão com o desejo de que tal definição seja aceita para efeitos das ideias que expomos.”4 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâ-neas legais.” (PASOLD, 2015, p. 215).5 O trânsito à modernidade é uma expressão utilizada pelo professor Grego-rio Peces-Barba, justificando-a porque considera ambíguo o termo renasci-mento, bem assim por caracterizar sua tese de que os direitos fundamentais são um conceito da modernidade (GARCIA, 2008, p. 194).

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Marcos Leite Garcia, Paola Fernanda de Souza Cunha

Depois disso, o século XXI não veio acompanhado de mudanças extraordinárias que o distinguissem de forma especial dos últimos séculos antecessores. Na aparência, o novo século apenas deu continuidade ao século XX, sem as transformações radicais imagina-das por cientistas e escritores de ficção. Entretanto, se fosse próprio apontar uma característica que vai se revelando marcante no século XXI, ela seria a crescente complexidade das relações humanas, sociais e culturais (BARCELLOS, 2003, p. 49), que culminaram por alterar a estrutura social e a mentalidade humana (GARCIA, 2008, p. 194).

Nesse horizonte, moral e direito estão conectados pelo po-der; mormente porque o direito é criado pelo Estado, ponto de refe-rência da realidade jurídica a partir do trânsito à modernidade (PE-CES-BARBA, 1995, p. 104-105). Logo, os Direitos Fundamentais que se originam e se assentam na moralidade, introduzem-se no direito pela intervenção estatal (GARCIA, 2016, p. 14).

Esses valores carecem de força para orientar a vida social num sentido que colabore com a sua finalidade moral. Como os Di-reitos Fundamentais não podem desvincular-se dos valores morais que os dão suporte de justificação, essa necessária positivação dos Direitos Fundamentais é chamada por Peces-Barba (1995, p. 105) de moralidade legalizada.

Há casos, porém, em que o Estado se mantém inerte na realização desta tarefa, de maneira que estes valores morais deixam de se converter em direito positivo, e a sociedade reclama pela mudança no plano legislativo (moralidade de crítica). Neste passo, a incorporação da moralidade pode ocorrer pela interpretação dos juízes em casos que tratem de Direitos Humanos, o que se revela na transformação da moralidade crítica em moralidade legalizada6 (PE-

6 A súmula vinculante foi introduzida na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional n. 45/04 (CFRB 1988, art. 103-A), como meio de uma súmula ter efeitos vinculantes sobre decisões futuras em ma-

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CES-BARBA, 1995, p. 105-106). De toda sorte, para ser considerado Direito Fundamental, não basta estar positivado, tem de ser seguido por sua garantia (GARCIA, 2008, p. 206).

Essa pretensão moral, em sua substância, deve percorrer a prescrições relacionadas às vontades das maiorias. Referem-se, portanto, aos direitos de liberdade, que impõem proibições, sejam aqueles sociais que impõem obrigações ao legislador. Por isso é que Ferrajoli (2011, p. 26) diz que “[...] os direitos fundamentais prescre-vem aquilo que podemos chamar de a esfera do indecidível: do não decidível que, ou seja, das proibições correspondentes aos direitos de liberdade [...]”

No processo de formação do ideal dos Direitos Fundamentais, acrescenta-se aos questionamentos do por quê? e do para quê? dos Direitos Fundamentais, desenvolvidos Peces-Barba; qual deve ser seu conteúdo?, em virtude de que os Direitos Fundamentais “[...] não são um conceito estático por tratar-se de um conceito que acompanha as demandas da Sociedade.” (GARCIA, 2005, p. 417-450). No mais, o fundamento que responde ao por quê? dos Direitos Fundamentais situa-se principalmente na pretensão moral jubstificada e o conceito, em uma visão dinâmica, responde ao para quê? dos Direitos Funda-mentais, em relação à recepção dessa pretensão moral justificada no direito positivo. A compreensão dos direitos fundamentais pretende superar os reducionismos fundamentalistas e funcionalistas, supondo uma atividade integradora da filosofia do direito e do direito positivo (PECES-BARBA, 1995, p. 102-103).

Mas porque razão faz-se necessária uma carta de Direitos Fundamentais? Conforme Peces-Barba (1995, p. 145), as razões de

téria constitucional, de sorte, por corolário, a se pronunciar também sobre Direitos Fundamentais frente a situações concretas, que são decididas rei-teradamente. A omissão do legislador é o que conduz a esse modo de inter-venção judicial, que deixa de ser facultativo e torna-se imutável até que por procedimento tão complexo quanto para sua aprovação, seja cancelada.

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existência dos Direitos Fundamentais está intrinsecamente relaciona-da à sua formação histórica até a atualidade, e essa fundamentação se encontra nos processos de positivação,7 de generalização,8 de es-pecificação9 e de internacionalização.10 Antes, porém, dessa marcha

7 Para Peces-Barba (1995, p. 156-160), o processo de positivação é justifica-do pelo jusnaturalismo racionalista; pela passagem da discussão filosófica ao direito positivo. Afinal, somente a lei, expressão jurídica de um poder políti-co, da vontade popular, pode positivar a moralidade e o direito. A partir do século XIX essa positivação se considera uma condição essencial para a exis-tência dos direitos com eficácia social e não se concebe uma implantação à margem da positivação (os direitos de liberdade, por exemplo, integram a primeira geração de direitos fundamentais. 8 A generalização consistirá no progressivo, embora não definitivo, ajuste entre as afirmações de que os direitos protejam a todos os membros de uma comunidade como reflexo da luta pela igualdade real (são os direitos sociais ou de segunda geração). Esse processo tem três grandes dimensões, que se referem à marcha de direitos que garantem e tornam possível uma parti-cipação política e igualitária e, por consequência, o acesso da classe tra-balhadora na configuração de uma nova geração de direitos fundamentais, visando assegurar a solidariedade e a igualdade e, enfim, na fundamentação de que o direito de propriedade não pode ser uma pretensão justificada. Isso porque a propriedade não pode estender-se a todo mundo, de modo que não se pode alcançar a igualdade. As dimensões da generalização são o novo corporativismo, as novas tecnologias e o imperialismo da economia (PECES--BARBA, 1995, p. 160-172) 9 O processo de especificação supõe uma ruptura ao modelo racional e abs-trato, ao completar a ideia dos destinatários genéricos, os homens e os cidadãos, como as pessoas situadas como mulheres, crianças, consumidores; e ao graduar igualmente os conteúdos com o surgimento de novos direitos, como ao meio ambiente, à paz, ao desenvolvimento (são os direitos difusos ou de terceira geração). Nesse processo, vê-se a razão pela qual se justifi-cam os direitos, que no modelo inicial era um consenso sobre a limitação do poder e uma justificação desse poder através da participação popular dos cidadãos na formação de sua vontade e de um consenso democrático apoia-do no Princípio das maiorias (PECES-BARBA, 1995, p. 155).10 O processo de internacionalização situa-se em um âmbito jurídico da Co-munidade Internacional, implicando na busca de internacionalizar os Direi-tos Humanos para além das fronteiras de cada Estado. Após a segunda guerra produzem-se tratados internacionais que passam a vincular juridicamente os Estados e passa-se a ter o reconhecimento e a proteção internacional de Di-reitos Fundamentais. Essa aspiração de globalidade e generalidade, a noção

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para a positivação, tem-se o processo de formação do ideal dos Direi-tos Fundamentais, ao qual se acrescenta aos questionamentos do por quê? e do para quê? dos Direitos Fundamentais, desenvolvidos Peces--Barba; a pergunta relacionada a qual deve ser seu conteúdo?, em virtude de que os Direitos Fundamentais “[...] não são um conceito estático por tratar-se de um conceito que acompanha as demandas da Sociedade.” (GARCIA, 2005, p. 417-450).

O fundamento que responde ao por quê? dos Direitos Fun-damentais situase principalmente na pretensão moral justificada e o conceito, em uma visão dinâmica, responde ao para quê? dos Direitos Fundamentais, em relação à recepção dessa pretensão moral justi-ficada no direito positivo. A compreensão dos Direitos Fundamentais pretende superar os reducionismos fundamentalistas e funcionalis-tas, supondo uma atividade integradora da filosofia do direito e do direito positivo (PECES-BARBA, 1995, p. 102-103).

A concepção tridimensional dos Direitos Fundamentais de Peces-Barba tem a visão integral do fenômeno dos direitos e é tam-bém de fundamental importância para a delimitação do conceito de Direitos Fundamentais, a partir de três características: validade (fun-damento-legitimidade), vigência (positividadelegalidade) e práticas sociais (eficácia ou efetividade). Essas, então, “[...] seriam as três dimensões dos Direitos Fundamentais: uma ética, uma jurídica e ou-tra fática ou social.” (GARCIA, 2016, p. 16).

A dimensão ética decorre da noção de os Direitos Fundamen-tais serem uma pretensão moral, justificada na Dignidade da Pessoa Humana e na igualdade, como pilares mestres; na liberdade, solida-riedade e segurança jurídica – como seus outros pilares. Conforme a dimensão jurídica, os Direitos Fundamentais devem não somente es-

jurídica de Direitos Humanos, pode ser extraída da Carta das Nações Unidas como da Declaração Universal de Direitos Humanos (PECESBARBA, 1995, p. 173-175).

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tar positivados, mas acompanhado de instrumentos para que possam ser tutelados.11

A dimensão fática ou social12 traz os Direitos Fundamentais como uma realidade social, portanto, “[...] condicionadas a fatores ex-trajurídicos de caráter social, econômico ou cultural que favorecem, di-ficultam ou impedem sua efetividade.” (GARCIA, 2016, p. 16-19).

A Constituição e os Direitos Fundamentais, por corolário, são a conexão que expressam inicialmente o processo de positivação, por-que são expressão de um poder político democrático, que interioriza as pretensões morais justificadas como valores ou Princípios políticos, reconhecidos como direitos positivos aos Direitos Fundamentais, que se desenvolvem, aplicam-se e garantem-se por outras formas de pro-dução normativa como a Lei e a jurisprudência (PECES-BARBA, 1995, p. 156, 160).

Para Alexy (1998, p. 22-24), os Direitos Humanos podem estruturar-se de acordo com diferentes critérios. Sob o aspecto for-mal, recomenda diferenciá-los entre direitos a algo, liberdades e res-ponsabilidades. Somente os direitos a algo interessam neste estudo, porque tem relação com três elementos: o titular, o destinatário e o objeto do direito; que devem ser expressos por meio do operador do direito. Porém, nem todos os direitos são Direitos Humanos, de sorte a distinguirem-se dos demais quando contém as seguintes caracterís-

11 Os Direitos Fundamentais encartados na Constituição Federal de 1988 “[...] são pretensões morais justificadas positivas e seguidas por suas res-pectivas garantias.” (GARCIA, 2016, p. 18). 12 “A dimensão social da visão integral dos direitos é a que tem relação com sua incidência social, isto é incidência real de fatores econômicos, sociais e culturais.” (GARCIA, 2016, p. 20).

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ticas: universalidade,13 validade moral,14 fundamentalidade,15 prio-ridade16 e abstração.17 Por consequência, a sua institucionalização

13 A universalidade decorre da ideia de que a titularidade dos Direitos Huma-nos corresponde a todos os seres humanos (ALEXY, 1998, p. 24-27). 14 Quanto à segunda característica, uma norma vale moralmente quando pode ser justificada frente ao todo que toma parte em uma fundamentação racional; a universalidade da estrutura dos Direitos Humanos, consiste no que são basicamente direitos de todos frente a todos, soma-se à universa-lidade da validade, que é definida por sua fundamentalidade frente a tudo o que toma parte em uma fundamentação racional. O caráter moral dos Di-reitos Humanos não se opõe a sua institucionalização como direitos jurídico--positivos (ALEXY, 1998, p. 24-27). 15 A fundamentalidade diz respeito ao objeto de direitos. Os Direitos Hu-manos, tratam da proteção e satisfação dos interesses e necessidades fun-damentais. Um interesse ou uma necessidade é fundamental, quando sua violação ou não satisfação toca o núcleo essencial de sua autonomia. Há necessidade de assegurar um mínimo de subsistência, uma distribuição do bem-estar; por meio de uma justiça distributiva que se decide no processo político, avaliado pelos Direitos Humanos. A par disso, é que os Direitos Hu-manos expressam uma mínima concepção de justiça. Entre a fundamentali-dade dos Direitos Humanos e validade moral há uma conexão, mas as duas coisas não são idênticas. A conexão resulta de que um direito, enquanto mais fácil possa ser justificado frente a todos, é mais fundamental. O direito à vida é um exemplo. No entanto, fundamentalidade no sentido definido por Alexy (1998, p. 28-29), não é uma condição necessária da validade moral. 16 A prioridade sobre a lei positiva é uma das características próprias dos Direitos Humanos; oportunidade em que se deve diferenciar entre uma prio-ridade fraca e uma forte. A prioridade fraca consiste em que não é o direito positivo a medida para o conteúdo dos Direitos Humanos, mas os Direitos Humanos são a medida para o conteúdo do direito positivo, por ser uma condição necessária de legitimidade deste. O direito positivo que viola os Direitos Humanos é em seu conteúdo um direito incorreto. É discutível se essa incorreção é apenas uma impropriedade moral ou se tem também um caráter jurídico. Neste vértice, é apenas importante que, só em uma prio-ridade fraca, a incorreção decorrente da violação de Direitos Humanos não implique na perda da validade jurídica ou do seu caráter legal. Isto se dá, mais que nada, em uma prioridade forte. Tratando-se de uma prioridade forte, a violação de um Direito Humano suprime o caráter jurídico e, com isso, igualmente a validade jurídica do ordenamento positivo contraditório (ALEXY, 1998, p. 29-30). 17 A abstração, por sua vez, possui diferentes dimensões e graus. A primeira dimensão refere-se aos destinatários. Não diz sobre quem recai o direito, ou

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legal será enviada, tanto no nível do direito internacional quanto no nacional. Trata-se, assim, da positivação dos Direitos Humanos como direito interno. É possível, portanto, formular catálogos18 de Direitos Humanos com o menor grau possível de abstração, tendo-se as De-clarações e as Convenções sobre os Direitos Humanos, no âmbito do direito internacional, como exemplos (ALEXY, 1998, p. 30-31). A propósito, uma Constituição que não contém todos os Direitos Hu-manos como Direitos Fundamentais não é legítima. Além disso, uma constituição pode conceder Direitos mais Fundamentais do que os Di-reitos Humanos impõe. Os problemas de Direitos Fundamentais exigi-dos pelos Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais adicionais em relação à vinculação do poder do Estado e ao controle desta ligação, são essencialmente os mesmos. Portanto, pode-se falar, doravante, também dos Direitos Fundamentais, em vez de Direitos Humanos. A incorporação dos Direitos Fundamentais em uma constituição não é suficiente. A questão crucial é quem controla o cumprimento dos Direitos Fundamentais por parte do legislador. Há duas respostas bá-

seja, abstrai o destinatário. A segunda relaciona-se quanto às modalidades objeto do direito. Deixa aberta a questão de se o direito é apenas um direito à abstenção de intervenção nas liberdades; ou se é dirigido a uma ação posi-tiva; ou ainda no sentido de garantir as condições reais. A terceira dimensão da abstração afeta a restrição do direito, mormente porque nenhum direito à liberdade é ilimitado. Afinal, limita-se, ao menos, quando esbarra com a liberdade alheia. É preciso, porém, uma cláusula restritiva. As três dimen-sões de abstração somam-se ao elevado grau de generalidade do objeto do direito (ALEXY, 1998, p. 30-31). 18 No entanto, esses catálogos são frequentemente abstratos, de modo que somente é possível um acordo por meio de um compromisso formal. De mais a mais, há limites teóricos para a realização dos Direitos Humanos mediante um catálogo. Um verdadeiro catálogo concreto terminaria, finalmente, em uma casuística dos Direitos Humanos. Por outro lado, a concretização que se estenda até nos detalhes, somente é possível nos processos e instituições de um determinado sistema jurídico em um determinado contexto histórico (ALEXY, 1998, p. 31).

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sicas: o processo democrático ou um tribunal constitucional (ALEXY, 1998, p. 37).

Os Direitos Fundamentais, para Ferrajoli (2014, p. 9) encon-tram-se dentro daquilo que denomina de “esfera do indecidível”. Conforme o autor, dentro de uma perspectiva de Democracia Cons-titucional, nenhuma maioria pode validamente decidir no sentido de violar ou a restringir direitos de liberdade. Não por outra razão, os Direitos Fundamentais consagrados constitucionalmente aparecem como um complexo normativo de hierarquia superior no conjunto jurídico geral e, até mesmo, ao sistema jurídico-constitucional em particular (CANOTILHO, 2008, p. 117).

