408
Língua Portuguesa ANO Ensino Médio José Luís Marques López Landeira Licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal). Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela FFLCH-USP. Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professor de ensino fundamental, médio e universitário. Alice Vieira Graduada em Português e Francês pela FFLCH-USP. Mestre em Literatura Portuguesa pela FFLCH-USP. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professora do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP. Edição conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) MLp1A2-C0-001a008.indd 1 21/1/2011 13:22:44

Lingua Portuguesa 1ª Série

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Lingua Portuguesa 1ª Série

LínguaPortuguesa

1º ano

Ensino Médio

José Luís Marques López Landeira Licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela FFLCH-USP. Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da USP.

Professor de ensino fundamental, médio e universitário.

Alice Vieira Graduada em Português e Francês pela FFLCH-USP.

Mestre em Literatura Portuguesa pela FFLCH-USP.Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP.

Professora do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP.

Edição co

nform

e o A

cord

o

Ortográ

fico d

a Lín

gua P

ortugue

sa (1

990)

Posicionar no canto inferior direito da primeirapágina dos livros“encostando” naslinhas de sangria.

MLp1A2-C0-001a008.indd 1 21/1/2011 13:22:44

Page 2: Lingua Portuguesa 1ª Série

MLp1A2.indb 2 30/6/2010 14:04:49

Page 3: Lingua Portuguesa 1ª Série

Queridos alunos e queridas alunas

Vocês têm o privilégio de estudar numa escola salesiana, que faz da felicidade de seus alunos e alunas a razão da própria existência.

O seu Colégio faz parte da Rede Salesiana de Escolas. Por isso mesmo, usa livros didáticos exclusivos, cuja qualidade os coloca entre os melhores do Brasil. Eles foram produzidos por autores e técnicos altamente qualificados e seguem os princípios educativos sugeridos pela Unesco, bem como as normas e diretrizes adotadas pelo MEC para a educação exigida nos tempos atuais.

Esses livros têm o objetivo de ajudar cada um de vocês a edificar uma base sólida para a própria vida, construindo, com a orientação de seus educadores, os saberes indispensáveis para enfrentar os grandes desafios do século XXI:

• Aprender a aprender, construindo e elaborando os conhecimen-tos de que precisa agora e precisará no futuro.

• Aprender a fazer, tornando-se capaz de aplicar nas situações con-cretas da vida os conhecimentos adquiridos.

• Aprender a conviver, participando dos grupos de que faz parte, re-conhecendo e aceitando as diferenças, convivendo pacificamen-te com os outros e exercendo a cidadania, como personagem atuante na História de seu País e do mundo.

• Aprender a ser, tornando-se progressivamente uma pessoa hu-manamente mais completa e mais perfeita.

• Aprender a crer, abrindo-se para as realidades que ultrapassam as dimensões materiais da vida.

A construção desses saberes desenvolve progressivamente as com-petências e habilidades que ajudarão você a vencer as provas e concursos que tiver de enfrentar ao longo da vida. A começar pelo ENEM que, a partir de 2009, ganhou mais importância como forma de ingresso em muitas fa-culdades, particularmente nas federais, substituindo no todo, ou em parte, o vestibular tradicional.

Aproveite bem a ajuda oferecida por esse material pioneiro, inova-dor. Faça de cada livro uma ferramenta valiosa para a construção do futuro de seus sonhos. E lembre-se:

Nas olimpíadas da vida, a vitória depende de dedicação, esforço, entusiasmo e perseverança. Busque e você conseguirá a vitória.

Pe. Nivaldo Luiz PessinattiIr. Ivanette Duncan de Miranda

Diretores da RSE

MLp1A2.indb 3 30/6/2010 14:04:49

Page 4: Lingua Portuguesa 1ª Série

Todos os direitos reservados à Editora Cisbrasil - CIBEndereço: SHCS CR – Quadra 506 – Bloco B – Lojas 65 / 66 – Asa Sul • Brasília – DF – CEP 70350-525 Telefone: (0XX61) 3214-2300 • Fax: (0XX61) 3242-2324 • E-mail: [email protected]

Copyright © 2004: José Luís Marques López Landeira Alice Vieira Kátia Cristina Stocco Smole, Maria Ignez de Souza Vieira Diniz

Coordenadoras: Alice Vieira, Cláudia Cavalcanti Pereira, Sônia Rolfsen Diaz

Editor: Prof. Gleuso Damasceno Duarte

Coordenador de Arte: Marcos Lourenço

Coordenador Editorial: Hermínio José Casa

Coordenador de Produção: Marcelo Martins

Assessoria Editorial: Clarisse Bruno, Ester Tertuliano Rizzo

Capa e Projeto Gráfico: Lápis Lazúli

Anna Göbel, Círculo Cinco (Andréa Vilela, Júlia Bianchi, Mirela Spinelli, Sandra Bianchi, Sílvia Aroeira), José Luís Marques López Landeira, Light Planejamento Gráfico Ltda., Média Inteira Ilustração Ltda. (Andréa Vilela), Robson Araújo

Revisão: Alessandro Faleiro Marques, Dila Bragança de Mendonça, Níbia Cândida Ribeiro, Seculus Editoração

Diagramação: Bruno Martins, Lápis Lazúli

Fotografias: Capa: Keystone, RSE-BIMiolo: Keystone

Nos casos em que não foi possível contatar os detentores de direitos autorais sobre materiais utilizados como subsídio na produção deste livro, a Editora coloca-se à disposição para eventuais acertos, nos termos

da Lei 9.610 de 19-2-1998 e demais dispositivos legais pertinentes.

Landeira, José Luís Marques López. Língua Portuguesa: ensino médio, 1º ano. / José Luís Marques López Landeira, e Alice Vieira. 2ª ed. - 2ª reimpressão. Brasília: Cisbrasil - CIB, 2011. 408 p. (Coleção RSE)

ISBN nº 978-85-7741-070-5

I. Vieira, Alice. II. Rede Salesiana de Escolas. 1. Língua Portuguesa.

Os autores agradecem a colaboração dos professores Douglas D’Ângelo (Instituto Santa Tereza - Lorena), Pétria Cartolano Chaim (Instituto Santa Tereza - Lorena), Silvia Maria dos Santos Moura (Instituto Santa Tereza - Lorena), Simoni Regina Severino Schmitz (Colégio Salesiano -

Itajaí) que contribuíram para a elaboração deste volume.

Os pedidos desta obra devem ser encaminhados ao endereço da Editora Cisbrasil - CIB.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Equipe AdministrativaEndereço: SHCS CR – Quadra 506 – Bloco BLojas 65 / 66 – Asa Sul Brasília – DF – CEP 70350-525Tel.: (0XX61) 3214-2300 – Fax: (0XX61) 3242-4797E-mail: [email protected]

Equipe de Comunicação e MarketingEndereço: Av. Amazonas, 6825/3º andar – GameleiraBelo Horizonte – MG – CEP 30510-000Tel.: (0XX31) 3332-2087E-mail: [email protected]

Equipe EditorialEndereço: Av. Amazonas, 6825/3º andar – GameleiraBelo Horizonte – MG – CEP 30510-000Tel. (fax): (0XX31) 3375-9664E-mail: [email protected]

Equipe PedagógicaEndereço: SHCS CR – Quadra 506 – Bloco BLojas 65/66 – Asa Sul Brasília – DF – CEP 70350-525Tel.: (0XX61) 3214-2300 – Fax: (0XX61) 3242-4797E-mail: [email protected]

Impressão

EGL – Editores Gráficos Ltda.Endereço: Av. Professor Magalhães Penido, 1011 – São LuizBelo Horizonte – MG – CEP 31270-700Tel.: (0XX31) 2111-7373 – Fax: (0XX31) 2111-7374

Ilustrações:

MLp1A2-C0-001a008.indd 4 29/3/2011 14:24:14

Page 5: Lingua Portuguesa 1ª Série

Capítulo 1 – LInGuAGEM, o Eu E o outRo ..................................................................... 10Refletindo sobre a comunicação .......................................................................................................... 10Roteiro para a discussão ...................................................................................................................... 17O senhor Xisto, as linguagens e a tecnologia ....................................................................................... 18Linguagem, texto e comunicação ........................................................................................................ 19Pausa para reflexão .............................................................................................................................. 23A linguagem publicitária ....................................................................................................................... 23Pausa para reflexão .............................................................................................................................. 28Trabalhando com projeto ...................................................................................................................... 28Estratégias de leitura: o texto narrativo ................................................................................................. 29Para ler .................................................................................................................................................. 33Recapitulando nosso aprendizado: a linguagem entre você e o outro ............................................... 38

Capítulo 2 – A LínGuA PoRtuGuESA ConStRuInDo o tExto .................................... 40A língua portuguesa é viva... ................................................................................................................ 40A língua portuguesa no mundo ............................................................................................................ 42A notícia em português... ...................................................................................................................... 43Textualidade .......................................................................................................................................... 46A coesão textual .................................................................................................................................... 47Pausa para reflexão .............................................................................................................................. 52Como buscar informações em obras de referência ............................................................................. 52Como surgem palavras novas na língua portuguesa? ......................................................................... 54Trabalhando com projeto ...................................................................................................................... 57Estratégias de leitura: o texto poético ................................................................................................... 59Para ler .................................................................................................................................................. 63Recapitulando nosso aprendizado: o português no mundo e a identidade do brasileiro .................. 63

Capítulo 3 – o outRo nAquILo quE Eu DIGo ................................................................ 66O olhar atento do escritor... .................................................................................................................. 67Um olhar provocador sobre a linguagem ............................................................................................. 69Quem conta um conto... ...................................................................................................................... 76Texto e coerência .................................................................................................................................. 80Intertextualidade .................................................................................................................................... 81Pausa para reflexão .............................................................................................................................. 85Trabalhando com projeto ....................................................................................................................... 86Estratégias de leitura: a intertextualidade no processo de construção do sentido (parte 1) ............... 87Para ler .................................................................................................................................................. 89Recapitulando nosso aprendizado: um pouco do outro naquilo que você diz ................................... 90Na hora de estudar... ............................................................................................................................ 93Caiu no vestibular ................................................................................................................................. 94

Um olhar sobre a comuni-cação

MLp1A2.indb 5 30/6/2010 14:04:51

Page 6: Lingua Portuguesa 1ª Série

Capítulo 4 – LInGuAGEM: Luz Do MoMEnto ................................................................ 100O conceito de gênero textual .............................................................................................................. 100A crônica ............................................................................................................................................. 102Trabalhando em equipe ...................................................................................................................... 111Melhorando a coesão do texto: os conectivos temporais ................................................................. 116Pausa para reflexão ............................................................................................................................ 117Trabalhando com projeto ..................................................................................................................... 118Estratégias de leitura: ler para quê? .................................................................................................... 118Para ler ................................................................................................................................................ 120Recapitulando nosso aprendizado: o gênero crônica ....................................................................... 122

Capítulo 5 – LAtIM EM Pó: DA oRIGEM DA LínGuA PoRtuGuESA AoS noSSoS DIAS ... 123Bater papo? Depende com quem... .................................................................................................. 124A necessidade da linguagem ............................................................................................................. 125Latim virando pó... .............................................................................................................................. 126Paquerando em galego-português ..................................................................................................... 128Uma estratégia de estudo: da leitura para o resumo ......................................................................... 137A gramática da língua portuguesa ..................................................................................................... 143Pausa para reflexão ............................................................................................................................ 150Para ler ................................................................................................................................................ 150Trabalhando com projeto ..................................................................................................................... 151Estratégias de leitura: a intertextualidade no processo de construção do sentido (parte 2) ............. 152Recapitulando nosso aprendizado: em resumo – o português veio do latim ................................... 153E a reforma ortográfica ........................................................................................................................ 158

Capítulo 6 – A LItERAtuRA CAI nA BoCA Do MunDo ................................................. 160A necessidade da arte ........................................................................................................................ 161A literatura: uma forma de arte e o começo do problema... ............................................................. 162Construindo um conceito de literatura ............................................................................................... 165Qual a utilidade da literatura? ............................................................................................................. 172A literatura divulgada na sociedade: a resenha crítica ....................................................................... 175A literatura revelando a identidade do ser humano e da sociedade ................................................. 180Um estudo da linguagem: o adjetivo em Vidas secas ....................................................................... 190O adjetivo e a caracterização .............................................................................................................. 194O grau dos adjetivos ............................................................................................................................ 199O Nordeste, o adjetivo e José Lins do Rego ...................................................................................... 201História crítica da arte e da literatura greco-latinas ............................................................................ 204Agora é a sua vez ............................................................................................................................... 212Pausa para reflexão ............................................................................................................................ 215Para ler ................................................................................................................................................ 215Recapitulando nosso aprendizado: a dimensão social da literatura ................................................. 216Quadro-resumo do capítulo ................................................................................................................. 217Respondendo a questões de múltipla escolha no vestibular – interpretação de textos ................... 218Questões de exames de acesso ao ensino superior ......................................................................... 220

A comunicação no tempo presente

MLp1A2.indb 6 30/6/2010 14:04:52

Page 7: Lingua Portuguesa 1ª Série

Capítulo 7 – FAzEnDo GênERo CoM A LItERAtuRA ................................................... 226Os gêneros literários ........................................................................................................................... 226O gênero narrativo ou épico ............................................................................................................... 227O narrador e os discursos das personagens: o discurso indireto livre ............................................. 233O gênero lírico ..................................................................................................................................... 240O gênero dramático ............................................................................................................................ 249Exercício de oralidade ......................................................................................................................... 252A personagem, o espaço e o tempo na literatura: renovando a linguagem do teatro... .................. 257Um estudo da linguagem: o substantivo em O impossível carinho de Manuel Bandeira ................. 268Pensando em arte... ........................................................................................................................... 276História crítica da arte e da literatura medievais ................................................................................. 280Exercício resolvido .............................................................................................................................. 287Agora é a sua vez ............................................................................................................................... 288Pausa para reflexão ............................................................................................................................ 300Para ler ................................................................................................................................................ 300Recapitulando nosso aprendizado: a dimensão social e linguística da literatura ............................. 301

Capítulo 8 – FALEMoS DE AMoR... .................................................................................. 302Ideologia e amor ................................................................................................................................. 303Um aparte gramatical: os porquês e a norma-padrão ....................................................................... 308Eros e Psiquê: a ideologia nas interpretações ................................................................................... 309Você entrega carta de amor? .............................................................................................................. 314O impasse entre o amor idealizado e a necessidade da forma física ............................................... 332Fazendo as conexões ......................................................................................................................... 334Roteiro de análise de um poema ........................................................................................................ 343História crítica da arte e da literatura do Renascimento ao Barroco .................................................. 346Pausa para reflexão ............................................................................................................................ 360Uma antologia de poemas de amor ................................................................................................... 360Recapitulando nosso aprendizado: o amor idealizado e a linguagem .............................................. 361Para ler ................................................................................................................................................ 362

Capítulo 9 – A LínGuA PoRtuGuESA DE CHutEIRAS .................................................. 363A ideologia na crônica esportiva ......................................................................................................... 364A língua portuguesa e o futebol .......................................................................................................... 367A crônica de memórias ....................................................................................................................... 370O verbo na grande área ...................................................................................................................... 372Quem conta um conto... .................................................................................................................... 377O verbo no conto Corinthians (2) vs Palestra (1) ................................................................................. 382História crítica da arte e da literatura: arcadismo ou neoclassicismo ................................................ 389Pausa para reflexão ............................................................................................................................ 399Para ler ................................................................................................................................................ 399Recapitulando nosso aprendizado: o futebol e a linguagem ............................................................ 400Caiu no vestibular ............................................................................................................................... 401Bibliografia .......................................................................................................................................... 407

A comunicação e a sociedade

MLp1A2.indb 7 30/6/2010 14:04:53

Page 8: Lingua Portuguesa 1ª Série

Todo o trabalho desta unidade centra-se no objetivo de transmitir um olhar diferenciado

sobre a língua portuguesa, apresentando-a a partir de uma perspectiva dialógica e

interativa.

Capítulo 1

LINGUAGEM, O EU E O OUTRO

Conteúdos: Comunicação. Linguagem. Interação. Discurso direto

e indireto. Adequação. Leitura. Texto. Repetição. Intencionalidade discursiva.

Reflexões: A necessidade da linguagem. A linguagem, a

tecnologia e a solidão. Cultura e comunicação. A publicidade e a sociedade atual.

Gêneros textuais: Diálogo. Propaganda publicitária (parte 1). Projeto

(parte 1).

Capítulo 2

A LÍNGUA PORTUGUESA CONSTRUINDO O TEXTO

Conteúdos: Lusofonia. Textualidade. Coesão textual. Consulta a

obras de referência. Neologismo.

Reflexões: A lusofonia construindo uma cultura. Como fazer pesquisa. A necessidade de palavras novas na

língua.

Gêneros textuais: Dicionário. Propaganda publicitária (parte 2). Projeto

(parte 2).

Capítulo 3

O OUTRO NAQUILO QUE EU DIGO

Conteúdos: Metalinguagem. Polissemia. Conotação. Denotação.

Acentuação gráfica. Narrativa. Coerência. Intertextualidade.

Reflexões: O olhar diferenciado do escritor. Psicologia nos

contos de fadas.

Gêneros textuais: Narrativa.

Fim da unidade 1

DE OLHO NO FUTURO: CARREIRA E VESTIBULAR

Na hora de estudar... como melhorar o boletim?Questões dos últimos vestibulares.

MLp1A2.indb 8 30/6/2010 14:05:02

Page 9: Lingua Portuguesa 1ª Série

MLp1A2.indb 9 30/6/2010 14:05:12

Page 10: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 110

Se não fosse aquilo... Nem sabia. O fio da ideia cresceu, engrossou – e partiu-se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos... Nunca vira uma escola.

(Graciliano Ramos)

O pequeno trecho transcrito acima (epígrafe) faz parte do livro Vidas Secas, que pode ser encontrado na biblioteca de sua escola. Uma das personagens do livro é Fabiano, que tem dificuldades em transfor-mar suas ideias em palavras. Para essa personagem, pensar é algo difícil: as ideias começam, mas não progridem.

Passe na biblioteca e conheça melhor o livro que fala das desventuras de Fabiano e sua família na seca nordestina.

Como transformar as ideias em palavras na língua portuguesa? O que aconteceria se você resolvesse sair por aí, inventando palavras novas para ex-pressar suas ideias? Por que não pode inventar palavras novas se tantas vezes acontece de ler, em um jornal, numa revista ou num livro da escola, uma palavra cujo sentido você não conhece?

Sexa

REFlEtINDo SoBRE a CoMuNICaÇÃo

– Pai... – Hummm?– Como é o feminino de sexo?– O quê?– O feminino de sexo.– Não tem.– Sexo não tem feminino?– Não.– Só tem sexo masculino?– É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.– E como é o feminino de sexo?– Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.– Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.

LINGUAGEM, O EU E O OUTRO

MLp1A2.indb 10 30/6/2010 14:05:13

Page 11: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 11

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO (1936-) – Nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Filho do escritor Érico Veríssimo. Jornalista e cronista, escreve textos marcados pela reflexão e bom humor para revistas e jornais, assim como para a televisão. Além disso, publicou diversos livros.

Se gostou do texto “Sexa”, com certeza, irá gostar de todo o livro Comédias para se ler na escola.

O menino da narrativa de Luís Fernando Veríssimo cismou com a palavra “sexa”. É essa cisma que dá origem ao relato.

1. Agora, responda oralmente:

• Alguma vez você já cismou com alguma palavra? Conte a sua ex-periência.

• Em sua opinião, ocorreu interação entre o pai e o menino do re-lato?

Vivemos em uma sociedade que valoriza, como em nenhuma outra época humana, a comunicação. Comunicar-se, no entanto, é sempre um desafio porque nunca depende de uma pessoa só. Os sujeitos de todo ato de comunicação

– O sexo pode ser masculino e feminino. A palavra “sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.

– Não devia ser “a sexa”?– Não.– Por que não?– Porque não! Desculpe. Porque não. “Sexo” é sempre masculino.– O sexo da mulher é masculino?– É. Não. O sexo da mulher é feminino.– E como é o feminino?– Sexo mesmo. Igual ao do homem.– O sexo da mulher é igual ao do homem?– É. Quer dizer... Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo

feminino, certo?– Certo.– São duas coisas diferentes.– Então como é o feminino de sexo?– É igual ao masculino.– Mas não são diferentes?– Não. Ou, são. Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda

a palavra.– Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.– A palavra é masculina.– Não. “A palavra” é feminino. Se fosse masculina seria “o pal ...” Chega! Vai brincar, vai.O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:– Temos que ficar de olho nesse guri...– Por quê?– Ele só pensa em gramática.

VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Interação: é troca, ação entre dois ou mais. Ou-vimos a palavra “intera-ção” quando falamos de Internet, por exemplo. A Internet é interativa, pois não apenas rece-bemos informações, mas podemos selecionar as que mais nos interessam e lê-las na ordem que quisermos. Podemos também conversar com outras pessoas e ex-pressar nossas opiniões e pontos de vista.

MLp1A2.indb 11 30/6/2010 14:05:15

Page 12: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 112

são seres ativos, construtores sociais que, em diálogo contínuo, constroem-se e são construídos pelo texto, oral ou escrito.

Em Sexa, de Luís Fernando Veríssimo, um pai e um filho interagem por meio da linguagem, de modo que se modificam os comportamentos: o pai, por exemplo, começa a sentir a necessidade de ficar de olho no filho.

2. E o filho, o que aquela conversa pode ter mudado no pensamento e no comportamento dele? Por quê?

Mas nem sempre nos comunicamos por meio de palavras orais ou escritas. Pense, por exemplo, uma aliança. Essa aliança não é um anel qualquer, mas representa algo distinto de si mesmo, ou seja, que essa pessoa que a usa está comprometida. Essa aliança é um signo.

Todo signo representa algo (no caso da aliança, “compromisso”) que não é ele mesmo e que denominamos referente. Isso explica o fato de a palavra “sexo” servir tanto para o masculino como para o feminino. Isso porque as palavras são signos. A palavra portuguesa “menino” tem um referente que, geralmente, é o mesmo da palavra inglesa “boy” e da palavra espanhol “niño”. Toda linguagem é composta por um código, ou seja, um conjunto de signos.

Imaginemos, agora, uma outra situação: uma senhora casada tirou a alian-ça enquanto lavava as mãos e esqueceu-a na pia do banheiro. Sua filhinha, encontrando a aliança, põe-na no dedo, para brincar. Será que isso significa que a menina casou?

Usamos os signos em um contexto, ou seja, dentro de uma situação de comunicação que se constitui em espaço de troca, no qual os interlocutores se põem em relação um com o outro. Ninguém que olhasse para a menina brin-cando com a aliança da mãe iria pensar algo como “Puxa! Como essa menina casou cedo!”. Provavelmente, o contexto da enunciação (ou seja, a situação comunicativa que leva a pessoa que olha para a menina a mudar o seu compor-tamento por meio da linguagem) fizesse essa pessoa pensar algo como: “Onde essa menina pegou essa aliança!”.

Não é apenas o signo que comunica, mas é a interação entre os signos, o contexto e os interlocutores que produz o sentido.

Mensagem : o que as pessoas transmitem en-tre si na forma de lin-guagem.

Linguagem: a represen-tação do pensamento por meio de sinais codifi-cados que possibilitam a comunicação, a interação e a identidade entre as pessoas.

Código: conjunto de sig-nos utilizados socialmente para a transmissão de mensagens.

Signo: todo objeto, forma ou fenômeno que repre-senta algo distinto de si mesmo.

Podemos concluir que a linguagem necessita de um indivíduo que deseja comunicar-se. Esse indiví-duo realiza o ato comunicativo por meio de signos, relacionando-os a uma série de fenômenos ligados à transmissão da mensagem dentro de um contexto histórico, geográfico, social e cultural.

Esse contexto relaciona-se aos papéis que os interlocutores desempenham na sociedade. Relaciona-se também às intenções comunicativas desses interlocutores e ao conhecimento de mundo que possuem. A esse conjunto de informações denominamos contexto discursivo.

O ser humano utiliza de diferentes linguagens, como a música, a dança, a escultura, a fotografia, a mímica, etc. Essas linguagens podem ser divididas em dois grupos:

A linguagem verbal – utiliza-se da palavra falada (oral) ou escrita como signo.

MLp1A2.indb 12 30/6/2010 14:05:16

Page 13: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 13

A linguagem não verbal – utiliza-se de outros signos, como a imagem, o gesto, a cor, etc.

Além disso, há linguagens mistas, que utilizam, ao mesmo tempo, as lin-guagens verbal e não verbal, como o cinema, as histórias em quadrinhos e a televisão, por exemplo.

o diálogoO diálogo entre duas pessoas é, provavelmente, uma das formas de comu-

nicação mais antigas. O texto de Luís Fernando Veríssimo tenta representar por escrito a conversação entre um pai e um filho.

A regra geral básica da conversação é fala um de cada vez. Nem todos fa-lam ao mesmo tempo (em geral, um espera o outro concluir), e um só não fala o tempo todo (os falantes se alternam). Além disso, é necessário tomar o turno da palavra, o que exige uma disciplina da atividade conversacional. O esquema geral da conversação ficaria assim:

falante A: pede a palavra, fala e para;

falante B: toma a palavra, fala e para;

falante A: retoma a palavra, fala e para.

E assim por diante. Mas, na prática, esse esquema é constantemente vio-lado. Por outro lado, temos momentos de pausas que funcionam como breves interrupções.

3. Leia, a seguir, um trecho do texto de Luís Fernando Veríssimo. Localize este trecho no corpo do tex-to, dê-lhe continuidade, alterando o final. Siga a mesma estrutura de diálogo que o texto apresenta.

– Não. Ou, são. Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.– Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.– A palavra é masculina.

No entanto, o texto de Veríssimo, assim como as alterações que você fez, não é realmente a transcrição de um diálogo falado, mas um diálogo escrito.

4. Qual é a função do travessão (–) dentro do texto escrito?

MLp1A2.indb 13 30/6/2010 14:05:17

Page 14: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 114

Como o diálogo oral pode ser representado por escrito?

Há, pelo menos, três formas de representar o discurso oral de outra pessoa no texto escrito: discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre. Neste momento, estudaremos o discurso direto e o indireto.

Discurso direto: as falas do diálogo são reproduzidas do mesmo jeito que foram (ou teriam sido, se o texto for inventado) pronunciadas. Nesse caso, as falas das personagens do texto podem ser introduzidas por travessões (como faz Luís Fernando Veríssimo) ou ficar entre aspas.

Discurso indireto: o narrador da história conta o que as personagens dis-seram. Nesse caso, não há travessões nem aspas. Veja como ficaria o início do texto de Luís Fernando Veríssimo no discurso indireto:

Um filho pergunta ao pai qual seria o feminino de sexo.

Raramente vamos encontrar um texto somente no discurso direto ou no indireto. O mais comum é encontrarmos trechos alternados, para facilitar a leitura e despertar maior interesse no leitor.

A passagem do discurso direto para o indireto exige que se preste atenção aos verbos, bem como aos pronomes e advérbios. Veja:

“Joana disse:– Hoje decidi! Eu nunca mais voltarei aqui.”

Torna-se:“Joana disse que, naquele dia, tinha decidido que nunca mais voltaria lá.”

o uso do travessãoo travessão é utilizado para

• Indicar a mudança de turno nos diálogos.– Você vai à festa do Cadu?– Claro, você acha que eu vou perder essa?

• Isolar a fala da personagem da fala do narrador.– Você vai à festa do Cadu?– Claro – disse Marcos surpreso – você acha que eu vou perder essa?

• Para destacar ou isolar palavras ou expressões no interior de frases.Cadu era famoso pelas festas que oferecia – que festas! –, todos desejavam ser convidados.

5. Passe a sua alteração ao texto de Luís Fernando Veríssimo do discurso direto para o indireto. Note que o narrador utiliza-se de verbos como perguntar, falar, explicar, etc. (que denominamos verbos de elocução) para fazer a transição entre a sua fala e a fala da personagem. Depois, com a orientação do professor, troque de material com outro colega. Examine o trabalho que ele fez e procure encontrar sugestões para deixar esse trabalho mais interessante, imaginando que será lido por alguém de sua idade, mas sem conhecimento do texto original.

A seguir, reúna-se com o colega cujo texto analisou. Elaborem, por escrito, um diálogo telefônico entre dois(duas) amigos(as) e colegas de classe.

Um deles faltou, porque precisou fazer um exame médico e deseja ser informado(a) da matéria desen-volvida, bem como das tarefas de casa. Seu(sua) amigo(a) conta também algo curioso que tenha ocorrido durante as aulas ou no intervalo.

MLp1A2.indb 14 30/6/2010 14:05:18

Page 15: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 15

Terminada a redação, discutam, em classe, quais os aspectos mais impor-tantes que devem constar em qualquer diálogo escrito e quais são próprios ao tipo de interlocutores solicitado.

a InternetUma das linguagens que mais ganhou destaque nos últimos anos é a dos

computadores. Carla, aluna do 1º ano do ensino médio, ao acessar sua caixa postal na Internet, recebeu o seguinte e-mail:

*********************************************************** THIS IS A WARNING MESSAGE ONLY **** YOU DO NOT NEED TO RESEND YOUR MESSAGE **** **** ISTO E APENAS UM AVISO **** VOCE NAO PRECISA MANDAR SUA MENSAGEM DE NOVO ***********************************************************

The original message was received at Mon, 28 Apr 2006 14:36:02 -0300 (BRT)from [200.98.110.90]

A mensagem original foi recebida em Seg, 28 Abr 2006 14:36:02 -0300 (BRT)vinda de [200.98.110.90]

—— The following addresses had transient non-fatal errors ——[Os seguintes enderecos de e-mail apresentaram defeitos tempora-rios]<[email protected]>

—— Transcript of session follows ——[Transcricao da sessao]<[email protected]>... Deferred [Adiado]: Connection reset by mx10.bol.com.br.Warning: message still undelivered after 4 hours [Aviso: a mensagem ainda nao foi enviada depois de 4 horas]Will keep trying until message is 5 days old [Novas tentativas serao feitas por 5 dias]

6. Carla ficou confusa, sem saber o que fazer. Não entendeu nada da mensagem. Na verdade, nem sabia o que fazer após receber o e-mail. Ela decidiu escrever outro e-mail para o seu amigo, repetindo as mesmas ideias do e-mail anterior e apagar a mensagem esquisita recebida. Na sua opinião, ela agiu de forma apropriada? Por quê? Localize os trechos no e-mail que confirmam a sua resposta.

MLp1A2.indb 15 30/6/2010 14:05:19

Page 16: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 116

Leia, a seguir, algumas opiniões sobre a Internet, extraídas da revista Veja e que fizeram parte dos textos-base para a redação do vestibular da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Ufrrj) do ano de 2001:

“Na Internet o executivo se informa. No jornal, é convidado a refletir.” Veja, São Paulo: Abril, n. 32, agos. 2000.

“Segundo a consultoria Datamonitor (www.datamonitor.com), os contatos por e-mail sairão de 5% em 1999 e chegarão a 18% em 2003. No mesmo período, a comunicação por carta ou fax deverá cair à metade. O telefone ainda continuará sendo a principal forma de contato entre as pessoas.” Veja, São Paulo: Abril, n. 17, abr. 2000.

7. Qual a sua opinião: a Internet aproxima ou afasta as pessoas? Por quê?

Muitas pessoas se questionam sobre o papel da comunicação e da tec-nologia na sociedade atual. Atribuem à comunicação informática o aumento da solidão das pessoas que se verifica nos últimos anos. Dizem que as pes-soas passam horas na frente dos computadores e deixam de lado o contato pessoal com os seres humanos. Sobre este assunto, leia com atenção o texto a seguir.

“A solidão aumentou, por certo, na idade da comunicação, mas não se pode atribuir o fenômeno apenas a uma causa. A solidão aumentou também porque a família diminuiu até ao ínfimo. Nela se aprende a comunicação, muito menos que antes. Em muitos casos é inteiramente composta de pessoas isoladas.

A solidão aumentou pelo fenômeno do urbanismo: a grande cidade não facilita a comunicação como o pequeno centro. Leva também à solidão o atual sistema econômico e político. Grande forma de

MLp1A2.indb 16 30/6/2010 14:05:22

Page 17: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 17

JUAN EDMUNDO VECCHI (1931-2002) – Nasceu em 1931, na Ar-gentina. Foi o oitavo sucessor de Dom Bosco à frente da Congregação Salesiana. Antes de sua eleição para Reitor-Mor, durante anos, foi con-selheiro geral para a Pastoral da Juventude Salesiana.

No final da atividade, as opiniões que a classe considerar mais importantes serão postas no quadro, com o título “relações entre comunicação, tecnologia e solidão – opiniões da classe”.

9. Elabore uma narrativa em que defenda uma posição a favor ou contra a Internet. Seja claro ao explicar os motivos de sua posição. Seja também original e criativo, mas não use expressões grosseiras.

Após terminar, troque o texto com o seu colega para que ele possa verificar até que ponto você con-seguiu:

1. Usar, com propriedade e de modo original, os discursos direto e indireto.

2. Apresentar pontos de vista interessantes sobre a Internet e a sociedade.

8. Reúna-se em grupos de cinco alunos. Discutam, brevemente, a questão: A tecnologia, a comuni-cação e o aumento da solidão. Para que a discussão não se perca no meio dos comentários, cada grupo escolherá um colega para ser o orientador, com a função de conduzir o grupo dentro do roteiro proposto. Durante a discussão, todos tomarão nota das ideias importantes que surgirem sobre o assunto.

comunicação eram as associações sindicais, políticas, profissionais. Hoje há muitos elementos de desagregação na sociedade, porque todo o sistema leva a considerar mais o indivíduo que a pessoa nos seus grupos naturais.

A tudo isso, que já vai modelando internamente as pessoas e as predispõe a uma maior solidão, acrescenta-se, como elemento novo, a contribuição da comunicação informática.”

VECCHI, Juan E. Educadores na era da informática. São Paulo: Salesiana, 2001.

RotEIRo paRa a DISCuSSÃo

I. O grupo concorda com as causas para a solidão apresentadas no texto?

II. A comunicação informática aumenta a solidão?

III. Qual a real importância, hoje em dia, de uma pessoa conhecer as linguagens tecnológicas como Windows, Power Point, Word ou saber usar a Internet?

IV. Até que ponto o conhecimento de informática é essencial para a felicidade dos homens e mulheres de hoje em dia?

Logo após, o professor irá abrir a discussão para o coletivo. Cada um poderá expressar livremente as suas opiniões. Utilizem-se dos apontamentos feitos anteriormente. É importante que o roteiro a seguir seja abordado.

MLp1A2.indb 17 30/6/2010 14:05:23

Page 18: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 118

o SENhoR XISto, aS lINguagENS E a tECNologIa

O senhor Xisto está falando ao celular com um velho e grande amigo, enquanto segura uma xícara de café num bar. É a primeira vez que frequenta esse lugar. Ouve-se uma música da Rita Lee. O senhor Xisto acabou de almoçar e terá que voltar logo para o trabalho. Olha o relógio e, em seguida, olha para um outdoor em frente. Pessoas sorridentes anunciam um final de semana em um hotel. Que bom se ele pudesse viajar neste final de semana! Rapidamente, encerra a conversa, desliga o celular, termina de beber o café. Chama o garçom e pede a conta. Lembra-se de que ainda não leu o jornal. Uma foto na primeira página, logo abaixo da manchete, havia-lhe chamado a atenção. Quando voltar para o escritório, tentará encontrar um tempinho. Encontrar tempo! Tanta coisa que ele queria fazer... O garçom traz a conta, o senhor Xisto paga, agora se ouve uma outra música, dos Titãs. Quem sabe ele não consegue ir ao cinema logo mais à noite? Estreou um filme novo, e ele queria tanto assistir a ele! Mas, antes, terá de escrever aquele longo relatório...

LANDEIRA, José Luís. Especialmente para esta obra. Baseado em ECO, Umberto. Segno. Trad. de Maria de Fátima Marinho. Milão: Isedi; Lisboa: Presença, 1973.

O senhor Xisto não fala com o garçom ou com o seu amigo ao telefone, nem escreve o relatório utilizando-se da mesma linguagem.

10. Que tipos de problemas teria o Senhor Xisto se não soubesse adequar a língua portuguesa às diferentes necessidades sociais? Pense e responda oralmente.

O senhor Xisto está rodeado de situações comunicativas: fala ao celular, ouve uma música, vê as horas, olha para um outdoor, conversa com o garçom, lê o jornal, vai ao cinema, escreve relatórios.

MLp1A2.indb 18 30/6/2010 14:05:25

Page 19: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 19

Para realizar todas essas atividades, o senhor Xisto necessita de certas habilidades: ser alfabetizado, conhecer a língua da sociedade onde vive e saber como utilizá-la. Precisa também conhecer os números, bem como outros códigos que lhe permitam andar à vontade na cidade e satisfazer às suas necessidades, como, por exemplo, ir à academia, andar de ônibus, fazer compras no supermercado e assim por diante. Para o senhor Xisto integrar-se na sociedade brasileira, ele precisa saber adaptar a língua portuguesa aos diferentes usos no seu meio.

lINguagEM, tEXto E CoMuNICaÇÃo Quando você pergunta a um colega se ele está bem, você está sendo o

locutor, ou enunciador de uma mensagem, e seu colega, respectivamente, o interlocutor ou coenunciador. Claro que, na hora em que o seu colega lhe res-ponde, os papéis se invertem, e você passa a ser o interlocutor, e o seu colega, o locutor.

O papel do interlocutor não é o de simplesmente receber a mensagem. Pois, enquanto a recebe, interfere no locutor, chegando até mesmo a mudar essa mensagem radicalmente. Pense, por exemplo, numa criança contando uma mentira para a mãe. A mãe, que é a receptora da mensagem, começa a fazer uma expressão de quem não está acreditando muito.

O que costuma fazer uma criança nessa situação? Continuará contando a mentira normalmente ou procurará alterá-la para que fique mais convincente?

Para que uma mensagem realmente comunique, é importante também que o emissor e o receptor partilhem de aspectos de uma mesma cultura. Mas o que é cultura? Leia a tira em quadrinhos a seguir e acompanhe o raciocínio de Manolito.

A comunicação somente ocorre quando, na emis-são de uma mensagem, conseguimos interagir com uma pessoa, fazen-do-nos compreender, modificando o seu com-portamento e contribuindo na construção de sua identidade.

QUINO (1932- ) – Joaquín (Quino) Salvador Lavado nasceu em Mendoza (Argentina). É considerado um dos mais importantes cartunis-tas de todo o mundo. Possui uma visão irônica e crítica sobre o mundo, que se revela em todas as suas personagens. As tiras em quadrinhos da Mafalda, em que encontramos a personagem Manolito, são seu trabalho mais conhecido.

QUINO. Mafalda n. 9. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MLp1A2.indb 19 30/6/2010 14:05:26

Page 20: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 120

11. Releia o terceiro quadrinho: o que é cultura para Manolito?

Cultura é uma dessas palavras que são tão usadas que acabam por signifi-car coisas diferentes para cada pessoa. No nosso estudo, cultura não é apenas conhecimentos aceitos socialmente como importantes. Para nós, cultura é um conjunto de informações (regras, imagens, lendas, mitos e signos) a partir do qual construímos a nossa personalidade.

Por exemplo, é muito comum uma telenovela ou uma música tornarem comum uma determinada expressão de linguagem, de forma que quem a utiliza e quem a ouve acabam por pensar nessa telenovela ou nessa música. A todo momento, as telenovelas, as músicas e outros meios de comunicação estão lançando, na sociedade, novas expressões de linguagem que as pessoas incorporam na sua vida. Por isso, consideramos as telenovelas, as músicas e outras formas de expressão como parte do contexto discursivo no qual dife-rentes linguagens ganham sentido. Esse específico contexto discursivo cultural inclui tudo aquilo que penetra até o mais íntimo do ser humano, participando na construção de sua identidade.

Cultura: é um conjunto de regras, imagens, lin-guagens, lendas, mitos e signos que constitui as identidades, permitindo que a mensagem ganhe significado em um con-texto.

1. Representa o pensamento por meio de signos, permitindo a comunicação: .

2. Todo objeto, forma ou fenômeno que representa algo distinto de si mesmo: .

3. Ação de troca entre dois ou mais interlocutores no processo de comunicação: .

4. Todo signo, ao ser recebido por alguém, também pressupõe um sujeito que o emitiu.

5. Aquilo que os interlocutores transmitem entre si, constituída por signos: .

6. Situação de comunicação em que os interlocutores se põem em relação um com o outro: .

7. Toda mensagem é compreendida dentro de um contexto , de um contexto

e de um contexto .

8. Conjunto de signos que nos permite interagir com uma determinada linguagem: .

Sopa de letras12. Encontre, na sopa de letras a seguir, as definições pedidas. As palavras podem estar na vertical, na

horizontal, na diagonal, de frente para trás e de trás para frente.

S F M G U E A T F S I G N O S S I O A Ç I L R A S T R O N AI A S E M U S I G O R S E S O M P U R A L I D U C A S B G RG S A L E O R S L C L A R I D A D E E H F M I G Z Q O H R TN S Ç M N A M R E I P O S T I E F Ç N I X H S M O L I S A EA I F A S M I R C A O Ç A R T U A L I S M C U L T U R A L NL M E G A U G N I L Ç E N T A L W G S T O X N T X O M Y A OI E G U G E F M G A S I G R X N E A S Ó N O M O E N E B O TN S U E E S S O I N T E R E M I S S O R M I Q E T S A O R NG O S I M S S R S P A T O M A X Q M R I T L U C N S T I B OU T A P R E Ç A O Z H A S O S S I X T C A H D I O Z R G G CÇ U D A E V I D G N O S I A R T M I C O G I D Ó C M O N E NA T B S S I L I N T E R A Ç Ã O A T B E M E N S B A G E M I

MLp1A2.indb 20 30/6/2010 14:05:27

Page 21: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 21

a leitura do textoAs mensagens se apresentam em textos na sociedade. As mensagens ver-

bais, compostas de signos verbais, chegam até nós em textos verbais. Esses textos podem ser orais ou escritos.

Um texto é parte das atividades de comunicação dos seres humanos. Essas atividades envolvem diversos procedimentos e estratégias que ocorrem na mente humana e são ativados em situações de interação social.

Leia, com atenção, o texto seguinte:

Texto: uma organização concreta da linguagem percebida ou pela audi-ção (texto oral), pela visão (texto escrito) ou pelo tato (texto escrito em braile), que tem unidade de sen-tido e revela uma função social, além da intenção de modificar o pensamen-to ou o comportamento do interlocutor.

MAITENA. Mulheres alteradas 2. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

13. Os seis quadrinhos acima formam um único texto. Justifique essa afirmação.

Um texto surge sempre como parte de uma atividade comunicativa. Por isso, todos os sentidos de um texto são construídos na interação entre o texto e o autor, e o leitor, esses dois últimos são indivíduos ativos que, em um diálogo constante com o momento histórico e social em que vivem, constituem-se e são constituídos no texto.

14. Levando em conta o contexto social em que você vive, que imagem do jovem se forma no texto de Maitena? Concorda com ela? Por quê?

ah, como é bom as crianças terem um cachorro!

MLp1A2.indb 21 30/6/2010 14:05:30

Page 22: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 122

Língua: tipo de código formado por palavras e determinadas leis que possibi l i tam a comu-nicação entre as pes-soas.

QUINO. Esto no es todo. Barcelona: Lumen, 2002.

VELázQUEz, Diego. As meninas (1656). Madri: Museo del Prado.

Por isso, é importante pensar bem no processo de interação entre os interlocutores e o texto.

Observando atentamente a reprodução ao lado, procure identificar que relação o pintor procura manter com o público que observa o quadro.

15. Que relação encontra entre o texto de Quino e o que acabamos de explicar?

A língua é uma realidade social, por isso mesmo, não podemos interpretar um texto de qualquer jeito. Toda interpretação de um texto deve ocorrer num contexto. As palavras, faladas ou escritas, ganham uma história própria, que nem sempre conseguimos controlar. É o caso do texto de Quino a seguir.

DIEGO VELÁZQUEZ (1599-1660) – É um dos mais representativos pin-tores espanhóis de todos os tempos. Inteligente e altivo, era dotado de uma portentosa técnica, conseguindo pro-duzir o efeito pretendido. Assim, pintou cerca de cem quadros, atingindo um conjunto de conquistas que são admi-radas até hoje.

MLp1A2.indb 22 30/6/2010 14:05:35

Page 23: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 23

Todo o quadro se dirige para quem está fora dele, para o apreciador de arte. É como se a obra de arte somente tivesse razão de ser por causa daquele que a observa. Ele é a própria razão da obra de arte existir.

Como no quadro de Velázquez, em todo ato de comunicação, o receptor tem de ocupar o seu lugar, e o seu lugar não é apenas receber tudo que lhe transmitem: o leitor também tem de interagir com o texto que está lendo. Repa-re que o próprio pintor está ligeiramente afastado do quadro que pinta, como todos nós, quando somos autores, de vez em quando temos de parar, olhar o que estamos produzindo e pensar em quem o vai ler.

Você gosta de ler? Muita gente, no Brasil e até no mundo, não sabe ler. Outros sabem ler, mas não leem nada. É como se não soubessem. Normalmente, é mais fácil gostar daquilo que sabemos fazer bem. Se uma pessoa não entende aquilo que lê, vai ser difícil ela gostar de ler. Assim, ao passo que entendermos melhor como funciona a leitura, vamos gostar mais e mais de ler.

a lINguagEM puBlICItÁRIaAgora você será um publicitário. Os publicitários são profissionais especia-

lizados em trabalhar com propaganda. Sua função na sociedade consiste em produzir os mais variados textos que exerçam uma ação psicológica sobre o público, influenciando-lhe a conduta.

pauSa paRa REFlEXÃo Em seu caderno, responda às questões a seguir.

I. Use a sua memória e indique o que você aprendeu do que foi estudado até aqui, neste capítulo.

II. Quais conteúdos vistos, na sua opinião, deveriam ser trabalhados novamente em sala de aula?

III. Qual(is) atividade(s) você considerou mais importante(s) para seu aprendizado? Por quê?

IV. Em que aspectos poderia melhorar a sua participação nas atividades propostas? Por quê?

16. Com a ajuda de seu professor, forme uma dupla, que irá elaborar uma ilustração explicativa do que estudamos até agora. Cada dupla poderá usar diversos recursos, como pintura, colagem e desenho. Não se trata de encontrar uma figura em uma revista e colá-la num papel, mas de usar criatividade para exemplificar a teoria estudada.

Depois, a dupla elaborará um texto escrito em que explicará a relação de sua ilustração com os conteúdos que foram considerados em sala de aula até agora. Procurem ser muito claros no texto escrito, para que o seu leitor não fique com dúvidas na hora em que estiver lendo. Para isso, assim que o texto ficar pronto, mas antes de entregá-lo ao professor, troquem os trabalhos com a dupla ao lado, pedindo-lhe que dê sua opinião sobre a ideia desenvolvida e, principalmente, se a parte escrita do texto pode ser compreendida sem que os autores tenham que explicar oralmente o que quiseram dizer. Utilizem a língua portuguesa padrão para que o texto seja adequado ao contexto de estudo e ao nível de responsa-bilidade da sala de aula.

MLp1A2.indb 23 30/6/2010 14:05:36

Page 24: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 124

Você foi contratado para produzir um cartaz sobre a importância da comu-nicação entre as pessoas. Tem-se constatado que a solidão aumentou muito entre as pessoas nos últimos anos. No entanto, para o êxito de seu trabalho, você necessita de certas informações teóricas. Assim, antes de pormos a agên-cia publicitária em funcionamento, vamos examinar um texto publicitário que se utiliza de um suporte diferente: é um cartão postal. Os postais fazem parte dos hábitos culturais das cidades grandes. São facilmente encontrados em bares, restaurantes e até em fast-foods.

Propaganda: “em sentido restrito, atividade que visa a influenciar o homem, com objetivo religioso, político ou cívico. Se tiver finalidade comercial, use publicidade.”

Folha de S.Paulo: manual da redação. São Paulo: Publifo-lha, 2001.

MLp1A2.indb 24 30/6/2010 14:05:39

Page 25: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 25

17. Examine a parte frontal do cartão. Observe as cores e a modelo da fotografia. Há, nessa propa-ganda, diversos elementos que, em conjunto, reforçam a ideia central que se deseja associar ao produto. Identifique esses elementos.

18. Estabeleça uma relação entre o tipo de público a que a publicidade se destina e a personagem feminina que aparece na frente do cartão, assim como o predomínio da cor rosa vibrante.

19. No verso do cartão, lemos: “O maior display colorido tem a maior agenda: 500 posições. O único com várias capinhas para trocar*. Aplicações e jogos como no seu computador. Ultracolorido”. Observe que o termo “colorido” aparece repetido duas vezes, uma delas, inclusive, em negrito e com o prefixo “ultra”. Que importância ganha no texto a repetição do termo “colorido” e qual a relação com a frente do cartão?

20. Redija um pequeno texto em que manifesta a sua opinião sobre a eficiência dessa publicidade para atingir o público. Explique o seu ponto de vista.

Na sociedade em que vivemos, há quem diga que “a propaganda é a alma do negócio”. O texto de propaganda tem diversas características que estudaremos ao longo do ano. Uma delas é que apresenta, de forma repetida, as ideias principais, para dar um reforço no ponto que deseja destacar.

MLp1A2.indb 25 30/6/2010 14:05:40

Page 26: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 126

a repetição e a intencionalidade discursivaEm todo ato de co-

municação, o ser huma-no repete as mesmas ideias diversas vezes. Em certas situações, repete as mesmas pa-lavras. Dentro de um texto, a repetição pode ser usada criativamen-te para deixá-lo mais expressivo. No entanto, repetir também pode empobrecer muito o texto, cansando desne-cessariamente o leitor, que se vê obrigado a ler diversas vezes a mesma informação.

Preste atenção ao texto ao lado.

21. Apesar de ter uma cultura erudita, o rapaz à mesa perdeu a chave e não conseguiu causar boa impres-são. Por quê?

22. Como explicar o sucesso do outro rapaz na interação com a moça?

Por Libero Malavoglia e Paulo Garfunkel (Bravo, set., 1998).

MLp1A2.indb 26 30/6/2010 14:05:46

Page 27: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 27

A comunicação entre os interlocutores não consegue alcançar êxito, e é isso que provoca o humor. A personagem que está indo embora não leva em conta um princípio fundamental da comunicação: a intencionalidade discursiva dos interlocutores. Toda interação por meio da linguagem tem sempre uma intenção de modificar o comportamento ou o pensamento de nosso interlocutor. A isso chamamos intencionalidade discursiva. Uma roda de amigos num barzinho pode não ser a ocasião de repetir conhecimento cultural erudito.

Saber lidar com a intencionalidade discursiva permite que possamos usar

Intencionalidade discur-siva: as intenções, explí-citas ou subentendidas, presentes na linguagem dos interlocutores que participam numa deter-minada situação comu-nicativa.

a linguagem de acordo com as diferentes situações sociais em que nos vemos envolvidos. Por meio da intencionalidade discursiva, podemos impressionar, implorar, pedir, questionar, ofender e um longo etc.

A intencionalidade discursiva nos obriga a levar em conta diversos componentes da situação comunicativa:

• quem fala; • para quem se fala; • em que contexto se fala.

23. Que aspectos da intencionalidade discursiva poderiam ter sido levados em conta pelo rapaz que não conseguiu o êxito desejado na sua comunicação?

Assim, é a intencionalidade discursiva que fará da repetição uma estratégia de produção textual, permitindo maior interação com o interlocutor.

O uso de estratégias de interação entre o interlocutor que produz o texto e aquele que o vai usar é ainda mais complexo ao pensarmos no texto escrito. Isso porque pode passar-se muito tempo entre as circunstâncias de escrita, o que chamamos de contexto de produção, e as circunstâncias de leitura, ou contexto de uso. Essa diferença temporal certamente interfere na produção de sentidos.

Além disso, pode ocorrer que o texto venha a ser lido em um outro lugar, muito distante daquele em que foi escrito originalmente. É o que ocorre com a Bíblia e outros livros sagrados religiosos, por exemplo.

o que repetir num texto publicitário?Reforçar, de forma criativa e bem-humorada, uma ideia central que se deseja associar a um produto

é uma estratégia comum na propaganda.

24. A seguir, encontra-se uma série de ideias comumente veiculadas pela publicidade. Escolha uma delas e encontre um texto publicitário, em jornais ou revistas, em que essa ideia seja usada para reforçar a venda do produto.

• Modernidade: a mulher moderna conquistou, na sociedade, um novo lugar que lhe permite realizar sonhos antes impossíveis.

• Decisão: quem raciocina por si mesmo tem poder de decisão.• Dedicação a si próprio: cada um, individualmente, merece cuidar de si próprio, valorizando-se e

dedicando tempo a si mesmo.• Originalidade: ser original é deixar uma marca pessoal que significa conquistar um espaço no

mundo.

MLp1A2.indb 27 30/6/2010 14:05:47

Page 28: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 128

25. Apresente o texto publicitário escolhido a seus colegas. Discuta, em classe, como se verifica, nos di-versos textos, a ideia de que “tudo que aparece em um texto publicitário ajuda a reforçar a ideia central que se deseja transmitir”. Depois registre, por escrito, as conclusões a que chegou e compare-as com a explicação a seguir.

pauSa paRa REFlEXÃo Em seu caderno, resolva as questões a seguir.

I. Indique o que você aprendeu sobre linguagem publicitária.

II. Na sua opinião, que conteúdos sobre a linguagem publicitária não foram bem compreendidos e merecem uma nova explicação ou atividades de reforço?

III. Em que aspectos poderia melhorar a sua participação nas atividades propostas? Por quê?

tRaBalhaNDo CoM pRojEto

26. Em grupos, vocês irão constituir-se como agência publicitária. Escolham para ela um nome bem criativo. Para compreender melhor o papel do publicitário na sociedade, assim como as diversas linguagens utilizadas por esse profissional, talvez a escola possa programar uma visita a uma agência de publicidade.

O seu professor escolherá um dos diversos textos publicitários que a classe trouxe para estudar a repetição, e todos discutirão como esse texto influencia a vida das pessoas.

A primeira encomenda que a agência publicitária de que você faz parte recebeu foi a elaboração de cartazes de propaganda que vendam a seguinte ideia:

O segredo de usar a repetição ao fazer um texto de publicidade está em, antes, fazer uma lista das qualidades do produto que se deseja vender e encontrar a qualidade que melhor se associa ao con-sumidor que se deseja atingir. Essa qualidade associada ao produto deve ser insistente e criativamente repetida. Em um texto publicitário, cada signo tem valor comunicativo. Não apenas as palavras, mas as cores e as linhas também significam algo. Até mesmo o que não se diz é importante. Tudo ajuda a reforçar a ideia central que se deseja transmitir. O objetivo é interagir com o público receptor, influenciando a sua conduta. Essa interação deve ser a mais agradável possível, tendo em mente os contextos temporal, espacial e cultural onde a mensagem vai circular.

Quando você quer dar uma festa, faz a lista dos convidados, calcula todos os custos envolvidos, pensa no espaço que será necessário, no que os seus pais vão dizer, a que horas terminará a festa e assim por diante, ou seja, elabora um projeto. A todo momento, lidamos com projetos: a agenda projeta o nosso dia, uma lista de compras projeta nossos gastos, e por aí vai...

A comunicação vence a solidão.

MLp1A2.indb 28 30/6/2010 14:05:48

Page 29: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 29

Nenhum médico toma uma decisão sobre como tratar o seu paciente antes de fazer um diagnóstico. Da mesma forma, ninguém pode realizar uma pesquisa sem antes preparar um projeto. Assim, a agência de vocês deve projetar antes o trabalho que pretende realizar. Nos cinemas, existe uma máquina chamada projetor. Quando você está sentado na plateia, a máquina que está atrás de você projeta o filme para a frente, isto é, para a tela. Isso é projetar: lançar para frente. Assim, vamos projetar os passos que serão dados para a elaboração deste trabalho.

Primeiro, o grupo deve elaborar uma lista das qualidades associadas à ideia que vocês terão de divulgar. Incluam, na lista, as justificativas das es-colhas dessas qualidades: por que essa e não outra? As justificativas devem ser claras, e a lista deve ser bem discutida, pois ela irá refletir a realidade da comunidade de que você faz parte. Para isso, as anotações feitas no começo da unidade e do capítulo poderão ser úteis.

Depois, identifiquem quem será o consumidor idealizado para o produto que escolheram. Procurem saber o máximo sobre esse tipo de consumidor. Quando definirem quem é o público leitor de seu texto e a comunidade onde ele vive, es-tarão estudando o contexto onde o cartaz (mensagem) vai circular. Como o cartaz circulará na escola onde vocês estudam, o trabalho de coleta de informações pode ser feito a partir da experiência do próprio grupo no contexto escolar.

A seguir, identifiquem qual das qualidades listadas melhor se associa a esse consumidor visado. A partir desse trabalho, começa o momento criador. Usem toda a criatividade e imaginação para elaborar um cartaz que associe a qualidade do produto ao consumidor visado. Empreguem signos verbais e não-verbais.

Para isso, lembrem-se de que todos os signos presentes em seu cartaz, desde a cor de fundo do papel até o tipo e formato das letras, devem refor-çar a ideia escolhida pela agência publicitária. Por isso, há necessidade da discussão antes de se realizarem os trabalhos. Será importante até que se façam alguns rascunhos, aos quais voltaremos no capítulo seguinte. Isso evitará desperdício de material na elaboração do cartaz.

EStRatÉgIaS DE lEItuRa: o tEXto NaRRatIvo

Do que estudamos neste capítulo podemos concluir que a leitura é, antes de tudo, uma atividade de produção de sentido. Para esse fim, o leitor utiliza-se de diversas estratégias. Citemos algumas delas:

• Seleção• Antecipação• Inferência• Verificação• Pressuposição

Para exemplificarmos o papel atuante do leitor, selecionamos a narrativa “Os engraxates”, do livro Histórias para pensar a ética, de José Luís Landeira e Élder Santis.

MLp1A2.indb 29 30/6/2010 14:05:49

Page 30: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 130

De imediato, nós nos deparamos com o título, “Os engraxates”, e o fato de tratar-se de um gênero narrativo faz-nos levantar hipóteses do que se vai contar: uma história sobre engraxates? Uma história que tenha nos engraxates as personagens principais? Ou será o título uma armadilha e o termo “engraxates” faz referência não à profissão de “engraxar sapatos”, mas é um símbolo de alguma outra coisa? No decorrer da leitura, testare-mos essas hipóteses, que serão confirmadas ou rejeitadas. Novas hipóte-ses surgirão ao passo que as rejeitadas forem reformuladas. Essas novas hipóteses serão testadas em um movimento que põe em evidência toda a nossa competência como leitor. Para esse fim, usaremos nossos conheci-mentos de linguagem, o que sabemos sobre o mundo, outras narrativas que lemos, etc. Após a reflexão no título, entramos no texto, avançando na atividade de produzir sentidos.

Decididamente, não me sinto um bom exemplo. Ou seja, divorciei-me há pouco tempo, ainda me sinto meio culpado, meio sem saber o que fazer nas manhãs de sol de sábado em São Paulo. E se tratando do primeiro dia de sol depois de uma semana de frio, de muito frio, então? À tarde, telefono para os meus filhos. Não é dia de visita hoje. Outra coisa estranha. Dia de visita para ver meus filhos... Mas, coisas de divórcio. Uns amigos meus disseram que é assim mesmo, que eu acostumo rapidinho. E o que é rápido?

Vou tomar meu café da manhã de sábado de sol depois de uma semana de frio, na padaria. Mesas na calçada, pessoas passando nos dois corredores estreitos que se formam entre as muitas mesas na calçada. Mania paulistana de “brunch”... Mas é sempre bom celebrar o sábado de manhã, de sol. Eu, de minha parte, hoje não. Hoje vou da velha média de café com leite e um pão na chapa. Com peso. O pão na chapa que eu já aqui trago os meus e nem por isso pretendo lembrá-los agora. Tenho um livro para ler e meu sábado promete começar bem. Não quero perturbar essa tranquilidade passageira.

A leitura desses dois primeiro parágrafos nos desconcerta. Onde estão os engraxates? A leitura apresenta uma personagem (e não várias, que se deduziria do plural em “os engraxates”) que acreditamos ser a mais importante porque é apenas dela que se fala, embora não haja, aparente-mente, nenhuma ligação com o título. Ela é também a narradora do texto, manipulando, assim, as informações de que dispõe o leitor para construir o seu sentido de leitura. Coletando vários indícios do texto, no entanto, descobrimos que se trata de uma pessoa que sente algo melancólico e sozinha. Ela divorciou-se há pouco tempo, confessa ainda não haver se acostumado com a nova rotina, toma café com leite e pão na chapa em vez do “brunch” da maioria das pessoas da padaria. Surgem-nos novas perguntas: por que ele é quem nos fala do que vai comer no café-da-ma-nhã? Por que destacar que o dia é de sol e que é o final de uma semana de frio? A solidão é, então, um sentimento que se manifesta em relação às outras pessoas, não apenas à sua família. O que fará esse senhor? E onde entram os engraxates nessa história? Vejamos:

Ao lado, o garçom junta duas mesas e senta-se uma família. Bem, uma família tradicional, daquelas que eram o exemplo de família no passado e, de alguma forma, ainda aspiramos a que, quem sabe um dia, volte a ser... Ou aspiro eu hoje porque o sol

MLp1A2.indb 30 30/6/2010 14:05:50

Page 31: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 31

da manhã de sábado me deixa assim, meio saudoso. Saudades de quê? Não sei não! Do casamento? Não, decididamente estou melhor agora. Acho que estou. Talvez esteja. Estou, estou sim.

À mesa senta-se uma mãe e seus três filhos: dois meninos e uma linda menina bem mais nova do que seus irmãos. Todos muito claros, o menino mais velho é ruivo e tem olhos levemente amendoados, lembrando longínquos nortes dos quais quase nada sei. O leitor me desculpe. O pai foi ao banheiro e os meninos começaram a pedir chocolate frio e pão na chapa. A menina, na cadeira para crianças, ameaçava chorar, e eu abominei todas as crianças chorosas do mundo que pudessem estragar meu matinal café.

Agora aparecem novas personagens: uma família formada por um casal e seus três filhos. Eles tampouco pedem o brunch, embora a descrição que se faz dessa família não seja das mais simpáticas. A chegada dessa família, de certa forma, faz com que esse senhor, decididamente, a personagem principal, pense ainda mais em si mesmo. O tema do texto parece ser a solidão humana.

Bem, mas os engraxates não apareceram. Será que essa família é de engraxates? Isso não parece, dado o ambiente sofisticado em que estão. Mas terão essas novas personagens da narrativa alguma relação com os engraxates? Vejamos:

Não reparei quando chegaram, nem sequer se já estavam ali. Conto na ordem do que vi e foi somente então que os vi. Dois meninos, sentados em cima de sua caixa de engraxate. Olhos muito fixos na mesa da respeitável família. Ainda pensei que estivessem olhando para o televisor ligado em uma estação qualquer de música, mas não, olhavam para a família. Meninos bonitos também, calçados, encasacados, coisa rara no mundo dos meninos que circulam por aqui. Usualmente vendem uma bala ou se oferecem como engraxates para em seguida completarem com a fala “para ajudar, moço”. Esses nada pediam, apenas incomodavam. Incomodavam a todos nós que ali estávamos tomando o nosso café-da-manhã, mas incomodavam principalmente àquela família que estava ali tão bem acomodada. Em família. É que eles estavam sentados bem em frente dessa família, o que fazia tudo ser muitíssimo desagradável para eles. A verdade seja dita, não pediram nada. Apenas os olhavam comer. O menino mais velho era o que me parecia mais visivelmente incomodado, embora nada falou. Molhava o seu pão na chapa no chocolate frio e comia, mas comia olhando para o outro lado, como não querendo vê-los. A mãe mexia-se muito, procurando atender às solicitações de sua filhinha. O pai, esse pouco fez. Pelo menos, assim me parecia.

Apareceram os engraxates, finalmente! Mas por que ocupam o título se eles aparecem tão discretamente no texto? Eles terão de ganhar muita importância para superarem, em valor dentro da narrativa, a solidão que a personagem sente e o papel da família que está ali, tão incomodada com aqueles dois meninos ali, olhando para eles. Como eles vão ga-nhar relevo na narrativa? Será que vão fazer alguma coisa ruim, talvez roubar o pão na chapa de um daqueles meninos? Talvez voltar-se para o narrador?

MLp1A2.indb 31 30/6/2010 14:05:51

Page 32: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 132

Eu, pensei naquele momento, era como um daqueles meninos engraxates ali. Eu não estava, é verdade, sentado em uma caixa de engraxate descaradamente olhando para a mesa. Mas estava ali, quieto, mais distante, na distância segura que minha situação social exigia. Isolado no meu incômodo de ter de me acostumar a ser um outro eu, o eu divor-ciado, o eu que não soube ser casado, este eu. O que pensavam aqueles meninos? Digo, os engraxates?

A estratégia foi o narrador-personagem principal comparar-se aos en-graxates. Assim, ele os valoriza dentro do texto. Sentindo-se parecido a eles, não porque tenha uma caixa de engraxate, mas por estar ali, “isolado no meu incômodo de ter de me acostumar a ser um outro eu”, ele se sente tão deslocado como os engraxates. Sente-se um deles. Dessa forma, de algum modo, ao pensarmos no título, “Os engraxates”, estamos falando desses dois meninos ali presentes, mas também do narrador que nos conta a história. Mas e a família ali presente?

Em dado momento, o menino do meio, cabelo claro, algo arruivado, mas mais para o castanho, pele muito branca, o menino do meio, dizia, olhou de frente e profundamente os dois outros, ali sentados na caixa de madeira. Os engraxates conversavam qualquer coisa entre eles, mas sentiram a presença do olhar incomodativo sobre eles. Devolveram o olhar ao rapaz que não se moveu. Continuou comendo seu pão na chapa enquanto os olhava detidamente.

Os três meninos deveriam ter mais ou menos a mesma idade. O que pensaram naquele momento em que os olhos deles se intercomunicavam?

De onde estava, apenas vi o menino do meio pegar o seu pão na chapa e comê-lo com gosto sem, em nenhum momento, tirar os seus olhos dos meninos sentados ali, quase a seus pés. Vi, depois, os dois engraxates levantaram-se, muito dóceis, os olhos verdes e luminosos de um pareceram, por momentos, encontrarem com os meus. Levantaram-se e seguiram. O menino do meio olhou então para o irmão mais velho, o qual, por sua vez, devolveu-lhe o olhar e focou-se então na rua, naquela rua que, até então, não conseguira olhar. O pai, indiferente, lia o jornal. A mãe desdobrava-se de atenções à sua filhinha. Os dois meninos continuaram comendo e conversando, e os engraxates sumiram dali.

O texto provoca-nos emoções, sentimentos. São visíveis o descaso e a insensibilidade da família. Qualquer um de nós que haja sentido ou presen-ciado uma cena de rejeição pode entender melhor que o olhar do menino do meio para os dois engraxates, enquanto pegava o seu pão e o comia com gosto, fala mais do que qualquer palavra. O texto valoriza um silêncio que comunica pelo olhar. É possível que nos lembremos de situações de nossa vida em que o olhar falou mais do que as palavras. Fazer uso de nossas experiências de vida durante a leitura de um texto, usualmente, ajuda-nos a compreendê-lo melhor. A ausência de palavras também deixa em evidência o tema da solidão, mas e o narrador? Se ele se sente como um dos engraxates, e eles foram expulsos de cena, ele também não deveria ter sido expulso? Continuemos a nossa leitura:

MLp1A2.indb 32 30/6/2010 14:05:52

Page 33: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 33

paRa lER

antípodas

– O sol está se pondo, você viu? A parte de baixo dele já começou a desaparecer no horizonte.– Então a esta hora deve estar amanhecendo no Japão.– Onde?– No Japão. Do outro lado do mundo.– Ah, os antípodas.– Pois é, os antípodas.– An-tí-po-da é uma palavra horrível, não?– Melhor que artrópodes.– Hein?

(silêncio)

– Eu quero me matar.

(silêncio)

– Eu estou apaixonada.– Você quer se matar porque está apaixonada?– Acho que sim.– Mas você só tem dezesseis anos.– E o que que tem? Não sei quem foi que disse que a gente devia se matar na adolescência, quando as coisas ainda são bonitas.– As coisas não são bonitas?– Não. Odeio cada pedra desta cidade. Cada porta. Cada casa. Cada cara que passa por mim na rua. Odeio, odeio.– Mas não se mate.

Eu senti também a necessidade de pagar a conta e sair dali. Senti-me também expulso pelo olhar dos que não me olharam. Mas, não o fiz. Também eu limitei-me a procurar um outro algo no que entreter a minha atenção. Então, voltei ao livro que estava lendo. Quando parei de lê-lo, a família respeitável não estava mais lá. A manhã de sol tampouco me pareceu tão bonita como quando saí de casa.

Ele quase foi embora, mas não o fez. Talvez porque ele não fosse, de fato, tão parecido aos engraxates como pensara ser. Ao chegarmos ao final da leitura e levando em conta o título, podemos criticar a atitude da personagem-narradora, considerando-a covarde, ou compreendê-la e perdoá-la, afinal era uma outra a natureza da sua solidão. Há muitas solidões no mundo, como há muitos engraxates. Durante todo o proces-so, no entanto, agimos estrategicamente, dirigindo e regulando o nosso processo de leitura.

MLp1A2.indb 33 30/6/2010 14:05:53

Page 34: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 134

(silêncio)

– Por favor.– Por favor o quê?– Não se mate.– Ah, esquece. O sol está indo embora. Só falta um terço dele.– Ninguém se mata por amor.– Agora só tem uma lasquinha dele, bem vermelha.– Olha, uma vez eu li um cara, um escritor chamado Cesare Pavese, que dizia assim: “Ninguém se suicida por amor. Suicida-se porque o amor, não importa qual seja, nos revela na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado desarmado, no nosso nada”.– E o que aconteceu com ele, esse tal Cesare?– Se matou.

(silêncio)

– Pronto. Foi-se. O que era mesmo que você estava dizendo?– Não importa. (silêncio)– Agora o ventinho.– Hein?– O ventinho, você nunca reparou? Logo depois que o sol se põe sopra sempre um ventinho da banda do rio.– Nunca notei.– Olha só: está vindo. Sinta. Veja as folhas daquela acácia ali, as bem de cima, como se movem.

(silêncio)

– Um dia até pensei em perguntar ao professor por que sempre vem esse ventinho. Depois eu não sabia se perguntava pro professor de Física ou de Geografia. Achei melhor não perguntar nada. Você sabe?– Bom, acho que tem que ser alguém que entenda de Meteorologia.– Não, não: você sabe por que vem esse ventinho?– Sei lá, acho que deve ser o ar que esfria e se desloca, produzindo o vento. Alguma coisa assim.– Ia ser irreparável...– O quê?– Dar uma bandeira dessas, cara. Imagina só, perguntar sobre ventinhos para um monstro daqueles.

(silêncio)

– Como foi que você disse?– Ah, é. Ele se desloca e aí produz o vento.– Legal. Que professor era aquele que você acha que entende disso?– Meteorologia?– Mas não tem aula disso.– Então não tenho ideia.

(silêncio)

– A essa hora alguém deve estar indo dormir de porre no Japão.

(silêncio)

– Deve ser engraçado japonês bêbado, com aqueles olhinhos. Devem ficar menores ainda, e tão apertadinhos que nem dá pra ver que estão vermelhos. O que é que você acha que japonês bebe?– Acho que saquê.– Saquê não é chinês?– Então uísque, gim, vodca, cerveja, vinho, essas coisas que todo mundo bebe.

MLp1A2.indb 34 30/6/2010 14:05:54

Page 35: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 35

(silêncio)

– Coisa mais besta.– O quê?– Beber essas coisas. Porre de japonês devia ser diferente.– Porre é porre. Diferente como?– Ah, sei lá. Antípoda, por exemplo. Um porre antípoda.

(silêncio)

– Deve ter alguém acordando também.– Hã?– No Japão, deve ter alguém acordando lá. O que é que você acha que japonês faz quando acorda de manhã?– Não sei. Lava a cara, acho. Depois escova os dentes, toma café.– Café não. Toma chá.

(silêncio)

– E deve também ter alguém com insônia. Bem agora, na hora que os passarinhos começaram a cantar, deve ter um japonês com insônia olhando o dia nascer. Embaixo da minha janela tem um bem-te-vi que canta sempre lá pelas cinco da manhã. Será que no Japão tem bem-te-vi?– Deve ter.– Rouxinol eu sei que tem. Não tinha uma história de um imperador e um rouxinol?– Não me lembro bem, mas acho que aquele imperador era chinês.– Ah, mas tudo que tem na China deve ter no Japão.– É, pode ser.– Arara eu sei que não tem. Nem na China nem no Japão.

(silêncio)

– Quero pintar a minha janela daquela cor lá em cima.– Qual, a rosa?– Não, não. Aquela um pouco mais pra direita da última janela à esquerda no alto daquele prédio grandão aqui em direção ao meu dedo indicador. Está vendo?– Acho que sim. Mas não sei se é a mesma que eu estou pensando.– Aquela, entre o rosa e o azul escuro.– Roxo, você quer dizer.– Não, não é assim tão-tão. É mais uma entrecor, fica no meio do roxo e do azul-escuro. Mas muito mais pro lado do azul do que do roxo. Olha bem: você vê que até tem um pouco de rosa, mas tem uns dois ou três poucos mais de azul, entende?– Índigo?– Ah, eu gosto desse som: ín-di-go. Que nem ar-tró-po-de. An-tí-po-da.

(silêncio)

– Você gosta de palavras? Eu também, mas gosto mais de cores. Como é mesmo essa que você falou?– Acho que é assim tipo um azul-anil.– O que é anil?– Uma coisa que usavam antigamente para lavar roupa, acho que nem existe mais.

MLp1A2.indb 35 30/6/2010 14:05:57

Page 36: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 136

– Mas existe?– O anil? Claro que existe. Existia, pelo menos.– Não, não. Que coisa também, às vezes você parece que não entende o que a gente diz. A tal cor, o índigo.– Ah, claro que existe. Aquela que você quer é que não existe. Só no céu.

(silêncio)

– Quer dizer que o que está no céu não existe?– Não, não é isso. O que eu quero dizer é que aquela cor lá você não vai encontrar numa lata para pintar uma parede.– Janela.– O quê?– É janela que eu quero pintar, não parede. E agora nem adianta mais, já mudou tudo. Cor de céu é coisa que muda depressa demais. Foi ficando tão escuro, você reparou? Quase tudo azul, depois preto. O preto vem vindo devagar do outro lado, de onde fica o Japão, toda noite.

(silêncio)

– Está anoitecendo. Vamos embora.– Não quero ir embora. Eu vou dormir aqui.– Não pode, é perigoso.– Perigoso por quê?– Você só tem dezesseis anos.– Perigosíssimo.– Pouco me importa. Eu vou ficar aqui até anoitecer completamente no Japão amanhã de manhã. Não é assim? Amanhece aqui, anoitece lá. Anoitece lá, amanhece aqui.

(silêncio)

– Vamos, então? O motorista está esperando.– Já disse que não. Vou dormir aqui.– Então vou chamar o motorista, vou ligar para o seu pai.– Pode ir. E quando você for, eu vou entrando no rio enquanto amanhece no Japão.– Pra quê?– Eu quero me matar enquanto amanhece no Japão.

(silêncio)

– É só você dar as costas e eu entro nágua. Duvida?

(silêncio)

– E todo mundo vai achar que a culpa é sua.

(silêncio)

– Ué, você não vai? Tá fazendo o que parado aí?

(silêncio)

– Não adianta nada meu pai pagar você só pra ficar me controlando. Porque se não for hoje, vai ser amanhã ou qualquer outro dia. Vou me matar bem na hora em que estiver amanhecendo no Japão.

(silêncio)

– Ninguém vai me impedir.

(silêncio)

– Estranho.

MLp1A2.indb 36 30/6/2010 14:05:58

Page 37: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 37

(silêncio)

– De repente eu tive a impressão que você não estava aqui.

(silêncio)

– Que você estava lá.

(silêncio)

– No Japão. No outro lado do mundo.

(silêncio)

– Eu vou dizer que você tentou me estuprar.

(silêncio)

– Todo mundo vai acreditar.

(silêncio)

– Deve estar bonito lá, amanhecendo.

(silêncio)

– Eu vou começar a gritar.

(silêncio)

CAIO FERNANDO ABREU (1948-1996) – Nasceu em Santiago (RS) e morreu em Porto Ale-gre. É considerado um dos maiores contistas brasileiros. Escreveu diversos livros, entre eles: Morangos mofados, Os dragões não conhecem o paraíso, Inventário do irremediável e O ovo apunhalado. Sobre o conto que acabamos de ler, afirma: “Este diálogo sem narrador foi publi-cado em dezembro de 1977, na Folha da Manhã, onde por algum tempo, graças à confiança de Walter Galvani, mantive uma página semanal para publicar ‘o que quisesse’, sempre com belas ilustrações de Magliani. Originalmente era um capítulo do romance Os girassóis do reino, que venho tentando escrever há uns vinte anos, mas acabou virando, creio, um conto com vida própria”.

ABREU, Caio Fernando. Ovelhas negras: de 1962 a 1995. São Paulo: L&PM, 2002.

MLp1A2.indb 37 30/6/2010 14:06:02

Page 38: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 138

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDo a linguagem entre você e o outro

Leia o texto, a seguir, de uma importante escritora da literatura brasileira, Clarice Lispector.

Como se chama“Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto?

Uma pessoa de quem não se gosta mais e que não gosta mais da gente – como se chama essa mágoa e esse rancor? Estar ocupada, e de repente parar por ter sido tomada por uma desocupação beata, milagrosa, sorridente e idiota – como se chama o que se sentiu? O único modo de chamar é perguntar: como se chama? Até hoje só consegui nomear com a própria pergunta. Qual é o nome? e este é o nome.”

LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CLARICE LISPECTOR (1920-1977) – Nasceu na Ucrânia. O tema dominante de sua obra versa sobre a necessidade que o homem tem de amparar-se na linguagem para suportar o desamparo diante do Universo, recoberto pelo silêncio intraduzível. A tarefa da escritora é apri-sionar esse silêncio e dar-lhe sentido. Escreveu romances: Perto do coração selvagem (1943); A paixão segundo GH (1964); Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969); A hora da estrela (1977). Contos: Laços de família (1960). E crônicas: Felicidade clandestina (1971); A imitação da rosa (1973).

Orientados pelo seu professor, discutam a compreensão do texto de Clarice Lispector.

Clarice compreende que a linguagem é algo inacabado, que se faz em cada momento da vida, em cada ato de comunicação. Não somos nós, in-dividualmente, que decidimos a criação de uma palavra. A língua se desen-volve em sociedade. Mas, ao mesmo tempo, nós temos as nossas emoções e sensações em relação às diferentes linguagens que utilizamos para nos comunicarmos e dizermos ao mundo e a nós mesmos quem somos. Toda linguagem é composta por signos. Chamamos signo a qualquer coisa que representa algo diferente de si mesmo, servindo-lhe de substituto. Por exem-plo, o presente que Clarice ganha, conforme o texto que escreve, é signo, representando o carinho de alguém... Ao interagir com esse signo, Clarice se sente incomodada, pois ela tem no contexto sociocultural em que vive um signo que representa o carinho de alguém de quem ela não gosta. Para ela, esse presente provoca um sentimento que não encontra representação em nenhuma palavra da língua portuguesa, por isso a narradora declara: “Até hoje só consegui nomear com a própria pergunta. Qual é o nome? e este é o nome”.

Mas o ser humano precisa se comunicar, ele não pode isolar-se em suas dúvidas. A própria Clarice Lispector transformou as suas dúvidas em um texto. Toda comunicação em língua verbal se dá por meio de textos.

Nós sempre nos comunicamos com o outro, que pode ser uma outra pessoa ou um grupo de pessoas. Por isso, ao lermos ou elaborarmos um texto, nunca podemos esquecer que esse texto faz parte de uma realidade maior,

MLp1A2.indb 38 30/6/2010 14:06:04

Page 39: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem, o eu e o outro 39

social, histórica e linguística, da qual nós também somos uma parte. Ou seja, devemos levar em conta o contexto social, histórico e cultural ao produzirmos ou interpretarmos um texto. A língua não existe somente para uma pessoa e, por isso mesmo, não podemos sair por aí inventando palavras. Contudo, podemos pensar em nossas dúvidas com a linguagem e transformá-las em inquietantes textos literários, como o de Clarice Lispector.

Os textos publicitários procuram interagir com o público receptor, influen-ciando a sua conduta, incentivando-o a tomar uma determinada ação ou atitude. Essa interação deve ser a mais agradável possível, tendo em mente os contextos temporal, espacial e cultural onde a publicidade vai circular. Por isso, o publicitário deve explorar ao máximo a linguagem e lembrar que o texto publicitário permite que tudo ajude a reforçar a ideia central que se deseja transmitir.

E onde as mensagens em língua portuguesa podem circular? No mundo todo, como veremos no próximo capítulo.

MLp1A2.indb 39 30/6/2010 14:06:05

Page 40: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 240

A LÍNGUA PORTUGUESA CONSTRUINDO O TEXTO

Venho brincar aqui no Português... a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique.

(Mia Couto – escritor moçambicano)

Você gosta de falar português? Há alguns anos, uma pesquisa revelou que muitos brasileiros preferiam ter nascido num país onde se falasse inglês a nascer no Brasil. Por que será que isso acontece? Participe, oralmente, dando a sua opinião para a classe.

Neste capítulo, vamos estudar a atualidade da língua portuguesa no mundo. Vamos pesquisar sobre a lusofonia.

Lusofonia é o nome que se dá para o fato de um conjunto de falantes, espalhados pelo mundo, falarem a mesma língua: a portuguesa. Esses falantes de português, cuja maioria se espalha pelos países que têm o português como língua oficial ou dominante, têm algumas semelhanças e algumas diferenças em relação a nós, brasileiros, e é isso que queremos pesquisar.

Lusofonia: fenômeno de um conjunto de falantes se utilizarem da língua portuguesa, em todas as suas variedades, na sua comunicação diária.

a líNgua poRtuguESa É vIva...Certamente você sabe que, no Brasil, falamos português porque a nossa

identidade como nação inicia-se com o processo de colonização pelos portu-gueses. Ou seja, o nosso português do Brasil veio de Portugal. Mas, é possível que você já se tenha dado conta de que a comunicação entre nós, brasileiros, e eles, portugueses, não é tão simples assim.

MLp1A2.indb 40 30/6/2010 14:06:08

Page 41: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 41

Por exemplo, se em Portugal alguém disser a você: “Por favor, deite no lixo!”, não fique ofendido. Para eles, deitar no lixo é jogar alguma coisa fora.

Leia agora esta pequena história extraída do livro Schifaizfavoire, de Mário Prata. Schifaizfavoire procura ser uma espécie de dicionário do português de Portugal, para brasileiro ler e rir. Interessante é que o som “schifaizfavoire” (que seria escrito “se faz favor”) corresponde ao nosso por favor, mas é usado em outras situações, diferentemente do uso que nós damos aqui no Brasil. Uma delas é para chamar um garçom. Assim, quando você estiver em Portugal, se chamar o garçom com “Ei, garçom, traz a conta”, todos vão saber que é um brasileiro que está ali... Veja só a confusão em que se envolve uma brasileira em Portugal.

o durex

PRATA, Mário. Schifaizfavoire: dicionário de português. Rio de Janeiro: Globo, 1997.

Existe, desde 1996, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que tem como objetivo a aproximação político-diplomática entre os países mem-bros. Essa comunidade engloba Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe. Aumentou a partir de agosto de 2002, com o ingresso de Timor Leste (ou Timor Loro Sae). Como vê, a língua portuguesa não é apenas uma realidade local; ela é falada em diversos países ao redor do mundo.

Uma amiga brasileira entrou numa loja e pediu:– O senhor tem durex?– Tenho sim senhora. Quantos quer?– Um só. Um rolo.– Um rolo, minha senhora?– Sim, um rolo. Que tamanhos o senhor tem?– Normal... Bem, os maiores eu acho que devem

ter uns vinte centímetros...– Só? Não tem maior? Assim... uns três metros?– Três metros, minha senhora? Um durex de

três metros?A propósito: durex em Portugal é, nada mais,

nada menos, que camisa-de-vênus.

MÁRIO PRATA (1946- ) – Nasceu em Uberaba (MG). Escreve crônicas, peças de teatro e contos para o público juvenil. Seu estilo leve é muito apreciado pelos leitores. Seus textos circulam com frequência na Internet e podem ser lidos em grandes jornais brasileiros.

Você encontra maiores informações sobre as diferenças entre o portu-guês de Portugal e o do Brasil na Internet, nos si-tes <www.multirio.rj.gov.br>; <www.terravista.pt/Enseada/1347/voca-bula.htm>; <www.cplp.org> e <www.instituto-camoes.pt> ou em sites de busca (digitando a palavra “lusofonia”).

1. Reúna-se com seus colegas em grupos e discuta com eles as diferenças existentes entre a nossa língua portuguesa (falada e escrita) e a língua portuguesa de Portugal. Conversem a respeito e respondam por escrito, em seus cadernos: a língua portuguesa é uma só – aqui e lá? Por quê?

MLp1A2.indb 41 30/6/2010 14:06:10

Page 42: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 242

a líNgua poRtuguESa No MuNDo

Fernando Pessoa, que é considerado o mais importante poeta português do século XX, escreveu: “Minha pátria é a língua portuguesa”. Essa pátria sem fronteiras reúne, nos dias de hoje, mais de 180 milhões de falantes espalhados por cinco continentes. Isso, principalmente por causa da expansão marítima portuguesa, nos séculos XV e XVI, assunto que você, com certeza, estudou no ensino fundamental. Além disso, porém, houve um processo migratório que se deu ao longo do século XX em Portugal e que levou muitos portugueses a outros países da Europa e da América do Norte. Tais países foram o destino de portugueses que buscavam trabalho, já que o regime político português da época não promovia a industrialização do país, e as guerras entre Portugal e suas colônias na África causavam perdas enormes para a nação. Atualmente, também, muitos brasileiros deixam o País, procurando, em outros destinos, como Europa e América do Norte, melhores condições de trabalho. Assim, a língua portuguesa se expandiu também para comunidades distantes que, tradicionalmente, não falam português. O fluxo migratório de portugueses e brasileiros para tantos outros países deu sequência, na história recente, à expansão do idioma como já ocorrera em séculos passados, em decorrência da política de colonização. Hoje, o português é a quinta língua europeia mais falada no mundo.

Mas, esse português transplantado para o Brasil, África, Ásia, ou mesmo para outros países da Europa e da América do Norte, tem sofrido variações. Como uma planta que é mudada de vaso e vai adaptando-se à nova realidade, a língua portuguesa tem ganhado variedades geográficas ou diatópicas (é a mesma coisa) que a deixam diferente daquela falada em Portugal. Para enten-dermos melhor isso, vamos estudar alguns textos em português, escritos em diferentes lugares do mundo.

Variedades linguísticas geográficas ou diatópi-cas: variações que uma língua apresenta de acor-do com a região onde é utilizada.

A minha pátria é a língua portuguesa. Fernando Pessoa.

MLp1A2.indb 42 30/6/2010 14:06:11

Page 43: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 43

a NotíCIa EM poRtuguÊS...No dia 19 de agosto de 2003, houve um atentado terrorista contra a

sede das Nações Unidas, em Bagdá, no Iraque. Nesse atentado, morreu o diplomata brasileiro, Vieira de Mello, representante especial das Nações Unidas no Iraque. Por vários dias, os jornais (incluindo os e-jornais, aqueles que aparecem na Internet) comentaram o acontecido. Vamos examinar como a mesma notícia foi abordada em três diferentes jornais de língua portugue-sa: um brasileiro, um português e um angolano. Nosso objetivo é encontrar as diferenças e semelhanças entre essas três formas de se expressar em português.

Leiamos, primeiro, uma notícia de um e-jornal brasileiro.

Notícia: puro registro de fatos, sem opinião. A exa-tidão é o elemento-chave da notícia, mas vários fatos descritos com exati-dão podem ser justapos-tos de maneira tenden-ciosa. Suprimir ou inserir uma informação no texto pode alterar o significado da notícia.

Folha de S.Paulo: manual da redação. São Paulo: Publifo-lha, 2001.

Eua investigam participação de guardas iraquianos em ataque à oNu da Folha Online

Os Estados Unidos estão investigando a possibilidade de os responsáveis pelo ataque à sede da ONU (Organização das Nações Unidas) em Bagdá terem recebido a ajuda de guardas de segurança iraquianos que trabalhavam para a ONU, disse o site do jornal The New York Times.

Segundo a reportagem, publicada ontem à noite, os guardas do complexo haviam sido agentes do serviço secreto iraquiano e davam informações sobre as atividades da ONU antes da guerra.

“Acreditamos que a segurança da ONU estava seriamente comprometida”, declarou a fonte, segundo o New York Times. “Temos sérias preocupações sobre a colocação do veículo, um caminhão-bomba, e o momento do ataque”, disse a fonte, de acordo com o jornal.

No atentado de terça-feira em Bagdá, morreu o representante especial da ONU no Iraque, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, e pelo menos outras 22 pessoas.

Segundo o New York Times, a fonte declarou que investigadores estavam tentando identificar se algum dos guardas da ONU faltou no dia do ataque.

A fonte declarou que a revelação de que ex-agentes de Saddam Hussein ainda trabalhavam no complexo intensificava a suspeita dos investigadores americanos de que o ataque teria sido realizado por forças leais ao ex-ditador iraquiano.Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u62025.shtml>.

2. Comente em classe a sua compreensão do texto.

3. A intencionalidade discursiva da notícia está centrada em: a) transmitir as emoções do locutor sobre o cruel atentado; b) convencer o interlocutor da seriedade do atentado; c) destacar a seriedade do atentado e suas repercussões; d) valorizar o uso da língua portuguesa da variante brasileira para se escrever textos jornalísticos;

e) explorar as potencialidades da língua portuguesa da variante brasileira, realçando a sonoridade das palavras.

4. Justifique a escolha.

MLp1A2.indb 43 30/6/2010 14:06:13

Page 44: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 244

Leiamos agora o texto no e-jornal português.

De quem é a culpa? João Morgado Fernandes

Os Estados Unidas e as Nações Unidas estão a investigar a hipótese de o atentado de terça-feira em Bagdad, que matou Sérgio Vieira de Mello e mais duas dezenas de pessoas, ter tido a colaboração activa de elementos iraquianos que trabalhavam na segurança do edifício em que estava instalada a representação da ONU.

As suspeitas avolumaram-se quando, durante a investigação, dois desses funcionários se recusaram a colaborar alegando terem imunidade diplomática.

De acordo com uma fonte americana citada pelo New York Times, a totalidade dos guardas que controlavam o Hotel Canal tinha sido ali colocada ainda durante o tempo de Saddam Hussein. A sua função oficial seria a segurança dos inspectores da ONU que procuravam armas químicas, mas os investigadores americanos consideram que, à semelhança dos intérpretes colocados ao serviço dos estrangeiros, que visitavam o país, também eles reportavam aos serviços secretos do antigo regime.

É natural que, pelo menos alguns deles, se tenham mantido fiéis a Saddam e que estejam agora a colaborar em acções de sabotagem.

Bernard Kurik, o antigo comandante da polícia de Nova Iorque que está a trabalhar em Bagdad, está convencido que os terroristas tiveram informações precisas a partir do interior do edifício. O camião com o suicida foi colocado junto ao gabinete de Sérgio Vieira de Mello, com uma quantidade de explosivos suficiente para fazer ruir o gabinete do representante do secretário-geral da ONU, que era no primeiro andar. Além disso, o atentado ocorreu numa altura que nesse gabinete decorria uma reunião de alto nível, daí terem morrido alguns altos funcionários, como o representante da UNICEF.

Embora alerte para o facto de nesta altura correrem sempre várias teorias da conspiração, o gabinete do secretário-geral da ONU decidiu enviar para Bagdad o próprio chefe da segurança de Kofi Annan para colaborar nas investigações.

O embaixador de Israel nas Nações Unidas disse, entretanto, haver indicações, que não especificou, de que o camião de fabrico russo utilizado no atentado ter tido origem na Síria.

As investigações decorrem num clima de alguma tensão entre os EUA e a ONU. A segurança em todo o Iraque está a cargo dos americanos, mas as Nações Unidas terão dispensado esses préstimos, de forma a afastar a ideia de que haveria uma estreita colaboração com a força ocupante.

Disponível em: <www.dn.sapo.pt/noticia/noticia.asp?CodNoticia=117100&codEdicao=794&codAreaNoticia=12>.

5. Compare o e-jornal português com o brasileiro: que diferenças você encontra quanto ao uso do código da língua portuguesa? (Observe, entre outras coisas, o vocabulário e as construções verbais.)

6. Apesar das diferenças, compreendeu o texto?

MLp1A2.indb 44 30/6/2010 14:06:14

Page 45: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 45

Finalmente, o texto angolano.

Etiópia: “ua” condena atentado contra sede da oNu no Iraque Addis Abeba, 22-8 – A Comissão da União Africana (UA) condenou o ataque terrorista contra a

sede das Nações Unidas em Bagdad, no Iraque, que qualificou de acto horrendo, informou quinta-feira a “Panapress”.

Numa mensagem ao Secretário-geral da ONU, Kofi Annan, o presidente interino da Comissão, Amara Essy, condenou a tragédia que aconteceu “numa altura em que a comunidade internacional está a dar as mãos para ajudar o povo iraquiano a reconstruir o seu país”.

“Este ataque não é apenas dirigido contra as Nações Unidas, mas também contra o bem-estar do povo daquele país em geral”, afirmou Essy.

Disse esperar que a ONU tome as medidas necessárias para garantir que a ingente tarefa de reconstruir o Iraque seja feita com êxito.

Em áfrica, acrescentou Essy, “estamos particularmente chocados por este acto bárbaro, que ressalta a necessidade de mais esforços sustentados e coordenados contra o terrorismo”.

O atentado contra o edifício da ONU, ocorrido Terça-feira, causou a morte de várias pessoas, dentre as quais o representante especial do Secretário-geral das Nações Unidas no Iraque, Sérgio Vieira de Mello.

Disponível em: <www.angolapress-angop.ao/noticia.asp?ID=198929>.

7. O texto se aproxima mais do português europeu ou do brasileiro?

8. Há diferenças na intencionalidade discursiva do texto africano em relação ao europeu e ao brasileiro? Explique.

9. Marta não gosta de ouvir portugueses falando. Afirma que não entende nada do que dizem. Quando soube que no ensino médio iria estudar Literatura Portuguesa e Africana, ficou chocada: “Agora que não vou entender nada mesmo”, pensou. Imagine-se conversando com ela sobre esse assunto. Que conselhos ou dicas você poderia dar-lhe?

10. Discutam em classe algum fato local que merece ser tema de uma notícia. Após escolhido o fato,

redija a notícia em seu caderno, observando as características encontradas nas notícias dos dife-rentes jornais aqui apresentados, bem como na definição que se encontra no início deste tópico.

Após realizar a atividade de redação, responda às seguintes questões:

a) Você encontrou dificuldades na redação do texto? Quais?

