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A questão da ficcionalidade nos gêneros literários Juliana P. Perez

Juliana P. Perez. A questão da ficcionalidade no drama e na lírica A. Em Platão e Aristóteles: épico e dramático, menção a um terceiro gênero (que não

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A questão da ficcionalidade nos gêneros literários

Juliana P. Perez

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A questão da ficcionalidade no drama e na “lírica”A. Em Platão e Aristóteles: épico e dramático, menção a um terceiro

gênero (que não expressa subjetividade – no máximo seria entusiástico)

B. Distinção entre textos épicos, dramáticos e líricos tem origem no séc. XVIII

C. Autonomia do sujeito + Erlebnislyrik – sec. XVIII

D. Estabelecimento da ideia de expressão da subjetividade sobretudo com Goethe/ Hegel – séc. XIX

E. O conceito de “eu-lírico” – início séc. XX

F. Uma posição atual da crítica

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A) A República (Platão)[394a] And the old man on hearing this was

frightened and departed in silence, and having gone apart from the camp he prayed at length to Apollo, invoking the appellations of the god, and reminding him of and asking requital for any of his gifts that had found favor whether in the building of temples or the sacrifice of victims. In return for these things he prayed that the Achaeans should suffer for his tears by the god's shafts. It is in this way, my dear fellow,” I said, “that

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[394b] without imitation simple narration results.” “I understand,” he said.“Understand then,” said I, “that the opposite of this arises when one removes the words of the poet between and leaves the alternation of speeches.” “This too I understand,” he said, “—it is what happens in tragedy.” “You have conceived me most rightly,” I said, “and now I think I can make plain to you what I was unable to before, that there is one kind of poetry and tale-telling which works wholly through imitation,

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[394c] as you remarked, tragedy and comedy; and another which employs the recital of the poet himself, best exemplified, I presume, in the dithyramb1; and there is again that which employs both, in epic poetry and in many other places, if you apprehend me.” “I understand now,” he said, “what you then meant.” “Recall then also the preceding statement that we were done with the 'what' of speech and still had to consider the 'how.'” “I remember.”

Plato. Plato in Twelve Volumes, Vols. 5 & 6 translated by Paul Shorey. Cambridge, MA, Harvard University Press; London, William Heinemann Ltd. 1969. http://www.perseus.tufts.edu/hopper/

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Erlebnislyrik

“A convicção que à lírica, com relação a outros gêneros, caberia uma ligação mais estreita com a esfera da subjetividade e em especial com a personalidade e com as experiências do autor só pode se formar graças a uma mudança das expressões líricas, que aconteceu ao longo do século XVIII sobretudo na literatura alemã [...], mas também de forma exemplar no âmbito de língua inglesa.” (Burdorf, 1997, p. 182)

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Lírica como expressão direta de algo vivido

Gênero desenvolvido entre 1750-1770

Conceito de „Erlebnis“ (cf. Dilthey) relacionado ao conceito de subjetividade individual, desenvolvido ao

longo do séc. XVIII

à estética do gênio • talento inato que dita as regras da arte • originalidade: não provém de imitação, mas torna-se modelo• processo não observável • campo da subjetividade: não admite a lógica do entendimento

à ideia de autonomia da obra de arte obra não subordinada a nenhuma instância a não ser ao próprio

eu

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Séc. XIX: “estabilização” da ideia

“A poesia lírica satisfaz uma necessidade completamente oposta: a de perceber o que sentimos, as nossas emoções, os nossos sentimentos, as nossas paixões, mediante a linguagem e as palavras com que os revelamos ou objetivamos. [...] O conteúdo da poesia lírica é, pois, a maneira como a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo.” (Cf. HEGEL, 1980, p. 293-294).

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Eu-líricoMargarete Susman (1910)

Primeira pessoa do singular: origem da confusão entre eu-lírico e eu empírico

„Eu“ generalizado - experiências humanas que tocam qualquer „eu“ (ex. envelhecer, poesia mística) não apenas um indivíduo particular.