Assim, a partir do Estado Democrático de Direito e da admis-são do caráter normativo das constituições, reconhece-se a força nor-mativa das normas que engendram um modelo social, que promovem objetivos coletivos, ou que protegem valores contrapostos, substan-ciais à proteção das minorias (MÖLLER, 2011, p. 215).

No que se refere à função (ou funções) dos Direitos Funda-mentais, está ela relacionada diretamente a rigidez constitucional, ou seja, para que as normas que tratem desses Direitos não possam ser revogadas ou modificadas senão, mediante um procedimento especial de revisão constitucional, muito mais complexo que os procedimentos de produção de leis ordinárias (GUASTINI, 2005, p. 50).

É que a fundamentação do conceito de Norma de Direito Fundamental sobre critérios materiais ou estruturais é a sua vinculação com um critério formal, na forma de positivação. Corolário disso, os enunciados do capítulo da lei fundamental, intitulado Direitos Fundamentais, serão disposições de Direito Fundamental, independente do seu conteúdo e da sua estrutura (ALEXY, 1993, p. 65). Logo, a consolidação desse ordenamento jurídico impregnado pelas normas constitucionais é capaz de condicionar tanto o legisla-dor quanto a jurisprudência e a forma de doutrinar o direito, bem as-sim as relações sociais. Reconhece-se, portanto, a Constituição como

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norma suprema, consequentemente, as demais normas ser-lheão rigo-rosamente subordinadas (CHAVES JÚNIOR; GUASQUE, 2015, p. 71-99).

Essa subordinação decorre daquilo que se chama de rigidez constitucional19 ou seja, a necessidade da existência de uma Consti-tuição escrita, positivada em um único texto. Nessa perspectiva, a rigidez constitucional é elemento essencial à garantia da supremacia hierárquica da Constituição, bem assim para proteção de conteúdos materiais, em razão de que estes impõem limites ao legislador (MÖL-LER, 2014, p. 31).

No mais, o modelo contemporâneo, reconhece tanto no âmbito doutrinário, quanto no jurisprudencial, a existência de Direitos Funda-mentais em forma de Princípios constitucionais, expressamente consig-nados ou de forma implícita (CHAVES JÚNIOR; GUASQUE, 2015, p. 71-99). Neste passo, Guastini (2005, p. 51) assevera que, conquanto não previstos taxativamente, igualmente não podem ser suprimidos, revogados ou des-prezada a sua existência, repisa-se nem mesmo por revisão constitucional.

Algumas constituições, como a brasileira de 1988, reconhecem os Direitos Fundamentais como cláusulas pétreas, de sorte a protegê--los sob o manto da rigidez constitucional. As cláusulas pétreas, então, são normas especiais que devem ficar acima das vontades individuais de governantes, legisladores e até mesmo dos juízes. A par disso, é que o sistema legislado de Regras e Princípios deve ser entendido de modo a evitar que a vontade prevaleça sobre a lei (BRANDÃO, 2016, p. 40).

2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TEORIA DOS PRINCÍPIOS DE ROBERT ALEXY

Virgílio Afonso da Silva (2006, p. 29-31) anota que para acei-tar os pressupostos teóricos da teoria dos Princípios, como desen-

19 Do sistema de Constituições rígidas resulta uma relativa imutabilidade do texto constitucional, ou seja, uma certa estabilidade ou permanência que traduz até certo ponto o grau de certeza e solidez jurídica das instituições num determinado ordenamento estatal (BONAVIDES, 2006, p. 196).

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volvido por Alexy, implica-se a rejeição das teorias restritivas sobre o suporte fático.20 O conceito trabalhado pelo autor é no sentido de que o preenchimento do suporte fático de uma norma é corolário para que a sua consequência jurídica possa ocorrer. Para configura-ção do suporte fático, além do âmbito de proteção fundamental do Direito Fundamental, há necessidade da intervenção estatal. Porém, além da soma do âmbito de proteção e da intervenção estatal, há necessidade de incluir nesse conceito a ausência de fundamentação constitucional.

A teoria dos Princípios sustenta que, de modo geral, Direitos Fundamentais são garantidos por uma norma que consagra um direito prima facie (SILVA, 2006, p. 39). Para a teoria dos Direitos Fundamen-tais de Alexy (1993, p. 81-82), o mais importante é a distinção entre Regras e Princípios; porque constitui a base da fundamentação jus-fundamental e é uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos Direitos Fundamentais. Essa distinção, na verdade, é o ponto de partida para responder à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito dos Direitos Fundamentais e,

20 A característica principal das teorias que pressupõem um suporte fático restrito para as normas de Direito Fundamental é a não-garantia a algumas ações, estados ou posições jurídicas que poderiam ser, em abstrato, subsu-midas no âmbito de proteção dessas normas. As teorias que se baseiam em um suporte amplo, como a defendida por Silva (2006, p. 32-34), rejeitam essa premissa. Claro que, a partir dessa constatação, a indagação necessária seria: o que, então, é protegido pelos direitos fundamentais? A resposta a essa pergunta, ao contrário do que ocorre com as teorias que se baseiam um suporte restrito, é menos problemática no caso das teorias que pressupõem um suporte amplo. A razão é simples: no primeiro caso, a definição do su-porte restrito é, em geral, a própria definição daquilo que é definitivamente protegido; no segundo caso - suporte amplo - definir o que é protegido é apenas um primeiro passo, já que condutas ou situações abarcadas pelo âmbito de proteção de um Direito Fundamental ainda dependerão eventual-mente de um sopesamento em situações concretas antes de se decidir pela proteção definitiva ou não.

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portanto, é um dos pilares do edifício da teoria dos Direitos Funda-mentais.

Tanto as Regras como os Princípios são normas, porque am-bos dizem o que deve ser. Os Princípios, assim como as Regras, são razões para juízos concretos de dever ser, ainda quando sejam razões de um tipo muito diferente. A distinção entre Regra e Princípio é, portanto, uma diferenciação entre dois tipos de normas. Inúmeros são os critérios de distinção, dentre eles se tem o da generalidade, de sorte que os Princípios são normas de um grau alto de generali-dade e as Regras têm um nível relativamente baixo (ALEXY, 1993, p. 8183).

As Regras são normas que, quando satisfazem o caso concre-to, ordenam uma consequência jurídica definitiva, ou seja, quando cumprem determinadas condições, ordenam, proíbem, ou permitem algo definitivamente ou autorizam fazer algo. Portanto, podem ser chamadas de mandamentos definitivos e aplicam-se na forma de sub-sunção (ALEXY, 2004, p. 75).

Por outro lado, os Princípios são mandamentos de otimiza-ção. De tal forma, que são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, segundo as possibilidades fáticas e jurí-dicas. Significa, então, que podem ser realizados em diversos graus e que a medida de sua realização depende não situações abarcadas pelo âmbito de proteção de um Direito Fundamental ainda depende-rão eventualmente de um sopesamento em situações concretas antes de se decidir pela proteção definitiva ou não. Apenas das possibilida-des fáticas, mas igualmente das jurídicas. As possibilidades jurídicas da realização de um estão determinadas essencialmente, mais do que pelas Regras, pelos Princípios opostos; de sorte que os Princípios dependem e requerem ponderação. A ponderação é a forma da apli-cação dos Princípios (ALEXY, 2004, p. 75).

A teoria dos Princípios é necessária para poder reconstruir um fenômeno bem conhecido e central para a relação entre direitos

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individuais e bens coletivos:21 a colisão entre direitos individuais e bens coletivos, como assim também a sua solução dar-se-á por meio da ponderação. Isto significa que são normas que ordenam que algo seja realizado numa medida maior possível dentro do marco das pos-sibilidades fáticas e jurídicas. No entanto, as Regras são mandamen-tos definitivos. Desta diferença seguem-se todas as demais distin-ções, como por exemplo, que os Princípios, como mandamentos de otimização, são realizáveis em diferentes graduações enquanto que as Regras, à medida que são mandamentos definitivos, sempre podem ser realizadas ou não (ALEXY, 2004, p. 184-185).

O termo ‘mandamento’ nas expressões ‘mandamento de oti-mização’ e ‘mandamento definitivo’ são utilizados em sentido amplo, abarcando também as permissões e as proibições. Ademais, expõe-se que todas as posições jurídicas são reduzidas a modalidades deônti-cas fundamentais. Por isso, pode-se dizer que os direitos individuais têm o caráter de mandamento de otimização ou de mandamento de-finitivo. Entrementes, na medida em que os direitos têm a caracte-rística de mandamentos de otimização, não se tratam eles de direitos definitivos, mas de direitos prima facie, mormente quando entram em colisão com bens coletivos ou com outros direitos, podendo ser restringidos. Somente os direitos consagrados como Regras são defi-nitivos (ALEXY, 2004, p. 185).

Os conflitos entre Regras são analisados dentro da dimensão de validade, de modo que somente serão solucionados; ou bem in-troduzindo em uma das Regras uma cláusula de exceção que elimina o conflito ou declara inválida, pelo menos, uma delas. O conceito de validade jurídica não é graduável, porque uma norma vale ou não

21 “Es más fácil presentar ejemplos de bienes colectivos que decir qué es un bien colectivo. Ejemplos de bienes colectivos son la seguridad interna y externa, la prosperidad de la economía, la integridad del medio ambiente y un alto nivel cultural.” (ALEXY, 2004, p. 186).

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juridicamente. Então, em um conflito de Regras, quando não é possí-vel a inclusão de uma cláusula de exceção, uma das Regras deve ser declarada inválida (ALEXY, 1993, p. 88).

As colisões entre Princípios, todavia, recebem tratamento diferenciado. De toda sorte, quando dois Princípios entram em coli-são um deles tem que ceder em relação ao outro; o que não significa declarar inválido um dos Princípios. Isso porque, nos casos concretos os Princípios têm diferentes pesos, de sorte que quando há colisão,22 sobressai-se aquele que tiver maior peso (ALEXY, 1993, p. 89). Afinal, as normas de Direito Fundamental, neste vértice, mostram-se aber-tas e móveis quando de sua realização ou concretização na vida social (CHAVES JÚNIOR; GUASQUE, 2015, p. 71-99).

De fato, não existe texto normativo que contemple apenas uma interpretação. Porém, a interpretação conforme a Constituição é aquela que se amolda, harmoniza-se com a norma constitucional, elegendo frente a duas possibilidades, o significado que evite qual-quer contradição entre a norma (independente de qual seja) e o con-teúdo constitucional (CHAVES JÚNIOR; GUASQUE, 2015, p. 71-99).

No entanto, o argumento dos Princípios diz que o juiz, tam-bém no âmbito de abertura do direito positivo, é dizer, do direito imposto e eficaz, está juridicamente ligado e está de modo que cria uma vinculação necessária entre o direito e a moral. Isso responde a afirmação do Tribunal Constitucional Federal na mencionada falha sobre a criação judicial do direito (ALEXY, 2004, p. 74).

Nesse viés, considerando a estrutura que envolve as normas de Direitos Fundamentais e a teoria dos Princípios de Alexy, quando

22 A solução da colisão consiste no fato de que se levando em considera-ção as circunstancias do caso, estabelece-se uma relação de precedência condicionada. A par disso, tomando em consideração o caso, indicam-se as condições sobre as quais um Princípio precede ao outro; podendo, inclusive, ser utilizada inversamente (ALEXY, 1993, p. 92).

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se estiver diante de Regras aplica-se a subsunção23 (de uma Regra so-bre outra), sem que se faça valoração sobre seu conteúdo. Por outro lado, quando se tratar de colisão entre Princípios constitucionais, a solução deve partir do sopesamento (ou ponderação)24 entre eles.

Há que se atentar em relação à ponderação, haja vista que grande parte dos agentes jurídicos utiliza a ponderação como único meio ‘justo’ de aplicação do Direito, quando, “[...] em um Direito legislado e de Constituição escrita e que deve ser levada a sério, essa postura simplesmente contribui para destruir o sistema de garantias da própria Constituição.” (BRANDÃO, 2016, p. 41). 2.3 O ATIVISMO JUDICIAL COMO SUBVERSÃO ÀS NORMAS DE

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A interpretação ampla das normas e Princípios constitucio-nais, afirmando direitos e poderes implícitos ou não nas Constitui-ções, bem assim a aplicação direta de Princípios constitucionais, vagos ou imprecisos, para regular os casos concretos sem qualquer intervenção do legislador ordinário, constitui atualmente uma dimen-são do Ativismo Judicial (CAMPOS, 2014, p. 165).

23 A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: pre-missa maior – enunciado normativo – incidindo sobre a premissa menor – fa-tos – e produzindo com consequência a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos casos difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia que, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias. A subsunção não tem instrumentos para conduzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso (BARCELLOS, 2003, p. 55). 24 A Ponderação, por sinal, “[...] pode ser descrita como uma técnica de de-cisão própria para casos difíceis (do inglês hard cases), de sorte a ser inade-quado o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado.” (BARCELLOS, 2003, p. 55).

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As razões pragmáticas sugerem uma separação entre o poder legislativo e o judiciário, tão logo a configuração dogmática do direi-to e a cientificização da jurisprudência acarreta uma ampla profis-sionalização da prática da decisão judicial. Porém, do ponto de vista normativo e da sistemática jurídica, há outros argumentos decisivos. Em primeiro lugar, a diferença lógica e argumentativa entre funda-mentação e aplicação das normas reflete-se nas formas comunica-tivas de discursos de fundamentação e de aplicação, que precisam ser institucionalizados juridicamente, de diferentes maneiras. Em discursos jurídicos de aplicação, é preciso decidir qual das normas tidas como válidas, numa situação dada, e cujas características são descritas da forma mais complexa possível, é adequada. Esse tipo de discurso exige, de um lado, uma constelação de papéis, na qual os partidos (e, conforme o caso, autoridades políticas mediadoras) podem apresentar todos os aspectos litigiosos de um caso a um juiz, como representante imparcial da comunidade; de outro lado, uma distribuição de competências segundo a qual o tribunal tem que fun-damentar seu julgamento perante uma esfera pública jurídica, em Princípio ilimitada. Ao passo que nos discursos de fundamentação há apenas participantes. De outro lado, a fim de impor suas decisões – e a execução do direito – a justiça apela para os meios de repressão do aparelho do Estado, passando a dispor, ela mesma, de um poder ad-ministrativo. Por esta razão, a justiça precisa ser separada da legisla-ção e impedido de uma autoprogramação. Desta maneira se explica o Princípio da ligação da justiça ao direito vigente25 (HABERMAS, 1997, p. 215-216).

25 O primado da lei, legitimada num processo democrático, significa do pon-to de vista cognitivo, que a administração (Justiça) não pode interferir nas premissas que se encontram na base de suas decisões. Praticamente isso significa que o poder administrativo não pode intervir em processos de nor-matização do direito e da jurisdição (HABERMAS, 1997, p. 217).

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Além do mais, do Princípio da proteção do direito e dos Direi-tos Fundamentais da justiça resultam todos os demais Princípios para a especificação de tarefas, do modo de trabalho e a garantia do status de uma justiça independente, a qual deve aplicar o direito de tal manei-ra que estejam garantidas simultaneamente a segurança do direito e a aceitabilidade racional das decisões judiciais (HABERMAS, 1997, p. 216).

O magistrado ativista comumente preenche lacunas, omissões legislativas, corrige as leis, inova no ordenamento, dando-lhe novos sentidos ou adicionando outros significados, de maneira a conformá-las melhor aos Princípios e aos valores constitucionais (CAMPOS, 2014, p. 166). No entanto, conforme Streck (2014, p. 166-167), o direito não é aquilo que o intérprete quer que ele seja. Afinal, o direito não é aquilo que o Tribunal no seu conjunto ou na individualidade de seus compo-nentes, dizem que é. Portanto, todas as formas de decisionismo e dis-cricionariedades devem ser afastadas, evitando que as interpretações criativas afrontem normas de Direito Fundamental.

Enfim, nas decisões cotidianas – teóricas, práticas e acadêmi-cas – os juristas encontram-se fortemente influenciados por um con-junto de representações, imagens, pré-conceitos, crenças, ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éti-cas que governam e disciplinam anonimamente seus atos de decisão e enunciação (WARAT, 1995, p. 13). Desse modo, um significante desliza em relação ao outro e assim se constrói a decisão, podendo, nessa trama, colocar-se em evidência determinadas partes, relegando-se ou-tras, mas fundamentando sua decisão, ao contrário do que se verifica, de Regra, na prática contemporânea (ROSA, 2016, p. 471).