MLp1A2.indb 45 30/6/2010 14:06:15

Page 46: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 246

b) Você precisa de novas orientações ou considera que já consegue redigir uma notícia?

tEXtualIDaDEObserve o poema a seguir.

poeminha sentimental1. O meu amor, o meu amor, Maria2. É como um fio telegráfico da estrada3. Aonde vêm pousar as andorinhas...4. De vez em quando chega uma5. E canta6. (Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)7. Canta e vai-se embora8. Outra, nem isso,9. Mal chega, vai-se embora.10. A última que passou11. Limitou-se a fazer cocô12. No meu pobre fio de vida!13. No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:14. As andorinhas é que mudam.

QUINTANA, Mário. Preparativos de viagem. Rio de Janeiro: Globo, 1987.

MÁRIO QUINTANA (1906-1994) – Nasceu em Alegrete (RS). É considerado o poeta das coi-sas simples, procurando um olhar bem-humorado e melancólico sobre a vida. Sua poesia revela um poeta insatisfeito, que valoriza a economia no uso das palavras. Escreveu Rua dos cataventos (1940), Canções (1946), Sapato florido (1948), O aprendiz de feiticeiro (1950), Apontamentos de história sobrenatural (1976).

11. Discuta em classe a sua compreensão do poema.

O poema de Mário Quintana tem 14 versos (que aqui aparecem nume-rados), além do título, e que devem ser lidos da esquerda para a direita e de cima para baixo. Se lermos apenas um verso ou misturarmos a ordem entre eles, perdemos muito do valor do poema. No capítulo anterior, vimos que um texto é uma unidade de sentido, mas, para que faça sentido, não basta somar as partes que compõem um texto. É necessário que haja uma organização interna relacionando as ideias, as palavras e as partes do texto.

As ideias, frases e palavras, em um texto, mantêm relações entre si. Tais relações permitem que o texto seja uma unidade de sentido, ou seja, um todo significativo. Textualidade é a propriedade de um texto que lhe permite ser mais do que um monte de frases soltas, mas um todo com significado que possibilita ao leitor a construção de um sentido.

MLp1A2.indb 46 30/6/2010 14:06:17

Page 47: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 47

No 3º verso, o termo “aonde” refere-se ao fio telegráfico na estrada, de que se falara no verso anterior. No 4º verso, afirma-se “de vez em quando chega uma”. O termo “uma” refere-se a um elemento do conjunto de andorinhas de que se fala no 3º verso. No 5º verso, o termo “e” estabelece uma relação de adição à ideia anterior, a chegada de uma andorinha. A andorinha não apenas pousa no fio telegráfico mas, em adição a isso, ela canta. Também ao termo andorinha refere-se a palavra “outra” no 8º verso.

Há diversos fatores que permitem que um texto forme a sua textualidade. Na sequência, vamos estudar um deles: a coesão textual.

12. Identifique, no poema, as demais palavras que fazem referência ao termo “andorinha”.

13. Que imagem o leitor forma do locutor do texto?

Folha de S.Paulo, 24-8-2003.

14. Retornemos à notícia que escreveu: troque-a com um de seus colegas e identifique, no texto que rece-beu, alguns elementos que formem a sua textualidade.

a CoESÃo tEXtualAs palavras e as frases, dentro de um texto, se amarram entre si, re-

tomando ideias expressas anteriormente, em um movimento que nos leva constantemente para o que já foi dito. Contudo, esse “amarramento” permite também um olhar para a frente. Uma ideia pode ser esclarecida somente na frase seguinte.

Observe com atenção esta tira em quadrinhos.

MLp1A2.indb 47 30/6/2010 14:06:19

Page 48: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 248

15. Discuta em classe a sua compreensão do texto.

16. O texto de Dik Browne é formado por uma série de quadrinhos dispostos em sequência, que devem ser lidos da esquerda para a direita e de cima para baixo.

No 2º quadrinho, o amigo de Hagar pergunta “Você não tem que ir pra casa?”, retomando o quadrinho anterior, percebemos que essa afirmação funciona como:

a) conclusão de “Está ficando tarde!” b) concessão de “Está ficando tarde!”

c) finalidade de “Está ficando tarde!” d) oposição a “Está ficando tarde!”

No 3º quadrinho, Hagar afirma “Esse é o problema dos maridos de hoje”. O movimento criado pelo autor nos remete para a frente. Só vamos saber de que problema se trata no próximo quadrinho: “São uns frouxos! Têm medo das mulheres!”. Essas articulações gramaticais existentes no texto são cha-madas de coesão textual.

Coesão textual: articu-lação gramatical entre palavras, orações, frases e parágrafos de um texto, que permite a textuali-dade.

Como escrever de forma coesa?

Para escrever de forma coesa, é necessário um treinamento constante que nos permita usar os recursos que a língua portuguesa oferece para a coesão. Como ocorre a coesão em um texto? Observe o anúncio publicitário da página ao lado:

Este anúncio publicitário gira ao redor do produto “Gatorade”, que é também a sua palavra-chave. É a retomada constante de “Gatorade” que dá estabilida-de ao texto, facilitando que ele cumpra a sua função social como publicidade. Vejamos outras relações coesivas presentes no texto:

ReidrataNada devolve líquido ao seu corpo melhor do que Gatorade, pois

tem a combinação ideal de sais minerais e carboidratos.

1. A expressão “devolve líquido ao seu corpo” retoma a ideia presente no tópico (reidrata), definindo o seu sentido.

2. O conector “pois” estabelece uma relação de causa entre a ideia anterior (“Nada devolve líquido ao seu corpo melhor do que Gatorade”) e a seguinte (“tem a combinação ideal de sais minerais e carboidratos”).

3. A expressão “sais minerais e carboidratos” projeta o texto para a frente. Somos informados quais sais minerais que são repostos, “sódio e po-tássio”, assim como a importância deles e dos carboidratos nos itens seguintes.

RepõeGatorade repõe o sódio e o potássio que ajudam a manter o seu

corpo melhor hidratado e a prevenir cãibras.

1. A repetição de “repõe” reforça a ideia que se deseja desenvolver.

MLp1A2.indb 48 30/6/2010 14:06:20

Page 49: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 49

Veja. São Paulo: Abril, no 24, edição especial, ago. 2001.

MLp1A2.indb 49 30/6/2010 14:06:24

Page 50: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 250

2. O conector “que” mantém o elo coesivo entre “o sódio e o potássio” e “que ajudam a manter o seu corpo melhor hidratado e a prevenir cãibras”.

3. O conector “e” adiciona uma ideia às vantagens do sódio e do potássio.

ReabasteceGatorade reabastece o seu corpo com carboidrato, importante fonte

de energia para os músculos em movimento durante o exercício.

17. Explique que relações os termos grifados estabelecem no texto.

Recursos de coesão

1. Palavras ou expressões sinônimas ou quase sinônimas

As expressões “reidrata” e “devolve líquido ao seu corpo”, no anúncio publici-tário que estamos estudando, são sinônimas.

2. Classes gramaticais

Às vezes, algumas classes gramaticais, tais como pronomes, advérbios, nume-rais, etc., retomam termos já expressos, promovendo a coesão.

Exemplos:

a) Exercícios físicos fazem bem à saúde. Mas não devemos fazê-los (= exer-cícios físicos) em excesso.

b) Gosto muito desta cidade. Aqui (= em esta cidade) tenho os meus melhores amigos.

c) Fui a duas festas neste final de semana. A primeira (= festa) foi aborrecida, mas a segunda (= festa) foi um agito só!

3. Repetição de uma palavra

Podemos repetir uma palavra quando não for possível substituí-la por outra ou quando quisermos alcançar determinados efeitos expressivos, como consideramos no capítulo anterior. As expressões “repõe” e “reabastece” são repetidas no corpo do texto, além, é claro, do nome do produto, “Gatorade”.

4. Conectores

Palavras como aí, que, então, o qual, também, entretanto, contudo, mas, porém, pois, por isso. Os conectores podem transmitir diversas relações entre as partes do texto: oposição (mas, porém, etc.), causalidade (porque, pois, etc.), temporalidade (quando, aí, etc.), consequência (por isso, então, etc.), condição (se, etc.), finalidade (a fim de que, para, etc.) entre outras.

5. Elipse

Trata-se da supressão de um termo porque é facilmente resgatável pelo leitor.

MLp1A2.indb 50 30/6/2010 14:06:25

Page 51: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 51

Ex.: João não foi trabalhar hoje, pois estava doente.

Não há necessidade de dizer: João não foi trabalhar, pois João estava doente. A eliminação do segundo termo “João” facilita a compreensão da frase.

18. Identifique, no texto a seguir, todos os termos que retomam as palavras em negrito.

Clarice Lispector (Tchetchelnik, Ucrânia, 1926 – Rio, 1977). Recém-nascida, veio para o Brasil com os pais, que se estabeleceram no Recife. Em 1934 a família transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde Clarice fez o curso ginasial e os preparatórios. Adolescente, lê Graciliano, Herman Hesse, Julien Green. Em 1943, aluna da Faculdade de Direito, escreve o seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, que é recusado pela editora José Olympio. Publica-o, no ano seguinte, pela editora A Noite e recebe o Prêmio Graça Aranha. Ainda em 1944 vai com o marido para Nápoles onde trabalha num hospital da Força Expedicionária Brasileira. Voltando para o Brasil, escreve O lustre, que sai em 1946. Depois de longas estadas na Suíça (Berna) e nos Estados Unidos, a escritora fixa-se no Rio onde viveu até a morte. A partir de A maçã no escuro (1961), a sua obra tem atraído o interesse da melhor crítica nacional que a situa, junto com Guimarães Rosa, no centro da nossa ficção de vanguarda.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

ALFREDO BOSI (1936- ) – Nasceu em São Paulo (SP). É professor da Universidade de São Paulo e um dos principais críticos e historiadores da literatura brasileira.

Clarice Lispector:

Perto do Coração Selvagem:

19. Retorne à atividade número 10 em que se pedia para escrever uma notícia. Leia o texto de seu colega e comente o uso de conectivos: aponte os acertos e as mudanças que faria para deixá-lo mais atrativo ao leitor. Quando receber o seu texto de volta, leia os comentários que foram feitos e decida se são pertinentes.

20. Explique as relações coesivas das palavras em negrito.

Ver

Nas férias toda tarde eu via a lesma no quintal. Era a mesma lesma. Eu via toda tarde a mesma lesma se despregar de sua concha, no quintal, e subir na pedra. E ela me parecia viciada. A lesma ficava pregada na pedra, nua de gosto. Ela possuíra a pedra? Ou seria possuída? Eu era pervertido naquele espetáculo. E se eu fosse um voyeur no quintal, sem binóculos? Podia ser. Mas eu nunca neguei para os meus pais que eu gostava de ver a lesma se entregar à pedra. (Pode ser que eu esteja empregando erradamente o verbo entregar, em vez de subir. Pode ser. Mas ao fim não dará na mesma?) Nunca escondi aquele meu delírio erótico. Nunca escondi de meus pais aquele gosto supremo de ver. Dava a impressão que havia uma troca voraz entre a lesma e a pedra. Confesso, aliás, que eu gostava muito, a esse tempo, de todos os seres que andavam a esfregar as barrigas no chão. Lagartixas fossem muito principais do que as lesmas nesse ponto. Eram esses pequenos seres que viviam ao gosto do chão que me davam fascínio. Eu não via nenhum espetáculo mais edificante do que pertencer ao chão. Para mim esses pequenos seres tinham o privilégio de ouvir as fontes da Terra.

BARROS, Manoel. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.

MLp1A2.indb 51 30/6/2010 14:06:26

Page 52: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 252

MANOEL DE BARROS (1916- ) – A lírica de Manoel de Barros volta-se constantemente para as coisas pequenas, procurando ir além delas, transportando os leitores para uma di-mensão em que a palavra vale mais do que o objeto que ela representa. Isso esse poeta faz com perfeição: inventa por meio das palavras e, nesse processo, identifica-se com as crian-ças e com os caminhantes que conseguem ver o mundo de outra maneira. O uso da palavra de uma forma surpreendente e mesmo a invenção de novas palavras são características do estilo desse poeta.

21. Reúna-se com sua equipe da agência publicitária. Revejam o rascunho do projeto de vocês. Verifiquem se é possível deixar o texto mais coeso e centrado na ideia-chave. A seguir, e após a orientação do professor, elaborem o cartaz.

Finalmente, afixem os cartazes na escola, dessa forma promovendo a comunicação entre os demais colegas.

pauSa paRa REFlEXÃo

Em seu caderno, resolva estas questões.

I. Indique o que você aprendeu do que foi estudado até aqui.

II. Quais conteúdos vistos, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem uma nova explicação ou atividade de reforço?

III. Qual(is) atividade(s) você considerou mais importante(s) para seu aprendizado? Por quê?

IV. Participou com interesse das leituras e atividades? Em que aspectos poderia melhorar a sua participação nas atividades?

CoMo BuSCaR INFoRMaÇÕES EM oBRaS DE REFERÊNCIa Se hoje podemos fazer pesquisas por meio da Internet, consultando sites,

durante séculos, a busca de informação se fez somente nos livros. Essa forma de aprender ainda não foi superada. Na verdade, a pesquisa na Internet apenas deveria completar aquela feita nos livros. Para se obter sucesso numa pesquisa, há necessidade de algumas habilidades. No universo da linguagem, as primeiras fontes a serem consultadas são as obras de referência. Isto é: dicionários e enciclopédias. Como um dicionário define a si próprio? Vejamos o que diz o dicionário do Aurélio:

MLp1A2.indb 52 30/6/2010 14:06:27

Page 53: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 53

dicionário. [Do lat. med. dictionariu.] S. m. 1. Conjunto de vocábulos duma língua ou de termos próprios duma ciência ou arte, dispostos, em geral, alfabeticamente, e com o respectivo significado, ou a sua versão em outra língua. 2. Obra ou livro que os consigna: “Para todas as coisas: dicionário / Para que fiquem prontas: paciência” (Nando Reis, na canção Diariamente.) [Sin. (pop.), nesta acepç.: desmancha-dúvidas, pai-dos-burros, tira-teimas.] 3. Exemplar de uma dessas obras. 4. Dicionário vivo. [Cf. dicionario, do v. dicionariar.] Dicionário de dados. Inform. 1. Documento originado no projeto conceitual de um sistema de informações, e que define nomes, significados, domínios e outras características específicas dos itens que constituirão o banco de dados do sistema (21). Dicionário eletrônico. Inform. 1. Modalidade eletrônica de dicionário (2). Dicionário vivo. 1. V. enciclopédia (3). [Tb. se diz apenas dicionário.]

(FERREIRA, A. B. de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.)

Ao consultar uma obra de referência, como um dicionário ou uma enciclopédia, tenha alguns cuida-dos para ser bem-sucedido em sua pesquisa e obter o máximo possível de informações. Por esse motivo, preste atenção às abreviações utilizadas pelo editor da obra, cujas explicações, geralmente, estão situadas nas primeiras páginas da publicação. Esse tempo gasto no início da pesquisa pode significar uma grande economia mais para a frente.

Examinemos o caso apresentado. No verbete acima, entre colchetes, você encontra a informação sobre a época da origem da palavra: [Do lat. med. dictionariu] significa latim medieval, ou seja, a palavra “dicionário” se origina da palavra dictionariu, do latim falado na Idade Média. Logo a seguir, aparece a classe gramatical da palavra e seu gênero, isto é, S. m. significa substantivo masculino; observe agora os quatro diferentes sentidos da palavra dicionário além da inclusão de um dos usos por um escritor. Ainda no sentido ou acepção 2, aparecem os sinônimos entre colchetes e a indicação de que são sinônimos populares – Sin. (pop.). A palavra acepção aparece abreviada como acepç. O verbete sugere a você, leitor, por meio das abreviações Cf. (confira) e V. (veja), que realize consultas a outros verbetes da mesma família de palavras, pois mais informações podem ser acrescentadas. Inform. é uma abreviatura que indica a área de conhecimento em que se usa a palavra num sentido particularizado e, neste caso, trata-se da área de Informática. Todo dicionário tem, na sua parte inicial, explicações sobre como deve ser consultado. Lembre-se disso quando tiver dúvidas na consulta de um dicionário.

Existem muitos títulos de dicionários destinados a diversas áreas do conhecimento. Há dicionários bilíngues, de antônimos e sinônimos, dicionários da história de língua, de regência verbal e nominal. Ir ao dicionário pode ser muito útil, não só para tirar dúvidas ou acabar com as teimas, mas sobretudo para iniciar uma pesquisa em qualquer área do conhecimento humano. E lembrando Nando Reis, na música Diariamente, cantada pela Marisa Monte: “e para que (as coisas) fiquem prontas: paciência”. Sim, pois nada melhor que ser paciente na hora de uma pesquisa. O aprender só acontece com paciência e perseverança. Valores pessoais exigem um contínuo exercício neste século de tanta velocidade e rapidez.

22. Procure, em dicionários, o sentido da palavra em negrito mais adequado ao contexto e a substitua nas frases seguintes:

a) “A saudade é um buraco na alma que se abriu quando um pedaço nos foi arrancado. No buraco da saudade mora a memória daquilo que amamos, tivemos e perdemos. A saudade é a presença de uma ausência.” (ALVES, Rubem. Morte. Campinas: Papirus, 2000.)

MLp1A2.indb 53 30/6/2010 14:06:28

Page 54: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 254

b) “O mais belo estado de vida é a dependência livre e voluntária: e como seria ela possível sem amor?” (GOETHE, J. W. Máximas e reflexões. Lisboa: Guimarães Editores, 1997).

c) “A eficácia preventiva da educação está na sua qualidade. A complexidade da sociedade, a multi-plicidade dos horizontes e das mensagens oferecidas, a separação dos diversos âmbitos em que a vida se realiza trouxeram riscos também para a educação. Um deles é a fragmentação dos con-teúdos oferecidos e da modalidade com que são recebidos. Vivemos de pílulas, também mentais. O slogan é o modelo das mensagens.”

CHáVEz V., Pe. Pascual. Estreia 2008: eduquemos com o coração de Dom Bosco. São Paulo: Salesiana, 2008.

d) “Respondo à tua carta. Pouco preciso dizer-te. Fazes bem em dar ao prelo os teus primeiros ensaios dramáticos. Fazes bem, porque essa publicação envolve uma promessa e acarreta sobre ti uma responsabilidade para com o público. E o público tem o direito de ser exigente contigo. És moço, e foste dotado pela Providência com um belo talento. Ora, o talento é uma arma divina que Deus concede aos homens para que estes empreguem no melhor serviço dos seus semelhantes. A ideia é uma força. Inoculá-la no seio das massas é inocular-lhe o sangue puro da regeneração moral. O homem que se civiliza, cristianiza-se. Quem se ilustra, edifica-se. Porque a luz que nos esclarece a razão é a que nos alumia a consciência. Quem aspira a ser grande não pode deixar de aspirar a ser bom. A virtude é a primeira grandeza deste mundo. O grande homem é o homem de bem. Repito, pois, nessa obra de cultivo literário há uma obra de edificação moral.”

BOCAIUVA, Quintino. “Carta ao autor” In: ASSIS, Machado. Teatro. São Paulo: Nacional, 2004. v. 2.

CoMo SuRgEM palavRaS NovaS Na líNgua poRtuguESa?

as palavras são novas As palavras são novas: nascem quando No ar as projectamos em cristais De macias ou duras ressonâncias Somos iguais aos deuses, inventando Na solidão do mundo estes sinais Como pontes que arcam as distâncias.

SARAMAGO, José. Os poemas possíveis. Lisboa: Caminho, 1985.

MLp1A2.indb 54 30/6/2010 14:06:29

Page 55: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 55

JOSÉ SARAMAGO (1922- ) – É considerado por muitos como o principal escritor portu-guês contemporâneo. De origem humilde, exerceu diversas profissões até se tornar escritor. Ideologicamente, defende os pensamentos de esquerda, alinhados às camadas mais popu-lares. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Foi o primeiro prêmio Nobel para um escritor lusófono.

23. De acordo com o poema, em que sentido somos iguais aos deuses?

24. Substitua, sem significativa alteração do sentido, o verbo “arcar” no último verso.

25. Que palavras, no poema, retomam o termo “as palavras”? Em que versos?

Sempre que surge uma nova ideia ou fato, ou inventa-se um novo objeto, torna-se necessário um nome para aquilo, porque o ser humano não sabe viver sem dar nome ao que o cerca: precisamos nomear para ter a impressão de que tais coisas existem. Sim, é claro que, mesmo sem nome, essas coisas vão existir, mas, para nós, seres humanos, essas coisas apenas parecem existir se tiverem um nome. Por exemplo, antes da invenção do telefone, não existia essa palavra. A palavra foi inventada para nomear o novo objeto. Assim, aparecem as palavras novas na língua. No caso da telefonia atual, apareceram duas palavras diferentes para o mesmo objeto: celular no Brasil e telemóvel em Portugal.

Um outro motivo que leva à criação de palavras novas é o desejo de ser criativo. Introduzir propositadamente na língua uma palavra inventada ou, como se referem os linguistas, um neologismo, deve levar em conta a quem o texto se destina, o que se espera fazer com esse texto, o que se espera do leitor ao ler o texto. Em outras palavras, o aparecimento de um neologismo exige que se leve em conta qual a função social do texto que está sendo escrito. Neologismos costumam aparecer em textos como poemas e contos, ou seja, em textos em que a criatividade artística seja valorizada. É o caso do poema que você pode ler na seção Para ler, neste capítulo. No entanto, algumas vezes podemos inventar palavras na oralidade com o objetivo de brincar com nossos amigos e provocar o riso.

Em outras ocasiões, no entanto, é a força de um determinado campo do saber ou o poder de uma outra cultura, considerada superior, que introduz novas palavras na língua, mesmo que já tenhamos outros nomes para o mesmo objeto, fato ou ideia.

Surgem palavras novas numa língua quando sur-gem novas ideias, fatos ou objetos na sociedade, ou quando determinadas palavras e expressões de outra língua são conside-radas de maior prestígio social.

26. A importância que a Informática ganhou nos últimos tempos introduziu, no português, uma série de palavras novas, como deletar. Que palavra bem estabelecida da língua portuguesa ela chega muitas vezes a substituir?

MLp1A2.indb 55 30/6/2010 14:06:30

Page 56: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 256

É provável que a pressão do inglês, língua considerada por muitos brasileiros como superior ao português, ajude a explicar o fato comentado no início do capítulo, de alguns brasileiros desejarem ter nascido em países de língua oficial inglesa.

Às vezes ocorre algo diferente, somos apresentados a palavras novas. São palavras novas para quem começa a estudar uma nova ciência, arte ou esporte. Se quisesse se aprofundar nos estudos de pintura, provavelmente entraria em contato com palavras que, para você, seriam novas. Elas já estão dicionarizadas ou pertencem ao léxico da língua portuguesa como fúcsia1 e solferino2, vocábulos que fazem parte do cotidiano de pintores, pois, além de verem ou usarem tons e matizes variados, há necessidade de se referirem a eles, dando-lhes um nome.

1 fúcsia – tom de cor-de-rosa forte, vivo, levemente purpúreo.

2 solferino – tom de es-carlate vivo, puxado para o roxo.

27. Tente responder oralmente às questões a seguir. Reflita sobre como as diferentes comunidades no Brasil nomeiam as coisas. Mudando de ambiente, descobrimos novas palavras:

1. Como os habitantes de sua cidade nomeiam o objeto luminoso colocado nos cruzamentos das ruas e avenidas, a fim de organizar o trânsito? Que outros nomes você conhece que são usados em outros lugares do Brasil?

2. Discutam em classe que palavras ou expressões são usadas apenas ou principalmente nas rodas de conversa dos jovens em sua região? O seu professor organizará uma lista de tais palavras e expressões. Copie essa lista e, juntos, tentem encontrar o sentido de tais vocábulos de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.

3. Que relação existe entre a realidade que nos cerca, o ambiente cultural e as palavras?

28. Procure, no dicionário, os verbos para os substantivos e anote-os ao lado:

Aplausos – Aplaudir Temor –

Embrulho – Edíficio –

Socorro – Surpresa –

Palidez – Atenção –

29. Carla, após ler o texto teórico que você também acabou de ler, anotou no caderno as seguintes con-clusões:

Palavrasnovassurgemapartirdanecessidadedenovosnomes,porexemplo,quandosurgeumanovaideiaoufatoouinventa-seumnovoobjeto.Seinventaremumaparelhoparatornaraspessoasinvisíveis,vãoinventarumapalavranovaparanomeá-lo(quetalinvisivelômetro?Achoqueficamelhorinvisivelador...).

Emoutrasocasiões,opoderdeumaoutraculturaqueaspessoasconsideramsuperiorintroduzpalavrasnovas,mesmoquejáexistamoutrosnomesparaoobjetonalíngua.Éporissoqueexistemmuitaspalavraseminglêsnalínguaportuguesa.

Todapalavraqueouvimospelaprimeiravezéporquefoiinventadaeé,realmente,umapalavranovanalíngua.

Novasexperiênciasdevidaaumentamonossovocabulário,porissoéimportantelermuito(precisoacabardelerlogoolivroquepegueinabiblioteca!).

Deixando de lado as observações pessoais de Carla, identifique se as conclusões dela são apropriadas. Reescreva-as a seguir, corrigindo os erros e acrescentando as suas opiniões.

MLp1A2.indb 56 30/6/2010 14:06:31

Page 57: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 57

A agência publicitária que os diferentes grupos constituíram no capítu-lo anterior volta a operar no final desta parte. Já é a segunda encomenda que vocês recebem. Neste momento, pede-se que organizem uma coleção de fotos com um dos temas sugeridos pelo professor.

Elaborar um projeto fotográfico é prever as etapas do trabalho, definir aonde vocês querem chegar com ele. Isso permite que vocês evitem ficar perambulando com a máquina fotográfica na mão, sem saber o que procuram. É importante, durante os trabalhos, saber como agir, que decisões tomar, qual o próximo passo que teremos de dar na direção do objeto desejado. Para isso, organizamos alguns itens que poderão ajudá-los na elaboração do projeto.

Título do projeto fotográfico: sejam criativos e inventem um título su-gestivo. Se não houver inspiração no momento, deem um título provisório. No desenrolar da pesquisa, é provável que uma ideia melhor surja.

Objetivo: conseguir identificar o objetivo do projeto fotográfico de vocês? Qual é? O objetivo é o ponto de chegada. Neste caso, não basta sair por aí fotografando rostos de pessoas. É necessário que o objetivo do projeto responda à pergunta: qual a contribuição que o meu projeto dá ao tema desenvolvido? Ou seja, em que o projeto que o seu grupo vai desenvolver contribui para os temas tratados nesta unidade?

Justificativa: por que vocês estão fazendo o projeto? A justificativa é defender a importância do projeto de vocês. Devem apresentar argumen-tos que convençam as pessoas de que o trabalho é digno de interesse. Por que alguém gastaria o dinheiro próprio com a agência de vocês se o mercado está cheio de agências publicitárias?

Metodologia: ou seja, o modo de obter os dados da pesquisa. Neste caso, é fácil. Vocês vão ler sobre o assunto, visitar lugares, fotografar e redigir. Mas, vocês vão fotografar com filme colorido ou preto e branco?

tRaBalhaNDo CoM pRojEto

MLp1A2.indb 57 30/6/2010 14:06:32

Page 58: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 258

Vão fazer fotos externas ou ambas? Vão fotografar durante o dia ou vão também fazer fotos noturnas? Aproximadamente, quantas fotos pretendem tirar? Vão utilizar recursos do computador? Também é o momento de ver quem vai fazer o que no trabalho. Não queremos que alguns acabem ficando sem ter o que fazer, apenas marcando presença.

Fontes: em que vocês irão basear-se para realizar o trabalho de pesquisa fotográfica? Investiguem na biblioteca, Internet, revistas, livros, jornais e conversem com pessoas sobre o assunto. Antes de saírem por aí na aventura da caçada fotográfica, investiguem para saber o que pre-tendem encontrar. Veremos, mais adiante, como escrever cientificamente as fontes consultadas em uma pesquisa. Por agora, apenas se preocupem em recorrer a fontes diferentes para realizar a sua pesquisa fotográfica.

Quando todo esse trabalho estiver pronto, é hora de mostrá-lo para o professor. Lembre: o título ainda pode ser provisório. O seu professor for-necerá sugestões e analisará as possibilidades de execução do projeto.

Como exemplo, imaginemos um projeto sobre a lusofonia.

Depois das sugestões do professor, é hora de executar o projeto. Em outras palavras, mãos à massa!

título: A lusofoniaObjetivo: divulgar, para pais, professores e alunos da escola, a importância da lusofonia

nas relações sociais, culturais e históricas do povo brasileiroJustificativa: a lusofonia é uma realidade pouco conhecida pela maioria dos brasileiros. A

identidade brasileira, no entanto, somente pode ser explicada, levando em conta as relações dos brasileiros com os outros povos que, no mundo, também falam a língua portuguesa. Além disso, há importantes fatores econômicos que justificam uma aproximação entre o Brasil, a Europa, a África e a Ásia.

Metodologia: em primeiro lugar, vamos pesquisar em livros, revistas e jornais, além de filmes e letras de música. Além disso, vamos entrevistar dez pessoas de ambos os sexos, com idades diferentes e de variadas formações socioculturais. O objetivo dessas entrevistas é o de averiguar o que as pessoas conhecem sobre os outros povos que também falam a língua portuguesa. Depois, a partir de nossas anotações e reflexões, vamos redigir um texto escrito e elaborar cartazes sobre o assunto. Os cartazes serão pintados à mão e servirão para ilustrar determinadas ideias que considerarmos centrais conforme a pesquisa for se desenvolvendo. Essas ideias aparecerão escritas no próprio cartaz.

Fontes: História da Língua Portuguesa, de Paul Teyssier, da Editora Martins Fontes.Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, das

Edições João Sá da Costa.Revistas Veja, Isto é e República.Jornal A Folha de S.Paulo.Sites na Internet: <www.instituto-camoes.pt; www.gertrudes.com>.Entrevistas com dez pessoas: 5 homens e 5 mulheres entre 12 e 72 anos.

MLp1A2.indb 58 30/6/2010 14:06:33

Page 59: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 59

EStRatÉgIaS DE lEItuRa: o tEXto poÉtICo

A língua portuguesa tem uma história e uma riqueza ímpares. Transcen-dendo fronteiras e projetando-se em todos os continentes, a nossa língua constrói intrincados pensamentos, profundas reflexões, complexos olhares sobre o mundo. Manifestação da língua, o poema é um texto que exige muito do leitor no que se refere a estratégias de leitura. Esse esforço, no entanto, deixa-nos em contato com o pensamento humano transformado em arte, desafiando-nos a repensarmo-nos como seres humanos.

Sem perdermos de vista as estratégias de leitura que consideramos no último capítulo, podemos considerar mais algumas que nos ajudarão a construir sentidos mais elaborados do texto poético.

A primeira aproximação a um poema é impressiva: procuramos gostar do que está ali escrito. Por vezes, nessa primeira aproximação, pouco entendemos do que ali está escrito. Essa leitura, contudo, deve dar-nos uma pequena luz, uma ideia, ainda que muito geral, sobre o poema. Ideia essa que desejamos desenvolver melhor em uma segunda leitura. Ainda bem que a maioria dos poemas são pequenos o suficiente para que não nos assustemos ao ter que lê-los uma segunda vez. Nessa segunda leitura, procuramos deter o nosso olhar em algo que nos tenha impressionado na primeira vez. Algo que nos causa certo estranhamento diante do texto. Muitas vezes, nosso olhar se detém em algum termo que se repete no corpo do poema.

Com uma extensão usualmente menor do que a maioria dos outros textos, o poema serve-se muitas vezes da estratégia de repetir certos termos que, dessa forma, ganham relevância na expressão poética. Essa repetição constrói a sequenciação textual, ou seja, faz o texto progredir, mantendo o fio discursivo.

Compreendendo a importância, no corpo do poema, desse termo que se repete, estamos em condições de elaborar um sentido de leitura mais profundo e, por isso mesmo, muito mais prazeroso. Para isso ativamos, por um lado, os nossos conhecimentos gerais sobre o mundo; por outro, os nossos conheci-mentos específicos da língua portuguesa. Feito isso, construímos hipóteses de leitura que nos permitam elaborar um sentido no texto poético.

Terminada essa primeira volta com o poema, podemos continuar analisando a relação entre um outro termo e o poema como um todo, em um círculo praticamente sem fim.

Tomemos um exemplo no seguinte poema, de Fernando Pessoa:

Depus a máscara e vi-me ao espelho...Era a criança de há quantos anos...Não tinha mudado nada...

A primeira unidade do livro de Ensino Religioso tam-bém solicita a criatividade fotográfica. É possível que, com um pouco de esforço e criatividade, os professores possam organizar as duas ativida-des (Língua Portuguesa e Ensino Religioso) em uma única atividade in-tegrada.

Discutam em classe, junto com os colegas de outros grupos, em momentos marcados pelo seu professor, o andamento do projeto, procurando encontrar soluções para eventuais problemas que surgirem. Na data marcada, entreguem a coleção de fotos e a versão corrigida e final do projeto de vocês. Sucesso!

MLp1A2.indb 59 30/6/2010 14:06:35

Page 60: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 260

É essa a vantagem de saber tirar a máscara.É-se sempre a criança,O passado que fica,A criança.

Depus a máscara, e tornei a pô-la.Assim é melhor.Assim sou a máscara.

E volto à normalidade como um términus de linha.

PESSOA, Fernando. Poemas de Álvaro de Campos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

Gostou do poema? Essa é a primeira pergunta a considerar. É mais fácil entender o que gostamos. Embora, curiosamente, é também mais fácil gostar do que entendemos.

Assim, impõe-se uma segunda pergunta: o que atrapalhou ou facilitou que eu gostasse desse poema? É a resposta a essa segunda pergunta que nos abre uma porta de trabalho para construirmos um sentido profundo na leitura desse texto poético. A resposta a essa pergunta é muito pessoal, não depende do que o colega ou o professor gostam ou não.

Imaginemos que, em nossa primeira leitura, ficamos com a ideia de um eu que tem uma máscara e é uma criança. A linguagem parece-nos fugir do seu uso cotidiano e não vemos muito sentido nisso, de ficar com ou sem a máscara. Podemos, simplesmente, dizer que o poema é ruim e pronto. Ou podemos fazer alguns questionamentos, procurar construir algumas hipóteses. O nosso desejo, nesse caso, é compreender o poema para, depois, gostar mais dele.

Uma possibilidade é elaborarmos o seguinte questionamento:

• Por que falar na máscara?

• O que ela tem a ver com a criança?

• Por que a linguagem parece diferente daquela que usualmente empregamos?

Essas perguntas podem ser resolvidas de vários modos, mas uma se-gunda leitura do poema poderá ajudar-nos muito. Nessa segunda leitura, no entanto, não procuramos apenas uma impressão, vamos tentar compreender melhor o sentido da palavra “máscara” no texto: ela aparece quatro vezes:

“Depus a máscara”: duas vezes;

“tirar a máscara”: uma vez;

“sou a máscara”: uma vez.

O sentido do poema ou um dicionário poderá mostrar-nos que “depor a máscara” é o mesmo que “tirar a máscara”. Esse “eu” tira a máscara e o que vê?

Depus a máscara e vi-me ao espelho...

Era a criança de há quantos anos...

MLp1A2.indb 60 30/6/2010 14:06:36

Page 61: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 61

O nosso conhecimento enciclopédico leva-nos a reconhecer na máscara um símbolo da dissimulação e do engano.

ww

w.im

g.ol

hare

s.co

m

Ora, tirando a máscara, ele vê “a criança de há quantos anos...”. Obviamente, não se trata de uma máscara de carnaval, mas com ela man-tém proximidades: assim como uma máscara de carnaval esconde uma identidade por trás dela, do mesmo modo há uma máscara que esconde a criança desse “eu”. Uma consulta à Internet ou a um livro de apoio nos informa, facilmente, de que Fernando Pessoa é português. Isso também nos ajuda a entender a expressão “a criança de há quantos anos...”.

É um bom momento para pensarmos em nós mesmos:

• Que máscara esconde a criança que somos em nosso íntimo?

• Que criança é essa escondida por trás da máscara?

A palavra criança é também muito importante no poema, repetindo-se três vezes.

Para compreendermos um poema, é importante ativarmos os conhecimentos de que dispomos sobre o mundo. Esse co-nhecimento enciclopédico é acumulado pelas nossas vivências pessoais, leituras, estudos de que dispomos. Desse modo, aquilo que aprendemos na aula de Geografia, de Artes ou de Ensino Religioso, entre outras, pode ajudar-nos a compreender melhor um outro texto muito diferente, como é o caso deste poema de Fernando Pessoa. É um erro pensar que aquilo que aprendemos em uma disciplina, na escola, não possa ser usado em outro momento de nossa vida, por exemplo, em outra aula.

As máscaras têm historicamente sido usadas como símbolos de dissimulação e engano. São comuns expressões como “uma hora vai cair a máscara” e “ela tirou a máscara e mostrou quem era”.

Por outro lado, crianças são, desde há muito, símbolos de pureza e inocên-cia. Jesus Cristo, conforme registrado nos evangelhos, disse:

“Deixem as crianças, e não lhes proíbam de vir a mim, porque o Reino do Céu pertence a elas.”

Evangelho de São Mateus, capítulo 19, versículo 14. Bíblia.

IMA

GE

LIB

RA

RY

/KE

YS

TON

E

A criança é símbolo da pureza e da inocência.

Tendo tais conhecimentos, fica mais fácil construir um sentido na leitura do poema:

MLp1A2.indb 61 30/6/2010 14:06:38

Page 62: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 262

É essa a vantagem de saber tirar a máscara.É-se sempre a criança,O passado que fica,A criança.

Depor a máscara é, aqui, tanto uma “vantagem” como uma habilidade, um conhecimento que é necessário “saber”. E, junto a essa criança, o que temos?

Se você respondeu “o passado”, então pode pensar, conosco, que o passado é época de pureza e inocência, mas o presente, o momento em que se tira a máscara, em oposição, é uma época de dissimulação e engano. Conseguir tirar a máscara é retornar ao passado e resgatar nele a pureza da criança. Não é à toa que a palavra “criança” aparece duas vezes nessa estrofe.

Mas, depois de tirar a máscara, o que faz esse indivíduo?

Depus a máscara, e tornei a pô-la.

Tirar a máscara e tornar a colocá-la parece não ter muito sentido. Por que ele faz isso? Em nossa cabeça, agora, as hipóteses são mais complexas e remetem-nos a aspectos do poema que não ficaram claros na primeira leitura:

Assim é melhor.Assim sou a máscara.

E volto à normalidade como um terminus de linha.

Pondo a máscara de volta, esse indivíduo funde-se com essa própria máscara, símbolo de dissimulação, podendo afirmar que ele é a máscara. Dessa forma, volta à normalidade.

Aqui é possível que fiquemos inquietos e pensemos: “que normalidade é essa que é construída pela dissimula-ção e pelo engano e sufoca a criança dentro de nós?”

Fazendo essa mesma pergunta para nós mesmos, podemos encontrar diferentes respostas que nos apresen-tam uma realidade diferente daquela que desejaríamos.

Assim, o poema, embora se refira a um “eu” que se expressa no português lusitano, faz-nos pensar em nossa própria realidade.

A criança de pureza e inocência é constantemente negada, seja em programas de televisão voltados para o público infantil os quais incentivam que imite um modo de vestir e agir adulto, seja pela hipocrisia e falsidade que tendem a crescer em um mundo que sufoca a possibilidade de viver dentro de um modelo de pureza e inocência, herdado da maneira infantil de ver o mundo. A solução dada pelo poema é “ser a máscara”.

Nosso conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo poderá fornecer muitos outros exemplos em que as palavras de Fernando Pessoa ganhem significados especiais.

ww

w.v

enic

e.xp

lore

r.net

O que esconde a máscara?

MLp1A2.indb 62 30/6/2010 14:06:40

Page 63: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 63

paRa lER

poema do jornalO fato ainda não acabou de acontecerE já a mão nervosa do repórterO transforma em notícia.O marido está matando a mulher.A mulher ensanguentada grita.Ladrões arrombam o cofre.A polícia dissolve o meeting.A pena escreve.

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDo o português no mundo e a identidade do brasileiroEm Santos, um pãozinho de padaria é chamado de “média”. Em São Paulo, uma média é um café com leite.

Já em Portugal, uma xícara de café com leite é chamada de galão, que, no Brasil, refere-se unicamente a uma uni-dade de medida que comporta mais ou menos quatro litros e meio. Como você vê, a língua portuguesa apresenta importantes variações no espaço. Você já deve ter percebido que isso é muitas vezes explorado pelo cinema e pela televisão: novelas em que os atores imitam a maneira de falar nordestina ou gaúcha, por exemplo.

E qual o resultado final de “sermos a máscara”? Tornamo-nos seme-lhantes a “um terminus de linha”. Um fim, um término de linha. Mas de que linha se trata aqui? Linha de costura? Linha do trem? Linha do bonde? Linha de ônibus? De novo os nossos conhecimentos das coisas do mundo é ativado e escolhemos uma possibilidade.

Se optamos por “linha do bonde”, chegaremos mais perto da época em que Fernando Pessoa compõe o poema, lá pelo começo do século passado. Talvez, mais próxima de nosso cotidiano esteja a “linha de ônibus”. Não faz grande diferença de sentido, para os nossos objetivos nesta leitura, optar por uma ou outra. Podemos, assim, imaginar o ônibus parado, no fim da linha, sem movimento e sem cumprir a sua verdadeira vocação: andar pela cidade, ajudando as pessoas a chegarem ao seu destino. De fato, isolados dentro de nossa máscara, esquecemos que a verdadeira normalidade deveria ser interagir com os outros, pormo-nos em movimento. E a criança fica lá, dentro de nós, mascarada.

Fernando Pessoa, nesse poema, portanto, provoca-nos, como leitores, para questionarmos o que fazemos de nossas vidas. Faz-nos pensar no que efetivamente fazemos quando nos entregamos a viver mascarados e sufocamos os bons valores que aprendemos em nossa infância.

MLp1A2.indb 63 30/6/2010 14:06:41

Page 64: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 264

Ouça, agora, com atenção, a letra da música de um conhecido compositor popular.

lusofonia

Eu gostaria de exaltar em bom tupiAs belezas do meu paísFalar dos rios, cachoeiras e cascatasDo esplendor das verdes matas e remotas tradiçõesTambém cantar em guarani os meus amoresDesejos e paixõesBem fazem os povosDas nações irmãsQue preservam os sons e a cultura de raiz

A expressão do olharTraduz o sentimentoMas é primordialUma linguagem comumImportante fatorPara o entendimentoQue é semente do frutoDa razão e do amor

É sonho ver um diaA música e a poesiaSobreporem-se às armasNa luta por um idealE preconizarA lusofoniaNa diplomacia universal.

Martinho da Vila; Elton Medeiros. “Lusofobia”. In: Martinho da Vila (Intérp.). CD Lusofonia. Sony Music, 2000.

MARTINHO DA VILA – Sambista de Vila Isabel (apesar de ter nascido no interior do Estado do Rio de Janeiro), começou a carreira no III Festival de Música da TV Record, em 1967. Desde então, tem sido autor de inúmeros sucessos populares.

Participe da discussão oral da classe ao responder a essas questões:

30. Identifique a intencionalidade discursiva da letra da música de Martinho da Vila.

MLp1A2.indb 64 30/6/2010 14:06:43

Page 65: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa construindo o texto 65

31. Como explicaria os versos:

É sonho ver um diaA música e a poesiaSobreporem-se às armasNa luta por um ideal

Lusofonia é o nome que se dá ao fato de um conjunto de falantes, em que se inclui você, falarem a mesma língua: a portuguesa. Assim, sua identidade pessoal envolve a questão da lusofonia. Como vimos, não é um fenômeno apenas entre as diversas regiões do Brasil. Envolve diversos países de todos os lugares do mundo. Então, sua relação com o mundo é feita por vários caminhos e, entre eles, está a língua portuguesa.

32. Cite oito países em que o português é língua oficial.

Nesses países, pessoas como eu e você procuram sonhar, pensar, amar, ouvir música e poesia em língua portuguesa. Mas, isso não significa que, em todos esses países, se fale português da mesma forma. Às vezes, é necessário certo esforço para entender o outro falante de português. Mas, quando “a alma não é pequena”, como fala o poeta Fernando Pessoa, no poema “Mar portuguez” (é, com “z” mesmo, para imitar a grafia antiga!), haverá sempre flexibilidade para se avançar em direção ao entendimento dos outros.

Além disso, a língua portuguesa, como todas as demais, está em constante transformação, nos diversos lugares do mundo onde é falada. Sempre que surge uma nova ideia ou fato, ou inventa-se um novo objeto, criam-se novos nomes. A transformação da língua portuguesa ocorre também pela pressão de interesses comerciais e políticos, além da pressão atual de outras línguas consideradas, por alguns, como mais importantes.

Quanto mais você ler e viver com qualidade de vida, maior vai ser o seu domínio da linguagem. E, se durante uma leitura ou pesquisa, uma palavra desconhecida incomodar, vá ao dicionário e pesquise aquilo que ainda não conhece.

Neste nosso resumo, somente falta falar sobre textualidade e coesão. Anote, no espaço a seguir, os pontos que considerou mais importantes sobre esses assuntos.

MLp1A2.indb 65 30/6/2010 14:06:44

Page 66: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 366

O OUTRO NAQUILO QUE EU DIGOMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homem usando borboletas.

(Manoel de Barros)

DALÍ, Salvador. El hombre invisible (1930). Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.

SALVADOR DALÍ (1904-1989) – Nasceu em Figueras, na Espanha. É um dos maiores nomes do Surrealismo. De modo simples, a proposta desse movimento é o pintor criar as suas obras ditadas pelo inconsciente por meio dos sonhos, procurando aquela fronteira que existe entre estar acordado e estar dormindo. O objetivo é fazer uma pintura não racional.

Alguma vez você desejou ser um escritor? Muitos que hoje são importantes poetas, escritores, jornalistas ou roteiristas de filmes começaram assim, cultivando um desejo quase es-condido de escrever bem. Neste capítulo, vamos começar um dos mais agradáveis assuntos no que se refere à língua portu-guesa: como ser um escritor? Como disse o poeta Manoel de Barros, na epígrafe deste capítulo, nós precisamos ser outros para escrevermos bem. É por isso que pediremos uma ajuda a quatro grandes escritores brasileiros: Otto Lara Rezende, Monteiro Lobato, Guimarães Rosa e Manuel Bandeira. Eles serão os outros que nós precisamos, de alguma maneira, ser também...

Traga, para a próxima aula, os livros que marcaram a sua vida. O professor orientará uma apre-sentação dos diferentes percursos leitores dos alunos da classe. Assim, prepare-se de antemão, pensando nas respostas que daria às seguintes perguntas:

• Qual foi o primeiro livro que você leu? • Que livro marcou mais a sua vida?• Quais suas preferências na hora de escolher um livro para ler? • Que qualidades espera de um bom escritor?Prepare-se também para fazer perguntas sobre o percurso leitor de seu professor.Ao final, vocês podem emprestar os livros uns aos outros.

MLp1A2.indb 66 30/6/2010 14:06:46

Page 67: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 67

OTTO LARA REZENDE (1922-1992) – Estreou como jornalista no colégio, escrevendo no jornal escolar feito pelos alunos. “Eu estava convencido de que tinha vindo ao mundo para escrever, para lutar com as palavras”, afirmou. Aos 18 anos, começou a trabalhar como jornalista em O Diário, de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que era professor, funcionário público e estudante de Direito. Seu primeiro livro de contos, Lado humano, é lançado em 1952. Em 3 de julho de 1979, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Seu estilo é irreverente, com agradável senso de humor, percepção cômica da realidade e visão debochada do poder. Ainda que, em dados momentos, consiga ser extremamente sensível, como na crônica que acabamos de ler.

o olhaR atENto Do ESCRItoR...Mas o que faz de alguém que escreve um escritor? Veja o interessante ponto de vista de Otto Lara

Rezende sobre o assunto. Leia atentamente a crônica a seguir.

vista cansadaAcho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa

à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

REzENDE, Otto Lara. Folha de S.Paulo. São Paulo: 23-2-1992.

ERNEST HEMINGWAY (1889-1961) – Nasceu nos Estados Unidos. Fez diversas coberturas de guerra, escrevendo para vários jornais da América do Norte. Utilizou essas experiências, para escrever sua obra. Um de seus temas mais comuns é o da honestidade e da coragem sendo abaladas pelas atitudes brutais da sociedade moderna.

Você encontrará na bi-blioteca de sua escola di-versos livros de crônicas. Escolha um e leve-o para casa. Boa leitura!

MLp1A2.indb 67 30/6/2010 14:06:48

Page 68: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 368

A crônica que você leu tem como tema o olhar. Vamos esforçar-nos em compreender melhor a que olhar o texto se refere.

2. Marta, após a leitura da crônica de Otto Lara Rezende, conversou sobre o assunto com Fábio e chegou às seguintes conclusões:

• Umescritoréalguémquetransformaempalavrasoseuolharoriginalecriativosobreaquiloquesevêtodososdias(porexemplo,senóspudéssemossubirnamesadoprofessoreolharasaladeauladesdeoalto,veríamosamesmasaladeaula,masdeumoutroângulo.Achoquetemumfilmequefalasobreisso...).

• Seeudesenvolverumaformacriativaeoriginaldeolharomundo,eupodereiserumaboaescritora(quelegal!Ops,achoque“legal”nãofoiumaformacriativaeoriginaldeeudizeraminhaformadeveromundo!Issotodomundodizparatudo).

• Paraeudesenvolverumaformadiferentedeolhar,euprecisodesenvolverohábitodeverascoisascomosefosseumarotina.

• Omaiorperigoqueumescritorpodecorreréodebanalizaroseuolhar(banalizarédeixarbanal...essapalavramelembrabanana...seráqueissoéumjeitooriginaldeolharparaapalavra“banalizar”?).

• Aindiferençadiantedooutroseinstalaemnossoscoraçõesquandonósnosacostumamosaveromundosempredamesmamaneira(puxa,quebonito!Achoqueestouvirandoescritora!).Nessecaso,avistaficacansadadevertudosempreigual(porissootítulo,“Vistacansada”).

Ela enviou as suas conclusões em um e-mail para Fábio, para que ele a ajudasse a melhorar os seus apontamentos, de acordo com o texto lido. Qual a sua opinião sobre as conclusões de Marta a respeito da crônica?

1. Responda oralmente:

• Que relação existe entre a maneira como se olham as coisas e a capacidade de escrever?

• Que passagens do texto apoiam a sua resposta?

• O que elas significam dentro da crônica?

• Como podemos relacionar o texto de Otto Lara Rezende ao quadro de Salvador Dali, no início do capítulo?

O escritor precisa ter um olhar atento a respeito do que acontece na socieda-de. Lembramos que existe uma relação íntima entre a linguagem e a sociedade que a utiliza. É esse olhar diferenciado do ser humano diante da sociedade que, quando se transforma em texto escrito, permite que esse ser humano construa a sua identidade como escritor.

MLp1A2.indb 68 30/6/2010 14:06:49

Page 69: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 69

Junto com a resposta ao e-mail de Marta, Fábio escreveu alguns comentários:

Marta, eu falei com meu pai, e ele disse que essa crônica lhe fez lembrar o filme Sociedade dos poetas mortos. Ele disse que é um filme muito “dez” sobre um professor que ensina os seus alunos a olhar o mundo de um jeito diferente. Ele gostou muito. Acho que vou pegar na videolocadora para assistir. Você quer ver? Agora, eu não entendi muito o que o texto quer dizer com “Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver”. Como eu posso ver o que eu vejo todo dia sem ver? O que vc acha?

3. O que você entende de “Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver”?

uM olhaR pRovoCaDoR SoBRE a lINguagEMOlhar a linguagem? Como isso é possível?

Os signos linguísticos representam realidades, mas não se confundem com a própria realidade. Por exemplo, as palavras que dão nome aos animais, sejam tigres, leões ou serpentes, são inofensivas. O texto a seguir, de Monteiro Lobato, permitirá que reflitamos sobre o que significa olhar a linguagem.

Certamente, você já teve contato com a obra de Lobato. Uma de suas personagens mais conhecidas é a boneca Emília. Irrequieta, ela procura explicar a relação entre as palavras e as coisas que elas representam a um anjinho que aparecera no Sítio do Pica-pau-amarelo, onde ela vive. O texto de Lobato é extremamente provocativo e nos faz refletir, qualquer que seja a nossa idade. As polêmicas são comuns na vida desse autor. Uma das mais famosas diz respeito às regras de acentuação de sua época: ele, simplesmente, não as aceitava! Assim, editou sua obra seguindo regras muito especiais de ortografia.

“– [...] Ha por aqui uns animais que são malvadissimos, umas verdadeiras pestes, como a tal cobra, que tem veneno nos dentes e o tal tigre que é estupido e crudelissimo. Todos os homens têm tamanho odio às cobras e aos tigres que não podem ver um só sem o destruir imediatamente. Mas se num verso um poeta compara uma mulher a uma cobra, dizendo, por exemplo, que ela tem movimentos de serpente (serpente é o mesmo que cobra), a ‘elogiada’ rebola-se de gosto. E se um homem compara outro a um tigre, este outro sorri. Existiu na França um célebre Clemenceau que foi apelidado o Tigre.

MLp1A2.indb 69 30/6/2010 14:06:50

Page 70: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 370

Pensa que ele puxou faca? Nada disso. Babava-se todo, quando o tratavam de tigre. Mas fosse alguem tratá-lo de cão ou vaca!... Ah, vinha tiro na certa...”

O anjinho ouvia, ouvia e ficava a cismar. Realmente, era-lhe impossivel entender as coisas da terra.

– “Todo o mal vem da lingua, afirmava a boneca. E para piorar a situação existem mil linguas diferentes, cada povo achando que a sua é a certa, a boa, a bonita. De modo que a mesma coisa se chama aqui dum jeito, lá na Inglaterra de outro, lá na Alemanha de outro, lá na França de outro. Uma trapalhada infernal, anjinho.”

Quem ficava atrapalhado era o anjinho. Emilia tinha um modo desnorteante de pensar. Assim, por exemplo, as suas celebres “asneirinhas”. Muitas vezes não eram asneiras – eram modos diferentes de encarar as coisas, como quando explicou ao anjinho o caso das frutas do pomar.

– “Frutas são bolas que as árvores penduram nos ramos, para regalo dos passarinhos e das gentes. Dentro ha caldos ou massas de todos os gostos. As maçãs usam massas. As laranjas usam caldo. E as pimentas usam um ardor que queima a lingua da gente.”

– “Então têm fogo dentro? Fogo é que queima.”Emilia ria-se.– “Ah, anjinho! Você vai custar a compreender os segredos da lingua humana. Este ‘queima’ é

outro caso. Queimar é uma arte que só o fogo faz, mas quando uma coisa arde na lingua nós dizemos que queima.”

– “Mas queima mesmo?”– “Não queima, mas nós dizemos

assim. Um acido que pingamos na pele nós tambem dizemos que queima. Uma loja que está em liquidação nós dizemos que está ‘queimando’ as suas mercadorias. No brinquedo do esconde-esconde, quando o que está de olhos vendados chega perto do escondido, nós dizemos que está ‘queimando’.”

– “Então... então... então – dizia o anjinho, a trapalhada deve ser medonha.”

Emilia ria-se, ria-se.– “Eu já estive no País da Gramática, onde

todos os habitantes são palavras. E um dia hei de contar por miudo como a Gramática lida com elas e consegue dar ordem ao pensamento.”

– “Dar ordem não é mandar uma pessoa fazer uma coisa?”– “É e não é. Às vezes é, outras vezes não é. Dar ordem pode ser mandar fazer uma coisa e também

pode ser botar cada coisa no seu lugar.”– “E como a gente sabe quando é dum jeito ou de outro?”– “Pelo sentido.”– “E o que é sentido?”Emilia desanimou. Nada ha mais dificil do que ensinar anjinhos.–“Escute cá, Flor. Quem entende bem disto de linguas e gramaticas é o Quindim. Tome umas aulas

com ele.”– “Que é aula?”Emilia saiu correndo, senão ficava louca...

LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945.

MLp1A2.indb 70 30/6/2010 14:06:51

Page 71: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 71

MONTEIRO LOBATO (1882-1948) – Nasceu em Taubaté (SP). É considerado o criador da lite-ratura infanto-juvenil brasileira. Dedicou-se a inúmeras atividades: foi promotor público, fazendeiro, jornalista. Já era colaborador do jornal O Estado de S.Paulo, quando publicou seu primeiro livro: Urupês. Fundou a Editora Monteiro Lobato & Cia., que imprimia grandes novidades no mercado editorial e, em 1920, Lobato se voltou para a literatura infanto-juvenil. Publicou A menina do nariz arrebitado. Sua obra infantil contraria a seriedade adulta e introduz o humor, substitui a visão do adulto moralista pela ótica irreverente da criança.

4. Emília mostra os possíveis mal-entendidos que podem ocorrer entre os falantes ao empregarem palavras com sentidos diferentes. Se o andar da mulher pode ser comparado ao movimento da serpente por ser si-nuoso, qual será a qualidade característica do tigre que tanto agradava a Clemenceau?

George Clemenceau: foi ministro do interior da França em 1912, quando uma onda de crimes aterrorizou o país. Em 2006, lançou-se o filme Brigadas do tigre (Les brigades du tigre), do di-retor Jérôme Cornuau.

5. Arder e queimar sempre significam o mesmo, ou seja, são sinônimos perfeitos? Como isso explica a confusão do anjinho?

Falamos de metalinguagem quando o locutor se utiliza da linguagem para destacar o código, ou seja, em termos simples, a linguagem trata de si mesma. É o caso dos dicionários que se utilizam de palavras para explicar o significado das próprias palavras.

6. Explique como o excerto de Memórias da Emília, que acabamos de ler, faz uso de metalinguagem.

Como vimos no texto de Lobato, os riscos que as palavras serpente ou tigre oferecem são diferentes daqueles que os animais nos dão. Para desenvolvermos um olhar criativo sobre a linguagem que nos permita escrever bem, temos de procurar relações entre o olhar diferenciado que mantemos sobre a realidade ao nosso redor e um outro olhar, também diferenciado, em relação à língua que representa essa realidade.

Isso não significa que a palavra não nos faça correr riscos. Ao contrário, a palavra tem poder. Com elas podemos alegrar os outros, ensiná-los, esta-belecer pontes que nos permitam comunicar pensamentos e emoções. Com as palavras, também podemos ofender e magoar e, até mesmo, manipular os pensamentos.

Além disso, usamos palavras iguais para realidades diferentes. Ocorre polissemia quando uma mesma palavra tem diferentes sentidos, ou seja, a pa-lavra cola é polissêmica porque significa uma coisa quando você diz “preciso comprar cola para fazer o trabalho de Artes” e outra bem diferente quando você diz “fulano só passou no concurso porque fez cola”.

Por vezes, encontramos o cinema fazendo filmes sobre si mesmo. É o caso, por exemplo, da comédia de Woody Allen, Dirigindo no escuro, que narra as desventuras de um diretor neurótico de cinema, que tem ceguei-ra psicológica durante as filmagens, ou de Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, em que um dono de uma rede de cinemas retorna à sua terra natal 20 anos após sua partida.

MLp1A2.indb 71 30/6/2010 14:06:52

Page 72: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 372

Polissemia: “poli” signi-fica inúmeros e “sema” signif ica sinal, signo, signif icado. Portanto, durante séculos de vida, a mesma palavra foi re-cebendo diferentes usos e significados.

Veja. São Paulo: Abril, 6-8-2003.

7. Levando em conta o anúncio, a palavra “enxutão” apresenta, ao mesmo tempo, dois sentidos diferentes. Quais são?

A palavra “enxutão” aparece no texto hipersemantizada. Falamos de hipersemantização quando uma palavra acumula, em um único texto, dois ou mais significados diferentes. O objetivo, nesse caso, não é confundir o leitor, mas ampliar as possibilidades de construção de sentidos do texto.

Essa é uma estratégia muito comum na elaboração de alguns textos, como propagandas e poemas, por exemplo. O contexto permite ao leitor reconhecer alguns dos sentidos do termo no texto e aprofundar o seu nível de leitura.

MLp1A2.indb 72 30/6/2010 14:06:54

Page 73: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 73

8. Reescreva o slogan “Seu pai ainda mais enxutão...”, substituindo a palavra “enxutão” por outros, de modo a manter o sentido básico da expressão. Será, provavelmente, necessário usar mais de um termo nessa substituição.

Alguns estudiosos da linguagem defendem que, quando usamos as pala-vras no seu sentido literal, isto é, nomeando as coisas, referindo-se à realidade em si, ocorre a linguagem denotativa. A palavra pimenta, na fala da Emília, no texto de Monteiro Lobato, está no sentido literal. É a fruta. O mesmo ocorre na frase o gato está dormindo perto do fogão, a palavra gato também está sendo usada denotativamente. Mas as palavras, no seu uso cotidiano, podem ganhar outros significados além do literal, conseguindo insinuar outros sentidos. É o que chamamos de linguagem conotativa. “Pimenta” e “gato” ganham sentidos conotativos em frases como “fulano é um pimenta” ou quando Carla confessa para as amigas que ela acha o Marquinhos um gato.

É o contexto social que possibilita fazer-se compreender usando uma lin-guagem mais denotativa ou conotativa no texto que produz.

Também é o contexto sociocultural, além do próprio texto que estamos lendo ou produzindo, que nos informa se as palavras são sinônimos perfeitos. Por isso, para compreendermos uma palavra, devemos prestar atenção ao contexto sociocultural e textual em que ela aparece. Devemos “vê-la” de forma provocadora e hábil.

Leia com atenção o trecho a seguir, de Memórias da Emília:

“– E como a gente sabe que é dum jeito ou de outro?

– Pelo sentido.

– E o que é o sentido?”

9. Escreva um pequeno poema que responda à pergunta do anjinho. Tome cuidado para empregar algu-mas palavras em sentido conotativo. Sublinhe-as.

Mas... e a acentuação gráfica?Lobato não aceitava as regras de acentuação de sua época e, por isso,

inventou regras pessoais de ortografia. Alguns considerariam isso muito prático, mas não podemos, na maioria dos contextos sociais em que participamos, es-crever do jeito que simplesmente queremos.

MLp1A2.indb 73 30/6/2010 14:06:55

Page 74: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 374

10. Reúna-se com os colegas em duplas e respondam às questões a seguir, formuladas a partir do texto que lemos de Lobato. Consultem o quadro explicativo sobre acentuação gráfica e trema.

a. Observe:

“Ha por aqui uns animais que são malvadissimos, umas verdadeiras pestes, como a tal cobra que tem veneno nos dentes e o tal tigre que é estupido e crudelissimo. [...] Existiu na França um celebre Clemenceau.”

Que regras de acentuação Lobato desconsiderou?

a) Monossílabos tônicos são acentuados quando terminam em a, e ou o.

b) São acentuadas as paroxítonas terminadas em r, x, n e l.

c) Todas as proparoxítonas são acentuadas.

d) As oxítonas terminadas em a, e ou o são acentuadas, seguidas ou não de s.

e) Os hiatos tônicos em i e u são acentuados quando a segunda vogal do hiato constituir uma sílaba e não for precedida de ditongo.

b. No trecho a seguir, uma palavra deveria ter sido acentuada de acordo com as regras ortográficas. Identifiquem-na e escrevam a regra que Lobato desconsiderou.

“Mas fosse alguem tratá-lo de cão ou vaca!... Ah, vinha tiro na certa...”

c. “Realmente, era-lhe impossivel entender as coisas da terra.

– ‘Todo o mal vem da lingua, afirmava a boneca. E para peorar a situação existem mil linguas dife-rentes’. [...]”

Nesse trecho, há duas palavras paroxítonas que deveriam ter sido acentuadas. Identifiquem-nas e escrevam a regra que Lobato desconsiderou.

acentuação gráfica

Proparoxítonas: todas as palavras proparoxítonas são acentuadas. Usa-se o acento agudo quando o timbre da vogal for aberto e circunflexo quando fechado (próximo, sólidas, bêbado, trânsito, etc.).

Paroxítonas: são acentuadas nos seguintes casos• Quando terminadas em -r, -x, -n, -l (Para facilitar a lembrança, pense na palavra rouxinol).

Como: caráter, hífen, tórax e nível.

! Atenção ao fazer o plural de algumas dessas palavras, pois em termos fonéticos temos uma outra situação de tonicidade.

• Quando terminadas em ditongos, seguidos ou não de -s. como níveis, inócuo e glória.• Quando terminadas em -i, -is, ou -us. Como táxi, lápis e Vênus. Exceto quando precedidos

de ditongo.• Quando terminadas em -um ou -uns. Como álbum e álbuns.

MLp1A2.indb 74 30/6/2010 14:06:56

Page 75: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 75

• Quando terminadas em -ã, -ão e -ãs. Como órfã, bênção e ímãs. • Quando terminadas em -ps. Como bíceps e fórceps.

Oxítonas: são acentuadas:• Quando terminadas em -a, e, ou o, seguidos ou não de -s (rapé, ipê, cipó, pivô, sofá, etc.).

! Preste atenção nas formas verbais seguidas de pronome pessoal enclítico, tais como retê-lo, amá-lo, impô-lo.

• Quando terminadas em -em ou -ens (também, porém e parabéns, etc.)

Monossílabos tônicos são acentuados:

• Quando apresentem as vogais a, e, ou o. Como lá, dê e pó. • Quando for uma forma verbal na 3ª pessoa do plural. Isso ocorre para diferenciar da 3ª

pessoa do singular. Ele tem / eles têm; ele vem / eles vêm

Hiatos tônicos em i(s) e u(s) são acentuados:

• Quando a segunda vogal do hiato constituir uma sílaba ou vier acompanhada de -s, como ra-í-zes, ru-í-na, ju-da-ís-mo. Mas não se acentuam se na mesma sílaba forem seguidos de outra letra diferente de s: ra-iz, Ra-ul, ru-im.

Há, porém, a exceção no caso de a sílaba seguinte iniciar com nh. Como mo-i-nho, ba-i-nha. (Nesse caso, não são acentuados!)

Ditongo tônico éu é acentuado quando tiver som aberto. Vejamos: chapéus – ateu

Veja bem: Duas palavras recebem acento gráfico apenas para se diferenciarem de outras que se escrevem da mesma forma e que são átonas.

Exemplos: pôde (pret. perf. ind.) – pode (presente ind.)pôr (verbo) – por (preposição)

Consulte esta tabela sempre que precisar confirmar a acentuação de um texto.

11. Durante a leitura da tabela, você se deparou com os termos “ditongo” e “hiato”. Consultando uma gramática, definam os seguintes termos:

Ditongo:

Hiato:

MLp1A2.indb 75 30/6/2010 14:06:56

Page 76: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 376

QuEM CoNta uM CoNto...Observe o texto a seguir.

HENFIL. Graúna ataca outra vez. São Paulo: Geração Editorial, 2002. <www.geracaobooks.com.br>.

Tritongo: Vogal: do ponto de vista articulatório, as vogais são sons formados pela vibração das cordas vo-cais, abertas ou entrea-bertas à passagem do ar e modificadas segundo a articulação desse ar nas atividades bucais acima da lar inge. As vogais são sempre, em português, centro de sílaba.Semivogal: os fonemas /i/ e /u/, quando junto a uma vogal, formam uma semivogal, são semivo-gais.• Em pai e vário, o /i/ é semivogal; mas em raiz e viu o /i/ é vogal. Em viu e quase, o /u/ é semivogal; mas em muro e rua, o /u/ é vogal.

MLp1A2.indb 76 30/6/2010 14:06:58

Page 77: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 77

12. Complete o quadro a seguir.

As narrativas tradicionais são compostas de episódios que se sucedem uns aos outros. Os diversos epi-sódios da narrativa se organizam de uma determinada maneira a que nós chamamos enredo. As mudanças, em um enredo, levam sempre um certo tempo para acontecer. Toda narrativa tem personagens, que vivem em um mundo possível: um mundo criado por alguém que narra a história. Esse alguém é o narrador. Esse mundo possível pode ser bem parecido com o nosso mundo real ou não. Ser um mundo apenas possível na imaginação de quem narra e de quem lê. Um mundo habitado por animais falantes, bruxas malvadas e fadas azuis, por exemplo. Ou um mundo habitado por pessoas como nós.

13. Com certeza, você conhece a famosa história infantil de Chapeuzinho Vermelho. Narre-a em cinco episódios.

Quais as personagens envolvidas?

Quantos episódios?

Em que lugar ocorre?

Quanto tempo leva para ocorrer a história?

Enredo

1º episódio

Era uma vez uma menina que ganhou um chapeuzinho vermelho de sua mãe.

2º episódio

Ela ia cantando alegremente, quando encontrou um lobo em seu caminho.

3º episódio

Assim, Chapeuzinho Vermelho escolheu seguir o caminho mais longo.

4º episódio

Quando Chapeuzinho finalmente chegou à casa de sua avó, o lobo estava deitado na cama, vestindo as roupas da avó da menina.

5º episódio

Nisso, um caçador que ia passando pela floresta, ouviu os roncos do lobo.

MLp1A2.indb 77 30/6/2010 14:06:59

Page 78: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 378

A narrativa que vamos ler em seguida é de Guimarães Rosa. Leia o texto com muita atenção, procu-rando compreender o olhar diferenciado do autor sobre a realidade e sobre a linguagem.

Fita verde no cabeloNova velha estóriaHavia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam,

homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.

Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.

Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia: “– Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.” A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.

E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente.

Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: – “Quem é?” – “Sou eu...” – e Fita-Verde descansou a voz. – “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita

verde no cabelo, que a mamãe me mandou.”Vai, a avó, difícil, disse: – “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.”Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado

e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: – “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”

Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço.

Ela perguntou:– “Vovozinha, que braços tão magros os seus, e que mãos tão trementes!”– “É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta ...” – a avó murmurou.– “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!”– “É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta ...” – a avó suspirou.– “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, neste rosto encovado, pálido?”– “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha ...” – a avó ainda gemeu.Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou: – “Vovozinha, eu tenho medo do lobo!”Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino

corpo...

GUIMARÃES ROSA, João. Ave, palavra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

MLp1A2.indb 78 30/6/2010 14:07:00

Page 79: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 79

Note que o conto não nos fornece muitos detalhes sobre a aldeia. É uma aldeia qualquer, igual aos milhares de outras que existem, inclusive a nossa aldeia global. Já sobre a menina de fita verde temos mais informa-ções, embora ainda assim sejam poucas. É o narrador quem fornece as informações que permitem ao leitor compreender o texto e construir nele sentidos de leitura.

Basicamente, o narrador pode introduzir-se no enredo em primeira pessoa, sendo também personagem da narrativa ou afastar-se, construindo um discurso em terceira pessoa. O narrador em primeira pessoa pode ser mais pessoal, pois participa dos acontecimentos. Afinal ele está falando dele: ou de algo que aconteceu diretamente com ele ou de algo que aconteceu com alguém próximo a ele. Já o narrador em terceira pessoa consegue ser mais objetivo, pois não é personagem na história que conta nem está tão envolvido com as ações das personagens. Pode chegar a saber de todos os fatos que ocorrem e até dos pensamentos mais íntimos das personagens.

14. Como é possível uma fita verde “inventada no cabelo”? Lembre-se de que o verde é a cor que repre-senta tanto a imaturidade como a esperança.

15.Complete o quadro esquemático.

Quais as personagens envolvidas?

Qual o assunto do enredo?

Em que lugar ocorre?

Quanto tempo passa do início ao fim da narrativa?

Narração em primeira ou terceira pessoa? (prove)

GUIMARÃES ROSA (1908-1967) – Escritor do século XX, nasceu em Cordisburgo (MG). Estreia em 1946, com os contos de Sagarana. A maior parte de sua obra aparece situada na paisagem mineira, mas a sua obra dá uma outra dimensão para o mundo regional. As suas personagens não são simples “caipiras mineiros”, ao contrário, em suas personagens encontramos a essência humana. Na obra de Guimarães Rosa, não se questiona o local, os problemas do campo mineiro, mas se questiona o próprio homem, a própria complexidade de existir. É provável que você já tenha percebido isso no conto que acabamos de ler. Faleceu no ano em que fora indicado para o prêmio Nobel de Literatura pelos editores alemães, franceses e italianos.

MLp1A2.indb 79 30/6/2010 14:07:01

Page 80: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 380

tEXto E CoERÊNCIa 16. Numere as ações narradas em Fita verde no cabelo, que aparecem a seguir, na ordem cronológica e

coerente dos acontecimentos.

( ) A menina escolhe o caminho mais longo para visitar a sua avó, desconsiderando os avisos de sua mãe.

( 1 ) A menina sai de casa para visitar a sua avó com uma fita verde inventada no cabelo.

( ) A menina observa os lenhadores na floresta.

( ) A menina toma consciência de seu medo do lobo.

( ) A avó convida a menina a chegar perto dela enquanto é tempo.

As partes da narrativa organizam-se de forma que haja uma conclusão lógica. O texto inicia afirmando que, naquela aldeia, todos tinham “juízo, sufi-cientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto”. Essa afirmação é coerente com o fato de Fita-Verde desconsiderar conselhos de sua mãe que, em nossa cultura, tem o papel social de aconselhar os seus filhos. Diante da avó muito doente, a menina toma consciência de seu medo do lobo, animal que pode representar o perigo. A escolha de outro animal poderia gerar pro-blemas. Por exemplo, se, em vez do lobo, Guimarães Rosa tivesse escolhido um gatinho.

Embora construa um mundo de imaginação, o texto apresenta coerência com a nossa cultura e visão de mundo. Definimos a coesão como a conexão gramatical. Podemos, agora, definir a coerência como a conexão de significados de um texto, ou seja, a sua conexão semântica.

Observe, com atenção, a tira abaixo da personagem Mafalda:

Coerência textual: é o resultado da organização das ideias e significados presentes em um texto.

QUINO. Mafalda, São Paulo: Martins Fontes, 2002.

17. Você diria que o enunciado da mãe de Mafalda foi coerente com a situação comunicativa? Por quê?

18. Que fato da situação comunicativa a mãe de Mafalda deixou escapar?

MLp1A2.indb 80 30/6/2010 14:07:02

Page 81: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 81

Normalmente, quando produzimos um texto, acreditamos que somos claros o suficiente para transmitir o sentido que desejamos. O interlocutor se esforça para compreender a mensagem e, inicialmente, acredita que o texto tem coe-rência. No entanto, são comuns falhas na comunicação, como vemos na tira em quadrinhos da Mafalda. A textualidade, de que falamos no capítulo anterior e que é construída pela coesão e coerência do texto, está diretamente relacionada ao contexto, de que já falamos no capítulo 1. Um texto pode ser adequado em um determinado contexto e inadequado em outro.

19. A fala da mãe de Mafalda seria coerente se o seu objetivo fosse que Mafalda calasse e comesse a sopa? Por quê?

20. Em que outros contextos a fala da mãe da Mafalda seria coerente?

INtERtEXtualIDaDEHá uma relação entre Fita verde no cabelo e Chapeuzinho Vermelho. Gui-

marães Rosa, ao escrever a sua narrativa, foi buscar elementos no famoso conto infantil. É como se os dois textos dialogassem entre si. Esse fenômeno de incorporar fragmentos de discursos de outros no nosso é comum. Por essa razão, podemos afirmar que um texto é, geralmente, polifônico (de poli = vários e fono = voz, som), ou seja, formado de várias vozes, pois nele ressoam outros discursos além da voz do autor. Trata-se de um fenômeno como uma rede, em que vários fios das vozes se entrecruzam.

Tais vozes fazem o texto dialogar com outros textos, em um fenômeno que denominamos intertextualidade, ou seja, a interação de um texto com outro(s) texto(s). Chapeuzinho Vermelho estabelece uma relação intertextual com Fita verde no cabelo. Isso ajuda a entender por que no subtítulo se fala de “nova velha estória”. Já a crônica de Otto Lara Rezende estabeleceu uma relação intertextual com os textos do escritor Ernest Hemingway.

Todo bom escritor dialoga com as outras leituras na hora de escrever. Não se esqueça disso: para você escrever bem, você precisa ser um bom leitor, que faz uso de seu repertório de leituras na hora de escrever.

Guimarães Rosa, em sua narrativa, não se limitou a contar a mesma história com outras palavras. Ele fez alguns questionamentos bem profundos e criativos em seu texto. Ele lançou no seu texto um jeito todo pessoal de olhar. Trocou um chapeuzinho vermelho por uma fita verde para mostrar uma outra história de crianças que passam pelo processo de amadurecimento. Crescer emocional-mente requer equilíbrio entre as doses de esperança e as perdas e frustrações. Algumas são decorrentes das escolhas que vão sendo feitas pela vida, como quando escolhemos um caminho, uma profissão ou a escola onde queremos estudar. Enquanto outras são inevitáveis, como a morte.

Intertextualidade: é um recurso de escrita quando um autor usa situações, falas ou mesmo frases e versos de outros autores, muitas vezes, até sem citar a fonte.

MLp1A2.indb 81 30/6/2010 14:07:03

Page 82: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 382

Examine:

Bravo! São Paulo: Abril, no 7, abr. 1998.

Compare a propaganda com a foto ao lado.

21. Que conhecimentos intertextuais deve ter o leitor para aprofundar a leitura da propaganda?

22. Que uso criativo o anunciante fez da intertextualidade com a foto?

23. O produto anunciado é um desinfetante. A quem poderia interessar um anúncio publicitário desse produto? Mas para que o anúncio tenha pleno êxito, que conhecimentos esse interlocutor deve ter?

faltou fonte

MLp1A2.indb 82 30/6/2010 14:07:05

Page 83: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 83

24. A propaganda de Pinho Bril é um texto polifônico, pois estabelece uma relação intertextual com a foto de Einstein. Isso, no entanto, gera riscos para o anunciante, pois nem todos conhecem a foto de Einstein. Se você fosse publicitário, em que tipo de revista ou jornal recomendaria que circulasse esse texto publicitário? Por quê?

Agora, vamos ampliar ainda mais a nossa compreensão da intertextu-alidade de Fita verde no cabelo. Para isso, organize-se em grupos que não ultrapassem quatro alunos. Vamos ler um trecho de um texto científico. A seguir, responda às questões propostas. O texto que vamos ler é um estudo do conto infantil Chapeuzinho Vermelho feito por um importante psicanalista, Bruno Bettelheim:

“É como se Chapeuzinho tentasse entender a natureza contraditória do homem vivenciando todos os aspectos da personalidade dele: as tendências egoístas, associais, violentas e potencialmente destrutivas do id (o lobo); as propensões altruístas, sociais, reflexivas e protetoras do ego (o caçador).

Chapeuzinho Vermelho é amada universalmente porque, embora virtuosa, sofre a tentação; e porque sua sorte nos diz que confiar nas boas intenções de todos, que nos parecem tão bons, na realidade deixa-nos sujeitos a armadilhas. Se não houvesse algo em nós que aprecia o lobo mau, ele não teria poder sobre nós. Por conseguinte, é importante entender sua natureza, mas, ainda mais importante, é aprender o que a torna atraente para nós. Por mais atraente que seja a ingenuidade, é perigoso permanecer ingênuo toda a vida. [...]

Em Chapeuzinho Vermelho, tanto no título como no nome da menina, enfatiza-se a cor vermelha, que ela usa declaradamente. O vermelho é a cor que significa as emoções violentas, incluindo as sexuais. O capuz de veludo vermelho que a avó dá para Chapeuzinho pode então ser encarado como o símbolo de uma transferência prematura da atração sexual, que, além disso, é acentuada pelo fato de a avó estar velha e doente, demais até, para abrir a porta. O nome “Chapeuzinho Vermelho” indica a importância capital desta característica da heroína na estória. Ele sugere que não só o chapeuzinho vermelho é pequeno, mas também a menina. Ela é demasiado pequena, não para usar chapéu, mas para lidar com o que ele simboliza e com o uso que dele atrai.”

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

BRUNO BETTELHEIM (1903-1990) – Psicanalista e pesquisador. Dedicou-se ao trabalho em favor de crianças autistas e, posteriormente, das crianças em geral.

Resolvam as questões a seguir.

25. Como já dissemos, o texto de Bettelheim faz parte do discurso científico da psicanálise. Que palavras ou expressões lidas no trecho confirmam isso?

MLp1A2.indb 83 30/6/2010 14:07:06

Page 84: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 384

26. Concordam com o ponto de vista de Bettelheim sobre a ingenuidade em Chapeuzinho Vermelho, con-forme ele afirma no segundo parágrafo? Por quê?

27. A afirmação do estudioso sobre a cor vermelha do chapéu de Chapeuzinho se harmoniza com o hábito de dar rosas vermelhas ou com os corações vermelhos que aparecem nos cartões enviados por namo-rados. Seguindo a mesma linha de raciocínio de Bettelheim, tente encontrar uma explicação coerente para a fita verde no conto de Guimarães Rosa.

E agora que o trabalho está feito, voltemos à nossa reflexão teórica:

O texto de Guimarães Rosa possibilita diversas interpretações. Isso ocorre principalmente porque se trata de um texto literário de ficção, sem o compromisso de informar as pessoas de uma realidade específica.

A caminhada para o amadurecimento exige bastante de qualquer um de nós. No conto de fadas, a desobediência de Chapeuzinho tem como consequência o perigo de ser atacada pelo lobo. No entanto, ela e a avó se salvam com a ajuda dos caçadores. De certa forma, ela aprende a obediência.

As respostas da avó de Fita-Verde demonstram a consciência de estar morrendo. Nesse conto, a menina não desobedeceu a ninguém. Ela não tem o seu juízo completo porque ainda é uma criança, mas, nesse dia, aprendeu a lição do tempo. O tempo, às vezes, nos traz a perda das pessoas queridas. O lobo pode ser visto como uma imagem do tempo que nos devora e faz com que percamos pessoas queridas, como a menina perdeu a avó.

Guimarães Rosa também trabalha a linguagem na sua narrativa. Ele inventa palavras. Procure encontrar, no capítulo dois, a parte que aborda o surgimento de palavras novas na língua. Releia o texto.

Narrativa de Guimarães Rosa Conto tradicional

Objeto usado na cabeça Uma fita verde

O lobo Uma personagem

Perguntas da menina

A menina queixa-se do estado doentio da avó

O episódio final

28. Identifique as várias diferenças entre o conto tradicional de Chapeuzinho Vermelho e o conto de Gui-marães Rosa, de acordo com os itens sugeridos.

MLp1A2.indb 84 30/6/2010 14:07:07

Page 85: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 85

29. O termo “velhavam” é uma palavra inventada por Guimarães Rosa. Qual o seu sentido no texto?

30. Qual a diferença entre elaborar o texto com o termo “velhavam” ou com uma expressão que já existia em português?

31. Identifique, no texto de Guimarães, outra palavra ou expressão inventadas pelo autor. Identifique seu sentido e o valor expressivo da novidade.

Levando em conta tudo sobre o que refletimos até agora, reúna-se em dupla com um colega e escrevam também uma história que expresse relações intertextuais com o conto de Guimarães Rosa, com o clássico Chapeuzinho Ver-melho e com os trechos lidos de Bettelheim. Após terminar, consultem o quadro de acentuação gráfica para certificar-se de que acentuaram corretamente todos os vocábulos. Levem em conta que estão escrevendo para que os outros leiam; assim, produzam um texto que permita construir pontes com os seus leitores. Sejam criativos e mantenham um olhar que faça diferença neste mundo em que todos parecem enxergar as coisas do mesmo modo.

pauSa paRa REFlEXÃoEm seu caderno, responda às questões a seguir.

I. O que você aprendeu do que foi estudado neste capítulo? Responda apenas de memória, evitando consultar o material.

II. Quais conteúdos vistos, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem uma nova explicação ou atividade de reforço?

III. Em qual(is) atividade(s) houve mais envolvimento de sua parte? Por quê?

IV. Qual(is) atividade(s) você considerou mais importante(s) para seu aprendizado? Por quê?

V. Participou das leituras e atividades com interesse? Em que aspectos poderia melhorar a sua participação?

Na verdade, existe um grande conjunto de textos que estabelecem relações intertextuais com Cha-peuzinho Vermelho e que podem servir de ajuda à proposta polifônica deste trabalho. As duplas po-derão, em fontes diversi-ficadas, como na Internet e na biblioteca da escola, pesquisar mais sobre o assunto.

MLp1A2.indb 85 30/6/2010 14:07:08

Page 86: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 386

tRaBalhaNDo CoM pRojEto

A agência publicitária que os diferentes grupos constituíram recebe mais uma encomenda: solicita-se que projetem uma exposição fotográ-fica na escola que responda a dois objetivos:

• Apresentar um conceito de fotografia como expressão da arte estudantil.

• Conscientizar o público das diferentes manifestações da realidade social.

O projeto fotográfico elaborado na atividade anterior poderá servir de base para organizar este trabalho. Recapitulem os principais itens que constituem um projeto e que foram apresentados nos capítulos anteriores. Adaptem-nos a esta nova empreitada. Sempre que possível, visitem galerias, museus e exposições para que o projeto de vocês ganhe em realidade.

Sigam o roteiro a seguir.

Título do projeto da exposição: a criatividade deve ser bem aprovei-tada, mas deve estar a serviço dos objetivos do trabalho. De nada adianta um título cômico ou pomposo que pouca relação tem com a essência do trabalho.

Objetivo: neste caso, o objetivo do projeto foi dado à agência. Ele deve orientar todos os trabalhos.

Justificativa: como sabemos, a justificativa é a parte do projeto em que defendemos a importância do projeto que estamos desenvolvendo. Os argumentos devem ser consistentes e podem estabelecer relações intertextuais com nomes importantes na área em que vocês se encontram neste projeto.

Recursos: este item substitui o “metodologia” e trata do que vocês vão precisar, efetivamente, para desenvolver a exposição: recursos mate-riais, principalmente, mas também podemos incluir outros itens e, muito importante, como obter tais recursos. Um projeto dessa natureza, que seja impraticável por exigir recursos de que não se dispõe, perde força logo de partida.

Fontes: em que fontes o grupo se baseou para elaborar o seu pro-jeto? Que consultas fizeram? Pela natureza do projeto, depoimentos ou testemunhos orais podem aparecer. Como se indica um depoimento em um projeto?

Autor do depoimento. Assunto. Local do depoimento. Cargo, insti-tuição, data em que a informação foi proferida. Nota indicando o tipo de depoimento: entrevista, conferência, anotação de aula, etc.

Veja um exemplo:

Irmão José de Sousa. “Espaços disponíveis no Colégio Santa Domingas”. São Paulo, Colégio Santa Domingas. Diretor do Colégio Santa Domingas. Entrevista concedida aos autores deste projeto.

MLp1A2.indb 86 30/6/2010 14:07:09

Page 87: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 87

EStRatÉgIaS DE lEItuRa: a INtERtEXtualIDaDE No pRoCESSo DE CoNStRuÇÃo Do SENtIDo (paRtE 1)

Como vimos neste capítulo, a intertextualidade é um tema muito impor-tante quando o assunto é a construção do sentido em um texto. A intertex-tualidade pode constituir-se de modo explícito ou implícito. Nesta seção, no capítulo 3, trataremos somente das relações de intertextualidade explícita, ou seja, quando há a citação da fonte do intertexto, como acontece nas citações e referências, por exemplo. Observe isso no trecho a seguir.

Relatos variados dão conta de que Fidel costumava trabalhar, durante os 47 anos em que esteve à frente de Cuba, de segunda a domingo, até as madrugadas. Assim, pouco tempo possuía para usufruir de eventuais vantagens concedidas pelo cargo. Apesar disso, a revista norte-americana Forbes vem incluindo o líder em uma lista de reis, rainhas e ditadores mais ricos do mundo, que prepara anualmente. Em abril de 2006, Fidel Castro aparecia como o oitavo da relação, com um patrimônio pessoal avaliado em US$ 900 milhões.

GARAVELLO, Murilo. Orador carismático, governante centralizador. Especial Cuba. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/ultnot/especial/2008/cuba/perfilfidel.jhtm>. Acessado em: 21-2-2008.

O texto de Garavello estabelece uma evidente intertextualidade explícita com a revista Forbes. A seleção de uma determinada informação atribuída a uma fonte que não o próprio autor ajuda, algumas vezes, a reforçar um ponto de vista, a diminuir, posições, contrárias em questões polêmicas, como é o caso aqui.

Uma das perguntas mais famosas que circula na Internet é “por que o frango atravessou a rua?”. As diferentes respostas apelam ao conhecimento enciclopédico do leitor e à sua habilidade de construir relações intertextuais no processo de leitura do texto. As diferentes marcas de intertextualidade explícita, no entanto, não facilitam a vida do leitor que não tenha bom conhe-cimento de mundo. Vejamos alguns exemplos:

PLATÃO: Porque buscava alcançar o bem.

Muitos sabem que Platão era um filósofo, e como a frase tem um “ar” filosófico, pode parecer que está tudo certo. Mas, para aqueles que conhecem um pouco melhor o pensamento de Platão, há possibilidades de interpreta-ção do texto mais profundas. O “bem” para Platão é o ápice da existência, o ideal supremo que todos deveriam alcançar. Até as galinhas, de acordo com a visão bem-humorada deste texto. Levanta-se, então, uma suspeita no leitor: as galinhas recebem, no texto, o tratamento dado aos seres humanos. Outro exemplo confirmará ou não essa hipótese:

MOISÉS: Porque uma voz do céu bradou ao frango: “Vós atravessareis a rua”, e o frango cruzou a rua, e houve grande regozijo.

Compreender essa resposta exige algum conhecimento da tradição judaico-cristã. Segundo a Bíblia (ou a Torá), Deus manda que Moisés

MLp1A2.indb 87 30/6/2010 14:07:10

Page 88: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 388

cruze o Mar Vermelho para libertar os israelitas da escravidão no Egito. A escolha de termos como “bradar” e do pronome de tratamento “vós”, que caracterizam certo estilo religioso, reforçam essa ideia. O frango aqui não é um ser humano qualquer, mas representa o próprio Moisés, numa verdadeira ousadia galinácea do autor.

Tais ousadias são comuns nos dias de hoje, em especial em textos que circulam sem autoria na Internet. Muitas vezes, elas são criativas e enrique-cem o texto. Outras, tornam-se ofensivas e preconceituosas. Um exemplo de preconceito é reconhecível no trecho a seguir.

FEMINISTAS: Para humilhar a franga, num gesto exibicionista, tipicamente machista, tentando, além disso, convencê-la de que, enquanto franga, jamais terá habilidade suficiente para cruzar a rua.

Na fala do que é denominado como “feministas”, podemos identifi-car alguns preconceitos comumente associados a esse grupo social: a incapacidade de encontrar o equilíbrio entre os gêneros sexuais e de ver qualquer atitude do masculino como sendo ameaçadora ao feminino. Além disso, não deixa de ser interessante notar que não se assume uma autoria determinada (do tipo fulano disse), o que torna difícil identificar um texto específico que estabeleça a relação intertextual com o que se escreve. No texto resposta, ecoam outros comentários que ouvimos e que traduzem um modo de ver o mundo modelado apenas pelo senso comum e associado a um tipo específico de pessoa.

Diferente é a situação da seguinte resposta:

MARTIN LUTHER KING: Eu tenho um sonho: que meus frangos vão um dia viver em uma nação onde eles poderão cruzar a rua sem questionamentos ou dúvidas. Eu tenho um sonho hoje!

Martin Luther King foi um pastor e ativista político que se tornou famoso pela sua luta nos EUA pelos direitos civis. Em 1963, profere o discurso “Eu tenho um sonho”, no qual encontramos o seguinte trecho:

Eu tenho um sonho: que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

É fácil encontrar as semelhanças entre as duas falas, a do fictício King preocupa-se com os seus frangos e no direito deles de atravessarem a rua; já o verdadeiro Martin Luther King pensava em suas crianças não sofrendo de preconceitos raciais.

Há muitas formas de fazer humor, quando nos aproximamos de um texto, buscamos algo: informarmo-nos, estudarmos, divertir-nos, etc. O texto “Por que o frango atravessou a rua?” busca o humor, a diversão do leitor, por deslocar textos de seu contexto ou por alimentar-se do senso comum. Em qualquer um dos casos, espera-se que o leitor (re)conheça o outro texto. Isso exige um constante ampliar de horizontes, pensando a leitura como uma atividade em rede, que nos enreda nos diversos conhecimentos que vamos adquirindo no correr da vida.

MLp1A2.indb 88 30/6/2010 14:07:11

Page 89: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 89

paRa lER

Cara de um, focinho de outro!

Ele era um cara legal!Um cara que metia a cara.Assim meio cara-de-pau, meio caradura.O tipo de caraQue não fica com cara de tachoQuando está cara a cara com o perigo.

Era um cara que acertava de cara,Mas, de vez em quando, quebrava a cara.Dizem que era a cara do paiTipo cara de um, focinho do outro.

O pai do cara era um pouco careta.Mas o cara gostava do coroaSabia que o coroa era um cara Que não ficava mudando de caraNem com cara amarradaNem com cara de quem comeu e não gostou.

E o coroa gostava do cara,Da cara e da coragem do cara.Mas nunca teve caraDe lhe dizer tudo isso na cara.Mas quem vê caraNão vê coraçãoE os dois nunca ficaram cara a cara.

O tempo então foi passandoE o cara foi ficando coroa.E cada vez mais com a cara do coroa.

Um dia, ele ligou pro coroaE falou, logo de cara:– Tô o maior coroa e o meu filho é a sua cara!E o vovô viu a uva.

Aí, os dois foram jogar dama na praçaE jogar conversa foraE tirar na cara ou coroa....Se o carinhaEra a cara do caraOu a cara do coroa!

Eles nunca descobriram Mas, a resposta...Estava na CARA!

LINS, Guto. Cara de um focinho do outro. São Paulo: FTD, 1995.

MLp1A2.indb 89 30/6/2010 14:07:18

Page 90: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 390

poema tirado de uma notícia de jornalJoão Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.Uma noite ele chegou no bar Vinte de NovembroBebeuCantouDançouDepois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Manuel Bandeira. “Libertinagem”. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990.

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDoum pouco do outro naquilo que você dizEste capítulo buscou compreender o olhar que leva alguém a escrever: o olhar sobre a linguagem

e o olhar sobre o outro. Agora, vamos ter oportunidade de recapitular o que estudamos, aplicando-o na leitura de um poema narrativo.

MANUEL BANDEIRA (1886-1968) – Nasceu no Recife (PE). Integrou o movimento modernista de 1922, e sua obra abriu caminhos para experiências inovadoras. Fez uso sistemático do verso livre. Harmonizou a herança do lirismo português com a liberdade de criação própria de outro povo, o brasileiro, procurando sempre a simplicidade que o requinte permite.

Morro da Babilônia – Rio de Janeiro. Lagoa Rodrigo de Freitas – Rio de Janeiro.

Key

ston

e

MLp1A2.indb 90 30/6/2010 14:07:23

Page 91: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

O outro naquilo que eu digo 91

32. Dê a sua opinião, em classe, sobre o poema lido.

O poema que você acabou de ler, de Manuel Bandeira, é um poema narrativo, cujo narrador, em terceira pessoa, conta a desventurada vida de “João Gostoso”, que é o único personagem do enredo.

33. Identifique os dois espaços onde ocorrem as ações.

O olhar de Manuel Bandeira sobre a vida é rápido e inquietante: do ponto de vista social, seu olhar é de denúncia das injustiças da realidade social brasileira e, linguisticamente, Manuel Bandeira mistura polifonicamente o poema com o jornal.