„eu-lírico“ é „objetivo“, não „subjetivo“

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Eu-lírico: caracterizado por sua „unidade“, que consiste no fato de não ser um eu real no sentido empírico, mas em ser expressão, em ser forma de um eu.

„Es ist kein gegebenes, sondern ein erschaffenes Ich, das, wie das Kunstwerk selbst, völlig unabhängig von seinen individuellen oder allgemeinen Inhalten seinen rein formalen Charakter bewahrt. Der Dichter findet dieses Ich nicht in sich vor, sondern ähnlich den redenden und handelnden Gestalten eines Dramas muß er auch das lyrische Ich erst aus dem gegebenen erschaffen.“

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Lírica e ficcionalidadeA. Rosenfeld

tese: “a personagem constitui a ficção” (p. 27)“verificação do caráter ficcional de um escrito”

problema ontológico: ficção, objetos intencionais tem valor próprio e “ofuscam” a realidade;

problema lógico: enunciados são “quase-juízos”, intenção não é séria, “aparência de realidade revela intenção ficcional ou mimética (p. 20)

problema epistemológico: personagem “torna patente a ficção. [...] “Isso é pouco evidente na poesia lírica, em que não parece haver personagem. Todavia [...] um Eu-lírico [...] não deve ser confundido com o Eu empírico do autor.” (p. 21)

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ainda Rosenfeld...

“Parece, contudo, que se pode negar em geral a opinião de que nas orações de poemas líricos se trata de juízos, de ‘enunciados existenciais’ acerca de determinada realidade psíquica do poeta ou qualquer realidade exterior a ele.” (p. 21)

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“É perfeitamente possível que haja referência indireta a vivências reais; estas, porém, foram transfiguradas pela energia da imaginação e da linguagem poética que visam a uma expressão ‘mais verdadeira’, mais definitiva e mais absoluta que outros textos. O poema não é uma ‘foto’ e nem sequer um ‘retrato artístico’ de estados psíquicos; exprime uma visão estilizada, altamente simbólica, de certas experiências.” (p. 22)

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Ex. “A pantera”, de Rilke X poema descritivo

“Tal ‘ilusão’ [impressão da presença real do objeto] somente é possível pela colocação do leitor dentro do mundo imaginário, mercê do foco “personal” que deve animar o poema e lhe dá o caráter fictício. No poema, isso é conseguido, antes de tudo, através da força expressiva da linguagem, que transforma a mera descrição em uma vivência duma personagem que erradamente se costuma confundir com o autor empírico. Mas, enquanto a poesia, na sua forma mais pura, se atém à vivência de um estado, o gênero narrativo (e dramático) transforma o estado em processo, em distensão temporal.” (p. 28)

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Plotting the lyric: forms of narration in Poetry (Hühn, 2005)

Lírica como narração/ estruturação específica de um enredo/intriga/ação

observação: ausência de reflexões teóricas sobre lírica

Proposta: considerar textos poéticos a partir de categorias da narratologia

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“This paper is based on the assumption that lyric poems generally share the fundamental constituens of story and discourse as well as the narrative act with narrative fiction in that likewise feature a sequence of incidents (usually of a mental kind), mediate and shape it from a specific perspective and present it from a particular point of time vis-à-vis the sequence of incidents.” (p. 148)

Especificação dos tipos de enredo/açãoEstruturação e apresentação do enredoAnálise das funções

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SequencialidadeSequência de incidentes

“Plots in poetry aretipycally constituted by mental or psychological incidents such as perceptions, imaginations, desires, anxieties, recollections or emotions and their emergence and development.” (p. 149)

“Plot”: resultado de seleção, avaliação e correlação de sequências significativas, mais combinação e integração de esquemas e equivalências (p. 151)