Para Konrad Hesse (1998, apud STRECK, 2011, p. 52) o tex-to constitucional traz uma vinculação constitucional. Isso porque, a partir do que está escrito na Constituição, “[...] nascem fixações que aumentam o efeito estabilizador, racionalizador e assegurador da liberdade constitucional”, que se perdem quando esta não é mais considerada vinculativa. Então, se o magistrado ou qualquer Tribunal,

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afasta-se da concepção jurídica positivista, passando por cima do di-reito constitucional escrito26 podem-se considerar essas resoluções como mais apropriadas que aquelas fiéis as leis, abrindo o caminho para se ludibriar a Constituição, em proveito de interesses discricio-nários e, quiçá, controvertidos? Abandonar-se-ia, portanto, a ideia de que as normas constitucionais são vinculativas pela insegurança.

Streck (2011, p. 52) anota que quando estamos diante de uma postura ativista, tem-se uma decisão que vai além do texto constitucional, acarretando um rompimento constitucional, quando o texto permanece inalterado, mas a prática é mudada pelas práticas das maiorias. Para tanto, completa que é um problema democrático, porque admitir fissuras na ordem constitucional, igualmente é con-sentilas no próprio Estado Democrático de Direito.

O juiz ativista não se sente restringido, nem mesmo preso ao sentido literal das constituições. Pelo contrário, sentem-se à vonta-de com a plasticidade das normas constitucionais e as possibilidades de juízos políticos e morais que esta característica normativa cria. Afinal, assumem que sua função é manter a constituição em con-formidade com as circunstâncias sociais em constante mutação e, para tanto, defendem a interpretação criativa como efetivação desse

26 Streck (2011, p. 52) exemplifica e critica com a utilização da chamada mu-tação constitucional, utilizada pelo Supremo Tribunal Federal. Para Barroso (2015, p. 165), “[...] a mutação constitucional por via de interpretação, por sua vez, consiste na mudança de sentido da norma, em contraste com entendimento preexistente. Como só existe norma interpretada, a muta-ção constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitucional quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara anteriormente, seja pela mudança da realidade social ou por uma nova percepção do Direito. É bem de ver que a mutação constitucional é um fenômeno mais profundo do que a simples mudança de jurisprudência, que pode dar-se por mera alteração do ponto de vista do julgador ou por mudan-ça na composição do tribunal.”

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papel idealizado de magistrado. A partir disso, vê-se que os juízes ativistas assumem uma condição de arquitetos sociais, justificando a criatividade na interpretação da norma constitucional como instru-mento legítimo desta atuação (CAMPOS, 2014, p. 166).

No âmbito da decisão judicial, a motivação racional da deci-são permite aos envolvidos no processo e ao cidadão a sua fiscalização e controle interno e externo, excluindo o caráter arbitrário (intuito personae), meramente subjetivo da tutela jurisdicional, legitimando constitucionalmente o saber-poder do magistrado, submetendo-o à via impugnativa predeterminada. A fundamentação fornece as bases de um processo democrático, constitucionalmente comprometido livre de argumentos de consciência, de argumentos de autoridade, bem como de juízos precipitados (GIACOMOLLI apud ROSA, 2016, p. 470).

Zaffaroni (2011, p. 65-66) argumenta ser “[...] impossível uma teoria jurídica, destinada a ser aplicada pelos operadores ju-diciais em suas decisões, que não tome em consideração o que ver-dadeiramente acontece nas relações sociais entre pessoas.” Afinal, nada é mais comum que o fato de que, a partir da mesma informa-ção, diferentes pessoas com competências semelhantes no momento de raciocinar cheguem a ter, sem embargo, crenças diferentes (POS-NER, 2011, p. 115).

A opinião judicial publicada, oculta muitas vezes as verda-deiras razões da decisão judicial, deixando-as enterradas no subcons-ciente do juiz. Embora esse pronunciamento a partir de intuições subjacentes tivera sido distinta, uma fundamentação igualmente plausível em seu apoio poderia ser escrita também. A par disso, os fundamentos das falhas judiciais criam Regras, ampliam o alcance de outras ou as ajustam; são complementos das Regras constitucio-nais e outras Regras de origem legislativas (POSNER, 2011, p. 129). À vista disso, a desvinculação do texto constitucional, esconde as verdadeiras razões que estão no subconsciente do aplicador da lei, que se utiliza desse subterfujo como meio de dar à decisão judicial

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as razões antecipadas em sua consciência, mas que não constaram da fundamentação ou motivação daquela.

Para Ferrajoli (2006, p. 67), por mais vagos que sejam os Princípios e que contenham termos valorativos, estes servem para au-mentar a certeza do direito, visto que tem o condão de “[...] limitar o vai e vem das possíveis opções interpretativas, obrigando os juízes a associar às leis unicamente os significados normativos compatíveis com aqueles.” O contrário disto, como define Streck (2014, p. 171), ou seja, “[...] as posturas voluntaristas do Direito” darão vazão a uma “fábrica de Princípios”, denominando o autor esse fenômeno como “pamprincipiologismo”. Em arremate, Ferrajoli (2010 apud STRECK, 2014, p. 171) também ratifica essa crítica considerando que “[...] a proliferação de Princípios não passa de argumentações morais, que conduzem inexoravelmente à fragilização do Direito.”

Primando por esse viés, dar margem ao Ativismo Judicial, ora colocando o juiz como intérprete criativo do texto constitucional, ora como substituto das omissões do poder legislativo, é dar azo à subversão dos Direitos Fundamentais seja pela aplicação, pondera-ção ou interpretação equivocada, seja pela criação de Princípios em verdadeira afronta à Constituição. Por corolário, igualmente fere os postulados do Estado Democrático de Direito.

3 CONCLUSÃO

Diante do que fora registrado, foi possível concluir que os Di-reitos Fundamentais são um conceito do mundo moderno e surgiram a partir do trânsito da modernidade. Ademais, no processo de forma-ção do ideal dos Direitos Fundamentais há que se responder, além das perguntas o por quê? e o para quê? de serem um Direito Fundamen-tal, deve-se questionar qual deve ser seu conteúdo?, cujas respostas podem ser buscadas por meio das linhas de evolução traçadas pelo Professor espanhol Peces-Barba, considerando os processos de posi-

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tivação, de generalização de internacionalização e de especificação, bem como pela concepção tridimensional dos Direitos Fundamentais.

A partir da positivação, a pretensão moral foi inserida no ordenamento jurídico, mas para que se consagre como Direito Fun-damental há que ser garantido. Nesse viés, a Constituição e os Direi-tos Fundamentais foram a conexão que expressara o processo de po-sitivação e a referência a um poder político democrático. Além disso, vislumbrou-se que as normas de Direitos Fundamentais que integram a Constituição, submetem-se ao que se chama de rigidez constitucional e não podem sofrer modificação, nem mesmo por revisão constitucional.

Da teoria dos Princípios de Alexy, verificou-se que os Direitos Fundamentais são garantidos por uma norma que consagra um direito prima facie; porém o mais importante foi distingui-los entre Regras e Princípios e, a partir disso, conseguir proceder à análise de como se dará os processos de colisão entre as Regras e os Princípios. Isso por-que, necessário que a interpretação ocorra de forma harmônica com o texto constitucional, sem haja contradição entre a norma e o seu conteúdo. À vista desse processo amplo de interpretação das normas e Princípios constitucionais, vagos e imprecisos, por vezes sob o subter-fúgio da ponderação, dáse a sua aplicação direta sem a intervenção do legislador, ocorrendo o que se denominou de Ativismo Judicial.

Dessarte, quando o juiz pretender inovar no ordenamento jurídico, dando-lhe sentido ou adicionando outros significados, ou mesmo criando Princípios estivera desvinculando-se do texto consti-tucional e, por corolário, gerará um rompimento constitucional.

De toda sorte, frente ao estudo realizado, aceitar o Ativismo Judicial, ora colocando o magistrado como intérprete criativo da nor-ma constitucional, outras como substituto das omissões do legislador; será dar oportunidade a decisões judiciais que subvertam os Direitos Fundamentais e, igualmente, os postulados do Estado Democrático de Direito.

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Marcos Leite Garcia, Paola Fernanda de Souza Cunha

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UMA TEORIA DE JUSTIÇA DENTRO DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY COMO

SOLUÇÃO JUSTA PARA CASOS CONCRETOS

Ana Paula Goldani Martinotto Reschke*

Narciso Leandro Xavier Baez**

1 INTRODUÇÃO

Alexy não pretende simplesmente elaborar uma teoria nor-mativa da argumentação jurídica, onde visaria pontuar os bons e maus argumentos, mas sim uma teoria que seja analítica ou até mesmo prescritiva, tendo em vista que ela permite um campo muito amplo de análises e considerações a respeito do caso concreto.

O autor pressupõe que existe algo como uma faculdade uni-versal, chamada racionalidade, e através dessa racionalidade, algu-mas regras que teriam maior validade devem se tornar objetivas e universal.

O autor desenvolveu regras de forma mais analítica para o discur-so prático racional. Ele diz que nenhum orador pode se contradizer. Que todo orador pode afirmar aquilo que crê. Todo orador deve ter em mente que se ele aplicar determinado método a um caso, em todos os outros casos iguais ou semelhantes ele deverá aplicar o mesmo método.

Quanto a justificativa das afirmações pautadas em uma ar-gumentação, o orador que está expressando uma crença tem de dar motivos do porque acredita naquilo. Dessa forma o discurso será ra-cionalizado.

______________________________________________

* Mestranda em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina; Pós--graduada em Direito Civil pela Escola de Direito Verbo Jurídico.** Pós-Doutor em Mecanismos de Efetividade dos Direitos Fundamentais, Juiz Federal e Coordenador no Programa de Mestrado da Universidade do Oeste de Santa Catarina; [email protected]

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Ana Paula Goldani Martinotto Reschke, Narciso Leandro Xavier Baez

Nesse caso poderá apresentar a teoria dos princípios fun-damentais fazendo a ponderação entre os princípios colidentes. O tratamento diferenciado entre pessoas só será permitido se for para atingir o princípio da igualdade como um princípio racional. Estabe-lece regras de economia argumentativa, ou seja, um orador só dará novos argumentos se for contestado.

O orador que introduzir elementos argumentativos emocio-nais, deverá justificar, pois a teoria da argumentação visa decisões racionais. A intenção da teoria é evitar longos diálogos, diálogos que se estendam ao infinito, sem uma conclusão, pois muitos direitos fi-cam a deriva no mundo jurídico por ser conferido a estes questiona-mentos oferecidos pelas regras.

Desse modo o autor pretende se esquivar do silogismo jurí-dico, tendo em vista que as leis jurídicas se modificam de tempos em tempos, ao contrário dos princípios basilares da existência humana.

Alexy acredita que com o discurso racional e universal deve-ria fazer parte do cotidiano jurídico argumentativo, mesmo que ele admite que a observância dessas regras não garantem que se chegue a um consenso racional e adequado. Mesmo assim acredita que com esse método a possibilidade de alcançar acordo em assuntos práticos, será mais fácil, mesmo que estes estejam abertos a novas argumen-tações.

Também demonstra dois tipos de argumentação: a argumen-tação prática e a argumentação jurídica. A argumentação prática seria um discurso mais simples, baseado na lei referente ao caso abordado, baseado em critérios gerais da lógica deontica, é a construção do silogismo jurídico. Nesse caso o autor chama de justificação interna.

Já a argumentação jurídica, chamada de justificação exter-na, não está ligada aos argumentos de estrutura lógica. Nesse caso será usado para o método argumentativo, princípios, valoração de direitos mais importantes para a vida humana e também cânones.

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Uma teoria de justiça...

Cabe ressaltar que nesta forma de argumentação não será garantida uma aceitabilidade racional, talvez terá uma aceitação histórica, dentro dos padrões que fazem parte da tradição cultural conservadora.

Assim, acredita-se que a Teoria da Argumentação Jurídica busca uma prática universal de decisões racionais que diligenciam exclusivamente pela igualdade entre os cidadãos.

E desta forma se faz necessário o uso das duas argumenta-ções, interna e externa, combinando a lei vigente nos Estados demo-cráticos com os princípios que versam sobre a dignidade da pessoa humana. Mas admite o diálogo democrático e talvez se possa chegar ao discurso ideal.

2 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY COMO SOLUÇÃO JUSTA DE CASO CONCRETOS

2.1 TRAÇOS BÁSICOS DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A Teoria da Argumentação Jurídica surge na segunda metade do século XX com o objetivo de propor mecanismos de controle sobre a racionalidade do discurso jurídico, possibilitando que as decisões jurídicas sejam pautadas por critérios seguros frente acampo da filo-sofia jurídica e ainda tem muito a evoluir. Desta maneira, o aprimo-ramento dessa prática é viável tendo em vista a falência do discuso prático hodiernamente, permitindo que o modelo racional seja apli-cado em novas alternativas complexidade dos casos concretos. Nota--se que ainda é um ramo muito recente no ordenamento jurídico dos Estados Democráticos de Direitos.

Desta forma a criação de uma teoria para a argumentação jurídica, tem o intuito de garantir que o julgador aplique a legislação de forma racional, conferindo, assim, o máximo de segurança às de-cisões jurídicas (ALEXY, 2001).

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Ana Paula Goldani Martinotto Reschke, Narciso Leandro Xavier Baez

A Argumentação Jurídica visa evitar arbitrariedades nas de-cisões judiciais, oferecendo respostas para questão de várias possibi-lidades de aplicação do direito. O direito arquitetaria uma estrutura dentro da qual estariam contidas as várias possibilidades de aplica-ção. Portanto, o grande problema jurídico atualmente é garantir que as decisões jurídicas sejam fundamentadas racionalmente mesmo quando o Direito positivo não oferecer uma solução imediata e satis-fatória para o caso concreto.

Existem vários tipos de discussões jurídicas, sendo traçadas aqui algumas delas: deliberações judiciais, debates no tribunal, tra-tamento jurídico de questões legais através da própria legislação ou por meio de comitês, discussões entre questões legais entre estudan-tes, advogados, ou pessoas juridicamente qualificadas na indústria ou na administração, debates sobre problemas jurídicos que estão na mídia, onde assumem forma de argumentos legais (ALEXY, 2001). A argumentação jurídica exige que o operador do direto ou a pessoa que necessita argumentar juridicamente algo não somente opere o direito, mas sim pense o direito, afinal resolver cotidiana-mente as minúcias de cada caso concreto, não é tarefa fácil, pois algumas discussões permite chegar a conclusões em certo limite de tempo, outras nem tanto. Algumas resultam em decisões comprome-tedoras, conseguindo servir de base para outros casos semelhantes, outras apenas sugerem soluções ou apenas estabelecem bases para críticas sobre determinadas decisões.

Existem diversos tipos de discussões jurídicas, as quais possuem em comum a utilização de argumentos é jurídico. O discurso jurídico visa caracterizar o seu relacionamento com a lei válida (ALEXY, 2001).

Contudo, a teoria da argumentação jurídica se caracteriza pelo fato de as convicções fáticas e normativas, assim como os inte-resses podem ser modificadas, em virtude dos argumentos apresenta-dos no curso do procedimento (ALEXY, 1985, p. 47).

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Uma teoria de justiça...

Esse processo demanda uma dialética incessante do jurista com a realidade social e, de modo geral, aqueles que conseguem desenvolver essa aptidão são frequentemente reconhecidos por sua capacidade e respeito à “função do direito”.

No contexto da discussão jurídica nem todas as questões estão abertas ao debate, pois, possuem certas limitações. A exten-são dos limites vai do interesse de cada participante, tendo em vista que cada um quer o que seja melhor para o seu processo, não se preocupando, desta forma, comum resultado justo, mas sim, o mais vantajoso (ALEXY, 2001). Tendo em conta que a argumentação jurídi-ca possui limites, mesmo que o Direito possua um amplo sistema de normas (regras e princípios) e procedimentos, talvez isso não garanta que, em cada caso, se possa chegar a uma única resposta correta. Desta forma permitirá que os participantes cheguem a soluções in-compatíveis entre si, mas racionais, pois foram fundamentadas dis-cursivamente (ALEXY, 1988, p. 29).