O uso literal da palavra “gostoso” caracteriza alimentos de sabor agradável. No entanto, no texto, “gostoso” é um adjetivo polissêmico, que é usado em sentido conotativo. Funciona como uma espécie de apelido, quase um sobrenome de João, o que atribui à personagem características eróticas, pois “gostoso”, no seu uso conotativo, é uma palavra associada ao discurso erótico.

No capítulo anterior, pudemos estudar como se escreve uma notícia de jornal. O poema mantém uma relação intertextual com as notícias jornalísticas policiais, como a que vamos ler em seguida:

Reúna-se em dupla com o colega que foi seu parceiro na escrita da narrativa intertextual da Chapeu-zinho Vermelho. Juntos resolvam as questões a seguir.

34. Encontrem as semelhanças e diferenças entre os dois textos: o poema de Manuel Bandeira e a repor-tagem policial do jornal O Comércio.

Poema tirado de uma Tentativa de suicídio

notícia de jornal

Enredo Caracterização das personagens Desfecho da narrativa Uso da linguagem

Coerência

tentativa de suicídioA pronta ação de uma equipe do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar evitou que Maria

Iursulina da Silva (32) cometesse suicídio no último domingo pela manhã. Maria Iursulina, que já tentou outras vezes contra sua vida, estava desta feita na ponte dos arcos pronta para se jogar no rio Iguaçu, quando uma equipe da PM a impediu de se atirar. Os bombeiros já se encontravam dentro do rio com uma embarcação para resgatá-la caso ela se jogasse. Agora Maria Iursulina será encaminhada para um tratamento psiquiátrico.

O Comércio. São Paulo: 20-4-2000. Adaptação.

MLp1A2.indb 91 30/6/2010 14:07:24

Page 92: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 392

35. Encontrem, no texto que a dupla escreveu, trechos que exemplifiquem o que se pede, justificando as escolhas feitas:

a) Coesão

b) Coerência

c) Polissemia

d) Intertextualidade

36. A principal característica de uma notícia é a exatidão das informações, sem opiniões pessoais. Escre-vam um pequeno texto, identificando de que forma o olhar de Manuel Bandeira sobre a realidade se diferencia daquele presente nas notícias que aparecem nos jornais, como “tentativa de suicídio”, por exemplo.

MLp1A2.indb 92 30/6/2010 14:07:25

Page 93: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

93Um olhar sobre a comunicação

Na hora de estudar... Em agosto de 2003, a revista Veja lançou uma edição especial voltada para os adolescentes. Um

dos temas abordados era o das notas do boletim. Leia o artigo da revista.

Boletim turbinado

37. Em sua opinião, o artigo reflete bem a realidade dos jovens estudantes? Por quê?

38. De seu ponto de vista, o que mais influencia os jovens no desejo de melhorar as notas: os pais, os amigos ou o vestibular? Por quê?

39. Retorne ao início da unidade 1: Um olhar sobre a comunicação. Ali você encontra um quadro esque-mático dos principais conteúdos, reflexões e gêneros textuais considerados nesta unidade. Após analisar os diversos itens, responda em seu caderno:

a) Que conteúdos estudados, na sua opinião, mereceriam uma nova explicação ou atividade de reforço? Por quê?

b) Que reflexão(ões) considerou mais importante(s)? Por quê?

c) Que gênero(s) textual(is) estudado(s) considera mais importante(s)? Por quê?

d) Participou do desenvolvimento dos capítulos com interesse? Em que aspectos poderia melhorar a sua participação para a próxima unidade?

DE OLhO NO fUTURO

Qual o segredo para que um estudante melhore seu rendimento escolar? O drama da nota vermelha numa matéria ou o fiasco generalizado, daqueles de fazer o aluno esconder o boletim dos pais, podem ter várias explicações. A mais comum – faltou estudar mais – é relativamente simples de reverter. Basta um pouco mais de seriedade e dedicação para que os resultados apareçam. A questão é mais complexa quando o aluno passa horas debruçado sobre os livros e, mesmo assim, não consegue melhorar suas notas. Uma dica sugerida pelos que já deram a volta por cima é reavaliar o método de estudo. Henrique Copelli zambon, de 16 anos, viu aumentar suas médias depois que se engajou na construção de um carro movido a energia solar. Com o trabalho escolar, ele passou a adotar nas outras disciplinas a mesma estratégia usada em Física. Hoje, zambon concentra-se ao máximo na hora de estudar. Não leva mais dúvidas para casa e evita decorar a matéria.

Foi-se o tempo em que os jovens encaravam os estudos com desinteresse, como se fossem apenas mais uma imposição dos pais. Levantamento com 2098 adolescentes de sete capitais indicou que, para 95% dos

entrevistados, estudar é a coisa mais importante da vida deles. A pesquisa mostrou ainda que a maioria é crítica em relação à qualidade de ensino, o que demonstra a determinação da nova geração de estudantes. Mesmo assim. há várias armadilhas no caminho da formação escolar – como as notas baixas.

Elas costumam surgir com maior frequência na puberdade, quando o jovem passa por modificações significativas, como a transformação do corpo, o aumento do interesse pelo sexo oposto e a construção da identidade. O adolescente não entende por que tem de estudar tanto se existem coisas mais interessantes à sua volta. A participação dos pais pode ser decisiva nesse momento crucial do jovem. Cabe a eles manter um ambiente em casa que valorize o conhecimento e permita ao estudante estabelecer ligação entre os conteúdos aprendidos na escola e o mundo real. Tudo isso ajuda a despertar a curiosidade e o prazer de aprender. O bom desempenho dos alunos depende mais de motivação que de sua capacidade intelectual ou da qualidade da escola. Ou seja, basta um empurrão.Veja. São Paulo: Abril, ago. 2003.

MLp1A2.indb 93 30/6/2010 14:07:26

Page 94: Lingua Portuguesa 1ª Série

uNIDaDE 194

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Caiu no vestibularVamos conferir os conhecimentos aprendidos nas lições anteriores, resolvendo questões que “caíram”

nos principais vestibulares do País.

1. (UERJ)

a crise

Na charge de Raul, composta por título, desenho e legenda, há vários contrastes. O contraste que melhor reforça o título da charge é:

a) um senhor de fraque e chapéu olha um mendigo; b) um homem e um cão disputam o mesmo alimento; c) um mendigo com fome faz uma frase polida e formal; d) o cão faminto olha para o mendigo e não para o osso.

2. (Fuvest)

história estranha

Um homem vem caminhando por um parque quando de repente se vê com sete anos de idade. Está com quarenta, quarenta e poucos. De repente dá com ele mesmo chutando uma bola perto de um banco onde está a sua babá fazendo tricô. Não tem a menor dúvida de que é ele mesmo. Reconhece a sua própria cara, reconhece o banco e a babá. Tem uma vaga lembrança daquela cena. Um dia ele estava jogando bola no parque quando de repente aproximou-se um homem e... O homem aproxima-se dele mesmo. Ajoelha-se, põe as mãos nos seus ombros e olha nos seus olhos. Seus olhos se enchem de lágrimas.

Sente uma coisa no peito. Que coisa é a vida. Que coisa pior ainda é o tempo. Como eu era inocente. Como os meus olhos eram limpos. O homem tenta dizer alguma coisa, mas não encontra o que dizer. Apenas abraça a si mesmo, longamente. Depois sai caminhando, chorando, sem olhar para trás. O garoto fica olhando para a sua figura que se afasta. Também se reconheceu. E fica pensando, aborrecido: quando eu tiver quarenta, quarenta e poucos anos, como eu vou ser sentimental!

VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola.

“– Perdão, cavalheiro, este osso é meu: eu o vi primeiro.”(Revista Fon-Fon. 6-6-1914)

MLp1A2.indb 94 30/6/2010 14:07:27

Page 95: Lingua Portuguesa 1ª Série

Um olhar sobre a comunicação 95

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

De médico e de louco, todo mundo tem um pouco.

Ele não tem nada de médico.

Tudo o que você esperava de um programa de TV, mas

ninguém tinha sido louco o suficiente para colocar no ar.

BAND É BRASIL

MARCOS MION

de segunda a sexta, às 20h30

A estranheza dessa história deve-se, basicamente, ao fato de que nela

a) há superposição de espaços sem que haja superposição de tempos.

b) a memória afetiva faz um quarentão se lembrar de uma cena da infância.

c) a narrativa é conduzida por vários narradores.

d) o tempo é representado como irreversível.

e) tempos distintos convergem e tornam-se simultâneos.

3. Assinale a alternativa INCORRETA.

a) Pode-se afirmar que, no texto, a oposição de sentido entre as figuras sociais do médico e do louco não é a oposição entre aquele que cura e o doente.

b) O referente ao qual faz menção o vocábulo louco nas duas vezes em que este aparece no texto não é o mesmo.

c) Considerando-se o que se diz nas duas primeiras linhas do texto, pode-se pressupor que, para o enunciador, Marcos Mion, porque não tem nada de médico, só pode ser louco.

d) A conjunção mas, que aparece na 3ª linha, pode ser substituída pela conjunção e, sem que haja comprometimento de sentido.

4. Assinale a alternativa em que o vocábulo ou expressão que aparece entre parênteses NÃO possa substituir o termo extraído do texto.

a) 1ª linha: todo mundo (qualquer pessoa). b) 2ª linha: ele (o programa).

c) 3ª linha: ninguém (nenhum canal de TV). d) 4ª linha: louco (corajoso).

Para responder às questões 3 e 4, leia a publicidade a seguir, que foi veiculada em um jornal de grande circulação.

(PUC-MG)

MLp1A2.indb 95 30/6/2010 14:07:29

Page 96: Lingua Portuguesa 1ª Série

uNIDaDE 196

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

VERBETE:

abscôndito [...] Do latim absconditus, a, um, escondido, invisível, secreto, part. pas. do verbo abscon-dere, esconder, ocultar, perder de vista.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro Salles; FRANCO, Francisco M. de Melo. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 29. (Fragmento)

REDIJA um texto, justificando o título “Trágico acidente de leitura”, utilizando, para isso, informações do verbete.

trágico acidente de leituraTão comodamente que estava lendo, como

quem viaja num raio de lua, num tapete mágico, num trenó, num sonho. Nem lia; deslizava. Quando de súbito a terrível palavra apareceu, apareceu e ficou, plantada ali diante de mim, focando-me: ABSCÔNDITO. Que momento passei!... O momento de imobilidade e apreensivo de quando o

fotógrafo se posta atrás da máquina, envolvidos os dois no mesmo pano reto, como um duplo monstro misterioso e corcunda...

O terrível silêncio do condenado ante o pelotão de fuzilamento, quando os soldados dormem na pontaria e o capitão vai gritar: Fogo!QUINTANA, M. Antologia poética. São Paulo: Ediouro, 1995, p. 39.

5. (UFMG)

Leia o texto e o verbete que se seguem:

TEXTO:

6. (Fuvest)

o autoclismo da retreteRIO DE JANEIRO – Em 1973, fui trabalhar

numa revista brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro dia, tive uma amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós e aos portugueses, em matéria de língua. Houve um problema no

banheiro da redação e eu disse à secretária: “Isabel, por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada.” Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro primeiras palavras. Pelo visto, eu estava lhe pedindo que chamasse a Banda do

MLp1A2.indb 96 30/6/2010 14:07:30

Page 97: Lingua Portuguesa 1ª Série

Um olhar sobre a comunicação 97

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Corpo de Bombeiros para dar um concerto particular de marchas e dobrados na redação. Por sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo e já escolado nos meandros da língua, traduziu o

recado: “Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete.” E só então o belo rosto de Isabel se iluminou.Ruy Castro. Folha de S.Paulo.

a) Em São Paulo, entende-se por “encanador” o que, no Rio de Janeiro, se entende por “bombeiro” e, em Lisboa, por “canalizador”. Isso permitiria afirmar que, em algum desses lugares, ocorre um uso equivocado da língua portuguesa? Justifique sua resposta.

b) Uma reforma que uniformize a ortografia da língua portuguesa em todos os países que a utilizam evi-taria o problema de comunicação ocorrido entre o jornalista e a secretária. Você concorda com essa afirmação? Justifique.

7. (Fuvest)

Para Pirandello, o cômico nasce de uma “percepção do contrário”, como no famoso exemplo de uma velha já decrépita que se cobre de maquiagem, veste-se como uma moça e pinta os cabelos. Ao se perceber que aquela senhora velha é o oposto do que uma respeitável velha senhora deveria ser, produz-se o riso, que nasce da ruptura das expectativas, mas sobretudo do sentimento de superioridade. A “percepção do contrário” pode, porém, transformar-se num “sentimento do contrário” – quando aquele que

ri procura entender as razões pelas quais a velha se mascara, na ilusão de reconquistar a juventude perdida. Nesse passo, a velha da anedota não mais está distante do sujeito que percebe, porque este pensa que também poderia estar no lugar da velha – e seu riso se mistura com a compreensão piedosa e se transforma num sorriso. Para passar da atitude cômica para a atitude humorística, é preciso renunciar ao distanciamento e ao sentimento de superioridade.Adaptado de Elias Thomé Saliba. Raízes do riso.

a) Considerando o que o texto conceitua, explique brevemente qual a diferença essencial entre a “per-cepção do contrário” e o “sentimento do contrário”.

b) “Ao se perceber que aquela senhora velha é o oposto do que uma respeitável velha senhora deveria ser, produz-se o riso [...].” Sem prejuízo para o sentido do trecho acima, reescreva-o, substituindo “se perceber” e “produz-se” por formas verbais cujo sujeito seja nós e “é o oposto” por não corresponde. Faça as adaptações necessárias.

MLp1A2.indb 97 30/6/2010 14:07:31

Page 98: Lingua Portuguesa 1ª Série

Todo o trabalho desta unidade centra-se no objetivo de transmitir um olhar diferenciado sobre a língua portuguesa que nos permita

intervir na vida, ajudando-nos a fazer do lugar onde vivemos, um momento melhor.

Capítulo 4

LINGUAGEM: LUZ DO MOMENTO

Conteúdos:Gênero textual. Teoria da crônica. Conectivos temporais. Hipérbole. Personificação. Ironia.

Reflexões:Desenvolvendo um olhar reflexivo sobre a sociedade.

Ser coerente por meio da linguagem.

Gêneros textuais:Crônica.

Capítulo 5

LATIM EM PÓ: DA ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA AOS NOSSOS DIAS

Conteúdos:A necessidade histórica da linguagem. O galego-

português. A lírica medieval. Estratégias de leitura e resumo. Gramática e variedades linguísticas.

Reflexões:Paquera e relações sociais. Preconceito linguístico. A

necessidade histórica da linguagem.

Gêneros textuais:Seções de aconselhamento sentimental. Cantigas de

amigo. Resumo.

Capítulo 6

A LITERATURA CAI NA BOCA DO MUNDO

Conteúdos:Literatura: fenômeno social e linguístico. A utilidade da

literatura. O regionalismo brasileiro em Vidas secas. O adjetivo. Valor expressivo do adjetivo na produção

textual. Referenciação.

Reflexões:Literatura e problemas sociais. A

necessidade da arte.

Gêneros textuais:Resenha crítica.

Fim da unidade 2

EM TEMPO COM O FUTUROComo resolver questões de múltipla escolha sobre

interpretação de textos no vestibular?Questões de exames de acesso ao ensino superior.

MLp1A2.indb 98 30/6/2010 14:07:40

Page 99: Lingua Portuguesa 1ª Série

“fui educado pela ImaginaçãoViajei pela mão dela sempre,Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,E todos os dias têm essa janela por diante,E todas as horas parecem minhas dessa maneira”

(fernando Pessoa)

MLp1A2.indb 99 30/6/2010 14:07:50

Page 100: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4100

Escrevia no espaço.Hoje grafo no tempo, Na pele, na palma, da pétala,Luz do momento.

(Paulo Leminski)

LINGUAGEM: LUZ DO MOMENTO

o CoNCEIto DE gÊNERo tEXtualAcompanhe, com atenção, um clássico da música popular brasileira, de autoria de Dorival Caymmi.

vatapá Quem quiser vatapá, ôQue procure fazerPrimeiro o fubá, depois o dendêProcure uma negra baiana, ôQue saiba mexerQue saiba mexer, que saiba mexerProcure uma negra baiana, ôQue saiba mexerQue saiba mexer, que saiba mexer

Bota castanha de caju, um bocadinho maisPimenta malagueta, um bocadinho maisBota castanha de caju, um bocadinho maisPimenta malagueta, um bocadinho maisAmendoim, camarão, rala um cocoNa hora de machucarSal com gengibre e cebola, ô iaiáNa hora de temperarNão pára de mexer, ô

MLp1A2.indb 100 30/6/2010 14:07:53

Page 101: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 101

Que é pra não embolarPanela no fogo, não deixa queimarCom qualquer dez mil réis e uma nega, ôSe faz um vatapá, se faz um vatapáE que bom vatapáCom qualquer dez mil réis e uma nega, ôSe faz um vatapá, se faz um vatapáE que bom vatapá

Bota castanha de caju, um bocadinho maisPimenta malagueta, um bocadinho maisBota castanha de caju, um bocadinho maisPimenta malagueta, um bocadinho maisAmendoim, camarão, rala um cocoNa hora de machucarSal com gengibre e cebola, ô iaiáNa hora de temperar

CAYMMI, Dorival (1943). In: Ney Matogrosso (Intérp.). Batuque. Rio de Janeiro: Universal Music, 2001.

Compare a letra de música com o texto a seguir, procurando semelhanças e diferenças entre os textos.

Receita de vatapá (Receita gentilmente cedida por Dona Dedé.)

Ingredientes1 kg de farinha de trigo1 kg de camarão seco com casca1 vidro de óleo de dendê pequeno1 vidro de leite de coco médio2 pimentinhas-de-cheiro2 cebolas2 tomates sem sementes1 pimentão (cortado miudinho)cheiro-verde a gosto

Modo de preparoDescasque os camarões e deixe-os de molho por 15 minutos. Lave bem as cas-cas do camarão e, após, coloque-as para ferver. Escorra essa água e reserve. Em uma panela, ponha os temperos: óleo, alho, cebola, tomate, pimentão e a pimentinha. Refogue tudo isso e, depois, acrescente os camarões e a metade do óleo de dendê, deixando ferver um pouco essa mistura. Em seguida, bata no liquidificador o caldo do camarão e vá juntando, aos poucos, a farinha de trigo. Nessa mistura, adicione o restante do óleo de dendê, leve ao fogo e mexa até engrossar. Quando formar um “mingau”, coloque o refogado do camarão. Continue mexendo mais até ferver novamente. No fim, acrescente o cheiro-verde.

Como pode reparar, embora o tema seja o mesmo, o preparo do vatapá, os dois textos são muito diferentes entre si.

MLp1A2.indb 101 30/6/2010 14:07:54

Page 102: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4102

Letra de música X Receita culinária – Principais diferenças

Letra de música Receita culinária

Conteúdo

Estilo

Forma como são construídos

Função na sociedade

Todas as atividades humanas estão relacionadas com o uso de lin-guagens em textos de acordo com as diferentes atividades humanas. Isso permite que os textos possam ser classificados em grupos ou gêneros de acordo com a sua função na sociedade. No dia a dia, somos confrontados com variadíssimos gêneros textuais: enigmas, piadas, poemas, explica-ções, conversas telefônicas, artigos de jornal, ordens, catálogos, receitas culinárias, etc.

A variedade de gêneros textuais na sociedade é infinita, pois o ser humano não para de realizar novas conquistas, necessitando sempre de novos gêneros. Por exemplo, antes da invenção do computador, não havia os variados gêneros textuais ligados à computação, que incluem desde os manuais para aprender novas linguagens até aqueles próprios da Internet. Além disso, quando a necessidade de um determinado gênero textual acaba, esse desaparece do uso cotidiano.

Neste capítulo, vamos estudar um gênero textual ligado ao tempo pre-sente em que vivemos: a crônica.

Gêneros: tipos de textos agrupados a partir do uso da língua de acordo com as atividades huma-nas. São classificados de acordo com o conteúdo, o estilo e a forma como os textos são constru-ídos.

a CRÔNICa A crônica é um gênero textual que se desenvolveu no Brasil, a partir de meados do século XIX. A seguir, você vai ler uma divertida crônica de Walcyr Carrasco.

amores grisalhosQuando cheguei em casa, minha mãe colocou o tricô de lado, ajeitou os óculos e disse, com voz

trêmula:– Preciso falar com você.“Lá vem problema”, refleti, com a lógica dos filhos. Quando alguém com 65 anos vem visitar o rebento

e pede conversa séria, já se imagina algum achaque da velhice. Porém, quem quase teve um enfarte fui eu, ao ouvir a verdade dos fatos.

1. Identifique diferenças entre os dois textos e complete a tabela.

A receita do vatapá como pretexto para se falar de uma forma “baia-na” de ver a vida.

Instrucional (dá ordens), claro, procurando não deixar dúvidas.Uso do imperativo.

Em estrofes com repetições e rima com refrão.

MLp1A2.indb 102 30/6/2010 14:07:55

Page 103: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 103

– Estou namorando.– O quê, mamãe?– Por que esse espanto, sou viúva, não tenho o direito?Suspirei, surpreso com as voltas que o mundo dá. Tivemos a mesma conversa, com os papéis trocados,

quando eu tinha uns 12 anos. Na época, ela se revoltou com a minha escolha:– Justo aquela? Uma menina sem sal e sem açúcar!Agora cabia a mim opinar. Quis saber quem era.– Um senhor do prédio vizinho. Foi ferroviário, como seu pai. Ele me trata bem: todo dia me traz um

agrado. Ontem me deu três mamões papaia.“Pelo menos, esperto ele é”, pensei intimamente. “Ela sempre foi prática. Nunca gostou de flores.”

Resolvi.– Você gosta dele, mãe?– Adoro.– Então vá em frente. Muitas amigas minhas de 30 têm menos sorte.Ela retomou o tricô com um sorriso no rosto enrugado. Mais tarde, encontrei com uma amiga. Narrei

o episódio. Ela espantou-se.– Você não ficou preocupado?– Se fosse um surfista de 25, talvez eu estivesse, e muito. Mas ele tem 63.Nos dias que se seguiram, surpreendi-me com o choque das pessoas.– Mas como, namorando com 65 anos? Não faz mal? – gritou uma conhecida.Um amigo cortara relações com a mãe viúva quando ela se casou de novo.– Não piso mais na casa dela. Não suporto aquele homem.– Quem tem de suportar é ela, não você – retruquei.Outro me confessou que, quando a mãe quis casar-se, há dez anos, foi tal o escândalo provocado por

ele e pelos irmãos que a pobre senhora desistiu. Atualmente, ela não se aguenta de solidão, porque os filhos jamais podem visitá-la. O rapaz gemeu:

– A gente devia ter permitido. Teria sido melhor.Também ouvi falar de vários casais que se apaixonaram depois dos 70. Minha geração viveu a revolução

sexual. Talvez a dos meus pais esteja, agora, entrando nas trincheiras. É algo que ocorre apenas nas grandes cidades, como São Paulo, onde ninguém tem tempo para ninguém, e os velhos acabam sozinhos. Não é à toa que gente de cabelo branco anda em busca de novas emoções.

O grande problema são os filhos. Gente séria que, na adolescência, andou queimando sutiã e ouvindo rock and roll agora reclama quando os pais entram num grupo da terceira idade e renascem. E o caso de uma advogada, ex-hippie:

– Mãe, quando eu era mocinha, você me proibia de entrar em carro de namorado. Agora, tingiu o cabelo, está usando minissaia e se inscreveu num curso de dança de salão!

MLp1A2.indb 103 30/6/2010 14:07:57

Page 104: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4104

– Quero curtir enquanto é tempo. Aprendi rumba!Saiu, balançando as cadeiras.Revolta pelas repressões do passado ou inveja porque a vida dos pais está ficando muito mais interessante

do que a própria? Por que não, afinal?O melhor de tudo é que as histórias de amor provectas tendem a ser mais duradouras. Nessa fase,

ninguém tem disposição para ficar namorando e separando, e um tende a relevar as manias do outro. Quem criou filhos como eu e meus amigos deve ter mesmo uma paciência inesgotável.

Por falar nisso, e minha mãe?A história que contei tem cinco anos.Tirou a roupa escura, pintou as unhas e continua apaixonada.Sempre, muito feliz.

CARRASCO, Walcyr. O golpe do aniversariante e outras crônicas. São Paulo: ática, 2000.

WALCYR CARRASCO – Jornalista e autor de peças de teatro e livros infanto-juvenis. Escreve também minisséries para a televisão e telenovelas.

2. Discuta, em classe, a sua compreensão do texto.

O texto retrata uma situação do cotidiano. A situação comunicativa é clara: uma mãe idosa anuncia a seu filho que ela está namorando. Os pais envelhecem e, se estão novamente sozinhos, separados ou viúvos, muitas vezes, desejam voltar a se casar. Mesmo quando os pais são mais novos, nunca é muito fácil para o filho ver seu pai ou sua mãe casando com outra pessoa, por melhor que ela seja. Com o passar dos anos, contudo, a sensação de mal-estar pode ficar pior, como o olhar crítico de Walcyr Carrasco consegue captar na crônica que lemos.

Gostou da crônica de Walcyr? Na biblioteca de sua escola ou nas livrarias de sua cidade, certamente, encontrará diversos livros de crô-nicas para ler e passar bons momentos.

3. Com base na crônica que lemos, preencha o quadro a seguir.

Quais as personagens envolvidas?

Qual o acontecimento narrado?

Em que lugar ocorre ?

Quanto tempo passa?

Que reflexão sobre o comportamento humano nos apresenta o narrador?

MLp1A2.indb 104 30/6/2010 14:07:57

Page 105: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 105

A crônica é um gênero particular de texto narrativo. A origem da palavra “crônica” é grega, de chronos, que significa tempo. Uma das características definidoras da crônica é o seu caráter atual: fatos atuais são apresentados ao leitor, acompanhados de uma reflexão mais abrangente do escritor sobre o com-portamento humano.

A origem da crônica brasileira nos leva ao século XIX, a um gênero anterior chamado folhetim. O folhe-tim originou-se da tentativa de envolver, em um único texto, a criação literária e a atividade jornalística. Por volta de 1854, um importante escritor brasileiro, José de Alencar, preocupava-se em seguir as regras de um tipo de folhetim caracterizado por obrigar o escritor a ser sensível aos acontecimentos de sua época, transitando entre a comédia e a seriedade, com graça e delicadeza. Por volta de 1859, Machado de Assis, outro importante escritor, ocupava-se em escrever tais folhetins. Para Machado, o folhetim resultaria da mistura “do útil e do fútil”. É Machado de Assis quem fornece o modelo de crônica, que muitos escritores brasileiros no século XX vão escrever.

EDWARD HOPPER (1882-1967) – O pintor es-tadunidense retratou, de forma excepcional, a solidão e o anonimato presente nas grandes cidades.

O folhetim foi misturando, cada vez mais, características próprias do texto jornalístico, como o conteúdo noticioso, amplo, crítico e informativo, com a imaginação, reflexão, graça e bom gosto presentes nos textos literários. As-sim, o folhetim evoluiu para crônica, conservando, no entanto, a linguagem cotidiana e o tom informal, chamando o leitor para a reflexão crítica e para a poesia. Além disso, é bom lembrar que a crônica é um gênero textual tipica-mente brasileiro.

Como você notou, Walcir Carrasco critica um comportamento social caracterís-tico do momento em que vive. Toda crônica procura surpreender determinados momentos da vida presente que merecem ficar na história...

4. Procure responder oralmente:

• Que imagem você formou do narrador quanto à idade que ele tem e à forma como ele vê a vida?

• Que elementos do texto contribuíram para formar essa imagem?

Essa preocupação em olhar criticamente a realidade não é uma característica apenas dos textos verbais.

5. Observe a ilustração: que ideias sobre a vida contemporânea ela lhe transmite?

HOPPER, Edward. Hotel Room (1931). Madri: Museo Thyssen-Bornemisza.

Crônica: um gênero textual caracterizado por repre-sentar um olhar diferen-ciado do autor, em que se revelam reflexões críticas e até poéticas sobre as-pectos do comportamento humano. Trata de variados assuntos, sem considerar o tempo, o espaço ou as personagens, embora, de um modo geral, traga para a realidade presente da emoção um aconte-cimento que, a princípio, parecia menor e quase sem importância. Por isso, recria a realidade, fazendo o leitor refletir.

MLp1A2.indb 105 30/6/2010 14:08:00

Page 106: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4106

Neste quadro dos anos 30 do século passado, Edward Hopper, um grande nome da pintura norte-americana, retrata a solidão e o anonimato: uma mulher, de quem não sabemos nada, aparece diante do leitor do quadro, sentada numa cama, lendo um papel amarelado (um folheto? uma carta?). Ela está em um quarto simples de hotel, sem muita bagagem e ainda por se arrumar.

6. Elabore duas perguntas que gostaria de fazer, se pudesse, ao pintor desse quadro.

A identidade da retratada parece ter grande importância. O único contato com o outro que a personagem tem é por meio do papel amarelado que ela lê atentamente. Hopper capta um flagrante da vida humana, que ilustra bem como a vida no século XX (e também neste século XXI) não oferece estabilidade às pessoas: tudo se apresenta aos nossos olhos como passageiro, rápido, anô-nimo, solitário.

Essa instabilidade é facilmente identificada no nosso cotidiano. Por exemplo, muitos jovens “ficam” com outros de que não sabem nem o nome, apenas por uns momentos, para satisfazer desejos pessoais ou por vaidade ou modismo. Podemos considerar esse quadro como uma crônica em forma de pintura, cujo autor nos conta um pouco da solidão humana da personagem, a qual, de certo modo, acaba por representar um pouco de cada um de nós, da sociedade que se desenvolveu nas cidades grandes, voltada apenas para a fugacidade da vida e alimentando uma profunda solidão humana.

Leia com atenção esta crônica:

Declaração de amor

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.

Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.

LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

MLp1A2.indb 106 30/6/2010 14:08:01

Page 107: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 107

CLARICE LISPECTOR (1920-1977) – Portadora de um estilo todo pessoal, Clarice cons-truiu comparações pouco comuns, entregando-se ao fluir de sua consciência. Ler Clarice é semelhante a passear nos pensamentos de uma pessoa muito sensível e reflexiva. Em seus textos, valoriza-se o espírito humano, caminhante nos campos da memória e da autoanálise, procurando uma salvação que ocorre por meio da linguagem – neste caso, a língua portuguesa que ela tanto amava.

7. Relacione a sua compreensão da crônica com o estudo que temos feito até agora da língua portu-guesa.

8. Que semelhanças e diferenças você encontra entre a crônica de Walcyr Carrasco e a de Clarice Lis-pector?

As crônicas podem ser divididas de vários modos. Uma possibilidade é dividi-las em narrativas, líricas e lírico-narrativas.

Numa crônica narrativa, sempre há personagens, reais ou inventados, uma sequência de acontecimentos que acontecem em um determinado tempo e lugar, e que são contados pelo narrador. A crônica lírica, escrita sempre em primeira pessoa, não procura narrar um fato, mas descrever uma impressão íntima. Repare que a crônica de Clarice Lispector, embora tenha como tema a língua portuguesa, centra-se na relação emocional do cronista, com o discurso do texto feito em primeira pessoa (eu). Esse voltar-se para dentro de si é a principal característica da crônica lírica e a distingue da narrativa. Em comum, o fato de apresentarem uma reflexão atual sobre um determinado assunto.

É também esse voltar-se para dentro de si mesmo que leva a cronista, em “declaração de amor” a pensar a língua portuguesa como um ser vivo. Ao afir-mar “Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisto de uma frase”, a cronista personifica a língua por-tuguesa, atribuindo-lhe características (que são) próprias dos seres humanos como reagir diante de um pensamento ou “assustar-se”.

9. Qual a importância, dentro da crônica de Clarice Lispector, do uso da prosopopeia?

Personificação ou pro-sopopeia: consiste em atribuir linguagem, sen-timentos e ações pró-prios de seres huma-nos a seres inanimados ou i r rac ionais , como quando ut i l i zamos a frase “um passarinho me contou”.

MLp1A2.indb 107 30/6/2010 14:08:01

Page 108: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4108

No entanto, o que dizer de uma crônica lírico-narrativa?

Os gêneros textuais estão sempre mudando, muitas vezes, mesclando-se, em outras, adaptando-se aos novos desafios que o ser humano aceita enfrentar. É o que verificamos na crônica a seguir de Cecília Meireles.

Rio de Janeiro, por volta de 1950.

pequena viagemHá, pelo menos, dois tipos de viajantes: os que desejam viajar e os que desejam chegar. Os segundos

procuram o meio de transporte mais rápido, reclinam-se, fecham os olhos e esperam pela chegada ao ponto de destino. São criaturas tranquilas, embora velozes; não se querem desgastar na observação do caminho. Tendo passado por ele uma vez, nem admitem que se tenha produzido alguma alteração, nem imaginam que se venha a produzir. Quando outra pessoa mais sensível lhes fala de qualquer mudança, de qualquer novidade, ficam admiradíssimos. Não reparam que as árvores mudam de cor segundo a época, não descobrem esta ou aquela construção recente, e seguem felizes, pois para eles o mundo é absolutamente estável e a paisagem também. E, de certo modo, eles próprios.

Há, porém, os infelizes imaginativos, que notam a ausência de qualquer marco da estrada, de certos anúncios, que descobrem conselhos novos da sinalização, reparam na extensão de uma pista, na erosão de um morro, na magreza do pobre bezerrinho que se vai encostando, como um filho triste, ao flanco de sua mãe igualmente desamparada.

Hoje descobri que a minha cidade está ficando completamente mudada. Há muito tempo que eu não saía de casa: e eis que me aparecem vias, “trevos”, largos espaços vazios de casas, homens e máquinas em plena atividade... Tudo isto deve ser para as festas do Quarto Centenário. Se chegarmos até lá (as obras e eu), vai ser uma grande alegria, pois esta chamada “cidade maravilhosa” passou por grandes vexames, toda esburacada, suja, poeirenta. Chegaram até a parodiar-lhe o hino, paródia que não transcrevo (embora na época fosse perfeitamente adequada) para não tripudiar sobre uma cidade que nasceu bela e honrada, tem os títulos de leal e heroica, e, por patrono, São Sebastião, um dos santos mais simpáticos e sofredores entre os grandes da corte celeste.

Assim fui até os limites da cidade: tudo era verde, azul, dourado, com os laranjais subindo pelos morros; um caboclinho a pular no alto do seu cavalo desconfiado; um preto de uns duzentos e cinquenta

MLp1A2.indb 108 30/6/2010 14:08:04

Page 109: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 109

anos de idade a fumar à porta do seu casebre, com amável tranquilidade, e a olhar para os automobilistas com expressão provavelmente semelhante à dos tamoios, ao verem chegar as naus francesas...

Este Brasil deslumbrante ora se parece com a Índia, ora com a Holanda de vastos campos, e quando aparece uma velha casa por entre árvores lustrosas, é como se passássemos por certos lugares de Portugal.

Às vezes aparecem rebanhos esqueléticos, cavalos soltos, tangedores de bandeirinha vermelha, e, em dado momento, parece que o tempo andou para trás, e voltamos ao século XVIII. Mocinhas muito escurinhas, com vestidos vermelhos e amarelos vão sorrindo para este mundo, felizes só por existirem, e sem conhecerem essas atrapalhações do mundo político e moral que periodicamente nos amarguram, produzem úlceras e outros distúrbios sentimentais.

E agora cheguei a esta cidade encantadora, com chaminés, fábricas, de nuvens brancas e róseas: uma cidade que vai sempre mudando, que agora já conta com alguns arranha-céus (bem-comportados na altura e cores), e onde os operários possuem suas pequenas casas tão lindas, brancas, cor-de-rosa e azuis, com sua varandinha, seu jardim, suas cadeiras de ferro, seus degraus, seus portões... É verdade que “até nas flores se nota a diferença da sorte”, e, entre os moradores de uma cidade qualquer, as diferenças de gosto, pois tendo todas essas casas as mesmas proporções, e aproximadamente as mesmas disposições, umas estão com os seus jardins virentes, as suas cortinas limpas, os seus vasos de plantas bem cuidadas, enquanto outras, de tanto abandono causam tristeza ao passante.

Enfim, é como se eu hoje tivesse tirado férias, e saísse pelo mundo apenas para fruí-lo. Mas os senhores estão vendo que as férias já viraram artigo, isto é, trabalho. Dada a beleza do passeio, alegra-me comunicá-lo aos sedentários, aos que viajam muito depressa, aos que não olham para as galantarias deste Brasil. Venham todos alegrar seus olhos nestes verdes e azuis, nesta luz dourada, nestas águas cristalinas do caminho, e na cidade que agora começa docemente a escurecer.

MEIRELES, Cecília. Crônicas de viagem, 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

CECÍLIA MEIRELES (1901-1964) – Nasceu no Rio de Janeiro, foi criada por uma avó materna, natural dos Açores (Portugal). Exerceu o magistério como professora primária e universitária. Via-jou muito por diversos países, sobretudo México, Índia e Portugal. Seu estilo é intimista, dando a impressão ao leitor de alguém muito sensível, confidenciando segredos, sonhos, pensamentos e meditações. Ao mesmo tempo, em seus textos, encontramos uma grande preocupação com os problemas e as injustiças sociais de seu tempo.

A crônica de Cecília Meireles é sensível como a maior parte da sua obra. Inicia-se com uma reflexão sobre dois tipos de viajantes: “os que desejam viajar e os que desejam chegar”. Identifique claramente o que distingue um do outro e responda:

10. Com qual deles você mais se identifica? Por quê?

11. Com qual deles podemos identificar a cronista? Por quê?

MLp1A2.indb 109 30/6/2010 14:08:05

Page 110: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4110

A cronista nos descreve um passeio a partir da área urbana do Rio de Janeiro “até os limites da cidade”. Esse passeio constitui um eixo narrativo da crônica.Nele percebemos a saída da cronista de sua casa, de onde já há muito tempo não saía e o seu espanto diante das mudanças que estavam ocorrendo ao seu

redor. A cronista pro-cura a causa: “Tudo isto deve ser para as festas do Quarto Cen-tenário” da cidade. Não podemos esque-cer que a crônica de Cecília Meireles foi originalmente escrita em 1951.

Rio de Janeiro, por volta de 1950.

Hipérbole: consiste em expressar uma ideia com exagero, como quando se diz “eu já lhe falei mais de um milhão de vezes...”.

12. Qual a função dessa hipérbole dentro do texto?

13. A partir do que estudamos até aqui, o que seria uma “crônica lírico-narrativa”?

A seguir, faz uma crítica: “Esta chamada ‘cidade maravilhosa’ passou por grandes vexames, toda esburacada, suja, poeirenta”, o que nos mostra que o estilo delicado de Cecília Meireles não é superficial nem escapista, fugindo da realidade. E assim vai, entremeando a narrativa do passeio com suas impressões pessoais extremamente íntimas sobre a cidade e os seus limites onde “tudo era verde, azul, dourado, com os laranjais subindo pelos morros; um caboclinho a pular no alto do seu cavalo desconfiado; um preto de uns duzentos e cinquenta anos de idade a fumar à porta do seu casebre”.

Repare que, neste momento, a cronista exagera na idade do homem que vê fumando, afirmando que ele tem “duzentos e cinquenta anos”.

MLp1A2.indb 110 30/6/2010 14:08:07

Page 111: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 111

A distinção entre crônica lírico-narrativa e as outras crônicas não é fundamental neste nosso estudo do gênero crônica. No entanto, é importante que você note que sempre é possível modificar e ampliar os gêneros existentes.

14. Nos dois primeiros parágrafos, alguns termos foram postos em negrito. Recorra ao capítulo anterior (na parte em que estudamos coesão) para identificar as relações que tais palavras estabelecem dentro do texto.

os:

quando:

pois:

porém:

que:

tRaBalhaNDo EM EQuIpEForme grupos com os colegas. Vocês vão examinar um conjunto de crôni-

cas correspondente ao número de elementos. Assim, se o seu grupo tiver quatro indivíduos trabalhando nele, vocês vão examinar quatro crônicas, se tiver três elementos, vocês examinam três e assim por diante. Identifiquem claramente que crônicas vocês estão analisando, depois encontrem passagens nos textos estudados, que comprovem as seguintes características de uma crônica:

• Toda crônica tem caráter atual.

• Em uma crônica, os fatos revelam um olhar crítico do autor sobre o comportamento humano.

uma crônica portuguesa, com certeza...A seguir, vamos enfrentar uma crônica narrativa lusitana. O fato de ser

escrita em português europeu, como vimos, não irá impedir que nós possa-mos compreender o seu sentido, embora exija, de nossa parte, uma maior atenção.

TAREFAProcure, em livros, jornais e revistas, diversas crônicas. Traga-as para a próxima aula.

MLp1A2.indb 111 30/6/2010 14:08:08

Page 112: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4112

os meus domingosAos domingos a seguir ao almoço visto

o fato de treino roxo e verde e os sapatos de ténis azuis, a Fernanda veste o fato de treino roxo e verde e os sapatos de salto alto do casamento, subo o fecho éclair até ao pescoço e ponho o fio de ouro com a medalha por fora, a Fernanda sobe o fecho éclair até ao pescoço e põe os dois fios de ouro com a medalha e o colar da madrinha por fora, tiramos o Roberto Carlos do berço, metemos-lhe o laço de cetim branco na cabeça, saímos de Alverca, apanhamos os meus sogros em Santa Iria de Azoia e passamos o domingo no Centro Comercial.

A Fernanda senta-se atrás no Seat Ibiza, com o menino e a Dona Cinda, o senhor Borges ocupa o lugar ao meu lado, de Record no sovaco, fato completo, gravata de flores prateadas e chapéu tirolês, ajuda-me no estacionamento das Amoreiras a tirar o carrinho da mala e todos os automóveis do parque são Seat Ibiza, todos têm mantas alentejanas nos bancos, todos apresentam um autocolante no vidro que diz Não Me Siga Que Eu Ando Perdido, todos possuem uma rodela Vida Curta na guarda-lamas direito e uma rodela Vida Longa no guarda-lamas esquerdo, de todos os espelhos retrovisores se pendura o mesmo boneco de peluche, todos exibem junto à matrícula com o círculo de estrelinhas da Europa a mesma rapariga de Stetson e cabelo comprido, todos trouxeram o Record, os sogros e o filho, todos devem habitar em Alverca e todos circulam a tarde inteira no Centro de forma idêntica à nossa: adiante a Fernanda e a Dona Cinda, de raposas acrílicas, a coxear por causa de uma unha encravada, empurrando o Roberto Carlos que esperneia, desfeito num berreiro, com a chupeta pendurada da nuca por uma corrente, e o Senhor Borges e eu vinte metros atrás, preocupados com a carreira do Olivais e Moscavide que perdeu em Alhandra apesar de ter comprado um avançado cabo-verdiano ao Arrentela e que em vez de jogar à bola leva as noites a mariscar tremoços na cervejaria, de brinco na orelha, no meio dos amigos pretos, com o tampo da mesa coberto de canecas vazias.

pausa para pensar na leitura do texto 15. Encontre cinco palavras ou expressões que identificam o texto como sendo escrito dentro dos

padrões lusitanos.

pausa para pensar na leitura do texto 16. Por que esse trecho repete tantas vezes o termo “todos”?

Amoreiras Shopping Center (Lisboa).

MLp1A2.indb 112 30/6/2010 14:08:09

Page 113: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 113

17. Uma passagem difícil de entender no texto está logo no começo do segundo parágrafo: “O senhor Borges ocupa o lugar ao meu lado, de Record no sovaco”. Talvez, por causa da palavra “sovaco”, pensássemos em Record como a marca de um desodorante português. Mas, se pudéssemos ir a uma banca em Portugal, logo veríamos o jornal Record exposto bem à vista e entenderíamos melhor o texto. Neste caso, como poderíamos relacionar as dificuldades que nós brasileiros temos em entender o texto do Lobo Antunes com o contexto em que a obra foi produzida? Explique.

Como a Fernanda e a Dona Cinda param em todas as montras de móveis e boutiques a bisbilhotarem quinanes e kispos, acontece enganar-me e trocá-las por outra sogra acrílica, outra mulher roxa e verde e outra criança de laço, e sucede-me passar horas num banco, sem dar pela diferença, com uma Fátima e uma Dona Deta, a planear as prestações de um micro-ondas e de um frigorífico novo, seguir para Alverca, jantar o frango da Casa de Pasto e a garrafa de Sagres do costume, e só na terça-feira, quando vou a sair para a Junta, a minha esposa informa, envergonhada, que mora em Loures ou na Bobadela, o Roberto Carlos se chama Bruno Miguel, e deu pelo engano, há cinco minutos, porque a minha Última Ceia é de estanho e a dela de bronze. Claro que corrigimos o erro no domingo seguinte, em que volto para casa com uma Celeste e um Marco Paulo no Seat, a que juntei (será o meu Seat Ibiza?) um novo autocolante que deseja Espero Não Te Conhecer Por Acidente.

pausa para pensar na leitura do texto 18. É natural alguém entrar no Shopping Center com uma Fernanda e sair dali com uma Fátima sem

perceber a diferença? Que crítica o texto apresenta?

Esta semana a minha mulher chama-se Milá, o meu filho Jorge Fernando e ando a pagar um apartamento em Rio de Mouro. Como esta sempre cozinha melhor do que as outras não faço tenções de voltar às Amoreiras. Se ela gostar de telenovelas só tornamos a sair daqui a muitos anos, quando o miúdo usar um fato de treino roxo e verde, eu encontrar no armário do quarto um casaco de raposas acrílicas e um chapéu tirolês, e escutar lá em baixo, a seguir ao almoço, a buzina do Seat Ibiza da minha nora. Como nessa altura devo andar a dieta de sal por causa da tensão qualquer peixe grelhado me serve.

ANTUNES, António Lobo. Livro de crónicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998.

LOBO ANTUNES (1942- ) – Nasceu em Lisboa, é médico psiquiatra. Até o momento da escrita deste texto, vive em Lisboa e é autor de 16 romances. É considerado uma das maiores figuras da atual literatura europeia. “Escrever é o único sentido da minha vida”, diz Lobo Antunes em uma de suas entrevistas. Autor de Memória de elefante (1979), Fado alexandrino (1983), Tratado das paixões da alma (1990), Não entres tão depressa nessa noite escura (2000). Os temas de seus romances versam sobre questões sociais e políticas da realidade portuguesa, sem se esquecer do lado hu-mano de quem as vive.

MLp1A2.indb 113 30/6/2010 14:08:10

Page 114: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4114

19. Com a ajuda de seu professor, transcreva o último parágrafo, substituindo os termos em negrito por palavras ou expressões de uso mais comum na região em que vive.

20. Que aspectos do texto permitem identificá-lo como

Ocorre i ronia quando aquele que fala afirma algo que, de forma clara e evidente, se nota não ser possível, provável ou real. Quando, por exem-plo, uma pessoa que está almoçando conosco põe pouca comida no prato e alguém diz “Que fome, heim!”. Nessa situação, é fácil notar a ironia. Pelo contexto, constatamos não ser verdade a afir-mação que se acabou de fazer. Se o objetivo é que o receptor não descubra a verdade. Se disfarça-mos o que dizemos para que o outro não descubra o equívoco, então não temos mais ironia e sim mentira. Como se vê, a ironia é uma construção do enunciado, ao levar em conta o destinatário, a mensagem e o contexto. A ironia pode ser satírica e até grosseira ou crítica de uma determinada si-tuação social, como é o caso da crônica de Lobo Antunes.

a) uma crônica

b) uma narrativa

21. Podemos afirmar que o texto é irônico pois:

a) Apresenta como realidade uma situação que o leitor claramente percebe que não é real.

b) É maldoso, ao afirmar calúnias e difamações sobre as mulheres.

c) Pretende enganar o leitor, tentando conhecê-lo de todas as formas de uma realidade impossível.

d) Procura insinuar que os pais não se preocupam com seus filhos.

22. Justifique a sua escolha.

MLp1A2.indb 114 30/6/2010 14:08:11

Page 115: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 115

Para escrever a sua crônica, Lobo Antunes utilizou-se de diversos recursos da linguagem. Entre eles, a repetição e a ironia. Da mesma forma, Cecília Meireles se utilizou, entre outros elementos, da hipérbole.

Observe as reproduções a seguir.

Forme dupla com um colega. A seguir, escolham uma das reproduções e procurem nela algo que chame a atenção de vocês, que inquiete e, ao mesmo tempo, reflita a sociedade atual. A partir do que consideraram inquietante na pintura de Hopper, vocês vão escrever uma crônica.

Sejam criativos, mas se lembrem de que, se desejarem usar ironia, o alvo do olhar irônico deve ser a sociedade e não um indivíduo específico como um colega ou professor. Procurem seguir a narrativa em primeira pessoa (eu), assim como fizeram Lobo Antunes e Walcyr Carrasco. Embora, realmente, não seja obrigatório que uma crônica seja em primeira pessoa. Terminado o trabalho, uma dupla troca a sua crônica com outra, procurando suges-tões para melhorar o texto. Consultem também outras fontes, como livros de crônicas da biblioteca, para notar as possibilidades que podem usar. O centro do trabalho, no entanto, reside na capacidade de escrever crônicas, utilizando-se de variados recursos linguísticos, como Lobo Antunes usou a repetição e a ironia.

1. HOPPER, Edward. Gas (1940). Nova Iorque: The Mu-seum of Modern Art.

2. HOPPER, Edward. Office at Night (1940). Mineápoles: Walker Art Center.

3. HOPPER, Edward. Nightha-wks (1942). Chicago: The Art Institute of Chicago.

1 2

3

MLp1A2.indb 115 30/6/2010 14:08:13

Page 116: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4116

MElhoRaNDo a CoESÃo Do tEXto: oS CoNECtIvoS tEMpoRaISTodo texto une os diferentes enunciados que o compõem por meio de certos termos denominados

conectivos. Estes estabelecem também relações de significado, tais como causa, finalidade, consequência, tempo, condição, etc. Tais conectivos abrangem as classes gramaticais das conjunções, principalmente, mas também das locuções conjuntivas, prepositivas e adverbiais que têm por função interconectar enunciados.

A função dos conectivos é unir e relacionar os enunciados de um texto, constituindo sentido e possibilitando o encadeamento por conexão. Para compreendermos como isso ocorre, estudaremos os conectivos temporais. Esses organizam-se em torno de algumas relações entre os enunciados que o autor do texto deseja ligar:

a) SIMULTANEIDADE: ocorre quando os eventos se realizam ao mesmo tempo. Exemplo 1: Ela tocava piano quando eu cheguei a casa. evento 1 evento 2

Observe que o evento 1 (Ela tocava piano) ocorre ao mesmo tempo do evento 2 (eu cheguei a casa).

Exemplo 2: Ela toca piano todas as vezes que eu chego a casa. evento 1 evento 2

Observe que o evento 1 (Ela toca piano) ocorre ao mesmo tempo do evento 2 (eu chego a casa).

23. Embora ambos os conectivos expressem simultaneidade, eles não são sinônimos. Explique que dife-renças de sentido encontramos entre os dois.

Exemplo 3: Ela toca piano enquanto eu leio. evento 1 evento 2

24. Da mesma forma que nos exemplos anteriores, “enquanto” mantém uma relação de simultaneidade entre os eventos. Mas, que relação de significado específica mantém entre os eventos?

Outros conectivos temporais que expressam simultaneidade, ainda que com relações de significado diferentes são: ao mesmo tempo que, cada vez que, desde que, sempre que, tantas vezes quantas, etc.

b) ANTERIORIDADE: ocorre quando um evento se realiza antes de outro e essa diferença temporal é pertinente para o sentido do texto.

Exemplo: Brincaríamos muito antes que as aulas começassem. evento 1 evento 2

Observe que o evento 2 (as aulas começassem) somente inicia quando o evento 1 termina (brincaríamos muito).

c) POSTERIORIDADE: ocorre quando um evento se realiza depois de outro. São conectivos de poste-rioridade: assim que, mal, apenas, depois que. Distinguem-se pelo fato de que indicam afastamentos temporais diferentes entre os eventos relacionados.

MLp1A2.indb 116 30/6/2010 14:08:14

Page 117: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 117

25. Observe as falas de dois irmãos que moram juntos, João e André:

João: Assim que cheguei à casa, o carteiro passou. André: Depois que cheguei à casa, o carteiro passou.

Quem chegou primeiro? Por quê?

d) TERMINATIVIDADE: marca o término de um evento.

Poderemos ler muito até que as aulas recomecem. evento 1 evento 2

26. Identifique os conectivos temporais do texto seguinte e determine que relações de sentido eles cons-troem dentro do texto.

pauSa paRa REFlEXÃoEm seu caderno, responda às questões a seguir.

I. Indique o que aprendeu do que foi estudado neste capítulo. Evite consultar o material. Faça uso de sua memória.

II. Que conteúdos estudados, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem uma nova explicação ou atividade de reforço?

III. Participou das atividades com interesse? Em que aspectos poderia melhorar a sua participação?

Ela volta

Fiquei triste mal ela partiu. Fico triste sempre que ela me abandona. Eu sei que ela volta. Que é assim mesmo. Mas nunca me acostumo. E sofro muito até que ela retorna. Ela entra por aquela porta ali, ó... E me olha, com aquele olhão grandão assim ó... e diz: “É, tem jeito não... minha raiva dura pouco”. Sei que ela volta, mas sou assim mesmo. Fico triste cada vez que ela me deixa. Depois não. Depois é só alegria. Era pior antes que eu percebesse que ela volta sempre. Eu ficava que não parava de beber. Era eu e a pinga. Agora não. Pego uma cervejinha e fico aqui olhando a porta e apenas ela se abre, eu volto a ser feliz.

LANDEIRA, José Luís. (Especialmente para este livro.)

27. Reúna-se com o seu colega com o qual escreveu a crônica. O professor cuidará que as duplas troquem entre si as crônicas que escreveram. Leiam a crônica que os seus colegas fizeram e comentem o uso dos conectivos temporais: apontem as mudanças que permitiriam que o texto ficasse mais atrativo. Quando receberem o seu texto de volta, leiam os comentários que foram feitos e, com a orientação de seu pro-fessor, decidam quais são pertinentes. Reescrevam a crônica.

MLp1A2.indb 117 30/6/2010 14:08:15

Page 118: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4118

tRaBalhaNDo CoM pRojEto

Reúna-se ao seu grupo da agência publicitária para elaborar um projeto solicitado pela RSE. Trata-se de organizar grupos de estudo no primeiro ano do ensino médio. Os grupos devem fun-cionar em horários alternativos ao da escola e permitirem que os alunos possam acompanhar e aprofundar os conhecimentos desenvolvidos em sala de aula.

Inicialmente, a agência publicitária deverá discutir questões que julgue pertinentes para elaborar um projeto dessa natureza. Algumas delas são dadas a seguir:

• Quantos elementos deve ter cada grupo de estudo? Por quê?

• Com que periodicidade devem se reunir? Por quê?

• Onde ocorrerão as reuniões?

• Quem organizará os encontros?

• Como se organizarão os encontros? Ou seja, que assuntos serão abordados e como eles serão conduzidos?

• Quantos grupos de estudo serão formados?

Outras:

Recapitulem a estrutura que alicerça a construção desse gênero textual, o projeto, e que analisamos nos capítulos precedentes. Façam as adaptações que julgarem necessárias, mas não descaracterizem o gênero textual.

Sejam realistas nas propostas apresentadas, fundamentando-as tanto na prática e na realidade de sua comunidade como na teoria escrita, que poderá ser consultada na biblioteca da escola.

EStRatÉgIaS DE lEItuRa: lER paRa QuÊ?

Quem lê, lê por algum motivo. Os diferentes motivos que levam as pes-soas a procurar os mais variados gêneros textuais fazem com que nossas leituras também sejam diferentes. Não é a mesma coisa ler um projeto de pes-quisa que uma história em quadrinhos. De acordo com o nosso propósito de leitura, vamos desenvolver estratégias diferentes de abordagem do texto.

O gênero textual é um elemento muito importante a considerar nesse sentido, pois nossas expectativas se adaptam a essas estruturas textuais. Assim, se eu digo “leia esta receita culinária”, de imediato surgirão determi-nadas expectativas de leitura na mente do meu interlocutor. Ele se sentiria

MLp1A2.indb 118 30/6/2010 14:08:16

Page 119: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 119

Os gêneros textuais funcionam, dessa forma, como esquemas de interpre-tação de um texto. Diante de uma receita culinária, esperamos que ela trate dos procedimentos de elaboração de um prato, seguindo uma estrutura organizada, formal e dividida em duas partes: ingredientes e modo de preparo.

Já do projeto de pesquisa, esperamos que ele aborde um problema, explicando-nos o objetivo dessa pesquisa a ser feita, como se pretende abor-dar o fato tratado, que fontes se pretendem estudar e por que é importante depreender tempo e outros recursos nessa pesquisa.

Por outro lado, pareceria estranho se o conteúdo da história da Cinderela não se ajustasse ao gênero conto de fadas, mas surgisse “presa” à estrutura projeto de pesquisa:

Nossas expectativas sobre o que um projeto e um conto de fadas devem conter são diferentes, e a leitura é um processo contínuo de expectativas e previsões que vão sendo verificadas.

Claro que isso exige do leitor conhecer a função do gênero textual que se propõe a ler. Ou seja, antes de ler qualquer texto, é bom fazer a pergunta: “para que vou ler esse texto?” Ler para obter uma informação, para seguir instruções, para aprender, para resumir, para construir nossa cultura, para distrairmo-nos, para... a lista é longa e se relaciona com os diferentes gêneros textuais que existem na sociedade.

A leitura da lista telefônica é uma leitura para obter uma informação. Essa espécie de leitura se caracteriza pela busca de um dado, com o simul-tâneo desprezo pelos outros. Não me interessa saber todos os nomes que compõem a lista até chegar àquele que desejo. Eu simplesmente ignoro os nomes da lista que não me convêm. O mesmo ocorre quando consulto um jornal para saber em que cinema está passando aquele filme a que desejo assistir ou quando procuro um verbete no dicionário.

muito surpreso (e, até, frustrado) se, ao ler uma receita culinária, encontra-se ali elementos próprios de um conto de fadas:

Era uma vez dois Tomates que resolveram virar molho de pizza. Então um disse para o outro: “Precisamos de temperos! Vamos chamar o Orégano e a Pimenta Malagueta?”. Nisso, um Dente de Alho que passava por ali gritou: “Eu também quero entrar nessa pizza!” ao que os Tomates disseram: “Claro que sim, senhor Dente de Alho, e também a Salsinha!”. “Salsinha? Oba! Gosto muito dela!”, disse, todo contente, o Dente de Alho, “Mas temos de tomar cuidado com a bruxa má do bosque”, acrescentou.

Título do projeto: Cinderela: análise de caso

Objetivo: possibilitar que Cinderela supere os obstáculos que a impedem de ser feliz, passando de órfã rejeitada pela madrasta malvada a princesa.

Justificativa: Cinderela é uma jovem que apresenta as qualidades necessárias para que crianças, jovens e adultos se identifiquem e desejem que ela vença as condições desumanas de existência que incluem dormir nas cinzas de uma lareira.

Metodologia: utilização de poderes mágicos por parte de uma fada madrinha reconhecida pela sua bondade e competência, embora sujeita a comportamentos moralistas que obrigam Cinderela a estar em casa antes da meia-noite.

Fontes: um narrador que tudo sabe apresenta os principais episódios da narrativa.

MLp1A2.indb 119 30/6/2010 14:08:17

Page 120: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4120

paRa lER

Brincadeira

Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:– Eu sei de tudo.Depois de um silêncio, o outro disse:– Como é que você soube?– Não interessa. Sei de tudo.– Me faz um favor. Não espalha.– Vou pensar.– Por amor de Deus.– Está bem. Mas olhe lá, hein?Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.– Sei de tudo.– Co-omo?– Sei de tudo.– Tudo o quê?– Você sabe.– Mas é impossível. Como é que você

descobriu?A reação das pessoas variava. Algumas

perguntavam em seguida:– Alguém mais sabe?Outras se tornavam agressivas:– Está bem, você sabe. E daí?– Daí, nada. Só queria que você

soubesse que eu sei.

A leitura de um poema é uma leitura que nos permite construir nossa própria cultura, em um nível de profundidade muito diferente daquele que se exige de nós quando lemos para obter uma informação. Como vimos, a necessidade de interagirmos com o texto é muito maior e precisamos fazer um uso mais produtivo de nossos conhecimentos de mundo e de linguagem.

Ler para aprender é a grande necessidade da escola. Quando estudamos, podemos fazer uma simples leitura geral do texto a fim de situá-lo no conjunto da matéria explicada. Lamentavelmente, muitos alunos param aí, achando que, com essa leitura superficial, já estudaram. Alguns até leem e releem superfi-cialmente o texto tantas vezes, que chegam a decorar alguns trechos do que leram. Em todos os casos faltou uma leitura mais profunda, que leve o leitor a se perguntar sobre o que lê, a fazer pequenas sínteses ou resumos durante a leitura, a relacionar o que está lendo sobre o que já sabe sobre o assunto, a rever os novos termos, a sublinhar a anotar o que considera importante. Antes de tudo, no entanto, ler para aprender exige que se determine o que se deseja aprender especificamente. Por exemplo: “ao final da leitura deste capítulo, eu desejo identificar o gênero textual crônica quando estiver diante dele e relacioná-lo com outros gêneros textuais”.

Fazendo assim, certamente você melhorará seu nível de leitura e sentirá maior prazer nessa importante época de sua vida de formação educativa.

MLp1A2.indb 120 30/6/2010 14:08:22

Page 121: Lingua Portuguesa 1ª Série

Linguagem: luz do momento 121

– Se você contar para alguém, eu...– Depende de você.– De mim, como?– Se você andar na linha, eu não conto.– Certo.Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.– Eu sei de tudo.– Tudo o quê?– Você sabe.– Não sei. O que é que você sabe?– Não se faça de inocente.– Mas eu realmente não sei.– Vem com essa.– Você não sabe de nada.– Ah, quer dizer que existe alguma coisa para saber, mas eu é que não sei o que é?– Não existe nada.– Olha que eu vou espalhar...– Pode espalhar que é mentira.– Como é que você sabe o que eu vou espalhar?– Qualquer coisa que você espalhar será mentira.– Está bem. Vou espalhar.Mas dali a pouco veio um telefonema.– Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.– Aquilo o quê?– Você sabe.Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:– Você contou para alguém?– Ainda não.– Puxa. Obrigado.Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma

oferta de emprego. O salário era enorme.– Por que eu? – quis saber.– A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.– Por quê?– Pela sua discrição.Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém.

Além de bem informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:– Sei de tudo.– Co-como?– Sei de tudo.– Tudo o quê?– Você sabe.Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino.

Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia remota. Os vizinhos contam que uma noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que a voz que mais se ouvia era a dele, gritando:

– Era brincadeira! Era brincadeira!Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam

não têm dúvidas sobre o motivo.Sabia demais.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Seleção de crôncias do livro: comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996.

MLp1A2.indb 121 30/6/2010 14:08:23

Page 122: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 4122

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDoo gênero crônica

28. Defina gênero.

29. Defina crônica.

30. Reúna-se com o seu colega com o qual formou dupla para escrever a crônica. Extraiam trechos dessa crônica que comprovem:

a) o seu caráter narrativo ou lírico;

b) o seu caráter atual;

c) a importância do olhar crítico dos autores sobre o comportamento humano.

MLp1A2.indb 122 30/6/2010 14:08:24

Page 123: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 123

LATIM EM PÓ: DA ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA AOS NOSSOS DIASMinhas palavras são a metade de um diálogo obscuro continuando através de séculos impossíveis.

(Cecília Meireles)

Com certeza, já ouviu alguém dizer “parece minha mãe falando”. Esse comentário tão comum nos faz pensar: “Será que todas as mães falam do mesmo jeito?”. Às vezes, parece que sim... que “mãe é tudo igual, só muda de endereço”. Bem, a verdade é que as mães aconselham os seus filhos “desde que o mundo é mundo” e, para isso, elas usam diferentes formas de expressão: a linguagem verbal, o olhar, os gestos... Histórias de vida pareci-das aproximam as maneiras de falar das pessoas, por isso é natural que as mães falem de forma parecida e também os professores, os pais, as avós, os advogados, os músicos. Essas diferenças se relacionam não apenas com o papel da pessoa na sociedade, mas também com o momento histórico que essa pessoa vive.

“Da hora” ou “mas que esse bagulho tem a ver? ”, poderá dizer um jovem. Simples: o ser humano sempre precisou de linguagens para se comunicar e, se as histórias de vida aproximam os diferentes falantes, também é verdade que as linguagens têm uma história, a sua história. “Da hora” e “bagulho” são típicos do falar dos jovens em determinado espaço e momento históri-co. Se você perguntar para seus pais e avós, verá que eles, quando jovens, empregavam uma linguagem que hoje não é mais usada pelos jovens (cheia de expressões tais como “brotinho”, “pão”, “mina”, “cocota”). Ao utilizarmos as diferentes linguagens presentes na sociedade, fazemos parte de um fio de memórias que começa muito antes de nós e prepara o que será dito à frente. Memórias que relacionam o presente com o passado e preparam o futuro. Como nos diz a poetisa Cecília Meireles, as nossas palavras continuam “através de séculos impossíveis”.

As linguagens têm uma história.

MLp1A2.indb 123 30/6/2010 14:08:26

Page 124: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5124

BatER papo? DEpENDE CoM QuEM...O que é falar bem português? Pense nisso enquanto lê o texto a seguir.

papos– Me disseram...– Disseram-me.– Hein?– O correto é “disseram-me”. Não “me

disseram”.– Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é

“digo-te”?– O quê? – Digo-te que você...– O “te” e o “você” não combinam.– Lhe digo?– Também não. O que você ia me dizer?– Que você está sendo grosseiro, pedante e

chato. E que eu vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?

– Partir-te a cara.– Pois é. Parti-la hei de, se você não parar de me

corrigir. Ou corrigir-me.– É para o seu bem.– Dispenso suas correções. Vê se esquece-me.

Falo como bem entender. Mais uma correção e eu... – O quê?– O mato.– Que mato?– Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te.

Ouviu bem?– Eu só estava querendo...– Pois esqueça-o e para-te. Pronome no lugar

certo é elitismo!– Se você prefere falar errado...– Falo como todo mundo fala. O importante é me

entenderem. Ou entenderem-me?– No caso... não sei.– Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes-lo não?– Esquece.– Como “esquece”? Você prefere falar errado? E

o certo é “esquece” ou “esqueça”? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos.

– Depende.– Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-

lo-ias se o soubesses, mas não sabes-o.

MLp1A2.indb 124 30/6/2010 14:08:28

Page 125: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 125

1. Na sua opinião, o conhecimento das normas da gramática por parte de uma das personagens atrapa-lhou ou facilitou a comunicação? Por quê?

Raras são as pessoas que fazem uso completamente adequado da norma-padrão. Discuta oralmente com seus colegas sobre as diferenças existentes entre a nossa língua portuguesa, conforme aparece explicada nas gramáticas, e aquela falada pelas pessoas no seu dia a dia.

2. Mantendo um ambiente de respeito às opiniões de seus colegas, exponha livremente o seu ponto de vista para as questões a seguir.

• Existe um falar certo e um falar errado? Ou o importante é que as pes-soas se entendam?

• Por que o falar considerado certo é tão diferente daquele falado no dia a dia?

a NECESSIDaDE Da lINguagEMTodos nós, para nos sentirmos humanos, precisamos de contatos com ou-

tros. Precisamos também compreender o mundo e a nós mesmos. Isso somente pode ocorrer entre nós por meio de linguagens. Desde a origem da humanidade, o ser humano tem utilizado diversas linguagens para compreender o seu tempo, o seu espaço, a si mesmo e aos outros.

– Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser.– Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que

dizer-te-ia.– Por quê? – Porque com todo esse papo, esqueci-lo.

VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MLp1A2.indb 125 30/6/2010 14:08:29

Page 126: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5126

Examine com atenção a figura a seguir.

Caça do tatu. Toca do Bo-queirão da Pedra Furada. São Raimundo Nonato (PI).

3. Reúna-se com colegas em grupos de até quatro membros. Prestem atenção à fotografia, buscando encontrar o maior número possível de informações:

a) Traduzam a mensagem para a linguagem verbal.

b) A mensagem da ilustração é coerente com a visão de mundo em que foi escrita? Por quê?

c) Que valores são importantes para o autor do desenho?

Terminada a discussão no grupo e com a mediação de seu professor, socializem as ideias para que a classe possa opinar sobre o ponto de vista do grupo.

Toda linguagem utiliza os mais variados códigos de signos, mas de todos os códigos, sem dúvida, o mais importante é a língua. No nosso caso, o centro de interesses é a língua portuguesa.

O Império Romano no tempo do imperador Adriano. Repare a localização da Península Ibérica, onde surgiu a língua portuguesa.

latIM vIRaNDo pó...

MLp1A2.indb 126 30/6/2010 14:08:35

Page 127: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 127

O português, que utilizamos no nosso dia a dia, originou-se principalmente do latim. A língua latina era a língua falada no Império Romano. Há vários filmes que têm como cenário o Império Romano. Se puder, assista a um deles, por exemplo, Ogladiador. Eles dão uma pequena ideia de como era a vida na Roma antiga. Também a coleção de histórias em quadrinhos do Astérix fornece uma ideia bem-humorada de como foi difícil para os romanos conquistar a Europa.

Em todo o Império Romano do Ocidente, falava-se o latim. Com a queda do Império, sua língua foi sendo, cada vez mais, modificada pelas pessoas que a falavam. O latim pulverizou-se nos diversos lugares onde era falado, transformando-se em outras línguas, como o português, o espanhol, o francês, o italiano, o romeno, o catalão, o rético, o sardo.

L í n g u a s n e o l a t i n a s : aquelas que se origina-ram do latim. As mais conhecidas são o por-tuguês, o espanhol, o francês, o italiano e o romeno.

Principais línguas neolatinas na Europa e onde elas são faladas.

Os primeiros textos escritos em português surgem no século XI. Hoje, acha-ríamos bem difícil entender o que esses portugueses de antigamente falavam. Nessa época, o português se confunde com o galego, língua hoje falada na província (atualmente, espanhola) da Galiza. Por isso, alguns estudiosos sus-tentam que, entre o latim e o português, houve o galego-português, uma língua que representa a forma como o latim se desenvolveu no noroeste da Península Ibérica, região que você pode verificar no mapa.

MLp1A2.indb 127 30/6/2010 14:08:37

Page 128: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5128

paQuERaNDo EM GalEGo-poRtuGuÊS Falar de como o latim evoluiu até virar português é uma caminhada. Uma

parada obrigatória é o galego-português ou o português como ele era falado bem no seu início. Entre essas primeiras composições em galego-português estão as chamadas cantigas de amigo. Esses poemas funcionavam como letras de música que falavam dos problemas de amor das mocinhas que viviam na zona rural, principalmente no que se referia à paquera e ao namoro, nos séculos XII, XIII e XIV.

Todos nós gostamos de ter a letra daquela música que nos dá prazer ouvir. As cantigas medievais são como essas letras de música. Paquerar (naquele tempo ainda não era tão comum “ficar com alguém”) é algo muito antigo, que continua sendo comum até hoje. Assim, para compreendermos melhor a pro-posta das cantigas de amigo em galego-português, temos de falar um pouco de paquera.

O tema paquera é muito frequente hoje em dia em filmes, jornais, revistas, na Internet... mas também na rua e na escola. Nem sempre a abordagem ao tema é positiva. Muitas vezes, ela nem é muito confiável, pois querem que acreditemos em sonhos impossíveis. Outras vezes, o tema paquera presta-se ao humor e à crítica social.

Por exemplo, na Internet, no site <02neurônio>, encontramos uma seção de perguntas sentimentais dos internautas. Essas seções de aconselhamento sentimental você encontra facilmente em revistas para adolescentes e até em jornais. Normalmente dizem que são as meninas que gostam disso, mas há muitos rapazes que também escrevem para essas seções.

Cantigas de amigo: são textos poéticos escritos por trovadores que ex-pressam a voz feminina de moças casadoiras que sentem saudades de seus “amigos” (seus namora-dos). A natureza ou outras amigas aparecem como interlocutores da mocinha que faz confidências de suas dúvidas ou se queixa da vigilância severa das mães.

pagar pau ou não?

Oi Charlatinha!!!! Bom, o meu problema é mais complicado do que parece! Tenho 13 anos, tô no 9º ano e tem um garoto que eu pago pau faz tempo...mas nunca tinha falado com ele, ele sempre pareceu muita areia pro meu caminhãozinho...até que um belo dia.....tcharam! Ele deu em cima de mim e acabou perguntando se eu ficaria com ele! Pra num dar uma de fácil eu disse que talvez...ele parece que se contentou com isso!!! Falei com ele só mais uma vez depois disso, e foi pela net! Ele jogou umas cantadas (super bem recebidas por mim!!!) e só! Não pediu meu telefone, não falou de sair nem nada!! E agora??? Já começam as aulas e eu não sei o que eu faço!! Ele não entra mais na Internet, eu não tenho o tel dele (e mesmo se tivesse não ligaria!) nem ele tem o meu!! Como eu ajo com ele na escola???? Vou ficar meio sem graça...

Disponível em: <http://cf1.uol.com.br:8000/02neuronio/charlata.asp>.

TAREFAPesquise, na Internet, em jornais ou revistas, seções de consulta sentimental. Traga para a

próxima aula pelo menos dois desses textos.

MLp1A2-C05.indd 128 7/7/2010 14:00:49

Page 129: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 129

4. Reúna-se em grupos e discutam os seguintes tópicos:

• Compare a paquera na época de seus pais ou avós com os dias de hoje e leve em conta os pro-blemas existentes nos dias atuais e os que existiam em décadas passadas.

• Identifiquem as semelhanças entre os diferentes textos que o grupo reuniu. Escrevam as caracte-rísticas comuns encontradas nesses tipos de texto.

• Prestem atenção na forma como o texto é apresentado dentro da revista, do jornal ou do site na Internet. Por exemplo: o nome que recebe, o tratamento gráfico e as ilustrações.

• Comparem a linguagem utilizada no texto apresentado com a do dia a dia: é mais elaborada? É formal? Respeitam-se as normas gramaticais?

• Que pessoas escrevem para essas seções?

Agora comparem suas respostas com o seguinte texto medieval, que a classe vai ouvir.

5. Que semelhanças e diferenças de atitude vocês encontram entre a moça de hoje em dia e a do século XIII no que diz respeito à liberdade para paquerar?

Poys nossas madres vam a San Simonde Val de Prados candeas queymar,nos, as meninhas, punhemos d´andarcon nossas madres, e elas enton queymen candeas por nós e por ssy e nós, meninhas, baylaremos hy. Nossos amigos todos la hiranpor nos veer, e andaremos nósbayland´ant´eles, fremosas en cós,e nossas madres, poys que alá van, queymen candeas por nós e por ssy e nós, meninhas, baylaremos hy. Nossos amigos hiran por cousircomo baylamos, e poden veerbaylar moças de [muy] bon parecer,e nossas madres, poys lá queren hir, queymen candeas por nós e por ssy e nós, meninhas, baylaremos hy.

GLOSSÁRIO

Madres – mães • San Simon – Trata-se da igreja de São Simão • Candeas queymar – queimar velas, fazer promessas • Punhemos d´andar – procuremos ir, queremos ir • Enton – então • Ssy – si • hy - aí ou lá • hiran – irão • bayland´ant´eles – dançando na frente deles • por cousir – admirar • fremosas em cós – mostrando parte do corpo, sem o manto • alá - lá • bom parecer – elegantes, belas.

Pero Viviaes, nº 336. Cancioneiro da Vaticana. O poema encontra-se musicado por Amália Rodrigues, no CD Amália Rodrigues – Ses plus belles chansons. EMI France, 1994.

MLp1A2.indb 129 30/6/2010 14:08:40

Page 130: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5130

Pense só no que essa moça deseja: Ir com a mãe para a igreja de São Simão, provavelmente em uma romaria, e depois se livrar dela para poder ficar mais à vontade na paquera. Se essa mocinha pudesse escrever para uma dessas colunas de consulta sentimental que encontramos em revistas e na Internet, como ela apresentaria o seu problema? Seja criativo e redija a carta dessa mocinha, explicando claramente o problema pelo qual ela está passando. Siga de perto a síntese de características desse tipo de texto que elaborou com o seu grupo.

Uma das características do texto de consulta sentimental é que ele tem uma resposta, dada por alguém que assume a condição de conselheiro sentimen-tal. O texto da mocinha de 13 anos, que lemos no início deste tópico, também aparece na Internet com a resposta que segue:

Nada sabemos sobre essa Charlatinha, mas com a experiência que você tem, com certeza, já percebeu que ela não é uma adolescente, embora procure se passar por uma. Com que objetivo? As escolhas de palavras e construções que empregamos acabam por nos “denunciar” socialmente, informando a que grupo pertencemos, ou se somos tímidos, confiantes, inseguros, etc.

Mesmo assumindo o papel de conselheira, Charlatinha procura usar uma linguagem adaptada à sua leitora, que permita maior proximidade entre ambas.

Essa tentativa se realiza por meio de certas construções. Algumas delas são a repetição da vogal “u” na palavra “muuuito”; o uso de expres-sões comuns entre os adolescentes, tais como “vai rolar” e “dar bandeira” e, também, o uso do imperativo “fica” na segunda pessoa, concordando com o pronome “tu”, quando o texto está redigido na forma de tratamento “você”, como se percebe pelo uso dos outros imperativos: “tente”, “puxe” e “pergunte”.

Querida,quando as aulas começarem, tente não ficar muuuito tímida. Puxe assunto com

o garoto, se tiver uma festa, pergunte se ele vai... Vá com calma. Pelo jeito, se tiver que rolar, vai rolar... E não fica com medo de dar bandeira.

Disponível em: <http://cf1.uol.com.br:8000/02neuronio/charlata.asp>.

A Charlatinha responde

6. Construa uma explicação possível para o nome Charlatinha. Para elaborar a sua resposta, procure no dicionário o significado de “charlar” e seus derivados.

MLp1A2.indb 130 30/6/2010 14:08:41

Page 131: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 131

Leia, agora, com atenção, a cantiga de amigo abaixo, escrita pelo rei Dom Dinis.

GLOSSÁRIO

Ai, Deus, e u é? – Ai, Deus, onde está ele? • do que pôs comigo – a respeito do que me prometeu • há jurado – jurou • novas - novidades • preguntades – perguntais • sabedes – sabeis • seerá vosc’ ant’ o prazo saido – estará com você antes do prazo que ele prometeu acabar

DOM DINIS – Foi o sexto rei de Portugal. Reinou de 1279 a 1325. Casado com Isabel de Aragão, que foi canonizada e é a santa padroeira de todas as santas casas do mundo. Foi durante o reinado de Dom Dinis que se determinou que os documentos oficiais do reino não fossem mais escritos em latim e sim em português.

Ai flores, ai flores do verde pinhose sabedes novas do meu amigo,ai deus, e u é?Ai flores, ai flores do verde ramo,se sabedes novas do meu amado,ai deus, e u é?Se sabedes novas do meu amigo,aquele que mentiu do que pôs comigo,ai deus, e u é?Se sabedes novas do meu amado,aquele que mentiu do que me há juradoai deus, e u é?Vós me preguntades polo voss’ amigo? E eu ben vos digo que é sã’ e vivo: ai, Deus, e u é? Vós me preguntades polo voss’ amado? E eu ben vos digo que é viv’ e sãoai, Deus, e u é? E eu ben vos digo que é sã’ e vivo e seerá vosc’ ant’ o prazo saido: ai, Deus, e u é? E eu ben vos digo que é viv’ e são e s[e]erá vosc’ ant’ o prazo passado: ai, Deus, e u é? (Dom Dinis)

MLp1A2.indb 131 30/6/2010 14:08:43

Page 132: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5132

7. Encontre semelhanças entre essa cantiga e a coluna sentimental da Charlati-nha. Observe que há duas vozes na Cantiga do verde pinho: uma é a menina e a outra é a das flores do pinheiro, que lhe fornecem uma resposta. Anote aqui duas das semelhanças.

As cantigas eram trans-mitidas oralmente e, para facilitar a memorização, apresentavam certos re-cursos como os paralelis-mos, que são repetições sistemáticas de palavras, versos ou certas constru-ções linguísticas. Note, na cantiga “Ai flores, ai flores do verde pinho”, a repe-tição do refrão (Ai, Deus, e u é?), bem como de versos inteiros ou partes de versos.

8. Retorne à cantiga de amigo Poys nossas madres vam a San Simon. Você já modernizou o cená-rio da cantiga de amigo, fazendo com que a mocinha escrevesse para uma seção de consulta sentimental. Agora, redija a resposta dada pela coluna. Lembre-se de que você assumirá a con-dição de conselheiro sentimental, procurando uma aproximação com essa mocinha por meio da linguagem.

Forme duplas ou trios com os colegas e, juntos, observem, na carta seguinte, o problema do adoles-cente exposto para a Charlatinha.

Cantadas prontas

Eu estou escrevendo para fazer um protesto: é sobre esse negócio de sempre as mulheres que ficam esperando a iniciativa dos homens na hora do chaveco. Eu sei que isso é parte dos homens, mas e os caras que não sabem chavecar? Eu por exemplo, sou um típico exemplar dessa espécime. Sou homem, mas na hora da aproximação sempre penso o pior e não consigo me soltar. Não sei se devo falar o que vier na cabeça, ou se devo usar as cantadas prontas.

MLp1A2.indb 132 30/6/2010 14:08:44

Page 133: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 133

9. Juntos, encontrem as construções da linguagem que identificam a aproximação ao modo de falar dos jovens na resposta dada por “Charla”, que transcrevemos a seguir.

Charla diz...

Querido, nada de cantadas prontas. É muito cafona. E por que você não se aproxima de garotas não tímidas? Das que gostam de agarrar?! Eu sei que vencer a timidez é difícil, mas vá pelo menos relaxando que algo vai rolar. Algum assunto surgirá na sua mente. Mesmo que seja uma coisa boba e você fique sem graça. E lembre-se: isso acontece com todo mundo!

Disponível em: <http://cf1.uol.com.br:8000/02neuronio/charlata.asp>.

Nas seções de consulta sentimental é comum que pessoas mais velhas recorram a construções de linguagem típicas dos adolescentes, para facilitar a aproximação com o público-alvo.

Isso também ocorria na Idade Média, com as cantigas de amigo. O compositor da cantiga não era quem dizia ser. Tratava-se, normalmente, de um homem bem mais velho que escrevia personificando, como eu-lírico, uma mocinha simples do campo, desejosa de arrumar um amigo (na verdade, um namorado) ou querendo saber notícias de seu namorado que estava longe, provavelmente, lutando nas Cruzadas ou nas guerras contra os mouros.

Naquele tempo, a visão da sociedade sobre a mulher não era favorável a que ela escrevesse. Nessa época, a grande maioria das mulheres que falava português era analfabeta. Muitos acreditam que os es-critores das cantigas de amigo, nos seus passeios e cavalgadas, ouviam essas músicas, sendo cantadas pelas mulheres simples e analfabetas do campo e escreviam o que tinham ouvido. Escrever era um poder masculino associado, principalmente, aos nobres e ao clero. O povo comum era analfabeto. O conhecimento intelectual não era disponibilizado para todos na Idade Média. Na verdade, nem hoje ele está disponível para todos, embora tenhamos feito consideráveis avanços.

10. Procure responder oralmente:

• Como o poder da escrita é visto hoje pela sociedade?

• Existem perigos em não valorizar o poder da palavra?

Se você quiser ter uma ideia aproximada do que representava a escrita e o conhecimento intelectual na Idade Média, leia o livro O nome da Rosa, de Umberto Eco (de quem já falamos neste livro) ou, então, assista ao filme com o mesmo nome. Você vai gostar. O enredo é policial, mas ambientado na Idade Média.

MLp1A2.indb 133 30/6/2010 14:08:45

Page 134: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5134

11. Junte-se ao colega com quem trabalhou em dupla no último exercício. Encontrem as construções utilizadas para identificar o texto a seguir como sendo escrito por uma adolescente que vive em uma sociedade rural e muito religiosa. Leve em conta também o fato de que o texto foi escrito há mais de seiscentos anos. Essa mocinha vive na Idade Média, momento da história em que a religião católica era o centro das atividades sociais, culturais e econômicas. Era durante as romarias que os jovens encontravam oportunidade para paquerar.

De fazer romaria, decidiu-se o meu coraçon Ir a Santiago um dia para fazer oraçone para ver lá o meu amigo. E, se fizer bom tempo e minha madre não forVou andar mui leda, por parecer melhore para ver lá o meu amigo. Vou tentar ir o mais cedo que eu puderqueymar mhas candeas con grande coita que tiver, e para ver lá o meu amigo.

Adaptado de: Airas, Corp´ancho, n.o 265, Cancioneira da Vaticana.

Trovador: o poeta, autor dos cantares medievais. Ele tinha vida palaciana. Já os menestréis e se-gréis eram artistas que levavam as canções pe-los reinos. Eles ajudaram na divulgação das for-mas poéticas da Idade Média.

A romaria a Santiago de Compostela era um dos atos religiosos mais importantes da Idade Média.

GLOSSÁRIO

leda – alegre • queymar mhas candeas – fazer minhas promessas • coita – sofrimento amoroso

As cantigas medievais não se resumem apenas às cantigas de amigo. Além dessas, havia:

As cantigas de amor: composições líricas de origem provençal (região Sul do que hoje é a França). O eu-lírico é masculino e pertence à nobreza. O ideal de amor presente nessas cantigas consiste no amante vivendo um intenso sofrimento amoroso (chamado de coita) porque não é correspondido. Ainda assim, ele é fiel e submisso a esse amor. Nessas cantigas, não encontramos os paralelismos, característicos das cantigas de amigo, mas o desenvolvimento da coita amorosa do poeta por causa de uma mulher idealizada e perfeita.

As cantigas satíricas: visam a criticar as pessoas ou as instituições sociais. Dividem-se, na Literatura Medieval, em dois gêneros:

Cantigas de escárnio: não citam o nome da pessoa criticada.Cantigas de mal-dizer: identificam claramente a pessoa criticada.Chegaram até os nossos dias por meio de cancioneiros (coletâneas

ou reuniões de cantigas de diferentes autores. Os três cancioneiros con-siderados mais importantes são:

• o Cancioneiro da Ajuda (reunião de cantigas – compilação – feita provavelmente no século XIII);

• o Cancioneiro da Biblioteca Nacional ou Cancioneiro Colocci-Brancutti (compilação feita no século XIV):

• o Cancioneiro da Vaticana (compilação feita no século XV) e que pertence à Biblioteca do Vaticano.

MLp1A2.indb 134 30/6/2010 14:08:46

Page 135: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 135

12. Leiam, a seguir, a paráfrase de uma das cantigas de amigo e identifiquem a cantiga que a originou.

paráfrase de uma cantiga de amigoAi amores, ai amores destas minhas lembranças, Se sabeis para onde fugiram minhas esperanças Ai, dizei-me onde estão. Ai amores, ai amores, por mim vividos, Quando encontrardes amores bem mais sentidos, Ai, dizei-me onde estão. Se sabeis para onde fugiram minhas esperanças que me lembram dos amores de minha infância, Ai, dizei-me onde estão. Quando encontrardes amores bem mais sentidos, Aqueles que, até no céu, serão os mais queridos. Ai, dizei-me onde estão.

LANDEIRA, José Luís. (Especialmente para este livro.)

Paráfrase: a interpreta-ção, explicação ou nova apresentação de um texto em que é mantido o sen-tido e não a forma inicial. Uma maneira diferente de se dizer algo que já foi dito.

13. A seguir, a dupla vai escrever a sua cantiga de amigo. Para isso, recomendamos que parafraseiem uma das cantigas medievais aqui apresentadas. Afinal, os problemas entre as mães e as filhas não são novos, como estamos vendo. Assim, conversem antes para escolher um assunto específico, moderno sobre o qual falar.

Esses poemas poderão compor um varal de poesias para ser lido pelos colegas da escola e pelos pais, assim como por outros convidados.

Sigam de perto a estrutura de uma das cantigas de amigo já estudadas ou a que apresentamos logo a seguir e que alguns estudiosos consideram como a primeira cantiga de amigo que foi escrita.

Ai eu coitada! Como vivo em grande cuidadopor meu amigoque está tão demorado!Muito me tardao meu amigo na Guarda!

Ai eu coitada!Como vivo em grande desejopor meu amigoque tarda e non vejo!Muito me tardao meu amigo na Guarda!

(Dom Sancho I, nasceu em 1185 e faleceu em 1211.)

MLp1A2.indb 135 30/6/2010 14:08:48

Page 136: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5136

Para terminarmos esta seção, propomos a leitura de um texto extraído do site 02neurônio sobre como apresentar o pretendente para a família, evitando problemas. Serão o namoro e a paquera motivos para o humor dentro do texto?

Existe momento mais constrangedor do que aquele que você tem que apresentar o seu pretê (paquera, namorado ou marido) pra família? Você tenta esconder que está namorando, finge que não é nada sério, mas em algum momento a sua mãe vai começar a perguntar insistentemente: “Quando nós vamos conhecer o fulano? Traz ele aqui!” E o pior: esse nós inclui ela, o seu pai, os seus irmãos, a sua prima, aquela amiga da família e a moça que faz congelados na sua casa. Ah, esqueci de incluir o gato.

O detalhe é que sua mãe vai querer preparar um almoço pra recepcionar o moço. E vai obrigar todos os seus irmãos a ficarem, mesmo contra a vontade. Então, na hora em que todos estiverem sentados, com o prato cheio de estrogonofe, ela vai virar e perguntar: “E aí, fulano, você trabalha com o quê?”. Momento esse, que todos ficarão muito sem graça (incluindo o seu pretê, que não trabalha com nada) e você vai querer se teletransportar para um ambiente bem distante. De preferência pra África.

Se você mora sozinha, a apresentação de pretês pode ser algo ainda mais complicado. Porque você só vai na casa dos seus pais de vez em quando, o que torna a possibilidade de você ir acompanhada por ele uma coisa muito difícil. E mais formal, tipo temos um compromisso sério e agora quero que você conheça os meus pais. Então, a possibilidade da sua mãe preparar aquele almoço e incluir sua vó na lista de convidados aumenta. Pois todos da família vão querer conhecer o novo namorado da menina que nunca apresenta os namorados. Argh!!!!!!

Para tornar as apresentações de pretendentes à família uma coisa mais cool (e com menos chances do dito cujo fugir), seguem algumas dicas. Mas se der, faça as apresentações apenas no dia do casamento. Ou do divórcio.

– Combine de ir ao shopping com a sua mãe. E marque do seu pretê passar lá, uma coisa bem casual. Daí, quando você

avistar o fulano, fale assim: “Ih, mãe, olha quem tá ali, o meu namorado”. As apresentações serão rápidas e você tem a desculpa de que comprou ingressos pro cinema e não pode se atrasar.

– Tire uma foto do pretendente. Leve pra sua mãe ver e faça uma descrição da personalidade do figura.

Se algum dia ela quiser, deixe-a falar um pouquinho com ele no telefone. Seria o mesmo tipo de apresentação feita no caso dele morar no exterior. Você não precisa contar que vocês moram no mesmo bairro.

– Se você mora com os pais, peça pra ele te pegar um dia antes de vocês sairem.

Mas peça pra ele buzinar quando chegar. Sua mãe vai falar pra ele subir, mas você vai usar o argumento de que está atrasada. Leve-a até a janela e ele vai dar um adeuzinho. Isso já vale como apresentação, pelo menos visual.

Como apresentar o pretê pra família por Raq Affonso

MLp1A2.indb 136 30/6/2010 14:08:48

Page 137: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 137

– Obrigue o seu pretendente e a sua mãe a entrarem num chat. Eles podem conversar entre si, e depois até trocarem e-mails. Não, isso

já seria íntimo demais e sua mãe poderia mandar correntes de piadas pra ele, o que seria uma coisa horrível, até pior do que o almoço.

Disponível em: <http://cf1.uol.com.br:8000/02neuronio/noticias.asp?notipo=8>.

14. Faça, com suas palavras, um resumo oral do texto. O professor anotará no quadro as ideias principais que forem surgindo na classe. Para facilitar, fornecemos um esquema da organização sequencial do texto.

Esquema

1 – Introdução: apresentação da situação-problema.

2 – Opções de almoço.

3 – Ida ao shopping.

4 – Apresentação por fotos.

5 – Conversa da janela.

6 – Conversa no “chat”.

uMa EStRatÉgIa DE EStuDo: Da lEItuRa paRa o RESuMo

Às vésperas de um exame, muitos ficam parados diante de um texto por horas. Leem, leem, leem e parece que nada entra na cabeça...

Os textos escolares e os universitários têm certas características que tornam a sua leitura diferente de outras. Para facilitar a leitura desses gêneros textuais, podemos desenvolver determinadas estratégias de leitura que permitirão com-preender o texto científico e obter as informações nele contidas.

1º – Determine o objetivo da leitura: antes de começar a ler, pense no motivo que o levou a isso. Lembre: ler um artigo de esportes para saber como o seu time se saiu no último jogo é muito diferente de ler o mesmo artigo para observar as características de uma personagem e atentar para os adjetivos utilizados pelo autor. Ao identificar o objetivo que o faz ler o texto, você poderá selecionar melhor e mais rapidamente as informações que lhe interessam.

2º – Estabeleça um contato geral: faça uma primeira leitura sem qualquer interrupção. Neste caso, a sua finalidade é a de estabelecer um primeiro contato com o texto. Não anote nada, nem faça pausas, a fim de que não perca a ideia geral. Essa leitura panorâmica permite perceber as partes do texto.

3º – Resolva os problemas de vocabulário: sublinhe as palavras des-conhecidas e recorra ao dicionário para compreender o seu aparecimento naquele texto. Normalmente poderá usar um dicionário geral da língua por-tuguesa, utilizando-se dos métodos estudados no capítulo anterior. Se os termos forem técnicos, provavelmente, você terá de recorrer a um dicionário especializado.

MLp1A2.indb 137 30/6/2010 14:08:49

Page 138: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5138

4º – Obtenha as ideias-chave: divida o texto em partes. Assinale as ideias básicas de cada uma dessas partes. Elas podem coincidir com o parágrafo ou podem ser formadas por um grupo de parágrafos. Sublinhe o essencial, seguindo um critério de acordo com o seu objetivo de leitura. Não adianta sublinhar tudo ou apenas palavras soltas. Uma sugestão: sublinhe os verbos das ideias que considerar como chaves; em seguida, encontre os sujeitos desses verbos, os objetos e outros complementos indispensáveis à compreensão. O texto bem sublinhado funciona como um esqueleto, uma estrutura da mensagem que se pretende assimilar.

5º – Obtenha as frases-resumo: construa, escrevendo de sua maneira, uma frase objetiva que traduza a ideia sublinhada. Se as frases-resumo forem muito longas, será mais difícil de efetuar o seu trabalho. Evite incluir exemplos em suas frases-resumo.

A seguir, vamos exemplificar este processo em um texto de Paul Teyssier, pro-fessor da Universidade de Sorbonne, em Paris. Foi traduzido por Celso Cunha, uma das maiores autoridades no estudo da língua portuguesa. O objetivo é avançarmos na compreensão de como surgiu a língua portuguesa. Esse é o nosso objetivo de leitura: compreender como o latim foi evoluindo, na Península Ibérica, com o passar do tempo, até fazer surgir o português.