“Event”: ponto de virada (turning point) do desenvolvimento do enredo

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Mediação (Mediacy)A) Agentes

Autor biográficoOrganisação composicional do texto (subject of

composition/textual subject) “speaker” ou “narrador” Protagonista

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Mediação (Mediacy)

B) Tipos de perspectivaDistinção entre voz e focalização Localização temporal da narração

Prospectiva Simultânea Retrospectiva

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Forms of Plot and Plotting in Poetry “In general, lyrick plots can be described and

categorised in the following respects: type (thematic frame or development), structure (dynamic impulse and plot mechanism), protagonist (homo- or autodiegetic relation

between narrator and protagonist), act of narration (temporal relation to the

development of the narrative)Function (especially for the narrator), Eventfulness (type of event and location on story

or discourse level).” (p. 154)

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Conclusões“poems employ a wide variety of forms of

narrative and techniques of narration to present and tackle mental or existential problems confronting the speaker

“whithin this narrative setup the concept of (gradable) eventfullness offers a differentiated method of defining the ‘point’ of poems and locating the decisive turning points in their development.”

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Conclusões“one important dimension of variation in the

emplotment of poems concerns the temporal position of the act of narration whithin the mediated story”.

“the relation of narrator to story told is very variable – in terms of time and tense (retrospective, simultaneous, prospective) and mode or mood (negative, optative), with consequences for the function of narration.”

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Conclusões“the act of narrating frequently has a

specifiable function in poems, such as self-clarification, self-identification, overcoming a crisis or negotiating a necessary transition.”

“poems can utilize the poetic discourse level to complete (or redefine) the plot of the story level.” (p. 167-168)

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Drama

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Drama: texto, partitura, encenaçãoZipfel (2001)

Drama como texto ≠ encenação meios linguísticos ≠ meios teatrais base, partitura ou indicação para a encenaçãoobra de arte

Ficcionalidade do texto teatral não pode ser esclarecida com as características da encenação

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Drama como “direktive Sprachhandlung”

Característica estrutural do drama: dois níveis textuais Haupttext (diálogos)/Sprecher-Text + Nebentext (marcações)/Autortext

Tese: diálogos inseridos no “Nebentext” como diálogos em um texto narrativo

Disdascália: atos de fala (reais) do autor para atores

Texto teatral: estrutura de ato de fata diretivo (pretende que o outro faça algo) Searle: receita de bolo (!)

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Na encenação, indicações não são ouvidas, são vistas

“O que significa a descrição do texto teatral como ato de fala diretivo para a questão da ficcionalidade? Aqui se deve dizer que a questão da ficcionalidade de um ato de fala diretivo simplesmente não se coloca.” (Zipfel, p. 311)

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“A questão da fictividade ou ficcionalidade surge apenas no âmbito de textos cujos atos de fala dominantes mostram a orientação da-palavra-ao-mundo; a orientação de atos de fala diretivos é, porém, do-mundo-à-palavra, e nesse âmbito de fatos de fala a questão da ficcionalidade não tem sentido. [...] Um texto teatral é um ato de fala específico, porém conforme as regras linguísticas.” (p. 312)

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Drama como texto para leitura

Leitura independente do ato ilocucionário específico (diretivo)

Indicações lidas como descrições não como texto do autor mas como texto que acompanha/narra diálogos

Ficcionalidade do texto teatral: a ser analisada com (algumas) categorias aplicáveis a textos narrativos

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Teatro documental

Contexto específico

Posição política clara

R. Hochhut: Der Stelltvertreter (1963)

F. Dürrenmatt: Die Physiker (1962)

Peter Weiss: Die Ermittlung (O interrogatório) – 1965

Processos de Frankfurt sobre Auschwitz – 1963-65

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Referências bibliográficas

Lins Brandão (sd)Burdorf (1997) Hegel (1980) Hühh (1995)Jeßing/Köhnen (2007)Platão (1969)Susman (1910) Zipfel (2001)