Deve-se ter em mente que nem todas as regras da teoria argumentativa serão cumpridas de modo semelhante e em sua pleni-tude, pois cada caso deverá ser analisado conforme a conveniência mais favorável (ALEXY, 1988, p. 31).

Desta forma a verdadeira essência do discurso jurídico se perde em meio aos processos judiciais, pois este tem como objetivo um comportamento judicial justo, que se preocupa com as futuras decisões de casos semelhantes em questões práticas.

Ao contrário do que acontece com o discurso prático geral e com o discurso jurídico, a norma jurídica e o procedimento ju-dicial possuem caráter institucional, ou seja, estão regulados por normas jurídicas, garantindo que a chegada de decisões definitivas (ALEXY, 1988, p. 31, 33). “É possível apontar primeiro para o fato de que existem deliberações jurídicas que envolvem longa e intensa discussão sobre a correção de uma decisão e que são, além disso,

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entendidas pelos participantes como uma busca pela decisão corre-ta.” (ALEXY, 2001, p. 215).

Na opinião do autor da presente obra, a teoria da argumen-tação jurídica é um caso especial do discurso prático geral, pois no discurso jurídico se discute questões práticas, assim como se busca uma pretensão de justiça, sempre lembrando que isso se faz dentro de uma limitação de possibilidades. Não quer dizer que uma determi-nada argumentação deva ser racional e sim ela deve ser fundamenta-da nas molduras dos ordenamento jurídico vigente. Desta forma, entende que o discurso prático ou o enunciado nor-mativo, somente será correto se for resultado de um procedimento (ALEXY, 1985, p. 45). Existem diversas interpretações do procedimen-to: as pessoas que participam dele, às condições que se impõem ao procedimento, à peculiaridade do processo de decisão.

No que se refere as pessoas, podendo se tratar somente de uma ou de várias pessoas ou então de um grupo bastante considerá-vel. A teoria do discuso se concretiza pelo fato de, no procedimento, poder participar um número ilimitado de pessoas, na situação em que eles realmente existem. Às exigências, podem ser formuladas como requisitos ou como regras. A teoria do discurso pode ser formulada integralmente por meio de regras (ALEXY, p. 47, 1985).

Quanto ao processo de decisão pode incluir ou não a possibi-lidade da modificação das convicções normativas das pessoas, parti-cipantes desde o início do procedimento.

Alexy ensina, que para fundamentar as regras do discurso em casos práticos racional geral, é desnecessário regras teóricas, para isso quatro caminhos são possíveis.

O primeiro consiste em considerar regras técnicas, isso quer dizer regras que dizem como chegar a determinados fins.

O segundo é a fundamentação empírica, tem o intuito de mostrar que determinadas regras vigoram de fato, ou então que os

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resultados, produzidos de acordo com determinadas regras, corres-pondem às convicções pessoais existentes.

O terceiro ponto se mescla com os dois outros caminhos, é da fundamentação definidora e consiste em analisar as regras que definem o jogo de linguagem. Finalmente o quarto caminho que pode ser chamado de “pragmático universal”, consiste em mostrar que a validade de determinadas regras é condição de possibilidade da comunicação linguística. Uma variante de menos força, que o au-tor aceita desse modo a fundamentação consiste em mostrar que a validade de determinadas regras é constitutiva da possibilidade de determinadas atos e fala, que se renunciarmos a esses atos de fala, abandonamos formas de comportamento especificamente humanas (ALEXY, 2001).

Além disso, pode ser aceitável que procedimentos judiciais também tenham a função de isolar o ocorrido como fonte de pro-blemas a estabelecer a ordem social independente de concordância (ALEXY, 2001, p. 215).

Comumente, as partes não desejam convencer uma à outra, pois seria impossível, falar de um modo que todo ser racional teria de concordar com seu ponto de vista de outrem. As pessoas envolvidas acreditariam apresentar argumentos que obteriam concordância em condições ideais. Deve-se lembrar que a argumentação jurídica no tribunal é fundamentalmente diferente daquela que argumentação que visa um acordo (ALEXY, 2001, p. 216-217).

O juiz deve é argumentar a sua decisão. O jurisdicionado deve convencer não por uma presunção de que o peso da correção repousa no fato da maioria ter decidido. Tem sua legitimidade argu-mentativa, a presunção de que aquela situação teve a maior dedi-cação argumentativa possível ao decidir aquele caso concreto. Este deve demonstrar se usou a forma mais forte ou mais fraca para che-gar àquela decisão, ou seja, a regra do “uso das palavras” (ALEXY, 2001, p. 220-221).

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Dessa forma, os juízes e tribunais têm de convencer as partes e a população em cada julgamento de que aquela foi a melhor e mais justa forma de decisão. O autor refere que há dois tipos de regras e formas do discurso jurídico: afirma, usando o caso da Lei em vigor na República Federativa da Alemanha, e, sem dúvida, em outros países, os juízes têm o dever de justificar suas decisões (ALEXY, 2001).

Tendo em vista a alteração social que ocorre constantemen-te, se faz obrigatório o uso da argumentação jurídica. Sem ela os juízes e profissionais da área jurídica estariam bitolados a cumprir rigorosamente a Lei vigente em seu Estado de direito. Os direitos in-dividuais e coletivos devem ser reivindicados de forma a demonstrar a importância daquele direito fundamental ou princípio constitucio-nal que deve ser concedido.

A exigência da justificação e a da correção ligada a Lei, pode, ao menos que se refere às decisões judiciais, ser justificada além disso através da lei positiva. Os juízes têm o dever de justificar as suas decisões (ALEXY, 2001). A justificação de decisões pretende cumprir a universalizabilidade dos direitos e garantias do ser huma-no. Podendo ser chamada assim de “regras e formas de justiça for-mal”. “Esse talvez seja o aspecto mais importante da exigência da justificação interna. É tarefa da justificação externa justificar essas premissas que não podem ser derivadas diretamente da lei positiva.” (ALEXY, 2001, p. 223).

A justiça formal e o princípio da universalidade andam em compasso, pois visam tratar todas as pessoas que estão em uma mes-ma situação de forma igual (ALEXY, 2001, p. 219).

Nesse sentido, nenhum orador pode se contradizer; todo ora-dor só pode afirmar aquilo em que ele próprio acredita; todo orador que aplique um atributo X a um objeto Y, deve estar disposto a apli-car X também a qualquer outro objeto igual a Y, em todos os aspectos relevantes; todo orador só pode afirmar aqueles juízos de valor e de dever que afirmaria também em todas as situações iguais, em todos

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os aspectos relevantes e por fim, demostra que oradores diferentes não podem usar a mesma expressão com significados diferentes, caso contrário o princípio da universalizabilidade não estaria sendo aplica-do (ALEXY, 2001, p. 222).

Essas regras buscam não entrar em contradição entre nor-mas, buscam clareza, universalidade entre os enunciados normativos e valorativos e o uso da linguagem, portanto podem ser chamadas de “regaras e formas de justiça formal” (ALEXY, 2001, p. 223). A primeira é a justificação interna. É uma forma mais acessível, ou seja, para que haja fundamentação de uma decisão jurídica é pre-ciso ser apresentado pelo menos uma norma universal, assim como outras proposições. Desta forma se faz necessário dizer que quando a incerteza aparece diante do caso concreto, é preciso levantar um ponto que considere mais importante no caso que está sendo tratado, articulando o maior número possível de possibilidades para o desen-volvimento da justificativa (ALEXY, 2001, p. 218-219).

A ideia da construção de uma teoria da argumentação para o direito e do reconhecimento de que o juiz não decide exclusivamente com base na capacidade de extrair logicamente conclusões válidas, baseado no modelo de raciocínio dedutivo ou “silogismo jurídico”. Ou seja, no atual modelo jurídico, o silogismo jurídico, se mostra uma forma ultrapassada. Mas deve julgar mesmo na ausência desses pres-supostos lógicos, naqueles casos em que não é claro o método que utilizará para argumentar racionalmente.

A exigência da justificação interna por parte do julgador, não é em vão pois, visa demonstra de qual lei positivada o julgador che-gou a tal decisão, contribuindo assim para a justiça e a segurança jurídica (ALEXY, 2001, p. 224). Também traz a teoria da justificação externa, tendo como premissas de aplicabilidade as regras da lei po-sitivada, afirmações encontradas em casos práticos e afirmações que não são nem lei positiva nem afirmação empírica.

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Para aplicar as afirmações que não são leis positivadas nem afirmações empíricas, deve-se usar métodos das ciências empíricas até a máximas de presunção racional às regras que possuem encargo de prova. Então a argumentação jurídica e a argumentação legal é utilizada para justificar casos que não são nem empíricos e nem lei positiva (ALEXY, 2001, p. 225).

O autor considera os três procedimentos de justificação su-prarreferidos de extrema importância, como se pode ver:

Isso é de particular importância, onde houver limitações constitucionais entre critérios de validade, por exem-plo, uma lista de direitos fundamentais. A argumentação jurídica pode ser de decisivo significado não só na in-terpretação da norma válida mas também ao estabele-cer sua validade. Certamente, isso também é verdadei-ro para o estabelecimento de fatos empíricos. (ALEXY, 2001, p. 225).

A segunda é a justificação externa. Se refere as justificações a partir de premissas. Para Alexy (2001, p. 225), estas justificativas podem ser de três tipos: regras da lei positivada (tendo como requisito mostrar a sua validade de acordo com os critérios do sistema), enun-ciados empíricos (algo que não está escrito, que se baseia na prática) e premissas que não são afirmações nem regras da lei positiva.

Destaca-se que a argumentação empírica é reconhecida por Alexy como tendo uma relevância muito grande tanto na argumenta-ção prática geral, quanto na argumentação jurídica.

Regras e formas da interpretação externa possui maneiras de argumentações individuais: O autor usa cinco grupos de argumentos interpretativos: argumento semântico, argumento genético, argu-mento histórico, argumentos comparativos e argumento sistemático (ALEXY, 2001, p. 225):

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Interpretação semântica: é a necessidade de justificar, criticar ou mostrar que uma interpretação é permitida no caso apresentado; 2) Argumento genético: se justifica uma interpretação que corresponde a vontade do legislador em face de um grupo de normas aplicável ao caso.3) Argumentos históricos: é usado para dar exemplo, atra-vés de um caso semelhante que já foi objeto de julgamen-to, pode ser usado a favor ou contra ao caso apresentado. 4) Argumentos comparativos: faz referência não só a algum estado legal de coisas do passado, mas muito mais a algum estado de outra sociedade. 5) Argumento sistemático: é uma expressão usada como referência tanto para a posição de uma norma no tex-to jurídico, quanto para a relação lógica e teológica de uma norma com outras normas, objetivos e princípios (ALEXY, 2001, p. 231-232).

Alexy menciona que os argumentos que exprimem uma liga-ção com o teor literal da lei ou com a vontade do legislador histórico prevalecem sobre as demais. A determinação do peso de argumentos de formas diferentes deve ocorrer segundo regras de ponderação. É preciso levar em consideração todos os argumentos que for possível apresentar, e que possam ser incluídos pela sua forma entre os câno-nes da interpretação. “Quanto as regras da argumentação dogmática, o autor concede uma enorme importância à dogmática jurídica, pois entende que às normas estabelecidas e a aplicação do direito estão numa relação de coerência mútua entre si.” (ALEXY, 1978, p. 246).

Os cânones possuem um papel importante no discurso jurí-dico, pois são um “esquema de argumento” dando a essa uma carac-terística especial à sua estrutura. De qualquer forma, cabe salientar que nem sempre a atribuição a decisão racional dos participantes no argumento significa que a determinação entre cânones sempre seja aberta e tenha de ser realmente analisada novamente em cada caso, pois os participantes do discurso devem (ALEXY, 2001, p. 239).

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A dogmática jurídica possui um papel respeitável no campo do discurso jurídico ou dogmática legal. Quando essas são aplicadas, significa dizer que a lei em vigor está sendo usada, também é capaz de fazer uma análise conceitual e sistemática, assim como é capaz de elaborar propostas sobre a possível solução para o problema jurídico (ALEXY, 2001, p. 241). Desta maneira, para aquele que somente a vontade do legislador constitui a lei no sentido estrito, os argumentos práticos gerais representarão um papel bem diferente do que para as pessoas cuja concepção da lei seja primeira e principalmente a orde-nação racional da existência humana (ALEXY, 2001, p. 242).

A dogmática jurídica possui conteúdo normativo, sendo as suas proposições adiantadas como argumento pra decidir questões que não podem ser respondidas por referência a apenas argumentos empíricos. Está ligada a uma classe de proposições que se relacio-nam com normas atuais e lei que não são idênticas à descrição das mesmas, mas possuem alguma ligação ou semelhança, e pertencem a uma ciência jurídica institucionalmente organizada, possuindo, desta forma conteúdo normativo (ALEXY, 2001, p. 245).

A dogmática oferece o conceito jurídico autentico, dando um exemplo básico e clássico: são aqueles presentes nos contratos, nos atos administrativos, e na autodefesa. Quanto ao conteúdo, dependerá da norma e solidez jurídica que regem tais atos (ALEXY, 2001, p. 246). Desta forma o conceito jurídico autêntico tem conteúdo normativo.

Outra esfera de proposição dogmática consiste nas descri-ções e designações de estados de coisas cujo estabelecimento, térmi-no, ou preservação é suposto ser o propósito de normas individuais ou de grupos de normas bem como determinações de relações prioritá-rias entre o estado das coisas. Também a formulação de princípios faz parte de uma classe final. Os princípios são proposições normativas de um alto nível de generalidade. Necessariamente estão sujeitos o grupo de normas vigente e sujeitos a restrições por parte de outros princípios normativos (ALEXY, 2001, p. 248).

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Sendo assim, a aplicabilidade das proposições da dogmática será feita apenas por proposições empíricas, ou por adição de for-mulações da norma jurídica positiva e se através da sua aplicação restar dúvidas, o discurso prático geral deve ser justificado, pois ela deve ser sistematicamente passar por um exame tanto no sentido es-trito quanto no sentido mais amplo. A dogmática possui a função de estabilização pretendendo reter as soluções particulares para questões práticas para que possam ser auferidas para outros casos concretos apresentados futuramente (ALEXY, 2001, p. 253). Esse ponto é muito importantes, tendo em vista a vasta possibilidade discursiva. Lembran-do que esse discurso não pode violar o discurso prático geral e jurídico, pois desta forma entraria em contradição com o princípio da universa-lizabilidade de um aspecto elementar do princípio da justiça.

Quanto ao uso de precedentes, Alexy (2001, p. 258) demons-tra que a importância dos precedentes é amplamente reconhecida, sendo que a discussão se concentra em torno de sua posição teórica, ou seja, se deve ser considerado com uma fonte de lei ou não. A utili-zação do precedente seria um método de argumentação “[...] reque-rido por motivos práticos gerais (o princípio da universalizabilidade / a regra sobre o encargo do argumento) e é racional até esse ponto.” (ALEXY, 2001, p. 262)

Alexy se questiona: é possível uma argumentação jurídica ser racional? Obter uma resposta positiva seria muito útil para re-solver casos concretos de difícil resolução, onde envolvam valores, princípios, normas, etc.

A Explicação do conceito de argumentação jurídica ra-cional neste exame consiste na apresentação de um número de regras que a argumentação tem de seguir e de um número de formas que a argumentação tem de assumir, se é para tornar boa a exigência implícita nela. Quando uma discussão está de acordo com estas regras e formas, então o resultado oferecido por ela pode ser

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chamado de ‘correto’. As regras e formas do discurso jurídico assim constituem um critério para a correção das decisões jurídicas. (ALEXY, 2001, p. 273).

A racionalidade de um discurso prático poderia ser mantida

ao serem cumpridas as condições expressas por um sistema de regras ou procedimentos destinados a casa caso específico.

Alexy trata a argumentação jurídica como um instituto de peculiaridades institucionais que a caracterizam, tais como a Lei, o precedente e a dogmática jurídica. O autor classifica a teoria da ar-gumentação jurídica em quatro níveis: discurso prático geral, o pro-cedimento legislativo, o discurso jurídico e o procedimento judicial. Mesmo com estes quatro pontos citados acima, eles por si só não são capazes de realizar um resultado preciso.

Alexy (1989, p. 306) alerta para a ideia de que estes atos po-dem oferecer tanto vantagens quanto desvantagens, de modo que é pre-ciso combiná-los. A fundamentação pragmático universal fornece, por assim dizer, a base para a fundamentação das regras do discurso.