1 − a romanização da península IbéricaOs romanos desembarcam na Península no ano 218 a.C. A sua chegada constitui um dos episódios da

Segunda Guerra Púnica. Dão cabo dos cartagineses no ano de 209 e empreendem, então, a conquista do país. Todos os povos da Península, com exceção dos bascos, adotam o latim como língua e, mais tarde, todos abraçarão o cristianismo.

Mapa 1 – A Espanha romana no tempo de Augusto.

MLp1A2.indb 138 30/6/2010 14:08:51

Page 139: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 139

A Península é inicialmente dividida em duas províncias (ver mapa 1), a Hispania Citerior (a região nordeste) e a Hispania Ulterior (a região sudoeste). No ano 27 a.C., Augusto divide a Hispania Ulterior em duas províncias: a Lusitânia, ao norte do Guadiana, e a Bética, ao sul. Posteriormente, entre 7 a.C. e 2 a.C., a parte da Lusitânia situada ao norte do Douro, chamada Gallaecia, é anexada à província tarraconense (a antiga Hispania Citerior). Cada província subdivide-se num determinado número de circunscrições judiciárias chamadas conventus. Um exame rápido do mapa 1 mostra que o atual território da Galícia espanhola e de Portugal corresponde, aproximadamente, a quatro desses conventus – os de Lucus Augustus (Lugo), de Bracara (Braga), de Scalabis (Santarém) e de Pax Augusta (Beja). A área linguística do que virá a ser o galego e o português delineia-se, pois, desde a época romana, no mapa administrativo do Ocidente peninsular.

Nesse território, assim definido, a romanização fez-se de maneira mais rápida e completa no Sul do que no Norte. Os gallaeci, em particular, que habitavam a zona mais setentrional, se comparados aos outros povos, conservaram por mais tempo elementos da sua própria cultura.

TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Após estabelecido o objetivo de leitura do texto e feita a leitura de contato geral, é a vez de procurarmos no texto palavras que apresentem dificuldades de compreensão. De nossa leitura, fizemos uma lista das palavras que apresentaram algum grau de dificuldade para nós. Para encontrar as respostas, tivemos que recorrer a diferentes fontes em obras de referência (dicionários e enciclopédias). A lista de palavras é esta:

• Guerras Púnicas

O texto faz referência à Segunda Guerra Púnica (218-208 a.C.). Esse foi um dos principais momen-tos da longa rivalidade entre Roma e Cartago, e que durou quase um século. Os cartaginenses, que os romanos chamavam “púnicos”, exploravam o comércio marítimo desde o atual Líbano até Portugal. Essa guerra teve como desfecho a destruição total de Cartago.

• Cartagineses

Habitantes de Cartago, cidade no norte da África, fundada pelos fenícios no século VII a.C. Teve colônias na Sicília e na Gália, e estas foram a causa das Guerras Púnicas. A cidade foi destruída pelos romanos, e as palavras Delenda Cartago (destruam Cartago) do senador romano Catão se cumpriram.

• Bascos

Habitantes da região que agrupa territórios ao norte da França e da Espanha, e têm como idioma o basco. Não se sabe ainda a origem dessa língua.

• Província

Os romanos, ao construir o seu império, anexavam países e cidades conquistadas e, para go-vernar essas regiões, enviavam um procônsul. Todas as regiões conquistadas eram chamadas de províncias. Até o Egito passou a ser uma província de Roma.

• Romanização

Processo usado pelos conquistadores romanos que levaram suas leis, sua administração, seu idioma e sua cultura para todas as regiões conquistadas. Os povos conquistados adotaram, nesse processo, as características da civilização romana.

• Setentrional

É o que está localizado ao Norte, relativo ao polo Norte.

MLp1A2.indb 139 30/6/2010 14:08:52

Page 140: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5140

O próximo passo é encontrar as ideias-chave de cada uma das partes em que dividimos o texto. Como o texto com que estamos trabalhando é muito pequeno, nós fizemos coincidir cada parte com um parágrafo, mas isso não é obrigatório. Temos, assim, três partes a que correspondem três ideias-chave:

1ª ideia-chave Os romanos desembarcam na Península no ano 218 a.C. A sua chegada

constitui um dos episódios da Segunda Guerra Púnica. Dão cabo dos carta-gineses no ano de 209 e empreendem, então, a conquista do país. Todos os povos da Península, com exceção dos bascos, adotam o latim como língua e, mais tarde, todos abraçarão o cristianismo.

Frases-resumo da 1ª ideia-chave: os romanos chegam à Península Ibérica em 218 a.C. Os povos da Península adotam o latim como língua, exceto os bascos.

2ª ideia-chaveA Península é inicialmente dividida em duas províncias (ver mapa 1), a

Hispania Citerior (a região nordeste) e a Hispania Ulterior (a região sudoeste). No ano 27 a.C., Augusto divide a Hispania Ulterior em duas províncias: a Lusitânia, ao norte do Guadiana, e a Bética, ao sul. Posteriormente, entre 7 a.C. e 2 a.C., a parte da Lusitânia situada ao norte do Douro, chamada Gallaecia, é anexada à província tarraconense (a antiga Hispania Citerior). Cada província subdivide-se num determinado número de circunscrições judiciárias cha-madas conventus. Um exame rápido do mapa 1 mostra que o atual território da Galícia espanhola e de Portugal corresponde, aproximadamente, a quatro desses conventus – os de Lucus Augustus (Lugo), de Bracara (Braga), de Scalabis (Santarém) e de Pax Augusta (Beja). A área linguística do que virá a ser o galego e o português delineia-se, pois, desde a época romana, no mapa administrativo do Ocidente peninsular:

Frases-resumo da 2ª ideia-chave: a Península é dividida inicialmen-te em duas províncias: Hispania Citerior e Hispania Ulterior, essa última depois dividida em Bética e Lusitânia. Cada província subdivide-se em conventus (circunscrições judiciárias). Lucus Augustus, Bracara, Scalabis e Pax Augusta são os conventus a que corresponde aproximadamente o atual território galego e português.

3ª ideia-chaveNesse território, assim definido, a romanização fez-se de maneira mais

rápida e completa no Sul do que no Norte. Os gallaeci, em particular, que habitavam a zona mais setentrional, se comparados aos outros povos, conservaram por mais tempo elementos da sua própria cultura.

Frases-resumo da 3ª ideia-chave: a romanização foi mais bem-su-cedida no Sul do que no Norte. Os gallaeci conservaram por mais tempo elementos da sua própria cultura.

MLp1A2.indb 140 30/6/2010 14:08:53

Page 141: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 141

O resultado final? Bem, o nosso resumo ficaria assim:

Os romanos chegam à Península Ibérica em 218 a.C. Os povos da Pe-nínsula adotam o latim como língua, exceto os bascos. A Península é dividida inicialmente em duas províncias: Hispania Citerior e Hispania Ulterior, essa última depois dividida em Bética e Lusitânia. Cada província subdivide-se em conventus (circunscrições judiciárias). Os conventus de Lucus Augustus, Bracara, Scalabis e Pax Augusta correspondem aproximadamente ao atual território galego e português. A romanização foi mais bem sucedida no Sul do que no Norte. Os gallaeci conservaram por mais tempo elementos da sua própria cultura.

15. Seguindo as estratégias apresentadas, resuma o texto a seguir.

16. Qual o valor das palavras-chave para uma boa leitura? (Para responder, utilize-se de seu resumo.)

Ninguém chega à escrita sem antes ter passado pela leitura. Mas leitura aqui não

significa somente a capacidade de juntar letras, palavras, frases. Ler é muito mais que isso.

É compreender a forma como está tecido o texto. Ultrapassar sua superfície e inferir da

leitura seu sentido maior, que muitas vezes passa despercebido a uma grande maioria de

leitores. Só uma relação mais estreita do leitor com o texto lhe dará esse sentido. Ler bem

exige tanta habilidade quanto escrever bem. Leitura e escrita complementam-se. Lendo

textos bem estruturados, podemos apreender os procedimentos linguísticos necessários a

uma boa redação.Numa primeira leitura, temos sempre uma noção muito vaga do que o autor quis dizer.

Uma leitura bem feita é aquela capaz de depreender de um texto ou de um livro a informação

essencial. Para isso, é preciso ter pistas seguras para localizá-la. Uma boa estratégia é buscar

as palavras mais importantes de cada parágrafo. Elas constituirão as palavras-chave do

texto, em torno das quais as outras se organizam e criam um intercâmbio de significação

para produzirem sentidos.As palavras-chave formam um centro de expansão que constitui o alicerce do texto.

Tudo deve ajustar-se a elas de forma precisa. A tarefa do leitor é detectá-las, a fim de realizar

uma leitura capaz de dar conta da totalidade do texto.

Por adquirir tal importância na arquitetura textual, as palavras-chave normalmente

aparecem ao longo de todo o texto das mais variadas formas: repetidas, modificadas,

retomadas por sinônimos. Elas pavimentam o caminho da leitura, levando-nos a compreender

melhor o texto. Além disso, fornecem a pista para uma leitura reconstrutiva porque nos levam

à essência da informação.

VIANA, Antonio Carlos (Coord.). Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipione, 1999.

MLp1A2.indb 141 30/6/2010 14:08:56

Page 142: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5142

17. Resuma, agora, o texto a seguir.

Dicionário conta a história da novela da globo

[...]

Disposta a reconstituir a memória da empresa, a cúpula da Rede Globo decidiu montar uma equipe que recolhesse depoimentos dos profissionais que mantiveram algum contato com a organização. Assim, há seis anos, começou a coleta de depoimentos que resultou em um material monumental. “Assim, ao mesmo tempo que esse trabalho continuava, descobriu-se a possibilidade de se montar produtos editados, que utilizassem os dados dessas entrevistas”, comenta Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. Nascia, portanto, o Dicionário da TV Globo (940 páginas, R$ 59,00), livro fartamente ilustrado que a Jorge zahar Editor editou recentemente.

A série de lançamentos começa hoje, às 19 horas, na FNAC do Barra Shopping, do Rio. No evento, ocorrerá um talk show comandado por Pedro Bial. Em São Paulo, o lançamento será na quarta-feira, na Saraiva do Morumbi Shopping, a partir das 19 horas. E o talk show será encabeçado pelo jornalista Chico Pinheiro, que vai conversar com a atriz Regina Duarte, o autor Sílvío de Abreu, o diretor Jayme Monjardim e o jornalista e diretor da TV PUC, Gabriel Priolli.

O dicionário conta com mais de 1.500 verbetes e trata unicamente de programas de dramaturgia e entretenimento – telenovela, em especial. Afinal, é o gênero brasileiro por excelência, que se transformou em produto de exportação e adquiriu uma importância na história da sociedade. “As novelas sempre tiveram a realidade como referência, mesmo quando eram ambientadas em outras épocas”, comenta Erlanger.

Ele cita, por exemplo, a intervenção da censura, que foi mais atuante do que pode parecer. O Bem

18. Que palavras do texto de Ubiratan Brasil você consegue identificar como palavras-chave?

Amado, escrita por Dias Gomes em 1973 e que foi a primeira novela produzida em cores no País, teve censuradas as palavras “coronel”, usada para se referir ao prefeito Odorico Paraguaçu, e “capitão”, como era chamado zeca Diabo. “A produção teve de apagar o áudio das cenas já gravadas”, conta Erlanger, lembrando ainda que palavras como “ódio” e “vingança” também foram vetadas.

Até mesmo um dos maiores sucessos da emissora, Escrava Isaura, escrita por Gilberto Braga em 1976, sofreu imposições: em um determinado momento, os censores proibiram o uso da palavra “escravo”, apesar de a história ser ambientada no século 19. As mudanças não arranharam o êxito do folhetim que, até 2001, tinha sido vendida para cerca de 80 países.

As novelas contribuíram também na criação do hábito do brasileiro, lançando desde frases de efeito que se tornaram populares até instituindo modas. Em 1978, quando Dancin´Days esteve no ar, por exemplo, tornou-se comum o uso de meias Lurex, água de colônia e sandálias de salto fino.

O dicionário aponta também as inovações no formato, como a apresentada por Araponga em 1990: os autores estruturaram em conjunto o roteiro; depois, cada um escrevia um capítulo individualmente. Em seguida, reuniam-se para discutir o rumo geral a ser dado à história.

“O dicionário serve tanto para os interessados em uma pesquisa aprofundada sobre a televisão como para as pessoas que vinculam fatos de suas vidas com as novelas”, comenta Erlanger. “Neste caso, uma simples consulta permite voltar ao passado.” O próximo passo será o lançamento, para o próximo ano, do segundo volume, que vai tratar de jornalismo e esporte.

BRASIL, Ubiratan. O Estado de S.Paulo, 21-7- 2003.

MLp1A2.indb 142 30/6/2010 14:08:57

Page 143: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 143

19. Que relação podemos encontrar entre o texto de Ubiratan Brasil e os assuntos desenvolvidos neste capítulo?

a gRaMÁtICa Da líNgua poRtuguESa Leia com atenção o texto a seguir.

Leta:

E aeeeee? Tudo buenas?

Em Porto Alegre, tempo bom, sem nuvens. Nos nossos estúdios da Rua XV, o agito prometia... e cumpriu. Previsão para as próximas horas: calor e insô-nia. A noitada começou... A gente se picou cedo da casa do Nica. Barzinhos e mais barzinhos...

Gostei do tal Yellow Submarine, bar com nome de música dos Beatles, na Ga-ribaldi. Me senti em casa em Porto Alegre como havia tempos não rolava. Al-gumas gatinhas no local. Tava meio vazio, mas diz que às vezes lota. Talvez eu esteja velho demais para essas coisas, mas quero ser guri pra sempre. Dá para se ver os shows (que rolam no térreo, em um estúdio) pelas tevês do segundo andar. O som é surpreendentemente bom.

No caso dos Catatos, a voz do Melo ficou meio alta demais na primeira música e, em seguida, tudo voltou ao normal. De lucro, registro a volta de Nica ao nosso convívio na Província de São Pedro: férias são sempre férias.

Bira

LANDEIRA, José Luís. (Especialmente para este livro.)

20. A partir de como o texto está construído, reflita sobre a identidade social dos participantes no processo de comunicação – o locutor e o interlocutor. Responda oralmente:

• Quem são eles?

• São íntimos?

• É possível identificar o lugar geográfico de onde o locutor escreve?

• E o do interlocutor?

• Por que sentem necessidade de se comunicar?

Justifique as suas respostas.

MLp1A2.indb 143 30/6/2010 14:08:58

Page 144: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5144

A língua portuguesa não é um elemento único, mas um conjunto de linguagens aparentadas entre si e com algumas diferenças reunidas como unidade por questões históricas, sociais, culturais e políticas. Chamamos de variedades linguísticas a essas diferentes linguagens que pertencem à língua portuguesa e variam entre si. Já estudamos as diferenças entre o português europeu e o brasileiro. No entanto, você também já deve ter percebido que existem diferenças entre o português falado no Norte-Nordeste do Brasil e o falado no Centro-Sul e, mais ainda, existem diferenças entre o português falado no Rio de Janeiro e o falado em Santa Catarina, por exemplo. Essas diferenças regionais estão incluídas nas variedades geográficas ou diatópicas.

A língua também fica diferente quando é falada por um homem ou uma mu-lher (variedades de gênero), um adulto ou um adolescente (variedades etárias), uma pessoa da classe rica ou da classe média ou da classe pobre (variedades socioeconômicas) ou por um morador da cidade ou do campo (variedades urbanas ou rurais). Isso significa que você fala uma determinada variedade ge-ográfica, de gênero, etária, socioeconômica, urbana. Sua identidade é comum a vários membros desses grupos.

• Vocêconsegueidentificarasdiferentesvariedadesaquepertenceasuafala?

• Easfalasdaspessoasaoseuredor,nasuacomunidade?

As palavras usadas, a pronúncia delas, certas expressões acabam iden-tificando as diferentes variedades linguísticas, isto é: são sinais ou marcas linguísticas que oferecem informações sobre a identidade e sobre a vida dos usuários da língua.

• Quediferentesmarcaslinguísticasvocêencontranasvariedadesdalínguaportuguesafaladaemsuacomunidade?

A língua também varia no tempo. Ao lermos um jornal do século XIX, nota-ríamos muitas diferenças no vocabulário e na construção das frases. Veja como era a língua portuguesa no século XIX, na Província de São Paulo.

21. Que diferenças você consegue encontrar entre o anúncio de jornal do século XIX e os que circulam atualmente?

Gírias: importantes varia-ções linguísticas, quase sempre de origem so-cial. Há gírias de estu-dantes, de fãs de rap, de hip-hop, de capoeira, de judô, dos internautas, etc.Jargão: gírias ligadas a uma profissão. Há o jar-gão dos jornalistas, dos economistas, etc.

MLp1A2-C05.indd 144 7/7/2010 14:01:30

Page 145: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 145

22. O que caracteriza esse texto como pertencendo ao século XIX?

Se recuarmos mais um pouco, para a época de Tiradentes, ou para quan-do Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, notaremos que cada época tem a sua variedade linguística histórica. Para lermos as cantigas de amigo, como fizemos há pouco, foi necessário recorrer ao auxílio de um vocabulário e, ainda assim, a leitura não foi muito fácil. No entanto, esses textos foram escritos em português.

Podemos concluir que toda língua, além de variar no espaço e na so-ciedade, varia no tempo. A língua portuguesa que falamos hoje no Brasil é diferente daquela que era falada no início da colonização e será diferente daquela falada daqui a 400 anos. Assim como tudo ao nosso redor, a língua também muda. Por isso, não podemos dizer que a língua portuguesa seja uma realidade única.

Pedro tem outras dúvidas sobre o uso da língua portuguesa e, numa das aulas, pergunta:

“Mas, desse jeito, profe, por que as pessoas dizem que o homem que não frequentou escola fala o português errado?”

O professor explicou-lhe que, entre as diferentes variedades de português existentes em uma época, foram eleitas umas poucas para elaborar uma norma-padrão, aquilo que aparece muitas vezes nos livros também como norma culta ou padrão. Espera-se que a norma-padrão seja usada em ocasiões formais. O problema surge quando o falante não sabe adequar a sua variedade linguística à situação. Além disso, dadas as diferenças econômicas e sociais em nosso País, certas variedades linguísticas são vistas, de um modo geral, de forma pre-conceituosa. Além disso, há uma tendência de uma determinada classe social menosprezar os desvios da norma-padrão comuns na classe social que considera estar logo abaixo de si. Dessa forma, dizer “pobrema” é considerado um erro mais grave do que dizer “ele se adequa”, sendo que os dois casos representam um desvio da norma-padrão, mas somente o primeiro está associado a classes sociais menos favorecidas.

O que dizer de pessoas inteligentes, bons profissionais que vivem apre-sentando problemas em relação aos usos indicados pela gramática normativa? Como é que se explica isso?

Muitas pessoas cultas não empregam necessariamente a norma-padrão no seu dia a dia, o que gera alguns problemas de adequação. É comum encon-trarmos pessoas consideradas cultas que têm apenas uma variante da língua portuguesa, o que as impede de usar em casa, entre amigos, uma variedade e, em ocasiões profissionais e mais formais, outra mais adequada à situação. Isso pode gerar-lhes problemas na vida profissional.

Norma-padrão: o modelo de língua portuguesa com maior prestígio social. É utilizado em situações formais de comunica-ção e constitui uma das maiores preocupações da escola.

MLp1A2.indb 145 30/6/2010 14:09:01

Page 146: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5146

Leia, com atenção, o texto a seguir.

23. No texto que lemos, observe a identidade social dos autores e encontre as marcas linguísticas que justifiquem a presença da formalidade ou intimidade entre o emissor e receptor. Justifique as escolhas feita pelo emissor.

Prezados pais,

Os senhores moram no Cantão de St. Gallen e seu filho/a frequenta, aqui, o Jardim de Infância ou a Escola Pública (1ª - 9ª classe). A presente bro-chura deverá ajudá-los a conhecer melhor a escola.

Mostrem interesse pelos trabalhos realizados por seu filho/a na escola e em casa. Informem-se, regularmente, com os professores, sobre os progressos alcançados por seu filho/a no aprendizado escolar.

Um dos objetivos da Escola é que seu filho/a aprenda a língua alemã; entretanto isso não significa que os senhores, em família, tenham que desistir de falar a língua materna, pois ela faz parte de sua riqueza cultural. É importante dominar a língua alemã nacional e sua língua materna.

ERZIEHUNGSDEPARTEMENTDES KANTONS ST. GALLENAmt für VolksschuleDavidstrasse 319001 St. Gallen

Abril 2003

Disponível em: <www.schule.sg.ch>.

Ao se elaborar a norma-padrão de uma língua, os estudiosos escrevem livros que descrevem as regras de funcionamento dela, os famosos livros de gramática. São eles que determinam os usos considerados dentro dos padrões prestigiados da norma-padrão. Além disso, os dicionários estabelecem os significados apropriados para as palavras dessa norma, assim como a orto-grafia correta, ou seja, a maneira que passa a ser considerada a correta. Os autores de livros didáticos preparam manuais para que os escolares possam aprender a norma-padrão. Ou seja, investe-se mais na norma-padrão do que nas outras variedades do português. Chamamos de língua de cultura aquela usada em transmissões de rádio e televisão, impressa em livros, jornais e re-vistas e ensinada na escola, ou seja, uma língua que recebe um investimento tão grande que qualquer um pode estudar Física, Química, Biologia, História nessa língua.

MLp1A2.indb 146 30/6/2010 14:09:02

Page 147: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 147

Se esse investimento erudito fosse aplicado a qualquer uma das va-riedades faladas no Brasil, ela também se mostraria tão capaz quanto a atual norma-padrão. Até o caipira, com um bom investimento de criação de gramáticas, dicionários, livros didáticos e outras estratégias culturais, poderia tornar-se a língua de cultura do Brasil. Quer dizer que seria possí-vel estudar Física com “pa morde” e “meió de bão”? Sim, isso mesmo: se o falar caipira recebesse investimento cultural, ele poderia tornar-se uma língua de cultura.

Cabe lembrar, no entanto, que desenvolver a norma-padrão depende da escolarização do indivíduo. Na escola, a norma-padrão é valorizada e apresenta-da aos alunos como exemplo a seguir. No entanto, valorizar a norma-padrão não significa necessariamente desvalorizar as outras variedades, como a caipira, por exemplo. O conhecimento das outras variedades linguísticas permite compre-ender melhor a formação cultural da identidade lusófona.

Se possível, assista ao filme Marvada carne, em que a cultura caipira é abordada de forma divertida, inteligente e bem-humorada.

Hoje se usa a variedade caipira da língua portuguesa principalmente para a produção de textos que visam ao lúdico. Leia com atenção o poema seguinte, escrito numa estilização da variedade caipira.

Moda caipiraA moda de namorareu ensino p’ra vancê:vancê ponha bem sentido,p’ra mor de vancê aprender.

Si ‘tiver perto de gente,p’ra ninguém não perceber,vancê não olhe p’ra mim,que eu não óio p’ra vancê.

Quando nós ‘tiver suzinho,me abrace e abraço vancê:damo’abraços e buquinhas,querendo pode morder.

SILVEIRA, Valdomiro. Os caboclos: contos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1915.

MLp1A2.indb 147 30/6/2010 14:09:04

Page 148: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5148

24. Observe bem a forma como está escrito o texto. Utilize-o como modelo para reescrever a carta que a escola suíça enviou via net para os pais lusófonos que matricularam ali os seus filhos e que você estudou há pouco.

Então é bobagem estudar gramática?

A norma-padrão da língua portuguesa é aquela que nos permite ingressar no universo cultural da sociedade brasileira. Embora fosse possível escrever um tratado de Química, usando formas como “despois nós bota o coranti num tubo de ensaio té ficá vermeio”, a verdade é que a variedade que faz uso desses termos não faz parte da norma-padrão; portanto o estudo, por melhor que fosse, sofreria descrédito na sociedade. Além disso, a sociedade procura usar a norma-padrão em seus meios de comunicação. O problema é que, muitas vezes, a norma-padrão ganha tanta importância que as demais variedades são consideradas erradas, o que também não está certo.

Os motivos que levaram a elaborar a norma-padrão não têm nada a ver com uma variedade ser melhor do que a outra. Todas as variedades de por-tuguês servem para a comunicação e interação dos seres humanos. Mas, por questões políticas e econômicas, escolheu-se o triângulo formado pelas pessoas de classes sociais alta e média, das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte que receberam escolaridade completa e têm acesso aos bens culturais (teatros, livros, revistas, exposições, etc.) como o modelo do que é correto, isto é, a norma-padrão a ser seguida. As outras variedades perderam muito prestígio na sociedade. Se, por um lado, é bom que haja uma norma-padrão que nos permita desenvolver uma cultura brasileira nos modernos meios de comunicação, por outro lado, pode surgir um problema muito sério: o preconceito linguístico.

MLp1A2.indb 148 30/6/2010 14:09:05

Page 149: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 149

Isso ocorre quando se consideram as outras variedades fora da norma--padrão como “engraçadas” ou até mesmo “erradas” e “grosseiras”. Isso representa um problema a mais para pessoas que não frequentaram boas escolas e, por esse motivo, se torna mais difícil para elas se desenvolverem na sociedade.

Agora, leia a discussão que aconteceu com esses jovens durante uma aula de português:

“É verdade! Para mim quem fala ‘pobrema’ tem mais é que ser pobre mesmo! E ainda por cima a gente tem que tirar sarro mesmo, quem mandou ser burro?”, comenta Mariette, uma menina que senta ao lado de Carla.

“É bem a cara dela mesmo”, pensa Fábio, e olha para a Sofia que responde indignada: “Mariette, você não tá entendendo nada! Se o carinha não pôde frequentar uma boa escola que o ajudasse a compreender a norma-padrão, se na casa dele todo mundo fala ‘pobrema’, ele não pode ser chamado de ‘burro’. Até porque ele se comunica super bem, ele só não conhece a língua de cultura, o português padrão. Mas se ele conhecesse, aposto que ele aprendia as coisas mais rápido que você! Todo mundo aqui fala de um jeito quando está com os amigos e de outro quando vai fazer redação na escola... Só você que não percebe!”.

O professor chama a atenção de Sofia, dizendo que ela deveria ser mais polida e simpática ao se dirigir a uma colega.

Mariette responde: “Mas eu não tenho culpa do cara não ter ido para a escola, ele não sabe falar certo, então é burro mesmo”.

“Mas ele não está falando errado, ele está falando diferente, diferente da norma-padrão, só isso”, Fábio toma a palavra, rapidamente.

Almir protesta: “A Mariette não tá errada não. Falar errado e diferente é a mesma coisa”.

LANDEIRA, José Luís. (Especialmente para este livro.)

25. Que raciocínio você acredita estar certo: o de Mariette ou o de Sofia? Por quê?

26. Você acredita que todas as pessoas deveriam ter acesso ao português-padrão ou deveríamos deixar as pessoas falarem do jeito que quisessem? O governo deve envolver-se nesses assuntos? Justifique a sua escolha.

MLp1A2.indb 149 30/6/2010 14:09:06

Page 150: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5150

Agora, na volta para casa, Carla e Fábio mal conversam. Fábio divide os seus pensamentos entre o que aprendeu hoje e o rostinho bonito de Sofia quan-do ficou brava com a Mariette. Carla pensa na lição de casa: fazer o resumo do conto da Marina Colasanti no final do capítulo. Ela nem leu o conto, mas já achou difícil. Ela realmente não entendeu direito as explicações do professor de Português, mas depois ela escreve um e-mail para a sua amiga Bia ou para o Fábio e pede ajuda.

paRa lER

a primeira passeata de um filhoO frangote despertou mais cedo que o relógio. Mas lavou o rosto. Engoliu o café queimando a língua.

Enfiou no bolso uma nota de dez paus, a carteirinha de estudante, e não deu a menor bola para a mochila dos livros e apostilas. Não estava com cara de quem ia assistir às aulas de química, português e geografia.

O pai ficou na marcação. Esses filhos de hoje... – ele pensou, lembrando-se do tempo em que também era filho e cabulava a escola para ver o filmes do Cinemundi e os jogos de futebol da várzea do Glicério.

– Que folga é essa? – perguntou sorrindo.O garoto, da turma de Humanas, deu resposta exata:– Vou à passeata.– Homessa! (Mesmo os pais modernos têm interjeições

antigas.) Que besteira, menino. É assim que tudo começa. De repente dá uma confusão da praça, um corre-corre, você cai, me quebra a perna, vem um cavalo da polícia, te pisa, te amassa, tua vó vai brigar comigo. Que eu fui culpado. Você não sabe o estrago que faz um cassetete. Já vi esse filme. É melhor ficar em casa bem quietinho, lendo um livro, jogando um game, a passeata vai passar pela TV. Ou então se não tiver nada que fazer, coce o saco. Pelo menos não tem perigo.

Mas o pai (sujeito vivido) não falou nada. Apenas ficou com o coração aflito. Essas coisas bobas de pai. O que tem de

pauSa paRa REFlEXÃo

Em seu caderno, responda às questões a seguir.

I. O que você aprendeu do que foi estudado até aqui? Esforce-se por responder, recorrendo

apenas à memória, evite consultar o livro.

II. Que conteúdos vistos, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem uma

nova explicação ou atividade de reforço?

III. Que atividade(s) gostou mais de fazer? Por quê?

IV. Participou das atividades com interesse? Em que aspectos poderá melhorar nas próximas

aulas?

MLp1A2.indb 150 30/6/2010 14:09:08

Page 151: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 151

acontecer sempre acontece. Como a primeira vez que saltou do bonde andando e se esborrachou na calçada. Como a primeira vez que tragou um cigarrinho, bituca de Aspásia, e ficou com gosto de cabo de guarda-chuva uma semana na garganta. Como o primeiro gole de cachaça, num domingo, num piquenique no Pico do Jaraguá, e soltou o mico, vomitou até as tripas.

Mas aquela era a primeira passeata do menino.– Mania que o senhor tem de me chamar de menino!A primeira passeata não é uma coisa à-toa. Daqui a cem anos, quando ele crescer, for um velhinho de

bengala e próstata safada, se lembrará desse dia antigo jamais esquecido. Contará aos filhos e aos netos. Roncará papo, como fazem todos os velhinhos depois dos 30. Mas agora ele não passa de um garoto franzino, camiseta de algodão, nem se agasalha a porcaria do filho, uns tênis fedidos, e metido a querer traçar o seu próprio destino. É muita presunção! Até outro dia, a única vez que desfilou com o povo foi atrás da bateria da torcida do Corinthians.

– Cuidado, filho. A rua tem perigos. Mas o pai nada falou. Apenas seu coração batia. Não se pode aparar as asas de um menino (eterno

menino). Deixá-lo ir, embandeirado, unir sua voz desafinada de roqueiro fracassado às vozes da cidade enfeitiçada, a qual sorri embevecida, ao ver que ainda existe a mocidade.

No alto da passeata, o sol fulgia.

DIAFÉRIA, Lourenço. Imitador de gato. São Paulo: ática, 2001.

LOURENÇO Carlos DIAFÉRIA (1932- ) – Nasceu em São Paulo, no bairro do Brás. Jornalista, publica crônica em jornais desde 1964. Um de seus temas preferidos é a vida na cidade grande. Em crônicas nas quais procura misturar elementos narrativos e líricos, revela detalhes da vida dos cidadãos anônimos que transformam a metrópole.

tRaBalhaNDo CoM pRojEto

Reúna-se com colegas em duplas ou trios. Vocês vão escrever um projeto de pesquisa com a finalidade de aprofundar um dos temas a seguir.

• A influência linguístico-cultural da África no Brasil;• A língua portuguesa na cultura e literatura africanas.

Observe que se trata de temas muito amplos para alguém cujo objetivo é “aprofundar”. Isso exige que o grupo elabore um recorte do tema.

Como se faz um recorte de tema?

Imaginemos que o tema fosse “A história da língua portuguesa no Brasil”, um recorte de tema possível seria: a língua portuguesa no Rio de Janeiro na época da Vinda da Família Real. Observe que, a partir do tema, de caráter geral, propusemos dois parâmetros que delimitaram o nosso trabalho. Primeiro, um parâmetro ligado ao espaço:

• Onde se localiza o objeto de nosso estudo?

Neste caso, passamos de Brasil para o Rio de Janeiro, ou seja, do geral para o particular. Depois, um outro parâmetro associado ao tempo:

• Quando se localiza o objeto de nosso estudo?

MLp1A2.indb 151 30/6/2010 14:09:09

Page 152: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5152

Neste caso, passamos da História de mais de 500 anos do Brasil para um período específico, a Vinda da Família Real.

O projeto de pesquisa segue os elementos desenvolvidos nos outros projetos, tais como: título, objetivo, justificativa, metodologia e fontes ou bibliografia.

EStRatÉgIaS DE lEItuRa: a INtERtEXtualIDaDE No pRoCESSo DE CoNStRuÇÃo Do SENtIDo (paRtE 2)

Já abordamos a importância da intertextualidade explícita no desen-volvimento de estratégias de leitura de textos escritos. Neste momento, nos concentraremos na intertextualidade implícita e veremos como ela surge em um texto não verbal.

A intertextualidade implícita ocorre sem que o autor cite a fonte. Cabe ao leitor recuperar, no processo de leitura, para poder reconstruir o sentido do texto.

Observe a seguinte reprodução.

MANET, E. Olympia (1863). Paris: Musée d’Orsay.

Uma mulher nua, deitada, encara o observador. Atrás a sua aia está para entregar-lhe um buquê de flores. Olympia, o nome do quadro, é

também o nome da prostituta que Manet retrata de forma realista. Seios pequenos, corpo mignon, um ar triste e cansado no seu rosto ainda novo, a mão cobrindo o sexo dão ao quadro um realismo que chocou a época em que foi apresentado ao público. Manet, contudo, havia se inspirado no pintor espanhol Francisco Goya, autor de Maja desnuda.

GOYA, F. Maja desnuda (1797-1800). Madri: Museo del Prado.

MLp1A2.indb 152 30/6/2010 14:09:11

Page 153: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 153

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDo

Em resumo – o português veio do latimLeia agora esta narrativa de Marina Colasanti, uma autora dos dias de hoje, sobre castelos, reinos

distantes e, é claro, comunicação.

Na planície, os castelosEra um reino pequeno como um vale. E como um vale, rodeado de montanhas. Altas. Altíssimas.Nesse reino, distantes uns dos outros, mas não tanto que não se pudessem ver, erguiam-se castelos.

Altos. Altíssimos. Quase torres. Cada castelo no topo de um morro, cada morro tão corroído por tempo e vento que não tinha mais encostas, só escarpas. E tão improvável subir ou descer pelas trilhas estreitas e interrompidas, à beira de precipícios, que os moradores daqueles castelos ali nasciam e ali morriam, sem aventurar-se fora dos seus muros.

A semelhança é evidente, ainda que existam diferenças fundamentais. A Maja de Goya é bem mais provocadora do que a Olympia de Manet, seu corpo é mais idealizado, e ela, embora também encare o observador, fá-lo com um despudor que não era próprio da época. Essa idealização provavelmente também explique a nudez total no quadro de Goya.

Manet é considerado o “Pai da arte moderna”. Diversas obras suas se inspiram em Goya. Isso resultou em que a arte do próprio Goya passasse a ser vista de um outro modo. Pela influência que Manet teve nos séculos XIX e XX, muitos pintores passaram a estudar a obra de Goya e a construir relações intertextuais com ela, de tal modo que Goya é considerado por muitos como um antecessor do modernismo na Arte.

Goya, por sua vez, também já se havia inspirado em outra obra, de um antecessor seu, o italiano Ticiano Vecellio.

São nítidas as semelhanças entre as três. A divisão do fundo em que se encontra a Vênus nos aproxima do cenário onde descansa a Olympia. Em todas elas, o observador é interpelado. Também em Ticiano, a mão cobre o sexo, como em Manet. Nesse sentido, Goya foi mais ousado. Ousadia essa que se vê na abordagem do próprio tema: Vênus é uma deusa; a Maja é uma cortesã, assim como Olympia.

Não são apenas as obras mais antigas que influenciam a nossa leitura das obras mais recentes. Existe tam-bém um efeito retroativo, por meio do qual as obras mais atuais ajudam, pela intertextualidade que manifestam, a reconstruirmos nossas interpretações das obras anteriores a que fazem referência e, até, nosso entendimento do autor que as produziu.

TICIANO. Vênus de Urbino. (1538). Florença: Galleria degli Uffizi.

MLp1A2.indb 153 30/6/2010 14:09:12

Page 154: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5154

E assim a vida passava em grande tranquilidade para aqueles castelães, nunca vistos no descampado em torneios, cavalgadas ou desfiles nupciais.

Isolados, como parecia; a verdade, entretanto, é que nada acontecia num castelo que em outro não se soubesse. Uma longa rede de conversas estendia-se por cima do vale ligando torreões, muros e cúpulas, entrando pelas seteiras, metendo-se pelas janelas. Conversas bem visíveis, que cada castelo tecia a seu modo e a seu modo interpretava.

Do castelo mais alegre, aquele em que alguns galhos por cima dos muros anunciavam a primavera com suas flores e o verão com seus frutos, partiam mensagens coloridas. Eram bandeiras e bandeirolas que, a qualquer hora do dia, de repente, se agitavam, se alternavam, aparecendo e desaparecendo no alto da mais alta torre. O esvoaçar das cores era a voz daquele castelo.

Que o castelo mais a Leste recolhia. Não que alguém ali soubesse, de fato, falar a língua das bandeiras. Havia apenas uma velha que dizia entendê-la e que servia de intérprete. Mas, sendo ela própria incapaz de alinhavar qualquer mínimo recado embandeirado, a resposta e as mensagens enviadas a outros castelos partiam dali na linguagem dos espelhos. Chapas de prata polida sequestravam qualquer raio de sol que estivesse ao alcance, e o lançavam adiante com tal intensidade, que seu piscar era visto a grande distância.

Mercadores passavam às vezes na planície, com suas caravanas de búfalos carregados de fardos e baús. Paravam, acampavam ao pé de um ou outro castelo. Grandes cestos presos por longuíssimas cordas eram então baixados lá de cima, trazendo as delicadas rendas, os preciosos bordados feitos pelas damas. E logo içados levando em troca brocados, perfumes e tantas meadas de linha.

De fora, não se via ninguém nos castelos, tão estreitas e distantes as poucas janelas. Porém à noite, prestando atenção, podia-se ouvir leve música percorrendo a planície, sem que fosse possível dizer se canto ou sopro, se vinda de algum castelo ou de todos.

MLp1A2.indb 154 30/6/2010 14:09:14

Page 155: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 155

Responder com espelhos nenhum outro sabia. Porém todos entendiam – ou acreditavam entender – aquele faiscar luminoso como um astro, que enchia o céu de novidades.

Havia quem respondesse com fumaça. Quem preferisse trombetas. Um que erguia pipas coloridas. Outro que libertava no ar pombas brancas. E o mais exuberante, que soltava fogos de artifício. Nenhum usava a mesma linguagem do outro. Mas todos pareciam se entender a contento, ainda que de formas diferentes. No imenso telão de escritas que era o céu, cada um colhia o que mais lhe convinha, o que mais lhe dava prazer, cada um lia o que queria ler. Os significados cruzavam-se no alto variados e mutantes como pássaros. Sem que por isso a verdade resultasse menos verdadeira.

Um dia, porém, um viajante vindo na esteira de alguma caravana parou no contraforte mais baixo de uma das altíssimas montanhas. E olhou para o vale.

Viu um reflexo ofuscante piscar no alto de um castelo. Viu lufadas de fumaça responder-lhe ao longe. Ouviu um som de trombetas partindo de um torreão. O rufar das asas de tantas pombas lhe fez eco acima de uma muralha. E em breve o céu manchou-se de pipas coloridas.

Que estranha visão para o viajante! Conhecia muitos reinos, conhecia muitas línguas. Algumas das que percebia agora lhe eram familiares, embora não as soubesse interpretar. Outras, nem percebeu que eram línguas. Porém nunca, em suas longas andanças, havia estado em um reino pequeno como aquele, em que cada um falasse de um modo diferente. Pareceu-lhe uma grande confusão.

Desceu até o vale e, como costumavam fazer as caravanas, acampou ao pé do primeiro castelo. Mas quando o cesto baixou, em vez de enchê-lo de mercadorias, subiu dentro dele fazendo-se içar até o alto.

Durante semanas permaneceu além dos altos muros. Até que uma manhã o cesto baixou, depositando-o na planície. Mal havia pisado no chão, já caminhava em direção ao segundo castelo. Ao pé do qual acampou esperando o cesto baixar para, como havia feito da outra vez, subir dentro dele até o alto.

Assim, um depois do outro, o viajante visitou todos os castelos. Demorou-se bastante em cada um. Em cada um reuniu-se com os sábios, os jovens, os anciãos e ensinou a eles uma nova linguagem. A mesma, em todos os castelos.

Quando saiu do último cesto estava mais orgulhoso que cansado. Sim – pensou – o entendimento estava garantido. E pôs-se em marcha rumo às altíssimas montanhas, onde o esperava a viagem interrompida.

Marchava o viajante, enquanto os castelos tentavam retomar a antiga conversa com a nova linguagem.Finda a necessidade de intérpretes, a velha que sabia ler bandeiras logo perdeu seu posto. Agora, bastava

obedecer com exatidão às regras e eliminar as variantes, para ser entendido de ponta a ponta do vale. Quanto à mensagem alheia, era só limitar-se a compreender o que o outro dizia. Nada mais. Sem acrescentar, sem tirar, sem arredondar nada. Ainda que o que se compreendesse não fosse o que se queria compreender. Ainda que a mensagem não respondesse a qualquer necessidade. Acima da harmonia colocava-se a clareza. A invenção, que nas antigas linguagens era tudo, estava banida.

Pareceu a todos muito simples, essa nova linguagem. Muito prática. E até prazerosa. Por algum tempo.Pois bastou uma mensagem agradar aos habitantes do segundo castelo e aborrecer os do terceiro, para

que começassem os atritos. Os do quarto castelo foram convocados a mediar. Tomaram partido, favorecendo um dos litigantes e ofendendo o outro. Os do quinto ofereceram-se em defesa. Dividiam-se as opiniões nos outros castelos. O ar fez-se tenso. As mensagens, que sempre haviam cruzado o céu harmoniosamente, pareciam chocar-se. Claras e ríspidas partiam dos torreões como projéteis, ferindo na chegada, e provocando novos disparos línguísticos. O telão celeste estava transformado em campo de batalha.

Marchava ainda o viajante, de costas para o vale. Havia chegado ao primeiro contraforte e seguia em frente. Se tivesse parado para olhar, teria visto com surpresa que, de repente, nada mais acontecia lá embaixo. Nenhum som, nenhum sinal ligava os torreões. Os castelos estavam mudos.

Como saber o que se passava por trás dos muros espessos? Talvez as damas estivessem paradas por instantes com suas agulhas suspensas no ar. Talvez os cavaleiros tivessem retido as mãos que já se estendiam para as espadas. Talvez os sábios e os anciãos tivessem reunido os jovens belicosos para falar-lhes de entendimento e paz.

Mas o viajante não parou. Nem teria tido paciência de esperar durante um dia inteiro, durante a longa noite que se seguiu, até o alvorecer para, só então, ver subir lá longe, costurando a manhã, um delicado fio de fumaça.

MLp1A2.indb 155 30/6/2010 14:09:15

Page 156: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5156

Gostou da narrativa de Marina Colasanti? No livro Longe como o meu querer, você encontrará diversos contos que se inspiram em um mundo mágico de príncipes, princesas e reinos distantes e que nos fazem ver a Idade Média sob o olhar do encantamento. Procure também, na biblioteca de sua escola, outros livros de Marina Colasanti.

27. Encontre, no texto de Marina Colasanti, passagens que comprovem as afirmações seguintes:

a) Para que possamos nos sentir humanos, temos a necessidade de estabelecer contato com os outros.

b) A linguagem permite que nos compreendamos a nós mesmos.

c) A linguagem é o meio de comunicação que nos permite representar o mundo por meio de signos.

MARINA COLASANTI (1938- ) – Nasceu na Etiópia (África), mas tinha 11 anos quando chegou ao Brasil. Sempre gostou de ler e de escrever. Foi por meio de muita leitura que ganhou intimidade com as palavras e se tornou a escritora premiada que é hoje.

O viajante olhava para o cimo da altíssima montanha. Assim, não soube que em breve bandeiras se agitaram sobre o torreão. Não demorou para que um luzir de espelhos se acendesse em resposta. Pipas empinaram-se no céu cortando com suas linhas o voo das pombas. E ao fundo, bem ao fundo, luzes e cores explodiram, giraram, jorraram, choveram, numa festa de fogos de artifício.

COLASANTI, Marina. Longe como o meu querer. São Paulo: ática, 1999.

MLp1A2.indb 156 30/6/2010 14:09:16

Page 157: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 157

28. Carla gostou demais do conto. À noite, quando vai digitar os seus e-mails, escreve para Bia, sua amiga que estuda em outra escola, sobre o que fez hoje na aula de Português. Ela deseja resumir o conto para a sua amiga. Você poderia ajudá-la? Utilizando-se das estratégias de elaboração de resumo que aprendemos neste capítulo, escreva as frases-resumo do conto lido.

Logo em seguida, Carla escreve para o Fábio, comentando a sua opinião sobre as aulas de Língua Portuguesa.

Fá:Eu acho que a Idade Média era muito baseada na magia e na religião: procissões a São Simão, procissões a Santiago, tentativas de adivinhar o futuro nas flores do pinheiro... O que você acha? Isso além de tanta invasão e guerra! Outra coisa que eu não gosto: por que a cantiga de amigo tinha de ser escrita somente por homens? Está super errado. Por que as mulheres não escreviam também? Além disso, meu, eles escreviam tudo errado. Pode falar o que quiser, mas tá errado. Dá mó trabalhão tentar entender o que eles escreviam. Por que eles não escreviam certo? Eu achei a aula de hoje super difícil. E a Sofia e a Mariette heim? Meu, que barraco! Bem, mas e da aula, o que foi que você entendeu? Eu gostei mesmo foi do conto da Marina Colasanti, e você? Às vezes, o importante num bate--papo é que falando nós dizemos ao outro que existimos e que gostamos dele. Você não acha? Por isso eu escrevo para você, porque você é meu melhor amigo. Eu só não entendi legal o final... o que você acha que dá

MLp1A2.indb 157 30/6/2010 14:09:17

Page 158: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 5158

para entender deles voltarem às bandeirinhas, pipas, fogos de artifício e etc.?Beijo,CaPS: Você já sabe se vai na festa da Ju, no sábado?

29. Escreva o e-mail de resposta que o Fábio vai mandar para a Carla. Nele, responda a todas as questões que a Carla apresenta. Para isso, faça uma revisão do capítulo.

E a REFoRMa oRtogRÁFICa?Com o objetivo de unificar a grafia e acentuação gráfica da língua portuguesa,

foi assinado, em 1990, em Lisboa, um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Participaram desse encontro representantes de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé, Príncipe e Timor-Leste. Há muita discussão sobre os resultados práticos dessa unificação que, para alguns, é mais consequência de manobras políticas do que linguísticas.

No Brasil, escolheu-se o ano de 2009 como o da implantação da reforma. As principais mudanças propostas são:

1. O alfabeto passa a ter 26 letras, incluindo as letras K, W, e Y, empregadas nos seguintes casos especiais:

• em antropónimos/antropônimos originários de outras línguas e seus de-rivados: Franklin, frankliniano; Kant, kantiano, Darwin, darwiniano; Wagner, wagneriano; Byron, byroniano; Taylor, taylorista;

• em topónimos/topônimos originários de outras línguas e seus derivados: Kwañza, Kuwait, kuwaitiano; Malawi, malawiano;

• em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM, K – potássio (de kalium) W – oeste (West); Kg – quilograma, Km – quilômetro, KW – kilowatt.

2. O trema não será mais empregado. Assim palavras como lingüiça, freqüente, tranqüilo passam a ser escritas linguiça, frequente, tranquilo. Ele permanece, no entanto, em nomes próprios e seus derivados.

3. Fim do acento diferencial de palavras homógrafas. Exemplos: pára (verbo) de para (preposição); péla (verbo) de pela (combinação da preposição com o artigo); pólo (substantivo) de polo (combinação antiga e popular de por e lo); pélo (verbo) de pelo (combinação da preposição com o artigo) e de pêlo (substantivo); pêra (substantivo) de péra (substantivo arcaico – pedra) de pera (preposição arcaica). Assim sendo, as palavras pára, péla, pólo, pélo, pêlo serão grafadas sem o acento gráfico.

Obs.: o acento permanece em pôde (3ª pessoa sing. pret. perf. ind.) para diferenciar de “pode” (3ª pessoa sing. pres. ind.) e em “pôr” (verbo) para diferenciar de “por” (preposição).

4. Eliminação de acentos agudos:

• em ditongos “ei” e “oi”em palavras paroxítonas. Exemplos: idéia e jibóia passam a ser grafadas ideia e jiboia;

• em palavras paroxítonas, com “i” e “u” tônicos, quando precedidos de di-tongo. Exemplos: feiúra e baiúca passam a ser grafadas feiura e baiuca.

MLp1A2.indb 158 30/6/2010 14:09:18

Page 159: Lingua Portuguesa 1ª Série

Latim em pó: da origem da língua portuguesa aos nossos dias 159

5. Eliminação de acentos circunflexos:

• do penúltimo “o” fechado em hiatos, nas palavras paroxítonas. Exemplos: vôo, enjôo, perdôo, passam a ser grafadas voo, enjoo, perdoo;

• nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler, ver e seus derivados. Exemplos: crêem, dêem, lêem, vêem, passam a ser grafados creem, deem, leem, veem;

• nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com “u” tônico prece-dido de “g” ou “q” e seguido de “e” ou “i”. Exemplos: averigúe (averiguar) apazigúe (apaziguar) e argúem (arguir) passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem.

6. Mudanças no uso do hífen:

a) Emprega-se o hífen:

• nas formações com os prefixos hiper-, inter-, e super-, quando combinados com elementos iniciados por “r”. Exemplos: super-revista, hiper-requin-tado, inter-resistente, etc;

• em palavras compostas, quando o segundo elemento começa por “h”. Exemplos: pan-helênico, mal-humorado, etc.;

• em substantivos compostos em que o prefixo termina com a mesma vogal com que se inicia o segundo elemento. Exemplos: micro-ondas, anti-ibérico, etc.;

• em palavras compostas que não contêm elemento de ligação e constituem unidade lexical, mantendo o acento próprio. Exemplos: ano-luz, azul-escuro, couve-flor, conta-gotas, guarda-chuva, arco-íris, médico-cirurgião, segunda-feira, etc.;

• em palavras formadas pelos prefixos “ex”, “vice”. Exemplos: ex-amigo, vice-diretor, etc.;

• em palavras formadas com os prefixos “pré”, “pró” e “pós”, quando a segunda palavra tem significado próprio. Exemplos: pré-primário, pró-africano, pós-desarmamento, etc.;

• em palavras formadas pelos prefixos “circum” e “pan”, quando a segunda palavra começa por “vogal”, “m”, “n”. Exemplos: circum-es-colar, circum-murado, circum-navegação, pan-africano, pan-mágico, pan-negritude, etc.

b) Não se emprega o hífen:

• em palavras cujo primeiro elemento termina em “vogal” e o segundo começa por “s” ou “r”, devendo a consoante duplicar-se. Exemplos: mi-crossistema, contrarregra, antirreligioso, etc.;

• em palavras cujo prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente. Exemplos: coeducação, extraescolar, antiaéreo, agroindustrial, etc.;

• em palavras compostas nas quais, pelo uso, perdeu-se a noção de composição. Exemplos: mandachuva, paraquedas, parabrisa, etc.;

• nas formações com o prefixo “co” e “re”, estes aglutinam-se com o segundo elemento, mesmo quando inciado por “o” ou “e”. Exemplos: cooperar, coordenar, reestruturar, reescrever, etc.

MLp1A2.indb 159 30/6/2010 14:09:19

Page 160: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6160

A LITERATURA CAI NA BOCA DO MUNDO

Uma grande parcela de pessoas, no correr da história da humanidade, tem desejado ultrapassar os seus limites. Ultrapassar os próprios limites, como es-creve Clarice Lispector, em A hora da estrela, abre-se a inúmeras possibilidades. Algumas boas, outras ruins, conforme as escolhas que fizermos. No desejo de ultrapassar os seus próprios limites, o ser humano tem construído a sua própria identidade e a arte da Literatura.

Transgredir os meus próprios limites me fascinou de repente. E foi quando pensei em escre-ver sobre a realidade, já que essa me ultrapassa. Qualquer que seja o que quer dizer “realidade”.

(Clarice Lispector)

Key

ston

e

MLp1A2.indb 160 30/6/2010 14:09:24

Page 161: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 161

a NECESSIDaDE Da aRtEOuça, com atenção, a letra de música a seguir.

Comida Bebida é água.Comida é pasto.Você tem sede de quê?Você tem fome de quê?

A gente não quer só comida,a gente quer comida, diversão e arte.A gente não quer só comida,a gente quer saída para qualquer parte.

A gente não quer só comida,a gente quer bebida, diversão, balé.A gente não quer só comida,a gente quer a vida como a vida quer.

A gente não quer só comer,a gente quer comer e quer fazer amor.A gente não quer só comer,a gente quer prazer pra aliviar a dor.

A gente não quer só dinheiro,a gente quer dinheiro e felicidade.A gente não quer só dinheiro,a gente quer inteiro e não pela metade.

1. Discuta em classe:

• O que significam, para você, as palavras “A gente não quer só comida,/ a gente quer comida, di-versão e arte”?

• Você sente necessidade de arte?

• De acordo com a música, o que representa a vida sem arte? Concorda com essa ideia? Por quê?

• A que formas de arte faz referência a música?

• Que outras formas de arte você conhece?

O ser humano tem a necessidade de arte. Essa necessidade pode nos impulsionar numa busca para conhecer novas formas de expressão artística, procurando ultrapassar os nossos próprios limites.

Arnaldo Antunes; Marcelo Fromer; Sergio Britto. “Comida”. In: Titãs (Intérp.). Titãs acústico. Wea Music, 1997.

MLp1A2.indb 161 30/6/2010 14:09:29

Page 162: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6162

a lItERatuRa: uMa FoRMa DE aRtE E o CoMEÇo Do pRoBlEMa...

O ser humano, há muito, se interroga por que algumas obras são considera-das arte e outras não. Por muito tempo, procurou-se por algo dentro da obra que a tornaria um objeto de arte, diferente dos demais objetos parecidos, mas que não são considerados como obras de arte. Por que umas pessoas consideravam um quadro bonito e outro feio? Por que determinadas obras de arte chegam a valer tanto? Por que um poema é considerado importante e deve ser estudado na escola, mesmo depois de muitos anos (pense nas cantigas de amigo, por exemplo), e outro não consegue o mesmo valor na sociedade e, rapidamente, é esquecido? Preocupações desse tipo existem em todas as formas de arte: pintura, escultura, arquitetura, fotografia e, é claro, literatura.

PICASSO, Pablo. Les demoiselles d’Avignon (1907). Nova Iorque: Museu de Arte Moderna.

DA VINCI, Leonardo. Mona Lisa (c. 1503-1506). Paris: Museu do Louvre.

Observe as reproduções que abrem esta seção. Trata-se de dois quadros considerados grandes obras de arte. Compare-os e procure pontos comuns que permitam responder à seguinte questão:

2. O que encontra de comum entre essas obras que faça com que os especialistas as considerem obras de arte?

MLp1A2.indb 162 30/6/2010 14:09:33

Page 163: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 163

A literatura é uma forma de arte que se utiliza da palavra como matéria--prima, assim como a pintura se utiliza das imagens pintadas e o balé, a que fazem referência os Titãs em sua música, faz uso do corpo em coreografias. Assim, embora todo texto escrito seja um texto da linguagem, nem sempre será considerado literário.

Mas essa definição não resolve o nosso problema, pois leva-nos a outra pergunta: o que faz com que um texto seja considerado uma obra de arte?

Essa é uma discussão antiga. Existem diferentes maneiras de pensar esse assunto. De um lado, há estudiosos da literatura que a definem como uma ex-pressão específica da linguagem verbal. Seguindo esse raciocínio, a literatura teria a sua própria linguagem, a linguagem literária.

Mas, como identificar essa linguagem literária? No que ela é diferente da linguagem do nosso dia a dia? Isso também preocupou os estudiosos de lite-ratura. Por exemplo, Roman Jakobson, um importante estudioso da linguagem e da literatura, escreveu em 1921: “Assim, o objeto da ciência da Literatura não é a Literatura, mas a literariedade, isto é, o que faz de uma determinada obra uma obra literária”.

Por esse pensamento, a arte da literatura seria identificada pela literariedade. Como se fosse algo que estivesse misturado com a linguagem verbal do uso comum, tornando-a literária. Alguns chegaram a simplificar tanto o raciocínio que defendiam que, quanto mais literariedade tivesse um texto, mais literário ele seria.

Esse jogo de perguntas e respostas nos conduz a outra questão: como identificar a literariedade num texto? Nem sempre os estudiosos chegavam a uma conclusão sobre o assunto, embora defendessem que ela estava na linguagem. A convicção de que é possível e necessário encontrar a literariedade na linguagem do texto literário espalhou-se nos estudos da literatura.

De uma forma simplificada, podemos afirmar que literariedade

seria aquilo, do texto, que faz com que ele seja

considerado .

Problema 1:

O que é literatura?

Problema 2:

O que faz com que um texto seja considerado arte?

Problema 3:

O que é literariedade?

Consideramos literatura como a forma de arte que se utiliza da

, bem como todos os textos que essa forma de

produz.

Segundo o que Jakobson escreveu em 1921, o que faz de um

texto uma obra literária é a .

3. Acompanhemos o desenvolvimento de Jakobson na solução do problema “O que é Literatura?”.

MLp1A2.indb 163 30/6/2010 14:09:34

Page 164: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6164

Recentemente, porém, realizaram-se outros estudos que divergem sobre o assunto. O texto a seguir foi es-crito por um outro estudioso da literatura, Terry Eagleton, bem mais recentemente que Jakobson, em 1983.

“Qualquer coisa pode ser literatura, e qualquer coisa que é considerada literatura, inalterável e inquestionavelmente – Sheakespeare, por exemplo –, pode deixar de sê-lo. [...] A Literatura, no sentido de uma coleção de obras de valor real e inalterável, distinguida por certas propriedades comuns, não existe.”

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

4. Como vê, a opinião de Eagleton é oposta à de Jakobson. Complete o quadro comparativo a seguir, relacionando as diferenças entre as posições de Eagleton e Jakobson.

Observe, no texto de Quino a seguir, a atitude da senhora diante da música ao seu redor.

QUINO. Esto no es todo. Lumen: Barcelona, 2001.

Eagleton

Definição de Literatura

Enfoque do estudo literário

A literatura através do tempo

Qualquer texto que certos seto-res da sociedade decidam que é literatura.

A Literatura é um fenômeno principalmente linguístico.

Uma obra literária pode deixar de sê-lo. Nada garante que uma obra continue sendo considera-da literária para sempre.

Jakobson

MLp1A2.indb 164 30/6/2010 14:09:35

Page 165: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 165

5. De que forma a crítica presente no texto de Quino confirma o pensamento de Eagleton sobre arte e literatura?

6. Por outro lado, o canto do inseto é representado como de melhor qualidade que o do pássaro.

a) Como Quino representa essa diferença entre os dois cantos?

b) Relacione a representação do canto do inseto ao pensamento de Jakobson.

7. Na sua opinião, o que faz de um texto uma obra de arte, ou seja, literatura?

CoNStRuINDo uM CoNCEIto DE lItERatuRaEntre as opiniões de Jakobson e de Eagleton, como se fossem dois extremos, podemos identificar

outros conceitos intermediários que surgiram a partir de diferentes estudos feitos sobre a literatura. De certa forma, cada um de nós pode e deve construir um conceito daquilo que é literatura, embora, mesmo se concordarmos com o radicalismo de Eagleton, isso não significa que possamos chamar a qualquer texto de literatura. Eagleton defende que são certos setores da sociedade (não qualquer pessoa individu-almente) que define o que é um texto literário ou não.

Leia, a seguir, o poema As pessoas sensíveis, da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner An-dresen.

As pessoas sensíveis não são capazesDe matar galinhasPorém são capazes De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheiraÀ roupa do seu corpoAquela roupaQue depois da chuva secou sobre o corpoPorque não tinham outra

MLp1A2.indb 165 30/6/2010 14:09:36

Page 166: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6166

O dinheiro cheira a pobre e cheiraÀ roupaQue depois do suor não foi lavadaPorque não tinham outra

“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”Assim nos foi impostoE não:“Com o suor dos outros ganharás o pão”.

Ó vendilhões do temploÓ construtores Das grandes estátuas balofas e pesadasÓ cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes SenhorPorque eles sabem o que fazem.

ANDRESEN, Sofia de Melo Breyner. In: NEJAR, Carlos. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999.

SOFIA DE MELO BREYNER ANDRESEN (1919-2004) – A escritora portuguesa declarou no Jornal das Letras (JL 468, de 25-6-1991): “Recordo-me de descobrir que num poema era preciso que cada palavra fosse necessária, as palavras não podem ser decorativas, não podiam servir só para ganhar tempo até ao fim do decassílabo, as palavras tinham que estar ali porque eram absolutamente indispensáveis. Isso foi uma descoberta”. E em outra ocasião (JL 709, de 17-12-1997): “A poesia é das raras atividades humanas que, no tempo atual, tentam salvar uma certa espiritua-lidade. A poesia não é uma espécie de religião, mas não há poeta, crente ou descrente, que não escreva para a salvação da sua alma – quer a essa alma se chame amor, liberdade, dignidade ou beleza”.

Discuta com os colegas e o professor a sua compreensão do texto. A seguir, responda:

8. Você gostou do poema? Por quê?

9. Compare o poema com a música Comida: as “pessoas” a que se refere o poema são a “gente” a que se refere a música? Explique.

MLp1A2.indb 166 30/6/2010 14:09:37

Page 167: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 167

10. Identifique, no poema, uma referência intertextual e a fonte com a qual se estabelece o diálogo.

11. Você consideraria esse poema como um texto literário? Por quê?

12. Discuta, oralmente, as declarações de Sophia transcritas na biografia: que visão de poesia está presente nelas?

Muitos acreditam que “gosto e cor não se discutem”. Defendem que não somos iguais e, como Terry Eagleton, afirmam que qualquer coisa pode ser considerada como literatura desde que a chamemos assim. No entanto, o estudo da literatura prova que discutir gostos pode ser vantajoso para todos.

É verdade que não somos iguais, e uma boa parte do que somos, ou seja, da constituição de nossa identidade, deve-se à nossa história pessoal. Uma parte importante de nossa personalidade resultou de um aprendizado que a vida nos proporcionou com tudo aquilo que experimentamos, lemos, ouvimos, sentimos e partilhamos.

Grande parte daquilo de que gostamos é resultado de termos aprendido a gostar. Isso acontece porque o ser humano consegue aprender a gostar das coisas. Uma pessoa consegue até aprender a gostar do que não gostava antes. Desenvolvemos gostos que procuram satisfazer a nossas necessidades pessoais. Uma das necessidades humanas é a de arte.

Como afirmam os Titãs, as pessoas sentem uma necessidade interna de arte que aprenderam a satisfazer. Isso as leva a cantar, ouvir músicas, escrever cartas de amor, assistir a um filme na televisão ou ler um livro.

13. Responda oralmente:

• Como satisfaz às suas necessidades pessoais de arte?

• É possível aprender a apreciar outras formas de arte? Como?

Como já tivemos oportunidade de examinar nos capítulos anteriores, todos os textos têm sempre uma finalidade e pertencem a determinados gêneros, de acordo com as diferentes necessidade sociais. Há textos para todas as necessidades humanas. Uma das necessidades humanas é a arte, e são os textos literários aqueles que procuram satisfazer a essa necessidade.

MLp1A2.indb 167 30/6/2010 14:09:38

Page 168: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6168

Sônia gostou muito do poema As pessoas sensíveis, porque a fez pensar na vida. Ray, contudo, achou-o muito chato, embora reconheça que deve haver pessoas que talvez gostem. Ele prefere ler romances policiais, tentando descobrir quem é o assassino. O último livro que ele leu foi Convite para um homicídio, de Agatha Christie. Ele adorou a leitura. Nesse livro, Ray acompanhou uma série de homicídios em uma pequena aldeia inglesa. Esses homicídios começam com um assassinato antecipadamente anunciado no jornal da localidade. Dis-cutindo quem gosta de ler literatura, deram-se conta de que, até agora, viram, na escola, uma grande variedade de textos literários muito diferentes entre si. Pense também nos poemas, nas crônicas e nos contos que temos apresentado até o presente momento.

Por que é difícil uma única definição de literatura?

Há muitas diferenças que explicam o fracasso de tentarmos uma única definição do que é um texto literário. Essas diferenças incluem os diferentes conhecimentos de mundo que influenciam a formação dos gostos das pessoas, as variações sociais que ocorrem de acordo com o tempo e o espaço. Assim, as sociedades elaboraram diferentes formas de satisfazer a necessidade de arte literária. Por isso existem diferentes definições de literatura, o que explica, em parte, o fato de os escritores produzirem os mais variados textos e chamarem a todos eles de textos literários.

Em última análise, é a sociedade na qual tais textos vão circular que os torna legítimas obras de arte ou não. Pela leitura dessas obras literárias e pelo valor dado a elas é que tais textos são legitimados e aceitos como literários. Algumas obras, curiosamente, em um primeiro momento, são consideradas “excelentes exemplos” de literatura, mas não sobrevivem ao teste do tempo. O texto literário deseja alcançar a eternidade.

Umberto Eco, um dos mais importantes estudiosos da linguagem, define a literatura como:

14. Seguindo o raciocínio de Umberto Eco, por que poderíamos considerar o poema As pessoas sensíveis como literário?

[...] O complexo de textos que a humanidade produziu e produz não para fins práticos (como manter registros, anotar leis e fórmulas científicas, fazer atas de sessões ou providenciar horários ferroviários), mas antes [...] por amor de si mesma – e que se leem por deleite, elevação espiritual, ampliação dos próprios conhecimentos, talvez por puro passatempo, sem que ninguém nos obrigue a fazê-lo (com exceção das obrigações escolares).

ECO, Umberto. Sobre a literatura. Rio de Janeiro: Record, 2003.

MLp1A2.indb 168 30/6/2010 14:09:39

Page 169: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 169

15. Examine a reprodução a seguir, do pintor francês Auguste Renoir. Podemos afirmar que o conceito de literatura de Umberto Eco se verifica na reprodução de Renoir a seguir? Por quê?

RENOIR, Auguste. Camille Monet lendo (1872). Williamstown: Sterling and Francine Clark Art Institute.

AUGUSTE RENOIR (1841-1919) – Nasceu em Limoges, na França. Estu-dou pintura desde criança. Sempre evo-luindo no seu estilo como pintor, nunca abandonou a sua paixão pelo trabalho artístico com a cor.

16. Seguindo esse mesmo raciocínio, textos como as letras de música, as frases de parachoque de caminhão e as palavras cruzadas seriam gêneros considerados literários? Por quê?

Alguns poderiam perguntar se todos os textos recreativos como as letras de canções que tocam no rádio são literatura. A questão, contudo, não é tão simples assim... Alguns elementos da sociedade considerariam tais canções como legitimamente literárias, outros não. O que faz com que um texto seja literário, e não apenas um texto comum, não é só a opinião do leitor baseada no prazer de leitura que sentiu. Existe, além disso, a opinião de certas instituições importantes na sociedade.

A escola é uma dessas instituições que ajuda a decidir se um texto é literário ou não. Faz parte de seu papel na sociedade incentivar os alunos a que leiam determinados livros, além de valorizar o estudo de Literatura. A maioria das escolas possui bibliotecas, com muitas obras que são consideradas literatura pelos diversos professores.

A universidade é outra dessas instituições. Por exemplo, quando sai a lista de livros de Literatura do vestibular, principalmente de uma universidade considerada importante, a sociedade aceita tais livros como literários. Muitos, principalmente jovens, correm para as livrarias para comprar esses livros.

MLp1A2.indb 169 30/6/2010 14:09:40

Page 170: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6170

A mídia também dedica espaço à literatura. É comum o jornal manter seções dedicadas à literatura, normalmente dentro de um caderno de cultura. Às vezes, até em primeira página, como este exemplo retirado da primeira página do jornal O Estado de S. Paulo, por ocasião da morte do poeta brasileiro Ha-roldo de Campos:

17. De que recursos a notícia de jornal se utiliza para valorizar a função de poeta exercida por Haroldo de Campos?

Morre o poeta haroldo de Campos

O poeta, professor, ensaísta e tradutor Haroldo de Campos morreu no começo da madrugada de ontem, aos 73 anos, de falência múltipla dos órgãos. Ele estava internado no Hospital Oswaldo Cruz. O velório se realizou na Beneficência Portuguesa. Existiram na verdade

muitos Haroldo de Campos. Todos agradaram e desagradaram, todos foram provocadores e talvez autoritários, todos buscaram se firmar e terminaram cheios de seguidores, mas também de detratores.O Estado de S.Paulo, 17-8-2003.

Também o Poder Público, por meio de prêmios, bolsas de estudo e finan-ciamentos ajuda a desenvolver o gosto literário.

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) organiza e patrocina, desde 1959, um dos mais importantes prêmios literários brasileiros, o prê-mio Jabuti. No nosso folclore, o jabuti se caracteriza por ser paciente e persistente. Tais características levaram a escolher esse animal para simbolizar a atividade de nossos escritores, editores, livreiros e gráficos.

Mais informações em <www.cbl.org.br>.Quem são os vencedores, nas respectivas categorias, do prêmio

Jabuti deste ano?

Assim, a literatura envolve o conjunto de textos escritos e orais conside-rados socialmente como artísticos. A sociedade torna convencionais certos tipos de textos literários, considerando alguns deles como exemplos de criati-vidade, arte e bom uso da língua. A partir de tais exemplos, esses segmentos da sociedade encontram, em tais textos literários, a literariedade de que fala Jakobson.

Dessa forma, notamos que a literatura envolve dois planos: um sociocultural e outro, intimamente relacionado com esse, linguístico. Além disso, a literatura traz consigo um modo de ver a sociedade (ou parte dela) a qual, por sua vez, torna os seus textos legítimas obras de arte.

Jogoteatral: as institui-ções da sociedade que legitimam a literatura

Encenação: dois atores (alunos) vão para a frente da sala; um líder (terceiro aluno) os congela em po-sições de ação. Anterior-mente, os três escolhe-ram uma das instituições sociais que legitimam a literatura e os tipos de personagens que a ca-racterizam. Os dois atores permanecem congelados por cinco segundos e, a seguir, representam a cena combinada até sua conclusão. O restante da classe terá de identificar qual a instituição que está sendo representada.Tempo máximo de repre-sentação: três minutos.Palavra que obrigatoria-mente deve aparecer na encenação: literatura.

MLp1A2.indb 170 30/6/2010 14:09:42

Page 171: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 171

Releia o poema As pessoas sensíveis de Sophia de Mello Breyner Andresen.

18. Que visão de sociedade o texto apresenta?

19. Você o consideraria um texto crítico? Por quê?

20. No poema a seguir, de Augusto de Campos, irmão de Haroldo de Campos e também poeta, encontre a visão de sociedade presente. Relacione essa visão de mundo àquela presente no poema As pessoas sensíveis.

CAMPOS, Augusto de. “Luxo”. In: MORICONI, Italo. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva.

MLp1A2.indb 171 30/6/2010 14:09:43

Page 172: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6172

PARA A PRÓXIMA AULAProcure, em jornais, revistas e panfletos, referências à literatura. Traga, para a próxima aula,

pelo menos dois desses textos.

21. Reúna-se com colegas, em duplas ou trios, examinem os textos que trouxeram. Que conceito de litera-tura aparece nesses textos? O que vocês pensam desse modo de ver a literatura?

Folha de S.Paulo, 12-9-2003.

22. De acordo com a tira em quadrinhos, o que é necessário para que o escritor produza uma obra literária?

Qual a utIlIDaDE Da lItERatuRa?Essa é uma pergunta muito importante, em especial numa sociedade que apenas considera

importante aquilo que tem uma utilidade, de preferência, imediata. Pensemos em algumas respos-tas:

Em primeiro lugar, a literatura é uma das formas de satisfazer a nossa necessidade pessoal de arte. Além disso, ela pode funcionar como espelho crítico da identidade de uma sociedade.

A literatura é também um exercício da linguagem e, no decorrer dos séculos, tem auxiliado a ampliar e a organizar a língua, permitindo que o leitor enriqueça o seu vocabulário, a sua visão de mundo e de comunidade.

Observe, com atenção, a tira em quadrinhos a seguir.

MLp1A2.indb 172 30/6/2010 14:09:45

Page 173: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 173

23. Que vantagens há nesse processo para o leitor e para a língua?

Além disso, a literatura é um exercício mental de interpretação. A obra literária nos propõe um jogo, cujas regras se relacionam com a intenção do texto, ou seja, os limites de interpretação de que temos tratado. Toda obra literária permite várias interpretações, mas não qualquer interpretação. Entrar nesse jogo é desafiador e desenvolve o nosso raciocínio.

24. O que representam, no poema As pessoas sensíveis, as pessoas que não matam galinhas, mas, mesmo assim, as comem? Qual o processo de que se utilizou para chegar a essa conclusão?

A literatura também nos convida a um diálogo histórico com as gerações passadas. Muitas obras literárias que chegaram aos nossos dias foram lidas e interpretadas de maneiras diferentes no passado. Esse diálogo desenvolve a nossa identidade cultural. Mesmo que você não tenha lido as respectivas obras literárias, é possível que já tenha ouvido falar nos Três mosqueteiros, na Escrava Isaura, em Moby Dick ou na Cinderela. Trata-se, todos eles, de diferentes personagens da literatura que já fazem parte de nossa cultura.

Na literatura, encontramos o sentido de comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que somos e nos desafia a expressar o mundo por nós mesmos. Ela se apre-senta como a possibilidade de o outro se incorporar em mim, sem que eu deva renunciar à minha própria identidade.

A literatura permite-nos ser outros, rompendo os limites do tempo e do espaço de nossa própria realida-de e, ainda assim, continuarmos sendo quem somos. Melhor ainda, enriquecendo essa experiência única que é a construção de nossa identidade.

Dessa forma, a literatura torna o mundo em que vi-vemos, ao mesmo tempo, mais desafiador e complexo e mais compreensível. Desafiador porque o exercício literário, ainda que difícil, alarga os nossos horizontes, mostrando-nos outros que, antes de nós, sentiram e pensaram de forma diferente da nossa, mas sempre possibilitando o diálogo e a aproximação. Compreensível porque transforma em palavras a experiência humana do outro.

Nesse jogo entre desafiar e compreender, a literatura (e a arte em geral) interroga o nosso imaginário.

Observe, agora, na figura ao lado de Quino, o efeito que o quadro produziu no observador.

QUINO. Esto no es todo. Lumen: Barcelona, 2001.

MLp1A2.indb 173 30/6/2010 14:09:47

Page 174: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6174

A literatura – bem como as outras expressões artísticas – é também um exercício de criatividade. Como expressão artística, a literatura desenvolve a nossa imaginação, sensibilidade e fantasia.

Outra importante utilidade é que a obra literária nos educa. Claro que a leitura de um texto literário permite que ampliemos o nosso vocabulário, além de poder transmitir ideias morais. Mas, principalmente, ler um texto literário nos mostra que as coisas acontecem, muitas vezes, além da vontade do leitor.

Quando o leitor se aproxima de um texto literário, inicia-se um jogo: sur-gem expectativas e perguntas que o texto vai respondendo. Quando o leitor não obtém as respostas, muitas vezes, fica surpreso e até decepcionado. Em certas ocasiões, essa decepção é sinal de que o texto realmente não estava bem escrito. Em outras situações, o leitor talvez precise aumentar a sua cultura literária. Mas o leitor sempre se vê obrigado a lidar com suas frustrações e com a realidade de que, na vida, nem sempre as coisas são como queremos. Esse exercício nos ensina a viver.

25. Complete o quadro a seguir sobre a utilidade das literaturas em língua portuguesa, com as expressões do quadro a seguir. Cuidado, observe que sobrarão três delas.

utilidade da literatura

1. Satisfaz a necessidade humana de .

2. Apresenta uma visão crítica da das diferentes sociedades onde se

constrói cultura em português.

3. No decorrer dos séculos, tem auxiliado a ampliar o poder da .

4. É um exercício mental de textual, permitindo que desenvolvamos a

nossa capacidade de em português.

5. Permite que compreendamos melhor o nosso , permi-

tindo que nos sintamos parte de uma cultura de muitos séculos feita em língua portuguesa.

6. A literatura desenvolve a nossa imaginação e .

7. A literatura nos ensina a lidar com a : a literatura nos ensina a lidar com nos-

sas .

interpretação – rancor – classe dominante – raciocinar – passado histórico – vida – emoções pessoais – língua portuguesa – arte – identidade – cultura – criatividade

MLp1A2.indb 174 30/6/2010 14:09:48

Page 175: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 175

a lItERatuRa DIvulgaDa Na SoCIEDaDE: a RESENha CRítICaLeia, com atenção, o texto a seguir. Trata-se de um poema escrito por um dos mais valorizados poetas

da língua portuguesa.

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,Ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,Sem falta lhe terá bem merecidoQue lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piedoso.Quem o contrário diz não seja crido;Seja por cego e apaixonado tido,E aos homens, e inda aos deuses, odioso.

Se males faz Amor, em mi se veem;Em mi mostrando todo o seu rigor,Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas as suas iras são de amor;Todos estes seus males são um bem,Que eu por outro bem não trocaria.

Luís Vaz de Camões. SILVA, Alberto da Costa e (Org.). Poemas de amor de Luís Vaz de Camões. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

LUÍS DE CAMÕES (1524[?]-1580[?]) – Pouco sabemos efetivamente sobre a vida daquele que é considerado o maior escritor da língua portuguesa. Até mesmo sobre as datas de nascimento e morte pairam dúvidas. O que é certo é tratar-se de um homem culto e de mente aberta, que soube tirar pleno proveito das influências literárias de sua época.

26. Discuta em classe a sua compreensão do poema.

27. Que dificuldades encontra o leitor do século XXI ao ler esse poema de Camões? Como tais dificuldades podem ser superadas?

28. Escreva um e-mail, recomendando que alguém conhecido seu leia o poema de Camões. Seja convin-cente em seus argumentos.

MLp1A2.indb 175 30/6/2010 14:09:51

Page 176: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6176

Há várias formas de fazer circular, na sociedade, a opinião sobre uma obra literária. Uma delas, utilizada por jornais e revistas, é um gênero textual específico, a resenha crítica. Para tornar legítima uma obra literária, não basta dizer “leiam porque é bonita” ou “leiam porque gostei”. Deve-se convencer aquele que se deseja que leia o texto de que esse texto merece ser lido.

Poderíamos dizer que a resenha é uma espécie particular de resumo. Na resenha, o autor se posiciona criticamente sobre uma determinada obra que ele apresenta para o leitor. Partindo desse resumo, o autor da resenha faz interagir as suas opiniões de forma sólida, coerente e com fundamentos na cultura que possui e no próprio texto que está resenhando.

Não há necessidade, portanto, de que as diferentes partes que com-põem a resenha venham separadas entre si. O objetivo é que a opinião contida na resenha interfira no leitor, convencendo-o de sua opinião ou, pelo menos, fazendo-o pensar a respeito dela.

Podemos elaborar resenhas críticas de textos escritos, literários ou não, mas também de programas de televisão, de filmes, músicas, peças de teatro entre outros.

Para compreendermos a estrutura de uma resenha e apenas por uma ques-tão didática, podemos pensar no seguinte esquema:

No capítulo anterior, aprendemos a fazer resumos. Retorne a essa explicação para lembrar algum ponto que tenha esquecido.

Analisemos uma resenha publicada em um jornal. Durante a leitura, procure notar como ao resumo da obra o autor da resenha acrescenta a fonte da obra que está resenhando, os seus conhecimentos culturais sobre o assunto, bem como a sua opinião pessoal sobre o livro.

uma resenha crítica apresenta:

• referências sobre a obra (autor, título, local e data de edição), número de páginas, formato;

• resumo da obra;

• conhecimentos culturais sobre o assunto tratado e sobre o autor da obra;

• opinião crítica sobre a obra.

Tais partes devem e precisam aparecer em uma resenha seguindo uma ordem específica. Espera-se que o autor encontre a melhor ma-neira para que possa atingir o seu objetivo de influenciar a opinião do leitor.

MLp1A2.indb 176 30/6/2010 14:09:52

Page 177: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 177

Italo CalvinoTradução: Roberta BarniCompanhia das Letras96 p., R$ 22,00

Es c r i t o a o l o n g o d e d e z anos (1953-1963), O d i a d e u m escrutinador foi concebido como p a r t e d e u m a trilogia que Italo Calvino denomina

“Meados de século”. Seria composta ainda de A especulação imobiliária e A nuvem de smog. Construídos como romances curtos, ou contos longos, como o autor prefere chamá-los, são pouco conhecidos no Brasil, ao contrário da trilogia Os nossos antepassados (composta de O visconde partido ao meio, O barão nas árvores e O cavaleiro inexistente).

A diferença entre as duas trilogias reside na leveza que distancia uma da outra. O dia de um escrutinador é um romance, se fosse possível dizê-lo, “naturalmente pesado”, a partir da escolha de seus temas: comunismo, dor física e existencial, miséria humana, deficientes físicos e mentais, alta e baixa política. De forma rigorosa, esses e outros temas são tratados por vários ângulos, segundo as premissas do método dialético. Amerigo Ormea, o protagonista, é historiador e comunista em crise. Calvino começou a escrever o livro quando ainda comunista e o concluiu já fora do Partido. O dia de um escrutinador traz um pouco dessa transição.PESSOA NETO, Anselmo. Jornal de Resenhas. In: Folha de S. Paulo, 13-12-2003.

o dia de um escrutinador

Observe o quadro esquemático a seguir.

Protagonista: refere-se à personagem principal da obra (neste caso, aquela que Anselmo Pessoa Neto está rese-nhando: O dia de um escrutinador).

Referências sobre a obra:

Partes do texto que se referem ao resumo da obra:

Análise da resenha de Anselmo Pessoa neto

O dia de um escrutinador. Italo Calvino. Tradução: Roberta Barni. Companhia das Letras. (Tel: 0/xx/11/3707-3500). 96 páginas, R$ 22,00.

“Seus temas: comunismo, dor física e exis-tencial, miséria humana, deficientes físicos e mentais, alta e baixa política.” “Amerigo Ormea, o protagonista, é historiador e co-munista em crise.”

MLp1A2.indb 177 30/6/2010 14:09:54

Page 178: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6178

29. Talvez você tenha notado que a conclusão da resenha de Anselmo Pessoa Neto poderia ser diferente. Em classe, comentem a eficiência da conclusão da resenha. Poderia ser melhorada? Apontem possi-bilidades para torná-la mais adequada à proposta do texto. Anote, no espaço a seguir, as conclusões da turma.

30. Identifique, na próxima resenha sobre um filme a ser transmitido na televisão, as diferentes partes que compõem essa resenha.

Análise da resenha de Anselmo Pessoa neto

“A diferença entre as duas trilogias reside na leveza que distancia uma da outra. O dia de um escrutinador é um romance, se fosse possível dizê-lo, ‘naturalmente pesado’, a partir da escolha de seus temas.” E “De forma rigorosa, esses e outros temas são tratados por vários ângulos, segundo as premissas do método dialético”. E “O dia de um escrutinador traz um pouco dessa transição”.

Opinião crítica do autor sobre a obra:

“Escrito ao longo de dez anos (1953-1963), O dia de um escrutinador foi concebido como parte de uma trilogia que Italo Cal-vino denomina ‘Meados de Século’. Seria composta ainda de A especulação imobili-ária e A nuvem de smog. Construídos como romances curtos, ou contos longos, como o autor prefere chamá-los, são pouco co-nhecidos no Brasil, ao contrário da trilogia Os nossos antepassados (composta de O visconde partido ao meio, O barão nas árvores e O cavaleiro inexistente).” “Cal-vino começou a escrever o livro quando ainda comunista e o concluiu já fora do Partido.”

Partes do texto que se referem aos conheci-mentos do autor sobre o assunto que está rese-nhando e sobre o autor da obra resenhada:

MLp1A2.indb 178 30/6/2010 14:09:55

Page 179: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 179

A língua do cinema não pertence a nenhum país

A língua do cinema é o cinemês, costuma dizer Walter Lima Jr.. Maneira de romper as fronteiras nacionais, com a ideia do filme nacional como um particularismo.

Ora , i s so não é confundi r com a internacionalização ligeira, com esses filmes que parecem vir de lugar nenhum, ou de um território que se poderia chamar tecnolândia. Walter Lima é o cinema de Menino de engenho, de Inocência, Ele, o boto e, mais recentemente, A ostra e o vento. Não há como duvidar de sua brasilidade.

Seu argumento não é geográfico, embora a geografia tenha uma parte considerável nisso. Mas de ver no cinema essa arte com a qual as pessoas de qualquer parte do planeta podem se entender, pois ninguém precisa falar russo para saber aonde queria Eisenstein chegar, ou japonês para entender Griffith etc.

Assim, ainda que A ostra e o vento se passe em uma ilha que poderia estar, a rigor, em qualquer lugar do mundo, a natureza ali representada tem

Inácio AraujoCrítico da Folha de S.Paulo

a luz do Brasil. Assim também, os ciúmes que sente o pai de sua filha, ainda que patológicos, não seriam significativos de uma maneira patriarcal de conceber família e relações familiares?

A vantagem de certos cineastas é que não precisam provar que são brasileiros. Eles são. E também não precisam de um “assunto universal” para pertencer ao mundo. O cinemês lhes basta.

É nessa categoria, também, que se encontra Antonio Calmon, talento que infelizmente o cinema perdeu para a TV, de quem passa, no Canal Brasil, O bom marido (amanhã, 23h) e Terror e êxtase (seg., à 0h45), e que talvez hoje possam ser revistos como belos documentos do fim dos anos 1970, em parte porque neles o cinema triunfa sobre os ideários da época.

A OSTRA E O VENTOQuando: hoje, às 23h, no Canal Brasil

Folha de S.Paulo, 13-9-2003.

Título da resenha: sublinhe em amarelo

Referências sobre a obra: sublinhe em azul

Partes do texto que se referem ao resumo da obra: sublinhe em vermelho

Partes do texto que se referem ao conhecimento do autor sobre o assunto que está resenhando:

sublinhe em verde

Opinião do autor sobre a obra: sublinhe em preto

MLp1A2.indb 179 30/6/2010 14:09:57

Page 180: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6180

31. Discutam, em classe, alguns aspectos da resenha de Inácio Araújo:

a) A quantidade de informação que resume a obra é suficiente? Por quê?

b) Que aspectos positivos e negativos você identifica na resenha desse autor?

c) Poderia ser dado outro final para o texto? Seria conveniente? Por quê?

d) O leitor consegue identificar, nessa resenha, opiniões do autor e respeitá-las? Justifique.

32. Escolha, a seguir, um filme ou um programa de televisão de que tenha gos-tado. Elabore uma resenha crítica dele. Após o texto pronto e de acordo com as orientações do professor, troque-o com um colega seu. Peça a ele que identifique as partes que compõem uma resenha crítica. Faça o mesmo com o texto dele.

33. Preencha, então, o quadro a seguir, usando como base a resenha de seu amigo.

Ao elaborar uma rese-nha crítica, evite usar as expressões “acho que”, “penso que” e seme-lhantes. Substitua por “o texto afirma”, “o texto sugere que”, “o autor demonstra”, “encontra-se na obra”, “pode-se concluir”, etc. Embora se valorize a opinião pes-soal, essa deve aparecer como algo que surge da obra resenhada, não dos gostos e opiniões pesso-ais do resenhista.

A seguir, acrescente o seu nome ao texto, identificando que o seu trabalho consistiu na identificação das partes da resenha, e entregue ao seu professor. Se considerar apropriado, antes de entregar o texto, discuta com o seu colega possíveis mudanças para deixar o artigo melhor.

Referências sobre a obra: sublinhe em azul

Partes do texto que se referem ao resumo da obra:

sublinhe em vermelho

Partes do texto que se referem ao co-nhecimento do autor sobre o assunto que está resenhando:

sublinhe em verde

Opinião do autor sobre a obra: sublinhe em preto

Título da resenha: sublinhe em amarelo

a lItERatuRa REvElaNDo a IDENtIDaDE Do SER huMaNo E Da SoCIEDaDE

Os processos que levam uma sociedade a tornar legítimo um texto literário não são sempre iguais. Mas, ao considerar um texto como literário, essa socie-dade revela um pouco de sua identidade. Leia com atenção o texto a seguir. Procure captar, no sentido geral do texto, o que ele revela sobre a sociedade que o considera como literário.

MLp1A2.indb 180 30/6/2010 14:09:58

Page 181: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 181

MudançaNa planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado

o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.

Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.

Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.

– Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado,

depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.

A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.

– Anda, excomungado.O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar

alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.

Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.

Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na

“A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.”

Cena do filme Vidas secas.

MLp1A2.indb 181 30/6/2010 14:10:00

Page 182: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6182

bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.

E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra,

corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.

Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na caatinga. Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.

As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.

Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.

Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.

Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.

Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido.

“Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.”

Cena do filme Vidas secas.

MLp1A2.indb 182 30/6/2010 14:10:01

Page 183: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 183

Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fundo, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral. Trepou-se no mourão do canto, examinou a catinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um instante no copiar, fazendo tenção de hospedar ali a família. Mas chegando aos juazeiros, encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira.

Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo.

Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se:Uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum

tempo aguentando a claridade do sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.

Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.

Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.

Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo.

Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com segurança, esquecendo as rachaduras que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.

Sinhá Vitória remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de alecrim para fazer um espeto. Baleia, o ouvido atento, o traseiro em repouso e as pernas da frente erguidas, vigiava, aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do bicho e talvez o couro.

Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros – e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano.

“O coração de Fabiano bateu junto do coração de sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam.”

MLp1A2.indb 183 30/6/2010 14:10:02

Page 184: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6184

Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito da bolandeira de seu Tomás. Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de seu Tomás?

Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia chover.Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira.

Não sabia por quê, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A caatinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a caatinga ficaria toda verde.

Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna sacudia os xiquexiques e os mandacarus. Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na caatinga, uma ressurreição de garranchos e folhas secas.

Chegou. Pôs a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família. Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as raízes de

macambira, soprou-as, inchando as bochechas cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado, a barba ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no espeto de alecrim.

Eram todos felizes. Sinhá Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de sinhá Vitória provocaria a inveja das outras caboclas.

A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas, três, agora havia poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o morro.

A fazenda renasceria e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria dono daquele mundo.Os troços minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda de pederneira, o aió, a cuia de água e o baú

de folha pintada. A fogueira estalava. O preá chiava em cima das brasas.Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam à cara triste de sinhá Vitória. Os meninos se espojariam

na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A caatinga ficaria verde.Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com

paciência a hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2002.

“Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia chover.”

MLp1A2.indb 184 30/6/2010 14:10:09

Page 185: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 185

GRACILIANO RAMOS (1892-1953) – Trabalhou como jornalista e político. Foi preso em 1936, acusado de comunismo. Dessa experiência, escreve Memórias do cárcere. Seus textos fazem uma análise psicológica e sociológica da realidade brasileira.

Sobre Vidassecas: Mudança é o primeiro capítulo de Vidas secas, livro considerado uma

das principais obras de Graciliano Ramos. Originalmente, o escritor es-creveu alguns contos e, aos poucos, percebeu que tais contos poderiam ser reunidos e formar uma única história. Os capítulos do livro sugerem a passagem de um ano, ainda que se note o caráter independente dos capítulos, como se cada um fosse um conto separado dos demais. Além disso, permanecem as personagens e o espaço onde as histórias se passam.

O realismo de Vidas secas é crítico. O herói da obra é, ele mesmo, um problema: não aceita o mundo injusto em que vive, nem os outros ao seu redor, nem sequer a si mesmo. Sofre pelas distâncias que o separam do grupo e vive um constante conflito íntimo, revelando ao leitor as feridas que a vida em uma sociedade injusta produz no ser humano.

Graciliano Ramos.

34. Discuta, em classe, a sua compreensão de Mudança de Graciliano Ramos.

35. O texto a seguir está fora de ordem. Trata-se de um resumo do capítulo-conto de Graciliano Ramos. Reorganize-o de modo a fazer sentido, numerando em ordem crescente. No entanto, cuidado. Duas partes ficarão de fora, por não fazerem parte do resumo.

( ) Enquanto sai para buscar água, Fabiano pensa em seu Tomás da bolandeira, que fugira também com a seca.

( ) Fabiano relembra como foi que mataram o papagaio: andara procurando comida à toa quando sinhá Vitória tivera a ideia de matar o papagaio, com a justificativa de que, afinal, ele era mudo e inútil.

( ) A família sonha com dias melhores enquanto come o preá: sinhá Vitória ficaria bonita novamente, os meninos brincariam pelos arredores e a caatinga voltaria a ficar verde.

( ) Baleia traz um preá para o grupo. Mal daria para todos, mas reforçava a esperança de vida. Para a cachorra Baleia sobraria pouco mais do que os ossos, talvez o couro.

( ) Fabiano e sinhá Vitória avistam uma pequena nuvem, ficam olhando o céu esperançosos e abraçados.

( ) Desanimado com a caminhada, Fabiano abandona o menino mais velho. Em um primeiro mo-mento, lamenta; mas depois justifica-se, chamando-o de “excomungado”.

( ) O menino mais velho, cansado e com fome, passa mal e senta-se no chão. O pai tenta, ao seu modo, reanimá-lo. Mas nada parece funcionar.

( ) A família caminha devagar debaixo do sol, conversando sobre o passado. Há muita dor e sofri-mento no grupo, mas os comentários de sinhá Vitória estimulam Fabiano a não desistir.

( ) A família bebe da água que Fabiano encontrara, cavando a lama do rio seco.( ) A família encontra uma fazenda sem vida. Fabiano vai examiná-la enquanto a família tenta des-

cansar à sombra dos juazeiros.

MLp1A2.indb 185 30/6/2010 14:10:10

Page 186: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6186

Observe a reprodução a seguir, procurando encontrar nela características que definam os retirantes retratados.

Um grupo de retirantes encara o observador. Suas expressões parecem máscaras que transpa-recem uma dor imensa, escondendo a essência humana. São como marionetes de um destino de morte que nos olham interrogadoramente: “para onde vamos?”. A escolha das cores reforça o drama vivido, o mundo onde essas personagens se encontram não parece real, destacando o contraste com o mundo onde o quadro é admirado: dois mundos distintos aproximados e denunciados pela expressão artística.

Nós, que acabamos de ler Vidas secas, não podemos deixar de pensar também na proximidade entre essas duas obras clássicas da arte brasileira ao retratarem uma mesma cruel realidade geográfica, histórica e social.

36. Complete o quadro seguinte, comparando o texto verbal de Graciliano Ramos com o não verbal de Portinari. Procure encontrar semelhanças e diferenças.

PORTINARI, Cândido. Retirantes (1944). São Paulo: Museu de Arte de São Paulo.

Mudança em Vidassecas Retirantes

Representação do elemen-to masculino

O homem lidera (aparece em primeiro plano e olha direta-mente para o observador do quadro). Também o homem idoso, com os olhos muito grandes, pode representar a sabedoria, adquirida pela experiência.

MLp1A2.indb 186 30/6/2010 14:10:11

Page 187: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 187

37. Que visão da sociedade brasileira encontramos em Mudança, de Graciliano Ramos?

Representação do elemento feminino

A mulher vista como esposa, mãe, provisória e sábia. Pos-suidora de beleza física e inte-lectual.

Representação do elemento infantil

Vítimas inocentes são um estorvo para a caminhada.

Representação do elemento animal

Presença de animais de estima-ção, animais para alimentação e animais de rapina.

Representação da união

Apesar de toda a desgraça, os retirantes, aparentando ser uma família, estão uni-dos.

Os juazeiros verdes e a nuvem no céu (que pode significar chuva) representam uma futura melhora na situação.

Representação da morte

Urubus no céu e carcaças de animais mortos no chão. Além das cores escolhidas para a cena e da expressão das personagens.

uso da corPredominância de cores es-curas e frias, sugerindo uma ideia de morte, dor e luto.

Representação da espe-rança

Mudança em Vidassecas Retirantes

MLp1A2.indb 187 30/6/2010 14:10:12

Page 188: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6188

38. Complete o quadro sobre algumas diferenças e semelhanças encontradas entre Mudança, de Graciliano Ramos, e As pessoas sensíveis, de Sophia de Mello Breyner Andresen.

No entanto, nem todos os textos literários apresentam crítica social. Cecília Meireles, por exemplo, escreveu um lindo poema que você poderá ler na sequência e que foge da crítica social. Esse poema tem sido considerado literário e, da mesma forma que os outros textos lidos, revela um pouco da identidade da sociedade onde circula e do ser humano que o lê. Leia-o com atenção e tente identificar que visão do ser humano está presente no texto.

CançãoNunca eu tivera queridodizer palavra tão louca:bateu-me o vento na boca, e depois no teu ouvido.

Levou somente a palavra, deixou ficar o sentido.

O sentido está guardadono rosto com que te miro, neste perdido suspiro que te segue alucinado, no meu sorriso suspenso como um beijo malogrado.

Nunca ninguém viu ninguém que o amor pusesse tão triste. Essa tristeza não viste, e eu sei que ela se vê bem... Só se aquele mesmo vento fechou teus olhos, também...

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.

• Os dois textos fazem crítica social: o de Sofia preocupa-se com ; já o de Graciliano tem como temática o problema

.

• Ambos os textos podem ser considerados literários, pois

.

Semelhanças Diferenças

• Os dois textos apresentam formas diferentes: é escrito em verso e é escrito em prosa.

• O texto é narrativo, enquanto o outro, não.

MLp1A2.indb 188 30/6/2010 14:10:14

Page 189: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 189

CECÍLIA MEIRELES (1901-1964) – “Estreou em 1919 com Espectros, a que se seguem, pela década de 20, Nunca mais – Poema dos poemas e Baladas para El-Rei até que, bem mais tarde, publica Viagem com composições elaboradas entre 1922 e 1937. Desde o início, enfatiza seu sentimento de solidão e sonho de esperança no amor, mas sem jamais reconhecê-lo em comunhão mútua”.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade (1500-1960). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.

Cecília Meireles.

Suzy, ao ler o poema ficou encantada. Assim que chegou à sua casa, entrou na Internet e escreveu um e-mail para a sua amiga Carla.

39. Identifique, no poema de Cecília Meireles, o que leva Suzy a afirmar que “o poema mostra uma pessoa super dedicada que se entrega totalmente e não é correspondida”.

40. Redija o e-mail resposta da Carla para a Suzy, discutindo a sua compreensão do poema.

Carlota,

Achei massa o poema da Cecília Meireles. Lembrei de quando fiquei com o Júnior e eu disse que tava gostando dele, lembra? Pô, o cara foi super sacana comigo e ficou espalhando pá todo mundo que eu tava a finzona dele. Meu, tem cara que é cego mesmo.

Meu, mas eu escrevi para você foi para falar do poema. Gostei muito. Ele mostra uma pessoa super dedicada que se entrega totalmente e não é cor-respondida. Você não acha? Cara, isso é demais, tipo eu e o Júnior mesmo. Sabe que às vezes ainda penso nele? Pois é, Carlinha, “a gente semo assim mermo”... Ah! Mas, falando do poema: você sabe o que é um “beijo malogrado”? Não consegui entender muito bem essa parte. E que você achou do comentário do Castello na biografia? Meu, não entendi nada... Acho que não tem nada a ver...

Bjks

Su...

MLp1A2.indb 189 30/6/2010 14:10:15

Page 190: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6190

Ainda que tenhamos nossos gostos e preferências pessoais no que se refere aos diferentes gêneros que compõem a literatura, sempre é importante ampliar nossos horizontes, aprender a gostar de novos textos literários. Algo que facilita apreciarmos uma obra literária é compreendê-la bem. É mais fácil aprender a gostar do que entendemos. Por isso a obra literária representa um desafio: um contínuo esforço de interpretação.

Outro aspecto que se relaciona com esse é o da linguagem. Já comen-tamos a importância que alguns estudiosos, como Jakobson, atribuem à linguagem dentro do texto literário. Afirmam que nela reside a literariedade, aquilo que faz de um texto uma obra literária. De fato, compreender o uso da linguagem que o texto apresenta é uma forma de aumentar o nosso apreço por ele. Por isso, a seguir, vamos estudar como o uso do adjetivo por Graciliano Ramos, em Mudança, pode aumentar a nossa compreensão da literatura.

Como estudar a linguagem?

A Linguística é a ciência que estuda a linguagem. Os linguistas distinguem diversos campos de estudo dentro dessa ciência.

Fonética – estuda os sons da linguagem.Morfologia – estuda a formação e a estrutura das palavras (o que inclui as variações de pes-

soa, de masculino e feminino – gênero – e singular e plural – número, além do estudo de prefixos, sufixos).

Sintaxe – estuda as relações das palavras no interior de grupos de palavras e desses grupos no interior de frases.

Semântica – estuda o significado das palavras e das relações que essas palavras mantêm entre si.Pragmática – estuda como os textos constroem significado dentro de um contexto.Teorias de enunciação – estuda a relação dos enunciados de um texto com os interlocutores e

o tempo e o espaço em que tais enunciados são produzidos. Linguística textual – estuda o que faz com que um texto se torne uma unidade de sentido. Estilística – estuda o valor expressivo dos vocábulos e enunciados em um texto.

uM EStuDo Da lINguagEM: o aDjEtIvo EM VIDAS SECAS

A morfologia explica que há duas grandes classes básicas de palavras: os nomes e o verbo.

A classe do nome engloba todos os vocábulos que indicam seres, coisas, estados ou fenômenos e com eles estão relacionados: substantivo, adjetivo, artigo, pronome.

Ex.: A minha camiseta azul artigo pronome substantivo adjetivo

MLp1A2.indb 190 30/6/2010 14:10:16

Page 191: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 191

Observe a frase de abertura do texto Mudança de Graciliano Ramos:

• “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.”

Compare com outra tentativa de expressar a mesma mensagem:

• “Na planície os juazeiros alargavam duas manchas.”

41. Que diferença no sentido traz para o enunciado o uso dos adjetivos?

A classe do verbo indica as ações ou relações entre os seres, coisas, estados ou fenômenos a que se referem os nomes.

Ex: Paulo comprou uma camiseta azul. verbo

Além dessas duas classes, encontramos outras, como os advérbios, que representam as várias circunstâncias que se estabelecem entre os seres e as coisas.

As palavras “avermelhada” e “verdes” são adjetivos. O adjetivo “averme-lhada” está no feminino singular, concordando com o substantivo “planície”; já o adjetivo “verdes” está no feminino plural, concordando com o substantivo “manchas”.

42. O que podemos concluir sobre a flexão dos adjetivos em relação aos subs-tantivos a que se referem?

Adjetivo: palavra que caracteriza os seres, in-dicando-lhes caracte-rísticas (modos de ser, aspectos e aparências). Concorda em gênero e número com um substan-tivo explícito ou suben-tendido na frase.

Você lembra?

Alguns adjetivos são uniformes, ou seja, têm uma só forma para indicar o masculino e o feminino.homem inteligente → mulher inteligenteexercício fácil → prova fácil

Os adjetivos compostos formam o feminino variando apenas o segundo elemento.Plano socioeconômico → questão socioeconômicaExceção: surdo-mudo, no feminino, sofre alteração nos dois elementos:moço surdo-mudo → moça surda-muda

Os adjetivos compostos formam o plural variando apenas o segundo elemento.Planos socioeconômicos → questões socioeconômicasExceção 1: surdo-mudo permite duas formas de plural: surdo-mudos e surdos-mudos.

Atenção! O corretor do programa de computador Word costuma dar a forma surdo-mudos como erro, o que não é verdade.

MLp1A2.indb 191 30/6/2010 14:10:17

Page 192: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6192

Exceção 2: azul-marinho e azul-celeste são invariáveis.Blusas azul-marinho, paredes azul-celeste.

Exceção 3: os adjetivos compostos referentes a cores, cujo segundo elemento é um substan-tivo, são invariáveis.

Blusas verde-abacate, paredes amarelo-canário.

43. Após a leitura do quadro informativo sobre o adjetivo, Ângelo resolve um exercício sobre o assunto:

Passe para o plural os adjetivos compostos a seguir:

a) Intervenção médico-cirúrgica: intervenção médico-cirúrgicas

b) Caminho recém-aberto: caminhos recéns-abertos

c) Terno azul-claro: ternos azuis-claro

d) Relação nipo-brasileira: relações nipo-brasileiras

e) Blusa azul-piscina: blusas azuis-piscina

f) Menina surda-muda: meninas surdas-mudas

Auxilie Ângelo, corrigindo-lhe o exercício.

Leia, agora, a seguinte frase igualmente extraída do texto Mudança:

“Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.”

A expressão “do rio” pode ser, pelas regras da gramática, substituída pelo adjetivo “fluvial”. Mar-gem do rio seria a mesma coisa que margem fluvial. A expressão “do rio” é, portanto, uma locução adjetiva.

Locução adjetiva é a expressão com valor de adjetivo formada por preposição + substantivo. Encontramos diversas locuções adjetivas no texto Mudança.

Ex: baú de folha; fazenda sem vida; espingarda de pederneira.

Não seria possível substituir a locução adjetiva “de folha” por um adjetivo. Isso acontece porque nem sempre a língua tem um adjetivo que possa substituir a locução adjetiva.

MLp1A2.indb 192 30/6/2010 14:10:18

Page 193: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 193

Retornemos aos primeiros parágrafos de Mudança:

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.

Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. 44. Identifique e transcreva os adjetivos do trecho acima.

45. Reescreva as três primeiras frases do trecho que estamos estudando, substituindo os adjetivos bem como o substantivo “infelizes” por outros, de modo que se mantenha basicamente o mesmo sentido, mas que o estilo se aproxime de alguém afetado e superficial.

O conceito de estilo pressupõe a sinonímia, ou seja, podemos dizer coisas bem parecidas de modos bem diferentes, o que vai revelando a assinatura das características que definem um indivíduo ou grupo. O estilo de Graciliano Ramos é definido como formal, contundente, enxuto e direto. Essa assinatura do estilo, no entanto, ganha características peculiares em Vidas secas.

Qualquer palavra que normalmente funciona como adjetivo, como “infelizes”, é um subs-tantivo se precedida de um artigo que se refere especificamente a ela. Assim, em “os infelizes”, a palavra “infelizes” é um substantivo, não um adjetivo.

Caso diferente seria se estivesse escrito “os infe-lizes retirantes”, em que o artigo “os” faz referência direta a “retirantes” e não a “infelizes”. Nesse caso, a palavra “infelizes” continuaria sendo um adjetivo.

46. Sobre o uso do adjetivo, no trecho que estamos estudando, podemos afirmar que

I. O adjetivo “avermelhada” intensifica o rigor do clima.II. “Rio seco”, “galhos pelados” e “caatinga rala” caracterizam um espaço hostil aos viajantes.III. Os nomes dos migrantes foram substituídos por um adjetivo substantivado, “os infelizes”, contri-

buindo para polemizar a sua condição humana.IV. Os adjetivos usados pelo narrador reproduzem as palavras das personagens.

Estão corretas:

a) Somente I, III e IVb) Somente II, III e IVc) Somente I, III e IIId) Somente I e IIe) Somente II e III

MLp1A2.indb 193 30/6/2010 14:10:19

Page 194: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6194

47. Discutam oralmente: qual a importância do adjetivo dentro da economia do texto.

48. A seguir, temos um quadro descritivo das personagens Fabiano e sinhá Vitória. Complete-o utilizando apenas adjetivos que aparecem na narrativa e se referem a essas personagens no coletivo, como família, ou individualmente (ou ainda a partes de seu corpo).

49. Com base nessa lista de adjetivos, faça um desenho, uma montagem ou outra representação artística de uma dessas personagens. Depois, o seu professor orientará uma discussão coletiva sobre as rela-ções entre as características físicas e psicológicas encontradas nas personagens e o seu significado dentro da obra.

Fabiano Sinhá Vitória

• Cansado

• Faminto

• Cambaio

• Sombrio

• [coração] grosso

• Cansada

• Faminta

• [joelhos] ossudos

Característicasfísicas

Característicaspsicológicas

Característicasfísicas

Característicaspsicológicas

o aDjEtIvo E a CaRaCtERIzaÇÃo

Saber usar o adjetivo tem extraordinária importância na hora de escrever. Usado de forma trivial, torna-se um clichê que nada acrescenta ao sentido. Em excesso, deixa o texto afetado e excessivamente lento. Sua ausência torna o texto frio, impessoal, próximo de um estilo científico. Aprender a usar o adjetivo, na hora de escrever, é um desafio para qualquer grande escritor. Antes de tudo, devemos pensar que efeito de sentido gostaríamos de construir com o nosso leitor para, depois, pensar em qual adjetivo é mais adequado a esse fim. Vejamos uma situação prática:

Inicialmente, observe:

Frase 1: Ângela é loira.

Frase 2: Ângela é linda.

MLp1A2.indb 194 30/6/2010 14:10:23

Page 195: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 195

50. As duas frases apresentam a mesma estrutura, e ambas atribuem uma característica a Ângela. No entanto, em qual delas o locutor foi menos objetivo? Justifique.

Tradicionalmente, os gramáticos dividem os adjetivos em objetivos e subjetivos.

Adjetivos objetivos: atribuem características que descrevem o mundo, que se podem considerar como verdadeiras ou falsas sem contestação.

Exemplo: a janela é quadrada.Adjetivos subjetivos: atribuem características que determinam uma reação emocional do sujeito

falante, supondo uma avaliação diante do objeto que se caracteriza. Considerar tais afirmações como verdadeiras ou falsas depende de um ponto de vista.

Exemplo: a janela é magnífica.

Marta pede a Célia que a ajude a arrumar as roupas no guarda-roupa. A certa altura, entre muitas blusas, camise-tas e outras peças de roupa, Marta se dirige a Célia e diz

Situação 1:

– Célia, passe para mim as blusas azuis.

Situação 2:

– Célia, passe para mim as blusas bonitas.

Os adjetivos objetivos permitem a classificação dos objetos.

Denominamos referenciação as diferentes formas que encontramos no texto de introduzir novos referentes. Tais referentes não espelham diretamente o mundo real, não traduzem diretamente aquilo que encontramos no mundo. Antes, são construídos e reconstruídos, com maior ou menos subjetividade, a nossa percep-ção do mundo, nossas crenças, atitudes e objetivos de comunicação.

O indivíduo opera sobre o material linguístico de que dispõe (o que reforça a importância da ampliarmos constante-mente o conhecimento enciclopédico) e opera escolhas que considera significati-vas para representar o mundo de acordo com a sua proposta de sentido, ou seja, em relação àquilo que quer fazer.

Observe as situações a seguir.

MLp1A2.indb 195 30/6/2010 14:10:25

Page 196: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6196

51. Em qual das duas situações Célia terá mais dificuldades para compreender Marta? Por quê?

Os adjetivos subjetivos necessitam de um contexto mais elaborado para serem compreendidos, em-bora nem sempre sejam aceitos.

Os adjetivos objetivos são empregados de modo classificador, ou seja, para destacar, no objeto que se caracteriza, elementos delimitáveis, portadores de informação, que permitem constituir subconjuntos em um conjunto de objetos ou seres. A expressão as meninas loiras indica um subconjunto circunscrito no conjunto de todas as meninas.

Já os adjetivos subjetivos são empregados de modo avaliativo, ou seja, para destacar uma impressão a respeito do objeto que se caracteriza. Nesse caso, o adjetivo se liga mais fortemente ao contexto. Em as meninas elegantes, revela-se um ponto de vista de quem se expressa, mas nem todos irão concordar com essa opinião.

52. Ao escrever um texto, em qual dos dois casos o locutor deve conseguir justificar melhor a sua escolha: no emprego classificador ou avaliativo do adjetivo? Por quê?

53. Retorne à lista de adjetivos que caracterizam Fabiano e sinhá Vitória. Graciliano Ramos empregou mais adjetivos objetivos ou subjetivos? Comprove sua afirmação.

Na capa de livro reproduzida a seguir, identifique o(s) adjetivo(s) subjetivo(s).

MLp1A2.indb 196 30/6/2010 14:10:28

Page 197: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 197

54. A que finalidade se presta(m) esse(s) adjetivo(s) dentro do texto?

A escolha de um adjetivo na hora de escrever um texto deve ser muito bem pensada para que consi-gamos atingir a finalidade desejada, em especial ao pensarmos os adjetivos subjetivos. A reação do leitor poderá ser de concordância, se ele se enquadrar na imagem dele que o texto constrói; ou de discordância, se essa imagem parecer-lhe equivocada.

Leia com atenção o artigo de revista a seguir. Todo ele está baseado na dificuldade de o locutor en-contrar um adjetivo.

55. Por que o autor sente dificuldades em encontrar um adjetivo apropriado para classificar Max?

56. Os adjetivos empregados para “classificar” Max são objetivos ou subjetivos? O que isso revela sobre a proposta de sentido do texto?

Em busca de um adjetivoA tentação de arranjar um adjetivo para classificar o feirante Maximiano Matias Marques de Oliveira,

18, é grande. Mas tudo parece pouco. “Precoce” não diz o suficiente para falar de um jovem que trabalha desde os 13, perdeu a virgindade aos 15, foi pai aos 16 e vai ser de novo daqui a seis meses.

“Enquanto tiver braços para trabalhar, vou lutar para dar um futuro bom para os meus filhos”, diz Max, como se tivesse 60 anos. Ele explica que não mora com a mãe das crianças porque não “topa” a família dela.

Chamar Max de “carente” é banalizar sua situação: ele não tem mãe, nunca se deu com o pai e mesmo assim mora com ele e três irmãos em uma casa de dois quartos no Grajaú, zona sul. “Minha mãe foi quem nos ensinou a trabalhar. Se não fosse ela, a gente seria vagabundo”, diz.

“Desfavorecido” soa demagógico quando se emprega em relação a um rapaz que acorda às 3h30 todo dia, inclusive domingo, ganha R$ 700 e não tem opção de lazer. “Pobre não se diverte, descansa. A gente deita e dorme”, diz.

Pela acidez das respostas, muitos pensariam em classificar Max de “revoltado”. “Eu conheço gente que mora no barro e frequenta shopping. Eu não vou. Só se for para levar fora das metidas!”

Na porta da escola, que fica em uma rua de terra e é cercada por um muro pichado com homenagens a jovens mortos na região, o feirante explica que está no segundo ano do ensino médio e pretende estudar administração. “Mas isso só mais pra frente.”

Revista da Folha, 24-8-2003.

MLp1A2.indb 197 30/6/2010 14:10:29

Page 198: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6198

57. Baseando-se nos adjetivos empregados de modo classificador no último parágrafo, que impressão de sentido construímos, nós, leitores, sobre a instituição de ensino onde Max recebe a sua formação?

58. Siga a estrutura do artigo Em busca de um adjetivo, para elaborar, em seu caderno, um texto semelhante sobre de uma das personagens de Vidas secas, de Graciliano Ramos. Ao término, reúna-se com um colega e discutam o emprego dos adjetivos no texto de cada um, procurando melhorar os artigos antes de entregá-los para o professor.

Saber usar o adjetivo em um texto é parte das habilidades que o escritor deve desenvolver. Na resenha crítica a seguir, os adjetivos não foram usados da melhor maneira. Observe:

O fantástico encanto do emocionante pastelão cinematográfico

Antes do refinamento estético e artístico de Fale com ela (2002), o sensacional Pedro Almodóvar experimentou as intrigantes inquietudes e as emoções espalhafatosas. Nessa evidente diferença de estilo cinematográfico, não deixou de ser claro do mesmo modo ao tratar do irremediavelmente humano do homem. Em Mulheres à beira de um ataque de vervos (1988, excepcional distribuição da Fox), o diretor espanhol faz comédia engraçada de primeira linha com o triste drama de personagens espanholas, femininas e excelsas. Loucas por Iván (Fernando Guillén) estão Pepa (Carmen Maura), a amante recém-abandonada e triste; Lucia (Julieta Serrano), a mulher feminina internada numa clínica psiquiátrica; e a rutilante Paulina Morales

(Kiti Manver), a nova, recente e fecunda aventura amorosa. Paralelo a isso, há o problema hediondo e tenebroso de Candela (Maria Barranco), apavorada com a exigente polícia depois de descobrir que se envolveu com um malvado terrorista xiita. No doméstico encontro dessas mulheres na bela casa de Pepa, Almodóvar cria o encanto do pastelão engraçado e do absurdo inacreditável – o inusitado a redimir todos os erros. O percurso de Pepa soa como um dos discursos sensíveis do cineasta espanhol; e o diálogo conversante da cena final e última, como uma conclusão final bem-humorada de uma festiva apologia dos sentimentos humanos. O fecundo DVD também faz parte de uma caixa quadrada de papelão que contém outros quatro filmes espanhóis de Almodóvar: Ata-me, Carne trêmula, Tudo sobre minha mãe, e Fale com ela.

Adaptado de PONCIANO, Helio. In: Bravo! ano 7. São Paulo: Dávila, nov. 2003.

59. O seu trabalho é retirar do texto apenas os adjetivos desnecessários, que nada ou quase nada dizem para a boa compreensão da resenha. Antes de “cortar” um adjetivo, encontre uma explicação para isso. O professor orientará a discussão oral da classe.

MLp1A2.indb 198 30/6/2010 14:10:33

Page 199: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 199

o gRau DoS aDjEtIvoS Observe a frase:

O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.

Compare com

O menino velho e a cachorra Baleia iam atrás.

60. Que diferenças você consegue encontrar entre as duas frases?

Os adjetivos podem variar em gênero (masculino e feminino) e número (singular e plural), sempre de acordo com o substantivo a que se referem. Podem também variar em grau. A expressão “mais velho” sugere que há um outro menino “mais novo”. O adjetivo está sendo usado para comparar dois elementos. Neste caso, dois meninos.

o GRAu DoS ADJEtIVoS

Você lembra?

O grau nos adjetivos permite exprimir quantidade e intensidade. Os graus do adjetivo são o comparativo (quando se comparam dois elementos entre si) e o superlativo (quando se destaca um elemento dentre todos os demais).

Comparativo:

• de igualdade: esta atividade é tão fácil quanto (ou como) a anterior.• de superioridade: esta atividade é mais fácil (do) que a anterior.• de inferioridade: esta atividade é menos fácil (do) que a anterior.

Superlativo:

• relativo: comparando todos os seres que apresentam a mesma característica, um sobressai por tê-la em maior ou menor grau.

– de superioridade: esta atividade é a mais fácil de todas. – de inferioridade: esta atividade é a menos fácil de todas.• absoluto: um ser apresenta determinada característica em um elevado grau. – analítico: esta atividade é muito (bastante, incrivelmente, ...) fácil. – sintético: esta atividade é facílima.

Os adjetivos bom, mau, grande, e pequeno formam o comparativo e o superlativo de modo especial. Com a ajuda do professor, complete o quadro seguinte.

Bom Mau Grande Pequeno

Comparativo de su-perioridade

melhor maior

Superlativo abso-luto

péssimo mínimo

Superlativo relativo o melhor o maior

MLp1A2.indb 199 30/6/2010 14:10:34

Page 200: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6200

O artigo continuava com uma lista das melhores docerias nas principais cidades brasileiras, de acordo com a opinião dos júris da Veja.

61. Identifique os adjetivos no texto da revista Veja e classifique o grau a que pertencem.

Leia o texto a seguir.

Os doces mais gostosos do Brasil

Circulam nesta semana as edições especiais de VEJA sobre o melhor da

gastronomia em São Paulo e Belo Horizonte. Na próxima, sai O melhor de Porto

Alegre. Conheça as casas eleitas por júris de convidados nessas e em outras cidades

no quesito melhor doce.

Veja. São Paulo: Abril, 17-9-2003.

Estratégias de referenciação

Na construção de referentes, em um texto, surgem as seguintes estratégias de referenciação:

Introdução ou construção: um “objeto de discurso” não mencionado anteriormente é introduzido no texto, ganhando relevo na proposta de sentido do texto.

Retomada ou manutenção: um “objeto de discurso” já presente no texto é reativado por meio de uma forma referencial, o que permite mantê-lo no foco.

Desfocalização: um novo “objeto de discurso é introduzido no texto”, passando a ocupar a posição central e desfocando um outro “objeto de dis-curso”.

Observe o texto seguinte:

“Fabiano e Sinhá Vitória representam uma triste realidade nordestina. Eles simbolizam a desumanização a que se sujeitam alguns em situações carentes de dignidade humana. Considerar o outro ser humano como digno de sua condição humana é o melhor que podemos dar a nosso próximo.”

62. Sublinhe, com traço simples, a introdução da estratégia de referenciação; com traço duplo, a retomada desse termo; e, com tracejado, a desfocalização.

63. Em dado momento, em Mudança, de Graciliano Ramos, a família de Fabiano imagina-se vivendo dias melhores:

“Eram todos felizes. Sinhá Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de sinhá Vitória provo-caria a inveja das outras caboclas.”

MLp1A2.indb 200 30/6/2010 14:10:38

Page 201: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 201

a) Elabore uma frase usando o adjetivo mau, comparando a sinhá Vitória real com aquela que Fabiano sonha. (Utilize o grau comparativo.)

b) Elabore uma frase que faça referência à família sonhada por Fabiano, usando o grau superlativo absoluto.

64. Em sua opinião, o estudo do adjetivo permite que apreciemos melhor quais aspectos do texto de Gra-ciliano Ramos? Por quê?

o NoRDEStE, o aDjEtIvo E joSÉ lINS Do REgoUm outro escritor que se preocupou com o Nordeste foi José Lins do Rego. Sua visão e estilo, no

entanto, embora também valorizem o sofrimento do povo nordestino, são muito diferentes do que encon-tramos em Graciliano Ramos. Verifique algumas semelhanças e diferenças na leitura da crônica de José Lins do Rego apresentada a seguir.

adeus, doce FrançaVolto hoje às minhas criaturas, aos rudes homens do cangaço, às mulheres,

aos sertanejos castigados, às terras tostadas de sol e tintas de sangue, ao mundo fabuloso do meu romance, já no meio do caminho.

Os dias de França me deram uma sensação de pausa, de espanto, de novos contactos sonhados desde menino. Vi terras por onde andaram os doze pares de França, os heróis do meu Carlos Magno, lido e relido como história de Trancoso. Vi terras do sul, o mar Mediterrâneo, o mar da história, o mar dos gregos, dos egípcios, dos fenícios, dos romanos. Mas o nordestino tinha que voltar à sua realidade, à realidade maior que a história do mundo, isto é, à história dos seus homens, dos cangaceiros brutais, carregados de vida bárbara, de instintos cruéis de uma força, porém, que não se extingue nunca, porque é a energia de uma raça de homens mais duros do que as pedras dos seus lajedos.

Volto aos “Cangaceiros” e desde logo tudo o que vi e senti se refugia no fundo da sensibilidade, para que a narrativa corra, como em leito de rio que a estiagem secara, mas que as águas novas enchem, outra vez, de correntezas.

Volto ao terrível Aparício que mata igual a um flagelo de Deus, ao monstruoso Negro Vicente, ao triste Bentinho, ao místico Domício, aos umbuzeiros carregados de frutos, aos mandacarus de floração de sangue, aos cantadores de estrada, às mulheres sofredoras, às noites de lua, aos tiroteios, ao crime e ao amor, à poesia barbaresca e vigorosa de um povo que é maior do que a terra que o criou.

Volto contente e disposto a tudo.Adeus, doce França. Agora os espinhos me arranham o corpo e as tristezas me cortam a alma.

VáRIOS AUTORES. O melhor da crônica brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.

MLp1A2.indb 201 30/6/2010 14:10:39

Page 202: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6202

66. A oposição do autor não é entre França e Brasil, mas entre França e Nordeste. O que essa escolha permite destacar do ponto de vista do cronista sobre a realidade brasileira?

67. No primeiro parágrafo, o cronista fala dos “sertanejos castigados”. O uso desse adjetivo é apropriado? Recorra ao exemplo de Fabiano, de Vidas secas, para provar a sua resposta.

68. No segundo parágrafo, o cronista se denomina “o nordestino”. No entanto ele não se descreve a si mesmo, mas aos cangaceiros. Essa diferença entre o cronista e o rude cangaceiro faz referência a um fato de sua biografia. Qual?

69. No quarto parágrafo, o autor faz uso de um adjetivo no grau comparativo de superioridade. Identifique o trecho. Qual a importância dessa afirmação dentro do texto?

Douce France (Doce Fran-ça): também o nome de uma música francesa de sucesso, principalmente na época de composição da crônica, composta em 1947, por Charles Trenet.

JOSÉ LINS DO REGO Cavalcanti (1901-1957) – Nasceu na Paraíba, criado no engenho de propriedade do avô materno, formou-se em Direito, no Recife. Conheceu grandes intelectuais da época que influenciaram a sua obra, inclusive Graciliano Ramos. Seu primeiro livro, Menino de engenho, que você poderá encontrar na biblioteca de sua escola, foi publicado em 1932 e atingiu enorme repercussão, abrindo caminho para uma série de obras de grande importância em nossa literatura. Seu texto é repleto de poesia e de uma linguagem cheia de vocábulos regionais. Neto de um poderoso senhor de engenho, José Lins do Rego conviveu com essa transição econô-mica e cultural por toda a sua juventude. Em seus textos, encontramos um tom confessionalista biográfico.

65. O cronista volta de uma viagem à França, país a que atribui o adjetivo “doce”. Examine o texto com atenção. Que diferença faz, dentro do texto, o uso do adjetivo no título da crônica? Por que não apenas “Adeus, França”? (Observe, por exemplo, os adjetivos destacados logo no primeiro parágrafo.)

MLp1A2.indb 202 30/6/2010 14:10:40

Page 203: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 203

Como pode observar, o adjetivo permite que o escritor dirija a atenção do leitor a pontos que deseja destacar sobre o assunto tratado. O seu uso aproxi-ma o leitor do ponto de vista do autor. Na resenha a seguir, o autor quase não usa adjetivos. Com isso, o texto perde muito de sua vibração e não atinge tão facilmente ao leitor. Comprove:

70. A biografia de José Lins do Rego afirma que “seu texto é repleto de poesia”. Encontre uma passagem da crônica que justifique essa afirmação e explique-a em suas palavras.

71. Seguindo o exemplo do primeiro parágrafo, listem, em classe, alguns dos adjetivos encontrados na crônica e discutam qual a importância do adjetivo no texto de José Lins do Rego. Sob a supervisão do professor, a classe irá elaborar um texto-síntese que será escrito no caderno.

Mundo

Banda jarabe de palo unifica ritmos re-gionais com música pop

Inimiga das ruminações e de musicalidades, a banda Jarabe

de Palo chega ao quarto CD totalmente devotado à celebração.

São 15 canções nos estilos. En Conexión tem um guitarra

devedora dos riffs de Carlos Santana. Corazón, com participação

da cantora Elena Andujar, tem acento. Las cruces de Tijuana

vem em ritmo de ranchera, lembrando as canções de Los Rodriguez. Os ritmos estão na Cambia La

Piel. A canção, com sua guitarra e baixo básicos, surge em No Sé Estar Enamorado, estrutura musical

para receber, no meio, um trecho de punk rock agradavelmente pasteurizado. E Aún Me Toca é um ska

com acentos de brega brasileiro. Mas esta miscelânea tem unidade. É pop rock com acento, mas sem

soar. Como afirma o líder, Pau Donés, eles praticam o estilo “jarabesco”, e se esforçam para “transmitir

otimismo e vitalidade”. Ideal na canção-título Bonito, versão naiv da enunciação schopenhaueriana do

MLp1A2.indb 203 30/6/2010 14:10:42

Page 204: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6204

mundo como nossa vontade e representação: “Bonito, tudo me parece bonito./ Bonita a paz, bonita a

vida/ Bonito voltar a nascer cada dia/ Que bonito te vai tudo,/Quanto te vai tudo bonito”. Simplicidade

para os tristes.

Adaptado de Bravo! ano 7. São Paulo: Dávila. nov. 2003, p. 41.

72. Identifique em que lugares faz falta um (ou mais) adjetivo(s). Encontre, sempre que possível, o melhor adjetivo para que o texto faça sentido e incentive o leitor a ouvir o CD dos Jarabe de Palo. A classe discutirá as diferentes escolhas feitas.

hIStóRIa CRítICa Da aRtE E Da lItERatuRa gRECo-latINaS

A literatura em língua portuguesa deve muito à antiga cultura greco- -latina.

Para muitos estudiosos, a arte nasce da magia presente nas sociedades pri-mitivas: rezas, pinturas sagradas, encantamentos, amuletos, cânticos religiosos e de guerra seriam a origem da poesia e da arte. Esses textos não têm a marca da individualidade, ou seja, não são considerados como criação de uma pessoa. São a expressão poética anônima e destinada à comunidade, exprimindo as ideias e os sentimentos daquele grupo. Assim é que também nasce a arte grega. Os primitivos gregos usavam pedras e troncos de árvores na adoração do que constituem as primeiras manifestações artísticas. Aos poucos, desenvolveram uma notável estrutura artística e cultural que se tornou a base para toda a arte e cultura ocidentais.

Os romanos, embora conquistadores, impressionaram-se com a cultura grega. De fato, podemos dizer que a literatura escrita romana nasceu princi-palmente a partir da tradução de A Odisseia para o latim. Após a conquista da Grécia (século III a.C.), que foi reduzida a província romana, a religião antiga e simples dos romanos caiu no esquecimento, sendo substituída pela mito-logia grega, que era mais atraente. As divindades gregas foram identificadas com os deuses de Roma, e os mitos de uma religião passaram para a outra. Todos os romanos cultos desse período escreviam e falavam grego. Isso não significa que os romanos simplesmente copiaram os gregos. Antes, houve um sincretismo cultural, uma assimilação criadora da cultura grega, com a visão de mundo romana. A influência do pensamento grego continua até hoje na civilização ocidental.

Desde a Idade do Bronze, no mínimo, os aedos – po-etas-cantores itinerantes – cantavam ou declama-vam, em versos, aventuras heroicas e lendas da mito-logia grega para os ricos aristocratas dos palácios. Em geral, a declamação era acompanhada da músi-ca da lira ou de algum outro instrumento musical.

Ânfora. Cantor declamador com uma cítara (aprox. 490 a.C.). Nova Iorque: The Met-ropolitan Museum of Art.

73.Elabore uma resenha crítica sobre o capítulo Mudança de Vidas secas. Na redação, procure atingir dois objetivos:

– o melhor emprego possível dos adjetivos, de acordo com os objetivos do texto;

– fidelidade ao gênero pedido.

Antes de entregá-la ao professor, discuta com um colega até que ponto você conseguiu atingir esses objetivos.

MLp1A2.indb 204 30/6/2010 14:10:43

Page 205: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 205

EsculturaA escultura grega representa os mais altos padrões já atingidos pelo homem.

Inicialmente apareceram esculturas simétricas, em rigorosa posição frontal, com o peso do corpo igualmente distribuído sobre as duas pernas. Esse tipo de estátua foi chamado Koûros (em grego: homem jovem).

A seguir, passou-se a procurar o movimento nas estátuas. Elas adquiriram, além do equilíbrio e perfeição das formas, a impressão de estarem se movendo. Para isso, começaram a usar o bronze, que era mais resistente do que o már-more, podendo fixar o movimento, sem se quebrar.

Finalmente, a escultura passou a se preocupar não apenas com a idade e a personalidade, mas também com as emoções e o estado de espírito de um determinado momento vivido pelo indivíduo. Além disso, os gregos passaram a esculpir grupos de figuras que mantinham a sugestão de mobilidade e beleza de qualquer ângulo pelo qual fossem observadas.

Uma das esculturas gregas mais famosas é a da deusa Vênus, que pode ser vista, atualmente, no Museu do Louvre, na França. É chamada Vênus de Milo e mede 1,98 m. Foi encontrada durante o século II a.C., na ilha de Milos, no Mar Egeu. Observe como a obra contrasta a delicadeza da forma feminina com a textura pesada do manto.

Exemplo de koûros (c. 600 a.C.). Nova Iorque: Metro-politan Museum of Art.

74. A estátua já teve braços, mas não se sabe ao certo em que posição. Observe também como ela se contorce. Certamente não é fácil uma pessoa manter-se nessa posição. Repare também no manto. Como podemos interpretar essa postura?

Vênus de Milo (c.100 a.C.). Paris: Museu do Louvre.

MLp1A2.indb 205 30/6/2010 14:10:45

Page 206: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6206

75. Compare, agora, a expressão facial com a postura do corpo. Há contraste ou harmonia? Que interpre-tação podemos fazer sobre essa Vênus?

pinturaA pintura grega encontra-se, principalmente, na arte cerâmica. Os vasos gregos apresentam deli-

cada harmonia em sua forma, desenho, cores e o espaço utilizado para a ornamentação. Além de servir para rituais religiosos, esses vasos eram usados no cotidiano. Era, portanto, uma expressão artística funcional.

Ânfora ateniense (séc. V a.C.) representando cena da Odisseia. Londres: Museu Britânico.

“A arte da representação da figura humana no mundo antigo começa e termina com a ‘fron-talidade’ (...). O curso desta evolução inicia-se com a subordinação da arte ao culto religioso, pas-sando pelo reinado da autonomia e do esteticismo, e termina com uma nova forma de dependência espiritual.”

HAUSER, A. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1972.

A pintura grega se divide em três grupos:

1. figuras negras sobre fundo vermelho;

2. figuras vermelhas sobre fundo negro;

3. figuras vermelhas sobre fundo branco.

Para os romanos, no entanto, a pintura é uma expressão cultural das mais importantes. Representavam-se, por meio de pinturas, os acontecimentos que as pessoas considera-

vam memoráveis, sem preocupações estéticas. A pintura romana era mais uma forma de ilustrar e

documentar os acontecimentos vividos.

Com a popularização do cristianismo em Roma, a pintura passou a ser a expressão dos interesses con-

siderados cristãos, servindo como forma de educar e catequizar o pensamento dos fiéis.

MLp1A2.indb 206 30/6/2010 14:10:46

Page 207: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 207

arquitetura Os principais monumentos da arquitetura grega são os templos, dos quais

o mais importante é o Partenon de Atenas, e os teatros.

O Partenon de Atenas.

Pesadas colunas sustentavam um entablamento horizontal. As colunas e entablamento eram construí-dos segundo os modelos das ordens dórica, jônica e coríntia.

– Ordem dórica: era sim-ples e maciça. O fuste, parte principal da coluna, era mono-lítico e grosso. O capitel, parte superior da coluna, era uma almofada de pedra. Representa o masculino e o pensamento.

– Ordem jônica: apresenta-va fuste mais delgado e firmava-se sobre uma base decorada. Representava a graça e o femi-nino.

– Ordem coríntia: o capitel era formado com folhas de acanto e quatro espirais simé-tricas. Representava o luxo e a ostentação.

Coluna dórica. Coluna coríntia.Coluna jônica.

Teatro de Epidauro, construído, no séc. IV a.C., ao ar livre.

76. As colunas dórica e jônica procuravam abranger a completude homem/mulher, mas também, ao mesmo tempo, reforçavam um modo de ver o mundo: o de que o pensamento pertence ao gênero masculino e a graciosidade ao gênero feminino. Esse pensamento ainda domina na sociedade nos dias de hoje? Por quê?

MLp1A2.indb 207 30/6/2010 14:10:53

Page 208: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6208

literaturaOs gregos antigos tiveram grande facilidade em inventar histórias fabulosas que, antes do progresso

do pensamento científico, serviram para explicar as origens dos fenômenos naturais e do comportamento humano.

Mito: (do grego mÿthos = fábula, narração) narrati-vas fantásticas dos atos de seres sobrenaturais e que explicam, de ma-neira religiosa, poética ou mágica os fenômenos básicos da vida humana em face da natureza, da divindade ou do próprio homem.

Aos poucos desenvolveram-se três gêneros poéticos: a poesia heroica ou épica (que abordava as lutas pela conquista de novas terras), a poesia telúrica ou didática (que se preocupava em ensinar como cultivar a terra) e a poesia lírica (que expressava emoções e sentimentos do indivíduo em relação ao plano divino e, mais tarde, também humano). Ao mesmo tempo, gradativamente, desenvolveu-se uma poesia própria ao gosto e à vida da elite.

Os mais antigos poemas da Grécia que chegaram aos nossos dias são as epopeias de Homero – Ilíada e Odisseia. Sobre Homero, tudo o que sabemos se origina de lendas, e nem sequer há certeza de que ele tenha realmente existido. Compostas provavelmente durante o século VIII a.C., as epopeias de Homero representam a culminância de séculos de poesia oral. Composições desse tipo, em versos, foram criadas antes da invenção da escrita e conservadas graças à memória e ao trabalho de incontáveis gerações de poetas-cantores, os aedos.

A poesia grega não era o que, em geral, hoje, chamamos de “poesia”. Não havia rimas e sim uma estruturação do verso em sílabas longas e breves, de tal modo que a declamação adquiria uma musicalidade muito própria à língua grega. Os versos eram sempre acompanhados de música. A própria palavra lírica, que até hoje usamos, origina-se da lira, instrumento com o qual os aedos entoavam os seus poemas.

A Ilíada e a Odisseia são poemas épicos que tomam como referência a Guerra de Troia, uma antiga cidade do litoral da Ásia.

N

O L

S0 72 km

Mapa da região da Grécia, assinalando Atenas, Esparta e Troia.

MLp1A2.indb 208 30/6/2010 14:10:55

Page 209: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 209

a lenda da guerra de troiaÉcuba, esposa do rei de Troia, no último dia da gestação de Páris, teve um pesadelo.

O profeta Ésaco interpreta que Páris será a causa de desgraça dos troianos. Para afugentar tal agouro, seus pais decidem abandonar o recém-nascido no alto do Monte Ida, para que morra. No entanto, o bebê é salvo por pastores. Adulto, Páris desconhece a sua origem. Certo dia, zeus o designa juiz de uma disputa envolvendo três deusas: Afrodite (deusa do amor), Atená (deusa da sabedoria) e Hera (deusa esposa de zeus). Aparecera um pomo de ouro com a inscrição “À mais bela”. Páris deveria escolher qual das três deusas mereceria o presente. As deusas procuram corromper o julgamento de Páris oferecendo-lhe presentes: Hera oferece a ele poder; Atená, a sabedoria; Afrodite, a posse da mulher mais bonita do mundo. Páris decide-se por Afrodite. Algum tempo depois, o jovem vai a Troia participar de um torneio em honra da memória do filho de Écuba, considerado morto. O seu objetivo era, na verdade, recuperar um touro que os servos de Príamo haviam roubado dos pastores de Ida. É reconhecido pela irmã, Cassandra, profetisa que vê no jovem a causa da desgraça de Troia.

Apesar de todos os indícios, Páris reconquista o seu lugar como príncipe troiano. Afrodite, para manter a sua promessa, induz o jovem a viajar para Esparta a fim de que conheça Helena, a mulher mais bonita do mundo e esposa de Menelau, rei de Esparta. A deusa do amor faz com que Páris e Helena se apaixonem. Aproveitando uma ausência do marido, Páris e Helena fogem para Troia. Assim começa uma guerra que se arrastará por dez anos e que significará a destruição completa de Troia nas mãos de Menelau.

A vitória na guerra de Troia foi uma estratégia militar das mais inventivas. Troia era uma cidade murada, e entrar nela parecia impossível. Sem entrar na cidade, os espartanos jamais ganhariam a guerra. Menelau e seu exército fingem desistir e dão a guerra por terminada. Aparentemente a vitória foi dos troianos. Quando os habitantes de Troia chegam ao litoral para confirmar, deparam-se com um colossal cavalo de madeira sobre rodas. Um espartano chora ao lado e afirma que os exércitos gregos pensavam oferecer aquele cavalo a Hera, mas que agora nada mais fazia sentido. Os troianos resolvem, então, oferecer aquela estátua a Afrodite. Introduzem o cavalo na cidade e celebram a vitória. Quando já estão todos bêbados ou dormindo, os soldados gregos saem de dentro do cavalo, incendeiam e aniquilam Troia.

A Ilíada trata dos dez anos de guerra que os gregos moveram contra os troianos, para se vingarem do rapto da bela Helena. A aventura, no entanto, continua em Odisseia. Nessa obra, Homero nos relata o retorno de Ulisses (chamado de Odisseu, pelos gregos), com o fim da guerra de Troia, em dez anos de viagens e aventuras até chegar a seu reino em Ítaca e reencontrar a fiel esposa Penélope. Séculos depois, um romano, Virgílio, escreverá a Eneida. Nesse poema épico, os fugitivos de Troia fundaram uma colônia que, mais tarde, tornar-se-ia Roma. Nessa versão, os romanos seriam descendentes diretos dos troianos. Isso explica por que a deusa Vênus (para os romanos; Afrodite, para os gregos) favorece sempre os romanos e seus descendentes, enquanto Juno (Hera) e Minerva (Atenas) defendem os interesses dos gregos.

MLp1A2.indb 209 30/6/2010 14:10:57

Page 210: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6210

A EneidaProvavelmente os gregos colonizados e levados a Roma fizeram com que

seus senhores acreditassem ser descendentes de algum dos heróis de a Ilíada e criaram a lenda de Eneias, o fugitivo troiano fundador de Roma e celebrado na Eneida de Virgílio. Essa lenda era zelosamente acreditada e defendida pelos romanos.

Resumo de Eneida

Mapa das regiões onde se desenvolve a Eneida.

A narrativa começa no meio dos acontecimentos. Eneias e os demais fugitivos já partiram há muito de Troia. Saindo da Sicília, são atingidos por violenta tempestade, provocada a pedido de Juno. Netuno acalma os mares. Os navios são desviados para as praias do norte da áfrica. Vênus intercede pelos troianos, que chegam a Cartago, sendo acolhidos pela rainha Dido. A pedido de Dido, Eneias relata a história da Guerra de Troia, bem como as peripécias da viagem até aquele momento. É assim que o leitor fica sabendo do que ocorreu antes da tempestade, como Eneias e os demais, corajosamente,

Virgílio, que escreveu a obra mais representativa do pensamento cultural romano, a Eneida, nas-ceu em 70 a.C., em Mântua (região dos Alpes). Portanto, ele não era um “legítimo” cidadão romano. Na verdade, somente recebeu a cidadania romana em 49 a.C. Sua vida foi atravessada por grandes e graves acontecimentos políticos. Estudou em Cremona, em Milão e em Roma. Terminou de escrever a Eneida em 19 a.C., mas, antes de dá-la por concluída, desejava ir à Grécia e à Ásia Menor, para conhecer os lugares de que falara em sua obra. Foi levado doente para a cidade de Brindes, onde, antes de morrer, pediu que queimassem a Eneida porque não conseguira fazer a revisão.

MLp1A2.indb 210 30/6/2010 14:10:59

Page 211: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 211

“Vai, dirige-te à Itália com os ventos, alcança teu reino com as ondas. Mas eu espero, se as piedosas divindades podem algo, que sofras suplícios no meio dos roche-dos e que muitas vezes invoques Dido por seu nome” (Eneida, canto IV).

conseguem escapar de Troia. Ficamos sabendo também que fundar Roma é uma incumbência dada pelos deuses àquele grupo.

Dido se apaixona por Eneias e, em pouco tempo, os dois passam a ter um romance condenável: ela por não prestigiar a sua condição de rainha de um povo tão merecedor, como os púnicos ou cartaginenses; ele, por desistir da missão dos deuses de fundar Roma.

Mas esse romance não durará muito, pois Júpiter logo envia Mercúrio como emissário a Eneias, para lembrar-lhe que a sua missão não terminava ali, que ele devia partir imediatamente. Eneias obedece imediatamente, abandonando Dido que, desesperada, o amaldiçoa e se suicida.

Quando, finalmente, Eneias chega à região do Tibre, envia embaixadores ao rei daquela região e esse, por sua vez, oferece a Eneias a mão de sua filha, Lavínia. A rainha se enfurece com essa ideia, o mesmo ocorrendo com Turno, chefe rútulo a quem a moça já havia sido prometida em casamento. É o início da guerra entre latinos e troianos.

Após muitas batalhas violentas e vendo o exército desanimado, Turno propõe um duelo a Eneias. As condições do duelo foram violadas, e uma seta fere Eneias. Vênus o cura. O exército troiano chega até os muros da cidade, e a rainha latina se suicida. Trava-se um combate singular entre Eneias e Turno. O chefe troiano vence o inimigo e sacrifica-o. Vitoriosos, os troianos passam a ser latinos. Abre-se, assim, o caminho para a fundação de Roma.

“Dido já não se importa com a conveniência ou com a sua reputação; já não considera seu amor como clandestino” (Eneida, canto IV).

“Dizendo estas palavras, inflamado, enfia a espada no peito que lhe estava fronteiro. Os membros de Turno desfalecem com o frio da morte e a vida indignada foge para as sombras com um gemido” (Eneida, canto XII).

MLp1A2.indb 211 30/6/2010 14:11:00

Page 212: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6212

agoRa É a Sua vEz

77. Leia, com atenção, o excerto de a Eneida, referente à Maldição de Dido sobre Eneias quando o vê partindo e deixando-a sozinha.

“Para que dores maiores me reservo? Acaso ele se comove com meu pranto? Acaso desvia os olhos? Acaso, vencido, verteu lágrimas ou teve compaixão de sua amante? Não te detenho nem respondo a tuas palavras. Vai, dirige-te à Itália com os ventos, alcança teu reino com as ondas. Mas eu espero, se as piedosas divindades podem algo, que sofras suplícios no meio dos rochedos e que muitas vezes invoques Dido por seu nome. Ausente, eu te acompanharei com fogos negros e quando a frígida morte tiver separado meus membros de minha alma estarei por toda parte, como sombra. Terás teu castigo, perverso. Disso eu saberei e a notícia me chegará nas profundezas dos mares” (Eneida IV, 365-370; 380-387).

Encontre uma letra de música que permita ao leitor construir uma relação intertextual com o trecho transcrito de A Eneida. Transcreva-os em seu caderno e explique essa relação.

Muito tempo depois de Virgílio, Camões escreveu Os Lusíadas, considerado o maior poema épico produzido depois da queda de Roma e, é claro, uma das principais obras escritas em língua portuguesa. Esse poema épico tem como herói o povo português. Narra as aventuras dos portugueses, guiados por Vasco da Gama, para chegar às Índias, contornando a costa africana. Nesse percurso, foi imprescindível a ajuda de Vênus.

A seguir, leia com atenção a estrofe 33 do canto I d’Os Lusíadas.

“Sustentava contra ele Vênus bela,Afeiçoada à gente lusitana,Por quantas qualidades via nelaDa antiga tão amada sua romana;Nos fortes corações, na grande estrela,Que mostraram na terra Tingitana,E na língua, na qual quando imagina,Com pouca corrupção crê que é a latina.”

Os Lusíadas. Canto I.

78. Explique a estrofe com suas palavras.

79. Explique os motivos apresentados por Camões, bem como outros de origem mitológica, que justificam a afeição de Vênus pela “gente lusitana”.

Como vemos, a mitologia grega, que depois é adotada também pelos romanos, aparece em grande parte da produção literária de toda a civilização ocidental.

MLp1A2.indb 212 30/6/2010 14:11:02

Page 213: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 213

CatuloCatulo (87-54 a.C.) é considerado o maior poeta lírico de literatura latina. Nasceu em Verona, no

norte da Itália, mas passou a maior parte de sua vida em Roma. Teve uma vida curta, mas intensa, entre paixões, amizades, libertinagem e poesia. Grande parte dos 116 poemas que chegaram até nós é marcada pela paixão que o poeta teve por uma dama romana, Clódia, casada com o cônsul Metésia Céler e irmã do tribuno Clódio. Para referir-se a ela, Catulo utilizou o pseudônimo de Lésbia. Com ela, Catulo teve momentos felizes de paixão, mas também experimentou a dor da traição e da degradação moral dessa mulher.

Imagine que você esteja em sua domus (de onde vem a palavra portuguesa “domicílio”) há uns 2 000 anos, enquanto um de seus escravos, tocando lira, lê para você o seguinte poema de Catulo:

lXXXv “Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris.Nescio, sed fieri sentio et excrucior.”

Cuja tradução seria:

Odeio e amo. Como isso é possível, talvez você pergunte.Não sei: somente sei que o sinto e sofro terrivelmente.

80. Apesar do tempo que já se passou desde a sua escrita, você diria que expressa um sentimento atual? Por quê?

81. Esse poema de Catulo é um dístico, ou seja, um poema de dois versos. Conseguir expressar toda a emoção que o amor provoca, em dois versos, é um desafio. Note que Catulo se apoia na antítese amor – ódio para estruturar o seu poema. Elabore um dístico que tenha como tema central a relação desejo – felicidade.

CíceroMarcus Túlio Cícero é considerado o maior escritor em língua latina.

Foi um importante advogado em Roma e seguiu também a carreira política. Escreveu discursos jurídicos, textos filosóficos e retóricos, além de quase mil cartas sobre os mais variados assuntos.

o teatro greco-latinoOs gregos representavam, no teatro, tragédias e comédias. A tragédia

grega era basicamente de temática mitológica, enquanto a comédia não tinha nenhum padrão rígido. Ela tendia a criar situações absurdas e, dentro destas, elaborar uma crítica essencialmente política aos governantes e aos costumes da época. A satirização não poupava nem os deuses, como se pode constatar na comédia As rãs, de Aristófanes, em que Dionísio (Baco, para os latinos) afeminado é vestido como uma prostituta. Provavelmente a tragédia mais importante produzida pela literatura grega é Édipo Rei, de Sófocles.

Busto de Cícero (séc. I a.C.). Roma: Museu Capitolino.

MLp1A2.indb 213 30/6/2010 14:11:04

Page 214: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6214

Resumo de Édipo Rei, de SófoclesLaio, rei da cidade de Tebas e casado com a bela Jocasta, foi advertido

pelo oráculo (palavra dos deuses a quem os consultava) de que não poderia gerar filhos. Se esse aviso fosse desobedecido, Laio seria morto pelo próprio filho, e muitas outras desgraças surgiriam. A princípio, Laio não acreditou na profecia do oráculo e teve um filho com Jocasta. Quando a criança nasceu, Laio, cheio de remorso e com medo da profecia, ordenou que o recém-nascido fosse abandonado numa montanha, com os tornozelos furados, amarrados por uma corda. Foi daí que veio seu nome: oidípous que significa “pé inflamado”.

A criança é salva por um pastor e adotada pelo rei de Corinto. Certo dia, um bêbado acusa Édipo, já crescido, de ser filho ilegítimo do rei de Corinto. Perturbado, Édipo recorre ao Oráculo, que evita responder à sua dúvida, mas dá a terrível informação: Édipo está destinado a matar o pai e casar-se com a mãe. Acreditando ser filho do rei de Corinto, Édipo deixa a cidade e vai para Tebas.

No caminho, Édipo depara com uma carruagem. À frente vem o arauto, que ordena rudemente a Édipo que se afaste e tenta empurrá-lo para fora da estrada. O príncipe começa uma briga e termina matando todo mundo que nela se envolve. Para sua desgraça, um dos homens que vinha na carruagem era Laio, seu pai verdadeiro.

Sem saber que tinha matado o próprio pai, Édipo prosseguiu sua viagem para Tebas. No ca-minho, deparou com a Esfinge, um monstro, metade leão, metade mulher, que lançava enigmas aos viajantes e devorava quem não os decifrasse. A Esfinge atormentava os moradores de Tebas. O enigma proposto pela Esfinge era o seguinte: “Qual o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio-dia e três à tarde?” Édipo respondeu: “É o homem. Pois na manhã da vida (infância) engatinha com pés e mãos; ao meio-dia (na fase adulta) anda sobre dois pés; e à tarde (velhice) necessita das duas pernas e o apoio de uma bengala”. Furiosa por ver o enigma resolvido, a Es-finge se matou. Felizes com a morte da Esfinge, os tebanos entronizam Édipo, que se casa com a rainha Jocasta, viúva de Laio e sua mãe verdadeira. Desse matrimônio nasceram quatro filhos: Etéocles, Polinice, Antígona e Ismene.

Cerca de dez anos depois, uma praga começa a devastar a região. Um oráculo preconiza que as coisas melhorarão quando o assassino de Laio for descoberto e expulso da cidade. Édipo, zeloso, toma em suas próprias mãos a missão de descobrir o criminoso. Inicia a busca e quanto mais se aproxima do culpado, mais se aproxima da verdade e de seu destino. É quando os fatos vêm à tona. Édipo não con-segue suportar a verdade e arranca os próprios olhos. Jocasta enforca-se.

Édipo Rei pode ser considerada uma das primeiras histórias de detetives, já que seu protagonista tem um problema policial a ser resolvido por meio de uma investigação. Quando descobriu a verdade, que assassinou o pai e casou-se com a mãe, Édipo horrorizou-se e furou os próprios olhos. A interpretação dessa cegueira voluntária tem sido discutida há séculos. Se Édipo era feliz quando “não via” a realidade, imaginando-se um afortunado rei, bem casado, pai de quatro filhos, quando, na verdade, era um parricida incestuoso, seria a cegueira uma tentativa inconsciente de voltar a um estado de “não-ver” e, portanto, de felicidade?

O mito de Édipo foi utilizado pelo dramaturgo Sófocles (496-406 a.C.), na tragédia Édipo Rei, para uma reflexão sobre as questões da culpa e da responsabilidade dos homens perante as normas e tabus. Ainda de acordo com o mito, Édipo abandona Tebas, deixando seu cunhado Creonte como regente. Acolhido em Colona, perto de Atenas, graças à hospitalidade do rei Teseu, Édipo morreu misteriosamente num bosque sagrado e converteu-se em herói protetor da Ática. A maldição de Édipo transmitiu-se a seus filhos, que tiveram igualmente destino trágico.

O grande nome do teatro romano é Plauto, que viveu entre 254 e 184 a.C., portanto, antes dos escri-tores Catulo e Cícero. Plauto foi um comediógrafo, ou seja, escreveu comédias, bem ao gosto popular, para fazer o público chorar de tanto rir.

MLp1A2.indb 214 30/6/2010 14:11:07

Page 215: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 215

paRa lER

Felicidade clandestinaEla era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos,

meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim um tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta

pauSa paRa REFlEXÃoEm seu caderno, responda às questões a seguir.

I. Que conteúdos deste capítulo conseguiria explicar sem consultar o livro?

II. Consultando o livro, identifique os conteúdos deste capítulo que, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem novas explicações ou atividades de reforço.

III. Que atividade(s) considerou mais importante(s) para o seu aprendizado? Por quê?

IV. Que atividades foram mais agradáveis? Por quê?

V. Participou das atividades com interesse? Em que aspectos você poderá melhorar nas próximas aulas?

MLp1A2.indb 215 30/6/2010 14:11:10

Page 216: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 6216

calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rocco: Rio de Janeiro, 1998.

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDoa dimensão social da literaturaToda forma de arte, não apenas a literatura, traduz valores presentes na sociedade. Volte a exa-

minar as reproduções dos quadros de Da Vinci e de Picasso e, a seguir, reflita sobre as questões propostas:

80. Qual dos dois quadros idealiza uma sociedade equilibrada, em que a mulher ideal é um modelo de serenidade e virtudes?

81. Qual dos dois quadros é mais dinâmico e agressivo?

MLp1A2.indb 216 30/6/2010 14:11:11

Page 217: Lingua Portuguesa 1ª Série

A literatura cai na boca do mundo 217

82. O que esse quadro revela sobre a sociedade onde ele surgiu?

QuaDRo-RESuMo Do CapítuloA seguir, você irá preencher um quadro-resumo do capítulo. Siga as orientações de leitura para or-

ganizar as diferentes partes.

Adjetivo

Observação: na elaboração de seu resumo, leve em consideração a diferença que o adjetivo pode fazer na compreensão e produção de um texto.

Literatura: fenômeno linguístico ou social?

Observações: ao elaborar o seu resumo, leve em conta as perspectivas de literatura que procuram responder às perguntas: o que é? Para que serve? Como a sociedade legitima a literatura?

Resenha crítica

O que é?

Como se faz?

Para que serve?

MLp1A2.indb 217 30/6/2010 14:11:12

Page 218: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

uNIDaDE 2218

EM TEMPO COM O fUTURO

Respondendo a questões de múltipla escolha no vestibular – interpretação de textos

Ao final desta segunda unidade, vamos compreender um pouco mais o funcionamento de questões de múltipla escolha sobre interpretação de texto, para poder resolvê-las mais facilmente, tanto na escola como no futuro vestibular.

Observe o teste vestibular a seguir:

(Fuvest)

zooUma cascavel, nas encolhas*. Sua massa infame.

Crime: prenderam, na gaiola da cascavel, um ratinho branco. O pobrinho se comprime num dos cantos do alto da parede de tela, no lugar mais longe que pôde. Olha para fora, transido, arrepiado, não ousando choramingar. Periodicamente, treme. A cobra ainda dorme.

Meu Deus, que pelo menos a morte do ratinho branco seja instantânea!

Tenho de subornar um guarda, para que liberte o ratinho branco da jaula da cascavel. Talvez ainda não seja tarde.

Mas, ainda que eu salve o ratinho branco, outro terá de morrer em seu lugar. E, deste outro, terei sido eu o culpado.

(*) nas encolhas = retraída, imóvel

A situação do ratinho branco, preso na gaiola da cascavel, provocou no narrador

a) imediato sentimento de culpa, que o levou a declarar-se responsável pela situação.b) desejo imediato de intervenção, a fim de antecipar o previsível desfecho.c) reação espontânea e indignada, da qual veio a se arrepender mais tarde.d) compaixão e desejo de intervir, seguidos de uma reflexão moral.e) curiosidade e repulsa, a que se seguiu a indiferença diante do inevitável.

1. Descreva como você começaria a resolvê-lo: leria primeiro o texto ou o enunciado. Por quê?

Alguns iniciariam o teste lendo o texto, outros começariam lendo primeiro a questão e depois recorrendo ao texto, procurando nele a resposta. A primeira estratégia é mais recomendável quando há várias questões para o mesmo texto a ser interpretado. A segunda, quando há apenas uma ou duas questões que são pedidas a partir desse texto.

Vejamos como isso poderia ocorrer no exercício acima, da Fuvest.

“A situação do ratinho branco, preso na gaiola da cascavel, provocou no narrador”. Note, a frase está a meio, ela será continuada nas proposições a seguir. A informação de que dispomos pede a reação do narrador diante daquele ratinho branco, preso na

(Fragmentos extraídos de Ave, palavra, de Guimarães Rosa)

MLp1A2.indb 218 30/6/2010 14:11:13

Page 219: Lingua Portuguesa 1ª Série

ML1

A-U

2-C

6-V

1 - D

iagr

amaç

ão: L

ÁP

IS L

AZÚ

LI

A comunicação no tempo presente 219A comunicação no tempo presente 219

gaiola da cascavel. Essa reação orientará o nosso olhar na leitura do texto. Palavras como “crime” e “pobrinho” remetem-nos para uma sensação de pena por parte do narrador. Relendo as alternativas, notamos na letra “D”, a palavra “compaixão”.

A alternativa “D” ainda afirma “desejo de intervir”, o que se comprova no terceiro parágrafo: “Tenho de subornar um guarda, para que liberte o ratinho branco da jaula da cascavel. Talvez ainda não seja tarde”. Finalmente a alternativa D diz “seguidos de uma reflexão moral”. “Seguidos” nos remete para a parte após o desejo de intervenção, ou seja, depois do terceiro parágrafo. Na verdade, somente pode ser o último parágrafo. Trata-se de uma reflexão moral?

Vejamos:“Mas, ainda que eu salve o ratinho branco, outro

terá de morrer em seu lugar. E, deste outro, terei sido eu o culpado.”

Podemos considerar este parágrafo como uma “reflexão moral”?

Uma reflexão moral pode ser uma conclusão ou lição relativa a si mesmo, em relação aos costumes e hábitos considerados válidos para um determinado momento ou lugar (veja os verbetes “reflexão” e “moral” no Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa). Bem, seguindo esse raciocínio, podemos considerar o parágrafo final como uma conclusão relativa a um hábito, no caso, à alimentação da cascavel com ratinhos, ou seja, uma reflexão moral.

Ficamos, portanto, com a alternativa “D”. Mas ainda não temos plena certeza de que seja esta.

No entanto, outra estratégia é procurar justificar não apenas por que aquela que você considerou correta é a mais apropriada, mas também por que aquelas que você considerou erradas não são adequadas ao texto. Esse tipo de raciocínio leva algum tempo, por isso, embora o vestibular, talvez, ainda lhe pareça uma realidade distante, é boa ideia começar a treinar desde já. Com o treino, o seu raciocínio ficará mais rápido.

2. Escolha uma das outras alternativas da questão e justifique por que ela é falsa. Baseie-se no texto para isso.

3. Fica na alternativa “D” ou troca por outra? Por quê?

Agora, você poderá resolver as próximas questões, também da Fuvest e baseadas no mesmo texto.

4. Por meio de frases como “A cobra ainda dorme”, “Talvez ainda não seja tarde” e “ainda que eu salve o ratinho branco”, o narrador

a) prolonga a tensão, alimentando expectativas. b) exprime a inevitabilidade dos fatos, ao empregar os verbos no presente. c) entrega-se a fantasias, desligando-se das circunstâncias presentes. d) formula hipóteses vagas, argumentando de modo abstrato. e) precipita a ação do tempo, apressando a narração dos fatos.

MLp1A2-C06.indd 219 7/7/2010 14:02:09

Page 220: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

uNIDaDE 2220

5. O último parágrafo permite inferir que a convicção final do narrador é a de que

a) a culpa maior está na omissão permanente. b) os atos bem-intencionados são inocentes. c) nenhuma escolha é isenta de responsabilidade. d) não há como discordar da lei do mais forte. e) não há culpa em quem aperfeiçoa as leis da natureza.

Questões de exames de acesso ao ensino superior(PUC-SP)

a questão é começarCoçar e comer é só começar. Conversar e

escrever também. Na fala, antes de iniciar, mesmo numa livre conversação, é necessário quebrar o gelo. Em nossa civilização apressada, o “bom dia”, o “boa tarde, como vai?” já não funcionam para engatar conversa. Qualquer assunto servindo, fala-se do tempo ou de futebol. No escrever também poderia ser assim, e deveria haver para a escrita algo como conversa vadia, com que se divaga até encontrar assunto para um discurso encadeado. Mas, à diferença da conversa falada, nos ensinaram a escrever e na lamentável forma mecânica que supunha texto prévio, mensagem já elaborada. Escrevia-se o que antes se pensara. Agora entendo o contrário: escrever para pensar, uma outra forma de conversar.

Assim fomos “alfabetizados”, em obediência a certos rituais. Fomos induzidos a, desde o início, escrever bonito e certo. Era preciso ter um começo,

um desenvolvimento e um fim predeterminados. Isso estragava, porque bitolava, o começo e todo o resto. Tentaremos agora (quem? eu e você, leitor) conversando entender como necessitamos nos reeducar para fazer do escrever um ato inaugural; não apenas transcrição do que tínhamos em mente, do que já foi pensado ou dito, mas inauguração do próprio pensar. “Pare aí”, me diz você. “O escrevente escreve antes, o leitor lê depois.” “Não!”, lhe respondo, “Não consigo escrever sem pensar em você por perto, espiando o que escrevo. Não me deixe falando sozinho.”

Pois é; escrever é isso aí: iniciar uma conversa com interlocutores invisíveis, imprevisíveis, virtuais apenas, sequer imaginados de carne e ossos, mas sempre ativamente presentes. Depois é espichar conversas e novos interlocutores surgem, entram na roda, puxam assuntos. Termina-se sabe Deus onde.MARQUES, M. O. Escrever é preciso. Ijuí: Unijuí, 1997, p. 13.

1. Considerando a relação entre estes dois enunciados: “Coçar e comer é só começar.” e “Conversar e escrever também.”, assinale qual é o valor expresso

pela palavra também nesse contexto. a) Oposição em relação à ideia anterior b) Retomada de ideia já anteriormente expressa c) Causa da ideia posterior d) Consequência da ideia anterior e) Condição para a ideia posterior

2. Segundo o autor, está sendo apresentada uma forma nova e particular de se conceber o ato de escrever. Assinale a alternativa que traduz essa concepção.

a) Escrever é um processo de interlocução decorrente da imaginação. b) Escrever é um processo de interlocução realizado exclusivamente pelo leitor. c) Escrever é um processo de seleção de ideias expressas de forma correta. d) Escrever é um processo de interlocução realizado exclusivamente pelo autor. e) Escrever é um processo de interlocução entre o autor e seus possíveis leitores.

MLp1A2.indb 220 30/6/2010 14:11:15

Page 221: Lingua Portuguesa 1ª Série

ML1

A-U

2-C

6-V

1 - D

iagr

amaç

ão: L

ÁP

IS L

AZÚ

LI

A comunicação no tempo presente 221A comunicação no tempo presente 221

(Fuvest)

− Mandaram ler este livro...Se o tal do livro for fraquinho, o desprazer

pode significar um precipitado mas decisivo adeus à literatura; se for estimulante, outros virão sem o peso da obrigação.

As experiências com que o leitor se identifica não são necessariamente as mais familiares, mas as que mostram o quanto é vivo um repertório de novas questões. Uma leitura proveitosa leva à convicção

de que as palavras podem constituir um movimento profundamente revelador do próximo, do mundo, de nós mesmos. Tal convicção faz caminhar para uma outra, mais ampla, que um antigo pensador romano assim formulou: nada do que é humano me é alheio.

(Cláudio Ferraretti, Inédito)

3. De acordo com o texto, a identificação do leitor com o que lê ocorre sobretudo quando a) ele sabe reconhecer na obra o valor consagrado pela tradição da crítica literária. b) ele já conhece, com alguma intimidade, as experiências representadas numa obra. c) a obra expressa, em fórmulas sintéticas, a sabedoria dos antigos humanistas. d) a obra o introduz num campo de questões cuja vitalidade ele pode reconhecer. e) a obra expressa convicções tão verdadeiras que se furtam à discussão.

4. O sentido da frase Nada do que é humano me é alheio é equivalente ao desta outra construção: a) O que não diz respeito ao homem não deixa de me interessar. b) Tudo o que se refere ao homem diz respeito a mim. c) Como sou humano, não me alheio a nada. d) Para ser humano, mantenho interesse por tudo. e) A nada me sinto alheio que não seja humano.

5. De acordo com o texto, a convicção despertada por uma leitura proveitosa é, precisamente, a de que

a) sempre existe a possibilidade de as palavras serem profundamente reveladoras. b) as palavras constituem sempre um movimento de profunda revelação. c) é muito fácil encontrar palavras que sejam profundamente reveladoras. d) as palavras sempre caminham na direção do outro, do mundo, de cada um de nós. e) nenhuma palavra será viva se não provocar o imediato prazer do leitor.

6. Mantém-se o sentido da frase “se for estimulante” em: a) conquanto seja estimulante. b) desde que seja estimulante. c) ainda que seja estimulante. d) porquanto é estimulante. e) posto que é estimulante.

7. (UERJ) Observe atentamente os dois trechos transcritos abaixo.

“[...] O objetivo da poesia (e da arte literária em geral) não é o real concreto, o verdadeiro, aquilo que de fato aconteceu, mas sim o verossímil, o que pode acontecer, considerado na sua universalidade.”

(SILVA, Vítor M. de A. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1982.)

MLp1A2.indb 221 30/6/2010 14:11:16

Page 222: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

uNIDaDE 2222

A partir da leitura de ambos os fragmentos, pode-se deduzir que a obra literária tem o seguinte objeti-vo:

(A) opor-se ao real para afirmar a imaginação criadora. (B) anular a realidade concreta para superar contradições aparentes. (C) construir uma aparência de realidade para expressar dado sentido. (D) buscar uma parcela representativa do real para contestar sua validade.

(UFRS) Responda às questões 8 a 10 com base no texto a seguir:

Verossímil. 1. Semelhante à verdade; que parece verdadeiro. 2. Que não repugna à verdade, provável.

(FERREIRA, A. B. de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.)

8. Analise a veracidade das afirmativas abaixo:

1. A obsolência das armas utilizadas pelo homem levam-no a um final trágico.

2. As armas apresentam-se em gradação ascendente quanto ao seu poder letal.

3. O militarismo, simbolizado pelos uniformes que os personagens vestem, é a causa principal do desfecho presente no cartum.

4. A vestimenta dos personagens ilustra cronologicamente o desenrolar dos fatos apresentados.

5. Os itens 2 a 5 do cartum apresentam o homem como responsável pelas ações bélicas, enquanto nos itens 6 a 10 essa responsabilidade é atribuída apenas aos armamentos.

JAGUAR. Átila, você é bárbaro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, p.166-167.

MLp1A2.indb 222 30/6/2010 14:11:17

Page 223: Lingua Portuguesa 1ª Série

ML1

A-U

2-C

6-V

1 - D

iagr

amaç

ão: L

ÁP

IS L

AZÚ

LI

A comunicação no tempo presente 223A comunicação no tempo presente 223

Conclui-se que a alternativa que apresenta a numeração correspondente às afirmativas corretas é: a) 1 e 2 b) 1, 2 e 4 c) 2 e 4 d) 3 e 5 e) 3, 4 e 5

9. Responda a esta questão com base nas afirmativas a seguir:I. A estrutura narrativa e as ilustrações têm efeito argumentativo marcante.

II. As ilustrações são um recurso para chamar a atenção do leitor, e poderiam ser retiradas sem prejuízo para a clareza do texto.

III. Os itens 1 e 2 apresentam ao leitor os personagens, enquanto o 9 prepara-o para o desfecho da história.

IV. A simplicidade da linguagem contrasta com a seriedade do tema. Conclui-se que as afirmativas corretas encontram-se na alternativa:

a) I e II b) I, II e IV c) I, II, III e IV d) II, III e IV e) III e IV

10. O ditado popular que melhor sintetiza as ideias expressas no cartum éa) “O feitiço virou contra o feiticeiro.”b) “Quem tudo quer tudo perde.”c) “Se queres a paz, prepara-te para a guerra.”d) “Quando um não quer, dois não brigam.”e) “Devagar se vai ao longe.”

MLp1A2.indb 223 30/6/2010 14:11:18

Page 224: Lingua Portuguesa 1ª Série

Esta unidade tem como objetivo desenvolver um olhar diferenciado sobre a língua portuguesa que nos permita intervir

na sociedade, ajudando-nos a fazer do lugar onde vivemos, um momento melhor.

Capítulo 7

FAZENDO GêNERO COM A LITERATURA

Conteúdos:Os gêneros literários: narrativo (ou épico), lírico e dramático. Discurso indireto livre. Atualização

da obra literária. Gil Vicente. Espaço, tempo histórico e narrativa. Construção da personagem.

Substantivo. Relações entre substantivo e adjetivo. Expressividade do substantivo e do adjetivo na

literatura.

Reflexões:A linguagem fazendo crítica social e

aprofundando o tema do amor. A atualidade da obra literária.

Gêneros textuais:Narrativa, poesia e drama literários. Poema

metapoético. Peça de teatro medieval.

Capítulo 8

FALEMOS DE AMOR...

Conteúdos:Discurso e ideologia. A literatura e o amor

platônico. O mito de Eros e Psiquê. O neoplatonismo e a poesia camoniana.

Correspondência e literatura. Os porquês do porquê. Conectivos e elementos de transição.

Método de análise de poema. Fonética.

Reflexões:A linguagem, a ideologia e o amor. Ideologia,

linguagem e alienação social. A condição social da mulher.

Gêneros textuais:Correspondência comercial. Correspondência literária

de amor.

Capítulo 9

A LÍNGUA PORTUGUESA DE CHUTEIRAS

Conteúdos:A argumentação. O conto literário. Verbos: conceito.

Flexão verbal: número, pessoa, modo, tempo e aspecto.

Reflexões: A memória e a linguagem. Ideologia nos textos

esportivos.

Gêneros textuais:A crônica esportiva. A crônica de memórias. O texto

argumentativo. O conto literário.

MLp1A2.indb 224 30/6/2010 14:11:29

Page 225: Lingua Portuguesa 1ª Série

“fui educado pela ImaginaçãoViajei pela mão dela sempre,Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,E todos os dias têm essa janela por diante,E todas as horas parecem minhas dessa maneira”

(fernando Pessoa)

Fig 1 - FUNDO: pessoas das mais variadas formações e épocas históricas conversando.

MLp1A2.indb 225 30/6/2010 14:11:39

Page 226: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7226

Penetra surdamente no reino das palavras.Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

(Carlos Drummond de Andrade)

fAZENDO GÊNERO COM A LITERATURA

Escrever uma obra literária é tra-balhar com a linguagem. A produção do texto literário exige a coragem de penetrar no reino das palavras, como nos diz Carlos Drummond de Andra-de, no poema Procura da poesia. É a partir das palavras que podemos alcançar o mundo e atingir o coração e a alma de quem nos lê.

oS gÊNERoS lItERÁRIoSComo já tivemos oportunidade de examinar, a mídia é uma

das instituições que define o que é literatura em uma sociedade. São comuns, por exemplo, resenhas, seções e listas de mais vendidos dedicadas à literatura. É o que podemos observar ao lado.

As incursões da mídia no universo literário visam, ger-almente, a influenciar o público sobre a produção literária recente. Analisando com mais atenção essa lista dos mais vendidos, notamos alguns aspectos curiosos. Um deles é que autores brasileiros e de outros países aparecem juntos. A função, aqui, é destacar os livros mais vendidos, não os autores deste ou daquele país. Em livrarias, no entanto, é comum haver seções dedicadas especificamente à literatura nacional.

Em qualquer um dos casos, destaca-se a figura do leitor. É ele que, ao escolher este ou aquele livro para ler ou presentear, faz com que o livro circule, dá vida ao mercado editorial e, consequentemente, à própria literatura. Ao contrário, quando o leitor não lê, o livro não circula e, com isso, a literatura se empobrece. Assim, os laços entre leitor e literatura são mais estreitos do que se poderia, em um primeiro momento, imaginar.

Veja. São Paulo: Abril, 26-1-2009.

EclipseStephenie Meyer [0|1] intrínsecaCrepúsculoStephenie Meyer [1|34*] intrínsecaLua NovaStephenie Meyer [2|15] intrínsecaA CabanaWilliam Young [3|20] SEXTANTE O Vendedor de SonhosAugusto Cury [4|28] Academia de inteligênciaA Menina que Roubava LivrosMarkus zusak [5|95] intrínsecaOs Contos de Beedle, o BardoJ.K.Rowling [6|5] RoccoO Menino do Pijama ListradoJohn Boyne [7|4*] Companhia das letrasA Sombra do VentoCarlos Ruiz zafón [8|71*] Objetiva/suma de letrasA Viagem do ElefanteJosé Saramago [9|9] Companhia das letras

Comer, Rezar, AmarElizabeth Gilbert [1|42] ObjetivaMarley & EuJohn Grogan [2|118*] PrestígioGomorraRoberto Saviano [3|3] Bertrand BrasilUma Breve História do MundoGeoffrey Blainey [4|52*] Fundamento1808Laurentino Gomes [5|67] PlanetaMentes PerigosasAna Beatriz Barbosa Silva [10|9*] FontanarMaysa: Só numa Multidão de AmoresLira Neto [9|7*] Globo1001 Filmes para Ver Antes de MorrerSteven Jay Schneider [6|4] SextanteFazendo as MalasDanuza Leão [7|6] Companhia das letrasUma Breve História do Século XXGeoffrey Blainey [8|9] Fundamento

MLp1A2.indb 226 30/6/2010 14:11:40

Page 227: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 227

Muitos dizem: “é importante ler”. Sim, é verdade. Além disso, contudo, também é importante pensar-mos no que e por que lemos algo. As nossas decisões de hoje influenciarão a história da literatura. Aquilo que o futuro considerará como obras literárias de valor leva em conta também as escolhas presentes do que consideramos, hoje, como textos literários.

Mas o mercado editorial não produz apenas textos literários. Livros de Filosofia, História, culinária, esportes, autoajuda, etc. disputam o mercado com o texto literário. Como apresentar aos possíveis leitores todo esse universo de possibilidades? Uma das respostas encontradas pelo mercado editorial foi dividir os livros em “ficção” e “não ficção”. Em que isso consiste?

Chamamos obras de ficção àquelas que não se preocupam em descrever fatos ocorridos neste mundo real em que vivemos. Tais obras constroem seu próprio mundo, onde os acontecimentos ocorrem. Esse mundo de ficção pode ser muito parecido com o nosso, como o mundo em que vivem Fabiano e sua família em Vidas secas ou muito diferente, como os mundos dos contos infantis em que aparecem fadas, bruxas e animais falantes.

Obras de não ficção são as que retratam acontecimentos específicos de nosso próprio mundo. Sobre as obras de não ficção podemos desenvolver os conceitos de verdadeiro ou falso, pois elas fazem uma referência direta ao mundo em que vivemos. Há gênero textuais que se caracterizam por serem não-ficcionais, como a notícia de jornal. Outros gêneros, como os literários, podem ser ficcionais ou não. Embora a maioria das obras literárias seja ficcional, o compromisso da literatura não é com a ficcionalidade, mas com a verossimilhança.

Verossimilhança é a coerência interna da obra literária no tocante ao mundo que constrói no seu texto. Chapeuzinho vermelho é uma obra de ficção, mas é verossimilhante, pois as personagens e ações são coerentes em relação ao mundo imaginário construído. Por exemplo, Chapeuzinho escolhe o caminho mais longo e chega depois do lobo mau à casa da vovó; a menina e a vovozinha apenas comemoram a vitória depois de saírem da barriga do lobo e assim por diante.

Ficção e não ficção são apenas uma das possibilidades. Há diversas formas de classificar os textos literários. Uma das mais antigas, que se originou na Grécia antiga, com o filósofo Aristóteles, os divide em três gêneros literários: lírico, narrativo e dramático.

o gÊNERo NaRRatIvo ou ÉpICoEm capítulos anteriores, definimos o gênero narrativo. Histórias em quadrinhos, novelas de televisão,

notícias de jornal, contos são algumas das formas de narrar. As narrativas utilizam-se de diferentes lingua-gens: a verbal (oral ou escrita), a visual (por meio da imagem), a gestual (por meio de gestos), etc.

Leia o texto a seguir.

HENFIL. Graúna ataca outra vez. São Paulo: Geração Editorial, 2002. <geracaobooks.com.br>.

MLp1A2.indb 227 30/6/2010 14:11:42

Page 228: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7228

Reveja, no capítulo 3, os conceitos de narrativa e de enredo.

1. A tira em quadrinhos emprega duas linguagens. Quais?

2. Qual a sua compreensão do enredo da narrativa? É crítico? Por quê?

3. Considera a narrativa verossimilhante? Por quê?

Neste capítulo, vamos nos aprofundar especificamente na narrativa li-terária. Inicialmente, leia a narrativa a seguir do escritor brasileiro Fernando Sabino.

No quarto da valdirene

Mal ele entrou em casa, a mulher o tomou pelas mãos, ansiosa:– Estava aflita para você chegar.E sussurrou, apontando dramaticamente para os lados da cozinha:– Tem um homem no quarto da Valdirene.Sacudiu a cabeça com irritação:– Desde o primeiro dia eu achei que essa menina não era boa coisa.

Ela nunca me enganou.Valdirene, a jovem empregada, uma mulata de olhos grandes, não faria

feio num palco. – Como é que você sabe? – perguntou ele, para ganhar tempo. Não

partilhava da opinião da mulher: desde o primeiro dia achou que a Valdirene era ótima.

– Sei porque vi. Escutei um ruído qualquer aí fora no corredor, olhei pelo olho mágico, e vi quando ela punha ele para dentro pela porta de serviço.

– Ele quem?– O homem. Não sei quem é, só sei que é um homem. Deve ser o namorado dela, ou o amante, tanto

faz. O certo é que os dois estão trancados lá no quarto faz um tempão.– Vai ver que já saiu.– Não saiu não, que eu não sou boba, fiquei de olho. Está lá dentro com ela até agora.– E o que é que você quer que eu faça?– Quero que bote ele pra fora, essa é boa.– Por quê?Ela botou as mãos na cintura:– Por quê? Você ainda pergunta por quê? Então tem cabimento a gente deixar que a empregada receba

homens no quarto dela? O que é que essa menina está pensando que minha casa é? Um motel? Se você não for lá, eu mesma vou.

MLp1A2.indb 228 30/6/2010 14:11:43

Page 229: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 229

– Espera aí, vamos com calma, mulher. Você tem razão, mas deixa a gente raciocinar um pouco. Não podemos é perder a cabeça. Pode ser perigoso. Como é que ele é?

– Não cheguei a ver direito. Só vi que era um homem. Para mim, basta.– Não posso ir lá no quarto dela sem mais nem menos. Quem sabe é algum parente? Um irmão,

talvez...– Um irmão, talvez... Você tem cada uma! Pior ainda: que é que um irmão tem de ficar fazendo trancado

no quarto com a irmã como eles dois estão? Você tem de pôr esse homem pra fora.– E se estiver armado? Ele pode muito bem estar armado.– Já que você está com medo...– Não estou com medo. Só que temos de agir com calma. Vamos ver como a gente sai dessa. Deixa

comigo.Ele respirou fundo e se meteu pela cozinha, ganhou a área de serviço, ficou à escuta. Nada, tudo quieto

e às escuras no quarto da Valdirene. Bateu de leve na porta: – Valdirene.Via-se pelas frestas da veneziana na própria porta que o quarto continuava no escuro. Ele bateu de

novo:– Valdirene, está me ouvindo? Valdirene!Escutou alguém se mexendo lá dentro e a voz estremunhada da moça:– Senhor?– Tem alguém com você aí dentro, Valdirene?– Tem não senhor.– Abra um instante, por favor.Em pouco ela abria a porta, furtivamente, e o encarava sem piscar. Vestia um baby-doll pequenino e

transparente que, sob a luz mortiça vinda da área, deixava quase todo seu corpo à mostra.– Acenda essa luz, minha filha.Mais para vê-la melhor do que para olhar o quarto, pois mesmo no escuro podia-se verificar que ali

dentro não havia mais ninguém. Luz acesa, ela se protegia discretamente com os braços, enquanto ele dava uma olhada rápida por cima do seu ombro:

– Tudo bem. Desculpe o incômodo. Boa noite.Voltou para a sala, onde a mulher o aguardava, tensa de expectativa. – E então?– Não tem ninguém.– Como não tem ninguém? Pois se eu vi o homem entrando!– Se viu entrando, não viu saindo. O certo é que não tem

ninguém no quarto da Valdirene, além dela própria. Vamos dormir.

– Como é que eu posso ir dormir sabendo que tem um estranho dentro de casa? Você vai voltar lá e olhar direito.

– Eu olhei direito. Se não acredita, vai lá e olha você.– Quem é o homem nesta casa? Se você não for olhar eu não

fico aqui dentro nem mais um minuto. Vou direto à polícia.Ele ergueu os braços e os deixou cair, com um suspiro

resignado:– Essa mulher, meu Deus. Agora é você que está com medo.

Direto à polícia. Como se fosse um crime... Tudo bem, eu vou lá olhar direito.

Voltou a bater na porta da empregada: – Valdirene.Desta vez ela respondeu logo: – Senhor?– Abra aí um instante, por favor. – Sim senhor.

MLp1A2.indb 229 30/6/2010 14:11:44

Page 230: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7230

Ela abriu e foi logo acendendo a luz. Estimulado pela nova oportunidade de vê-la tão de perto, ele perdeu a cerimônia e entrou no quarto. Sempre de olho nela e ouvido atento à mulher lá na sala. Ali dentro só cabia a cama e o armariozinho com uma cortina, atrás da qual ninguém poderia se esconder. Ainda assim ergueu o pano para se certificar. Satisfeito, voltou-se para a moça que, ao sentir seus olhos tão próximos, abaixara modestamente os dela:

– Desculpe, minha filha. É que minha mulher, você sabe, quando ela cisma uma coisa... Mas pode dormir sossegada. Boa noite.

Na sala, a mulher voltou a questioná-lo: – Você olhou direito desta vez?– Não há como olhar errado. Um quarto deste tamanhinho! Olhei o que tinha para olhar: a Valdirene

e a cama.– A Valdirene e a cama? O que você quer dizer com isso?– Não quero dizer coisa nenhuma. É que ali dentro não cabe mais nada além da Valdirene e da cama.– Não é isso que parece estar insinuando, com essa sua cara.– Que é que tem minha cara? Você é que insinuou que tinha um homem lá dentro, não fui eu. Não me

admiraria nada. Mas acontece que não tem. Só faltou olhar debaixo da cama.– Não admiraria nada – ela o imitou, com um trejeito. E ordenou, braço estendido: – Pois então vai olhar debaixo da cama.– Essa não! – relutou ele: – Já disse que não cabe ninguém...Mas acabou indo. Pobre da menina, de novo importunada:– Me desculpe, Valdirene, mas é preciso que você abra aí outra vez. ‘Ela acendeu a luz, abriu a porta e deu-lhe passagem. Seus olhos o acompanharam impassíveis, quando

ele entrou e se agachou para olhar debaixo da cama. De quatro, sentindo-se ridículo naquela postura, ele baixou a cabeça até que a ponta do queixo tocasse o chão, e enfiou-a sob o estrado. Seu nariz esbarrou de cheio em algo branco e macio – era nada menos que o traseiro de um homem.

– Oi – assustou-se, recuando.– Oi – fez o homem, como um eco, encolhendo-se ainda mais.Ele se ergueu. Perturbado, limpou a garganta, procurando dar firmeza à voz: – O senhor tem um minuto pra sair deste quarto.Um último olhar para Valdirene, como a dizer que sentia muito mas não podia deixar de cumprir o seu

dever, e foi ter com a mulher na sala:– Tinha sim. Tinha um homem debaixo da cama. Está satisfeita?– Eu não disse? E o que é que você fez?– Mandei que ele se pusesse pra fora. É o tempo de se vestir.– Meu Deus, ele estava nu?– Que é que você queria? Não sei é como ele pôde caber lá debaixo. Imagino o susto dele. E o da

Valdirene, coitadinha.No dia seguinte, mal amanheceu, ela despedia a Valdirene, coitadinha.

SABINO, Fernando. O gato sou eu. Rio de Janeiro: Record, 1993.

FERNANDO SABINO (1923-2004) – Nasceu em Belo Horizonte (MG). Bacharel em Direito e funcionário público, desde seus 15 anos publicava contos e crônicas em revistas literárias e, mais tarde, em jornais. Suas crônicas são curiosos retratos da vida urbana, nos quais explora, com fino senso de humor, as sutilezas e desconcertos do cotidiano. No conjunto de sua obra, encontramos também preocu-pação com as injustiças, com os absurdos da vida, com os heróis idealistas e com as indecisões do homem dividido entre o outro e ele mesmo.

MLp1A2.indb 230 30/6/2010 14:11:45

Page 231: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 231

Os textos narrativos literários também apresentam um processo de representação dinâmica da realidade, ou seja, os acontecimentos narrativos apresentam ações que alteram o comportamento das personagens e envolvem a passagem de um determinado tempo.

No quarto da Valdirene apresenta ações que alteram o comportamento de algumas personagens. Essas mudanças levam certo tempo para acontecer.

4. Qual a situação das personagens quando se inicia a narrativa?

5. Qual a situação dessas personagens ao término da narrativa?

O texto narrativo literário é principalmente ficcional. As personagens vivem em um mundo que não é real, mas possível; um mundo criado por alguém que imaginou a história.

6. Que relações há entre o mundo ficcional de No quarto de Valdirene e o mundo real em que vive-mos?

O narrador, em No quarto de Valdirene, não é personagem do enredo. Trata-se de um narrador em terceira pessoa. No entanto, ainda que, como neste caso, não seja personagem da narrativa, o narrador é um elemento fundamental dentro do texto. É o narrador quem fornecerá informações que permitirão ao leitor compreender o universo narrado. Por universo entendemos a integração entre personagens, espaços e ações.

7. O que parece ser mais importante na narrativa No quarto de Valdirene: as ações narradas ou as im-pressões pessoais do narrador? Justifique.

O narrador não constitui o centro da atenção na narrativa literária tradicional, mas sim a história, que ele procura contar com uma atitude mais racional do que emocional.

a elaboração da personagem em No quarto de ValdireneToda narrativa literária exige uma seleção de informações sobre as ações, as personagens, o ambiente

e o tempo da narrativa. Essa seleção orienta o olhar do leitor.

MLp1A2.indb 231 30/6/2010 14:11:46

Page 232: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7232

8. Quanto às personagens de No quarto de Valdirene, podemos notar interessantes seleções feitas pelo narrador. Examine-as, enquanto completa o quadro a seguir.

O narrador caracteriza as personagens principalmente pelos gestos e atitudes. Esse processo permite que as personagens adquiram corpo em nossa mente. Basicamente, há seis formas de caracterizar uma personagem em um texto narrativo literário:

• pela descrição física;• pelo nome;• por pormenores da indumentária;• por gestos e atitudes;• pelo vocabulário;• pelo estilo de suas falas.

Até que ponto vamos dar atenção a um aspecto e desconsiderar o outro relaciona-se com as inten-ções do texto.

9. A descrição de Valdirene permite que entendamos parte dos reais motivos da apreensão da mulher. Por quê?

Valdirene Marido Mulher

Não é fornecida.

Não são fornecidos.

Caracterização física

Gestos e atitudes que revelam aspectos psicológicos

Pormenores da indumentária

O que pensa dos outros

Obediente, deixa o patrão entrar sem questiona-mentos.

Vestia um baby-doll pe-quenino e transparente que, sob a luz mortiça vinda da área, deixava quase todo seu corpo à mostra.

Gosta de Valdirene, sen-tindo-se atraído por sua beleza. Atende aos pedi-dos da mulher.

MLp1A2.indb 232 30/6/2010 14:11:47

Page 233: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 233

10. O que as atitudes e o estilo da fala da mulher revela sobre a sua personalidade?

11. Valdirene é a personagem mais bem caracterizada da narrativa, enquanto pouco sabemos sobre os patrões. De fato, nem sequer sabemos os nomes deles. Que efeito de leitura produziram em você essas escolhas do narrador?

As personagens se expressam no texto literário, mas a escolha de vo-cabulário, bem como a forma de tais personagens se expressarem depende de escolhas do narrador e produzirá efeitos diferentes sobre o leitor.

o NaRRaDoR E oS DISCuRSoS DaS pERSoNa-gENS: o DISCuRSo INDIREto lIvRE

No capítulo 1, estudamos duas formas de representar as falas das perso-nagens em um texto: o discurso direto e o indireto.