Tais regras também possuem razões que definem as condi-ções mais importantes da racionalidade do discurso. A primeira pode ser considerada “regra geral de fundamentação”, e as outras três contêm os requisitos da situação ideal de fala, isto é igualdade en-tre direitos, universalidade e não coerção. Com relação a questões práticas, essas regras só são cumpridas de modo aproximado: elas definem um ideal, do qual se deve aproximar por meio da prática e de medidas organizadoras. Se reportando novamente as fórmulas de Alexy, este por sua vez diz que: todo discursista deve, quando lhe é solicitado, fundamentar o que afirma, a não ser quando puder dar ra-zões que justifiquem a recusa a uma fundamentação. Todo ser huma-no pode participar do discurso podendo problematizá-lo, expressando seus desejos e necessidades. A nenhum discursista pode impedir de

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exercer, mediante coerção interna ou externa ao discurso. As regras devem se submeter a carga da argumentação jurídica.

O uso irrestrito das regras, principalmente a que se refere de que “[...] todos podem problematizar qualquer proposta”, poderia levar ao bloqueio da argumentação. É preciso buscar meios técnicos para levantar debates e novas hipóteses (ALEXY, 1988, p. 26). Alexy cogita que é necessário estabelecer igualdade de todos os participantes do discurso, e oferece uma proposta, dizendo que quem pretende tratar uma pessoa de maneira diferente da maneira adotada para a outra pessoa, deve, obrigatoriamente fundamentar a atitude. Da mesma forma que se atacar uma norma que não é objeto de discus-são, deve dar uma razão para isso. Quem apresenta argumentos só está obrigada argumentar novamente se houver contra-argumentos.

Robert Alexy divide as formas de argumentação e discurso prático em duas maneiras: a primeira se define em caso concreto, regras e consequência. As regras anteriores deixam um campo de dú-vidas muito amplo, desta forma deve-se levar em conta as diferentes percepções que cada orador possui sobre o caso e também às opini-ões comuns a obter no discurso (ALEXY, 2001).

a) Toda regra pode ser ensinada de forma aberta e geral.b) As possíveis resoluções de cada caso concreto pode ser

usada para os demais casos, cujo o interesse seja igual.

Enfim, o autor alerta para a última regra do grupo que trata de garantir que se possa cumprir a finalidade do discurso prático, que não é outra senão a resolução das questões práticas existentes de fato, que seria respeitar os limites de possibilidade de realização do fato concreto. Também o uso da argumentação dogmática e atribui a ela as seguintes funções:

- Estabilização, uma vez que fixa durante longos períodos de tempo determinadas formas de decisão;

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- Progresso, pois amplia a discussão jurídica em sua dimen-são temporal, de objeto e pessoa;

- Descarga, tendo em vista não ser necessário voltar a discu-tir tudo a cada vez;

- Técnica, através da apresentação unificada e sistemática da matéria. Serve como informação e promove o ensino e a capaci-dade de transmissão;

- Controle, ao permitir decidir casos, referindo-os aos já de-cididos e aos por decidir, acrescentar a eficácia do princípio da uni-versalidade e da justiça;

- Heurística, as dogmáticas contém modelos de solução e sugerem novas perguntas e respostas (ATIENZA, 2000, p. 271).

Quanto aos precedentes, estes possuem muita semelhança com a argumentação dogmática. O uso de precedente é justificável, do ponto de vista da teoria do discurso porque o campo do discursiva-mente possível não poderia ser preenchido com decisões mutáveis e incompatíveisentre si. O uso de precedentes nada mais é do que apli-car a norma, sendo a aplicabilidade da norma um princípio universal (ALEXY, 2001).

Mas não se pode dizer que seja obrigado a seguir preceden-tes, tendo em vista que desta forma a argumentação deve ter um peso maior. Para Alexy, quando for possível o uso de precedentes a favor ou contra uma decisão, isso deve ser feito. No entanto, quem quiser se afastar dos precedentes assume a carga da argumentação (ALEXY, 1978, p. 270).

A teoria da argumentação jurídica nada mais é do que um procedimento para o seu tratamento racional. E aqui, cada convic-ção normativamente relevante é um candidato para uma modificação baseada numa argumentação racional (ALEXY, 1985). Assim, ele tam-bém considera muito importante a possibilidade do objeto de uma discussão racional ser modificada no desenvolvimento do discurso,

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pois desta forma permite a eliminação de deficiências existentes num momento temporal anterior.

Alexy (1988, p. 143) demonstra um conceito diferente entre regra e princípio. As regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem apenas ser cumpridas ou descumpri-das. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que ela ordena, nem mais nem menos. As regras possuem determi-nações no campo do que é fática e juridicamente possível. Enquanto os princípios podem receber uma carga de argumentação racional equivalente ao fato em que ele está enquadrado.

A aplicação das regras é por subsunção, ou seja, é o enqua-dramento do caso concreto à norma jurídica. Os princípios por sua vez, são normas que ordenam a realização de algo na maior medida possível, relativamente às possibilidades jurídicas e fáticas. Os prin-cípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se carac-terizam por poder ser cumpridos em diversos graus (ALEXY, 1988, p. 143). Deste modo, a forma característica de aplicação dos princípios é a ponderação.

As condições sob os quais um princípio prevalece sobre outro formam um caso concreto de uma regra que determina as consequ-ências jurídicas do princípio prevalecente (ALEXY, 1988, p. 147).

A ponderação deve ser aplicada àquele princípio que mais está sendo desvalorizado, ou seja quanto mais alto for o grau de des-cumprimento ou de desprezo por um princípio, tanto maior deverá ser a importância do cumprimento do outro (ALEXY, 1988, p. 147). O sistema prima facie é a prioridade estabelecida de um princí-pio sobre outro, podendo ser modificado no futuro. Mas quem preten-der modificar essa prioridade se encarrega da importância da prova. Em relação a possibilidade jurídica, a obrigação de otimização corresponde ao princípio da proporcionalidade que exprime na lei da ponderação. Já as possibilidades fáticas preveem a passagem do campo da subsunção e da interpretação para o da decisão racional.

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Este modelo de Direito em três níveis (regras, princípios e procedimento) não garantem que sempre será alcançado uma única resposta correta para cada caso, mas é o que leva a um maior grau de racionalidade incorporado no direito moderno e, em particular, no direito de um Estado democrático e constitucional.

Alexy diz que o participante do discurso jurídico deve ar-gumentar de maneira que todos acreditem que exista apenas uma resposta correta para o caso (ALEXY, 1988, p. 151).

2.2 A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E QUESTÕES PRÁTICAS

A utilização da Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy para a concretização de um direito fundamental que esteja sendo discutido em um caso concreto, deve ser manifestada através de uma metodologia adequada, com destaque a utilização de princí-pios, assim como a interpretação, por meio dos juízes e tribunais, das normas produzidas pelo poder legislativo.

Hodiernamente, em meio a tantas transformações nas so-ciedades e crises por toda parte do mundo, conceder um direito de forma única e exclusiva como está descrito pelas legislações seria algo que por muitas vezes não atenderia as necessidades das partes que pleitam os seus direitos fundamentais.

Atualmente a resolução dos hard cases não é mais possível apenas com a subsunção da lei e da hermenêutica atual. O uso de regras e princípios devem estar cada vez mais presentes nas soluções de casos de difícil reparação. Através da constitucionalização do di-reito, os princípios foram parar em um patamar mais elevado opor-tunizando uma melhor analise sobre esses princípios fundamentais.

Atienza (2000, p. 18) alerta que a argumentação jurídica não possui uma resposta fácil, precisa e imediata. A argumentação deve atingir três campos: 1) a produção de normas; 2) a aplicação das nor-mas; 3) a dogmática jurídica.

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Ao longo dos estudos da teoria da argumentação jurídica per-cebe-se que a aplicação da norma por si só não é o suficiente para con-cretizar um direito em casos de difícil reparação. Também é necessário uma boa argumentação jurídica com base em princípios constitucionais de um Estado democrático de direito e/ou universais.

A dogmática jurídica é um critério auxiliar no processo de toma-da de decisões. De forma que argumentativa, será capaz de analisar quan-do u norma ou um princípio devem ser aplicados em um caso concreto.

Para o autor, a teoria busca a justeza das normas utilizadas na legislação de uma nação, pois o cotidiano dos operadores do direito é aplicar a norma mais favorável e pertinente ao coso concreto.

Nos casos difíceis a busca pela solução justa é uma tarefa pesada, tendo em vista que muitas vezes as normas existentes não são suficientes para um veredito justo.

A dignidade, a moral, a valoração das políticas sociais, os direitos fundamentais devem fazer parte do cronograma de uma de-cisão judicial, assim como de uma tese de defesa de direitos. E, neste caso a argumentação jurídica se enquadra perfeitamente. Essa, cria forças quanto a lógica formal ou dedutiva, as quais são substituídas pela razão prática que tem por objetivo proporcionar o controle da racionalidade das decisões judiciais.

A teoria da argumentação jurídica permite que o operador do direito se utilize de vários instrumentos até chegar a uma decisão adequada e justa, pois para o autor, quanto mais injusta a situação mais fácil será o reconhecimento de qual direito deve prevalecer através do uso da ponderação e sopesamentos dos mandados de oti-mização e normas.

Nos hard cases haverá a colisão de normas válidas, e é nes-ses casos que a argumentação jurídica deve apostar na elucidação de princípios colidentes para que o julgador, racionalmente utilize o mais digno em sua decisão. Exemplo disso são as moradias irregulares nas invasões de áreas públicas. Neste caso existe dois direitos funda-

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mentais em colisão. O primeiro é o direito à moradia digna e o segun-do o direito coletivo de preservação das áreas públicas. A pergunta pode surgir se o segundo direito é ou não um direito fundamenta. Poderia ser afirma a pergunta, pois dentro das áreas públicas podem existir vários outros direitos fundamentais, como por exemplo, o la-zer, o meio ambiente, a saúde, etc.

Quanto o direito à moradia irregular, ato que fere integral-mente a dignidade da pessoa humana, pode-se observar através das palavras que seguem abaixo:

A moradia irregular, representa, para seus moradores, a exclusão da cidade legal. A falta de titularidade do imóvel é um dos indícios de precariedade da moradia. A falta de infraestrutura, o serviço público precário e a ausência quase total do poder público local reforçam a condição de exclusão dosmoradores. (D‟OTTAVIANO, 2010).

Fazendo referência as áreas públicas que são invadidas por pessoas de renda muito baixa, que não possuem conhecimento se aquela área pode ou não ser habitada ou de quem é a propriedade daquele imóvel, menciona-se o autor abaixo:

Até hoje não se tem noção das terras pertencentes ao Estado pelos vários mecanismos existentes até mesmo as terras devolutas definida na Lei de Terras não foram dis-criminadas. Isso denotava o quanto o processo de apro-priação fundiário predatório era extenso e, ao mesmo tempo, quão fraco era o Estado e o ambiente institucio-nal para imporem restrições à obtenção de terras públi-cas através da figura da posse. (REYDON, 2007).

Já que o tema abordado também envolve bens públicos, cabe aqui conceituá-lo, nas palavras de Di Pietro (2004): São bens públicos aqueles bens que podem ser utilizados por todos, em igual-

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Uma teoria de justiça...

dade de condições, seja por determinação legal, seja em razão da sua natureza física.

Desta forma acima descrito, pode-se observar mais de um di-reito fundamental em colisão, o que transforma o caso concreto em uma faca de dois gumes, pois sabe-se de que em modo abstrato ne-nhum direito fundamental pode se sobrepôr ao outro. Já em uma hard case como esse, algum dos direitos colidentes deverá ceder para que a dignidade humana seja priorizada.

Na obra do autor se encontra a possibilidade da valoração, onde, em que medida são necessárias valorações, assim como deve ser determinada a relação dessas possibilidades com o método de interpretação e com os enunciados e conceitos da dogmática jurídica chegando a uma racionalidade fundamentada e justificada (ALEXY, 2005).

Desta forma a moral deve prevalecer e ainda o aplicador do direi-to deve levar em conta as valorações moralmente corretas. A moral correta deve estar sustentada pela lei fundamental em vigor.

Sobreleva-se que o juiz deve sempre respeitar a lei vigente em seu país. Mas diante dos casos difíceis, em que ocorre a colisão de direitos e princípios, a expansão para uma análise mais aprofundada e racional pode existir.

Alexy (2001, p. 3) afirma que o juiz, diante de casos difí-ceis e como um operador do direito deverá resolver um problema de política jurídica, através da argumentação jurídica como discurso racional.

Diante do exposto, Leal (2015) doutrina que:

É obvio que a ausência de igualdade material no âmbito não só do acesso da informação e dos instrumentos de participação, mas também das condições de operar com estes dados (cidadão que não tem condições cognitivas, intelectuais, de saúde, alimentares, de discernimento para participar efetivamente do debate público e sobre

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ele manifestar sua vontade autônoma), gera relações interlocutivas coatadas, configuradas por monólogos au-toritários e manipuladores.

O balanceamento de normas, importância, validade ou vi-gência dos princípios no sistema jurídico não é automático, mas sim o juízo de valor na atribuição de sentido da norma ao caso concreto.

Em casos muito complexos, a flexibilidade do sistema jurídico se faz necessário a argumentação jurídica, pois a instabilidade mate-rial que a reserva legal proporciona, gera insegurança jurídica, mes-mo que a norma a priore pareça suficiente para a solução do caso. 3 A NOÇÃO DE JUSTIÇA NA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍ-

DICA DE ROBERT ALEXY

A Teoria da Argumentação Jurídica visa demonstrar a possibili-dade, validade e a importância de uma fundamentação racional ao caso jurídico requisitando regras e formas para a sua aplicabilidade.

As decisões políticas e jurídicas, em um Estado Democrático de Direito devem satisfazer racionalmente os interesses das partes envolvidas no discurso, mediante um juízo de ponderação de princí-pios apresentados nos argumentos, mas sempre respeitando a auto-nomia de cada parte envolvida no caso.

A argumentação jurídica deve obedecer a regra formal e ma-terial. A regra formal diz respeito ao procedimento de aplicação e a regra material analisa o conteúdo de interesse social que será argu-mentado. A dúvida é de como o discurso prático pode ser racional: Parte-se do ideal de um discurso, para uma análise sem en-volver a emoção, um discurso guiado pela realidade, por meio da justificação externa e interna trazida pelo autor.

Cabe lembrar que quando o caso prático envolve o ser hu-mano, ele deve ser normativo, devendo a decisão sobre o caso ser

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Uma teoria de justiça...

racional e correta. Quando o assunto for tratado de forma sistemá-tica, cumprindo as condições, critérios ou regras, o consenso será obtido com êxito, de forma argumentativa, tornando a decisão justa, correta e racional, tendo em vista a racionalidade da argumentação, tornando assim molde para outras decisões semelhantes no âmbito universal.

As considerações tecidas acima, não quer dizer que será um discurso permanente e imutável, pois a qualquer momento a verdade conferida pode ser questionada ou negada, desde que o contestador argumente de maneira formal e material com novos argumentos. A verdade obtida pode ser modificada e elaborada uma nova verdade sobre aquele tema, desta forma o caráter conferido a essa verdade é provisório.

Para que ocorra um discurso racional, justo e correto, não será necessário que o enunciado normativo cumpra integralmente todos os discursos. Pode chegar a uma proximidade que considere adequada para a obtenção da decisão racional adequada e se for questionada sobre o argumento, daí sim terá de buscar o restante das ferramentas jurídicas para enriquecer a argumentação.

Alexy diz que qualquer orador pode tomar parte de um dis-curso, e se este obter um resultado correto, justo e racional deve-rá aplicá-lo a outros casos semelhantes, obedecendo a evolução da história da sociedade. Desta maneira a pessoa que tomou parte do discurso aplicará as regras fundamentais do princípio da universali-dade que na verdade nada mais é do que os princípios da igualdade e isonomia entre os homens.

Destarte, acredita-se que adotando o método do discurso prático geral e o discurso jurídico é possível chegar a uma racionali-dade aplicável aos casos concretos de difícil solução.

O discurso jurídico trata do direito vigente aplicável ao caso existente e deve se submeter a regras, normas e regulamentações. Dessa forma é racional por permitir condições que o limitam e que

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o corrijam. Também é racional por estar fadado no campo da lei, da dogmática e de precedentes jurídicos. Diante disso a aplicação da argumentação jurídica é mínima.