O discurso direto ocorre quando o narrador teatraliza as falas das personagens, reproduzindo-as literalmente. Veja este exemplo de No quarto da Valdirene:

“E sussurrou, apontando dramaticamente para os lados da cozinha:

– Tem um homem no quarto da Valdirene.”

A fala “Tem um homem no quarto da Valdirene” pertence à mulher. Já “E sussur-rou, apontando dramaticamente para os lados da cozinha” pertence ao narrador. Note a presença do verbo de elocução “sussurrou”, apresentando a fala da mulher.

O discurso indireto ocorre quando o narrador comunica com suas palavras o que a personagem disse. Esse discurso permite analisar as palavras e o modo de dizer das personagens, mais do que o conteúdo daquilo que dizem.

“Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, sai devagar...”

(Clarice Lispector. Felicidade clandestina.)

O fato de o livro haver sido emprestado a outra menina e de que o narrador-personagem deveria voltar no dia seguinte é comunicado ao leitor indiretamente, por meio das palavras do próprio narrador.

MLp1A2.indb 233 30/6/2010 14:11:48

Page 234: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7234

Andando nas fronteiras entre o pode ser uma narrativa, encontramos o conto a seguir da escritora brasileira Olga Savary.

King Kong x Mona lisaOlga Savary(para zélia e Ariano Suassuna)

A primeira coisa que dele teve foi a ameaça de sua morte. Uma ameaça através de seus guinchos, gaitadas, pios, rugidos, uivos, assobios, da algaravia por ele usada para a sedução. Era possível um ser tão vital com esta obsessão pela morte?

Ela acha que o amou desde esse primeiro momento, embora não esse amor, esse seu sim à vida ao saber-lhe a ex-futura morte, e esse se dar tanto, o se dar todo, até demais. Era possível, tão exclusivista, amar dando assim, tão selvagem, tão espontâneo, se dando a todos: um crucificar. Imaginou ser ele o mar para não sofrer. Por ser o mar de todos e assim, que outro jeito teria senão aceitar um tal requintado primitivo.

Um amor sem quase nada de particular, forte e violento mas quase impessoal, algo de amplo, sem espaço ou tempo, como por um mito ou coisa arquetípica. Amor seria isso? Então era isso amar? Amor não era. Era é paixão. A paixão não lhe era estranha, antes velha companheira. Mas a

paixão com tal violência a assustava um pouco, como antes o medo da vida, ainda que não mais agora. E a paixão era um tanto trágica. Assim a aceitava: com esforço, com dor, mas também com gozo.

Caça ou caçador, quem era? Aparentemente era ele o caçador, com tantos meneios mais a sedução, a estranha tensão de não poder passar tempo sem tocá-la. Era uma impossibilidade não tocá-la – dizia ele – saber-lhe levemente a pele, a quentura e o morno da carne pressionada para mais tarde conhecer coisas mais rudes e tensas. Era ele o caçador. Mas quem lançou senão ela o que deflagrou tudo, uma distraída provocação sensual sobre as coxas de Pelé? Nem ela soube se teria sido intencional, mas falou assim, de como eram belas as coxas de Pelé, o que o intrigou. Como tão grande timidez deixava escapar tal insolência?

Não se teria sabido o esplêndido animal que era à falta deste esplêndido animal que via agora e que, à primeira vista, a ameaçava e se ameaçava para ela com a proximidade passada de sua morte. E essa morte não vista, apenas entrevista, já passada, era a grande ameaça para que ela conhecesse sua real vida e quem ela realmente era a partir do conhecimento dessa fera.

King Kong – ela pensou –, vou chamá-lo assim, assim vou chamar a fera que me dará vida, como uma nova mãe-terra, a força animal até então desconhecida, a força primeira que, tomada nos dentes como o seu bocado primevo, a faria florescer e aceitar a vida com seus jogos, seus acertos e armadilhas. O perigo? E, era o perigo. Mas também a vida, a vida com suas espadas, seu cheiro acre e álacre, seu bafo feroz e comovente.

De uma vez que lhe dissera o nome que secretamente lhe dava, houve o espanto: mas não combina com você, que é minha Mona Lisa. Ela sorriu sem dizer nada, pensando: mas é de você que falo. Como fazê-lo entender? E era preciso? Uma fera é uma fera – e pronto. Nada de fazê-lo entender o que ele é. King Kong. Claro que era uma insolência. Só que agora fazia parte do jogo. Era tão fácil perceber. Não tinha ele só a maciez da polpa, também possuía as unhas. Mais que isso: as garras. A boca não era só um fruto do mato, toda polpa, úmida e abrangente, toda língua. Era também dentes, as presas afiadas, esplêndidas mandíbulas.

Um ser amorável essa fera, mas também de aguda crueldade e um tanto sádico, seu corpo marcado a fogo (o da paixão) como as reses que têm dono: dois K ardiam-lhe na anca. Poderia ela amar uma tal mistura de prazer e de perigo? Mas era já impossível retroceder. Seduzida pela fera, já não podia se reconquistar a si mesma. Agora que sabia seu corpo através do outro, seu espelho. Era a guerra, a paz dos abismos e da beira do desfiladeiro dos que nascem do furor da paixão, do lamber de sua língua rubra. King Kong: o êxtase e o horror. Rodeado de mandacarus, de cactos.

SAVARY, Olga. In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

MLp1A2.indb 234 30/6/2010 14:11:52

Page 235: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 235

OLGA SAVARY (1933- ) – Nasceu em Belém do Pará. A escritora tem inúmeros livros publicados e ganhou vários dos principais prêmios nacionais de literatura, entre eles o Prêmio Jabuti de Autor Revelação, pelo livro Espelho provisório. A antologia de poesia da América Latina, editada na Holanda, em 1994, inclui Olga Savary entre os maiores poetas do continente.

O conto de Olga Savary move-se entre gêneros: um conto ou a reflexão íntima e poética de uma mulher apaixonada por um homem tão diferente dela, um King Kong? É uma narrativa em que praticamente nada acontece, a não ser o mergulho dessa mulher pela sua paixão. O narrador não é a personagem, a quem se refere por “ela”, mas ele invade de tal maneira os pensamentos e emoções dessa personagem que, em muitos momentos, ficamos sem saber a quem pertencem os enunciados. Quem, efetivamente, afirma: “Era possível, tão exclusivista, amar dando assim, tão selvagem, tão espontâneo, se dando a todos: um crucificar”? O narrador ou a perso-nagem?

12. A narrativa de Olga Savary revela profunda feminilidade, bem como uma clara opção pela identidade brasileira. Encontre trechos no conto que comprovem essa afirmativa. Sublinhe-os.

13. As vozes do narrador e da personagem se confundem constantemente ao longo do conto, já desde o seu início. Encontre, nos quatro primeiros parágrafos, um exemplo em que a voz da personagem feminina se confunde com a voz do narrador, ficando o leitor sem saber ao certo quem está falando. Transcreva-o a seguir e explique por que o trecho confunde o leitor.

Olga Savary.

Há procedimentos da linguagem que servem para mostrar as falas das personagens, mas que não deixam claros os limites entre elas, misturando a voz das personagens com a do narrador. É o que chamamos de discurso indireto livre. Em Vidas secas, o uso desse discurso cria uma maior impres-são de verdade. Os pensamentos das personagens são misturados aos do narrador, surgindo como pensamentos que não são relatados nem por um, nem por outro.

Em “King Kong x Mona Lisa”, essa fusão de discursos do narrador com a personagem transforma o mergulho na alma da personagem feminino em um conflito intenso sobre o amor e as diferenças entre os gêneros se-xuais. O desenrolar de ações praticamente desaparece diante do conflito psicológico.

Discurso indireto livre é a forma de apresentar as falas e pensamentos das personagens mescladas à voz dos narrador, de forma que não fica claro o que pertence a um ou ao outro. Trata-se de um recurso polifônico em que o narra-dor diminui o desnível entre a sua voz e a da personagem, mas mantém-se no comando da narrativa.

MLp1A2.indb 235 30/6/2010 14:11:53

Page 236: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7236

Características do discurso indireto livreIdentificar o discurso indireto livre não é fácil, pois ele não possui um modo específico de in-

trodução. Ou seja:• não se utilizam verbos de elocução;• não se separa da fala do narrador por pontuação específica do discurso direto (aspas ou

travessão), nem por conectivos como “que” ou “se”, ligando os verbos de elocução às falas das personagens, específico do discurso indireto.

Apresenta, em um mesmo enunciado, duas vozes mescladas, que representam dois pontos de vista diferentes, seja na forma como se expressam, seja na opinião sobre um assunto. Chamamos de dissonância a presença dessas duas vozes diferentes em um mesmo enunciado.

14. Escreva um pequeno trecho, fazendo uso do discurso indireto livre da narrativa de Olga Savary que acabamos de ler, mas no qual o narrador se aproxima do universo masculino. Vamos dar-lhe o título Mona Lisa x King Kong.

Funções do discurso indireto livre nas narrativas literárias

O discurso indireto livre apresenta-se como uma tentativa de juntar, em uma única estratégia, os outros dois discursos: o direto e o indireto. A dissonância presente no discurso indireto livre dá realce à impressão de conflito e à ironia dentro do texto. Em certos textos, podemos também ter uma impressão de incoerência, resultado de duas vozes dissonantes estarem falando ao mesmo tempo.

O discurso indireto livre permite aproveitar, na expressão literária, a subjetividade da linguagem, prin-cipalmente a subjetividade e as emoções das personagens sem, contudo, fazer com que o narrador perca o pleno domínio do seu texto. Esse discurso também possibilita que o autor do texto aproveite a realidade social, reproduzindo com maior fidelidade a linguagem de certos grupos sociais (muitas vezes carregada de repetições indesejáveis e outros erros de uso da norma-padrão), sem abandonar o valor estético da obra: o discurso indireto livre permite ouvir dois enunciadores no texto – a voz do narrador que domina o discurso e a voz da personagem que acrescenta as suas diferenças.

15. Transcreva os trechos a seguir, excertos de Mudança, que se encontram em discurso indireto livre:

“O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente, esse obstáculo miúdo, não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.”

MLp1A2.indb 236 30/6/2010 14:11:54

Page 237: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 237

“Uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.”

“Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros – e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano.”

16. Identifique, em Mudança, de Graciliano Ramos, quais as funções do discurso indireto livre.

17. Crie uma personagem que possa interagir com as personagens de Mudança. Descreva-a detalhada-mente, utilizando-se do quadro a seguir.

Personagem: (nome)

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino Idade:

Características físicas: Características psicológicas:

Detalhes da indumentária: Vocabulário:

MLp1A2.indb 237 30/6/2010 14:11:55

Page 238: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7238

um pouco mais sobre a personagem

18. A seguir, você escreverá uma das narrativas das Vidas secas de Fabiano e sua família. Esse trabalho será feito em conjunto com o próprio Graciliano Ramos.

Acrescente à narrativa a sua personagem, fazendo-a interagir com as personagens de Vidas secas. Use o discurso indireto livre para dar maior força expressiva a seu texto. Ao final, a sua narrativa deve fazer sentido, sendo coerente com o gênero de que se trata.

Antes de iniciar sua narrativa, leia todos os episódios que a compõem e já aparecem escritos. Após terminar a redação, peça a um de seus colegas que lhe dê sugestões para deixá-la mais interessante e próxima das orientações presentes neste capítulo.

Festa(Graciliano Ramos e __________________________________)

Fabiano, sinhá Vitória e os meninos iam à festa de Natal na cidade. Eram três horas, fazia grande calor, redemoinhos espalhavam por cima das árvores amarelas nuvens de poeira e folhas secas.

Os dois meninos espiavam os lampiões e adivinhavam casos extraordinários. Não sentiam curiosidade, sentiam medo, e por isso pisavam devagar, receando chamar a atenção das pessoas. Supunham que existiam mundos diferentes da fazenda, mundos maravilhosos na serra azulada. Aquilo, porém, era esquisito. Como podia haver tantas casas e tanta gente? Com certeza, os homens iriam brigar. Seria que o povo ali era brabo e não consentia que eles andassem entre as barracas? Estavam acostumados a aguentar cascudos e puxões de orelhas.

A personagem, em uma narrativa, é o ser animado que age, que executa as ações. A palavra “personagem” origina-se da palavra grega “persona” (que significava máscara) e correspondia, no teatro grego, ao papel dramático assumido por um ator. A personagem em um texto literário é sempre uma representação da realidade, mas não a realidade em si mesma. Ou seja, toda perso-nagem, em um texto literário, é uma invenção que existe no papel, mesmo que represente alguém que existe ou existiu no mundo real.

MLp1A2.indb 238 30/6/2010 14:11:56

Page 239: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 239

De repente, Baleia apareceu. Trepou-se na calçada, mergulhou entre as saias das mulheres, passou por cima de Fabiano e chegou-se aos amigos, manifestando com a língua e com o rabo um vivo contentamento. O menino mais velho agarrou-a. Estava segura. Tentaram explicar-lhe que tinham tido susto enorme por causa dela, mas Baleia não ligou importância à explicação.

GRACILIANO RAMOS(1892-1953) – Foi escritor, revisor de jornal e diretor da Imprensa Oficial de Alagoas. Suas principais obras são Vidas secas e São Bernardo, que abordam temas como a seca, o coronelismo, a miséria e a força do povo nordestino. O grande valor literário desse autor, de acordo com os críticos, reside em seu estilo: um estilo seco, enxuto e sintético, em que ele deixa de lado o sentimentalismo, procurando a objetividade e a clareza. Seus textos revelam uma economia vocabular que dá ênfase aos nomes e prestigia a mensagem direta, sem rodeios. Cada palavra aparece no texto com um objetivo, não apenas para enfeite.

MLp1A2.indb 239 30/6/2010 14:11:57

Page 240: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7240

Este espaço é para a sua biografia.

o gÊNERo líRICo19. No espaço a seguir, faça um desenho ou colagem que traduza o seu conceito sobre o que é ser poeta.

A seguir, descreva o que o seu trabalho representa.

MLp1A2.indb 240 30/6/2010 14:11:58

Page 241: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 241

No capítulo um, já pudemos comentar um pouco sobre o gênero lírico. Na ocasião, pudemos compreender a importância de ter um olhar diferenciado sobre o mundo para escrever um bom poema lírico. Preste atenção na letra de música a seguir. Procure identificar nela qual a relação entre o eu do texto e o mundo em que vive.

o poeta está vivoBaby, compra o jornal e vem ver o sol,Ele continua a brilhar apesar de tanta barbaridade.Baby, escuta o galo cantar a aurora de nossos tempos,Não é hora de chorar, amanheceu o pensamento.O poeta está vivo com seus moinhos de ventoA impulsionar a grande roda da história,Mas quem tem coragem de ouvir,Amanheceu o pensamentoQue vai mudar o mundo com seus moinhos de vento.

Se você não pode ser forte seja pelo menos humana,Quando o papa e seu rebanho chegar não tenha pena,Todo mundo é parecido quando sente dor.Mas nu e só ao meio-dia, só quem está pronto pro amor,O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou,Conheceu os jardins do Éden e nos contou.Mas quem tem coragem de ouvir,Amanheceu o pensamentoQue vai mudar o mundo com seus moinhos de vento.Mas quem tem coragem de ouvir,Amanheceu o pensamentoQue vai mudar o mundo com seus moinhos de vento...

Frejat; Dulce Quental. “O poeta está vivo”. In: Barão Vermelho (Intérp.). Pedra, flor e espinho. Som livre, 2002.

20. De acordo com a letra da música, o que é ser poeta?

MLp1A2.indb 241 30/6/2010 14:11:59

Page 242: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7242

A poesia lírica se preocupa principalmente com o mundo interior do eu que escreve o poema: o eu-lírico ou eu-poético. O mundo ao redor dele, com as coisas, as pessoas, a sociedade e os acontecimentos históricos, não representa o principal do texto poético: o mais importante é aquilo, no mundo interior do eu-lírico, que é tocado pelo mundo exterior. As coisas que acontecem no mundo exterior funcionam como um estímulo para que o poeta escreva. O principal, em um poema, é o trabalho com a palavra, que permite o surgimento dos pensamentos, das emoções, da meditação e dos sentimentos do eu-lírico.

21. Identifique os pontos em comum e as diferenças entre a letra de música O poeta está vivo e a defi-nição de poesia lírica.

Observe a letra da música de Frejat e Dulce Quental. Ela está escrita em uma forma peculiar ao texto poético: o verso. O poeta, para transmitir seu pen-samento e suas emoções sobre determinado assunto, na maior parte das vezes, utiliza-se do verso, embora haja muitos poemas escritos em prosa. Os versos de um poema, por sua vez, agrupam-se em estrofes.

O número de versos de cada estrofe pode variar muito. Quando a estrofe tem dois versos, é chamada de dístico. Com três versos, é chamada de terceto. Quando possui quatro, de quarteto. Um poema completo de quatro versos, no entanto, é chamado de quadra. Uma das quadras mais populares no Brasil é “batatinha quando nasce”:

Batatinha quando nasce,esparrama pelo chão.A menina quando dorme,põe a mão no coração.

As estrofes podem ter um número muito variado de versos. Denominamos quinteto a uma estrofe com cinco versos. Com seis, sexteto; com sete, hepteto; e com oito, oitava.

Mas, qual o papel do poeta na sociedade? Leia um soneto da escritora portuguesa Florbela Espanca, que procura definir o papel do poeta na socie-dade:

Verso: sucessão de síla-bas poéticas, formando uma unidade de ritmo e melodia que, na maior parte dos casos, cor-responde a uma linha do poema. Os versos organizam-se em es-trofes.

Soneto : t ra ta -se de um poema com forma fixa – os seus versos estão agrupados em dois quartetos e dois tercetos – das mais di-fundidas na literatura ocidental. Muitas vezes contém uma reflexão sobre um tema ligado à vida humana.

MLp1A2.indb 242 30/6/2010 14:12:00

Page 243: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 243

Ser poetaSer poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija!É ser mendigo e dar como quem sejaRei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendorE não saber sequer que se deseja!É ter cá dentro um astro que flameja,É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim perdidamente...É seres alma, e sangue, e vida em mimE dizê-lo cantando a toda a gente!

ESPANCA, Florbela. Sonetos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

FLORBELA D’Alma da Conceição ESPANCA (1894-1930) – Tem hoje seus poemas admirados em todo o mundo, algo que não aconteceu quan-do era viva, quando foi praticamente ignorada. Publicou dois livros, por sua conta, em vida: O livro das mágoas (1919) e Livro de sóror Saudade (1923). Às vésperas da publicação de seu livro Charneca em flor, em de-zembro de 1930, Florbela suicidou-se. Tal ato de desespero fez com que o público se interessasse pelo livro e passasse a conhecer melhor a obra dessa escritora. A sua poesia revela toda a dor de alguém que não desiste da procura pela felicidade. Encontramos em seus poemas a constante busca pela realização feminina (especialmente frente ao homem amado), por Deus e pelo absoluto.

22. Compare o poema de Florbela Espanca com o desenho que fez sobre a identidade do poeta. Que semelhanças e diferenças consegue encontrar?

Florbela Espanca.

“Ser poeta” / Trabalho de

Semelhanças

Diferenças

MLp1A2.indb 243 30/6/2010 14:12:02

Page 244: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7244

Para a poesia atual, dentro da realidade social onde ela surge e circula, um dos mais importantes papéis do poema é “impulsionar a grande roda da história”, como nos falam Frejat e Dulce Quental. Isso somente pode acontecer por meio de um trabalho profundo do poeta dentro da linguagem, explorando toda a riqueza da língua em que escreve, buscando alcançar e renovar o próprio conceito de arte poética.

A sensibilidade diante da linguagem não é apenas tarefa do poeta; também representa um esforço para o leitor. O exercício seguinte visa ao desenvolvimento dessa competência de leitura.

23. O professor irá, a seguir, ler uma lista de adjetivos com voz neutra. Alguns alunos irão repeti-las, dando-lhes o máximo de expressividade possível, refletindo na voz, o significado das palavras.

Leia, com atenção, o seguinte poema de Carlos Drummond de Andrade.

Frio Bravo Decidido

Morno Feliz Crocante

Quente Raivoso Efervescente

Gelado Alegre Cru

Abafado Triste Delicado

Sufocado Tenso Escorregadio

Lento Deprimido Criativo

Doente Ventoso Frágil

Moribundo Tempestuoso Implacável

Morto Calmo Esponjoso

Assustador Relaxado Romântico

Ensopado Histérico Aconchegante

Gripado Severo Literário

Cansado Melancólico Poético

Medroso Entusiasmado Narrativo

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheiros.Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles considero a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.

MLp1A2.indb 244 30/6/2010 14:12:03

Page 245: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 245

Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.

ANDRADE, Carlos Drumond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988.

24. De acordo com o poema, sobre que assuntos o poeta deveria escrever? O que pensa disso?

25. Por que o poeta não deseja dedicar-se nem a um mundo caduco nem a um mundo futuro?

o ser e o tempo na poesia

Lembre-se, no entanto, de que, mesmo quando o poeta fala do seu tempo e da sua experi-ência como homem entre outros homens, ele o faz de um modo diferente daquele encontrado em outros gêneros textuais. O poeta recorre à memória da linguagem, de um passado presente, que se alimenta de lendas, mitos, do modo de ser da infância e do inconsciente. A palavra no poema explora toda a riqueza fonética, morfológica e sintática da língua, e constrói maneiras de provocar sensações no íntimo do leitor.

Adaptado de: BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1997.

26. Transcreva o verso que confirma o fato de o poeta desejar estar próximo de todas as demais pessoas da humanidade.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987) – Nasceu em Ita-bira (MG). Formado em Farmácia, foi professor de Geografia. Trabalhou de 1934 a 1945 no então Ministério da Educação e Saúde. Foi também jornalista. É considerado por muitos o maior poeta brasileiro do século XX. Como escritor, mostra ter a percepção de que há um intervalo entre as convenções e a realidade – o ser e o parecer – e ali constrói a sua poesia.

MLp1A2.indb 245 30/6/2010 14:12:04

Page 246: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7246

27. Que semelhanças e diferenças você consegue encontrar entre os poemas de Carlos Drummond de Andrade e a letra da música O poeta não morreu?

o poema metapoéticoOs temas para escrever um poema são muito variados e estão relacionados com o olhar inquieto do

poeta sobre a realidade à sua volta. Na sequência, leia um poema feito no começo do século XX, pelo português Fernando Pessoa, mais especificamente de um de seus heterônimos (uma personalidade criada por ele – como uma personagem – que também escrevia), Álvaro de Campos, que tem como preocupação principal descrever o seu próprio processo de criação literária:

Às vezes tenho ideias felizes,Ideias subitamente felizes, em ideiasE nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...Por que escrevi isto?Onde fui buscar isto?De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...Seremos nós neste mundo apenas canetas com tintaCom que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.

FERNANDO António Nogueira PESSOA – Nasceu a 13 de junho de 1888, em Lisboa, e morreu em 30 de novembro de 1935. Sua irmã testemunha, no Jornal de Letras, Artes e Ideias:

Tinha um dia a dia muito vulgar. Não se levantava nem muito tarde nem muito cedo, dependendo do tipo de noite. Tinha muitas noites insones e muitas vezes até o ouvíamos a andar no corredor para trás e para diante. Era nessas alturas que ele mais produzia, escrevia imenso.

Entre as nove e meia e as dez saía, para o escritório ou não, porque não estava obrigado a cumprir nenhum horário. Trabalhava quando queria e lhe apetecia. Costumava almoçar em casa, salvo se almoçava com amigos. Voltava a sair e vinha para jantar, raramente saindo à noite. Muitas vezes ficava no quarto, a escrever, suponho. Podia, contudo, ir trabalhar de noite para um dos escritórios, posto que tinha as chaves. Frequentava e levava a casa muito poucos amigos. Ocasionalmente tínhamos serões divertidos. Ficávamos os quatro irmãos até às três e quatro da manhã, rindo muito e discutindo tudo quanto havia. Como o Fernando adorava música clássica, também ia muito ao S. Luiz, aos concertos. Já ao cinema penso que nunca foi.

In: JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 26-11 a 2-12-1985.

“Mãos dadas” / “o poeta não morreu”

Semelhanças

Diferenças

MLp1A2.indb 246 30/6/2010 14:12:05

Page 247: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 247

Nesse poema, o poeta faz uma reflexão sobre a relação que ele mantém com a escrita. É essa reflexão que sustenta o poema. O seu olhar sobre o tema que escreve é um olhar profundamente inquieto.

REtICênCIAS

As reticências normalmente indicam que a frase foi interrompida. Seu uso mais comum ocorre para indicar;

• a retirada, por parte do autor, de uma parte de um outro texto que citou;• a surpresa, dúvida ou hesitação de quem fala;• a interrupção da fala do narrador, personagem ou eu-lírico, deixando ao cargo do leitor com-

pletar o pensamento.

A poesia de Fernando Pessoa revela a sua personalidade inquieta. Sempre procu-rando o novo, mas um novo que dialoga com o passado, tornando-se plural em toda a sua novidade.

29. Como essa personalidade irrequieta de Fer-nando Pessoa foi captada pelo escritor e pintor português Almada Negreiros na reprodução ao lado?

NEGREIROS, Almada. Retrato de Fernando Pessoa (1954). Lisboa: Museu da Cidade.

ALMADA NEGREIROS (1893-1970) – Nasceu em São Tomé e Príncipe (África) e morreu em Lisboa, onde viveu a maior parte do tempo. Poeta e pintor respeitado, sua obra revela um olhar crítico e inovador sobre a realidade de seu tempo. Era amigo de Fernando Pessoa.

28. Agora, responda oralmente:

• No que pensa esse poeta depois de escrever?

• Você, alguma vez, escreveu algo tão bonito, que o deixou tão orgulhoso que, depois, parecia nem haver sido você quem escrevera? Conte a sua experiência.

• Releia os versos: “Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta / Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...”. Dê um sentido possível para o fato de o poema terminar com reticências (...).

MLp1A2.indb 247 30/6/2010 14:12:07

Page 248: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7248

Fernando Pessoa assumiu, de uma maneira muito particular, a polifo-nia que constituía a sua identidade. Fez isso por criar personagens que também escreviam poemas – chamados de heterônimos. Dessa forma, ele se desdobrou em outras identidades. Além do poeta Fernando Pessoa, temos os heterônimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, escrevendo belíssimos textos poéticos. Fernando Pessoa levava muito a sério esses seus heterônimos (como são conhecidas tais personagens – a palavra heterônimo significa, literalmente, outro nome). Tanto é assim que cada um deles tinha a sua biografia e até um mapa astral que explicava muito de suas atitudes.

Álvaro de Campos, cujo poema acabamos de ler, é um poeta irrequieto, preocupado com a modernidade de seu tempo e com a relação entre ele e as pessoas ao seu redor. O poema que acabamos de ler é metapoético, ou seja, é um poema que trata da própria poesia e apresenta um importante teor filosófico.

O poema a seguir também apresenta uma reflexão sobre as relações entre o eu-lírico, a escrita da poesia e o outro. Ou seja, trata-se também de um poema metapoético. É de um poeta brasileiro contemporâneo, Manoel de Barros.

A maior riqueza do homem é a sua incompletudeNesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam como sou – eu nãoaceito.Não aguento ser apenas um sujeito que abreportas, que puxa válvulas, que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.Perdoai.Mas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homem usando borboletas.

BARROS, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. São Paulo: Record, 1998.

Assim como metalin-guagem ocorre quando usamos a língua para falar dela mesma, cha-mamos de metapoesia quando o poema tem como tema o próprio fa-zer poético. Há poemas metalinguísticos, que têm como tema a própria língua, no nosso caso, a portuguesa.

MANOEL DE BARROS (1916- ) – Advogado, fazendeiro e poeta. Poeta moderno, desenvolve, em sua obra, a temática regionalista, que vai muito além do valor documental para fixar-se no uni-verso mágico da palavra que supera e reinventa o cotidiano, transfigurando o mundo que o cerca. Algumas de suas obras: O guardador das águas, Concerto a céu aberto para solos de aves, Livro sobre nada, Ensaios fotográficos, Retrato do artista quando coisa.

Novamente, outro poema em que se pensa na relação entre o homem e a palavra.

30. O que gostaria de perguntar ao poeta sobre o poema lido?

MLp1A2.indb 248 30/6/2010 14:12:08

Page 249: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 249

31. Compare as questões que elaborou para o poeta com as de seus colegas. Procurem discutir as res-postas, assim como a compreensão global do poema.

Todo poeta busca um leitor. Todo ato de comunicação tenta fazer com que um pouco de nós chegue até o outro.

32. Escreva um poema sobre a língua portuguesa como forma de falar da identidade do ser humano por meio da poesia. O seu poema, como o de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa ou Manoel de Bar-ros, não precisa ter rimas, mas se esforce para que a sua mensagem consiga fazer o leitor refletir sobre o assunto. Seu olhar sobre a linguagem deve ser tão inquieto como o dos poetas que examinamos.

Após a discussão sobre as diferenças e semelhanças dos conceitos de poeta, afixem tais poemas na sala de aula.

o gÊNERo DRaMÁtICoLeia, com atenção, a resenha crítica a seguir.

Sexta-feira, 22 de agosto de 2003.

Lisbela e o prisioneiro mostra o Nordeste pop Filme, que estreia nacionalmente hoje, conta uma rasgada história de amor

Divulgação Marco Nanini como Frederico Evandro, Selton Mello como Leléu e

Débora Falabella, no papel de Lisbela, vivem personagens melodramáticos de um ambiente marcado por sotaques e músicas populares.

UBIRATAN BRASIL

Um Nordeste pop, aquele que vem estampado em parachoque de caminhão, brega mas não debochado, diferente do Nordeste suburbano que se apresenta na maioria dos filmes nacionais – é com tal colorido que o diretor Guel Arraes identifica seu longa Lisbela e o Prisioneiro, que estreia hoje em diversas salas do País. [...]

Inspirado na peça de Osman Lins, Lisbela e o Prisioneiro é uma comédia romântica que conta a história do malandro e aventureiro Leléu (Selton Mello) e da mocinha sonhadora Lisbela (Débora Falabella), apaixonada por filmes americanos. Ela está noiva e de casamento marcado quando Leléu chega à cidade. O casal se encanta, mas sofre pressões da família e do meio social, além de suas próprias dúvidas e hesitações. “É o bastante para o surgimento da versão nordestina de alguns personagens da comédia universal, como os valentões, os sabidos, a fogueteira, etc.”, comenta Guel Arraes, que há dez anos está às voltas com o texto de Lisbela.

Em 1993, ele fez uma adaptação para a televisão e, desde 2001, percorreu diversos teatros do País, encenando o mesmo texto. “As duas primeiras montagens (especial e peça) tiveram uma ótima resposta do público, o que me convenceu a levar a história para o cinema.” [...]

Apesar de enaltecer o texto de Osman Lins, Guel Arraes afirma que menos da metade do original inspirou a versão cinematográfica. “Na adaptação para a tevê, o tom geral era mais de farsa com algum romance. No cinema, a história virou uma comédia romântica com toques de farsa”, conta o diretor, que

MLp1A2.indb 249 30/6/2010 14:12:11

Page 250: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7250

in t roduziu novidades tecnológicas , especialmente na relação de Lisbela com o cinema. “Ela assiste a diversos trechinhos de filmes, que foram produzidos por nós parodiando diversos gêneros do cinema americano.”

A música também teve um papel essencial na composição do filme. Arraes conta que foi a primeira vez que seguiu a direção da trilha sonora, de João Falcão e André Moraes, “que me diziam como seria cada canção e de que forma elas seriam cantadas”, comenta o

diretor, que utilizou as músicas para modificar adequadamente a direção de atores. Disponível em: <www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/08/22/cad042.html>.

33. A resenha trata de três formas diferentes de apresentar o mesmo texto, Lisbela e o prisioneiro. Identi-fique-as.

34. Guel Arraes foi fiel ao original de Osman Lins? Identifique a parte do texto que justifica a sua resposta.

35. Na sua opinião, é correto modificar o texto original de um autor? Por quê?

Leia, na sequência, um trecho da peça de teatro de Osman Lins, Lisbela e o prisioneiro:

Cadeia pública, em Vitória de Santo Antão, PE. O cenário deve ser disposto de modo que a ação possa desenrolar-se dentro e fora da cela. Também há cenas na calçada da cadeia.

[...]JABORANDI Tenente! O homem vem aí com Juvenal e o Cabo Heliodoro. Parece até que vem mais

gordo! (Toca alegremente a corneta.)TEN. GUEDES Pare com isso! (Jaborandi continua.) Silêncio. (Ele para.)LELÉU (Entrando, acompanhado do soldado Juvenal e do Cabo Heliodoro. Está com a camisa

rasgada e meio suja de terra.) Epa, minha gente, como vão as coisas por aqui? Que é que

MLp1A2.indb 250 30/6/2010 14:12:13

Page 251: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 251

há, Jaborandi? Citonho velho! Sempre firme, hem? (Aos presos.) Aí, meninos! Nunca se metam a fugir, que esse homem é de morte. Me agarrou.

TEN. GUEDES Preso... ajoelhe-se.LELÉU Por quê? E aqui agora é igreja, é? TEN. GUEDES Ajoelhe-se, peça perdão.LELÉU Eu não fiz nada.TEN. GUEDES (Batendo-lhe.) Ajoelhe-se, peça perdão por ter traído a minha confiança, fugindo de

minha casa, procurando me desmoralizar...LELÉU Não. E o senhor não pode me bater. Só porque estou preso? Eu tinha o direito de fugir.

Agora o senhor não tem o direito de bater em mim, como não podia me tirar daqui e levar pra sua casa.

TEN. GUEDES Tanto podia que levei.LELÉU Tanto não podia que o juiz está querendo metê-lo na cadeia. Pensa que eu não sei, é?TEN. GUEDES Oh, dor de cabeça dos diabos! Citonho, quando você quiser levar uma dentada, faça favor

a um cachorro.LELÉU Quem é cachorro? Sou eu? Nem eu sou cachorro nem o senhor me faz favor. Ora favor, essa

é boa. Saio daqui pra trabalhar de graça, e logo no noivado de sua filha, que é uma joia de moça, com aquele advogadozinho que ajudou o promotor a acertar minha tampa, e o outro me vem com essa história de favor. Favor fiz eu, e não foi ao senhor, fique sabendo.

TEN. GUEDES Atrevido!

LINS, Osman. Lisbela e o prisioneiro. São Paulo: Planeta, 2003.

OSMAN LINS (1924-1978 ) – Nasceu em Vitória de Santo Antão (PE). Professor universitário de Literatura, publicou diversas obras. Várias delas traduzidas. Algumas adaptadas para a televisão e o cinema.

36. No trecho que acabamos de ler, não encontramos um narrador. Prove essa afirmação, recorrendo a partes da obra.

37. No início do texto, lemos:

“Cadeia pública, em Vitória de Santo Antão, PE. O cenário deve ser disposto de modo que a ação possa desenrolar-se dentro e fora da cela. Também há cenas na calçada da cadeia.”

Qual a função desse trecho dentro da obra?

MLp1A2.indb 251 30/6/2010 14:12:14

Page 252: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7252

Uma das falas de Leléu é reproduzida a seguir.

LELÉU (Entrando, acompanhado do soldado Juvenal e do Cabo Heliodoro. Está com a camisa rasgada e meio suja de terra.) Epa, minha gente, como vão as coisas por aqui? Que é que há, Jaborandi? Citonho velho! Sempre firme, hem? (Aos presos.) Aí, meninos! Nunca se metam a fugir, que esse homem é de morte. Me agarrou.

Examine a transformação que ocorre no texto a seguir:

Leléu entra, acompanhado do soldado Juvenal e do cabo Helidoro. Está com a camisa rasgada e meio suja de terra. Dirige-se a todos: “Epa, minha gente, como vão as coisas por aqui? Que é que há, Jaborandi? Citonho velho! Sempre firme, hem?”. Depois, volta-se para os presos: “Aí, meninos! Nunca se metam a fugir, que esse homem é de morte. Me agarrou”.

38. Oralmente, explique as diferenças formais entre os dois trechos.

EXERCíCIo DE oRalIDaDE

O gênero dramático é composto de textos que foram escritos com o obje-tivo principal de ser representado em forma de peça de teatro. É um roteiro para virar peça de teatro. Quando finalmente a peça de teatro é encenada, o gênero dramático se transforma em gênero espetacular. É importante não confundir estes dois textos: dramático e espetacular.

jogo da pantomimaO seu professor selecionará de 5 a 7 alunos para representarem uma atividade associada a

um determinado espaço. Cada ator do grupo deve fazer uma pantomima de uma atividade espe-cífica, diretamente relacionada com a atividade nesse espaço. A seguir, os demais alunos (público) adivinham a atividade comum e cada atividade específica. Os “atores” não precisam interagir no “palco”.

A pantomima é um tipo especial de texto espetacular, em que os atores se comunicam apenas através de gestos e expressões corporais, sem a presença da palavra ou da música.

Atividades genéricas sugeridas:Em casa. Na praia. Na fábrica. No circo. No acampamento. No hospital.Na fazenda. No escritório. Na academia.

É muito difícil encontrar uma definição de texto dramático que o diferencie dos demais gêneros textuais, pois a tendência atual é teatralizar qualquer tipo de texto. Mesmo assim, podemos observar algumas marcas do texto dramático ocidental.

O texto a ser dito pelos atores, chamado também de texto principal, é mui-tas vezes introduzido pelas indicações cênicas ou didascálias, texto também chamado de secundário. É o que se pode verificar a seguir.

Como não tem um narrador, o texto dramático é dividido entre as diversas personagens-locutoras, que são introduzidas pela citação de seu nome na peça.

TEN. GUEDES Pare com isso! (Jaborandi continua.) Silêncio. (Ele para.)Indicações cênicas

MLp1A2.indb 252 30/6/2010 14:12:15

Page 253: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 253

No texto espetacular, no entanto, as indicações cênicas e de personagens desaparecem. Observe o texto seguinte.

O espetáculo é tudo o que se oferece ao olhar. Aplica-se não somente ao teatro, mas a todas as artes de representação: dança, ópera, cinema, mímica, circo, etc. e a outras atividades em que o público participa, como esportes, ritos, cultos, etc. Um show de rock é um espetáculo, assim como a apresentação no teatro de uma peça de William Sheakspeare. Em um espetáculo, tudo é significativo: o texto dramático, o cenário, o local do teatro e da sala, os atores, os recursos técnicos, o produtor, etc.

No caso de Lisbela e o prisioneiro, Guel Arraes fez uma adaptação da obra de Osman Lins. O que isso significa?

Adaptação pode referir-se, principalmente, a duas coisas:

• Trabalho dramatúrgico a partir do texto que vai transformar-se em espetáculo. Para esse fim, todas as manobras imagináveis são permitidas: cortes, reorganização da narrativa, mudança do estilo das falas,

Capa de DVD do filme Lisbela e o prisioneiro, de Guel Arraes.

39. Que intervenções foram necessárias para transformar o texto de Osman Lins em espetáculo?

Cuidado! Embora não tenha um narrador, en-contramos no texto dra-mático uma função nar-rativa que se manifesta nas indicações cênicas e desaparece totalmente quando a obra se torna espetáculo.

MLp1A2.indb 253 30/6/2010 14:12:18

Page 254: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7254

alteração da linguagem, redução ou aumento do número de personagens, acréscimos, modificação do final, etc.

• A transformação de uma obra de um gênero em outro. Por exemplo, a passagem de um conto a texto dramático. A adaptação, em teatro, ocorre principalmente a partir de textos narrativos.

40. Em duplas ou trios, faça a adaptação de Mudança, de Vidas secas, ou da narrativa que escreveu a partir do texto Festa, de Graciliano Ramos, para texto dramático. Lembre-se da ausência do narrador e da existência de dois textos: o principal e o secundário, com as indicações cênicas e de personagem.

Quadro–resumo41. Complete o quadro-resumo a seguir.

Gêneros literários

Observação: ao elaborar o seu resumo, leve em consideração o que difere um gênero dos outros e como eles compõem essa instituição plural que é a literatura.

Narrativo:

Discurso direto:

Discurso indireto:

Discurso indireto livre:

Lírico:

MLp1A2.indb 254 30/6/2010 14:12:19

Page 255: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 255

um jogo dramático

42.A seguir, são fornecidos finais de cenas, espa-ços e tempos históricos em que essas cenas ocorrem. Um grupo de três a cinco alunos escolhe uma delas, bem como espaço e um tempo histórico, acrescenta personagens, relaciona-os e representa a ação que poderia levar àquele final. Tempo máximo da apresen-tação: cinco minutos.

Exemplo: “O assado que acabou de sair do forno é jogado no lixo”.

Uma senhora está para tirar o assado do forno quando toca a campainha. Sua vizinha vem conversar com ela para contar-lhe as últi-mas fofocas do prédio. Nisso chega o marido dessa senhora, e ela se lembra do jantar. Tarde demais: o assado que acabou de sair do forno é jogado no lixo.

Diferenças entre texto dramático e texto espetacular

Texto dramático Texto espetacular

Gêneros literários

Dramático:

MLp1A2.indb 255 30/6/2010 14:12:20

Page 256: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7256

Finais possíveis (em discussão com seus colegas, acrescente outros).

• Assado que acabou de sair do forno é jogado no lixo.• Comer uma barata.• Rasgar uma carta.• Esconder sua mãe na lata do lixo.• Transformar-se em estrela.

Espaços (em discussão com seus colegas, acrescente outros).

• Uma grande metrópole brasileira (pense em uma cidade como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Salvador).

• Uma cidade do interior.• Uma aldeia indígena.• Um grande centro urbano internacional como Nova Iorque ou Paris.• Um navio.• Uma base interplanetária.

Tempos históricos (em discussão com seus colegas, acrescente outros).

• Pré-história.• Século XIX.• Dias atuais.• Século XXIII.

Descrição das personagens.

MLp1A2.indb 256 30/6/2010 14:12:21

Page 257: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 257

Desenvolvimento (resumo das ações).

Como notou, para a elaboração e encenação dessas pequenas narrativas, foi necessário recorrer aos elementos básicos que compõem o gênero narrativo:

• Personagens• Tempo• Espaço

a pERSoNagEM, o ESpaÇo E o tEMpo Na lItERatuRa:RENovaNDo a lINguagEM Do tEatRo...

• Já ouviu a frase “Ser ou não ser, eis a questão”?

• Consegue identificar o seu autor?

WILLIAM SHAKESPEARE (1564-1616) – Nasceu em Stratford-Avon, Inglaterra. Atribui-se a William Shakespeare a autoria de 37 ou 38 peças, das quais se destacam, entre outras: Romeu e Julieta, Rei Lear, Hamlet, Otelo, Muito barulho por nada, A comédia dos erros, A megera domada, Macbeth.

Shakespeare é considerado um clássico da literatura de todos os tempos. A passagem do tempo facilita que alguns nomes da Literatura sejam cada vez mais valorizados. É o caso de nomes como Shakespeare e Machado de Assis. Nesses casos, é comum que a literatura estabeleça um diálogo com outras manifestações culturais, como o cinema. Filmes como Shakespeare apaixonado e Dom, que você encontra facilmente nas videolocadoras, servem de exemplo.

Textos dramáticos desses autores clássicos são representados até hoje, mesmo que já tenham passado séculos desde que foram escritos. É o que ocorre com o escritor português Gil Vicente, que nasceu entre 1465 e 1470, faleceu entre 1536 e 1540, e é considerado um dos fundadores do teatro em língua portuguesa. Seus textos ainda hoje são representados, pois pelos temas que apresentam, bem como pelo tom satírico, suas peças conservam uma grande atualidade.

Um desafio, na passagem do texto dramático para o espetacular, é atualizar a linguagem e as problemáticas que se encontram em tais textos.

Veja esse problema de perto ao ler, com atenção, o excerto do texto dramático de Gil Vicente, o Auto da barca do inferno. Gil Vicente escreveu o seu texto por volta do início do século XVI. Na peça, vários tipos da sociedade portuguesa da época desfilam, como numa procissão. Todos estão mortos

MLp1A2.indb 257 30/6/2010 14:12:22

Page 258: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7258

diante de um cais onde se encon-tram dois navios: um, que conduz à glória, ao Paraíso celeste, e é ca-pitaneado por um anjo; outro, que conduz ao Inferno e é conduzido pelo próprio Diabo. Nesse divertido desfile de personagens, cada um deles é obrigado a reconhecer o seu destino, o Céu ou o Inferno, de acordo com os pecados que cometeu aqui na Terra, enquanto estava vivo.

Auto da barca do inferno: considerado um auto de moralidade. “Auto” é um gênero dramático próprio da Idade Média e de di-fícil definição. Os autos de moralidade tinham uma finalidade educati-va: serviam para analisar os costumes sociais e o comportamento dos indi-víduos. Tornavam-se um momento para o espec-tador refletir e analisar a sociedade em que vivia.

Onzeneiro Pera onde caminhais?Diabo Oh! que má-hora venhais, onzeneiro meu parente! Como tardastes vós tanto?Onzeneiro Mais quisera eu lá tardar. Na safra do apanhar me deu Saturno quebranto.Diabo Ora mui, muito me espanto não vos livrar o dinheiro.Onzeneiro Nem tão-sóis pera o barqueiro não me leixaram nem tanto.Diabo Ora entrai, entrai aqui!Onzeneiro Não hei eu i d’embarcar!Diabo Oh! que gentil recear, e que cousas pera mi!Onzeneiro Ainda agora faleci, Leixai-me buscar batel. Pesar de São Pimentel! Nunca tanta pressa vi! Pera onde é a viagem?Diabo Pera onde tu hás-d’ir.Onzeneiro Havemos logo de partir?Diabo Não cures de mais linguagem.Onzeneiro Pera onde é a passagem?Diabo Pera a infernal comarca.Onzeneiro Dixe, não m’embarco eu em tal barca. Est’outra tem avantagem. Vai-se à barca do Anjo, e diz:Onzeneiro Hou da barca! Hou-lá! Hou! Haveis logo de partir?

Auto da barca do inferno, peça encenada no FIT-BH pela Companhia de Circo e Teatro Olho da Rua.

Com

panh

ia d

e C

irco

e Te

atro

Olh

o da

Rua

MLp1A2.indb 258 30/6/2010 14:12:25

Page 259: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 259

Anjo E onde queres tu ir? Onzeneiro Eu pera o paraíso vou. Anjo Pois quant’eu bem fora estou de te levar pera lá. Essa barca que lá está vai pera quem te enganou.Onzeneiro Por quê?Anjo Porque esse bolsão tomara todo o navio.Onzeneiro Juro a Deus que vai vazio!Anjo Não já no teu coração.Onzeneiro Lá me ficam de roldão vinte e seis milhões numa arca.Anjo Pois que onzena tanto abarca não lhe deis embarcação. Torna o Onzeneiro à barca do inferno, e diz ao Diabo.Onzeneiro Hou-lá! Hou, demo barqueiro! Sabeis vós no que me fundo? Quero lá tornar ao mundo e trazer o meu dinheiro. Aqueloutro marinheiro, porque me vê vir sem nada dá-me tanta borregada como arrais lá do Barreiro.Diabo Entra, entra, remarás! Não percamos mais maré!Onzeneiro Todavia...Diabo Per força é Que te pês, cá entrarás! Irás servir Satanás, Pois que sempre te ajudou.Onzeneiro Oh! Triste! Quem me cegou?!Diabo Cal´-te, que cá chorarás.

GIL VICENTE – Viveu no século XVI, na época da expansão marítima de Portugal, a qual trouxe muita riqueza à nação. Contudo, essa riqueza não era distribuída de forma justa, e muitas pessoas viviam na mais ab-soluta miséria. Além disso, enquanto os pobres passavam necessidade, os ricos viviam um próspero estilo de vida, cheio de ostentação e luxo. Gil Vicente observava criticamente tal sociedade decadente e não gostava do que via. Seu teatro denuncia essa situação. O público ria nas peças de Gil Vicente que rapidamente se tornaram famosas. Na verdade, o público ria de si mesmo.

GIL VICENTE. Auto da barca do inferno, Farsa de Inês Pereira e Auto da Índia. Estabelecimento dos textos, apresentação, notas e caderno biográfico de João Domin-gues Maia. São Paulo: ática, 1998.

MLp1A2.indb 259 30/6/2010 14:12:28

Page 260: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7260

43. Discuta oralmente:

• Com base no quadro biográfico de Gil Vicente, que semelhanças encontramos entre a época em que o dramaturgo viveu e a nossa?

44. Anote as principais dificuldades que encontrou para ler e compreender o texto de Gil Vicente.

Com a orientação do professor, identifiquem as dificuldades mais comuns da classe e discutam por que elas representam uma dificuldade para o leitor. Procurem encontrar vocábulos ou expressões que possam substituí-las.

Muitos se queixam de que a linguagem de Gil Vicente não é mais própria para a nossa realidade. Segundo essas pessoas, o estilo do autor foi apropriado para certa época, mas não para os nossos dias. Outros, no entanto, embora encontrem dificuldades ao ler Gil Vicente, notam que as ideias presentes em sua obra ainda são atuais.

Há vários caminhos para que possamos apreciar a obra de Gil Vicente, sem nos desencantarmos por achar a linguagem pouco apropriada para os nossos dias. Um deles é estudando mais profundamente a nossa língua portuguesa e superando, aos poucos, o preconceito ao português falado e escrito no século XVI. Outra possibilidade é atualizando a obra literária, para que mais pessoas possam lê-la sem encontrar dificuldades.

45. A partir de sua experiência com a linguagem, como definiria a palavra atualizar?

A atualização de uma obra literária não muda o enredo central. Preserva a natureza das relações entre as personagens. Somente são modificadas as datas e, eventualmente, o contexto que permita pensar na peça como pertencendo ao tempo presente.

E é isso que vamos fazer agora: atualizar o texto de Gil Vicente, para que um maior número de pessoas possam ler esse texto dramático clássico sem ficar desanimadas.

Para isso, em primeiro lugar, temos de compreender as personagens dessa obra dentro do espírito do século XVI.

A palavra onzeneiro, embora quase nunca usada nos dias de hoje, de acordo com o dicionário, pode ainda significar duas coisas:

1. mexeriqueiro, fofoqueiro, bisbilhoteiro;2. agiota, usurário.

Atualizar a obra literária consiste em adaptar ao tempo presente um texto antigo, levando em conta as circunstâncias atuais, o gosto do novo público e as modifica-ções que se tornem ne-cessárias pela evolução da sociedade.

MLp1A2.indb 260 30/6/2010 14:12:29

Page 261: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 261

46. Qual dos dois sentidos melhor se encaixa no texto de Gil Vicente? Por quê?

Agora, é necessário compreender a importância da personagem na cena, para poder atualizar o texto de Gil Vicente.

47. Pergunte a seus pais e a outros familiares que opinião eles fazem de um “onzeneiro”; forneça-lhes o significado que melhor se enquadra ao texto de Gil Vicente. Recolha as informações e resuma essas opiniões.

48. Comparando as respostas de seus familiares com a personagem apresentada por Gil Vicente, que semelhanças encontra?

a personagem de ficção

Na personagem de ficção, reúne-se uma série de traços e indícios que se relacionam com o enredo.

Algumas vezes, o escritor opta por construir personagens que apresentam uma personalidade muito específica, na qual encontramos diversas características psicológicas. Muitos textos literários, bem como filmes e outras narrativas apresentam personagens que vivem diversos conflitos íntimos. Consegue lembrar o nome de alguma obra em que isso acontece?

Ao apresentar a personagem para o leitor, o autor procura destacar deter-minados traços que considera mais importantes para a construção da obra.

A personagem, no texto literário, é uma realidade que existe nas frases do autor. É a habilidade desse autor em escrever bem que permitirá reconstituir a complexidade da pessoa real. O modo como o autor dirige o nosso olhar através de aspectos selecionados de certas situações, a aparência física e o comportamento psicológico irão permitir que a personagem se torne importante dentro da obra.

MLp1A2.indb 261 30/6/2010 14:12:30

Page 262: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7262

Outras vezes, encontramos personagens que representam modelos existentes na imaginação da sociedade. Elas não têm profundidade psicológica, apenas representam uma determinada maneira de ver o mundo. São chamadas de personagensarquétipos. É o caso, por exemplo, da Branca de Neve. Essa personagem representa o bem e a inocência. Não tem profundidade psicológica. O conto nada nos informa, por exemplo, sobre a aflição da moça em ter de morar no meio de uma floresta com sete anões que ela nunca vira antes. Branca de Neve é um arquétipo literário. O teatro de Gil Vicente é um teatro de arquétipos.

49. A esse respeito, que aspectos importantes das personagens “Diabo”, “Onzeneiro” e “Anjo” deveriam ser mantidos na adaptação da peça para os dias de hoje?

Devemos também considerar o espaço onde se desenvolve essa ação. Gil Vicente retoma uma tradição grega, adaptando-a para o pensamento

medieval cristão. Os gregos acreditavam que as almas dos mortos, para poderem chegar a seu destino final, os infernos, reino de Hades (sim, almas boas e más, se-gundo o pensamento grego antigo, iam para o inferno, exceção para aqueles es-colhidos, que se tornavam deuses), deviam atravessar o rio Aqueronte.

Diabo

Onzeneiro

Anjo

MLp1A2.indb 262 30/6/2010 14:12:33

Page 263: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 263

As águas desse turvo rio somente poderiam ser atravessadas pela barca de Caronte, uma divindade infernal que exercia a função de barqueiro da morte. Só recebia as almas daqueles que haviam sido sepultados e exigia-lhes uma moeda como pagamento para a travessia. As almas que não levavam o dinheiro ou não haviam sido sepultadas teriam que ficar às margens do Aqueronte chorando por toda a eternidade (ou por cem anos, segundo outra versão do mito). Por esse motivo, desenvolveu-se também, entre os gregos antigos, o costume de colocar uma moeda no caixão de quem falecia, para que a alma não fosse pega desprevenida e impossibilitada de chegar ao seu destino.

50. Que diferenças encontramos entre o mito grego e o espaço apresentado no Auto da barca do inferno?

Pesquise, na biblioteca da escola e na Internet, alguns mitos gregos que envolvem a relação do homem com o rio Aqueronte:

• Orfeu• Eros e Psiquê• Héracles (Hércules, para os romanos)• Éaco• Hades (Plutão, para os romanos)

Mito grego Autodabarcadoinferno

Destino final

Número de barcas

Um barco dirigido por Caronte.

Os domínios do deus Hades (Plutão, para os romanos).

Pagamento para se chegar à outra margem

O comportamento da pessoa durante a vida na Terra.

Personalidade dos barqueiros

Caronte é uma divindade que apenas se importa com duas coisas: que as almas tenham sido sepultadas e que levem a moeda para pagar-lhe.

MLp1A2.indb 263 30/6/2010 14:12:34

Page 264: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7264

Outro aspecto importante é a forma como Gil Vicente escreve. Embora o verso seja uma escolha mais frequente do texto lírico, ele também é encontrado em textos narrativos e dramáticos.

O verso também é caracterizado por ser rítmico. Um dos recursos que produz ritmo em um verso é a quantidade de sílabas poéticas utilizadas. A métrica é a medida dos versos. Uma sílaba poética não é a mesma coisa que uma sílaba comum gramatical. A sílaba gramatical é baseada no registro escrito, já a sílaba poética é baseada na oralidade, na forma como se pro-nuncia o poema. Assim, numa sílaba poética, as vogais átonas, que não são acentuadas na pronúncia, e que se encontram lado a lado, são agrupadas numa única sílaba (chamamos a esse processo de elisão) e somente con-tamos as sílabas até a última tônica de cada verso. Sílaba tônica é a sílaba acentuada numa palavra na sua pronúncia, mesmo que ela não receba o sinal gráfico de acento. O processo de contar as sílabas poéticas recebe o nome de escansão.

Veja a diferença em dois versos do poema “canção” de Cecília Meireles, que estudamos no capítulo anterior:

Divisão das sílabas gramaticais

Nun ca eu ti ve ra que ri do

1 2 3 4 5 6 7 8 9

total: 9 sílabas gramaticais

Escansão (ou divisão das sílabas poéticas)

Nun ca eu ti ve ra que ri do

1 2 3 4 5 6 7

total: 7 sílabas poéticas.

Lembre-se:

Ocorre elisão das sílabas gramaticais “ca” e “eu”, pois são constituídas de vogais átonas.

• A última palavra do verso é “querido”, cuja sílaba tônica é “ri”, por isso a sílaba gramatical “do” não é contada.

• Veja agora a escansão do primeiro verso da letra de música O poeta está vivo:

Ba by, com pra o jor nal e vem ver o sol,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

total: 11 sílabas poéticas.

51. Que diferenças consegue identificar entre o número de sílabas gramaticais e o número de sílabas poéticas? Por quê?

MLp1A2.indb 264 30/6/2010 14:12:35

Page 265: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 265

De acordo com o número de sílabas poéticas, os versos recebem o nome de

Monossílabo – uma sílaba Dissílabo – duas sílabas

Trissílabo – três sílabas Quatrissílabo – quatro sílabas

Redondilha menor – cinco sílabas Redondilha maior – sete sílabas

Decassílabo – dez sílabas Alexandrino – doze sílabas

Observe os versos abaixo, que são parte da fala da personagem Diabo.

Oh! que má-hora venhais, onzeneiro meu parente!

Como tardastes vós tanto?

Faça a escanção dos versos transcritos.

52. Classifique os versos de acordo com o número de sílabas poéticas.

53. Examine o trecho abaixo do Auto da barca do inferno.

Onzeneiro Todavia...

Diabo Per força é

Que te pês, cá entrarás!

Irás servir Satanás,

Pois que sempre te ajudou.

Onzeneiro Oh! Triste! Quem me cegou?!

Diabo Cal´-te, que cá chorarás.

Predominam versos regulares ou livres? Se regulares, de quantas sílabas poéticas?

Leia com atenção o poema Acontecimento, de Cecília Meireles, e siga as orientações para a atividade proposta.

acontecimento

Aqui estou, junto à tempestadechorando como uma criançaque viu que não eram de verdadeo seu sonho e a sua esperança.

Versos regulares: feitos com versos cuja métrica se repete.

Versos livres: não obede-cem a uma regularidade métrica, ou seja, os ver-sos apresentam diferen-tes tamanhos.

MLp1A2.indb 265 30/6/2010 14:12:36

Page 266: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7266

A chuva bate-me no rostoe em meus cabelos sopra o vento.Vão-se desfazendo em desgostoas formas do meu pensamento.

Chorarei toda a noite enquantoperpassa o tumulto nos ares,para não me veres em pranto,nem saberes o que perguntares:

“Que foi feito do teu sorriso,que era tão claro e tão perfeito?”E o meu pobre olhar indecisonão te repetir: “Que foi feito...?”

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.

CECÍLIA MEIRELES (1901-1964) – “Cecília Meireles define-se [...] como poeta capaz de perceber o mundo circundante pelos sentidos, com certo toque erótico, mas preservada a pureza. Som, luz, movimento, silêncio, sombras que perpassam, idas e retorno, de tudo ela se sente integrante, ao mesmo tempo neutralizada. Ressalva, contudo, a individualidade, pois no fundo investiga a própria identidade”. (CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade (1500-1960). V. II. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.)

Ao lado da última palavra do primeiro verso da primeira estrofe (“tempes-tade”), coloque uma letra (A).

Que palavras, nos versos seguintes, rimam com “tempestade”? Coloque ao lado também uma letra (A).

Repita o processo para a última palavra do verso seguinte, só que agora com a letra (B).

Avance nos demais versos, utilizando letras diferentes para cada rima diferente que encontrar. Use a ordem alfabética para nomear cada nova rima.

A sequência de rimas da primeira estrofe do poema “canção” é ABAB.

54. Qual a sequência de rimas do restante do poema?

Quando se encontram no final dos versos, as rimas organizam-se em esquemas de acordo com as letras do alfabeto. Poemas que não apresentam rimas são chamados de poemas em versos brancos.

55. Quanto à métrica, como podem ser classificados os versos do poema Acontecimento?

Rima: recurso sonoro baseado na semelhança fonética das palavras no final (rima externa) ou no interior (rima interna) dos versos. Produz um efeito musical dentro do texto que, muitas vezes, valoriza o poema.

MLp1A2.indb 266 30/6/2010 14:12:37

Page 267: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 267

56. Como você definiria o eu-lírico do poema de Cecília Meireles? Justifique.

De uma forma bem diferente do que ocorre com a narrativa, a personagem do poema lírico não se define claramente. Isso ocorre, antes de tudo, pelo fato de o eu-lírico manifestar-se apenas em monólogo, fundido com o mundo que ele olha e representa em sua poesia.

57. Relacione o espaço do qual o eu-lírico fala no poema.

Examine, com atenção, a música, cuja letra é transcrita a seguir.

a massaPelas ruas, pela cidadeOs passos da populaçãoTodos sem saber pra onde vãoOs gritos são a sua falaO dinheiro pulsa, a verdade se calaSob os olhos atentos da televisãoSem coragem, nem medoSem mente, nem coraçãoSem amor ou ódioSó idolatria, fé e devoçãoJustiça cegadaJustiça vendadaUm líder, a massa, puniçãoSob a inércia e a apatiaA violência ainda faz o diaEsperando a voz de quem seduzSob olhar compreensivoSoberana reina a surdezAos apelos de quem não a conduzTemida ou amadaSe realiza quando escravizadaNão dá lugar a razãoSempre a espreita ataque à traiçãoJustiça cegadaJustiça vendadaUm líder, a massa, a puniçãoFlicts. CD: Skema 110, Hangar 110 (vários artistas).

MLp1A2.indb 267 30/6/2010 14:12:38

Page 268: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7268

58. Poderia ser essa “massa” de que trata a letra da música, personagem do Auto da barca do inferno de Gil Vicente, se essa peça tivesse sido escrita em nossos tempos? Por quê?

59. Que semelhanças encontramos entre a letra de música A massa e o Auto da barca do inferno de Gil Vicente?

Os vícios dos homens e da sociedade estão em todas as peças de Gil Vicente. Todos os que esqueceram os valores éticos e morais são criticados: padres libertinos, agentes da justi-ça corruptos, médicos mentirosos, agiotas, prostitutas, cafetões, fidalgos decadentes, velhos tarados, etc. Ninguém escapa à crítica mordaz de Gil Vicente.

Profundamente católico, Gil Vicente não desejava que Portugal se afastasse de Roma. Antes, opunha-se à má conduta de certos membros da Igreja Católica.

No correr da história, muitos também têm feito das diferentes manifestações culturais e artísticas instrumentos para criticar aspectos da sociedade que consideram errados.

MANUEL BANDEIRA (1886-1968) – Considerado um dos mais importantes poetas da literatura nacional. Estreou na poesia em 1917 com o livro A cinza das horas. Sua poesia é caracterizada pela maestria dos versos e pelo grande poder de síntese. Tratou de temas como a morte, o cotidiano e o amor, muitas vezes aliando humor, ironia amarga e uma fina sensibilidade.

uM EStuDo Da lINguagEM: o SuBStaNtIvo EM O IMPOSSÍVEL CARINHO DE MaNuEl BaNDEIRa

Leia com atenção o poema seguinte:

o impossível carinhoEscuta, eu não quero contar-te o meu desejoQuero apenas contar-te a minha ternuraAh se em troca de tanta felicidade que me dásEu te pudesse repor– Eu soubesse repor –No coração despedaçadoAs mais puras alegrias de tua infância!

BANDEIRA, Manuel. Os melhores poemas. Seleção de Francisco de Assis Barbosa. São Paulo: Global, 1996.

MLp1A2.indb 268 30/6/2010 14:12:39

Page 269: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 269

O poema O impossível carinho, de Manuel Bandeira, é uma das páginas mais românticas da literatura brasileira. Note que a palavra “impossível” é um adjetivo que determina uma característica específica ao termo “carinho”. Não se trata de um carinho qualquer, mas de um carinho que o eu-lírico reconhece como uma não-possibilidade, portanto, realizável apenas na mente. Mas que dizer da palavra “carinho”?

No dicionário Aurélio, encontramos a seguinte definição:

carinho. S. m. 1. Afago, meiguice, carinho, carícia. 2. Cuidado, des-velo.

FERREIRA, Aurélio B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

A palavra carinho é usada para nomear um gesto diante da pessoa amada.

Recorrendo ao poema e à definição de substantivo, dê a sua opinião:

Substantivos: palavras que designam seres – vi-síveis ou não, animados ou inanimados – ações, estados, sentimentos, a t i tudes , dese jos e ideias.

60. Carinho, no poema, faz referência a um gesto, uma ação, um estado, um sentimento, uma atitude, um desejo ou uma ideia? Por quê?

61. Para esta recapitulação, consulte uma gramática. Recorra ao capítulo que explica o substantivo. A seguir, complete a tabela.

Observe a palavra “desejo” no poema de Manuel Bandeira. Para que o sentimento de desejo exista, é necessário que alguém o sinta. Os substantivos abstratos dependem de alguém para existirem. Eles nomeiam sentimentos que existem no plano das ideias, e as ideias necessitam de alguém que as pense ou sinta.

Referem-se a seres comuns a uma determinada categoria. Ex.: homem, escritor, carinho.

Próprios

Concretos

Referem-se a seres que dependem de outro ser para existir. Ex.: sau-dade, sinceridade, paixão.

Referem-se a uma pluralidade de seres de uma mesma espécie. Ex.: biblioteca, cardume, matilha.

MLp1A2.indb 269 30/6/2010 14:12:40

Page 270: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7270

Situação diferente ocorre com palavras como “carro” ou “fada”. Elas se referem a coisas que existem independentemente de alguém. Essas coisas existem como realidade em um mundo real ou inventado. Isso é importante: o substantivo concreto nomeia seres que existem como realidades concretas, tendo uma base material, em mundos reais ou inventados.

Contudo, ainda é importante acrescentar que a diferença entre substantivo concreto e abstrato não pode ser pensada como dois lados de uma mesma moeda. Pense antes no dial de um rádio. Daqueles rádios que você precisa mexer no comando para re-gular mais para a direita ou mais para a esquerda. Nas rádios FM, os extremos são 87,5 Mhz e 108,1Mhz; no que se refere aos substantivos, os extremos são concreto e abstrato. Assim como a maioria das emissoras não se localizam na faixa 87,5 ou 108,1, mas entre essas duas faixas, mais para um lado ou para

o outro. Do mesmo modo, uma grande parte dos substantivos é mais concreto ou mais abstrato, dependendo muito do contexto onde

estão inseridos.

62. No poema O impossível carinho, a palavra “coração” tende a ser mais concreta ou abstrata? Por quê?

63. No uso mais comum dessa palavra, ela tende a ser concreta ou abstrata? Por quê?

64.No poema, qual a importância do adjetivo “despedaçado” presente no verso “no coração despeda-çado”?

65. No uso mais comum, o termo “felicidade” é algo muito abstrato. No entanto, no poema, ele se torna bem concreto, comparado a um objeto. Prove.

O eu-lírico deseja dar algo em troca da felicidade que recebe. Essa troca seria o impossível carinho.

Repare que o poema é todo construído em torno do desejo do eu-lírico em tornar concreto para o outro, o ser amado, o sentimento abstrato de felicidade que sente. Ao fazer isso, ele se utiliza de uma comparação. A felicidade que ele recebe é semelhante à possibilidade de repor no coração despeda-çado do ser amado.

MLp1A2.indb 270 30/6/2010 14:12:43

Page 271: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 271

Em certos textos literários, a impressão do enunciador sobre o assunto que está desenvolvendo é realçada por dar mais valor à qualidade do que ao objeto de que está falando.

66. Comente, em classe, que diferenças encontra entre:

1. Os olhos azuis de Maria

2. O azul dos olhos de Maria

Em 2, ocorreu o processo de substantivação do adjetivo. Ou seja, toda palavra quando precedida de um artigo, torna-se um substantivo. Assim, são substantivos palavras que normalmente pertencem a outras classes gramaticais, como, por exemplo:

O amar (amar, na maioria das vezes, é verbo).

O eu (eu, na maioria das vezes é pronome).

O azul (azul, na maioria das vezes, é adjetivo).

O finalmente (finalmente, na maioria das vezes, é advérbio).

Artigos são as palavras o (com as variações a, os, as) e um (com as variações uma, uns, umas) que se colocam antes dos substantivos para indicar:

• Que se trata de um ser conhecido do interlocutor (artigo definido) Exemplo: Pega a caneta que está em cima da mesa, por favor.• Que se trata de um simples representante entre outros de uma dada espécie ao qual não

se fez referências anteriores (artigo indefinido) Exemplo: Eu preciso de uma caneta.O artigo definido é, basicamente, um sinal de notoriedade, ao contrário do artigo indefi-

nido.

o adjetivo e o substantivo em concordânciaComo já vimos no capítulo anterior, o adjetivo concorda em gênero e número

com o substantivo.

Ex.: casa azul – casas azuis

Surgem dificuldades quando há mais de um substantivo de número e gênero diferentes ou quando há mais de um adjetivo.

Por exemplo, para escrever seu poema, Manuel Bandeira utilizou sensibili-dade e emoção... inusitada? Ou inusitadas?

Os gramáticos afirmam que, nesse caso, dá no mesmo.

67. No entanto, você consegue distinguir diferenças de sentido nas frases a seguir?

• Para escrever seu poema, Manuel Bandeira utilizou sensibilidade e emoção inusitada.

• Para escrever seu poema, Manuel Bandeira utilizou sensibilidade e emoção inusitadas.

• Para escrever seu poema, Manuel Bandeira utilizou uma sensibilidade e emoção inusitada.

O artigo indefinido “uma” antes de sensibilidade e emoção como um ele-mento de caracteriza-ção, agrupando-os em uma única unidade.

MLp1A2.indb 271 30/6/2010 14:12:44

Page 272: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7272

Importante! Devemos, sempre, ao escrever, procurar uma concordância em que o adjetivo possa transmitir ao leitor a impressão clara de estar qualificando todos os substantivos a que diz respeito.

Veja agora outra situação:

Paulo estuda o idioma e a literatura... espanhola? Ou espanhóis?

Embora as duas concordâncias estejam corretas, quando os substantivos são de gêneros diferentes, os gramáticos afirmam que é mais comum o adjetivo concordar com o substantivo mais próximo. Assim “Paulo estuda o idioma e a lite-ratura espanhola” seria a forma mais comum, de acordo com os gramáticos. Nem todos, contudo, concordam com esse pensamento. E você? O que pensa?

68. Como você faria a concordância entre a expressão “idioma e tradições” e o adjetivo “português”: idioma e tradições portuguesas ou idioma e tradições portugueses? Por quê?

Observe estas duas frases:

1 – Paulo estuda as línguas inglesa, francesa e espanhola.

2 – Paulo estuda a língua inglesa, a francesa e a espanhola.

69. Qual lhe parece mais apropriada? Por quê?

o substantivo, o adjetivo e a descriçãoLeia, com atenção, o seguinte trecho:

“A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole salobro enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía e a umidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás de uma portinha, ao lado, sentia-se o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança.”

QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. Rio de Janeiro: Record, 1988.

José Maria EÇA DE QUEIRÓS (1845-1900) – Nasceu na Póvoa do Varzim, em Portugal. É um dos principais nomes da literatura portuguesa de todos os tempos. Seus textos são marcados pela ironia, pela riqueza de detalhes e pela tentativa de, por meio da obra literária, construir uma consciência crítica da realidade social e humana do leitor português. Seu estilo original agradou muito aos leitores, fazendo-o extremamente popular, inclusive no Brasil do século XIX.

272

A repetição do artigo no singular deixa em evidên-cia o valor das partes e diminui a importância do conjunto.

MLp1A2.indb 272 30/6/2010 14:12:45

Page 273: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 273

70. No trecho lido, predominam substantivos concretos ou abstratos?

71. Que impressão lhe transmite o texto?

72. Identifique, no texto, dois verbos que foram substantivados.

Toda descrição, de certa maneira, pode ser entendida como a ordenação de um conjunto de substan-tivos e adjetivos no decorrer de um texto. O primeiro problema que o escritor enfrenta é: até que grau de detalhe deve conduzir a descrição? Dependerá muito do objetivo de seu texto. Descrições mais detalhadas com o uso de um vocabulário técnico atribuem uma função didática ao texto.

Os nomes, em uma descrição, devem ordenar-se em torno de certos conjuntos organizados a partir da contiguidade dos elementos que compõem o objeto descrito, como se fosse uma câmera cinemato-gráfica, que vai filmando as diferentes partes, conforme elas estejam ligadas umas às outras. Por exemplo, uma câmera está filmando uma mulher: pode-se começar pela cabeça, descendo ao pescoço, braços, tronco, pernas, pés, ou fazer o movimento contrário – dos pés à cabeça. O que não seria usual, a menos que houvesse um motivo claro para isso, seria a câmera ficar pulando da cabeça para as pernas, depois o pescoço, depois volta para os pés, etc.

No trecho lido, o narrador descreve o espaço, seguindo o movimento da personagem, como se en-trasse com ela no espaço descrito. Inicialmente, a personagem está olhando o lugar onde se encontra (“uma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole salobro enojou-a”). A seguir, entra na casa por meio da “portinha pequena” e depara a escada (“de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía e a umidade fizera nódoas”). Depois descreve o lugar onde a personagem foi parar, o “patamar da sobreloja” (“uma janela com um gradeadozinho de arame, parda de pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão”). Aqui o narrador para, mas o seu ouvido consegue perceber “por trás de uma portinha”, “o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança”.

73. Identifique a estratégia seguida pelo narrador na seguinte descrição:

“As janelas abriam para o quintal. Viam-se dois largos pés de camélias vermelhas crescendo junto ao peitoril, e para além das copas das macieiras um pedaço muito vivo do azul-ferrete. Uma nora chiava ao longe; lavadeiras batiam a roupa.

Sobre a cômoda, entre infólios, na sua peanha, um Cristo perfilava tristemente contra a parede o seu corpo amarelo, coberto de chagas escarlates; e, aos lados, simpáticos santos sob redomas de vidro lembravam legendas mais doces de religião amável.”

QUEIROz, Eça de. O crime do padre Amaro. São Paulo: Moderna, 1994.

MLp1A2.indb 273 30/6/2010 14:12:48

Page 274: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7274

a posição do adjetivo A língua portuguesa admite liberdades na posição dos adjetivos em relação ao substantivo, principal-

mente os subjetivos, o que oferece diversas possibilidades de expressão de sentidos.

Veja:

1. A menina pobre não podia comprar o doce.

2. A pobre menina sentia-se muito sozinha.

Em 1, o adjetivo “pobre” é empregado em sentido denotativo: a menina não tem recursos financeiros que lhe permitam comprar o doce. Em 2, o sentido é conotativo: pobre acrescenta a ideia de compaixão à frase.

A posição do adjetivo

Quando o adjetivo está depois do substantivo, tende a manter o seu valor denotativo; quando está antes, tende a ganhar valor conotativo e com maior carga emocional.

74. No caso do poema de Manuel Bandeira, que diferenças de sentido notamos entre os títulos O impossível carinho ou O carinho impossível? Por quê?

Observe atentamente o trecho a seguir:

“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.”

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: FTD, 1997.

Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS (1839-1908) – Natural do Rio de Janeiro e de origem humilde, é considerado o melhor escritor brasileiro de todos os tempos. O mais importante escritor de narrativas da língua portuguesa. Sua obra contempla todos os gênero literários, embora seja principalmente na narrativa que encontramos a sua ge-nialidade. Em muitas dessas narrativas, o olhar finamente irônico do

escritor sonda a natureza psicológica do ser humano até alcançar a formação da sociedade, particularmente a brasileira. Há muita informação na Internet sobre Machado de Assis. Consulte, por exemplo, o site www.machadodeassis.org.br, mantido pela Academia Brasileira de Letras.

MLp1A2.indb 274 30/6/2010 14:12:49

Page 275: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 275

75. Machado de Assis aproveita a duplicidade de sentido proporcionada pela posição do adjetivo “defunto” em relação ao substantivo “autor”. Sobre isso afirma-se:

I. “defunto autor” faz referência a um morto que resolve começar a escrever;II. “autor defunto” faz referência a um autor que morreu;III. em “autor defunto”, o adjetivo poderia também significar “esquecido”.

Podemos afirmar que estão corretas:

a) Somente Ib) Somente II e IIIc) Somente I e IIId) Somente I e IIe) Todas

Agora, concentre-se na observação cuidadosa da reprodução a seguir.

VAN GOGH (1853-1890) – Pintor pós-impressionista holandês, que usava a cor mais para trans-mitir emoções que para representar objetos. As cores dramáticas e vibrantes que usava também refletem a vida conturbada e ansiosa que viveu.

VAN GOGH. O quarto do artista em Arles (1888). Paris: Museu d´Orsay.

76. Seguindo as estratégias de descrição aprendidas, descreva o espaço ilustrado pelo pintor. Procure um ângulo diferente daquele utilizado pelo pintor. Como você veria o quarto se estivesse sentado na cadeira ou na cama? Aproveite ao máximo os recursos expressivos oferecidos pelos adjetivos subjetivos e objetivos.

MLp1A2.indb 275 30/6/2010 14:12:51

Page 276: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7276

MATISSE, Henri. Nu au tambourin (1926). Nova Iorque: Paris/Artist Rights Society (ARS).

77. Que semelhanças e diferenças encontramos entre a descrição oferecida por um texto imagético e as possibilitadas pelo texto verbal?

Observe:

I.“A sala era ampla, mas as paredes pareciam-me tristes, escondidas entre quadros insolentes. O sofá,

carente de vida, estava impecavelmente limpo. As cortinas receosas do que pudessem mostrar, escondiam o mundo vibrante lá de fora. O rack altivo, de design moderno, um televisor de plasma gritava o desejo de novidades. Ao lado, dois vasos solitários, não se fazia companhia um ao outro. Finalmente, ao lado do rack, uma poltrona incomodada pelo lugar em que a deixavam.”

II.“A sala era ampla. As paredes pintadas de cinza claro acomodavam quadros coloridos. Esses combina-

vam com o grande sofá bege, impecavelmente limpo. As cortinas de um cinza mais escuro, permaneciam sempre fechadas, ocultando o que se passava lá fora. Um rack branco, de desing moderno, acomodava um televisor de plasma e dois vasos brancos e compridos. Finalmente, ao lado do rack, uma poltrona preta não possibilitava assistir à televisão.”

78. Comente oralmente as diferenças e semelhanças entre as descrições acima.

pENSaNDo EM aRtE...

O pintor observa a tela em branco sobre o cavalete. Uma boa ideia borbulha em sua cabeça. Ao seu redor, os instrumentos para pintar: tintas e pincéis de boa qualidade. O que lhe falta para se tornar um bom pintor?

Observe com atenção as reproduções a seguir.

MLp1A2.indb 276 30/6/2010 14:12:52

Page 277: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 277

MIRÓ, Joan. Mujer y Pájaro a la luz de la luna (1949). Paris: Succession Miró/ADAGP; Londres: DACS.

PICASSO, Pablo. Grand nu au fauteuil rouge (1929). Paris: Museu Nacional Picasso.

MLp1A2.indb 277 30/6/2010 14:12:54

Page 278: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7278

79. Identifique, no quadro a seguir, as semelhanças e diferenças entre as obras.

Para que um quadro interaja com seus interlocutores na sociedade, é tam-bém necessário que o pintor tenha técnica. É necessário que ele saiba usar as tintas e os pincéis de acordo com seus objetivos, o que inclui seu conceito do que seja arte.

Algo semelhante ocorre com a literatura. Uma grande parte das obras literárias não foram escritas nas variedades populares da linguagem. Na construção de sua obra literária, o escritor do texto literário tem liberdade para utilizar tanto a língua portuguesa escrita culta quanto as variedades faladas. O importante é que esse escritor se mantenha de acordo com o seu projeto de texto, o seu conceito de literatura e de literariedade, ou seja, os aspectos da linguagem no texto que representam a sua proposta do que é arte.

Releia com atenção a primeira estrofe do poema Acontecimento, de Cecília Meireles:

Aqui estou, junto à tempestade

chorando como uma criança

que viu que não eram de verdade

o seu sonho e a sua esperança.

A mulher nua.

Violência.

Agressividade. Impressão no inter-locutor

Representação ou abstração?

Representação: é pos-sível reconhecer que se trata de uma mulher.

o objeto em relação ao pintor

A mulher aparece com-pletamente transforma-da pelo pintor.

tema

MiróPicassoMatisse

MLp1A2.indb 278 30/6/2010 14:12:55

Page 279: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 279

80. Encontre, no dicionário, o significado da palavra “tempestade”. É possível substituir essa palavra por um de seus sinônimos, causando o mesmo efeito no leitor? Por quê?

No texto literário, a escolha das palavras quase sempre interfere na construção dos sentidos do texto. Isso torna o trabalho de adaptação do texto literário muito mais complexo. Não basta apenas dizer a mesma coisa com outras palavras; devemos procurar manter-nos o mais fiéis possível ao projeto de texto do autor (se um texto em prosa ou em verso, é com rima ou não, etc.), a menos que haja um motivo que justifique outra escolha. O mesmo poderíamos dizer do conceito de literatura que o texto, direta ou indiretamente, defende.

Por isso, antes de fazer um projeto de adaptação de um texto literário, é importante ponderar sobre o valor da palavra dentro do texto.

Faça isso a seguir, levando em conta o episódio do Onzeneiro no Auto da barca do Inferno, de Gil Vicente.

A atualização da obra de Gil Vicente deve responder às seguintes ques-tões:

• Que aspectos da personalidade do Onzeneiro devem ser mantidos na atualização, para que se conserve a crítica presente?

• Que alterações devem ser feitas no espaço em que se desenvolve o enredo para que ele facilite a aproximação com o leitor contemporâneo, sem comprometer o valor da peça?

• A atualização da obra de Gil Vicente deve manter a métrica e a rima desenvolvidas por ele, ou deve-se sacrificar essa construção peculiar à obra vicentina em nome da facilidade de compreensão?

81. Discuta em classe sua opinião sobre essas questões.

82.Após analisar atentamente o modo como Gil Vicente elaborou o seu texto no que se refere à crítica social, à construção da personagem, ao espaço onde se desenvolve a ação e à estrutura dos versos, atualize o texto de Gil Vicente, para que possa ser lido por jovens de sua idade que morem em sua região.

83. Quando terminar a atualização, e antes de entregá-la ao professor, troque com um de seus colegas o texto produzido. Peça a ele que o leia e contribua com sugestões para deixá-lo melhor. Faça o mesmo com o texto dele. Realize as alterações que julgar apropriadas.

84. O professor irá propor a divisão da classe em grupos. Cada um deles ficará encarregado de modernizar uma das diferentes partes do Auto da barca do inferno. As partes da obra serão divididas de acordo com o aparecimento das personagens, que se encaminham ou para a barca do inferno, ou para a barca do paraíso.

Ao final, as partes poderão ser representadas em uma encenação do Auto da barca do inferno, realizada pelo grupo de teatro da escola.

MLp1A2.indb 279 30/6/2010 14:12:56

Page 280: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7280

hIStóRIa CRítICa Da aRtE E Da lItERatuRa MEDIEvaISEuropa, ano 1000. Depois da decadência do

Império Romano no Ocidente e dos ataques das tribos bárbaras, inicia-se uma nova e importante fase na história da arte ocidental. Nessa época, en-contramos o poder, principalmente, nas mãos dos senhores feudais, embora já houvessem surgido os primeiros reinados. A agricultura e o comércio ressurgem gradualmente. Além disso, ordens re-ligiosas, algumas delas ocultistas e misteriosas, ganham forma e importância na sociedade. Essas ordens atendem a dois aspectos fundamentais: por um lado, levam fé para as massas populares e, ao mesmo tempo, conservam, nas bibliotecas dos monastérios, antigas tradições da cultura e da literatura pré-cristãs que, aos poucos, se unem ao pensamento cristão, projetando novas formas de ver o mundo, o que inclui um novo conceito de beleza artística.

É fruto desse casamento a criação da catedral. Na França, a tradição céltica, com seus sacerdotes druidas, faz surgir a catedral em estilo gótico, en-quanto, na Itália, ainda pela forte tradição greco-romana, surge a catedral em estilo românico.

Os druidas eram sacerdotes e líderes espirituais do povo celta.

Os druidas formavam uma classe social entre os celtas. Eram respeitados

como líderes e juízes. Seus conheci-mentos incluíam mitologia, astronomia, direito e medicina, além de terem dons

proféticos e mágicos. Acreditavam na imortalidade da alma e na reencar-nação. O druidismo possibilitou a

unidade do mundo celta e, por isso, foi fortemente combatido pelos roma-

nos durante as conquistas. A coleção de quadrinhos Asterix retrata, com inteligência e bom humor, a influência dos druidas na luta contra os romanos no que hoje é a França.

LIMBOURG, Paul et Jean. Les Très Riches Heures du Duc de Berry (c. 1415). Chantilly: Museu Condé.

MLp1A2.indb 280 30/6/2010 14:12:59

Page 281: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 281

Fachada da catedral católica de Reims (França).

Interior da catedral católica de Reims (França).

o estilo gótico

Observe as fotografias da Catedral de Reims. Pense nela ao ler o texto a seguir.

“Por outro lado, a pedra de uma estátua, o vermelho de um quadro, a palavra de um poema não são apenas pedra, cor e palavra: encarnam algo que os transcende e transpassa. Sem perderem os seus valores primários, seu peso original, são também como pontes que nos levam a uma outra margem, portas que se abrem a outro mundo de significados inexplicáveis através da simples linguagem.”PAz, Octavio. El arco y la lira. México: Fondo de Cultura Econômica. Trad. para esta obra de José Luís Landeira.

85. Observando atentamente a catedral em estilo gótico de Reims, imagine a que “outra margem” essa “ponte” nos deseja levar. Justifique.

O estilo gótico procura afastar o homem do plano terreno. Trata-se de um estilo fortemente teocêntrico. A catedral gótica é uma verdadeira oração feita de pedra, em que tudo – estátuas, arcos, símbolos, vitrais e colunas – fala da glória de Deus.

MLp1A2.indb 281 30/6/2010 14:13:03

Page 282: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7282

Gótico: relativo ou per-tencente aos godos.

Godo: relativo a uma an-tiga tribo germânica que, nos séculos II, IV e V, inva-diu os impérios ocidentais e orientais da Europa e fundou reinos na Itália, França e Espanha.

Teocentrismo (de teo = Deus e centro): visão de mundo que tem Deus como centro de todas as coisas. Tudo ocorre pela vontade divina: desde a chuva que cai até uma guerra ou um terremoto.

O interior do mosteiro cisterciense de Alcobaça, com os seus arcos em ogiva, é exemplo da arquitetura gótica em Portugal.

O objetivo da arquitetura da catedral gótica é levar o homem para o alto, para per-to de Deus, ao mesmo tempo que, pela própria altura, faz o homem se sentir pequeno diante da divindade. O gótico teve início na França, em

meados do século XII, vindo a se espalhar por toda a Europa. Terminou aproxi-madamente no século XIV, embora, em alguns países do resto da Europa, como a Alemanha, se estendesse até bem depois de iniciado o século XV.

Fachada da Catedral de Amiens (França). Interior da Catedral de Amiens (França).

Observe a constante presença, nas catedrais góticas, dos arcos partidos. O arco partido é a principal característica visível do gótico. Foi adotado por motivos técnicos, ainda que tenha conotações imediatas com a necessidade de o espírito ascender a Deus.

A Sainte-Chapelle é outra pérola da arte gótica. Foi construída, por ordem de São Luís, rei da França, para receber as supostas relíquias da cruz de Cristo, nos meados do século XIII. Os vitrais, que também têm a estrutura de arco partido, contam a história do Antigo Testamento e a vida de Jesus.

MLp1A2.indb 282 30/6/2010 14:13:07

Page 283: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 283

A Catedral de São Paulo é um exemplo do estilo gótico no Brasil. A construção desse templo, no entanto, é recente se comparada com o auge do gótico na Europa. A catedral, em um estilo gótico moderno e adaptado à realidade brasileira do século XX, teve sua construção iniciada em 1913 e só terminou quatro décadas depois. Foi inaugurada em 1954, como parte dos festejos do IV Centenário da cidade de São Paulo, embora faltassem ainda as torres, que seriam posteriormente finalizadas. É a maior igreja de São Paulo, com 111 metros de comprimento, 46 metros de largura, torres com 92 metros de altura cada, cúpula com altura de 30 metros e capacidade para 8 000 pessoas. No acabamento foram utilizadas cerca de 800 toneladas de mármores raros. Observe atentamente as fotografias a seguir.

Fachada da Catedral da Sé de São Paulo. Fachada da Catedral de Burgos (Espanha), construída entre os séculos XIII e XV.

Interior da Catedral da Sé de São Paulo. Interior da Catedral de Burgos (Espanha).

MLp1A2.indb 283 30/6/2010 14:13:10

Page 284: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7284

86. Contraste a moderna Catedral da Sé de São Paulo com outras erguidas na Idade Média, como a de Burgos, na Espanha, ou as francesas de Reims e Amiens. Que semelhanças e diferenças consegue encontrar?

Semelhanças Diferenças

A pintura e a escultura tiveram um papel primordial na arte gótica, pois, por meio delas, pretendeu-se transmitir a leveza e a pureza da reli-giosidade e não apenas as cenas tradicionais que marcam a religião. O objetivo dessa expressão artística era emocionar o espectador. Caracte-rizada pelo naturalismo e pelo simbolismo, procurou expressar a beleza ideal do divino.

Na pintura, os artistas utilizaram-se principalmente de cores claras, construindo um código: o azul, por exemplo, era a cor da Virgem Maria, e o marrom, a de São João Batista. A construção da ideia de um espaço sagrado e fora do tempo humano, afastado dos interesses terrenos, foi conseguida por meio de fundos dourados.

As estátuas acompanham a verticalidade do estilo, e as figuras da Bíblia alternam-se com símbolos pagãos. A expressão do rosto exterioriza uma sensação de paz interior. Serve de exemplo a Virgem Dourada da Catedral de Amiens.

Note o sorriso místico e enigmático que harmoniza espiritualidade e equilíbrio interior. A imagem retrata a Virgem Maria como modelo para alcançar a felicidade interior. Além disso, observe a auréola espiralada por trás da cabeça coroada da Virgem: trata-se de um símbolo de origem pré-histórica – o sol peregrino – demonstrando a preocupação daqueles que defendiam o pensamento gótico em perpetuar um patrimônio cultural antigo por meio da religião cristã.

o estilo românicoO termo românico é usado para indicar a ligação desse estilo com a antiga tradição romana. A re-

valorização da estética clássica caracteriza o românico. Na arquitetura, há um retorno à grandiosidade. No entanto, a horizontalidade românica contrasta com a verticalidade gótica.

A Virgem dourada da Catedral de Amiens (1240).

MLp1A2.indb 284 30/6/2010 14:13:12

Page 285: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 285

A Catedral de Pisa. A obra foi realizada pelo arquiteto Buschetto, que iniciou as obras por volta de 1063. A obra somente foi concluída em 1118.

As linhas horizontais românicas, contudo, equilibram proporções e medidas, introduzindo elementos de luz e de cor. O ideal é uma noção de beleza simples, que se manifesta nos arcos de forma arredondada. O olhar do fiel é conduzido para o altar, numa visão horizontal que destaca o seu caráter antropocêntrico, na procura do diálogo entre homem e Deus.

Antropocentrismo (de antropos = homem e centrismo): visão de mundo que tem o ser humano como centro e finalidade de tudo o que acontece.

Interior da Catedral de Pisa (Itália).

MLp1A2.indb 285 30/6/2010 14:13:15

Page 286: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7286

Igreja de Santa Maria de Ripoll, Gerona, Espanha. Força e solidez caracterizam as igrejas românicas. As paredes são espessas e maciças, com poucas janelas, para não comprometer a estabilidade da construção.

Basílica de Santo Antônio de Pádua, Itália. O elemento essencial da catedral românica é a abóbada de pedra, tijolos e argamassa, em forma de berço, dada pelo arco de plena cintra (meia circunferência).

O plano protótipo da igreja românica deriva da basílica romana, que não era um local religioso, mas destinado ao funciona-mento dos tribunais romanos. A igreja tem uma simbólica forma da cruz de Cristo. As naves laterais, secundando a principal, permitiam que muitos peregrinos circu-lassem sem interromper as celebrações e as missas. A iluminação indireta vem de pequenas aberturas laterais, janelas diminutas que reforçam ainda mais o as-pecto sombrio da igreja românica.Planta arquitetônica de igreja românica.

MLp1A2.indb 286 30/6/2010 14:13:20

Page 287: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 287

EXERCíCIo RESolvIDo

No pensamento gótico, o templo é um refúgio que nos aproxima de Deus. Reúne sob a mão de Cristo a simbologia bíblica e a pagã. Longe da pressão e correria encontradas no mundo, o ser hu-mano encontra, na catedral, paz e equilíbrio. Para a visão de mundo românica, o templo é um lugar de recolhimento para o diálogo profundo com Deus. Em silêncio e penumbra, unem-se o humano e o divino e, dessa junção, resulta o eterno benefício do homem.

E hoje em dia? No seu uso cotidiano, qual o significado do templo para o homem moderno? Ouça com atenção a letra de música a seguir.

TEMPLO

Se você olha pra mimSe me dá atençãoEu me derreto suaveNeve num vulcão

Se você toca em mimAlaúde emoçãoEu me desmancho suaveNuvem num avião

Himalaia, himeneuEste homem nu sou euOlhos de contemplaçãoInca, maia, pigmeuMinha tribo me perdeuQuando entrei no templo da paixão...Chico César; Tata Fernandes, Milton Di Biasi.

Compare a letra da música Templo com os conceitos góticos e românicos, conforme apresentados neste capítulo. Encontre semelhanças e diferenças entre as perspectivas sobre “catedral”. Confirme as suas afirmações, citando versos da letra da música.

RESPOSTA: na letra de música, o templo é um espaço de recolhimento que afasta o enunciador dos outros (“Minha tribo me perdeu/ quando entrei no templo da paixão...). É um lugar de mistério, silêncio e transformação, assim como as catedrais góticas, onde os “olhos de contemplação” podem estar em plena união com o objeto do amor. A mentalidade teocentrista gótica considera a passagem pela terra como um degrau para se reunir com o Ser Supremo. Da mesma forma, nada mais importa a esse enunciador a não ser estar unido ao objeto de seu amor. Contudo, ainda que o amor abordado na letra da música seja de fundo carnal e erótico, é expressão de afetividade. Nesse sentido, podemos notar mais uma semelhança, pois o amor é o sentimento que alimenta o cristianismo.

Trata-se de um lugar interior, “o templo da paixão”, construído no encontro dos amantes, não de um espaço físico. No entanto, esse templo permite o encontro do enunciador consigo mesmo para o seu benefício, numa atitude antropocêntrica que retoma o pensamento românico.

Não se procura mais por Deus, mas por alguém que, no dia a dia, “olha pra mim” e “me dá atenção”. O templo é o espaço sagrado que está além deste mundo e permite que o enunciador se encontre consigo mesmo e com quem ama. É também espaço de conflito entre tempos, pois reúne o desejo do encontro imediato, com a aspiração à eternidade.

MLp1A2.indb 287 30/6/2010 14:13:21

Page 288: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7288

87. Leia com atenção o poema a seguir, escrito no início do século XX. Compare-o com os conceitos góti-cos e românicos apresentados neste capítulo. Encontre semelhanças e diferenças entre as perspectivas apresentadas sobre a “catedral”. Confirme as suas afirmações, citando versos do poema.