Admite-se que um Estado Democrático de Direito é neces-sária a positivação de um discurso jurídico para que a jurisdição não seja parcial. A afirmação de que a Teoria da Argumentação Jurídi-ca possui uma Teoria de Justiça e que esta faz parte de um Estado Democrático de Direito neoconstitucionalista é admitida, tendo em vista que muitas vezes a aplicação do silogismo jurídico não é a única forma adequada para a solução de casos concretos de difícil repara-ção. Deve-se lembrar que nem sempre o ordenamento jurídico de um Estado Democrático é capaz de acompanhar a evolução histórica da sua sociedade, assim como as necessidades desse povo que podem mudar rapidamente.

Contudo, a observação externa do discurso prático geral se faz necessário para que a solução racional e justa seja encontrada e aplicada. Da mesma forma que possa servir para outros casos seme-lhantes que surgirem.

No método da justificação externa a argumentação jurídica possui grandes vantagens pois o uso da interpretação da argumen-tação dogmática, do uso de precedentes e das formas especiais de argumentação jurídica, recebem a oportunidade de traze para o caso concreto todos as formas argumentativas, como o uso da ponderação de princípios e a necessidade daquela sociedade ou pessoa que bus-cará o seu direito.

Dentre as possibilidades de argumentação existe a argumen-tação empírica, a qual permite trazer outros casos semelhantes para dentro do discurso. Também os Cânones hermenêuticos permitem que as crenças teológicas e a história de outros tempos podem auxi-liar na construção da argumentação.

A possibilidade do uso de regras pragmáticas e de prece-dentes jurídicos contribui de forma fática e teórica na aplicação do

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direito. Sempre que houver a intenção de corrigir algo que está sen-do citado através da carga argumentativa, aplicando dessa forma o princípio da universalidade com o mesmo tratamento aos iguais e/ou semelhantes.

Deste modo, a afirmação da existência de uma Teoria de Justiça dentro da Teoria da Argumentação Jurídica é concretizada. Por conseguinte, a junção e a aplicação das justificações internas e externas do discurso jurídico, a promoção da legalidade no Estado Democrático de Direito será realizado.

À vista disso, a Teoria de Justiça se realiza com a aplicação e concretização do princípio da universalidade também conhecido como princípio da igualdade. A decisão justa é obtida através da racionalidade, a qual é encontrada por meio da argumentação jurídica.

4 CONCLUSÃO

O neoconstitucionalismo promoveu, aos direitos fundamen-tais, um reconhecimento significativo fazendo com que a possibilida-de de uma análise aprofundada e aprimorada de casos concretos que envolvam direitos humanos fundamentais ocorresse.

O crescimento econômico e cultural das sociedades fazem com que a simples aplicabilidade do silogismo jurídico, muitas vezes não seja o suficiente para que uma solução justa e racional seja al-cançada em casos de difícil reparação. Um juízo de valor deve ser fei-to. O sopesamento de direitos e princípios deve ser aplicado e levado em conta a importância e a necessidade de uma justeza na decisão, pois e casos difíceis, normalmente que está em jogo são direitos hu-manos fundamentais individuais ou coletivo.

Atualmente, pensar e aplicar o direito através de sistema jurídico positivado não é o suficiente para solucionar a questão da objetividade da decisão nos casos concretos.

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Robert Alexy, ante a problemática, construiu a Teoria da Argu-mentação Jurídica, com a finalidade de criar métodos capazes de pos-sibilitar a fundamentação jurídica de uma decisão racional e objetiva.

Alexy considera o pensamento jurídico argumentativo racio-nal razoável e de aplicabilidade processual acessível. Tutela que a conduta humana pode ser racionalizada através da argumentação ju-rídica pensada e aplicada através de direitos fundamentais existentes em determinado ordenamento jurídico.

A teoria da argumentação jurídica adentra a especificidade dos direitos fundamentais, surgindo a argumentação jusfundamental, cujo intuito é o mesmo da argumentação do discurso jurídico em geral, apenas com o detalhamento da busca de garantia de maior segurança, mediante o controle de racionalidade, na justificação do discurso cujo tema sejam enunciados referentes aos direitos funda-mentais, em virtude de sua supremacia axiológica no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. A theory of legal argumentation. Tradução MacCor-mick. Oxford University Press, 1989.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.

ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito – Teorias da Argumentação Jurídica Perelman, Toulmin, MacCormick, Alexy e outros. Tradução Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2004.

D‟OTTAVIANO, Maria Camila Loffredo; SILVA, Sérgio Luís Quaglia. Regularização fundiária no Brasil: velhas e novas questões. Planeja-mento de Políticas Públicas, n. 34, jan./jun. 2010. Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 28 abr. 2016.

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LEAL, Rogério Gesta. Dignidade humana, direitos sociais e não po-sitivismo incluso. Aspectos constitutivos da teoria da argumentação jurídica: a contribuição de Robert Alexy. Florianópolis: Qualis, 2015.

REYDON, Bastiaan Philip. A regulação institucional da proprieda-de da terra no Brasil: uma necessidade urgente. In: RAMOS, Pedro (Org.). Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas. Brasília, DF: MDA, 2007.

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A INCLUSÃO DA PONDERAÇÃO NO NOVO CPC COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA

Marcela Pithon Brito dos Santos Dantas*

Clara Angélica Gonçalves Cavalcanti Dias**

1 DA BREVE DEFINIÇÃO DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMEN-TAIS DE ROBERT ALEXY

O conceito de uma teoria jurídica geral dos direitos funda-mentais da Constituição é desenvolvido por Robert Alexy, que destaca que na condição de teoria de direito positivo, tal teoria se aproxima de uma teoria dogmática do direito, devendo ser destacadas três di-mensões nesta seara, quais sejam, analítica, empírica e normativa.

A dimensão analítica da dogmática se inicia com a análise de conceitos elementares, avançando com as construções jurídicas e de-sembocando no exame da estrutura do sistema jurídico e da própria fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais. Por sua vez, a dimensão empírica da dogmática jurídica é compreendida por duas linhas de intelecção: primeiramente, fala-se em cognição do direito positivo válido para, em seguida, analisar a aplicação de premissas empíricas na argumentação jurídica. Não se pode deixar de destacar que a dimensão empírica não se esgota com a descrição do direito na lei, mas inclui a contribuição da jurisprudência.

A terceira dimensão da dogmática jurídica é a normativa, não se limitando o estudo ao estabelecimento daquilo que, na dimen-___________________________________

* Mestranda em Direito na Universidade Federal de Sergipe; Especialista em Direito Processual: Grandes Transformações pela Universidade da Amazônia; Professora das Cadeiras de Direito Penal da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe; Advogada; [email protected]** Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Advogada; Membro efetivo do Cadastro Basis do MEC/INEP, como ava-liadora de Instituições de Ensino Superior do Brasil; Professora Efetiva Ad-junto de Direito Civil da Universidade Federal de Sergipe.

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Marcela Pithon Brito dos Santos Dantas, Clara Angélica Gonçalves Cavalcanti Dias

são empírica, é elevado à condição de direito positivo válido, mas desempenhando a elucidação e crítica da práxis jurídica, sobretudo a dos tribunais. A ideia central reside em determinar qual a decisão correta em um caso concreto, a partir do direito positivo válido, com a utilização de juízos de valor adicionais.

A dogmática jurídica é um instrumento que busca alcançar uma resposta racionalmente fundamentada para as questões axioló-gicas que foram deixadas em aberto pelo legislador. A Ciência do Di-reito, sobretudo no estágio atual, revela-se nesse contexto como uma disciplina prática que remete ao estudo do dever-ser. As três dimen-sões tratadas revelam o caráter prático da Ciência do Direito, sendo uma condição necessária da racionalidade da ciência jurídica como disciplina prática.

Assim sendo a teoria geral de direitos fundamentais é uma teoria que se ocupa com problemas relacionados a todos os direitos fundamentais, ou a todos os direitos fundamentais de uma espécie, a exemplo de todos os direitos de liberdade, de igualdade ou a presta-ções positivas.

A teoria jurídica geral dos direitos fundamentais integra, de forma ampla, os enunciados gerais, verdadeiros ou corretos, passíveis de aplicação nas três dimensões já referidas, cumprindo esclarecer que algumas teorias são apresentadas como concepções básicas das mais gerais sobre o objetivo e a estrutura dos direitos fundamentais. Em meio a esta definição surge a abstração, circunstância que informa que a teoria não se desenvolve através das três dimensões jurídicas da dogmática; ademais, não se pode esquecer que cada uma das teorias de direitos fundamentais expressa uma tese fundamental e, portanto, unipolar, o que dificulta a compreensão dos direitos fundamentais.

Em contraposição à teoria unipolar, tem-se a teoria combi-nada utilizada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, enten-dimento que recorre a todas as concepções básicas já mencionadas. A crítica que surge é que o referido Tribunal por se utilizar, alterna-

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A inclusão da ponderação...

damente, de diversas teorias de direitos fundamentais como ponto de partida, obsta o reconhecimento de um sistema e, ocasionando ainda em casos concretos, a colisão entre diversas teorias. Assim sendo a teoria dos direitos fundamentais não pode se reduzir a ideias básicas superficiais, seja sob a forma de teoria unipolar, seja sob o a forma de teoria combinada. Apesar de considerar a teoria combinada a mais acertada entre as duas, Alexy acredita que uma teoria integrativa poderia ser útil para exercer um controle sobre os diversos pontos de vista e evitar, assim, que o modelo se reduza a uma simples compilação não vinculante.

Nesse sentido a proposta seria analisar o caminho para uma teoria integrativa que passa por uma teoria estrutural dos direitos fundamentais que, primeiramente, deve ser analítica, tendo como principal material a jurisprudência do Tribunal Constitucional Fede-ral. Essa teoria integrativa tem natureza empírico-analítico e como objetivo central o de alcançar uma decisão correta e uma fundamen-tação racional no âmbito dos direitos fundamentais.

Não se pode ainda desprezar o importante papel da clareza pois que essencial para a estrutura dos direitos fundamentais, sobre-tudo porque a dimensão analítica pressupõe um tratamento lógico do direito. Desse modo, ao reforçar a importância das três dimensões da dogmática jurídica, Alexy defende que a Ciência do Direito somente pode cumprir seu papel prático se for uma disciplina multidimensio-nal, sendo pois necessária a lógica, os valores adicionais e os conheci-mentos empíricos, daí a proposição de uma teoria estrutural em con-sonância com a tradição analítica da jurisprudência dos conceitos. Segundo Alexy, o significado das normas de direitos fundamen-tais para o sistema jurídico é o resultado da soma de dois fatores: a fundamentalidade formal e a fundamentalidade material. A funda-mentalidade formal das normas de direitos fundamentais decorre da posição no ápice da estrutura escalonada do sistema jurídico, como direitos que vinculam diretamente o legislador, o Poder Executivo e o

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Poder Judiciário. Nesse bojo, destacam-se dois modelos constitucio-nais extremos: o puramente procedimental e o puramente material.

Incluem-se entre os direitos do indivíduo em face do legis-lador o direito à proteção contra outros indivíduos e a determinados conteúdos da ordem jurídico-civil, o que evidencia que as normas de direitos fundamentais também possuem aplicação na relação cidadão/cidadão. Para Robert há vantagens e desvantagens na adoção de prin-cípios de nível máximo de abstração, incluindo dentre as vantagens, a flexibilidade, já que os princípios são aplicáveis como pontos de partida para fundamentações dogmáticas das mais diversas. Já entre as des-vantagens, o jurista cita a indeterminação, cenário em que se alimenta uma das formas mais obscuras de fundamentação jurídica: a dedução ou derivação de conteúdos dos princípios abstratos.

Por esses motivos, a aceitação de uma ordem objetiva de valores, sob a forma de princípios objetivos supremos, não é algo em si irracional, mas sim incompleto, até porque pode ser utilizado tanto de maneira racional quanto irracional. E, parra fins da construção do efeito perante terceiros, Alexy demonstra a diferença entre a relação Estado/cidadão e a relação cidadão/cidadão, sendo que na primeira, há apenas um titular de direitos fundamentais (em regra) e na segun-da ambos os sujeitos são titulares de direitos fundamentais.

A fim de demonstrar a equivalência de resultados entre as construções, três teorias merecem destaque: uma de efeitos indire-tos perante terceiros, uma de efeitos diretos e uma de efeitos media-dos por direitos em face do Estado. Para a teoria de efeitos indiretos, os direitos fundamentais, enquanto “decisões axiológicas” ou princí-pios objetivos, influenciam a interpretação do direito privado. No que se refere ao juiz, o efeito irradiador fundamenta o dever de levar em consideração a influência dos direitos fundamentais nas normas de direito privado, quando de sua interpretação.

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A inclusão da ponderação...

Já a teoria de efeitos diretos mantém-se fiel à concepção de que os direitos fundamentais, em sentido clássico e estrito, como direitos públicos subjetivos, dirigem-se somente contra o Estado. Por sua vez, a terceira teoria (efeitos mediados) traduz a relação cida-dão/cidadão como consequência da vinculação do Estado aos direitos fundamentais como direitos públicos subjetivos. Segundo Schwabe, na medida em que cria e impõe um sistema de direito privado, o Estado participa das possíveis violações cometidas por um cidadão a bens de direitos fundamentais de outro cidadão. Para as três teorias, o sopesamento pode levar a regras relativamente genéricas, situação em que, em determinados âmbitos do direito privado, alguns direitos fundamentais podem ceder totalmente ou em grande medida.

Para explicar os efeitos dos direitos fundamentais perante ter-ceiros há um modelo em três níveis: o do dever estatal, o dos direitos em face do Estado e o das relações jurídicas entre os sujeitos privados. A teoria dos efeitos indiretos se situa no nível do dever estatal. É que o fato de as normas de direitos fundamentais possuírem natureza objeti-va e valorativa implica o dever de o Estado observá-la tanto em relação à legislação civil quanto no que se refere à jurisprudência.

O segundo nível é o dos direitos em face do Estado que te-nham relação com os efeitos perante terceiros. Nesse ponto, a deci-são do caso Lüth demonstra um acerto na construção baseada em um direito de defesa. No caso, Lüth estava proibido por um tribunal ale-mão de emitir determinadas declarações referentes a um sujeito pri-vado. Essa proibição jurídica concreta, imposta por um órgão estatal, eliminava parte de sua liberdade de manifestação do pensamento. Dentre as desvantagens desse nível, a construção baseada nos direi-tos de defesa deve ter um complemento dos direitos a prestações ou a proteção. O Estado deve garantir ao indivíduo uma proteção contra eventuais lesões de outros indivíduos, o que indica o status positivo. Em relação às vantagens, há de se ressaltar que a construção referida à jurisdição confere ao cidadão o direito a que os princípios de direi-

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tos fundamentais favoráveis à sua posição sejam levados em consi-deração, na medida do exigível. Diante disso, se assim não proceder, um tribunal civil também viola um direito de defesa ou um direito à proteção.

O terceiro nível do modelo menciona os efeitos dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre sujeitos privados, o que evi-dencia o problema de um efeito direto perante terceiros. É que, à luz de direitos e não-direitos, liberdades e não-liberdades e competências e não-competências na relação cidadão/cidadão, verifica-se que um direito a uma abstenção de um cidadão em relação a outro equivale a uma correlata obrigação entre os sujeitos privados. O juiz civil estaria, a priori, vinculado ao direito civil vigente, na forma de leis, preceden-tes e da dogmática comumente aceita, daí porque, se quiser se afastar disso, em atenção aos princípios de direitos fundamentais, deve as-sumir o ônus argumentativo. A irradiação das normas de direitos fun-damentais tem amplas consequências no sistema jurídico. A primeira delas é a limitação dos possíveis conteúdos do direito ordinário.

Apesar de a constituição mista material-procedimental não determinar todo o conteúdo do direito ordinário, os direitos funda-mentais excluem alguns conteúdos como constitucionalmente im-possíveis e classificam alguns conteúdos como constitucionalmente necessários. A segunda consequência se refere ao tipo de determina-ção substancial. Não há apenas abertura semântica e estrutural dos direitos fundamentais a evidenciar essa consequência, mas também a sua natureza principiológica que exige sopesamentos. Embora seja racional, o processo de sopesamento nem sempre chega a uma única conclusão em um caso concreto. Por sua vez, a terceira consequên-cia remete ao tipo de abertura. A vigência dos direitos fundamentais implica um sistema aberto em face da moral, sobretudo nos casos de conceitos materiais básicos de dignidade, liberdade e igualdade. A definição desses princípios e o sopesamento entre eles leva ao pro-blema da justiça.