Entre brumas ao longe surge a aurora, O hialino (1) orvalho aos poucos se evapora, Agoniza o arrebol (2). A catedral ebúrnea do meu sonho Aparece na paz do céu risonho Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos: “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O astro glorioso segue a eterna estrada. Uma áurea seta lhe cintila em cada Refulgente raio de luz. A catedral ebúrnea (3) do meu sonho, Onde os meus olhos tão cansados ponho, Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos (4). “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”Por entre lírios e lilases desce A tarde esquiva: amargurada prece Põe-se a lua a rezar. A catedral ebúrnea do meu sonho Aparece na paz do céu tristonho Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos: “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” O céu é todo trevas: o vento uiva. De relâmpago a cabeleira ruiva Vem açoitar o rosto meu. A catedral ebúrnea do meu sonho Afunda-se no caos do céu medonho. Como um astro que já morreu. E o sino geme em lúgubres responsos: “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

GUIMARAENS, Alphonsus de. Alphonsus de Guimaraens: poesia. Rio de Janeiro: AGIR, 1963.

Vocabulário:

(1) Transparente como o vidro. (2) Coloração avermelhada do crepúsculo. (3) De marfim; que tem a aparência de marfim. (4) Versículo rezado ou cantado depois da leitura de determinados textos litúrgicos.

agoRa É a Sua vEz

MLp1A2.indb 288 30/6/2010 14:13:22

Page 289: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 289

a representação humana e divina na Idade Média

Inicialmente, a pintura medieval era apenas para lembrar aos ho-mens a sua necessidade de Deus. As figuras apareciam em fundos mo-nocromáticos, normalmente sem perspectiva, numa proporção didática: os seres divinos grandes e os humanos pequenos. A maneira de ver e compreender o mundo era, até então, simbólica e baseada na hierarquia. O dourado que se vê como cor de fundo, no painel de Lorenzo Veneziano, representava a união com Deus. A veracidade alcançada pela arte também era simbólica. Foi essa atitude que começou a ser profundamente alterada pelo homem ao final da Idade Média. A natureza, o homem e a realidade ao seu redor começaram a ser vistos de um novo modo – a partir de uma nova maneira de compreender a relação do homem com o divino.

Aos poucos, a sensibilidade dos artistas e o desenvolvimento das técnicas de pintura e representação permi-tira que o elemento humano ganhasse cada vez maior importância dentro da pintura, mesmo da religiosa. O ser humano passou a aparecer nas pinturas com reações humanas, como a dor, a alegria, a necessidade de lutar.

BONDONE, Giotto de. São Francisco dando seu manto a um pobre (1297-1300). Assis: Catedral de Assis.

BONDONE, Giotto de. Êxtase de São Francisco (1297-1300). Assis: Catedral de Assis.

VENEZIANO, Lorenzo. A Virgem com o Menino (1372). Paris: Museu do Louvre.

MLp1A2.indb 289 30/6/2010 14:13:25

Page 290: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7290

a literatura e a música medievaisPodemos dividir a música dessa época em dois planos: o reli-

gioso e o profano.O canto religioso encontra a sua melhor expressão no canto

gregoriano, criado pelo Papa Gregório Magno. O canto gregoriano, sempre cantado em latim, procura a pureza, com modulações que lembrem um pouco os mantras hindus.

Para o canto profano, utilizam-se as línguas nacionais. Música e poesia lírica confundem-se em uma única realidade: os poemas não são lidos nem declamados; são cantados.

Em Portugal, encontramos as cantigas medievais divididas em dois grupos: um mais original por ser criação nacional e popular, relacionado com a vida rural: as cantigas de amigo. Em outro grupo, situamos as cantigas de amor, originadas nos palácios na Provença, no sul do que hoje é a França. Trata-se de uma poesia rebuscada, que parte de uma visão platônica do amor, que exalta a figura de uma mulher idealizada, geralmente muito bela, branca e loira.

Papa Gregório Magno, criador do canto gregoriano.

Página de um cancioneiro medieval.

Leia, com atenção, a seguinte cantiga de amigo:

Cantiga de amigo (de romaria)Não posso, mãe, ir a Santa Cecília,porque me guardais de noite e de diado meu amigo.

Sempre desolada me havereis de ver,enquanto a vontade não puder fazerdo meu amigo.

Se não me guardásseis de noite e de dia,Com este cuidado eu não morreriapor meu amigo.

Se a sua vontade não puder fazer,com este cuidado me vereis morrerpor meu amigo.

Com este cuidado eu não morreria,Pois, se me deixásseis, bem me salvariacom meu amigo.

Com este cuidado me vereis morrer;Mas se me deixardes, feliz hei de sercom meu amigo.

Martin de Guinzo. In: CORREIA, Natália. Cantares dos trovadores galego-portugueses. Lisboa: Estampa, 1970. Apud: D´ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 2: teoria da lírica e do drama. São Paulo: ática, 2003.

MLp1A2.indb 290 30/6/2010 14:13:27

Page 291: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 291

Sobre essa cantiga, o professor de Literatura, Salvatore D´Onofrio, afirma:

“[A] cantiga é chamada de romaria porque o encontro dos dois amantes se daria no san-tuário de Santa Cecília. É de se notar ainda que o problema do relacionamento sexual é colocado de uma forma trágica, mais do que dramática: a jovem sente que morrerá se não conseguir satisfazer o seu desejo amoroso. O binômio alternativo amor ou morte é próprio das épocas primitivas, de paixões violentas, quando predomina o individualismo exacerbado e ainda não se chegou ao estágio da racionalização dos sentimentos. A Idade Média é uma dessas épocas.”

D´ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 2: teoria da lírica e do drama. São Paulo: ática, 2003.

Leia agora uma cantiga de amor.

Cantiga de amor de mestriaOs provençais que bem sabem trovar!e dizem eles que trovam com amor,mas o que cantam na estação da flore nunca antes, jamais no coraçãosemelhante tristeza sentirãoqual por minha senhora ando a levar.

Muito bem trovam! Que bem sabem louvaras suas bem-amadas! Com que ardoros provençais lhes cedem um louvor!Mas os que trovam durante a estaçãoda flor e nunca antes, sei que nãoconhecem dor que à minha se compare.

Os que trovam e alegres vejo estarquando na flor está derramada a core que depois quando a estação se for,de trovar não mais se lembrarão,esses, sei eu que nunca morrerãode desventura que vejo a mim matar.

Dom Dinis. In: D´ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 2: teoria da lírica e do drama. São Paulo: ática, 2003.

O poema é composto por três estrofes, chamadas de cobras ou copras, cada uma com oito versos decassílabos, com esquema de rimas abbcca.

Ao mesmo tempo que o trovador assume a influência provençal em sua poesia, identificando-a como cantiga de amor e declarando que “Os provençais que bem sabem trovar!”, ele também salienta que sua obra é mais autêntica, pois foge das rígidas convenções provençais e exprime o que se passa no coração do poeta, algo que é muito mais autêntico: “sei que não / conhecem dor que à minha se compare”.

Chamar a cantiga de mestria faz referência ao fato de ela não ter refrão, fugindo aos esquemas da poesia popular.

MLp1A2.indb 291 30/6/2010 14:13:28

Page 292: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7292

Além das cantigas de amigo e das cantigas de amor, encontramos as can-tigas de escárnio e as cantigas de maldizer.

As cantigas de escárnio fazem crítica indireta, sem citar o nome da pessoa satirizada. A crítica gira em torno de aspectos triviais do cotidiano da época, como a ganância, a ignorância, a feiura, a rivalidade entre trovadores, etc. Já as cantigas de maldizer fazem uma crítica direta e grosseira, atacando diretamente as pessoas.

Sobre essa canção, o professor Salvatore D´Onofrio afirma:

“É interessante notar que, nos dois versos finais, o eu poemático afirma que a intensidade do sofrimento de amor pode levá-lo à morte. (...) Na cantiga de amigo que analisamos, de caráter realístico, era a falta de amor carnal que poderia causar a morte da jovem apaixonada; aqui, na cantiga de amor, de caráter idealizante, é apenas a ausência, a não-visão do rosto da mulher amada, que pode causar a morte do trovador. A mulher, portanto, é quase divinizada: sua figura irradia a luz que dá vida.”

D´ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 2: teoria da lírica e do drama. São Paulo: ática, 2003.

88. A cantiga a seguir é de escárnio ou maldizer? Por quê?

“Ai dona feia! Foste-vos queixarPorque eu nunca vos quis louvar em meu trovarMas agora quero fazer um cantarEm que a louvação não será poucaE vede como vos quero louvar:Dona feia, velha e louca!

Miniatura alemã, ilustrando um poema em que um casal de nobres caça com um falcão. (c.1300). Heidelberg: Univ. de Heidelberg.

Tocadores de alaúde, segundo manuscrito do século XIV. Madri: Escorial.

MLp1A2.indb 292 30/6/2010 14:13:31

Page 293: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 293

Ai dona feia! Deus me dê perdão!Pois vós tendes tão bom coraçãoPor isso vos louvo nesta razãoEm que a louvação não será poucaE vede qual será a louvação;Dona feia, velha e louca!

Ai dona feia! Nunca vos eu louveiEm meu trovar, mas muito eu já troveiMas agora já um bom cantar fareiEm que a louvação não será poucaE direi-vos como vos louvarei:Dona feia, velha e louca!”

João Garcia de Guilhade. (Texto atualizado por José Luís Landeira especialmente para esta obra.)

o gênero narrativoA Idade Média deixou fortes influências na literatura narrativa. É na Idade

Média que surgem as aventuras do Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda em Camelot. O rei Artur, personagem criada pela tradição popular, teria introdu-zido, no século V, o cristianismo na Inglaterra. Nesse ciclo narrativo, escrito em prosa durante a época das Cruzadas, encontramos duas vertentes. Uma toma como modelo A demanda do Santo Graal, cujo texto em francês foi traduzido, na própria Idade Média, para diversas línguas, entre elas, o português. A outra vertente tem como exemplo Amadis de Gaula.

A demanda do Santo Graal narra a lenda da busca pelo cálice sagrado que Cristo utilizou na Santa Ceia e no qual, supostamente, fora recolhido o seu sangue. Percival, Galaaz e Boors são os cavaleiros que se lançam nessa

A corte do rei Artur.

MLp1A2.indb 293 30/6/2010 14:13:33

Page 294: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7294

aventura. Eles representam o idealismo cavaleiresco definido por meio de três características: castidade, fé e coragem. Esse modelo de cavaleiro é explicitado logo no início da narrativa, quando os cavaleiros estão se preparando para a demanda.

“Como o homem velho disse que nenhum levasse consigo amiga na demanda. Depois disto, mandou o rei chamar a rainha e as donzelas e mulheres que viessem com ele. E depois que chegaram ao paço, cada um dos cavaleiros foi estar com sua mulher ou com sua amante ou com sua amiga. E alguns houve que combinaram com suas amigas de as levarem. E assim aconteceria se não fosse um velho, que chegou vestido com hábito de ordem, que disse tão alto que todos ouviram:

– Cavaleiros da távola redonda, ouvi. Vós jurastes a demanda do Santo Graal. E Nascião, o ermitão, vos manda dizer por mim que nenhum cavaleiro desta demanda leve consigo mulher nem donzela, senão fará pecado mortal. E não seja tal que nela entre, se não for bem confessado, porque em tão alto serviço de Deus como este, não deve entrar se não for bem confessado e bem comungado e limpo e purificado de todos os danos e de pecado mortal; porque esta demanda não é de tais obras, antes é demanda dos segredos e das coisas escondidas de Nosso Senhor, que fará ver conhecidamente ao bem-aventurado cavaleiro que ele escolheu para seu serviço entre todos os cavaleiros terrenos, ao qual mostrará as grandes maravilhas do Santo Graal e lhe fará ver o que o coração mortal não poderia pensar, e língua humana não poderia dizer.”

A demanda do Santo Graal: manuscrito do século XIII. Texto sob os cuidados de Heitor Megale. São Paulo: T. A. Queiroz, 1988.

89. A primeira frase do texto funciona como resumo do que vai ser lido. Com que sentido aparece nessa frase a palavra “amiga”? Que outros textos você conhece em que a palavra “amiga” apareça com o mesmo sentido?

90. O portador da mensagem “chegou vestido com hábito de ordem”. Como essa informação se relaciona com a mensagem transmitida?

91. Pelo contexto em que se encontra o termo “demanda”, identifique o seu significado.

MLp1A2.indb 294 30/6/2010 14:13:34

Page 295: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 295

Amadis de Gaula é um romance de cavalaria que não tem uma influência religiosa tão forte como A demanda do Santo Graal.

O rei Paion e Elisena tiveram amores adúlteros, e, dessa paixão, nasceu Amadis, que é abandonado nas águas do mar. Salvo por uma família, é posto como pajem da infanta Oriana. Amadis passa a sua vida a servir essa princesa, a quem ama, mas a sua timidez inibe-o de declarar-se. Amadis luta contra gigantes e mons-tros, por amor a Oriana. Um dia, a princesa acusa-o injustamente de infidelidade, e Amadis torna-se eremita. Contudo, uma ocasião propicia os dois estarem a sós na floresta e aí dão vazão à sua paixão carnal.

Na Idade Média europeia, surgiram textos poéticos narrativos que abordavam os atos heroicos de certas personagens. Episódios históricos foram mitificados e transformados em lendas nacionais. São exemplos de tais obras a francesa Canção de Rolando, a espanhola Cantar de Mio Cid e a germânica Canção dos nibelungos. No entanto, a obra literária que melhor retrata o pensamento e a espiritualidade da Idade Média é a Divina comédia de Dante Alighieri.

A Divina comédia inicia com Dante perdido numa floresta escura. Ao tentar escapar, encontra uma montanha, mas três feras impedem-no de subi-la. Pensando em desistir, Dante encontra-se com o

espírito de Virgílio – o poeta autor da Eneida – disposto a guiá-lo por um outro ca-minho. Virgílio fora chamado por Beatriz, antiga paixão de Dante, que, ao vê-lo em apuros, decide ajudá-lo. Ela desceu do céu e foi buscar Virgílio no Limbo. O cami-nho proposto por Virgílio consiste em passar pelo Inferno, no centro da Terra, atravessando-o até chegar aos pés do monte do Pur-gatório. Dali, Virgílio guiaria Dante até as portas do Céu.

DELACROIX, Eugène (1798-1863). A barca de Dante (1822). Paris: Museu do Louvre.

Fólio de Amadis de Gaula, edição de 1526, impressa em Sevilha por Jacobo Cromberger, alemão, e João Cromberger.

MLp1A2.indb 295 30/6/2010 14:13:36

Page 296: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7296

DORÉ, Paul Gustav. (França, 1832-1883). Inferno.

No caminho através dos nove círculos infernais, Dante vê onde são expurgados os diferentes pecados, o sofrimento dos condenados, os rios e as cidades infernais, os monstros e demônios, até chegar ao centro da Terra, onde vive Lúcifer. Passando por Lúcifer, conseguem escapar do Inferno por um caminho subterrâneo que leva ao outro lado da terra.

Saindo do Inferno, Dante e Virgílio se deparam com o Purgatório. Trata-se, na verdade, de uma montanha tão alta que alcança o céu. Na base da montanha, encontram o Antepurgatório, onde aqueles que se arrependeram tardiamente dos seus pecados esperam pela oportunidade de entrar no Purgatório propriamente dito. Depois de passar pelos dois níveis do Antepurgatório, os poetas atravessam um portal e iniciam sua nova jornada, desta vez subindo cada vez mais. Pas-sam por sete terraços onde são expurga-dos cada um dos sete pecados capitais. No último círculo do Purgatório, Dante se despede de Virgílio e segue acompanha-do por um anjo que o leva através de um fogo que separa o Purgatório do Paraíso terrestre. Finalmente, às margens do rio Letes, Dante encontra sua amada Beatriz e purifica-se, banhando-se nas águas do rio para que possa prosseguir viagem e subir às estrelas.

SIGNORELLI, Luca (Itália, 1450-1523). Dante e Virgílio entrando no purgatório (1502).

MLp1A2.indb 296 30/6/2010 14:13:38

Page 297: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 297

O Paraíso de Dante é dividido em duas partes: uma material e outra espiritual. A parte material segue o modelo cosmológico de Ptolomeu e consiste de nove círculos formados pelo que se acreditavam ser os sete planetas (Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno) mais o cha-mado Céu das Estrelas Fixas e o Céu Cristalino. Guiado por Beatriz, Dante passa pelos vários céus do Paraíso e encontra diversas persona-lidades do universo católico, como São Tomás de Aquino, por exemplo. Chegando ao Céu de Estrelas Fixas, é interrogado pelos santos sobre suas posições teológicas. Depois do interroga-tório, recebe permissão para prosseguir. No Céu Cristalino, Dante adquire uma nova capacidade visual e passa a ter visão para compreender o mundo espiritual, onde ele encontra nove círculos angélicos, concêntricos, que giram ao redor de Deus. Lá, ao receber a visão da Rosa Mística, separa-se de Beatriz e tem a oportunidade de sentir, ele mesmo, a essência do amor que emana diretamente do próprio Deus.

DELVILLE, Jean (Bélgica, 1867-1953). Dante bebendo as águas do Letes (1919).

92. Leia, com atenção, o trecho da Divina comédia de Dante Alighieri. Dante en-contra-se ao lado de Beatriz no Paraíso. Observe, no diálogo entre os dois, que a felicidade das almas depende de sua proximidade com a luz celestial. É em união com Deus que o verdadeiro amor pode resplandecer.

– De ti, que por teu lume me exaltaste,Amor do meu Senhor é conhecido,Se em mim somente havia o que criaste.(...)– Se no fogo do amor te resplendeçoEm modo, que o terreno amor precede;Se aos olhos teus a força desfaleço;Não te espantes: efeito é que procede,Desse perfeito ver, que o bem compreende,E, o compreendendo, em se apurar progrede.Já patente me está quando resplendeNa inteligência tua a Luz eterna,Que, apenas vista, sempre amor acende.

A divina comédia: paraíso – Canto I, versos 73-75 e Canto IV, versos 1-9.

Essa visão de mundo aproxima-se das cantigas de amor ou das de amigo? Por quê?

Você encontra o texto de Dante na íntegra no site <www.ebooksbrasil.com>.

MLp1A2.indb 297 30/6/2010 14:13:40

Page 298: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7298

Em Portugal, encontramos a prosa de feição historiográfica, em especial os relatos em torno da figura de Dom Afonso Henriques (Crônica geral de Espanha de 1344 e Crônicas breves de Santa Cruz de Coimbra, IV), traduções de obras do ciclo bretão e textos de religiosos e moralizadores (Boosco deleytoso e Horto do esposo, séculos XIV e XV), além da prosa doutrinal, que encontra na família de Avis, no século XV, expoentes notáveis: O Livro da montaria de D. João I, sobre a arte e os prazeres da caça; A ensinança de bem cavalgar toda a sela e Leal conselheiro, sobre a arte de montar e sobre a ética e a prática da vida quotidiana, respectivamente, de Dom Duarte; e Virtuosa Benfeitoria, adaptação feita pelo Infante Dom Pedro da obra original de Sêneca.

No entanto, o grande nome da prosa em Portugal, na Idade Média, é Fernão Lopes, escritor da história portuguesa. Fernão Lopes (1380?-1460?) provavelmente nasceu em Lisboa, de uma família do povo. De tudo o que escreveu chegaram até nós quatro livros: Crônica de D. Pedro I, Crônica de D. Fernando, Crônica de D. João I (em dois volumes).

É considerado o maior historiógrafo de língua portuguesa porque, numa época em que muitos misturavam a realidade com

a fantasia, ele manifesta uma genuína preocupação pela busca da verdade, como se pode verificar na seguinte afirmação que faz, na Crônica de D. João I (vol. I): “E esta razom segumdo nos parece, ocupa moor parte da verdade que as outras”. Além disso, preocupa-se com a qualidade de seu texto, procurando tornar as narrativas históricas agradáveis de ler, como se fossem novelas de cavalaria. De fato, nota-se, em sua escrita, uma influência do estilo de narrar presente em A demanda do Santo Graal.

Na época, os historiógrafos escreviam seus relatos, ou crônicas, preocupados apenas com a nobreza. Fernão Lopes põe o povo na narrativa, como personagem coletiva, um organismo vivo que ora acerta, ora falha, mas constrói a história de seu país.

Na passagem seguinte, estamos por volta de 1380. Portugal está em guerra contra Espanha. Lisboa está cercada pelos castelhanos. Ninguém entra ou sai da cidade sitiada, e as pessoas da cidade não têm mais comida. O objetivo dos espanhóis é fazer com que Lisboa capitule:

“E os gestos mudados com a fome, bem mostravam seus encobertos padecimentos. Andavam os meninos de três ou quatro anos, pedindo pão pela cidade, por amor de Deus, como lhes ensinavam as suas mães; e muitos não tinham outra coisa que lhes dar a não ser lágrimas que com eles choravam que era triste coisa para se olhar.”LOPES, Fernão. Atualizado por José Luís Landeira para esta obra a partir da Crônica de D. João I – segundo o códice 352 do arquivo nacional da Torre do Tombo. Vol. I. Barcelos: Livraria Civilização, 1994.

93. Qual a intencionalidade discursiva presente na expressão “muitos não tinham outra coisa que lhes dar a não ser lágrimas”?

Primeira página da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes. Lisboa: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

MLp1A2.indb 298 30/6/2010 14:13:41

Page 299: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 299

Nesse volume aprende-mos que intencionalidade discursiva são as inten-ções, explícitas ou suben-tendidas, presentes numa determinada situação comunicativa e que visam a modificar o comporta-mento ou o pensamento do interlocutor.

Mais adiante, lemos:

“Ora prestai atenção como se estivésseis presentes, uma tal cidade assim desconfortada e sem nenhuma certeza de seu livramento, como viveriam em desvairados cuidados, quem sofria ondas de tais aflições? Ó geração que depois veio, povo bem-aventurado, que não soube parte de tantos males, nem foi quinhoeiro de tais padecimentos! Os quais a Deus, por sua mercê, prouve de cedo abreviar de outra maneira, como a seguir ouvireis.”

LOPES, Fernão. Atualizado por José Luís Landeira para esta obra a partir da Crônica de D. João I – segundo o códice 352 do arquivo nacional da Torre do Tombo. Vol. I. Barcelos: Livraria Civiliza-ção, 1994.

94. Qual a proposta do texto ao afirmar “Ora prestai atenção como se estivésseis presentes”?

95. A outra maneira, de que fala Fernão Lopes, refere-se a uma peste que se espalhou entre os castelha-nos, matando muitos deles e permitindo a vitória de Lisboa. Essa vitória possibilitou que Dom João I se tornasse rei de Portugal. A inclusão de Deus, como personagem decisiva para a vitória portuguesa, revela que característica do pensamento medieval?

Além de tudo, Fernão Lopes tem o mérito de ser o primeiro artista da prosa portuguesa preocupado com a questão da nacionalidade, dando uma voz própria à literatura de seu país.

Pormenor de quadro de autor desconhecido (séc. XV). Fonte <http//Wikipedia.org>.

Iluminura medieval mostrando luta entre cavaleiros. Paris: B.N.F.

MLp1A2.indb 299 30/6/2010 14:13:44

Page 300: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 7300

paRa lER

você está perdendo a cabeça, viskovitz“Como era o papai?”, perguntei à minha mãe.“Crocante, um pouco salgado, rico em fibras.”“Antes que você o comesse, quero dizer.”“Era um sujeitinho inseguro, ansioso, neurótico, mais ou menos como vocês todos, os machinhos,

Visko.”Mais do que nunca, eu me sentia próximo daquele genitor que não conhecera, que havia se dissolvido no

estômago de mamãe enquanto eu era concebido. De quem não tinha recebido calor, mas calorias. Obrigado, papai, pensei. Sei o que significa, para um louva-a-deus, sacrificar-se pela família.

Recolhi-me um instante diante do seu túmulo, isto é, diante da minha mãe, e recitei um miserere.Logo depois, como pensar na morte nunca deixava de me provocar uma ereção, achei que era o momento

de ir ao encontro de Liuba, o inseto a quem amava. Eu a conhecera cerca de um mês antes, no casamento da minha irmã, que também foi o funeral do meu cunhado, e me tornara prisioneiro da sua beleza cruel. Desde então continuamos a nos ver. Como fora possível? Deus tinha me abençoado com o dom mais caro a nós, louva-a-deus: a ejaculação precoce, condição necessária para qualquer história de amor não efêmera. Na primeira semana, só perdi um par de patas, as raptatórias; na segunda, o prototórax com os anexos para o voo: na terceira...

“Não faça isso, Visko, pelo amor dos céus!”, gritaram os meus amigos zucotic, Petrovíc e Lopez, empoleirados nos ramos mais altos. Para eles, a fêmea era o demônio; a misoginia, uma missão. Eram

sexualmente desviados ou disfuncionais desde a metamorfose, tinham feito os votos do sacerdócio e passavam todo o santo dia mastigando pétalas e recitando salmos. Eram muito religiosos.

Mas não havia reza capaz de me deter, logo agora que eu ouvia o suspiro gélido da minha bela, o grave murmúrio das suas membranas, o seu fúnebre sorriso escarnecedor. Movi-me freneticamente em direção àqueles sons, com a única pata que tinha sobrado, escorando-me na minha ereção, esforçando-me para imaginar as suas formas gloriosas, agora que não podia vê-las porque não tinha mais ocelos, agora que não podia sentir seu cheiro porque não tinha mais antenas, agora que não podia beijá-la porque não tinha mais palpos.

Por ela eu tinha perdido a cabeça.

BOFFA, Alessandro. Você é um animal, Viskovitz. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 1999.

pauSa paRa REFlEXÃoEm seu caderno, responda às questões a seguir.

I. Que conteúdos deste capítulo conseguiria explicar sem consultar o livro?

II. Consultando o livro, identifique os conteúdos que, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem novas explicações ou atividades de reforço.

III. Que atividade(s) considerou mais importante(s) para o seu aprendizado? Por quê?

IV. Em que aspectos poderá melhorar sua participação nas próximas aulas?

MLp1A2.indb 300 30/6/2010 14:13:46

Page 301: Lingua Portuguesa 1ª Série

fazendo gênero com a literatura 301

ALESSANDRO BOFFA (1955- ) – Filho de pais italianos, nasceu em Moscou. A sua formação como biólogo foi imprescindível para que pudesse escrever Você é um animal, Viskovitz, seu livro de estreia no mundo literário. Trata-se de uma curiosa ficção em que as personagens são bichos que, enquanto divertem o leitor, reproduzem aspectos da sociedade atual. O resultado é próximo ao que Gil Vicente obtinha com suas peças de teatro: o leitor, ao mesmo tempo que ri das trapalhadas das personagens, está rindo de si mesmo.

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDo

a dimensão social e linguística da literatura96. Elabore a resenha crítica do capítulo estudado. Recorra às informações sobre elaboração de resenha

crítica presentes no capítulo anterior.

MLp1A2.indb 301 30/6/2010 14:13:47

Page 302: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8302

Sempre existe no mundo uma pessoa que espera a outra, seja no meio de um deserto, seja no meio das grandes cidades.E quando estas pessoas se cruzam, e seus olhos se encontram, todo o passado e todo o futuro perde qualquer importância. [...]Porque sem isto não haveria qualquer sentido para os sonhos da raça humana.

(Paulo Coelho – O Alquimista)

fALEMOS DE AMOR...

SEGALL, Lasar. Encontro (1924). São Paulo: Museu Lasar Segall.

Certos temas aparecem com frequência nos textos orais e escritos do dia a dia. O amor é um deles: está presente nas conversas informais, nas letras de música, nas grandes obras literárias e até nos tratados científicos e filosóficos.

MLp1A2.indb 302 30/6/2010 14:13:48

Page 303: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 303

IDEologIa E aMoREspera-se dos homens e das mulheres que expressem o seu amor da

mesma forma? Pense nisso enquanto lê o poema a seguir.

Casamento

Há mulheres que dizem:Meu marido, se quiser pescar, pesque,mas que limpe os peixes.Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram, ele fala coisas como “este foi difícil”“prateou no ar dando rabanadas”e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vezatravessa a cozinha como um rio profundo.Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir.Coisas prateadas espocam:somos noivo e noiva.

PRADO, Adélia. Adélia Prado: poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.

1. Como o poema defende a ideia de que o amor exige renúncia?

2. Identifique, no poema, as passagens que estão em discurso direto. A seguir, explique que ideia defen-dida no texto é reforçada pelo uso do discurso direto.

3. É apropriado o título do poema? Por quê?

MLp1A2.indb 303 30/6/2010 14:13:50

Page 304: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8304

4. Na sua opinião, o poema põe em igualdade as figuras masculina e feminina? Em outras palavras, que crença sobre a mulher o poema reforça?

O poema de Adélia Prado apresenta um conceito de felicidade marital, próprio de uma visão de mundo centrada na figura do homem como provisor e chefe da família. Essa ideologia, presente no texto, defende que a mulher renuncie ao seu sono para ajudar o marido que voltou da pesca.

5. Que grupo de pessoas compartilham a visão de mundo presente em Casa-mento de Adélia Prado? Justifique sua resposta.

Ideologia: pode definir-se como um modo de repre-sentar a sociedade com-partilhado por membros de um determinado gru-po. Isso significa que as ideologias possibilitam que as pessoas, como membros que pertencem a um grupo, organizem suas crenças sociais a partir de conceitos de bom ou mau, correto ou incorreto, e passem a agir de acordo com eles.

Nascida e criada em Divinópolis (MG), Adélia Prado reflete o modo de pensar católico corrente em boa parte do século passado, nas famílias tradicionais: a mulher criada para o lar, para ser esposa e mãe, auxiliando constantemente seu marido e seus filhos. Ao traduzir em um poema o que considera como “casamento”, o eu-lírico se posiciona ideologicamente e procura motivar o leitor a aderir a essa ideologia. Isso não é bom nem mau, pois todo texto verbal ou não-verbal defende uma ideologia e, de certa forma, espera que o leitor adira a ela. Ou seja, todo texto representa a sociedade de algum modo, refletindo o que o grupo no qual se insere o locutor considera bom ou mau. É função do leitor distinguir e avaliar as ideologias presentes nos textos que lê e posicionar-se em relação a elas. Você pode achar a ideologia presente em Casamento um pouco machista, ultrapassada e que essa mulher submissa já desapareceu da sociedade ou perceber que todo amor, quando verdadeiro, exige renúncias e que também o marido faria algo parecido pela sua esposa – são essas constantes renúncias que permitem manter acesa a chama da paixão durante o casamento. Como pode notar, importa muito saber defender a sua posição frente à ideologia presente em um texto.

Que ideologia está presente na letra de música que vai ouvir em seguida?

ai, que saudades da amélia(Ataulfo Alves e Mário Lago)

Nunca vi fazer tanta exigência,Nem fazer o que você me faz.Você não sabe o que é consciência,Nem vê que eu sou um pobre rapaz.

Você só pensa em luxo e riqueza,Tudo o que você vê, você quer.Ai, meu Deus, que saudade da Amélia!Aquilo sim é que era mulher!

MLp1A2.indb 304 30/6/2010 14:13:51

Page 305: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 305

Às vezes passava fome ao meu lado,E achava bonito não ter o que comer.Quando me via contrariado,Dizia: “Meu filho, o que se há de fazer!”

Amélia não tinha a menor vaidade.Amélia é que era mulher de verdade.

6. Reúna-se em grupos com seus colegas e discutam que idelogia(s) a respeito da mulher e do amor está(ão) presente(s) na letra de música de Ataulfo Alves e Mário Lago. Na redação da resposta, compro-vem o pensamento do grupo, recorrendo a partes da música para defender as ideias que surgiram.

Já afirmamos que não há textos ideologicamente neutros, e cabe ao interlocutor avaliar as ideologias presentes nos textos, posicionando-se em relação a elas.

7. Discuta oralmente:

• Que habilidades exige o papel do interlocutor diante das ideologias presentes nos textos?

• É possível manipular alguém ideologicamente? Como?

A elaboração intelectual das crenças pode revelar-se uma forma de as elites dominantes propagarem seus pontos de vista a toda a sociedade (veja o quadro “ideologia e alienação”).

Por exemplo, é comum ouvirmos o ditado: “Atrás de todo grande homem, há uma grande mulher”.

8. Que valor assume o termo “atrás”: inferioridade ou superioridade em relação ao homem? Assim, que valores ideológicos são defendidos pelo ditado?

A habilidade de o leitor dialogar com as ideologias veiculadas nos textos é fundamental para o exer-cício de sua cidadania. Caso contrário, ele pode tornar-se vítima fácil da alienação.

Ideologia e alienação“A alienação social se exprime numa ‘teoria’ do conhecimento

espontânea, formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida.

Um exemplo desse senso comum aparece no caso da ‘explicação’ da pobreza, em que o pobre é pobre por sua própria culpa (preguiça, ignorância) ou por vontade divina ou inferioridade natural. Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de uma elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade – sacerdotes, filósofos, cientistas, professores, escritores, jornalistas, artistas –, que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem e que é a classe dominante de sua sociedade. Essa elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social é a ideologia. Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as ideias de uma das classes sociais – a dominante e dirigente – tornam-se o ponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade.”CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: ática, 1994.

Marilena Chauí.

MLp1A2.indb 305 30/6/2010 14:13:52

Page 306: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8306

Traga, para a próxima aula, anúncios publicitários encontrados em revistas recentes que tratem do amor entre duas pessoas como tema para vender os seus produtos.

Muitos textos que circulam na sociedade fazem críticas às ideologias dominantes, apresentando outra po-sição ideológica. Por vezes, duas ou mais ideologias contrárias convivem na sociedade e são aceitas por elites dominantes diferentes, que as impõem aos demais segmentos por meio da mais variada produção textual.

9. Reúna-se em grupos com seus colegas. Encontrem as ideologias veiculadas nos anúncios publicitários das revistas. Observem a relação entre beleza (física, moral e intelectual), bens materiais, sexo, amor e felicidade.

• Que ideologias dominam a sociedade atual no que se refere ao amor, à mulher, ao homem e à felicidade?

10. Redijam um texto que identifique claramente tais ideologias, apresentando a posição do grupo em relação a elas.

“Aceita-se hoje que linguagem e pensamento formam uma unidade, sendo praticamente impossível pensar uma sem o outro. O pensamento só se manifesta através da linguagem (inclusive a não-verbal, como os gestos, as cores, as imagens) e a linguagem só se manifesta pelo pensamento. Pode-se afirmar que a linguagem é o próprio pensamento em ação. Ou, ainda, o pensamento só se materializa na linguagem.”

CITELLI, Adilson. O texto argumentativo. São Paulo: Scipione, 1994.

Como vimos, é fundamental que o leitor saiba dialogar com as ideologias presentes nos textos. Nos dias de hoje, encontramos uma forma capitalista de ver o mundo, baseada no consumo, dominando a sociedade. As pessoas são vistas não apenas pelo que são, mas principalmente pelo que gastam. Esse pensamento consumista materializa-se na linguagem e surge nos textos que circulam na sociedade, nos mais diversos assuntos tratados. A linguagem atribui sentido ao mundo, formulando conceitos e preconcei-tos que expressam os mais diferentes interesses sociais. Assim, não é de estranhar que haja pensamentos ideológicos em conflito. Quando assumimos a posição de enunciador ou co-enunciador, realizamos atos de linguagem relacionados a um conjunto de valores e experiências que se relacionam diretamente com o ambiente social, cultural e econômico em que vivemos. Também não podemos desconsiderar que os meios de comunicação, como jornal, rádio, televisão, etc., exercem um impacto muito grande na promo-ção de determinadas ideologias.

Por tudo isso, a importância de saber posicionar-se diante do mundo inclui a necessidade de saber defender as próprias ideias. De forma simples, argumentar é explicar por que se pensa de uma deter-minada maneira. Mas explicar de forma sólida, que permita o diálogo com as ideologias que circulam no meio em que vivemos. Antes de tudo, é necessário ter um ponto de vista sobre a(s) ideologia(s) presente(s) em um texto. Um ponto de vista não pode ser simplesmente um “eu acho que...”, mas deve surgir das experiências vividas, das leituras feitas, do desenvolvimento da compreensão do mundo ao nosso redor. Nenhum ponto de vista é completamente individual, mas orientado por conceitos com os quais convivemos no nosso dia a dia. Emitir um ponto de vista é assumir um pensamento pertencente a um determinado segmento social, como se esse pensamento fosse nosso, por isso devemos pensar bem antes de escrever.

MLp1A2.indb 306 30/6/2010 14:13:53

Page 307: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 307

Observe o texto a seguir.

MAITENA. Mulheres alteradas 2. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

11. Que ideologia é defendida pelo texto? Justifique a sua resposta.

12. Que conceito de masculino aparece no texto? Justifique.

os homens nunca têm culpa de nada!

MLp1A2.indb 307 30/6/2010 14:13:56

Page 308: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8308

13. Ao afirmar “Os homens nunca têm culpa de nada!”, o enunciador inicia, no texto, um jogo irônico. Explique.

14. Considera o texto preconceituoso? Por quê?

uM apaRtE gRaMatICal: oS poRQuÊS E a NoRMa-paDRÃo

Também é importante, se estamos escrevendo, usar adequadamente a norma conforme o objetivo de nosso texto. Em muitos casos, o uso da norma-padrão torna mais fácil que nossas opiniões sejam respeitadas. Por exemplo, no que se refere a explicar os motivos de nosso ponto de vista, a norma-padrão põe à nossa disposição o porquê em quatro formas: por que, por quê, porque e porquê. Lembra como se usa cada uma delas?

Usamos PoR quE:

a) nas interrogativas diretas ou indiretas: Interrogativa direta: Por que você está atrasado? Interrogativa indireta: Eu queria saber por que você está atrasado.

b) Quando estiver expressa ou subentendida as palavras “motivo” ou “ra-zão”:

Não sei por que você está atrasado. Subentendido: Não sei por que motivo você está atrasado.

c) Quando o termo puder ser substituído por “para que” ou “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais”, “pelas quais”:

O motivo por que (= pelo qual) você está atrasado é um mistério.

Usamos PoR quê:

Quando o termo aparecer em final de frase ou sozinho: Final de frase: Você está atrasado, e eu não sei por quê. Sozinho: Você está mesmo muito atrasado. Por quê?

Usamos PoRquE:

Quando a expressão for equivalente a “pois” ou “visto que” (sentido expli-cativo).

Estou atrasado porque (= pois) o pneu furou no caminho.

MLp1A2.indb 308 30/6/2010 14:13:57

Page 309: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 309

Usamos PoRquê:

Quando a expressão for substantivada (acompanhada de artigo). Nesse caso, “o porquê” é sinônimo de “o motivo”, “a razão”. Nesse caso, ele tem plural:

Singular: Explicou-me o porquê de seu atraso. Plural: Não entendi bem os porquês do seu atraso.

15. Marcos recebeu uma lista de frases para completar adequadamente com os termos por que, por quê, porque ou porquê. Identifique as frases em que Marcos usou adequadamente esses termos. Ajude-o, corrigindo as frases que estiverem escritas fora da norma-padrão, explicando o uso mais apropriado.

a) Eu amo Marta por que ela é bonita e inteligente.

b) O caminho por que você anda não o levará muito longe.

c) Eu não sei o por que de ela não querer mais casar-se com Pablo.

d) O título do livro será: Por que o amor é belo – os motivos e as contradições.

e) Preste atenção por que eu só vou dizer isso uma vez.

f) Responda-me por que eu não posso chegar mais tarde.

g) Foi embora sem olhar para trás nem dizer-me por que.

h) Por que você não fez a lição de casa? Por que?

i) Explique-me por que motivo você fez isso!

ERoS E pSIQuÊ: a IDEologIa NaS INtERpREtaÇÕESLeia atentamente o texto a seguir.

Psiquê (em grego, alma ou mente) era a filha mais nova do rei de Mileto, na antiga Grécia. A moça era tão bela que Afrodite, a deusa do amor e da beleza, sentiu-se enciumada. A tal ponto chegou o ciúme da deusa, que ela enviou seu filho, Eros (que significa paixão), para que Psiquê se apaixonasse pelo homem mais feio da terra. Mas o feitiço saiu contra o feiticeiro: quem se apaixonou pela jovem foi o próprio Eros. O deus, para esconder seus sentimentos dos demais, ludibriou o pai da moça, ordenando-lhe que deixasse a amada no alto de uma montanha para que a moça, supostamente, fosse devorada por uma terrível serpente alada.

MLp1A2.indb 309 30/6/2010 14:13:58

Page 310: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8310

Obediente aos deuses, a jovem foi abandonada no alto da montanha e levada pelo suave vento zéfiro a um castelo encantado. Ela passou o dia todo no castelo, até que, à noite, na escuridão de seu quarto, ouve a voz apaixonada de seu marido e sente o seu toque humano. Mas, ao amanhecer, Psiquê acorda sozinha. Na verdade, acreditando haver-se casado com alguma espécie de monstro, Psiquê se havia casado com o próprio Eros, o qual mantém o relacionamento em segredo para que Afrodite não se oponha. Eros não deseja revelar a sua identidade a Psiquê, e ela, já completamente apaixonada, aceita a condição.

Psiquê sente-se muito sozinha durante o dia. Além disso, sente saudades de suas irmãs. Tanto pede, que Eros permite a visita dessas moças. Elas mostram-se, no entanto, muito invejosas do destino de Psiquê e dão-lhe conselhos maldosos, colocando-lhe dúvidas em seu coração. Diziam-lhe que era inaceitável que ela não conhecesse o rosto de seu marido, que poderia estar casada com um monstro e até que deveria matá-lo, se ele fosse muito feio. A moça influenciada pelas irmãs decide aproximar uma lâmpada do rosto de Eros enquanto esse dorme. Leva também uma faca, para matá-lo, caso ele fosse monstruoso. Mas, qual não é a surpresa de Psiquê ao aproximar a lâmpada do rosto de Eros! Ao descobrir a extrema beleza de seu marido, Psiquê fica atônita. Sem perceber, uma gota de óleo quente da lâmpada cai sobre ele, acordando-o. Nesse momento, Psiquê é descoberta, e, triste com as suspeitas de sua esposa, Eros vai embora, terminando o casamento.

Já em casa, Psiquê está inconsolável: animada pelo deus Pan, decide partir para a luta e reconquistar a confiança de Eros. Sai, então, numa caminhada por toda a terra à procura de seu amado, que está acamado, ferido no ombro pela desconfiança de Psiquê. Afrodite está cheia de desejos de vingança e assim que a jovem a procura em seu templo, depois de haver percorrido grande parte dos templos do mundo, impõe-lhe uma série de terríveis tarefas a fim de perdoá-la.

Enquanto isso, suas irmãs saem atrás de Eros, para seduzi-lo. São enganadas pelo vento zéfiro e caem em um despenhadeiro, vindo a morrer.

Primeiramente, Psiquê deveria, antes de anoitecer, separar uma quantidade enorme de pequenos grãos. Psiquê ficou muito assustada com essa tarefa, mas as formigas que passavam por ali, comovidas pelo sofrimento da moça, resolveram ajudá-la e todos os grãos foram separados. A primeira tarefa foi cumprida, o que deixou Afrodite ainda mais irritada.

Depois, Afrodite pediu um pouco da lã de ferozes carneiros encantados que moravam em um vale cortado por um rio. O junco do rio que Psiquê precisava atravessar advertiu-a de que não haveria necessidade de enfrentar os terríveis carneiros para tentar tosquiá-los. Bastava esperar que eles saíssem das touceiras de arbustos espinhosos, quando fossem beber água: nos espinhos ficariam presos alguns fios de lã que poderiam ser facilmente apanhados e levados para Afrodite. Claro, que a deusa ficou furiosa quando viu Psiquê voltando com o pedido.

A terceira tarefa consistiria em trazer uma jarra de água escura de uma fonte no alto de uma montanha íngreme. Essa fonte era a nascente do rio Estige, o rio que os mortos atravessavam para chegarem a seu destino. Além disso, essa fonte era guardada por um terrível dragão. Psiquê estava pensando em desistir, quando aparece uma águia que toma a jarra em suas garras e voa até a fonte, enchendo-a do líquido escuro.

Finalmente, Afrodite determinou uma última e terrível tarefa: a jovem deveria descer ao mundo dos mortos, domínio do deus Hades, e trazer um pouco da beleza de Perséfone numa caixa. Psiquê estava disposta a se jogar do alto de uma torre para, morrendo, conseguir entrar no mundo dos mortos. Contudo, não foi necessário.

MLp1A2.indb 310 30/6/2010 14:13:59

Page 311: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 311

A própria torre, comovida com o amor da jovem, ensinou-a como alcançar o domínio de Hades.

Seguindo de perto as instruções dadas, Psiquê conseguiu o que Afrodite lhe havia encomendado. Mas a curiosidade foi tão grande que ela abriu a caixa para espiar. Vaidosamente, pensou que passar por tantas atribulações pudessem tê-la deixado feia e, por isso, Eros não a quisesse mais. A surpresa de Psiquê foi grande, pois de dentro da caixa saiu apenas um pesado sono que a dominou. Eros, já curado de sua ferida, voa em socorro de sua amada, salvando-a.

Enquanto Psiquê apresentava-se diante de Afrodite, Eros pediu ao deus dos deuses que o ajudasse, validando o casamento com Psiquê. zeus atendeu ao pedido de Eros, que se casou no Olimpo com Psiquê. Com o tempo, nasceu um filho, que se chamou Voluptas (em grego, Prazer).

José Luís Landeira. (Especialmente para esta obra.)

Agora, observe com atenção as reproduções de obras de arte a seguir.

II - CANOVA, Antonio. Eros e Psiquê (1787-1793). Paris: Museu do Louvre.

I - Artista anônimo. Eros e Psiquê (século I a.C.). Encontrada em Esmirna (Grécia). Paris: Museu do Louvre.

16. As duas reproduções fazem alusão ao mesmo famoso casal: Eros e Psiquê flagrados pelo artista em momentos diferentes da narrativa. A escolha de uma das cenas da lenda para representar artisticamente revela um ponto de vista sobre o mundo. Se você fosse representar artisticamente Eros e Psiquê, que episódio da lenda você escolheria? Por quê?

MLp1A2.indb 311 30/6/2010 14:14:00

Page 312: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8312

Na sequência, leia atentamente o poema.

Eros e psiquê

[...] E assim vedes, meu Irmão, que as verdadesque vos foram dadas no Grau de Neófito, e

aquelas que vos foram dadas no Grau de AdeptoMenor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

Do Ritual do Grau de Mestre do átrioNa Ordem Templária de PortugalConta a lenda que dormiaUma Princesa encantadaA quem só despertariaUm Infante, que viriaDe além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,Vencer o mal e o bem,Antes que, já libertado,Deixasse o caminho erradoPor o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,Se espera, dormindo espera,Sonha em morte a sua vida,E orna-lhe a fronte esquecida,Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,Sem saber que intuito tem,Rompe o caminho fadado,Ele dela é ignorado,Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino – Ela dormindo encantada,Ele buscando-a sem tinoPelo processo divinoQue faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuroTudo pela estrada fora,E falso, ele vem seguro,E vencendo estrada e muro,Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,À cabeça, em maresia,Ergue a mão, e encontra hera,E vê que ele mesmo eraA Princesa que dormia.

Fernando Pessoa (publicado pela primeira vez em Presença, n. 41-42, Coimbra, maio de 1934).

MLp1A2.indb 312 30/6/2010 14:14:02

Page 313: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 313

Compare o poema de Fernando Pessoa com a narrativa tradicional de Eros e Psiquê e responda as questões propostas.

FERNANDO PESSOA (1888-1935) – O poeta viveu no primeiro mo-mento da crise que, no século XX, iria dividir a tradição e a modernidade. Em sua poesia, Fernando Pessoa investiga o “eu” por meio do qual a arte se realiza, e isso em meio a um mundo cujos valores tradicionais estavam sendo questionados.

17. Se ignorarmos o título, temos uma narrativa fantástica, muito próxima de um famoso conto infantil, a Bela Adormecida. Nesse caso, o que seria o amor? Justifique.

18. No entanto, se levarmos em conta o título, não temos um príncipe e uma princesa quaisquer, mas Eros, a paixão, e Psiquê, a mente. Esses podem ser vistos como duas partes diferentes do ser humano: o lado emocional e o racional. Nesse caso, mais que um poema de amor, Fernando Pessoa está-nos falando do próprio ser humano. O que simbolizaria nesse caso a história de Eros e Psiquê, conforme narrada pelo poeta?

19. Ainda mantendo a chave de leitura de que Eros e Psiquê são duas dimensões diferentes do mesmo ser humano, que contraste o mito que acabamos de ler apresenta em relação ao pensamento comum de que as pessoas ou são emocionais ou racionais?

20. A hera é símbolo tanto do tempo que nunca termina, como da força adormecida e da persistência do desejo. Com tais referências, construa um sentido para a presença da hera tanto na grinalda na “fronte esquecida” da princesa, como em todo o quarto em que a princesa dorme.

MLp1A2.indb 313 30/6/2010 14:14:04

Page 314: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8314

voCÊ ENtREga CaRta DE aMoR?A letra da música que vamos ouvir sugere uma narrativa. Procure compreendê-la.

ECt

Tava co’o cara que carimba postais,Que por descuido abriu uma carta que voltou,Levou um susto que lhe abriu a boca.Esse recado vem pra mim, não pro senhor.

Recebo craque, colante, dinheiro parco embrulhadoEm papel carbono e barbante, até cabelo cortado, Retrato de 3x4 pra batizado distante.Mas, isso aqui, meu senhor,É uma carta de amor.

Levo o mundo e não vou lá,Levo o mundo e não vou lá,Levo o mundo e não vou lá,Levo o mundo e não vou...

Mas esse cara tem a língua solta,A minha carta ele musicou.Tava em casa, a vitamina pronta,Ouvi no rádio a minha carta de amor.

Dizendo: eu caso contente, Papel passado e presenteDesembrulhado, vestido.Eu volto logo, me espera.Não brigue nunca comigo,Eu quero ver nossos filhos,O professor me ensinou fazer uma carta de amor.

Leve o mundo que eu vou já,Leve o mundo que eu vou já,Leve o mundo que eu vou já,Leve o mundo que eu vou...

Nando Reis; Marisa Monte; Carlinhos Brown. “ECT”. In: Cassia Eller (Intérp.). MTV acústico.

21. Discuta, em classe, a sua compreensão da letra da música.

22. Que relação existe entre o título da música e a letra?

23. Na sua opinião, qual a importância de uma carta de amor?

Ao ouvirmos a música, percebemos que ela foi composta em determinado ritmo. Em um poema, o ritmo é dado pela alternância entre sílabas acentuadas e não acentuadas, de acordo com a intensidade com

MLp1A2.indb 314 30/6/2010 14:14:06

Page 315: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 315

que são pronunciadas. Cuidado! Assim como sílaba poética e sílaba gramatical são coisas diferentes (veja o capítulo anterior), a sílaba acentuada poética nem sempre coincide com a sílaba tônica gramatical.

Observe na letra da música que ouvimos:

Ta–va – co’o – ca – ra – que – ca–rim–ba – pos–tais,

Que – por – des–cui–do a–briu u–ma – car–ta – que – vol–tou.

Nesses dois versos, o ritmo resulta da acentuação na 4ª, na 8ª e na última sílaba.

Chamamos de aliteração a constante repetição de um mesmo fonema consonantal. Observe em ECT:

Recebo craque, colante, dinheiro parco, embrulhado

Em papel carbono e barbante

E até cabelo cortado, retrato de 3x4 (três por quatro)

Pra batizado distante.

Note como os fonemas consonantais /k/, /b/, /r/, /t/ e /d/ se repetem no trecho.

Chamamos de assonância a repetição constante de um mesmo fonema vocálico. Observe a assonância do fonema /a/ no primeiro verso de ECT:

Tava co’o cara que carimba postais...

As aliterações e assonâncias produzem efeitos na construção do poema. Repare que as aliterações da segunda estrofe em /k/, /b/, /r/, /t/ e /d/ da letra da música ECT produzem um efeito como de explosão, reforçando a ideia de algo que causa um repentino incômodo no interlocutor que recebeu, por engano, uma carta de amor. Além disso, as aliterações e assonâncias ajudam a reforçar o próprio ritmo da música.

Fonema: a unidade sonora de uma palavra ao ser pronunciada. Não deve ser confundido com letra, pois ele se refere aos sons que são representados pelas letras.

A representação entre letra e fonema não é direta. Por vezes, necessitamos de duas letras para representar um único fonema. Nesse caso, temos um dígrafo. Existe um alfabeto próprio para representar os fonemas. Você encontra esse alfabeto facilmente em qualquer gramática.

Exemplos: homem (5 letras) - / ome~ / (3 fonemas) carro (5 letras) - / kaRo / (4 fonemas) aparelho (8 letras) - / apareλu / (7 fonemas)

Em outras situações, uma mesma letra pode representar uma combinação de fonemas. Repare na letra x, no exemplo a seguir:

Exemplos: máximo / masimu / exame / ezami / táxi / tacsi / enxada / e~ ada /

MLp1A2.indb 315 30/6/2010 14:14:07

Page 316: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8316

o amor não correspondido

A estrutura da letra da música apresenta uma oposição de ideias, encon-trada, por exemplo, no verso “Levo o mundo e não vou lá” que se opõe a “Leve o mundo que eu vou já”. A oposição dá-se entre mundo x amor, e o amor é representado pelo movimento de ir (“não vou lá” ou “eu vou já”, ou seja, ir ao encontro do amor). Quando ocorre uma oposição de ideias em um texto deno-minamos antítese.

24. Utilizando-se dos recursos que consideramos (aliteração, assonância e antítese), elabore um poema de amor. Quando o terminar, troque o texto produzido com um de seus colegas, peça a ele que o leia e contribua com sugestões. Faça o mesmo com o texto dele, identificando as aliterações, assonâncias e antíteses ali presentes. Realize as alterações que julgar apropriadas.

No século XVII, uma freira sem vocação religiosa vive em um convento numa pequena cidade do interior de Portugal. Entrou para o convento com 12 anos, por determinação de sua família. Agora, moça feita, se apaixona perdidamente por um nobre oficial do exército francês que está de passagem por aquelas

terras. Ele brinca com os sentimen-tos dela, seduzindo-a. Mas, quando a missão desse nobre termina, ele regressa a seu país. A freira abando-nada derrama em cartas todo o seu abandono, saudades, amargura e inexperiência diante do amor. Ele, no entanto, não se comove com esse sofrimento. Esse é o contexto da carta de amor que iremos ler em seguida.

Capa de Lettres portugaises traduites en françois (edição de 1669).

MLp1A2.indb 316 30/6/2010 14:14:09

Page 317: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 317

Que irá ser de mim e que queres que faça? Como estou longe de quanto havia previsto! Esperava que me escrevesses de todos os lugares por onde passasses e que as tuas cartas fossem muito longas. Esperava que alimentasses a minha paixão com a esperança de voltar a ver-te, que uma total confiança na tua fidelidade me daria um certo repouso, que ficaria, em qualquer caso, num estado bastante suportável, sem extremos de dor... Tinha mesmo pensado nalguns vagos projetos de fazer quanto estivesse ao meu alcance para me curar, se pudesse ter a certeza de que me tinhas, efetivamente, esquecido. O teu afastamento, alguns ímpetos de devoção, o receio de arruinar por completo o resto da minha saúde com tantas vigílias e inquietações, a pouca probabilidade, do teu regresso, a frieza da tua paixão e das tuas últimas despedidas, a tua partida baseada em tão precários pretextos e mil outras razões, boas de mais e por de mais inúteis, pareciam oferecer-me auxílio bastante seguro, se para tanto ele fosse necessário. Não tendo, em última análise, de combater senão contra mim própria, não podia imaginar toda a minha fraqueza, nem compreender tudo o que agora sofro.

Ai de mim! Como sou de lamentar, eu, que não posso partilhar contigo as minhas dores e que me encontro a sofrer sozinha tamanha desgraça! Mata-me o pensar n i s so e mor ro com o receio de que nunca tenhas sent ido bem a fundo todos os nossos prazeres.

Sim! Conheço agora a má-fé de todos os teus transportes. Enganaste-me de cada vez que me disseste que estavas encantado por te encontrares a sós comigo. Só às minhas impertinências devo os teus arrebatamentos e arroubos. Foi a sangue-frio que concebeste o projeto de me inflamar: olhaste a minha paixão apenas como uma vitória, e o teu coração nunca se deixou tocar profundamente por ela.

Não te sentes infeliz, e não sentes a enorme falta de delicadeza em que incorres, por não teres sabido aproveitar de outro modo os meus arrebatamentos? E como é possível que, com tamanho amor, eu não tenha conseguido tornar-te feliz?

Lamento, só por amor de ti, os prazeres infinitos que perdeste: será que os não tenhas querido gozar? Ah! Se os conhecesses, verias que eles são mais intensos do que o de me teres seduzido, e terias experimentado que se é muito mais feliz e que se sente algo de bem mais tocante quando se ama com violência do que quando se é amado!

MLp1A2.indb 317 30/6/2010 14:14:11

Page 318: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8318

Eu não sei nem o que sou, nem o que faço, nem o que desejo: encontro-me dilacerada por mil movimentos contrários. Poder-se-á imaginar estado tão deplorável?

Amo-te perdidamente e respeito-te o bastante para não ousar talvez desejar que sejas atingido pelos mesmos arrebatamentos. Matar-me-ia, ou morreria de dor sem me matar, se soubesse que não tinhas descanso, que na tua vida mais não há que perturbação e agitação de toda a sorte, que choras sem cessar e que tudo te desgosta. Se já não posso remediar os meus males, como poderia suportar a dor que me dariam os teus e que me seriam mil vezes mais dolorosos?

Gravura de Beja (Portugal).

No entanto, também não consigo decidir-me a desejar que não penses em mim... E, para falar francamente, tenho uns ciúmes terríveis de tudo o que te dá alegria e toca o teu coração e o teu gosto em França.

Não sei por que te escrevo. Bem vejo que nada mais terás por mim do que compaixão – e, essa, não a quero!

Enfureço-me contra mim própria quando penso em tudo quanto te sacrifiquei: perdi a minha reputação, expus-me ao furor dos meus parentes, à severidade das leis deste país contra as religiosas e à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças.

No entanto, sei bem que os meus remorsos não são verdadeiros e que, do fundo do coração, desejaria ter corrido por amor de ti perigos ainda maiores. Tenho um prazer fatal em ter arriscado a minha vida e a minha honra: mas não deveria estar ao teu dispor tudo o que tenho de mais precioso? E não devo estar contente por o ter empregado como fiz? Até me parece que ainda não estou satisfeita nem com as minhas dores, nem com o excesso do meu amor, embora não possa, ai de mim, vangloriar-me de estar contente contigo.

MLp1A2.indb 318 30/6/2010 14:14:13

Page 319: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 319

Estou viva, infiel que sou!, e faço tanto para conservar a minha vida como para perdê-la! Ah!, morro de vergonha! O meu desespero estará então apenas nas minhas cartas? Se te amasse tanto como mil vezes te tenho dito, não teria já morrido há muito tempo?

Enganei-te!, e és tu que te deves queixar de mim. Ai de mim!, e porque o não fazes? Vi-te partir, não posso ter esperança de te ver voltar, e, no entanto, respiro! Enganei-te, afinal, e peço o teu perdão.

Mas não mo dês! Trata-me com severidade! Não aches que os meus sentimentos têm violência bastante! Sê mais difícil de contentar! Ordena-me que morra de amor por ti! Conjuro-te a que me dês este socorro, a fim de que vença a fraqueza do meu sexo e acabe com todas as minhas indecisões por um ato de verdadeiro desespero. Um fim trágico, obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim. A minha memória ser-te-ia cara, e talvez fosses sensivelmente tocado por uma morte fora do comum. Não valerá mais a morte do que o estado a que me reduziste?

Adeus! Bem gostaria de nunca te ter visto! Ah! Como sinto a falsidade deste sentimento e vejo, neste preciso momento em que te escrevo, que gosto bem mais de ser desgraçada amando-te do que gostaria de nunca te ter visto! Aceito, pois, sem lamentações, a minha triste sorte, já que tu a não quiseste tornar melhor.

Adeus! Promete que me lamentarás com saudade se eu vier a morrer de dor! E que ao menos a violência da minha paixão te tire o gosto e te afaste de todas as coisas. Essa consolação me bastará, e, se é preciso que te abandone para sempre, bem gostaria de não te deixar a uma outra qualquer. Não seria uma crueldade sem par da tua parte servires-te do meu desespero para te tornares mais amável e para mostrar que provocaste a maior paixão do mundo?

Adeus, mais uma vez! Escrevo-te estas cartas longas de mais; não tenho suficiente respeito por ti, e disso te peço perdão. E ouso esperar que usarás de alguma indulgência para com uma pobre insensata que o não era, como muito bem sabes, antes de te amar.

Adeus! Parece-me que falo demais no estado deplorável em que me encontro. No entanto, do fundo do coração te agradeço o desespero que me causas, e detesto a tranquilidade em que vivi antes de te conhecer.

Adeus! A minha paixão aumenta a cada momento! Ah!, quantas coisas tinha ainda para te dizer!...

ALCOFORADO, Sóror Mariana do. Cartas portuguesas. Lisboa: Europa-América, 1974.

A carta que lemos é a de número 3, de uma coleção de cinco cartas, publicadas como livro com o título de Cartas portuguesas de sóror Mariana Alcoforado. A origem desse livro é cercada de mistérios: foi publicado pela primeira vez na França, em 1669, e, naturalmente, em francês. Não se sabe se são reais ou ficcionais, nem sequer se foram realmente escritas pela freira Mariana Alcoforado, cuja existência, no entanto, é atestada. Mariana do Alcoforado nas-ceu em 1640 e se tornou porteira do convento da Nossa Senhora da Conceição, em Beja, uma cidade do interior de Portugal. Ela teria se apaixonado pelo fidalgo francês, conde de Chamilly, que participara de expedições militares ao lado de Baltazar, irmão de Mariana. Assim, as cinco cartas, caso tenham sido escritas por ela, deveriam ter um destino único: o conde francês. E não seriam produzidas com uma intenção literária. Mas será essa a verdade da origem das cartas? Ou teriam sido elas escritas por um francês que ficou conhecendo a história do amor fracassado de Mariana?

MLp1A2.indb 319 30/6/2010 14:14:14

Page 320: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8320

25. Comente a sua compreensão do texto.

26. Que ponto de vista o texto defende no que se refere ao papel da mulher na sociedade?

Traga um livro de gramática para a próxima aula.

Compare a carta do século XVII com o poema a seguir, do século XX.

a meio pau

Queria mais um amor. Escrevi cartas,remeti pelo correio a copa de uma árvore,pardais comendo no pé um mamão maduro– coisas que não dou a qualquer pessoa – e mais que tudo taquicardias,um jeito de pensar com a boca fechada,os olhos tramando um gosto.Em vão.Meu bem não leu, não escreveu,não disse essa boca é minha.Outro dia perguntei ao meu coração:o que que há durão, mal de chagas te comeu?Não, ele disse: é desprezo de amor.

PRADO, Adélia. “Um jeito de amor”. In: Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.

27. Complete o quadro comparativo abaixo.

Adélia Prado.

Cartanº3 de Mariana Alcoforado

Poema Ameiopau de Adélia Prado

Função social da carta de amor

Cultivar o amor, compartilhan-do coisas especiais por meio do correio.

Relação amorosa entre os interlocutores

Ruim. O amor do remetente não é partilhado pelo destinatário.

MLp1A2.indb 320 30/6/2010 14:14:15

Page 321: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 321

28. Reescreva o poema de Adélia Prado, partindo do princípio de que o eu-lírico é que recebe as cartas de amor, dirigindo o seu poema ao remetente. Para dar um estilo mais antigo ao seu texto, use a se-gunda pessoa do singular. São dados dois versos como modelo. Consulte também a gramática, no que respeita à conjugação verbal na segunda pessoa do singular. Observe, por outro lado, as devidas mudanças dos pronomes.

Querias mais um amor. Escreveste cartas.

Teu bem não leu, não escreveu.

o que sabemos a res-peito da personalidade e ações do interlocutor

Nada, apenas que não cor-responde aos sentimentos do eu-lírico.

Imagem que o leitor for-ma do locutor

Esperançoso no início, sen-te-se desprezado ao final, o que demonstra um desajus-te em relação à realidade.

trecho(s) do texto que prova(m) o ponto de vista do locutor sobre si mesmo

“Outro dia perguntei ao meu co-ração: o que que há durão, mal de chagas te comeu? Não, ele disse: é desprezo de amor.”

Cartanº3 de Mariana Alcoforado

Poema Ameiopau de Adélia Prado

MLp1A2.indb 321 30/6/2010 14:14:16

Page 322: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8322

Ao escrever, o poeta transforma o significado das palavras, ampliando-lhes o sentido e permitindo a criação de imagens poéticas. Veja isso no poema de Adélia Prado:

“Remeti pelo correio a copa de uma árvore,pardais comendo no pé um mamão maduro – coisas que não dou a qualquer pessoa – e mais que tudo taquicardias.”

Observe como o eu-lírico, em vez de dizer que escreveu sobre árvores, pardais e o bater acelerado do seu coração, disse que remeteu pelo correio tais coisas. Isso não pode ser entendido em sentido de-notativo. O uso conotativo e pouco usual de tais palavras nos faz imaginar a grandeza dos sentimentos do eu-lírico para com a pessoa amada – trata-se de uma imagem poética.

29. Retome o poema de amor que escreveu e no qual se identificam aliterações, assonâncias e antíteses. Reescreva-o, inserindo uma ou mais imagens poéticas. Se achar necessário, mude outras partes do poema. Novamente, peça auxílio ao seu colega, assim que terminar, para que lhe dê sugestões apro-priadas. Entregue o texto ao professor.

30.Discuta oralmente se o amor do eu-lírico do poema A meio pau origina-se do conhecimento que esse eu-lírico tem do ser amado ou da idealização que faz a partir da necessidade de ser amado.

O gênero epistolar é caracterizado pela presença de certos elementos. Há cartas de vários tipos: de amor, comerciais, argumentativas, etc. Os modelos para escrever uma carta circulam na sociedade.

Veja um modelo de carta comercial:

Paris TexasRua X – São Paulo – Caixa Postal XX...

São Paulo, 4 de novembro de 2003. (A)

Alcoforado & Prado S.A.(B)

Prezados Senhores (C):

Ao pedido feito pelo escritório de V.Sas., representado em nossa

cidade pelo Sr. Fernando Pessoa, informamos que seguiram,

via Sedex, duas caixas com os livros pedidos.

A duplicata n°. 086013 foi encaminhada ao Departamento de

Cobrança. (D)

Atenciosamente, (E)

Francisco Marcondes (F)

Diretor

Observe os elementos que fazem parte da estrutura de uma carta:

(A) local e data

(B) destinatário

(C) vocativo

(D) assunto

(E) despedida

(F) assinatura

Tais elementos, no entanto, aparecem com menos formalidade em uma carta de amor. Compare o modelo de carta comercial com a carta de amor a seguir.

MLp1A2.indb 322 30/6/2010 14:14:17

Page 323: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 323

Heloísa,Chegaram-measduaslinhasemeiaquemeescreveste.Pareceram-mefeitasporumasenhoramuito

séria,muitoséria!muitoantiga,muitodevota,dessasquedeitamáguabentanatinta.Tantagravidade,tantamedida,sóvejoemdocumentosoficiais.Atésintodesejodecomeçaresta

cartaassim:“Exma.Sra.,tenhoahonradecomunicaraV.Exa.etc”.Onzepalavras!Imaginooqueumindivíduoexperimentaaoreceberonze

palavrasfriasdacriaturaquelhetiraosono?Nãoimaginas.Esabesoquevemaseristodepassarhorasacordado,sonhandocoisasabsurdas?Nãosabe.Poiseuteconto.

Sento-meà banca, levado por umvelhohábito, olhocomrancor umafolhadepapel,queteimaemtornar-sebranca,pensoqueoNataléumafestadeliciosa.Osbazares,adelegaciadepolícia,aprocissãodeNossaSenhoradoAmparo...Edepoisojogodosdisparates,excelentejogo.“Iaiácaiunopoço”.Oraopoço!Quemcaiunopoçofuieu.

Principio uma carta que devia ter escrito há trêsmeses, não possoconcluí-la.Fumocigarrossemcontar,olhandoumlivroaberto,quenãoleio.Dançamnaminhacabeçaumachusmadeideiasdesencontradas.Entreelas,tenaz,surgealembrançadeumacriaturinhaaquemeudisseaquiemcasa,depoisdaprisãodovigário,nemseiquetolices.

Apaga-se a luz,deito-me.O sono anda longe.Quevieste fazeremPalmeira?Porquenãotedeixasteficarondeestavas?

Nãoconsigodormir.Onordeste,láfora,varreostelhados.Naescu-ridãovejodistintamenteessamanchaquetensnoolhodireitoepensoemcertaconversadecincominutos,àjaneladoreverendo.Porquemefalastedaquelaforma?Desejeiqueotetocaísseenosmatasseatodos.

Andeicriandofantasmas.Videntrodemimoutramuitodiferentedaqueencontreinaqueledia.

Porquemequisestes?Deram-teconselhos?Porqueaparecestemudadaemvinteequatrohoras?Euteprocureiporqueendoideciportuacausaquandotevipelaprimeiravez.

Énecessárioqueistoacabelogo.Tenhoraivadeti,meuamor.FuivisitaroPadreMacedo.Falou-medeti,masoquemedissefoivago,confuso,diantededez

pessoas.Étristeque,paraternotíciastuas,minhafilha,euasouçaempúblico.Foramminhasirmãsquemedisseramodiadoteuaniversárioemederamteuendereço.

Tinharazãoquandoafirmastequeentrenósnãohavianada.Muitomefazessofrer.

Éprecisoquetenhasconfiançaemmim,quemeescrevascartasextensas,quemeabraslargamenteasportasdetuaalma.

Beijo-teasmãos,meuamor.Recomendo-meaosteus,comespecialidadeadonaLili,quevaiserminhasogra,dizela.Acho-a

boademaisparasogra.Amo-temuito.Esperoqueaindavenhasagostardemimumpouco.TeuGraciliano.Palmeira,16dejaneirode1928

GracilianoRamos

RAMOS, Graciliano. Cartas de amor a Heloisa. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Retrato de Graciliano aos 35 anos.

Retrato de Heloísa Leite de Medeiros, segunda esposa do escritor, aos 18 anos.

MLp1A2.indb 323 30/6/2010 14:14:20

Page 324: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8324

31. Complete o quadro comparativo.

32. Agora é a sua vez de escrever, em seu caderno, uma carta de amor...

Oriente-se pela sua experiência pessoal, seu ponto de vista e sua ideologia sobre o amor e o sexo (recapitule o que abordamos sobre ponto de vista e ideologia) e consulte os modelos aqui fornecidos (de Mariana do Alcoforado e de Graciliano Ramos).

Elementos constituidores do gênero epistolar

Presença de todos os elementos constituidores do gênero

Intimidade entre os enun-ciadores e relação com a linguagem

Não há intimidade entre os enun-ciadores. A linguagem mantém-se formal.

Referências à vida coti-diana

Dimensão emocional

O conflito de sentimentos ori-ginado pelo grande amor que o remetente nutre e a atitude, aparentemente de descaso, da amada.

Carta de amor (de Graciliano Ramos)

Carta comercial(modelo)

MLp1A2.indb 324 30/6/2010 14:14:21

Page 325: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 325

Tome cuidado com os clichês. Clichê é uma expressão que se repete com tanta frequência a ponto de se tornar banal. É de fácil emprego pelo enunciador e de fácil compreensão pelo co-enunciador, mas empobrece o seu texto. Os clichês são conhecidos também como chavões ou

lugares-comuns. “Venho por meio desta” ou “escrevo-te estas mal traçadas linhas” são alguns dos clichês muito comuns que devem ser evitados na correspondência.

Antes de começar a escrever, procure também inspiração no seguinte poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa:

Hoje em dia, o e-mail substitui em muitas si-tuações o uso da carta. De sua experiência como internauta, que clichês são comuns na corres-pondência eletrônica?

Todas as cartas de amor sãoRidículas.Não seriam cartas de amor se não fossemRidículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,Como as outras,Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,Têm de serRidículas.

Mas, afinal,Só as criaturas que nunca escreveramCartas de amorÉ que sãoRidículas.

Quem me dera no tempo em que escreviaSem dar por issoCartas de amorRidículas.

A verdade é que hojeAs minhas memóriasDessas cartas de amorÉ que sãoRidículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,Como os sentimentos esdrúxulos,São naturalmenteRidículas.)

Álvaro de Campos, 21-10-1935. In: PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.

Pesquise o sentido po-lissêmico da expressão “palavras esdrúxulas”.

FERNANDO PESSOA (1888-1932) – Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, par-tilha também desse desejo de conhecer-se a si mesmo por meio da arte. A arte teria, para todos os heterônimos de Fernando Pessoa, uma função essencial: permitir que a humanidade se autocons-cientize das realidades que são essenciais para a sua evolução.

!

MLp1A2.indb 325 30/6/2010 14:14:22

Page 326: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8326

o amor idealizado

Todateen. n. 97. São Paulo: Abril. nov. 2003.

E você? Também espera uma pessoa ideal?

33. Concorda com a entrevistada quando afirma que “a gente sempre imagina, mas nunca acha”? Em sua opinião, o que a leva a fazer tal afirmação?

34. Para discussão oral:

Qual a função do escritor diante do amor? Que formas da amar devem transformar-se em obras literárias? Lembre-se de que todo texto carrega consigo uma carga ideológica, o que significa que as escolhas e pensamentos do enunciador presentes na obra irão abrir-se para um diálogo com o leitor. Deve o escritor incentivar uma forma idealizada de amor, que se imagina, mas não se acha, ou deve falar dos amores como eles geralmente ocorrem na vida? E que dizer do sexo? O desejo sexual prejudica o verdadeiro amor?

MLp1A2.indb 326 30/6/2010 14:14:24

Page 327: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 327

A seguir, leia o texto de Jostein Gaarder.

Deixando para trás as trevas da caverna“Platão nos conta uma parábola que ilustra bem esta reflexão. Nós a

conhecemos por alegoria da caverna. Vou contá-la com minhas próprias palavras.

Imagine um grupo de pessoas que habitam o interior de uma caverna subterrânea. Elas estão de costas para a entrada da caverna e acorrentadas no pescoço e nos pés, de sorte que tudo o que veem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras bruxuleantes na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este ‘teatro de sombras’. E como essas pessoas estão ali desde que nasceram, elas acham que as sombras que veem são a única coisa que existe.

Imagine agora que um desses habitantes da caverna consiga se libertar daquela prisão. Primeiramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Depois consegue se libertar dos grilhões que o prendem. O que você acha que acontece quando ele se vira para as figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão. Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais dificuldade ainda para enxergar devido à abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contornos precisos; verá animais e flores de verdade, que as figuras na parede da caverna não passavam de imitações baratas. Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêm os animais e as flores. Ele vê o Sol brilhando no céu e entende que o Sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede.

Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfrutando da liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que veem é tudo o que existe. Por fim, acabam matando-o.”

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Júnior. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Imagine que o habitante que se liberta da caverna seja o escritor, enquanto o resto da humanidade permanece preso. Esse escritor, livre dos grilhões da caverna, consegue enxergar a verdadeira figura do amor, enquanto os outros habitantes da caverna apenas observam a sombra do amor que se projeta na parede.

35. Descreva esse “verdadeiro amor” que o escritor liberto conseguiu enxergar.

MLp1A2.indb 327 30/6/2010 14:14:27

Page 328: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8328

36. Descreva como seriam, na prática, as “sombras de amor” que os habitantes da caverna enxergam.

37. O ser amado e o amor ideais que Wanessa descreve na Todateen estão mais próximos da imagem de verdade vista pelo habitante da caverna que se liberta ou das sombras enxergadas pelos presos da caverna? Por quê?

Platão, filósofo da antiga Grécia, defendia a existência de dois mundos: o inteligível (ou mundo das ideias) e o sensível (ou mundo das sensações). O primeiro seria formado apenas por ideias e pensamentos e nele habitariam as ideias plenas de justiça, perfeição, beleza, etc., portanto, tudo seria belo e perfeito; o segundo, material e concreto, ou seja, o mundo em que nós vivemos, não seria mais do que uma projeção imperfeita, como uma sombra do primeiro. Nesse primeiro mundo, moravam as almas antes de virem para a Terra, que é o mundo das sensações.

Assim, o amor que uma pessoa sente por outra, neste mundo, apenas seria a sombra de uma figura mais bela e perfeita do mundo inteligível. Esse amor superior pertence ao mundo das ideias, e não é possível ser concretizado neste mundo (sensível) em que vivemos. Aqui, na Terra, sentimos recordações quase apagadas de um amor superior e mais belo que nossa alma já sentiu em outro mundo. Claro que essa alegoria do filósofo Platão não pode nos conduzir para além das hipóteses: haveria um outro mundo mais perfeito que o nosso, onde descobriríamos uma forma de amar melhor que aquelas que conhece-mos? Esse pensamento tem intrigado muitos estudiosos, promovendo diversas ideologias sobre o amor. Importante lembrar que Platão não conheceu o cristianismo.

a Igreja Católica, o platonismo e a poesia

Santo Agostinho, no livro Confissões (Liv. X, cap. XX), defende certas ideias platônicas. Afir-ma que todos precisamos ter uma lembrança da vida em comunhão com Deus. Essa lembrança não se origina do fato de antes de virem à Terra as almas estarem no Céu, mas do fato de o homem haver perdido, por meio do pecado, o Paraíso. Assim, todos nós teríamos, de acordo com o filósofo, nessa obra, uma saudade do Céu e uma recordação sutil de nossa queda por meio do pecado.

Muitos poetas dos séculos XIV a XVII fizeram sua interpretação das ideias platônicas e católicas. Falaram da saudade da “Pátria Divina”, dando-se conta, no entanto, de que essa lembrança exige o esforço de, por meio do pensamento, acordar recordações adormecidas e quase sumidas.

MLp1A2.indb 328 30/6/2010 14:14:28

Page 329: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 329

Mesmo escritores cristãos beberam nas ideias de Platão, dando origem ao que se chamou de neoplatonismo. O amor neoplatônico valoriza mais o amor como ideia e pensamento do que como forma de prazer deste mundo de som-bras em que supostamente vivemos. Consequentemente, aspectos práticos que atrapalhariam a perfeição do amor, como os defeitos do ser amado, a rotina e o sexo, eram deixados de lado.

Os escritores que se pautam pelas diversas formas de neoplatonismo defendem um amor idealizado, que descarta os prazeres físicos e concre-tos. O ser amado é divinizado, cultuado pelo pensamento, como o sonho mais alto da alma. Esse ser amado, que existe nos pensamentos, torna-se mais importante do que o ser real, imperfeito. Como é fácil de perceber, essa leitura do pensamento platônico conduz a frustrações na vida real. No entanto, no mundo tornado possível pela literatura, o autor pode dar o final que deseja.

O choque entre o amor divinizado e a realidade em que vivemos aparece de forma clara nas cartas de sóror Mariana do Alcoforado. A frustração amorosa diante do choque entre a realidade e o amor idealizado também oferece material para diversos textos literários.

Carla chega à casa e corre para o computador, envia um e-mail à sua amiga e colega de sala Marcela:

38. Redija a resposta de Marcela ao e-mail de Carla.

Fala Marcela!

Achei a carta da freira meio difícil de entender no começo, mas depois que eu entendi, vi que sofrer de amor é um lance que já acontece tem muito tempo. Também gostei de entender o amor platô-nico. Sei lá, tipo o que eu sentia pelo Cadu, acho que era mais um lance de amor platônico que real. Hoje vejo que o Cadu é um chato.

Fiquei reparando que a idealização está por todo lado na mídia: mulheres perfeitas, caras perfeitos, lugares maravilhosos... Pa-rece que o mundo das ideias fica na televisão. Bem, na televisão, no cinema, na publicidade... Só dá menina modelo e eu me acho tão feia... Ah, Marcela, responde logo e diz o que você acha. Sei lá, acho que este papo me deixou meio deprê... Por que eu não sou per-feita?

Beijo

Carla.

MLp1A2.indb 329 30/6/2010 14:14:29

Page 330: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8330

o amor platônico nos contos de fadas

É tipicamente platônico o amor encontrado nos contos de fadas: Branca de Neve, Cinderela e a Bela Adormecida, por exemplo, se apai-xonam perdidamente à primeira vista. Dos príncipes encantados, quase nada sabemos, a não ser que são lindos, ricos e bondosos. Quando as personagens se juntam, a história acaba, e da vida comum do casal apenas sabemos que “viveram felizes para sempre!”.

Se observar os casais ao seu redor, verá que construir uma relação na qual a felicidade seja duradoura exige um grande esforço e, infelizmente,

nem sempre dá certo. Alimentar-se apenas de histórias em que todos os finais terminam com “vive-ram felizes para sempre” pode conduzir a decepções na vida pessoal. Voltaremos a esse assunto em outras oportunidades.

Ouça atentamente a letra da música a seguir.

amor I love youDeixa eu dizer que te amoDeixa eu pensar em vocêIsso me acalmaMe acolhe a almaIsso me ajuda a viverHoje contei pra as paredesCoisas do meu coraçãoPasseei no tempoCaminhei nas horasMais do que passo a paixãoE um espelho sem razãoQuer amor fique aqui (2x)

Meu peito agora disparaVivo em constante alegriaÉ o amor quem está aquiAmor I love youAmor I love you

BROWN, Carlinhos; MONTE, Marisa. “Amor I love you”. In: Marisa Monte (Intérp.). Memórias, crônicas e declarações de amor. Rio de Janeiro: Emi, 2000.

“[...] Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escrevia aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”

(Trecho extraído de O primo Basílio, de Eça de Queirós)

MLp1A2.indb 330 30/6/2010 14:14:31

Page 331: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 331

39. O que leva o enunciador da letra da música a desejar exprimir seus sentimentos?

40. O que o leitor fica efetivamente sabendo da pessoa que o enunciador afirma amar?

41. Que efeito teve a carta para a personagem de O primo Basílio transcrita como parte da música?

42. De que forma o trecho de O primo Basílio reforça o sentimento de alienação no que respeita à realidade presente no enunciador da letra da música?

43. Redija um pequeno texto em que explane seu ponto de vista sobre a presença do pensamento platôni-co na letra de música “Amor I love you”. Comprove as suas afirmativas, recorrendo a trechos do texto. Articule bem as ideias.

Forme um grupo com alguns colegas. Cada participante vai trazer, para a próxima aula, letras de música e anúncios de publicidade em que predomine o pensamento platônico.

44. Em grupos, identifiquem marcas da presença do pensamento de Platão nas letras de música e anúncios de publicidade que trouxeram. Discutam também que ideologia está presente nesses textos. Apresen-tem as características encontradas, assim como as conclusões a que chegaram, redigindo um texto devidamente argumentado.

A classe poderá discutir, na sequência, as conclusões a que os diversos grupos chegaram.

MLp1A2.indb 331 30/6/2010 14:14:32

Page 332: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8332

o IMpaSSE ENtRE o aMoR IDEalIzaDo E a NECESSIDaDE Da FoRMa FíSICaO amor neoplatônico é baseado no pensamento, desconsiderando as necessidades físicas humanas.

Mas como encarar, no dia a dia, as necessidades humanas? Pelo raciocínio platônico, o amor físico pelo corpo belo pode ser o ponto de partida para se amar a beleza em si mesma, ideia do mundo inteligível. Partindo da contemplação à amada, o poeta pode vir a desejar aquilo que é eternamente bom. Ao ascen-der para a ideia de beleza e bem supremos, a alma pode identificar-se, em seu desejo de perfeição, com a sombra na Terra: o objeto amado que reflete as ideias superiores.

A vida na Terra, segundo o pensamento neoplatônico, é um acidente que pode tornar-se menos traumatizante para a alma, se cultivarmos, pelo pensamento, a perfeição. Claro que, na prática, isso seria muito difícil de funcionar. Na língua portuguesa, quem melhor explorou literariamente o amor neoplatônico foi o poeta português do século XVI, Luís de Camões. Esse poeta também constatou que, por mais que desejemos dar espiritualidade aos nossos sentimentos, sempre temos diante de nós o desejo pela forma física. Vejamos esse conflito no seguinte soneto:

Transforma-se o amador na cousa amadaPor virtude do muito imaginar;Não tenho logo mais que desejar,Pois em mim tenho a cousa desejada.

Se nela está minha alma transformada,Que mais deseja o corpo de alcançar?Em si somente pode descansar,Pois com ele tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semidea,Que, como o acidente em seu sujeito,Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;E o vivo amor de que sou feito,Como a matéria simples busca a forma.

Luís de Camões. In: CIDADE, Hernani. Luís de Camões: o lírico. Lisboa: Presença, 1984.

LUÍS Vaz de CAMÕES – É considerado o maior poeta lírico português do século XVI. É também dele a melhor performance do soneto em língua portuguesa. Camões, genialmente, segue estritas regras de composição ao escrever os seus sonetos. A brevidade do soneto – apenas dois quartetos e

dois tercetos – exige grande concentração emocional. O soneto geralmente se constrói sob a forma de tese-antítese com desfecho conclusivo que

busca a síntese ou a unidade. No soneto camoniano é comum que a separação tese-antítese ocorra por meio do conectivo “mas”. A lin-

guagem é condensada no decassílabo, utilizando a palavra de forma precisa, controlada pela razão, mesmo quando o tema é uma aparente desordem.

Camões segue também um princípio muito valorizado em sua época: o da imitação, que significava que o bom poeta deveria guiar-se por outras fontes, consideradas superiores. No en-tanto, embora Camões siga influências italianas como as do poeta Petrarca, mostra-se superior nos resultados.

MLp1A2.indb 332 30/6/2010 14:14:33

Page 333: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 333

45. De acordo com a primeira estrofe do poema, como pode aquele que ama ser feliz?

46. Como isso resume o raciocínio neoplatônico?

47. Observe a estrofe seguinte:

Se nela está a minha alma transformada,Que mais deseja o corpo de alcançar?Em si somente pode descansar,Pois com ele tal alma está liada.

A que se referem os termos “nela” e “ele”?

Nos dois primeiros quartetos do poema, Camões raciocina que, se a alma consegue se transformar no ser amado por meio da imaginação e do pensamento, ficando assim as almas “liadas” (ligadas), ela poderia descan-sar. Mas, quem se apaixonou sabe que, mesmo a pessoa ficando o tempo todo pensando no ser amado, o coração não se dá por satisfeito. Ele pede mais.

Por isso, Camões nota que a mulher amada com a qual ele se liga pelo pensamento é “semidea”, ou seja, semideusa. Em outras palavras, ela não é completamente divina, ela é metade (semi-)divina, ainda que “bela” e “pura”. Por que isso ocorre?

Porque, embora essa semideusa esteja em seu pensamento, como ideia, “o vivo e puro amor” de que o poeta é feito, “como a matéria simples busca a forma”. Em outras palavras, apesar de todo o esforço em apenas manter seus sentimentos na esfera espiritual e idealizada, o poeta sente a necessidade da forma física. Ele não deseja apenas a mulher na imaginação, ele a deseja também em seus braços. É provável que você o compreenda.

48. Esse conflito presente no soneto Transforma-se o amador na cousa amada é perceptível também na carta de sóror Mariana do Alcoforado? Justifique a sua resposta, recorrendo a trechos da carta.

MLp1A2.indb 333 30/6/2010 14:14:34

Page 334: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8334

49. Como a sociedade atualmente encontra respostas para o embate entre a idealização e as necessidades do corpo, no que se refere ao amor? Concorda com tais soluções?

FazENDo aS CoNEXÕESFalando tanto em amor, você sabia que, no dia 15 de agosto, comemora-se o “Dia do Solteiro”? Leia

o texto que segue:

Olho o calendário... 15 de agosto... Dia do Solteiro! É desagradável ainda estar solteiro em agosto, se passou o Dia dos Namorados sozinho. Pode até ser depressivo! Trata-se de uma questão de ponto de vista.

Algumas pessoas nunca experimentaram uma relação amorosa significativa, daquelas, nos fazem sair do chão, possibilitam o amadurecimento pessoal. Outras saltam de galho em galho, não desejam perder sua liberdade, sem nunca de assumirem um compromisso sério.

É natural, alguém sai de uma relação, desejar estar sozinho por um tempo. Essa atitude persistir, é possível que essa pessoa não tenha conseguido superar o passado, assim perca uma oportunidade de crescimento no amor. O medo, a dificuldade de olhar realisticamente para si mesmo pode levar alguém a ficar esperando uma pessoa ideal, o príncipe (princesa) encantado(a), nunca aparece.

Em qualquer dos casos, conhecer-se melhor é a melhor saída. Poderá descobrir em si mesmo atitudes até inconscientes, o afastam das pessoas. Construa a sua felicidade, pois ser feliz é o melhor ingrediente, viver melhor, sozinho, acompanhado. Em qualquer dia do ano!

LANDEIRA, José Luís. (Especialmente para esta obra.)

Compreendeu o texto? Provavelmente sim, mas também é possível que tenha gasto mais esforço do que o comum. Isso ocorre porque se trata de um texto com problemas. Ele foi alterado propo-sitalmente, mas muitas vezes deparamos com textos escritos com tais problemas sem que o autor haja percebido. Agora vamos ler o mesmo texto na sua versão original. Preste atenção aos termos em negrito:

Olho o calendário... 15 de agosto... Dia do Solteiro! É desagradável ainda estar solteiro em agosto quando se passou o Dia dos Namorados sozinho. Na verdade, pode até ser depressivo! Antes de tudo, trata-se de uma questão de ponto de vista.

Há pessoas que nunca experimentaram uma relação amorosa significativa, daquelas que nos fazem sair do chão, mas que também possibilitam o amadurecimento pessoal. Outras pessoas, ao contrário, saltam de galho em galho, já que não desejam perder sua liberdade, sem nunca assumirem um compromisso sério.

É natural, quando alguém sai de uma relação, desejar estar sozinho por um tempo. Mas, se essa atitude persistir, é possível que essa pessoa não tenha conseguido superar o passado e assim perca uma oportunidade de crescimento no amor. O medo ou a dificuldade de olhar realisticamente para si mesmo pode levar alguém a ficar esperando uma pessoa ideal, o príncipe (ou princesa) encantado(a), que nunca aparece.

Em qualquer dos casos, conhecer-se melhor é, quiçá, a melhor saída. Desse modo, poderá descobrir em si mesmo atitudes até inconscientes, que o afastam das pessoas. Construa a sua felicidade, pois ser feliz é o melhor ingrediente para viver melhor, sozinho ou acompanhado. Em qualquer dia do ano!

LANDEIRA, José Luís. (Especialmente para esta obra.)

MLp1A2.indb 334 30/6/2010 14:14:35

Page 335: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 335

Os elementos em negrito no texto são os conectivos (ou conectores). Já abordamos a importância dos conectivos nos capítulos 2 e 4 deste livro. Os conectivos facilitam muito a coesão do texto, o que permite a construção do sentido durante a leitura. Sem os conectivos – preposições, advérbios, conjun-ções, pronomes relativos e termos denotativos – o texto perde coerência para o leitor, o pensamento não avança. O mau uso dos conectivos também gera problemas em um texto. Veja:

1. É desagradável ainda estar solteiro em agosto, se passou o Dia dos Namo-rados sozinho.

2. É desagradável ainda estar solteiro em agosto onde se passou o Dia dos Namorados sozinho.

3. É desagradável ainda estar solteiro em agosto quando se passou o Dia dos Namorados sozinho.

O exemplo 1 exige um esforço inútil de compreensão porque o segun-do termo da frase (se passou o Dia dos Namorados sozinho) é juntado ao primeiro sem conectivo. O exemplo 2 também dificulta a compreensão do leitor, pois o conectivo utilizado não estabelece uma relação lógica entre os dois termos da frase. A escolha do conectivo “quando”, no exemplo 3, torna a frase mais clara e coesa, facilitando ao leitor a construção de um sentido coerente no texto.

O primeiro passo para construirmos uma boa frase é identificar os seus segmentos e, para isso, precisamos identificar os verbos e os seus respecti-vos sujeitos. O verbo e o seu sujeito são os termos a partir dos quais a frase se expande. O período se forma a partir dessa expansão entre os diferentes segmentos que o compõem e, no núcleo de cada segmento, temos um verbo e um sujeito.

A boa articulação entre esses segmentos possibilita a coesão e a coerência dos períodos. Vejamos:

Segmento 1 – É desagradável ainda estar solteiro em agosto.

Segmento 2 – Se passou o Dia dos Namorados sozinho.

Repare que, em cada segmento, aparece um verbo: é e passou. O desafio é encontrar o conectivo que estabeleça a relação mais adequada entre os seg-mentos. Onde refere-se somente a lugares, não a momentos da vida de uma pessoa. A relação entre os segmentos é temporal: estar sozinho (ou solteiro) é uma realidade no Dia dos Solteiros e foi também uma realidade no Dia dos Namorados. Ou seja, a passagem do tempo (não do lugar!) não alterou o fato (estar sozinho ou solteiro). Quando revela-se um conectivo apropriado que es-tabelece a relação temporal entre os segmentos:

É desagradável ainda estar solteiro em agosto quando se passou o Dia dos Namorados sozinho.

Devemos levar em conta o uso apropriado dos conectivos ao produzirmos um texto. Por isso, vamos falar com um pouco mais de profundidade de alguns deles.

• Conjunções (e locuções conjuntivas) e preposições (e locuções pre-positivas):

1. Adição – e, nem (= e não), também, não só... mas também.

Ex.: Ele não veio nem avisou.

O hábito da leitura faci-lita a escrita, pois per-mite que apreendamos, quase sem perceber, as estruturas frasais. Nesse caso, ao escrevermos, a frase mal construída, não soa bem aos ouvi-dos. Como está o seu desenvolvimento como leitor?

MLp1A2.indb 335 30/6/2010 14:14:36

Page 336: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8336

2. Alternância – ou, ou...ou, ora... ora, quer... quer, seja... seja.

Ex.: Seja (= ou) tarde, seja (= ou) cedo, ele não deixará de vir.

3. Causa – porque, como, visto que, em (ou por) virtude de, já que, uma vez que, graças a, por (+ infinitivo).

Ex. 1: “Transforma-se o amador na coisa amada/ por virtude do muito ima-ginar”. (Luís de Camões.)

Ex. 2: Transforma-se o amador na coisa amada graças ao muito imaginar.

Ex. 3: Transforma-se o amador na coisa amada por imaginar muito.

4. Conclusão – logo, pois, portanto, por isso, assim.

Ex.: “Penso, logo existo”. (Descartes.)

5. Condição – se, caso, desde que, a menos que, a não ser que.

Ex.: Vai haver confusão caso ele não venha.

6. Comparação – como, mais do que, menos do que, maior do que, menor do que, melhor do que, pior do que, assim como, bem como.

Ex.: Em dias de chuva, considero ficar em casa melhor do que sair para a rua.

7. Conformidade – conforme, segundo, de acordo com.

Ex.: Fizemos a resenha de acordo com as orientações dadas em classe.

8. Consequência – tão... que, tanto... que, de forma que, de maneira que, de modo que.

Ex.: Estudei tanto hoje que estou exausto.

9. Explicação – pois, porque.

Ex.: Estava sem grana porque era fim de mês.