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A inclusão da ponderação...

De qualquer sorte, há de se ter em mente que o ponto de partida é a ideia de que os direitos fundamentais, enquanto direi-tos individuais oponíveis ao legislador, são posições que fundamen-tam deveres do legislador e restringem suas competências. Não há usurpação inconstitucional de competências legislativas pelo tribu-nal constitucional quando garante direitos fundamentais, até porque previstos na Constituição não só os próprios direitos, mas também a função de guarda da Constituição. Não se discute, por isso, se o tri-bunal teria ou não competência de controle no âmbito da legislação, mas qual a sua extensão.

Nesse ponto, importante ressaltar três níveis de argumenta-ção: material, funcional ou relativa a competências e metodológica ou epistêmica. No tocante à argumentação material, verifica-se que o peso dos princípios materiais relevantes é fator central na deter-minação da medida de controle dos casos concretos. Já a argumen-tação funcional ou relativa a competências versa sobre a atribuição de competências decisórias e suas características, a exemplo da legi-timação democrática mais intensa por parte do legislador. O nível metodológico ou epistêmico de argumentação traba-lha com a noção de que existem argumentos favoráveis ou contrários à possibilidade de fundamentação racional de decisões referentes aos direitos fundamentais. Dessa forma, a competência de controle do tribunal depende da certeza pela qual se identifica uma posição de direito fundamental passível de ser utilizada como fundamenta-ção. Em relação à teoria geral da argumentação jurídica, seu ponto de partida seria a constatação de que a fundamentação jurídica se refere a questões práticas, vale dizer, àquilo que é obrigatório, proi-bido e permitido. Saliente-se, ainda, que essas condições não levam a um único resultado em um caso concreto. Em todos aqueles casos minimamente problemáticos, é indispensável a valoração que não é dedutível diretamente da norma preexistente. Desse modo, a racio-

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nalidade do discurso jurídico depende de se saber se e em que medi-da essa valoração adicional é passível de um controle racional.

O jusfilósofo sustenta as disposições de direitos fundamen-tais são extremamente abstratas, abertas e ideologizadas. Em linhas gerais, a base da argumentação baseada nos direitos fundamentais pode ser identificada pela lei, pelos precedentes e pela dogmática. No que toca ao texto e à vontade, há de se compreender uma vincu-lação ao texto das disposições de direitos fundamentais e à vontade do legislador constituinte. O texto das disposições de direitos funda-mentais vincula a argumentação por meio de um ônus argumentativo a seu favor.

Quanto aos precedentes, a importância se refere à auto-ava-liação do tribunal como principal intérprete e guardião da constitui-ção. A jurisprudência do tribunal constitucional não afeta a si mesmo e nem a argumentação de uma decisão anterior. As duas regras para a utilização dos precedentes são: se há um precedente favorável ou contrário a uma decisão, ele deve ser utilizado; e aquele que deseja afastar o precedente tem o ônus da argumentação.

Alexy adverte que, embora seja inegável a contribuição dos precedentes para a segurança na argumentação no âmbito dos direi-tos fundamentais, ela, por si só, não é suficiente para o controle de racionalidade da fundamentação. Em sequência, deve-se falar em te-orias materiais de direitos fundamentais como base da argumentação jurídica, também conhecida como dogmática. Em especial, a título de maior contribuição para a argumentação, deve-se indicar a dogmática normativa que, além de reconhecer um direito positivo válido, impõe acréscimos axiológicos e detém um grau de abstração elevado.

Enquanto base para a argumentação, as teorias materiais dos direitos fundamentais possuem natureza essencialmente argumenta-tiva, e não de autoridade. Essa tese teórico-estrutural geral implica, qualquer que seja a teoria material que se acolha, a necessidade de se partir de um conjunto de valores. Uma teoria liberal, por exemplo,

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não é uma corrente da teoria axiológica, mas sim uma expressão de uma teoria axiológica com determinado conteúdo. Toda teoria nor-mativa dos direitos fundamentais pressupõe uma teoria axiológica, teleológica ou principiológica.

Cumpre citar a especificidade da teoria institucional dos di-reitos fundamentais, que encontra na obra de Häberle sua aplicação mais abrangente no âmbito dos direitos fundamentais. Sua tese nor-mativa básica é a de que os direitos fundamentais são instituições. E para serem assim considerados, os direitos fundamentais devem: a) ser efetiva e continuamente invocados pelo maior número possível de pessoas; e b) ter o maior grau possível de efeito estabilizador para o todo da constituição e da ordem social. A partir desse pressuposto, confere-se um peso significativo às finalidade supra-individuais, ou, nas palavras de Häberle, “à totalidade supraindividual”, na inter-pretação das disposições de direitos fundamentais, o que evidencia uma tese axiológica fundamental a respeito da relação entre bens individuais e coletivos. De acordo com essa teoria, afirma-se que os princípios relevantes desempenham um papel, mas o princípio liberal tem um peso relativamente pequeno em relação aos princípios que se referem a interesses coletivos, os quais são dotados de peso rela-tivamente grande.

Por essas razões, é que exatamente a abertura do texto e de sua gênese estabelecem a necessidade de uma teoria material dos direitos fundamentais. É de se ressaltar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão adota uma teoria combina-da, cenário que revela a existência de mais princípios de direitos fundamentais do que apenas o princípio liberal (liberdade jurídica/igualdade jurídica).

Em defesa da teoria combinada, tendo-a como mais acer-tada que a unipolar, Alexy lança três fundamentos: a) A lei de sope-samento demonstra que princípios são mais que meros topoi. Se os princípios são relevante, devem ser levados em consideração, o que

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pode ser atestado em algumas decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão. Em caso de colisão, entra em cena o sopesamento, em que se questiona se a importância de satisfação de um princípio justifica o necessário grau de não-satisfação do outro, contexto que anuncia uma estrutura racional; b) Robert aponta para a possibilida-de de uma ordem flexível por meio de precedências prima facie. O núcleo correto da teoria material de direitos fundamentais, segundo Böckenförde, consiste no reconhecimento de uma precedência prima facie para os princípios da liberdade jurídica e da igualdade jurídica com a respectiva carga de argumentação a favor destes princípios; c) Chega-se ao terceiro ponto: não se pode esperar muito de uma teoria material de direitos fundamentais, sobretudo porque não há soluções viáveis para todos os casos. O que há, isso sim, é uma estruturação, no maior grau possível de racionalidade, da base argumentativa de uma forma aceitável. Isso é possível, desde que a teoria material de direitos fundamentais organize um conjunto flexível a partir de precedências prima facie dos princípios da liberdade jurídica e da igualdade jurídica.

A base até aqui apresentada fornece certa estabilidade à argumentação no âmbito dos direitos fundamentais. Além disso, con-siderando a incidência de regras e formas de argumentação prática geral e jurídica, alcança-se uma racionalidade estruturada. Enfim, pode-se realizar a razão prática somente no âmbito de um sistema ju-rídico que aproxime, de forma racional, a argumentação da decisão. De logo, destaque-se que princípios segundo a definição dos jus filó-sofos são mandamentos de otimização, que podem ser satisfeitos em graus diversos, sendo que a medida devida de satisfação não depende apenas das possibilidades fáticas, mas das possibilidades jurídicas

Resta aqui à luz da perspectiva da ordem-moldura, esclare-cer se a teoria dos princípios seria capaz de estabelecer, de forma racional, uma moldura ao legislador. Para o modelo puramente pro-cedimental de constituição, a moldura poderia ser feita pelo legisla-

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dor, jpa que ao mesmo tudo era facultado. Já no modelo puramente material de constituição, ao mesmo legislador nada era facultado, ou seja, não havia discricionariedade alguma ao legislador, porquanto todas as matérias já estavam previstas na constituição, nada poderia este fazer. A terceira constelação representa a existência de coisas facultadas e coisas proibidas ou obrigatórias, circunstância que reve-la o modelo misto material-procedimental, e aqui o legislador contri-buiria para o estabelecimento da moldura legal. A moldura nada mais era que uma metáfora que pode ser defi-nida como tudo o que é proibido ou obrigatório, de maneira que o que é facultado consiste no interior da moldura. Assim, a discricionariedade (estrutural) do legislador é definida pelo que lhe é facultado. Convém ressaltar que aquilo que a constituição obriga é constitucionalmente necessário; o que ela proíbe é constitucionalmente impossível; e o que ela faculta (interior da moldura) não é constitucionalmente nem ne-cessário e nem impossível, mas apenas possível.

O conceito de ordem-fundamento pode ser compreendido de forma quantitativa ou de forma qualitativa. Em termos quanti-tativos, uma constituição é uma ordem-fundamento se não houver faculdades, mas apenas proibições. Uma constituição seria uma or-dem-fundamento em termos qualitativos se por meio dela forem de-cididas questões fundamentais para a sociedade. Ainda que decida questões cruciais para a comunidade, sendo ordem-fundamento, uma constituição pode deixar muitas questões em aberto, sendo ordem--moldura. A teoria dos princípios reclama a conciliação de ambos os conceitos. Isso é possível se a constituição proíbe e obriga algumas coisas (ordem moldura), faculta outras coisas e admite discriciona-riedades (ordem-fundamento) e se, por meio dessas proibições, obri-gações e faculdades, questões fundamentais da sociedade forem por ela decididas.

As máximas de adequação e de necessidade expressam a exi-gência de uma máxima realização do princípio em relação às possibi-

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lidade fáticas. O aspecto da otimização presente na máxima da ade-quação não aponta para a existência de um ponto máximo. É que essa máxima tem um viés negativo, até porque a operação que se realiza é a exclusão de um meio inadequado a se atingir a finalidade inserida no conteúdo da norma de direito fundamental. Algo semelhante é válido para a máxima da necessidade. Dentre dois meios igualmente adequados, deve-se optar por aquele que realize o princípio de modo menos gravoso/intenso.

Se houver duas medidas adequadas, deve se optar por aque-la menos gravosa. Nem sempre é simples o exame das máximas da adequação e da necessidade. A máxima da proporcionalidade em sen-tido estrito representa a própria otimização em relação aos princípios colidentes. A lei de sopesamento se inicia com a avaliação do grau de não-satisfação ou de afetação de um dos princípios, após o que se analisa o grau de importância da satisfação do princípio colidente. Por fim, é preciso decidir se a importância da satisfação do princípio colidente justifica a afetação ou a não-satisfação do outro princípio.

De se registrar que Alexy insere uma escala com as catego-rias “leve”, “moderado” e “sério” para aferir o grau de afetação de um princípio. Se o caso apresentar hipótese de leve intensidade de intervenção e elevada importância na satisfação do direito colidente, tem-se que a intervenção está justificada.

Os direitos fundamentais não estão entretanto, imunes a im-passes estruturais – impasses reais no sopesamento – de forma a tor-ná-los sem importância. A discricionariedade que se reconhece para sopesar é estrutural tanto do legislador quanto do Judiciário.

2 DO CONSTITUCIONALISMO DISCURSIVO DE ALEXY. DOS SEUS PRESSUPOSTOS À SUA FÓRMULA

Todos os conceitos de direito são compostos da determina-

ção e ponderação de três elementos: a decretação de acordo com a

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ordem, a eficácia social e a correção quanto ao conteúdo, consoante definidor pelo jus filósofo. Enquanto o decretado e o eficaz formam o lado fático e institucional do direito, o correto representa sua dimen-são ideal ou discursiva. O enlace dessas dimensões constitui a teoria do discurso do estado constitucional democrático.

O promover da pretensão de correção consiste na tríade: afirmação da correção, garantia da fundamentabilidade e esperança do reconhecimento da correção. A pretensão de correção somente ganha interesse para o conceito de direito, quando necessariamente se encontra unida a ele. Por vezes, a necessidade de uma correção nasce a partir da constatação de uma contradição, seja em um artigo constitucional absurdo ou em uma sentença absurda.

No primeiro caso, uma cláusula de injustiça explícita não pode conviver com o objetivo implícito do constituinte, que é de promover uma pretensão de justiça. Já no segundo caso, a sentença judicial tem implicitamente a pretensão de ser correta e verdadeira, razão pela qual a afirmação explícita de que é falsa configura uma contradição absurda.

Dessa forma, resta claro que a pretensão de correção é ne-cessária relativamente a uma prática que é definida pela distinção entre verdade ou correção e falsidade. Por sua vez, os critérios de correção dependem do contexto. Porém, uma coisa é inerente à pre-tensão de correção em todos os contextos: a natureza da fundamen-tabilidade. No direito, trata-se da relação entre normas gerais e in-dividuais ou, ainda, entre questões normativas e práticas. Robert Alexy ressalta que a teoria do discurso é uma teoria procedimental da correção prática, bem assim que o procedimento do discurso é um procedimento de argumentação. As regras do dis-curso racional, no plano da argumentação, privilegiam as ideias de liberdade e de igualdade universais, o que, em tese, evidencia que a teoria do discurso se situa na tradição kantiana, segundo o qual pode somente a vontade, concordante e unida, de todos, ser dadora de lei.

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Em relação aos limites da teoria do discurso, o problema de status, o problema da fundamentação e o problema da aplicação, merecem explicação. No tocante à contraposição entre discursos re-ais e ideais, o jusfilósofo define que, quanto aos discursos ideais, não se pode alcançar a certeza, mas somente suposições. Apesar disso, o discurso real está ligado ao discurso ideal. Uma solução correta de conflito de interesses é uma matéria da determinação correta dos pesos relativos dos interesses em jogo. Em outras palavras, a solução do conflito pela norma Está mais próxima da correção, desde que haja aprovação geral em um discurso em que ninguém foi excluído e que nem havia dominação, com argumentação clara e precisa, bem assim que as suposições sobre circunstâncias fáticas e jurídicas foram lançadas de forma acertada ou provável.

A teoria do discurso não oferece um procedimento que per-mite, em um número limitado de operações, alcançar um único resul-tado, o que evidencia um amplo espaço do meramente possível dis-cursivamente como problema de conhecimento. Esse problema leva à necessidade de procedimentos juridicamente regulados para garantir uma decisão, a exemplo do que ocorre na votação do parlamento. A organização necessária pressupõe direito e significa uma intensificação do peso, tanto da decretação de acordo com a ordem quanto da efi-cácia social em decorrência da correção quanto ao conteúdo. Em sede do estado constitucional democrático, o discurso precisaria do direito para obter realidade e o direito precisa do discurso para obter legitimi-dade. A teoria do discurso leva ao estado constitucional democrático, porque coloca duas exigências fundamentais ao conteúdo e à estrutura do sistema jurídico: direitos fundamentais e democracia.

Para a teoria do discurso, a liberdade e a igualdade são cons-titutivas no discurso. O núcleo dos direitos fundamentais se funda-menta nos direitos à liberdade e à igualdade, sendo os demais direitos fundamentais decorrentes desses dois ou previstos para assegurar a efetividade de tais direitos. O princípio do discurso exige a democra-

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cia deliberativa, na qual o plano dos interesses e do poder é coberto por um plano dos argumentos e todos os participantes lutam por uma solução política correta. A democracia deliberativa pressupõe, por-tanto, a possibilidade de racionalidade discursiva. Quando leis que violam direitos fundamentais ou ameaçam a própria democracia são aprovadas pelo parlamento, surge a necessidade da jurisdição cons-titucional. Nesse ponto, sob o viés de uma abertura do direito, a pretensão de correção leva a uma interpretação não positivista de-senvolvida em dois modos: pelo argumento de princípio e pela tese do caso especial.

A base do argumento de princípio forma a distinção entre regras (mandamentos de definição) e princípios (mandamentos de otimização). Somente a ponderação leva o dever prima facie ideal ao dever real e definitivo. A ponderação é uma das operações mais importantes para a produção e garantia da coerência e, por conse-quência, da unidade do sistema jurídico. Já a tese do caso especial remonta à ideia de que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral. A argumentação jurídica está vinculada à lei e ao precedente e deve observar o sistema de direito aprofundado pela dogmática jurídica. Se, ainda assim, não houver resposta a uma questão jurídica, o que define casos difíceis, são necessárias valora-ções adicionais que devem ser fundamentadas. Aqui são importantes a distribuição correta e a compensação correta como premissas de justiça e, por isso, questões morais, no plano da aplicação do direito, pressupõem uma união entre direito e moral. A relação entre democracia e direitos fundamentais é apresentada por Alexy segundo três modelos. O primeiro é o modo de ver ingênuo, segundo o qual não há conflitos entre democracia e direitos fundamentais, porque ambos são considerados bons. O modo de ver idealista adota a ideia de que povo e seus representantes políticos não estão interessados em violar direitos fundamentais de um cidadão por decisões de maio-ria parlamentar.

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Já o modelo realista, identifica duas faces para os direitos fundamentais. São democráticos, porque com as garantias dos direi-tos de liberdade e de igualdade, asseguram a existência de pessoas que mantêm o processo democrático com vida, além de preservar a liberdade de imprensa e de opinião para assegurar as condições fun-cionais do processo democrático. Por outro lado, são não democráti-cos, porque desconfiam do processo democrático. Com a vinculação do legislador, subtraem-lhe da maioria parlamentar o poder definitivo de decisão, já que eventual violação pode ser revista pela jurisdição constitucional.

A representação política estaria a cargo do parlamento e a representação argumentativa do cidadão é de atribuição do tribunal constitucional. O cotidiano de exploração parlamentar tem o risco de que maiorias imponham a minorias relações de poder e de dominação classificadas como erros graves. Já a representação argumentativa teria bons resultados, quando o tribunal constitucional é aceito como instância de reflexão do processo político. Se um processo de refle-xão entre cidadão, legislador e tribunal constitucional se estabiliza, pode-se falar em uma exitosa institucionalização dos direitos do ho-mem no estado constitucional democrático.

Quanto à colisão de direitos fundamentais e a realização de direitos fundamentais no estado de direito social, Robert Alexy ex-plica o fenômeno da colisão de direitos fundamentais segundo um conceito restrito e um conceito amplo. O conceito restrito se refere exclusivamente a colisões de direitos fundamentais, ao passo que o conceito amplo sugere a colisão de um direito fundamental com uma norma ou princípio constitucional que não seja direito fundamental. A colisão de direitos fundamentais em sentido restrito nasce quando o exercício ou a realização do direito fundamental de um titular tem repercussões negativas sobre direitos fundamentais de outros titula-res. A colisão em sentido restrito pode ter por objeto direitos funda-mentais idênticos ou distintos.

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No âmbito das colisões entre direitos fundamentais distintos, ocupa lugar de destaque a colisão entre a liberdade de manifestação de opinião com direitos fundamentais do afetado negativamente pela manifestação de opinião sobre uma posição particular. Já a colisão de direitos fundamentais em sentido amplo remete à ideia da colisão de um direito fundamental com outra norma ou princípio constitucio-nal, geralmente um bem coletivo, a exemplo da segurança pública ou do meio ambiente. Como forma de solucionar a colisão de direitos fundamentais, Alexy aponta a necessidade de se verificar, no catálogo de direitos fundamentais, se as normas colidentes detêm força jurí-dica vinculante ou não. A segunda decisão fundamental é verificar se se tratam as normas colidentes de regras ou princípios.

Segundo a definição padrão da teoria da argumentação prin-cípios são normas que ordenam a realização de algo em uma medida tão alta quanto possível relativamente a possibilidades fáticas e jurí-dicas, daí se concluir que são mandamentos de otimização e podem ser preenchidos por graus diferentes.

De outro lado, as regras são normas que se aplicam ou não, contendo fixações no espaço do fática e juridicamente possível, de tudo a revelar sua natureza de mandatos de definição. O mérito da teoria dos princípios é grande, de modo que se uma intervenção em direitos fundamentais é justificada, deve ser respondida pela ponde-ração que corresponde ao terceiro princípio parcial do princípio da proporcionalidade do direito alemão.

O primeiro subprincípio é o da idoneidade do meio empre-gado para a obtenção do resultado almejado. O segundo é o da ne-cessidade, segundo o qual um meio não é necessário se há outro me-nos gravoso e menos interveniente. O terceiro princípio parcial é o da proporcionalidade em sentido estrito, cuja ideia formula a lei da ponderação de que quanto mais intensiva é uma intervenção em um direito fundamental, mais graves devem pesar os fundamentos que a justificam.

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A ponderação deve ser realizada em três graus. No primei-ro, avalia-se a intensidade da intervenção. No segundo, a importância dos fundamentos que justificam a intervenção. Somente no terceiro grau, a ponderação no sentido restrito e verdadeiro é realizada. Além disso, a teoria dos princípios possibilita um caminho intermediário en-tre vinculação e flexibilidade, que melhor se amolda à realidade da Constituição Federal de 1988. A teoria dos princípios pode levar a sério a constituição sem exigir dela o impossível, de modo a declarar não plenamente passíveis de cumprimento os princípios quando em conflito com outros princípios, mediante a técnica da ponderação de valores. Quanto às normas contidas em constituições democráticas, Robert Alexy sustenta a existência de duas categorias: uma que apre-senta normas de organização do Estado e outra que prevê formas de limitação do poder estatal, a exemplo dos direitos fundamentais. Há ainda duas construções de direitos fundamentais: uma estreita e rigorosa (construção de regras) e outra larga e ampla (construção de princípios). Segundo a concepção estreita e rigorosa, os direitos fun-damentais consistiriam apenas na proteção determinada do cidadão frente ao Estado em condutas abstratas.

Conforme a construção larga e ampla dos direitos fundamen-tais (princípios), a proteção não se limita a essa função de defesa em relação ao Estado. Nesse ponto, a sentença Lüth apresentou três contribuições: a) a perspectiva jurídico-objetiva dos direitos funda-mentais; b) a ideia do efeito de irradiação dos direitos fundamentais por todo o sistema jurídico; e c) os princípios estão estruturados em valores e, em caso de conflito, somente a ponderação pode resolver a questão. Nos princípios da idoneidade e da necessidade, a otimi-zação é pensada sob a ótica de circunstâncias fáticas. A idoneidade nada mais é do que a otimidade-Pareto: uma posição pode ser melho-rada sem desvantagens às demais. A mesma lógica se observa para a necessidade.

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Se custos ou sacrifícios não podem ser evitados, torna-se ne-cessária a ponderação, que é o objeto do princípio da proporcionali-dade em sentido restrito. Sentenças de proporcionalidade promovem, como todas as sentenças, uma pretensão de correção, e essa pretensão se apoia em sentenças sobre graus de intensidade como fundamentos. Em resposta às críticas de Habermas, as suposições, que estão na base das sentenças sobre a intensidade das intervenções na liberdade de opinião e na personalidade, por exemplo, não são arbitrárias. Isso por-que os modelos do tribunal constitucional alemão seguem uma cadeia de precedentes que remonta até a sentença Lüth.

O conceito de coerência não é o mesmo de consistência. Uma teoria consistente é aquela que não apresenta nenhuma contra-dição lógica. Já o conceito de coerência tem como chave o conceito de fundamentação. Alexy adverte que quanto melhor é a estrutura da fundamentação de uma classe de declarações, maior será a sua coe-rência. Os critérios de coerência são definidos não só pela existência de graus distintos, mas também pela possibilidade da colisão. Em re-lação às propriedades da estrutura de fundamentação, uma exigência mínima de coerência é que entre as declarações de um sistema haja relações de fundamentação. Assim, quanto mais declarações de um sistema são fundamentadas por uma declaração, maior será a coe-rência do sistema.

Quanto à extensão da coerência, cumpre salientar que quan-to mais extensas são as correntes de fundamentação de um sistema, maior será a coerência. Ademais, registre-se que a forma de enlace mais importante para sistemas normativos existe quando declarações distintas, relativamente especiais, são fundamentadas pelas mesmas declarações, relativamente gerais. Na mesma medida, quanto mais correntes de fundamentação têm uma conclusão comum, tanto mais coerente é o sistema. A existência de fundamentações empíricas mú-tuas é diretamente proporcional à coerência do sistema. Ainda, que a propriedade criadora de coerência mais importante dos conceitos

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é a comunidade, e revela dois aspectos: universalidade e generalida-de. Um conceito será tanto mais geral, quanto mais ampla a sua ex-tensão, daí se concluir que quanto mais conceitos gerais uma teoria possui, maior a sua coerência.

Já a declaração é universal quando diz respeito a todos os in-divíduos com determinadas características, isto é, quando possui um quantificador universal. O jusfilósofo ainda leciona que quanto maior o número e a diferença de casos aos quais uma teoria se aplica, maior a coerência do sistema. Enfim, a justiça exige o encaixe de uma fun-damentação jurídica em um sistema tão coerente quanto possível, à semelhança da otimização que se prega aos princípios.

3 DA PONDERAÇÃO INSTITUCIONALIZADA. DA CAUTELA A SER OBTIDA NA ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONA-LIZADOS TRAZIDOS COM O NOVO DIPLOMA PROCESSUAL CÍVEL

Como se observa a ponderação de princípios, valores e nor-

mas foram expressamente adotados conforme o segundo parágrafo do art. 489 do novo CPC, sendo a ponderação um mecanismo ar-gumentativo dinâmico de muita utilidade para solução de impasses complexos e contemporâneos.

A ponderação poderia no entanto, ser tão ruim a sua ausên-cia. A premissa inaugural quando da realização do método, segundo o doutrinador alemão é a de que os direitos fundamentais têm, na maioria das vezes, a estrutura de princípios sendo mandamentos de otimização caracterizados, podendo ser satisfeitos em graus varia-dos, devendo ser considerado que a medida devida de satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possi-bilidades jurídicas.

Destaque-se ainda a necessidade de comprometimento com os valores constitucionais, pois pode ser frequente a ocorrência de

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colisões entre os princípios, o que, invariavelmente, acarretará res-trições recíprocas entre os valores tutelados. Lembrando que a coli-são entre as regras e princípios não se opera da mesma forma, sendo que na primeira hipótese uma das regras deve ser retirada obrigato-riamente do sistema, o que não se verifica com os princípios.

Cogitar a relativização dos princípios e, mesmo até de di-reitos fundamentais é uma alternativa viável a ser analisada caso a caso, já que que princípios com peso maior devem prevalecer sobre princípios com peso menor, o que não implica desconsiderar o orde-namento jurídico pátrio. Havendo choque entre os princípios, não se deve retirar do sistema nenhum deles, bastando que se adote a técni-ca da ponderação, de modo que se busque a solução do caso concreto de acordo com a máxima da proporcionalidade, eis que se coloca a terceira premissa. A quarta premissa a ser observada é necessidade de fundamentação quando da ponderação, devendo se prezar pela argumentação jurídica sólida e objetiva, garantindo-se que não haja arbitrariedade e irracionalidades, daí advindo a importância de que a fundamentação de enunciados deve ser clara e bem definida.

Constantemente a globalização expõe ao judiciário situações inéditas, a exemplo da limitação das liberdades individuais em prol da segurança dos indivíduos, o que poderia ensejar a aplicação do CPC quando houver eventual questionamento do direito violado na esfera individual. A ponderação requer análise de vários critérios e depende das circunstâncias fáticas e individuais, bem como dos direi-tos e normas envolvidos, a fim de que seja entendida a situação como realmente deve ser.

Até que ponto poderia um magistrado atingir inúmeras pes-soas por meio da limitação do uso de uma rede social, que pudesse inclusive constituir fonte de trabalho de inúmeras pessoas? Seria pois justificável limitar a liberdade individual, desconsiderando qualquer particularidade neste mister, sob o argumento da necessidade de se

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impor cumprimento à uma decisão judicial? Até que ponto a pondera-ção não poderia servir como mecanismo de ativismo judicial?

Não pode se permitir que qualquer coisa em Direito seja au-torizada sob a justificativa da ponderação, razão pela qual há clara limitações no texto legal, a exemplo da exigência pelo novo CPC da de-vida fundamentação dos casos postos em análise, não se constituindo em ato de livre escolha, sob pena de legitimação de arbitrariedades. Destacando-se aqui a majoração do poder do julgador, que segue a tendência de outras legislações contemporâneas não só no Brasil, mas também na Europa, baseado em conceitos abertos, conceitos legais in-determinados e cláusulas gerais, o que não deixa de gerar uma insegu-rança ante as diversas possibilidades que podem daí advir.

Ora, Barroso (2009, p. 283) em sua obra Curso de Direito Constitucional contemporâneo destaque que quando da avaliação entre adequação, necessidade e utilidade, deve o magistrado levar em conta que: “Não cabe ao Judiciário impor a realização das melhores políticas, em sua própria visão, mas tão somente o bloqueio de opções que sejam manifestamente incompatíveis com a ordem constitucional.” Há que se cuidar para que a abertura trazida pelo sistema processual cível trazido com a inovação não funcione como ato de legitimação de poder do judiciário, a quem, frise-se, não cabe em regra, a inovação por meio de criação de normas, devendo-se ser lembrada a premissa da separação de poderes do Estado democrático brasileiro.

O novo CPC confirma a adoção de um sistema aberto e prin-cipiológico que revigora não o diálogo com a CF/88, com o Código Civil e os demais ordenamentos pátrios formalizados, evidenciando a interdisciplinariedade como uma forma de por meio das fontes re-solver as lides num mundo pós-moderno e globalizado que se mostra cada vez mais complexo e repleto de normas jurídicas.

Construir um ponto de equilíbrio entre o Direito material pleiteado e o processo é um eficaz mecanismo para a pacificação so-

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cial, mas que requer uma reflexão constante permeadas pelos princí-pios constitucionais a fim de que sejam estabelecidos nortes a serem seguidos, como mecanismo de efetivação da justiça.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode negar a importância da ponderação, devendo entretanto, haver cautela em seu uso, sob pena de que ao ser utili-zada de modo genérico termine por substituir as necessárias etapas do processo de interpretação/concretização, impedindo o fim real da norma. A prescriç]ao legal nester toar mostra-se bastante simplista quando se refere ao termo ponderação, não podendo ser dispensado o contexto histórico do termo, de tamanha relevância quando da efe-tivação de direitos, em especial, fundamentais.

Um equivocado entendimento entre uma suposta colisão en-tre direitos fundamentais; ou entre um bem jurídico constitucional-mente protegido e outro sem status constitucional, estará em contra-riedade ao referido dispositivo, podendo a decisão ser cassada pela instância superior pela só utilização inadequada do instrumental.

A fundamentação das decisões se torna mais imprescindível que nunca, devendo ser vista como meio de viabilizar o real atendi-mento da finalidade pensada, devendo ser constatado caso a caso se existe de fato verdadeira colisão que justifique a adoção da ponde-ração técnica, lembrando-se da necessidade de se pensar em alter-nativas no caso concreto para que não haja a imposição de limitação desnecessária.

A análise de princípios se mostra patente, não sendo mais justificada a adoção de modelos e fórmulas que sejam compatíveis com a previsibilidade impossível de um sistema jurídico, pois se es-taria a pensar apenas em situação pretéritas, ignorando as presentes e as futuras, ocasião em que o direito convocado poderia se mostrar obsoleto.

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Há que se justificar as premissas fáticas adotadas, exigindo do julgador cautela em não desprezar as circunstâncias fáticas que podem e devem contribuir para a formação da norma, ainda que ini-cialmente haja possibilidade de estar pondo em cheque a efetivação de alguma norma.

A abertura do sistema processual deve ser uma forma de se ratificar as exigências constitucionalmente presentes de motivação das decisões judiciais, por meio por exemplo da referência a um ins-trumental que exige que haja a devida justificação para o afastamen-to de um dos direitos ou o bem(ns) jurídico(s) em jogo, quando da existência de uma colisão.

Há que se pensar na interdisciplinaridade, devendo serem refletidos os diversos ramos do direito para a formação de uma deci-são final, não devendo se limitar à análise do que se encontra positi-vado quando da árdua tarefa de buscar a justiça.

O desafio consiste em buscar aplicar a nova norma sem ig-norar as etapas da interpretação, lembrando que não há qualquer padrão para a ponderação numa esfera inicial, descontextualizada. A efetivação de direitos só se torna possível se houver análise prévia sobre o nível de hierarquia entre os direitos envolvidos, ressalvada a hipótese de restrição por lei constitucionalmente autorizada do direi-to fundamental, que estaria amparada na própria norma.

Não se pretende esgotar o tema, dada a necessidade de dis-cussão perene considerando tratar-se de assunto recente e árduo, em razão mesmo dos reflexos que produz.

Patente é a necessidade de se socorrer de outras normas, ini-cialmente estranhas ao processo, ou mesmos regras não formalizadas, como forma de alcançar o pleito individual posto em cheque, o que justifica a preocupação do legislador em buscar a pacificação social por meio de uma solução mais justa de casos emblemáticos, de modo que possam servir como parâmetro parear solução de casos semelhan-tes, trazendo como consequência, uma maior efetivação da justiça.

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