10. Finalidade – para que, a fim de que, por que (= para que), para (+ infinitivo).

Ex. 1: Pesquisei muito a fim de que pudesse ser aprovado no exame.

Ex. 2: Este livro é para ler antes das férias.

Cuidado ao usar o co-nectivo “nem”! No uso coloquial da língua por-tuguesa, é comum ouvir-mos “e nem”, como “não estuda e nem trabalha”. Mas essa construção não é adequada dentro da norma-padrão. O conectivo nem equivale a “e não”. Assim, torna desnecessário que se acrescente o “e”. A fra-se “não estuda e nem trabalha” equivaleria a dizer, na norma-padrão, “não estuda e não tra-balha”, o que não faz sentido.

Não deixe de recapitular as informações sobre o uso do porquê no começo deste capítulo.

“para mim” ou “para eu”?Uma confusão muito comum no que diz respeito ao uso da norma-padrão surge entre as ex-

pressões para mim e para eu.Quando para é conectivo indicando finalidade, acompanhando um verbo no infinitivo, utilizamos

“para eu”, pois o pronome “eu” é sujeito do verbo.Ex.: Este livro é para eu ler antes das férias.Para quem ler o livro? “eu” – o pronome eu é sujeito do verbo ler.Quando para é uma preposição indicando destino ou direção, portanto não funcionando como

conectivo indicando finalidade, usamos “para mim”.Ex.: Este livro é para mim.A frase significa que o livro é destinado a mim. Observe:Este livro é para mim. Para eu ler antes das férias.

MLp1A2.indb 336 30/6/2010 14:14:37

Page 337: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 337

11. oposição ou adversidade – mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto, embora, apesar de (+ infinitivo).

Ex.: Embora tentassem de tudo, o namoro acabou.

12. Proporção – à medida que, à proporção que, quanto mais, quanto menos.

Ex.: Tudo melhora à medida que o tempo passa.

13. tempo (já as estudamos no capítulo 4, lembra?) – quando, até que, depois que, logo que, assim que, toda vez que, desde que, enquanto.

Ex.: É desagradável ainda estar solteiro em agosto quando se passou o Dia dos Namorados sozinho.

A confusão MAS/MAIS é comum no uso da norma-padrão. MAS indica opo-sição de ideias, como em “Gostaria de ir viajar, mas estou sem grana”; MAIS indica adição ou acrésci-mo, como em “para poder viajar, deveria ganhar mais grana”.

50. Identifique que relação é mantida pelos conectivos em negrito nos excertos a seguir:

a) “Lamento, só por amor de ti, os prazeres infinitos que perdeste: será que os não tenhas querido gozar? Ah! Se os conhecesses, verias que eles são mais intensos do que o de me teres seduzido, e terias experimentado que se é muito mais feliz e que se sente algo de bem mais tocante quando se ama com violência do que quando se é amado!” (Sóror Mariana do Alcoforado)

Se:

Mais... do que:

Quando:

b) “Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras bruxuleantes na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este ‘teatro de sombras’.” (Jostein Gaarder)

E:

Como:

c) “Carregamos conosco uma necessidade tão grande de amor que, por vezes, um encontro, um momento propício – ou mesmo um momento mau – deslancha o processo da fulminação e da fascinação.”

Que:

MLp1A2.indb 337 30/6/2010 14:14:38

Page 338: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8338

• Pronomes relativos: que – o qual (os quais, a qual, as quais) – quem – cujo (cujos, cuja, cujas) – onde.

O emprego adequado dos pronomes relativos exige os seguintes cui-dados:

1. Os pronomes relativos representam um termo que foi explicitado ante-riormente. Devemos observar bem que palavra ou expressão está substituída pelo pronome para não errar a concordância verbal.

Ex.: Há pessoas que nunca experimentaram uma relação amorosa significativa

Note que temos dois segmentos. O primeiro é “Há pessoas”; o segundo, “pessoas nunca experimentaram uma relação amorosa significativa”. O pronome relativo “que” representa o termo “pessoas” e é sujeito do verbo “experimenta-ram”. Poderia ser trocado por “as quais”.

Ex.: Há pessoas as quais nunca experimentaram uma relação amorosa significativa.

2. Preste muita atenção ao fragmento de frase a que ele pertence. É possível que haja um verbo ou um substantivo que exija uma determinada preposição. Ela deve vir antes do pronome relativo.

Ex. 1: Este é o caso a que você se referiu.

O relativo “que” está substituindo o termo “o caso”:

Segmento 1: Este é o caso.

Segmento 2: Você se referiu ao caso.

Quem se refere, refere-se A alguma coisa. A preposição “a” antecede o relativo “que”.

Ex. 2: Todos comentaram na cidade o incidente de que Paulo foi culpado.

O relativo “que” está substituindo o termo “incidente”:

Segmento 1: Todos comentaram na cidade o incidente.

Segmento 2: Paulo foi culpado do incidente.

Quem é culpado é culpado DE algo. A preposição “de” antecede o relativo “que”.

3. Para seguir a norma-padrão da língua portuguesa, deve usar “onde” apenas com referência a lugares, espaços físicos.

Ex. 1: O hospital onde nasci não existe mais.

Ex. 2: Estive em Lisboa, onde visitei o castelo de São Jorge.

Nunca use onde com outros sentidos (como tempo, causa, consequência, motivo, etc.), o que é muito comum no uso coloquial da língua portuguesa.

Ex. 3a: Passo por uma época onde tudo me corre bem.

Segmento 1: Passo por uma época

Segmento 2: Tudo me corre bem nesta época.

A relação entre os termos é temporal, não espacial. Assim:

Ex. 3b: Passo por uma época em que tudo me corre bem.

MLp1A2.indb 338 30/6/2010 14:14:39

Page 339: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 339

51. Reúna os segmentos em um só período por meio de conjunções e pronomes relativos. Faça as alte-rações estruturais que julgar convenientes.

a) Segmento 1: A mata atlântica é um dos ecossistemas mais importantes do planeta.

Segmento 2: A mata atlântica tem sido explorada predatoriamente.

b) Segmento 1: São raras as obras produzidas por escritores contemporâneos.

Segmento 2: A crítica rapidamente aceita as obras de escritores contemporâneos como clássicos literários.

c) Segmento 1: O amor contém sempre grandes riscos.

Segmento 2: Não basta apenas uma pessoa desejar.

Segmento 3: Tudo dê certo.

Segmento 4: Consiga-se a felicidade.

d) Segmento 1: O amor encontra-se sujeito ao erro e à incerteza.

Segmento 2: O amor é produto da maturidade e do altruísmo.

Segmento 3: O amor compensa correr os riscos.

O relativo “onde” já contém a ideia transmitida pela preposição “em”. Assim, não faz sentido dizer coisas como:

O hospital em onde nasci não existe mais.

Note que o mesmo não ocorre com o relativo “que”:

O hospital em que nasci não existe mais.

Outra confusão comum ocorre entre onde e aonde, usados coloquialmente como sinônimos. Aonde não é sinônimo de onde. Deve ser usado apenas com verbos de movimento, regidos pela preposição “a” (ir, chegar, dirigir-se, encaminhar-se, levar, etc.).

O hospital aonde nasci não existe mais.

O hospital aonde vamos é perto da casa de Paulo.

MLp1A2.indb 339 30/6/2010 14:14:40

Page 340: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8340

e) Segmento 1: Geralmente era uma pessoa ponderada.

Segmento 2: Essa pessoa granjeava amigos.

Segmento 3: Essa pessoa ia.

f) Segmento 1: O turista brasileiro gasta muito nas viagens ao exterior.

Segmento 2: A renda do turista brasileiro permite.

52. Os recados abaixo apresentam problemas de coesão e adequação à norma-padrão da língua portu-guesa. Identifique tais problemas e reescreva os bilhetes, corrigindo-os.

b)

Mãe:

Euvouchegarmaistardehoje,aondetenhoquefazerumapesquisaparaaescolanacasadoJúnior.Euesquecidepedirdinheiroparaolanche,maisnãosepreocupaqueeuestoubem.OJúniorconvidouogrupotodoparalancharnacasadele.Agentesevemosmaistardeentão,tá?

Beijo,

c)

Pai,nãoacheiaruaaondevocêdissequetinhaumalivrariaquevendiamaisbarato.Compreiolivroaondenóssemprecompramos.Euseiqueomomentoaondevivemosnãodáparagastarmuitoeolivronãoécaro,alémdissotinhamuitacoisaparamimfazerhojedetarde.

Depoiseuexplicomelhorparaosenhor,agoraestouatrasado.NãosepreocupequeeulanchonacasadoJúnior.

Tiago.

Vó,

Euesquecidelhefalarqueeuprecisavasairdetarde.Tenhoquefazerumapesquisanacasadeumamigo.Asenhoraconheceele:éoJúnior.Nãoprecisaguardarolancheparaeu,porqueeuvoulancharlá.LigouaDonaAssunta,maseladissequenãoprecisasepreocupar,porquêerasóparaconfirmaronúmero.

Beijo,

Rê.

a)

MLp1A2.indb 340 30/6/2010 14:14:42

Page 341: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 341

As transições

Os conectivos também podem aparecer no início de uma frase, estabele-cendo uma ponte entre os pensamentos e promovendo a coesão do parágrafo. É o caso de “mas” no seguinte exemplo:

Mas, se essa atitude persistir, é possível que essa pessoa não tenha con-seguido superar o passado e assim perca uma oportunidade de crescimento no amor.

O de “desse modo”, em outro momento do texto da página 334:

Desse modo, poderá descobrir em si mesmo atitudes até inconscientes, que o afastam das pessoas.

Os termos de transição entre as frases de um parágrafo ou entre um pará-grafo e outro permitem dar uma melhor estrutura ao seu pensamento, fazendo o texto progredir mais rapidamente. Saber usar os conectivos de transição interfrásicos e interparagrafais deve preocupar o bom produtor de textos, pois estabelecem pontes seguras entre dois blocos de ideias.

Cuidado! Os elementos de transição não podem, como estamos vendo, ser ignorados, pois eles permitem que nosso texto seja mais compreensível ao leitor. Contudo, também não devemos usá-los em cada começo de frase, para não tornarmos o texto pesado e cansativo ao leitor.

Os elementos de transição podem expressar:

1. Afetividade: felizmente, queira Deus, tomara, ainda bem (que).

Ex.: Ainda bem que encontrei você aqui!

2. Afirmação: com certeza, sem dúvida, certamente, de fato.

Ex.: De fato, não se poderia esperar qualquer outra atitude.

3. Conclusão: em suma, em resumo, em conclusão.

Ex.: Em conclusão, o amor significa possuir quem nos possui.

4. Consequência: assim, consequentemente, com efeito, dessa forma, dessa maneira.

Ex.: Assim, não pôde fazer outra coisa, a não ser voltar para casa.

5. Continuidade: além de (disso), ainda por cima, também, bem como.

Ex.: Além disso, escreveu-lhe coisas horríveis.

6. Dúvida: talvez, quiçá, provavelmente.

Ex.: Provavelmente não o encontrarei na festa.

7. ênfase: apenas, até (mesmo), no mínimo, no máximo, só.

Ex: É só pensar na quantidade de pessoas passando necessidades ao redor do mundo.

8. Exclusão: apenas, exceto, só, somente, senão.

Ex.: Apenas o presidente da empresa ficaria fora dessas novas medidas.

MLp1A2.indb 341 30/6/2010 14:14:43

Page 342: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8342

9. Explicação: isto é, por exemplo.

Ex.: Isto é, todos deveriam ter pensado melhor antes de fazê-lo.

10. Inclusão: inclusive, também, mesmo.

Ex.: Mesmo o presidente da empresa será submetido ao corte orçamen-tário.

11. oposição: pelo contrário, ao contrário (de)

Ex.: Ao contrário do que pensávamos, ele não se aposentou.

12. ordenação (e prioridade): em primeiro (segundo, terceiro, etc.) lugar, primeiramente, antes de tudo, inicialmente, depois, a seguir.

Ex.: Primeiramente, devemos examinar o caso. Depois, decidiremos o que fazer.

13. tempo: antes, agora, atualmente, depois, então, hoje, já, nos dias de hoje.

Ex.: Antes evitavam-se certos assuntos com os jovens. Hoje já se fala de tudo.

53. Substitua os asteriscos do texto pelo conectivo adequado dentre os da lista apresentada no quadro a seguir. Note que sobrarão conectivos da lista.

“A autenticidade do amor não consiste apenas em projetar nossa verdade sobre o outro *, finalmente,

ver o outro exclusivamente segundo nossos olhos, * sim de nos deixar contaminar pela verdade do outro.

Não é necessário sermos como os crentes, * acreditam naquilo que procuram, * projetaram a resposta que

esperavam. É aqui que consiste a tragédia. Carregamos conosco uma necessidade tão grande de amor que,

por vezes, um encontro, num momento propício – ou mesmo num momento

mau – deslancha o processo de fulminação e da fascinação.

*, projetamos sobre o outro nossa necessidade de amor, fixamo-lo e

o endurecemos, ignoramos o outro, transformando-o em nossa imagem e

totem. *, aqui reside uma das tragédias do amor: a incompreensão de si e

do outro. Mas a beleza do amor, que reside na interpenetração da verdade

do outro em si, implica encontrar sua verdade através da alteridade.”

MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2002.

e, nem, que, nesse momento, porque, felizmente, mas, depois, efetivamente, apenas

MLp1A2.indb 342 30/6/2010 14:14:46

Page 343: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 343

54. Os textos seguintes necessitam de conectivos. Empregue adequadamente os elementos entre parên-teses. Faça as alterações na pontuação que se fizerem estritamente necessárias.

a) “O dub nasceu nas pistas de dança da Jamaica, no final dos anos 1960, DJs começaram a remover as letras e melodias de sucessos de reggae, colocando em evidência a sua parte rítmica (baixo e bateria) recheando os espaços com ecos e efeitos. VIANA, Hermano. “Caderno Mais”. Folha de São Paulo. 9-11-2003. (quando, e)

b) A pintura sempre foi a grande paixão de Ari Clark, começou a pintar, aos quatro anos, até os dias atuais, estudou muito, uma temporada estudando em Londres, volta agora ao Brasil expor uma coletânea de telas pintadas a óleo na Galeria Arte Sem Fim. (depois de, desde que, para)

c) “Promover uma reação em cadeia de novas publicações relacionadas ao futebol, a Copa do Mundo estimula o circuito das artes plásticas, passar pelo Memorial da América Latina, em São Paulo, e pela Fundação França-Brasil, no Rio de Janeiro, a exposição Futebol Arte segue este mês para a França, sede da Copa 98.” Cult, n. 11, junho de 1998. (além de, também, depois de)

55. Reveja a carta de amor que escreveu. Certifique-se de estar usando apropriadamente os conectivos no seu texto. Antes de apresentá-la a seu professor, peça-lhe orientações e troque algumas ideias com um colega.

RotEIRo DE aNÁlISE DE uM poEMaPela sua natureza, o poema carrega consigo um mundo próprio da palavra. Por isso, permite que o

compreendamos mesmo quando apenas o observamos em si mesmo, sem muitas preocupações com o contexto histórico e social. Leia com atenção o soneto de Camões a seguir:

amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

CAMÕES, Luís Vaz de. Lírica. São Paulo: Cultrix, 1976.

MLp1A2.indb 343 30/6/2010 14:14:47

Page 344: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8344

56. Para analisarmos um poema, propomos primeiro que faça a sua paráfrase do sentido, sem preocupa-ções com a métrica ou com a rima. Procure, usando as suas palavras, dizer o mesmo que o eu-lírico afirmou.

57. Depois, numere as linhas do soneto, de cinco em cinco, para facilitar a loca-lização de informações.

58. A seguir, procure identificar qual a ideia central (tema) do poema. Para isso, provavelmente terá de ler o texto muitas vezes, para decidir o que é mais importante. Também é importante que se dê conta de que, de-pendendo da interpretação que der ao poema, é possível chegar a outro tema diferente daquele a que chegaria uma outra pessoa com outra interpretação.

Qual o tema do poema de Camões?

Na últ ima estrofe do soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”, o eu-lírico faz uma pergunta. Repare que a pergunta é apresentada fora da sequência normal que seria: Mas como o amor pode causar amizade nos corações humanos, se tão contrário a si é o mesmo Amor? Note a presença da perso-nificação do Amor, que é tratado como um ser vivo, capaz de causar amizade em nossos co-rações.

59. Aproveitando os conhecimentos adquiridos nas aulas anteriores, determine a estrutura (fixa ou não), o metro e a rima.

Soneto Amoréfogoqueardesemsever

Estrutura Fixa: soneto

Metro

Rima

MLp1A2.indb 344 30/6/2010 14:14:48

Page 345: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 345

Depois, analisamos a linguagem empregada pelo poeta. É a parte da análise que exige de nós maior sensibilidade e atenção. Trata-se de identificar que recursos da linguagem o poeta utilizou para transmitir o seu tema.

60. Uma forma de fazer isso é deixar-nos guiar pelo tipo de sensações e impressões que o poema nos desperta. Discutam, em classe, com a orientação de seu professor, quais foram as sensações e impres-sões que o texto despertou nos diversos leitores. Anotem, no quadro, as conclusões a que chegaram e transcreva-as para o espaço a seguir:

61. Agora, completando a análise da linguagem usada poeticamente, a classe vai examinar o poema de Luís de Camões, verso por verso, procurando comprovar por que as sensações identificadas nos atingem e como o poeta conseguiu transmitir eficazmente o tema proposto. Sempre que possível, procurem relacionar essas conclusões com aspectos da época e da biogra-fia do poeta. Comparem também a visão do eu-lírico sobre a vida e o amor e aquela presente no neoplatonismo. Orientado pelo professor, escreva as conclusões em seu caderno.

Quando Camões diz “Amor é fogo que arde sem se ver”, está fazendo uso do paradoxo. Se o fogo arde, ele é visto, mas se não se vê, como poderia estar ardendo? A falta de lógica é compreendida pelos apaixonados, que rapidamente percebem que o amor é fogo que arde no coração de quem ama e, por isso, não se vê.

Paradoxo: espécie mui-to particular de antíte-se; nele, em um mesmo enunciado, aparecem elementos que se ex-cluem um ao outro. Com isso, a lógica é radical-mente quebrada.

A palavra usada artistica-mente pode despertar-nos diferentes sensações:

visuais: plásticas, colori-das, apagadas;

auditivas: sonoridades, musicalidades, ritmo;

gustativas: paladar;

tácteis: aspereza, suavi-dade, relevo, textura, peso, leveza;

termais: frio, calor;

dinâmicas: movimento, estaticidade.

Claro que não encontra-remos todas essas sen-sações em um mesmo poema. Cada poeta prefere determinadas sensações e as explora mais intensa-mente em sua poesia.

MLp1A2.indb 345 30/6/2010 14:14:49

Page 346: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8346

“Renascença” ou “Renascimento” aplica-se a um período de amplas realiza-ções culturais na Europa e estendeu-se por três séculos. Iniciado na Itália por volta do século XIII, a Renascença fez-se sentir por toda a Europa, e seu auge ocorreu no fim do século XV, embora ainda encontremos o pensamento renascentista até os finais do século XVI. A atividade cultural se manifes-tou em todos os campos do conhecimento humano: arte, literatura, filosofia, teologia, arquitetura, matemática e ciências naturais. A palavra de ordem era renascer. Rejei-tavam o passado medieval mais recente, particularmente o gótico, e dedicavam-se ao estudo da Antiguidade greco-romana. As ideologias na Renascença giravam em torno do pensamento antropocêntrico. A principal característica desse período foi o desejo de encontrar a perfeição humana, numa contínua busca pela exatidão cien-tífica, pelo realismo e pelo equilíbrio nas artes. Mais uma vez, é importante destacar que a Renascença, principalmente na Itália, começou gradualmente e seu início já se evidenciava na Era Medieval, por exemplo, no Românico.

O pensamento renascentista pode ser exemplificado na frase do artista e matemático alemão Albrecht Dürer, en-contrada em Quatro livros sobre a proporção humana, de 1528: “Afirmo que a beleza e a forma perfeita estão contidas na soma de todos os homens”.

hIStóRIa CRítICa Da aRtE E Da lItERatuRa Do RENaSCIMENto ao BaRRoCo

BELLINI, Giovanni. O festim dos deuses (1514). Washington: Widener Collection, National Gallery of Art.

“Muitos falam em arte, referindo-se às obras consagradas que estão em museus, às músicas eruditas apresentadas em grandes espetáculos ou ainda aos monumentos existentes no mundo. Alguns consideram arte apenas o que é feito por artistas consagrados, enquanto outros julgam ser arte também as mani-festações de cultura popular, como os romances de cordel, tão comuns no Nordeste do Brasil. Para muitos, as manifestações de cultura de massa, como o cinema e a fotografia, não são arte, ao passo que outros já admitem o valor artístico dessas produções, ou pelo menos de parte delas. Não são poucos os que, mesmo diante das obras expostas em eventos artísticos famosos, sentem-se confusos a respeito do que veem.”

COSTA, Cristina. Questões de Arte. São Paulo: Moderna, 1999.DÜRER, Albrecht. Autorretrato (1498). Madri: Museu do Prado.

MLp1A2.indb 346 30/6/2010 14:14:51

Page 347: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 347

Discuta, em classe, o significado do pensamento de Dürer.

A visão dominante no pensamento renascentista era a do antropocentrismo. Pense nisso ao examinar a reprodução a seguir.

Este quadro de Botticelli mostra o frescor do renas-cer da primavera. Nele, a dinâmica das figuras parece representar uma dança em comemoração à Natureza. Conhecer a mitologia greco-latina e as tradições cristãs pode ajudá-lo a melhor apre-ciar o quadro. Vivendo em uma época em que a arte tinha uma função moralizado-ra, servindo para incutir nas pessoas o desejo de servir a Deus, Botticelli ousa pintar a primavera sendo celebrada por deuses greco-romanos, num quadro que procura principalmente fazer-nos desfrutar de sua beleza. Há várias figuras míticas distri-buídas harmoniosamente no espaço cênico: a figura cen-tral, uma mulher, Vênus, destaca-se pelo manto em vermelho, tendo acima um cupido de olhos vendados. Observe que o modelo dessa Vênus é a figura da Virgem Maria.

Compondo o quadro, no lado esquerdo, as três graças (as criadas de Vênus), que se supunha representarem os três aspectos do amor – a beleza, o desejo e a satisfação – com trajes translúcidos. A dança das graças tem inspirado inúmeros artistas, como se pode comprovar nesta obra de Picasso:

62. Que diferenças e semelhanças se encontram entre as obras de Picasso e Botticelli?

BOTTICELLI, Sandro. A primavera (c. 1482). Florença: Galleria degli Uffizi.

PICASSO, Pablo. As três dançarinas (A dança) (1925). Londres: Tate Gallery.

MLp1A2.indb 347 30/6/2010 14:14:53

Page 348: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8348

Ainda em A primavera, no lado direito, vemos a figura de Zéfiro (do grego zéphyros, “vento oeste”), o vento oeste da primavera, perseguindo a Clóris. Ela aparece no momento da metamorfose em Flora, a deusa das flores, quando a sua respiração transforma-se em flores. No canto esquerdo, a figura do deus Mercúrio, com trajes em cores fortes, dorso nu, faz o contrapondo às demais figuras femininas. Mercúrio é o deus mensageiro que abre o caminho entre os deuses e a humanidade.

O bosque escuro ilumina-se não só com as flores espalhadas pelo chão e frutos que pendem das árvores, mas também com a claridade do azul que se infiltra entre as copas das árvores.

Do quadro emana um ar de sensualidade, com a mescla de elementos pagãos e religiosos. No capítulo anterior, vimos que a pintura medieval era vista como meio de aproximação com o plano divino. Esse quadro, no en-tanto, é como um sonho com figuras mitológicas e não procura moralizar os nossos pensamentos. Há uma importante ruptura na maneira de ver e pensar a arte.

“O ideal renascentista do homem: o indivíduo que tinha coragem para enfrentar os riscos da aventura com o fim de alcançar experiências e riquezas, que tinha a inteligência para adquirir uma profissão e exercê-la eficientemente, que tinha amor pelas instituições políticas e gosto pelas obras de arte e pela literatura.”D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura ocidental: autores e obras fundamentais. São Paulo: ática, 1990.

A liberdade que Botticelli teve para expressar sua originalidade na tela somente foi possível porque ele era protegido e patrocinado pelo banqueiro florentino Lorenzo de Médici. A família Médici é essencial para compreender-mos a Renascença italiana, pois foi com o dinheiro dessa família que se financiaram artistas como Botticelli, Leonardo Da Vinci e Michelangelo. A essa prática de financiar artistas, muito comum na Renascença, chamamos de mecenato.

O mecenas era visto como um protetor das artes. Homem rico, era, na prática, quem dava as condições materiais para a produção das novas obras e, nesse sentido, pode ser considerado como o patrocinador ou o financiador do artista. O investimento do mecenas era recuperado com o prestígio social obtido. De fato, associar o seu nome a um grande artista contribuía para divulgar as atividades de sua empresa ou da instituição que representava, além disso o mecenato era um símbolo de poder, ilustrando a força do mecenas na sociedade. A maioria dos mecenas italianos pertencia à burguesia, que havia enriquecido com o comércio. No entanto, encontramos também o Papa e elementos da no-breza praticando o mecenato. No decorrer do século XVI, a cultura renascentista expandiu-se para outros países da Europa Ocidental.

63. De que ruptura se trata?

MLp1A2.indb 348 30/6/2010 14:14:54

Page 349: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 349

O Papa Júlio II, que se tornou sumo pontífice em 1503, foi um mecenas generoso, que enco-mendou o projeto da Basílica de São Pedro.

BRAMANTE, Michelangelo et al. Basílica de São Pedro. Vaticano.

a literatura na RenascençaAlém de Os Lusíadas, um dos mais importantes textos escritos da Renascença foi O príncipe, de Nicolau Ma-

quiavel (1469-1527). O príncipe não é uma obra literária, mas um tratado de política em que se registra a primeira teoria política da Era Moderna. A tese defendida é que a política é “amoral”, estando acima dos conceitos de bem e mal. É de Maquiavel o célebre princípio de que “os fins justificam os meios”. Leia um excerto dessa obra:

SANZIO, Rafael (1512). Papa Júlio II. Florença: Galleria degli Uffizi.

“Deve notar-se que o ódio se conquista tanto com as boas como com as más obras; e portanto, como atrás disse, um príncipe que queira manter o seu Estado, é muitas vezes obrigado a não ser bom; porque quando a generalidade do povo, dos soldados ou dos grandes, da qual tu julgas ter necessidade para te manteres, está corrompida, convém-te seguir a tua inclinação para a satisfazeres, e então as boas obras são tuas inimigas. Mas passemos a Alexandre, o qual foi de tão grande bondade que, en-tre os demais elogios que se lhe tributam, é o de em catorze anos que governou não ter condenado à morte nenhum súdito sem julgamento; no entanto foi tido por efeminado e por homem que se deixava governar por sua mãe e por isto caiu em desprezo, pois o exército conspirou contra ele e o matou.”

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução de Francisco Morais. Coimbra: Atlântida, 1935.

64. Sobre qual ideia central se desenvolve o parágrafo?

65. Você considera esse pensamento ainda atual? Por quê?

MLp1A2.indb 349 30/6/2010 14:14:56

Page 350: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8350

Da herança medieval encontramos o herói Rolando, que tem o seu nome mudado para Orlando. O Orlando renascentista é, ao mesmo tempo, um guerreiro valoroso e um amante apaixonado. Em 1483, Luigi Pulci escreve Morgante, baseado em um poema anônimo chamado Orlando. Matteu Maria Boiardo retornou ao tema em 1494, escrevendo Orlando enamorado. Mas foi o italiano Ludovico Ariosto quem, ao escrever Orlando furioso, deu ao tema maior profundidade artística. Ariosto começa por onde Boiardo havia terminado. Na luta entre mouros e cristãos pela posse da cidade de Paris, Orlando se apaixona por Angélica. O corajoso e valente Orlando termina louco, ao saber que sua amada se casa com Medoro.

Outro poema épico-cavaleiresco que merece ser citado é o italiano Jerusalém libertada, de Torquato Tasso. A guerra entre cristãos e mouros serve de pano de fundo para as aventuras amorosas entre as duplas Rinaldo-Armida e Tancredi-Clorinda. Artisticamente, o texto aborda a contradição entre a força da paixão amorosa e o medo do pecado.

A poesia lírica da Renascença apresenta-se como uma encruzilhada de tendências, dividida entre a lírica latina, a poesia popular, como as cantigas de amigo, e o trovadorismo da Idade Média, como as cantigas de amor.

Importante destacar a figura da mulher na lírica renascentista. Essa mulher vai, gradativamente, ganhando forma e realidade nos textos. Da figura inacessível e impiedosa das cantigas de amigo, sobre a qual o leitor nada sabe, passa-se, aos poucos a uma mulher mais próxima da realidade, ainda que, com raras exceções, sempre muito loira, de grandes olhos azuis e com uma pele tão branca que reproduz a ideologia da elite aristocrática, que considerava o trabalho braçal, em que a pele ficaria, naturalmente, queimada pelo sol, como uma atividade inferior, portanto não apropriada para as mulheres amadas.

66. Observando as reproduções renascentistas apresentadas neste capítulo, de que forma essa visão ideológica também aparece na pintura renascentista?

A Renascença espanhola vai fornecer, além da lírica tradicional, que cultiva a herança medieval, e a lírica renovada, de inspiração italiana, com nomes como o de Garcilaso de la Vega (1503-1536), uma poesia mística de qualidade excepcional, principalmente nas figuras de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz. Nesses poetas, o sentimento amoroso transcende o plano humano e alcança a comunhão da alma com Deus. Em outras palavras, o amor erótico ganha uma dimensão única: se somente há um amor, cuja fonte é o Criador, o amor da alma com Deus pode ser descrito com a mesma intensidade apaixonada presente na lírica erótica.

Note essa fusão entre o erótico e o religioso neste poema de Santa Teresa de Ávila:

Morro porque não morro

“Vivo já fora de mim, Desde que morro d’Amor Porque vivo no Senhor Que me escolheu para Si; Quando o coração Lhe dei Com terno amor lhe gravei:Que morro porque não morro.

MLp1A2.indb 350 30/6/2010 14:14:57

Page 351: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 351

Ai, que vida tão amarga Por não gozar o Senhor! Pois sendo doce o amor, Não o é, a espera larga; Tirai-me, ó Deus, este fardo Tão pesado e tão amargo,Que morro porque não morro.

Vida, que posso eu darA meu Deus que vive em mim. Se não e perder-te, enfim. Para melhor O gozar? Morrendo O quero alcançar. Pois nele está meu socorroQue morro porque não morro.”

67. Identifique, no poema, características próprias do discurso erótico que surgem também no discurso religioso.

1 – a entrega total ao ser amado, como se vê em “Porque vivo no Senhor”.

68. Observe:

“Se não e perder-te, enfim.

Para melhor O gozar?”

a) A quem se refere o pronome “te”?

b) A quem se refere o pronome “O”?

c) Qual a função sintática desses pronomes?

69. Identifique um vocativo na última estrofe e comente a sua função no poema.

Santa Tereza de Ávila. Reprodução de imagem popu-lar. Disponível em: <www.puc-rio.br>.

MLp1A2.indb 351 30/6/2010 14:14:58

Page 352: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8352

Em Portugal, a “medida nova”, ou seja, o estilo da lírica renascentista italiana, foi introduzida por Sá de Miranda, em 1527, quando regressou de uma viagem à Itália. Com certeza, o maior poeta lírico da Renascença portuguesa é Luís Vaz de Camões. Nele encontramos não apenas a lírica tradicional, como a clássica, até mesmo as correntes estéticas que viriam depois dele.

Examine atentamente estas reproduções de dois importantes pintores que partilharam diferentes visões de mundo:

PERUGINO, Pietro. Crucificação com a Virgem, São João, São Jerônimo e Santa Maria Madalena (c. 1485). Washington: Andrew W. Mellon Collection, National Gallery of Art.

VELÁZQUEZ, Diego. Cristo na cruz (1631-1632). Madri: Museu do Prado.

Figura 1 Figura 2

70. Complete, agora, o seguinte quadro esquemático, assinalando um “X” de acordo com as característi-cas apontadas.

Características Perugino Velázquez

Valorização do claro/escuro: a luz e a sombra confundem o olhar e sugerem o infinito.

Valorização da dramaticidade e do conflito: sensação de abandono e vazio.

Humanização do divino: o homem está mais próximo de Deus e do Céu.

Leveza, luminosidade: a procura pelo equilíbrio.

A primeira figura reflete o espírito da Renascença. O italiano Perugino pinta a sua obra por volta do ano de 1485. Ela está marcada pela procura da serenidade emocional. Embora seja representado um dos momentos mais trágicos da história do cristianismo, a obra é contida, conduzida pelos ideais de simetria e equilíbrio. Cristo parece no quadro tão humano quanto os seus seguidores que o olham com devoção contida.

MLp1A2.indb 352 30/6/2010 14:15:01

Page 353: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 353

A obra do espanhol Velázquez foi pintada cerca de um século e meio depois (entre 1631 e 1632). O Cristo revela uma dramática dignidade ao mesmo tempo humana e divina. O luto envolve o quadro já a partir do seu fundo, reforçando a impressão de extrema dor. Contrastando com o fundo negro, o Cristo aparece muito iluminado, como se ele mesmo fosse a fonte da luz, o que lhe dá um aspecto fantasmagórico, reforçando a ideia de morte no quadro.

Velázquez é um dos principais pintores do barroco, movimento artístico que dominou o cenário oci-dental entre o final do século XVI e a primeira metade do século XVIII.

Uma das máximas da Renascença era que “o homem é a medida de todas as coisas”, ou seja, o olhar do artista deveria manter-se antropocêntrico. Alguns acontecimentos no cenário europeu, no entanto, de-safiaram essa atitude renascentista. Como defender o ser humano como valor central se a descoberta de todo um continente não produziu uma Europa melhor? Ao contrário, a descoberta europeia da América apenas agravou as diferenças sociais, fazendo os ricos se tornarem cada vez mais ricos e empobrecendo ainda mais os pobres. Algumas pessoas precisavam trabalhar um dia inteiro para poderem comprar meia batata!

Além disso, a cultura greco-latina, ainda tão prestigiada pelos artistas e intelectuais da época, dividia seu espaço com o movimento da Contrarreforma, que procurou revalorizar, em todas as esferas da ação humana, os valores religiosos. Isso significava que o artista não poderia produzir uma obra de arte que contradissesse a moral católica daquela época, sob o risco de ser perseguido pela Inquisição.

Em Portugal, outro acontecimento desnorteou o espírito antropocêntrico do Renascimento: em 1578, o rei Dom Sebastião desaparece misteriosamente numa batalha. Como ele não tinha herdeiros, o trono espanhol anexou Portugal e suas colônias ao seu domínio. A perda da autonomia e o desaparecimento de D. Sebastião deram origem ao mito português do Sebastianismo (crença segundo a qual D. Sebastião voltaria e transformaria Portugal no Quinto Império). Essa crença aparece até mesmo nas “trovas”, qua-dras populares, de um sapateiro chamado Gonçalo Anes Bandarra e teria influenciado a obra de um dos principais nomes do barroco, o padre Antônio Vieira.

A unificação da península favoreceu o monopólio da Companhia de Jesus no campo científico-cultural, em nome da Contrarreforma, enquanto o restante da Europa se abria para as pesquisas e descobertas de Francis Bacon, Galileu, Kepler e Newton.

No Brasil do século XVII, encontramos a presença cada vez mais forte de comerciantes, com as transformações ocorridas no Nordeste em consequência das invasões holandesas e, finalmente, com o apogeu e a queda da cultura de cana-de-açúcar.

Em Portugal, o barroco ou seiscentismo teve seu início em 1580, com a unificação da Península Ibérica, o que acarretou um forte domínio espanhol em todas as atividades, daí o nome Escola Espanhola, também dado ao barroco lusitano. O seiscentismo se estendeu até 1756, com a fundação da Arcádia Lusitana.

No Brasil, o barroco teve seu marco inicial em 1601, com a publicação do poema Prosopopeia, de autoria do português, radicado no Brasil, Bento Teixeira. O final oficial do barroco brasileiro só ocorreu em 1768, com a publicação das Obras poéticas, de Cláudio Manuel da Costa.

O barroco é “uma arte violenta e dinâmica, possuída pela dupla consciência da cisão do mundo e de sua unidade, arte do claro-escuro, contrastes, paradoxos, rebuscadas inversões e cintilantes afirmações”.

PAz, Octávio. Sóror Juana Inês de la Cruz: as armadilhas da fé. São Paulo: Mandarim, 1998.

Apesar de todas as mudanças no cenário europeu, o estilo barroco continuou, a seu modo, as con-quistas do classicismo: o drama humano tornando-se o elemento básico, geralmente, acompanhado de gestos muito expressivos e teatrais. O exagero é algo recorrente no barroco, assim como o movimento de contrários que oscila entre o divino e o humano, a luz e a sombra.

MLp1A2.indb 353 30/6/2010 14:15:02

Page 354: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8354

“Oxímoro: é a união no mesmo sujeito de termos que se excluem. Ex.: silêncio eloquente, covarde valentia; obscura claridade.”

Paradoxo: faz-se uma afirmação contrária à crença geral estabelecida. Não significa, porém, que o paradoxo seja falso. Ex.: “Rousseau dizia que a mais importante regra da educação não consiste em ganhar tempo mas em perder tempo com o aluno”.

TRINGALI, Dante. Introdução à retórica: a retórica como crítica literária. São Paulo: Duas Cidades, 1988.

Observe a figura ao lado.

Michelangelo Merisi da CARAVAGGIO (c. 1573-1610) – Nasceu em Milão e mudou-se para Roma (que foi o grande centro do barroco italiano) por volta de 1592. Pintor temperamental, com fama de violento, revela em suas obras um inquietante realismo e uma grande riqueza de detalhes.

O deus Baco pintado por Caravaggio é exu-berante e rosado e, no entanto, tem no rosto uma beleza feminina. O deus do vinho, com seu olhar sedutor e seus lábios carnudos, oferece-nos a taça do prazer.

Mas, como a lembrar-nos de que, na vida, todo o prazer é transitório e de curta duração, o artista mostra-nos também frutas que já passaram ligeiramente do ponto: a romã, símbolo da coroa de espinhos do Cristo, está demasiadamente madura,

e a maçã, símbolo do pecado original, está bichada. Cara-vaggio representa, dessa maneira, os temas do Tempus fugit (uma expressão latina que significa “o tempo passa”) e o Carpe diem (outra expressão latina que significa “aproveite o dia”, ou seja, “viva intensamente cada momento”). Sendo a vida tão breve e passageira, Baco nos incentiva a esquecer-mos o amanhã e entregarmo-nos ao momento presente, vivendo-o intensamente.

No poema a seguir, também encontramos o tema da efemeridade da vida, tema apreciado pelos barrocos e por muitos outros artistas de outras épocas. Tente identificar os temas do Tempus fugit e do Carpe diem enquanto você lê o poema atentamente.

CARAVAGGIO, Michelangelo. Baco (1590). Florença: Galleria degli Uffizi.

JAN De HEEM. Vaso de flores (c. 1645). Washington: Andrew W Mellon Collection, National Gallery of Art.

MLp1A2.indb 354 30/6/2010 14:15:04

Page 355: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 355

Lisonjeia outra vez impaciente a retenção de sua mesma desgraça, aconselhando a esposa neste regalado soneto.

“Discreta e formosíssima MariaEnquanto estamos vendo a qualquer horaEm tuas faces a rosada Aurora,Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesiaO ar, que fresco Adônis te namora,Te espalha a rica trança voadora,Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,Que o tempo trata a toda ligeireza,E imprime em toda flor sua pisada.

Oh! Não aguardes, que a madura idadeTe converta em flor essa belezaEm terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.”

GREGÓRIO DE MATOS. Obra poética. Rio de Janeiro: Record, 1992.

Adônis: deus grego da luz, da sabedoria e da beleza.

Pela fria: pela madru-gada.

GREGÓRIO DE MATOS Guerra (1633?-1696) – Nasceu em Salvador, Bahia, e pode ser con-siderado o primeiro poeta brasileiro. Formado em Direito, em Portugal (nessa época não havia faculdades no Brasil), ainda viveu por lá um tempo, até arranjar problemas pelas sátiras que escrevia. No Brasil, foi convidado a trabalhar com os jesuítas, mas novamente pelas suas sátiras, não só foi demitido como também exilado para Angola. Conseguiu voltar para o Brasil, mas sob duas condições: estava proibido de pisar em terras baianas e de escrever ou apresentar suas sátiras. Morreu no Recife.

Pela (má?) fama que alcançaram as suas sátiras, recebeu o apelido “Boca do Inferno”. No entanto, Gregório também praticou a poesia religiosa e a lírica. Sua poesia caracteriza-se pelo jogo de palavras ao lado de raciocínios intrincados, mas sutis, sempre como o uso abusivo de linguagem.

71. No que diz respeito ao tema, que semelhanças e diferenças você encontra entre o poema Lisonjeai outra vez impaciente a retenção de sua mesma desgraça, aconselhando a esposa neste regalado soneto de Gregório de Matos e o Baco de Caravaggio?

MLp1A2.indb 355 30/6/2010 14:15:09

Page 356: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8356

O barroco revela certa dose de angústia que se origina do desejo de compreender o mundo pelas suas contradições. Essa atitude conduzia, muitas vezes, à valorização do jogo e da ilusão, como se pode verificar a seguir.

ATAÍDE, Manuel da Costa (forro da nave da igreja de S. Francisco de Assis). Ouro Preto: Igreja de S. Francisco de Assis.

Manuel da Costa ATAÍDE (1762(?)-1830) – Nasceu em Mariana, MG. O Mestre Ataíde usava cores vivas e alegres, principalmente o azul. Não seguiu a influência de Caravaggio do claro-escuro. Seu estilo é próprio e bem brasileiro, com seus traços oscilando entre a serenidade e a tortura de sua alma. Característica dessa visão brasileira, barroca, mas não completamente europeia, pode-se notar que a imagem de Maria é a de uma mulata ou negra, com um natural sorriso no rosto.

72. De que estratégia se valeu o mestre Ataíde para aumentar a ilusão em sua pintura?

No auge do Barroco, os escritores valorizaram de tal forma a ilusão e o jogo que, muitas vezes, não davam valor ao conteúdo do que escreviam, mas apenas a como escreviam: com o uso de palavras pouco comuns, rimas raras, inversões e outros recursos da linguagem que não contribuíam em nada para o sentido do texto, mas unicamente para deixá-lo mais difícil de ser lido. Alguns leitores, principalmente nos séculos seguintes, con- denaram tal visão de arte. Veja, por exemplo, o que escreveu um filósofo português:

“Quando vejo um poeta destes, que se serve de expressões que nada significam, ou que compõem de sorte que o não entendem, assento que não quis ser entendido, e, em tal caso, procuro fazer-lhe a vontade, e não o leio. [...] Se todos assentassem neste princípio, veria V. P. como se mudava a poesia nestes países; porque seriam obrigados os poetas a lerem somente as suas obras; e, assim, ou se desenganariam eles mesmos com o tempo, ou não enganariam os outros; e poder-se-iam achar poetas de algum merecimento; principalmente se chegassem a conhecer quais são os requisitos necessários para a poesia. A razão destes inconvenientes é porque se persuadem comumente que, para ser poeta, basta saber a medida

MLp1A2.indb 356 30/6/2010 14:15:13

Page 357: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 357

LUÍS ANTÓNIO VERNEY (1713-1791) – Natural de Lisboa, for-mou-se em Filosofia pela Universidade de Évora, em Portugal e em Teologia pela Universidade de Roma. Em 1746, publicou o Verda-deiro método de estudar. Trata-se de uma obra redigida no gênero epistolar. Dez cartas tratam questões relacionadas com questões disciplinares e pedagógicas, como o acesso da mulher à cultura.

O poeta barroco quer descobrir as relações secretas entre as coisas, quer assombrar e maravilhar ao seu leitor. Nessa procura, não é de espantar que um poeta como Gregório de Matos escreva poemas satíricos e até pornográficos, mas também poemas de amor, religiosos e filosóficos. Observe:

Pica-Flor: beija-flor.A uma freira, que satirizando a delgada fisionomia do poeta lhe chamou “Pica-Flor”

“Se Pica-flor me chamais,Pica-flor aceito ser,Mas resta agora saber,Se no nome, que me dais,Meteis a flor, que guardaisNo passarinho melhor!Se me dais este favor,Sendo só de mim, o Pica,E o mais vosso, claro fica,Que fico então Pica-flor.”

Gregório de Matos, Op. cit.

Observe o tom grosseiro, até pornográfico, que caracteriza o poema.

73. Identifique, no poema a seguir, características típicas do barroco.

Moraliza o poeta nos ocidentes do sol a inconstância dos bens do mundo.

“Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria.

de quatro versos e saber engenhar conceitos esquisitos. Quem se funda nisto não pode saber nada: são necessárias muitas outras notícias. É necessário doutrina e entender bem as matérias que se tratam; é necessária a Filosofia, e saber conhecer bem as ações dos homens, as suas paixões, o seu caráter, para as saber imitar, excitar e adormecer. Aqui entra novamente a Retórica, que supõe todas aquelas coisas; entra um pouco de história, para não dizer parvoíces; entra a história da fábula, etc. Tudo isto se mostra manifestamente nos melhores poemas que temos da Antiguidade. (...) Onde, quem não tem estes fundamentos é versejador, mas não poeta; e necessariamente há-de dizer muita parvoíce.”

VERNEY, Luís António. Verdadeiro método de estudar, Carta VII.

MLp1A2.indb 357 30/6/2010 14:15:15

Page 358: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8358

Adolfo Correia da Rocha, mais conhecido como MIGUEL TORGA (1907-1995) – Emigrou para o Brasil ainda jovem e, quando regressou a Portugal, em 1925, matriculou-se no curso de Medicina da Universidade de Coimbra. Mas, foi como escritor que esse médico passou à História. Por volta de 1930, fundou a revista Sinal; pouco depois, fundou uma nova revista: Manifesto. Começou a ser conhecido como poeta, tendo mais tarde ganho notoriedade com os seus contos ambientados na zona rural. Seu livro Os bichos é considerado um clássico. Deram-lhe notoriedade também os dezesseis volumes de Diário, publicados entre 1941-1995.

Porém se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza.Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.”

Gregório de Matos. Op. cit.

Além do nome de Gregório de Matos, podemos destacar, na lírica brasileira, a figura de Manuel Bo-telho de Oliveira (1636-1711).

Na prosa, a figura mais importante é, sem dúvida, o padre Antônio Vieira. É provavelmente o principal nome do barroco em língua portuguesa. Sobre ele falaremos mais no próximo capítulo.

O Pe. Antônio Vieira é tema de um poema do escritor modernista português Miguel Torga. Observe como o poeta vê o classicismo barroco:

Antônio Vieira

“Filho peninsular e tropicalDe Inácio de Loyola,Aluno do BandarraE mestreDe Fernando Pessoa,No Quinto Império que sonhou, sonhavaO homem lusitanoÀ medida do mundo.E foi ele o pioneiro.OriginalNo ser universal...Misto de génio, mago e aventureiro.”

TORGA, Miguel. Poemas ibéricos. Coimbra: Ed. Autor, 1965, 2. ed., 1982.

MLp1A2.indb 358 30/6/2010 14:15:16

Page 359: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 359

74. Ao descrever Vieira como “Original/ No ser universal...” a que características clássicas do barroco Miguel Torga se refere?

75. De que forma Vieira é “filho de Inácio de Loyola” e “aluno de Bandarra”?

Observe:

76. Identifique as características do barroco encontradas na figura ao lado.

Nasce a ópera!Seguindo o conceito de arte do barroco, a ópera se propunha a juntar todas as formas artísticas

possíveis em um só espetáculo. Dessa forma, música instrumental, canto, cenografia e teatro se fundiriam para o deleite da plateia. A música teve que se adequar a esse propósito: caminhando da

polifonia coral apreciada na Renascença à melodia acompanhada, mais propícia a uma apresentação individualizada. Dessa forma, a ópera nasceu com a música harmônica, na qual uma única melodia (exe-cutada quer pela voz humana, quer por um instru-mento solo) é acompanhada por outros instrumentos ou vozes, na forma de acordes musicais.

O primeiro exemplo documentado de ópera é La Dafne (1594), de Jacopo Peri (1561-1633), mas foi Cláudio Monteverdi que lhe deu maturidade. A ópera também trouxe a necessidade de locais especiais para apresentação. Em 1637, foram inauguradas as primeiras casas de ópera em Veneza.“Casa de ópera” de Veneza.

LISBOA, Antônio Francisco (ALEI-JADINHO). Cristo carregando a cruz (1796-99). Congonhas.

Antônio Francisco Lisboa (ALEIJADINHO) (Vila Rica [Atual Ouro Preto], 1730 (?) – Vila Rica, 1814) – Escultor, entalhador, desenhista e arquiteto, é considerado o maior expoente do estilo barroco em Minas Gerais e das artes plásticas durante o Período Colonial.

77. De que nomes de óperas famosas você se lembra?

MLp1A2.indb 359 30/6/2010 14:15:18

Page 360: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8360

pauSa paRa REFlEXÃoEm seu caderno, responda às questões a seguir.

I. Que conteúdos deste capítulo conseguiria explicar sem consultar o livro?

II. Consultando o livro, identifique os conteúdos deste capítulo que, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem novas explicações ou atividades de reforço.

III. Que atividade(s) considerou mais importante(s) para o seu aprendizado? Por quê?

IV. Que atividades foram mais agradáveis? Por quê?

V. Participou das atividades com interesse? Em que aspectos poderá melhorar nas próximas aulas?

uMa aNtologIa DE poEMaS DE aMoR

Quando falamos de literatura, pensamos em antologia como uma coleção de textos. Mas uma antologia deve levar em conta um leitor que não tem muita experiência de leitura com tais textos. Observe:

“Antologia é uma espécie de porta para um território onde alguns entram pela primeira vez. É preciso que tenham uma boa impressão desse universo literário para que gostem de viajar por ele, descobrindo os seus mistérios. E aproveitem bem o que foi criado pelos autores com esforço e paixão.

Seleções como esta requerem pesquisa e merecem todo o cuidado. Não há receitas para organizá-las, mas o ideal é que exista equilíbrio, e os textos expressem com nitidez características básicas de cada escritor

quanto a sua maneira de escrever e de enxergar o mundo. Para isso, é imprescindível que o organizador mantenha estreita convivência com a Literatura a ser focalizada.

[...]

Organizar antologias não é um trabalho estático, felizmente. Há sempre muita vida dentro dele e acompanhando-o. Não apenas em relação aos textos que vão sendo lidos e relidos, mas no que se pode chamar ‘desenvolvimento mágico’: a formação da personalidade do livro.”

LADEIRA, Julieta de Godoy, organizadora da antologia Contos brasileiros contem-porâneos. São Paulo: Moderna, 1994.

78. Ao término desta unidade, propomos que organizem, em dupla, uma antologia de 12 poemas em lín-gua portuguesa cujo tema seja o amor idealizado, platônico. Naturalmente, seria aconselhável evitar os poemas já usados neste livro. Escolham também um dos poemas da antologia que elaborarem e ilustrem-no, usando, para isso, toda a sua criatividade.

MLp1A2.indb 360 30/6/2010 14:15:22

Page 361: Lingua Portuguesa 1ª Série

falemos de amor... 361

Finalmente, redijam uma introdução à sua antologia, na qual expliquem a relação existente entre o pensamento platônico e os poemas que escolheram.

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDoo amor idealizado e a linguagem

79. Recorrendo às estratégias de resumo aprendidas neste livro, resuma os conteúdos deste capítulo.

MLp1A2.indb 361 30/6/2010 14:15:23

Page 362: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 8362

paRa lER

Seis boas razões para ser uma mulher fútil

MAITENA. Mulheres alteradas 2. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

MLp1A2.indb 362 30/6/2010 14:15:26

Page 363: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 363

A LÍNGUA PORTUGUESA DE ChUTEIRAS

Vem-lhe o pressentimento; ele se lançaMais rápido que o próprio pensamento,Dribla mais um, mais dois; a bola trançaFeliz, entre seus pés – um pé de vento!

(Vinícius de Moraes. O anjo de pernas tortas)

PORTINARI, Cândido. Futebol (1958). Coleção do Dr. Mem Xavier da Silveira, Rio de Janeiro.

Muitas pessoas identificam o futebol como uma das principais paixões do brasileiro. Não há dúvida de que o futebol mexe com os hábitos de muitos ao mesmo tempo em que move interesses financeiros e sociais no cenário nacional e internacional.

Curiosamente, apenas em raros momentos, esse esporte ocupou um lugar de destaque no campo literário. O encontro mais produtivo entre o futebol e a palavra deu-se na crônica desportiva.

MLp1A2.indb 363 30/6/2010 14:15:27

Page 364: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9364

a IDEologIa Na CRÔNICa ESpoRtIva

Em 1965, o governo português doou à cidade do Rio de Janeiro, como parte das comemorações de 400 anos, uma estátua de Dom João VI andando a cavalo. Essa estátua equestre pode ser visitada no Centro do Rio, na Praça XV de Novembro.

Essa doação é o ponto de partida para a divertida crônica do escritor brasileiro e comentarista de futebol, Nelson Rodrigues, publicada originalmente no jornal O Globo, de 9 de junho de 1965.

Salivação eunuca“Amigos, eis que o Brasil recebe, de presente,

a estátua equestre de d. João VI. E como os dois vieram engradados, o rei e o cavalo, eu só imagino a humilhação do rei, só imagino a humilhação do cavalo. Excelente d. João VI! Volta ao Brasil por um funesto hábito adquirido na invasão napoleônica.

Mas enquanto ‘el rey’, devidamente montado, está trotando no seu monumento, eu verifico que d. João VI é muito menos antigo do que parece. Agora mesmo, estou lendo uma colega que me parece anterior à abertura dos portos. Refiro-me à cronista que escreveu, ontem, uma coisa intitulada: ‘A gafe do rei’. O rei é Pelé e a gafe é dele mesmo. Santa senhora! Quem a lê e relê, há de perguntar que faz ela no século XX, com sapatos modernos, figurinos contemporâneos e, no entanto, com reações nítidas, cristalinas, indubitáveis de colônia.

Pensava-se que a abertura dos portos ia influir nos costumes, nos modos, nas ideias e nos sentimentos. Para alguns, houve realmente esse impacto fecundo. Mas há uma meia dúzia, na crônica esportiva, que teima num abjeto comportamento colonial. E, agora, vem uma senhora, que não é do esporte, nunca entrou no Maracanã, e nem sabe se a bola é quadrada, vem essa senhora e condena Pelé.

Cabe então a pergunta: – por quê? Vamos ao fato. Houve, domingo, como se sabe, o jogo Brasil x Alemanha. Havia um abismo físico entre as duas seleções. De um lado, os alemães, fortes, apolíneos, sólidos e compactos como havaianos de filme. De outro lado, os nossos, subnutridos, mal-acabados. Muito bem. Começa o jogo e, desde o primeiro minuto, os visitantes baixaram o cacete.

Ora, toda a imprensa anterior à abertura dos portos arranjou um sofisma pusilânime e realmente infecto: – ‘Os alemães são duros, mas leais’. Curiosa lealdade do pé na cara! Outros confrades descobriram a seguinte explicação servil e colonial: – ‘Eles não tinham a intenção’. Bonito consolo para o nosso escrete de paus-de-arara! Com as melhores intenções, a Alemanha nos massacrou.

Até que houve o lance supremo. Bola dividida, e Pelé e adversário vão disputá-la. Vejam bem o contraste, que é importantíssimo: um, pobre negro brasileiro; outro, louro, truculento, wagneriano. Criou-se para Pelé o dilema hamletiano: ou ele ou eu. Segundo deduzo da cronista citada, o justo, o correto, o legítimo é que a perna quebrada fosse do brasileiro retinto. Mas Pelé não pensou assim. E como o crioulo é posterior a d. João VI, tratou de se defender.

Mais esperto, mais ágil, mais inteligente, mais moleque, sobreviveu. Ao passo que o adversário sofreu uma fratura. É essa fratura que a colunista, com a sua afetação grã-fina, chama de ‘gafe’. E se o fraturado fosse Pelé? Toda a imprensa, inclusive a antiguíssima senhora, diria que fora ‘sem querer’. Pois parte considerável da nossa imprensa convencionou que todos os alemães só têm boas intenções. Ao passo que o nosso Pelé é uma víbora de túmulo de faraó.

Estátua equestre de Dom João VI na Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro.

Key

ston

e

MLp1A2.indb 364 30/6/2010 14:15:29

Page 365: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 365

Amigos, antes de d. João VI, o brasileiro, na sua humildade de colônia, vivia babando na gravata. Hoje, muitos ainda têm essa intensa salivação. E, por isso, negam a Pelé o direito de se defender, apenas se defender. Graças a Deus, o crioulo mostrou que não é nenhum escravo núbio, nenhum eunuco abissínio. É apenas homem, e apenas brasileiro.

Eu gostaria de conversar com a antiga, a inatual, a remota senhora que chama perna quebrada de gafe. Eu lhe diria, de viva voz, algumas coisas cordiais e apiedadas. Por exemplo: diria que o brasileiro não tem mais obrigação de levar pau de ninguém. E que o homem do Brasil é igual a qualquer outro (eu acho melhor do que os outros). Eu sei que a simpática cronista não aproveitou nada da abertura dos portos e mesmo a ignora. Faço votos que tire melhor proveito da segunda visita de d. João VI.”

RODRIGUES, Nelson. A pátria em chuteiras: novas crônicas de futebol. In: CASTRO, Ruy (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

NELSON RODRIGUES (1912-1980) – Nasceu no Recife (PE). Filho de um jornalista, Nelson era um grande observador do cotidiano de sua época. Esse olhar atento, juntamente com a imaginação fértil, permitiram-lhe construir algumas das mais complexas personagens da literatura brasileira, principalmente no gênero dramático. Foi em 1919 que o autor descobriu o Fluminense, que se tornaria o time de seu coração até a hora da morte.

O jogo amistoso ocorreu no dia 6 de junho de 1965, no Maracanã, e terminou 2 x 0 para o Brasil. O texto de Nelson Rodrigues é marcado pelas ideologias que predominavam na época. Vejamos:

Para construir a ideologia nacionalista anticolonialista, Nelson Rodrigues recorre a três estraté-gias:

1. De acordo com o texto, a Abertura dos Portos às Nações Amigas, lei promulgada por Dom João VI e que beneficiou unicamente a Inglaterra, foi o primeiro passo para que adotássemos, no Brasil, uma atitude independente. Que relação existe, no texto, entre o pensamento colonialista e o ponto de vista do cronista sobre a “gafe” de Pelé?

2. Complete o quadro a seguir, transcrevendo partes da crônica que expliquem o que se pede:

Alemães Brasileiros

Intelectualmente

Fisicamente

MLp1A2.indb 365 30/6/2010 14:15:30

Page 366: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9366

O ponto de vista de Nelson Rodrigues sobre a fratura que Pelé ocasionou no jogador Giezzmann da Alemanha é claro: Pelé agiu corretamente. Quem pre-tende escrever bem deve partir de um ponto de vista claro, bem definido sobre o assunto que pretende desenvolver, mas, ao mesmo tempo, deve permitir que o leitor faça questionamentos.

A seguir, esse ponto de vista será defendido por meio de argumentos só-lidos. Para encontrarmos os argumentos em um texto, recorremos à pergunta “por quê?” – Por que Pelé agiu correntamente?

Ao citar a doação da estátua de D. João VI para o Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues conseguiu atingir três objetivos: por um lado, mostra-se uma pessoa com conhecimentos da história brasileira colonial e contemporânea; por outro, desperta a atenção do leitor com um assunto atual (para a época); finalmente, permite-lhe criar uma distinção, utilizando a abertura dos portos às nações amigas como parâmetro: os que têm mentalidade retrógrada e os que têm mentalidade moderna.

3. Quem ocupa o primeiro grupo?

4. Quem ocupa o segundo grupo?

A seguir, o enunciador apresenta as equipes alemã e brasileira. Note que o uso dos adjetivos é essen-cial para conseguir deixar claro que os alemães são superiores fisicamente e muito mais violentos. Após criticar alguns setores da imprensa, o cronista explica o sucedido. Note a distinção:

“Um, pobre negro brasileiro; outro, louro, truculento, wagneriano”

5. Que valor ideológico assumem os termos “negro” e “louro”?

Mas qualquer aparente superioridade é ilusória, pois o brasileiro é mais “esperto, mais ágil, mais inteligente, mais moleque” e por isso “sobreviveu”. Além disso, a situação era dramática: “ou ele, ou eu”. Note que, de acordo com o cronista, era uma questão de sobrevivência. A inteligência que Nelson Rodrigues valoriza não é a acadêmica, obtida por meio do estudo, mas a esperteza diante da vida.

6. Que termo deixa claro esse ponto de vista?

Ele torna a criticar os setores da imprensa que se posicionaram contra Pelé e retoma o pensa-mento inicial, voltando a falar de D. João VI. Essa estratégia permitiu ao cronista dar maior coesão ao seu texto.

MLp1A2.indb 366 30/6/2010 14:15:31

Page 367: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 367

Voltemos à questão básica sugerida pelo ponto de vista do cronista:

• Por que Pelé fez muito bem em se defender?

Basicamente, são quatro os argumentos usados:

1. Os brasileiros não devem mais se humilhar a nenhum outro povo.

2. Os alemães são superiores fisicamente e muito mais violentos.

3. O brasileiro é mais esperto.

4. Era uma situação em que um dos dois iria sair machucado.

Como pudemos verificar, os argumentos encadeiam-se de forma coesa, bem amarrados pelos conectivos, levando o leitor a uma única conclusão: Pelé teve o direito a se defender, machucando a perna do adversário durante o jogo.

Dessa forma, uma boa argumentação leva em conta três as-pectos:

• ponto de vista • argumentos • conclusão

Encontramos, na crônica de Nelson Rodrigues, também uma ideologia machista que desacredita o conhecimento da mulher no que respeita ao futebol. Até hoje, nem todos aceitam que a mulher entenda e goste de futebol. Na sua opinião, por que isso ocorre?

Tragam para a próxima aula textos que tenham o futebol como tema. Em grupos, encontrem as marcas ideológicas presentes nos textos. Discutam em classe as principais mudanças observadas no comportamento do torcedor brasileiro e nos textos que falam de futebol, que circulam na imprensa.

a líNgua poRtuguESa E o FutEBol

Pelé.

Leia com atenção o seguinte trecho de uma revista:

“Graciliano Ramos bem que poderia ter sido o nosso Hemingway. Em termos literários, estava aparelhado para a tarefa. Mas lhe faltava o outro requisito essencial: a paixão pelo futebol. O velho Graça também não simpatizava com aquela história de chutar a bola com os pés. Em 1921, ainda jovem, vaticinou no conto Linhas tortas: ‘O football não pega, tenham certeza. Não vale o argumento de que ele tem ganho terreno nas capitais importantes. Não confundamos [...] Nas cidades os viciados elegantes

absorvem ópio, a cocaína, a morfina; por aqui há pessoas que ainda fumam liamba. [...] o futebol, o boxe, o turfe, nada pega.’

Graciliano foi um ótimo escritor, mas se dependesse de suas previsões morreria de fome. Ao contrário de Monteiro Lobato, que deu alguns palpites certeiros com décadas de antecedência. Lobato, que descobriu

Futebol, anos 20.

MLp1A2.indb 367 30/6/2010 14:15:32

Page 368: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9368

petróleo em solo brasileiro muito antes da Petrobras, ousou escalar um full-back e um goal-keeper como personagens de O queijo de Minas ou História de um nó cego. Isso em 1906. Graciliano foi mais conservador. Pedia aos jovens que desentortassem suas colunas com esportes mais nacionais, e não com essas ‘esquisitices que têm nomes que vocês nem sabem pronunciar’.

Tinha lá certa razão. Poucos pronunciavam o vocabulário futebolístico como mandava o figurino. Coisa de gringo – nossas primeiras bolas tinham passaporte inglês –, o esporte trazia de quebra uma terminologia exótica. A começar pelo nome de batismo, football. Mas não ficava por aí: o campo era field, os jogadores players; o goleiro, goal-keeper. Segundo o escritor, dramaturgo e cronista esportivo Nelson Rodrigues, uma partida entre Flamengo e Fluminense era anunciada mais ou menos assim pelos jornais da época: ‘Será levado a efeito amanhã, no aprazível field da rua Paissandu, o esperado prélo’ etc. Havia uma enorme distância entre a linguagem do futebol, especialmente no que diz respeito ao jornalismo, e aquilo que já ocorria nos gramados e nos clubes das cidades brasileiras. Na década de 1920, o futebol já era o esporte mais popular do Brasil.”

OLIVEIRA, Gustavo de. “Escritores e craques”. Veredas. Ano 7, n. 74. Rio de Janeiro: Verso Brasil, fev. 2002.

Uma das formas de se formarem palavras na língua portuguesa é por empréstimo de palavras es-trangeiras. Alguns desses empréstimos se aportuguesam, como futebol (do inglês football), mas outros mantêm a sua grafia original, como shopping center.

7. De acordo com o texto, por que há tantas palavras de origem inglesa no futebol? Esse fenômeno se restringe ao futebol ou é comum a outros esportes?

8. Façam, em classe, uma lista das palavras de origem inglesa que usualmente aparecem em textos esportivos. Comentem se essas palavras foram aportuguesadas ou mantêm a sua grafia original. Copie, no espaço a seguir, a lista elaborada:

9. Escreva a sua crônica esportiva defendendo suas opiniões. Para isso, selecione um jogo (de futebol ou de outro esporte que preferir), assista a ele e depois desenvolva o seu ponto de vista a respeito do jogo ou de algo que tenha ocorrido durante esse jogo. Talvez seja oportuno reler a crônica Salivação eunuca de Nelson Rodrigues, com que iniciamos o capítulo. No entanto, antes de começar a escrever, preencha o quadro a seguir, que funcionará como projeto de sua crônica esportiva:

MLp1A2.indb 368 30/6/2010 14:15:33

Page 369: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 369

A seguir, troque a sua crônica com um de seus colegas, conforme orientações do professor. Peça-lhe sugestões para melhorá-la. Por sua vez, você também receberá uma crônica de um colega. Localize nela os mesmos elementos básicos que constituíram o seu texto. Preencha, então, o quadro a seguir, com as informações da crônica de seu colega.

Estrutura da crônica esportiva

Ponto de vista

Argumentos

Conclusão

Estrutura da crônica esportiva de

Ponto de vista

Argumentos

Conclusão

Palavras de origem estrangeira pertencentes ao universo esportivo

MLp1A2.indb 369 30/6/2010 14:15:34

Page 370: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9370

a CRÔNICa DE MEMóRIaSNão há dúvidas de que a ideologia machista que ridiculariza a mulher que

gosta e entende de futebol está ultrapassada. Uma das maiores escritoras de Santa Catarina nos oferece uma deliciosa crônica sobre o futebol. No entanto, de forma diferente das crônicas de Nelson Rodrigues, a de Urda Alice Klueger narra não as impressões do cronista sobre um jogo específico, mas a memória desse cronista em relação ao futebol.

“Costumo dizer que as mais puras e intensas alegrias da minha vida vieram do futebol. Tive inúmeras outras alegrias, é claro, mas nenhuma tão gratuita e intensa como as que o futebol me proporciona desde 1958, quando tinha seis anos de idade.

Em 1958 fomos campeões do mundo pela primeira vez, e podem me perguntar que sei ainda todinho o Hino da Seleção daquele ano. A Copa de 58 foi o momento de revelação do futebol, para mim, e as imagens mais fortes daqueles dias de Copa são do meu pai, de ouvido encostado no rádio, e explodindo em gritos de gol quando chegávamos a ele. Eu só tinha seis anos e ainda nada sabia de futebol, mas gritava junto com meu pai, e sentia nascer em mim a primeira emoção violenta da vida. Naquela época, ouvia-se o jogo pelo rádio, via-se as fotos dos gols uma semana depois, na revista O Cruzeiro, e, se se tivesse sorte, uns dois meses depois podia-se ver os gols no cinema, no jornal que era apresentado antes dos filmes.

Outra das imagens que ficou da Copa de 58 foi uma foto na revista, onde Pelé, menino de 16 anos, aparecia abraçado com duas suecas loiríssimas. Para a tacanha mentalidade que predominava em Santa Catarina, na época (e que continua por aí, por baixo dos panos), aquilo era quase um atentado ao pudor. Duas loiras terem a coragem de abraçar um negro? O comentário mais sóbrio dizia que elas não tinham vergonha na cara. Estava fora de cogitação os adultos da época pensarem na probabilidade de, algum dia, seus filhos e netos se miscigenarem com a gloriosa e alegre etnia negra, que tanto adoçou o Brasil. O fato é que, hoje, as miscigenações estão acontecendo vigorosamente, e deverão aumentar de intensidade no futuro, neste país mestiço. E o menino Pelé, na época mais ou menos perdoado por seus gols, pela indecência de abraçar duas loiras, hoje é rei e tem incontestável majestade e um dos orgulhos da minha família, por

AGUILAR, José Roberto. Série do futebol 1, 1966. Spray s/ tela; 114 x 146,5 cm. Doação Giuseppe Bac-caro. São Paulo: MAC-SP – Museu de Arte Contempo-rânea de São Paulo.

MLp1A2.indb 370 30/6/2010 14:15:36

Page 371: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 371

exemplo, é ter as fotos da minha irmã Mariana, que é jornalista na áfrica do Sul, entrevistando Pelé em Joanesburgo.

Mas falávamos em futebol, e atravessamos, ébrios de patriotismo, aqueles anos de 58 a 62. Em 1962 eu já tinha dez anos e o futebol tinha me fisgado de vez. De novo ouvi os jogos pelo rádio – a televisão não tinha chegado ainda. Naquela Copa, porém, minha alegria ficou um pouco acobertada pela surra que levei quando, num dos gols do Brasil, pulei tanto sobre o sofá novo pé-de-palito que a minha mãe acabara de ganhar, que quebrei o pé-de-palito do mesmo. Mas foi lindo ganhar; ah! como foi!

E aí chegamos em 1970, em plena época da televisão, e nunca mais vamos ter uma Seleção como aquela! Por mais que curta História, a minha grande admiração pelo México não advém dos Maias e Astecas, mas do maravilhoso calor humano daquele povo que se colocou, decididamente, a torcer pelo Brasil, depois que o seu país foi eliminado da disputa. Maravilhosos mexicanos, vocês ficaram no meu coração! Na ocasião, eu tinha 18 anos, mas formei um firme propósito: não morrer antes de ver o Brasil campeão de novo, tamanha foi a emoção que vivi. Tive que esperar 24 anos para que tal acontecesse, tive que amargar todas as derrotas do intervalo, mas tinha a certeza de que não iria morrer antes de reviver a intensidade da alegria. Esperei 94 do mesmo jeito que esperara todas as outras copas: de camisa da Seleção, bandeiras na varanda, um monte de simpatias para dar sorte, e coração pulsando na mão. Pode rir quem quiser, mas sou daquelas torcedoras que ouve o Hino Nacional de pé e em silêncio, na frente da televisão, e quase tem um enfarto a cada jogada. Em 94, gravei todos os jogos da nossa Seleção, e aquelas fitas são, hoje, a minha certeza de alegria e de bom humor. Quando alguma coisa não vai bem, quando surgem os problemas e fica difícil sair do baixo astral, eu revejo um dos jogos da World Cup. Não demora muitos minutos para que eu esteja rindo sozinha igual a uma boba, na frente da televisão, o coração aquecido pela mais pura e intensa alegria.

Minha meta foi atingida: vi o Brasil campeão mais uma vez. Só que agora não quero morrer sem ver o Brasil campeão de novo.

Ah! Futebol, quantas alegrias já me trouxe!”

URDA ALICE KLUEGER (1952- ) – Escritora de Blumenau, pertence à Academia Catarinense de Letras. Pessoa de hábitos simples, gosta muito de ler. Escreveu, entre outras coisas, No tempo das tangerinas, Cruzeiros do Sul e A vitória das vitórias.

Sofá pé-de-palito, década de 1960.

KLUEGER, Urda Alice. In: SOCIEDADE ESCRITORES DE BLUMENAU. Um rio de letras: antologia de verso e prosa. Blumenau: Nova Letra, 2002.

MLp1A2.indb 371 30/6/2010 14:15:40

Page 372: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9372

A escritora Urda Alice Klueger escreveu uma crônica narrativa, mas visi-tando as suas memórias: narra a sua história pessoal como torcedora da seleção brasileira de futebol. Junta a essas memórias impressões pessoais sobre a sua família e a sociedade em que vivia.

10. Encontre trechos da crônica que se refiram ao que é pedido em cada seção do quadro a seguir.

o vERBo Na gRaNDE ÁREa

Em sua crônica, Klueger propõe uma viagem pelas suas memórias futebolísticas. É natural que o seu texto esteja repleto de marcas do passado. Veja:

“Em 1958 fomos campeões do mundo pela primeira vez.”

Nessa frase, o passado é marcado, principalmente, por duas formas:

• Pela expressão “Em 1958”.

• Pelo verbo “ser” no pretérito perfeito do indicativo: fomos.

o que é um verbo?

“Verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo.”

(CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Lisboa: João Sá da Costa, 1984.)

1958: “Naquela época, ouvia-se o jogo pelo rádio, via-se as fotos dos gols uma semana depois, na revista O Cruzeiro, e, se se tivesse sorte, uns dois meses depois podia-se ver os gols no cinema, no jornal que era apresentado antes dos filmes”.

Elementos próprios da época a que se refere a narrativa

Impressões da cronista sobre a socidade catarinense

Impressões da cronista sobre sua família

Crônica de urda Alice Klueger

MLp1A2.indb 372 30/6/2010 14:15:41

Page 373: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 373

Observe:

• “Em 1958 fomos campeões do mundo pela primeira vez.”

• “A Copa de 58 foi o momento de revelação do futebol, para mim.”

Fomos e foi são flexões do mesmo verbo: “ser”.

Números: os verbos da língua portuguesa admitem dois números: o singular e o plural. É o sujeito (singular ou plural) que determina o número do verbo.

Flexões do verbo: os ver-bos variam de acordo com o número, a pes-soa, o modo, o tempo, o aspecto e a voz.

Assim:

“Em 1958 fomos campeões do mundo pela primeira vez.” – verbo no plural (fomos) por causa do sujeito plural subentendido (nós).

“A Copa de 58 foi o momento de revelação do futebol, para mim.” – verbo no singular (foi) por causa do sujeito singular (a Copa de 58).

Pessoa: o verbo tem três pessoas:

1ª pessoa: aquele que fala e corresponde aos pronomes pessoais eu (singular) e nós (plural).

“Eu só tinha seis anos.” / “Nós fomos campeões em 58.”

2ª pessoa: aquele com quem se fala e corresponde aos pronomes pessoais tu (singular) e vós (plural).

Tu só tinhas seis anos. / Vós fostes campeões em 58.

3ª pessoa: aquele de quem se fala e corresponde aos pronomes pessoais ele, ela (singular) e eles, elas (plural).

Ele(a) só tinha seis anos / Eles(as) foram campeões em 58.

oBSERVAÇÃo MuIto IMPoRtAntE: na língua portuguesa falada no Brasil, é comum que nos dirijamos àquele(s) com quem falamos por meio do pronome de tratamento “você” (singular) ou vocês (plural). Nesse caso, utilizamos o verbo flexionado na 3ª pessoa, embora não se trate daquele a quem se fala.Você só tinha seis anos. / Vocês foram campeões em 58.

Modos: o modo exprime, no verbo, a atitude do enunciador em relação ao fato que enuncia:

• Indicativo: o modo da certeza e da realidade. Expressa um fato que o enunciador acredita realmente acontecer em referência ao presente, ao passado ou ao futuro.

Ex.: Afirmo que ela joga bem futebol.

Indicativo

• Subjuntivo: o modo da dúvida. O verbo expressa uma atitude de incerteza, de desejo, de eventu-alidade, de intenção, de objetivo a ser alcançado ou mesmo de irrealidade.

Ex.: Duvido que ela jogue bem futebol.

Subjuntivo

• Imperativo: o modo do pedido. O verbo expressa uma atitude de exortação, de conselho, de convite a uma ação. É também utilizado para a persuasão e a ordem.

Ex.: Jogue bem essa partida, por favor!

MLp1A2.indb 373 30/6/2010 14:15:42

Page 374: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9374

11. Observe:

“Na ocasião, eu tinha 18 anos, mas formei um firme propósito: não morrer antes de ver o Brasil campeão de novo.”

O verbo em negrito encontra-se no indicativo ou no subjuntivo? Com base na crônica de Urda Alice Klueger, explique as razões que levaram a narradora a fazer essa escolha.

12. Veja agora este outro trecho da crônica de Urda Alice Klueger:

“Quando alguma coisa não vai bem, quando surgem os problemas e fica difícil sair do baixo astral, eu revejo um dos jogos da World Cup. Não demora muitos minutos para que eu esteja rindo sozinha igual a uma boba, na frente da televisão, o coração aquecido pela mais pura e intensa alegria.”

Há dois verbos destacados: o primeiro está no modo indicativo, e o segundo, no subjuntivo. O uso desses modos foi apropriado? Justifique as escolhas de modo feitas pela narradora.

13. Na letra da música Malandragem, de autoria do Cazuza e interpretada pela Cássia Eller, encon-tramos o verso “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha”. No entanto, o termo “quem sabe” expressa dúvida ou hipótese, assim o verbo “ser” em “eu ainda sou uma garotinha” deveria, mais apropriadamente, estar no subjuntivo, não no indicativo. Reescreva o verbo fazendo a alteração necessária.

Como vê, no uso coloquial da linguagem, o valor afetivo dos modos verbais vale mais do que as regras. Assim, ao expressar “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha”, o enunciador imprime à declaração o tom de ser uma coisa quase certa, um “quem sabe” de quem já sabe a resposta.

tempos: o tempo indica o momento em que ocorre o fato expresso pelo verbo. Os verbos apresen-tam flexões de tempo no modo indicativo e no modo subjuntivo. Os gramáticos nos ensinam que há três tempos naturais: presente, pretérito (ou passado) e futuro. O pretérito e o futuro se subdividem no modo indicativo e no modo subjuntivo. Veja o esquema a seguir:

MLp1A2.indb 374 30/6/2010 14:15:43

Page 375: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 375

14. Visitar as memórias é um procedimento literário muito comum. Leia, com atenção, o trecho a seguir do romance O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, e complete o texto, empregando os tempos verbais apropriados.

“Estava lendo um livro que * (apanhar) tinha apanhado por engano na biblioteca. Me deram o livro errado e só * (notar) notei quando já * (estar) e stava de volta no quarto. Haviam me dado Fora da África, de Isak Dinesen. * (pensar) Pe nsei que ia ser uma droga, mas não * (ser) era não. Até que era um livro muito bom. Sou bastante ignorante, mas leio um bocado. Meu autor preferido é meu irmão D. B. e, em segundo lugar, Ring Lardner. Meu irmão me * (dar) d eu um livro do Ring Lardner no meu aniversário, antes de eu ir para o Pencey. * (ter) Tin ha uma porção de peças malucas, engraçadas pra burro, e um conto sobre um guarda de trânsito que se apaixona por uma garota muito bonita, que dirigia sempre em excesso de velocidade. Só que o guarda era casado, e por isso não * (poder) po dia casar com ela nem nada. Aí a garota acaba morrendo, porque dirigia sempre em excesso de velocidade. * (achar) Ac hei essa estória infernal. O que eu gosto mesmo é de um livro que seja

InDICAtIVo:

Presente: jogo

Pretérito: imperfeito: jogava

perfeito: simples: joguei

composto: tenho jogado

mais-que-perfeito: simples: jogara

composto: tinha (ou havia) jogado

Futuro: do presente: simples: jogarei

composto: terei (ou haverei) jogado

do pretérito: simples: jogaria

composto: teria (ou haveria) jogado

SuBJuntIVo: Presente: jogue

Pretérito: imperfeito: jogasse

perfeito: tenha (ou haja) jogado

mais-que-perfeito: tivesse (ou houvesse) jogado

Futuro: simples: jogar

composto: tiver (ou houver) jogado

MLp1A2.indb 375 30/6/2010 14:15:44

Page 376: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9376

engraçado, pelo menos de vez em quando. * (ler) L i uma porção de livros clássicos, como A volta do nativo, e tudo, e * (gostar) g ostei deles; * (ler) li também vários livros de guerra e de mistério, mas nenhum desses me deixou maluco. Bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler fica querendo ser um grande amigo do autor, para se * (poder) po der telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer. Eu até que * (gostar) go staria de telefonar para esse tal de Ring Lardner, só que o D. B. me * (dizer) disse que ele já morreu. Mas, por exemplo, esse livro do Somerset Maugham, A servidão humana, que li no verão passado. É um livro bom pra chuchu e tudo, mas não me dá vontade de telefonar para o Somerset Maugham. Sei lá. Não é o tipo de sujeito que a gente tenha vontade de telefonar para ele, essa é que é a verdade.”

SALINGER, J. D. O apanhador no campo de centeio. Tradução de álvaro de Alencar, Antônio Rocha e Jório Dauster. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 2003.

J. D. SALINGER (1919- ) – O paulistano Washington Olivetto foi considerado, em 2002, como um dos 25 melhores do mundo em sua área: publicidade. Em entrevista ao jornal O Globo (3-3-2002), o publicitário afirma que foi lendo O apanhador no campo de centeio que ele aprendeu a escrever. Vale a pena conferir essa genial obra do escritor norte-americano J. D. Salinger que conta como um adolescente, Holden Caulfield, enfrenta as armadilhas que a sociedade preparou, numa história repleta de acontecimentos inesperados.

A que escritor, lido este ano, você gostaria de poder telefonar? Registre no seu diário.

15. Escreva uma crônica de memórias de sua formação como leitor. Certifique-se de usar apropriadamente os modos e tempos verbais, como estudamos neste capítulo.

16. A seguir, troque a sua crônica com um de seus colegas, compare-a com a de Urda. Que diferenças e semelhanças encontrou para além dos assuntos diferentes? Complete então o quadro a seguir, usando as informações da crônica de seu colega.

Crônica de

Impressões da cronista sobre sua família

Impressões da cronista sobre a sociedade em que vive

Elementos próprios da época a que se refere a narrativa

MLp1A2.indb 376 30/6/2010 14:15:45

Page 377: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 377

QuEM CoNta uM CoNto...Entre todos os gêneros narrativos, o conto é um dos mais populares. Mas,

o que é um conto? O que faz de alguém um contista?

O contista explora, num olhar intenso, uma situação real ou imaginária. Em outras palavras, o conto explora, de forma intensa, uma única situação que de-senvolve por meio de um ou mais pontos de vista, espaço, tempo, personagens e trama. No conto que vamos ler, de Antônio de Alcântara Machado, o narrador fala da cidade de São Paulo do início do século XX, destacando a ri-validade entre o Corinthians e o Palestra Itália (atual Palmei-ras). A agilidade, característi-ca do estilo do autor, ajuda a transmitir melhor o dinamismo do jogo e a empolgação da torcida.

Corinthians (2) vs. palestra (1)

“Prrrrii!

– Aí, Heitor!A bola foi parar na extrema esquerda. Melle desembestou com ela.A arquibancada pôs-se em pé. Conteve a respiração. Suspirou:– Aaaah!Miquelina cravava as unhas no braço gordo da Iolanda. Em torno do trapézio verde a ânsia de vinte mil

pessoas. De olhos ávidos. De nervos elétricos. De preto. De branco. De azul. De vermelho. Delírio futebolístico no Parque Antártica. Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam, chocavam-se, embaralhavam-se, caíam,

contorcionavam-se, esfalfavam-se, brigavam. Por causa da bola de couro amarelo que não parava, que não parava um minuto, um segundo. Não parava.

– Neco! Neco!Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu. Parou. Chutou.– Gooool! Gooool!Miquelina ficou abobada com o olhar parado. Arquejando. Achando aquilo um desaforo, um absurdo.Aleguá-guá-guá! Aleguá-guá-guá! Hurra! Hurra! Corinthians!Palhetas subiram no ar. Com os gritos. Entusiasmos rugiam. Pulavam. Dançavam. E as mãos batendo

nas bocas:– Go-o-o-o-o-o-ol!

São Paulo, por volta de 1923. Autor desconhecido.

MLp1A2.indb 377 30/6/2010 14:15:46

Page 378: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9378

Miquelina fechou os olhos de ódio.– Corinthians! Corinthians!Tapou os ouvidos.– Já me estou deixando ficar com raiva!A exaltação decresceu como um trovão.– O Rocco é que está garantindo o Palestra. Aí, Rocco! Quebra

eles sem dó!A Iolanda achou graça. Deu risada.– Você está ficando maluca, Miquelina. Puxa! Que bruta

paixão!Era mesmo. Gostava do Rocco, pronto. Deu o fora no Biagio (o

jovem e esperançoso esportista Biagio Panaiocchi, diligente auxiliar da firma desta praça G. Gasparoni & Filhos e denodado meia-direita do S. C. Corinthians Paulista, campeão do Centenário) só por causa dele.

– Juiz ladrão, indecente! Larga o apito, gatuno!Na Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga toda a gente sabia de sua história com o Biagio. Só

porque ele era frequentador dos bailes dominicais da Sociedade não pôs mais os pés lá. E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.

– O Palestra não dá pro pulo!– Fecha essa latrina, seu burro!Miquelina ergueu-se na ponta dos pés. Ergueu os braços. Ergueu

a voz:– Centra, Matias! Centra, Matias!Matias centrou. A assistência silenciou. Imparato emendou. A

assistência berrou.– Palestra! Palestra! Aleguá-guá! Palestra Aleguá! Aleguá!O italianinho sem dentes com um soco furou a palheta Ramenzoni

de contentamento. Miquelina nem podia falar. E o menino de ligas saiu de seu lugar, todo ofegante, todo vermelho, todo triunfante, e foi dizer para os primos corinthianos na última fileira da arquibancada:

– Conheceram, seus canjas?O campo ficou vazio.

– Ó... lh’a gasosa!Moças comiam amendoim torrado sentadas nas capotas dos automóveis. A sombra avançava no gramado

maltratado. Mulatas de vestidos azuis ganham beliscões. E riam. Torcedores discutiam com gestos.– Ó... lh’a gasosa!Um aeroplano passeou sobre o campo.Miquelina mandou pelo irmão um recado ao Rocco.– Diga pra ele quebrar o Biagio que é o perigo do Corinthians.Filipino mergulhou na multidão.Palmas saudaram os jogadores de cabelos molhados.Prrrrii!– O Rocco disse pra você ficar sossegada.Amilcar deu uma cabeçada. A bola foi bater em Tedesco que saiu

correndo com ela. E a linha toda avançou.– Costura, macacada!Mas o juiz marcou um impedimento.– Vendido! Bandido! Assassino!Turumbamba na arquibancada. O refle do sargento subiu a escada.– Não pode! Põe pra fora! Não pode!Turumbamba na geral. A cavalaria movimentou-se.

MLp1A2.indb 378 30/6/2010 14:15:47

Page 379: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 379

Miquelina teve medo. O sargento prendeu o palestrino. Miquelina protestou baixinho:

– Nem torcer a gente pode mais! Nunca vi!– Quantos minutos ainda? Oito.Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim,

Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.

– CA-VA-LO!Prrrrii!– Pênalti!Miquelina pôs a mão no coração. Depois fechou os olhos. Depois perguntou:– Quem é que vai bater, Iolanda?– O Biagio mesmo.– Desgraçado.

O medo fez silêncio.Prrrrii!Pan!– Go-o-o-o-ol! Corinthians!– Quantos minutos ainda?Pri-pri-pri!– Acabou, Nossa Senhora!Acabou.As árvores da geral derrubaram gente.– Abr’a porteira! Rá! Fech’a porteira! Prá!O entusiasmo invadiu o campo e levantou o Biagio nos braços.– Solt’o rojão! Fiu! Rebent’a bomba! Pum! CORINTHIANS!O ruído dos automóveis festejava a vitória. O campo foi-se esvaziando

como um tanque. Miquelina murchou dentro de sua tristeza.– Que é – que é? É jacaré? Não é!Miquelina nem sentia os empurrões.– Que é – que é? É tubarão? Não é!Miquelina não sentia nada.– Então que é? CORINTHIANS!Miquelina não vivia.Na Avenida água Branca os bondes formando cordão esperavam campainhando o zé-pereira.– Aqui, Miquelina.Os três espremeram-se no banco onde já havia três. E gente no

estribo. E gente na coberta. E gente nas plataformas. E gente do lado da entrevia.

A alegria dos vitoriosos demandou a cidade. Berrando, assobiando e cantando. O mulato com a mão no guindaste é quem puxava a ladainha:

– O Palestra levou na testa!E o pessoal entoava:– Ora pro nobis!Ao lado de Miquelina o gordo de lenço no pescoço desabafou:Tudo culpa daquela besta do Rocco!

MLp1A2.indb 379 30/6/2010 14:15:49

Page 380: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9380

Ouviu, não é Miquelina? Você ouviu?– Não liga pra esses trouxas, Miquelina.Como não liga? – O Palestra levou na testa! Cretinos.– Ora pro nobis!Só a tiro.– Diga uma cousa, Iolanda. Você vai hoje na Sociedade?– Vou com o meu irmão.– Então passa por casa que eu também vou. – Não! – Que bruta admiração! Por que não?– E o Biagio?– Não é de sua conta.Os pingentes mexiam com as moças de braço dado nas calçadas.”

MACHADO, Antônio de Alcântara. Brás, Bexiga, Barra Funda e outros contos. São Paulo: Moderna, 1997.

ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO (1901-1935) – Esse escritor pertence ao que se tem chamado de primeira fase do modernismo brasileiro, que oficialmente vai de 1922 a 1930. A maioria dos escritores que escreveram nessa época estava preocupada em combater a literatura tradicional, atacando a ideia de que fazer literatura significava falar difícil, de uma forma diferente daquela falada pelo povo comum. Os modernistas propõem uma revolução na linguagem literária, tentando aproximá-la das variantes coloquiais. Isso explica o estilo ágil de Antônio de Alcântara Machado – feito de frases curtas e dinâmicas, expressas numa linguagem coloquial.

A renovação modernista foi além da linguagem: procuraram novos temas, situações de vida e personagens para as suas obras. Antônio de Alcântara Machado, por exemplo, se concentra nos imigrantes que viviam em São Paulo e lutavam para sobreviver em meio a uma sociedade que crescia e se industrializava.

17. Discuta, em classe, a sua compreensão do texto.

18. O conto de Antônio Alcântara Machado aproxima-se da linguagem coloquial. Transcreva uma frase do conto que comprove essa afirmação.

19. Transcreva a parte do texto a que se refere a seguinte explanação:

Para falar dos numerosos torcedores que descem juntos dos galhos das árvores, o narrador utiliza-se da personificação.

MLp1A2.indb 380 30/6/2010 14:15:50

Page 381: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 381

20. Preencha o quadro a seguir com referência ao conto Corinthians (2) vs. Palestra (1).

Conto: gênero narrativo caracterizado por ser breve (como a crônica), em que se economizam os elementos narrativos (tempo, espaço, per-sonagens, enredo) por meio da intensidade do olhar do narrador sobre momentos especiais da vida. Ou seja, o contis-ta procura conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos. Além disso, cada conto adquire características próprias da época histó-rica e do lugar em que é produzido, assim como da forma como o autor organiza a história.

Um aspecto importante do conto de Antônio de Alcântara Machado é o final aberto. Chamamos de final aberto aquele que não é dado pelo narrador, mas fica a cargo do leitor. Como assim? Se retornar ao conto, verá que fica-mos sem saber por que Miquelina decide sair à noite com sua amiga Iolanda, deixando o Rocco para trás e sabendo que veria o Biagio. Será que o fato de Biagio haver sido responsável pelo gol da vitória do Coríntians mudara os sentimentos de Miquelina? Ou será que ela estava com raiva do Rocco porque ele não soube expulsar o Biagio de campo sem cometer o pênalti que terminou dando a vitória para o adversário? Ou...? Há uma relação entre o sentimento de admiração pelo jogador e o amor? Ou será que é apenas frustração de Miquelina?

“Corinthians (2) vs. Palestra (1)”

Personagem primária ou protagonista

Personagens secundárias ou deuteragonistas

Tempo

Espaço

Ação

MLp1A2.indb 381 30/6/2010 14:15:51

Page 382: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9382

21. O final do conto CORINTHIANS (2) vs. PALESTRA (1) abre-se a várias possibilidades. Crie a sua, cons-truindo um final fechado para o conto. Procure, no entanto, seguir o mais próximo que puder, o estilo ágil e dinâmico de Antônio de Alcântara Machado. Verifique também se está usando apropriadamente os conectivos. Ao final, peça a um de seus colegas que leia o seu texto e que lhe dê sugestões para melhorá-lo.

o vERBo No CoNto CORINTHIANS (2) vs PALESTRA (1)O estilo ágil e dinâmico da narrativa de Antônio de Alcântara Machado

não surge do nada, mas é o resultado de um cuidadoso trabalho com a língua portuguesa. Uma das forças expressivas nesse conto é o verbo. Observe:

• A Iolanda achou graça. Deu risada.

• Mulatas de vestidos azuis ganham beliscões. E riam.

“Deu risada” é a mesma coisa que “riu”? E “riam” é a mesma coisa que “davam risada”?

A expressão “deu risada” constrói-se com um verbo que se apoia no com-plemento (objeto direto) para constituir um significado global correspondente ao de um outro verbo existente na língua portuguesa.

Veja:

“Iolanda deu risada. = Iolanda riu.

Iolanda soltou um grito doloroso. = Iolanda gritou dolorosamente.

“Amílcar deu uma cabeçada. = Amílcar cabeceou.

O cara deu uma investida na mina, tá ligado? = O cara investiu na mina, tá ligado?

O médico faz visitas semanalmente ao enfermo. = O médico visita sema-nalmente o enfermo.

MLp1A2.indb 382 30/6/2010 14:15:52

Page 383: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 383

João tomou banho e saiu. = João banhou-se e saiu.

Note que as construções compostas correspondem a outras construções simples com o mesmo significado básico, mas, por vezes, estranhas ao uso no Brasil. É o caso do verbo “banhar-se” (por “tomar banho”), raramente usado no Brasil.

Outra construção composta apenas por verbos é a locução verbal.

“Amilcar deu uma cabeçada. A bola foi bater em Tedesco que saiu correndo com ela.”

Observe que a forma verbal “foi bater” é formada por dois verbos – “foi” (verbo ir no pretérito perfeito) e “bater” (infinitivo) – e corresponde a um, pois equivale a “bateu”. O mesmo ocorre com “saiu correndo” que equivale a “correu”.

A construção formada por dois ou mais verbos com o valor de um é denominada perífrase verbal ou locução verbal. O último dos verbos é que expressa a verdadeira ação que se quer manifestar. O(s) outro(s) auxiliar(es) expressa(m) o modo, o tempo, a pessoa, ou seja, a ideia acessória da ação. A locução verbal é sempre composta de um ou mais verbos auxiliares mais um verbo principal em uma forma nominal – no infinitivo, no gerúndio ou no particípio.

• Locução verbal com verbo principal no infinitivo: A bola foi bater em Tedesco.

• Locução verbal com o verbo principal no gerúndio: que saiu correndo com ela.

• Locução verbal com o verbo principal no particípio: O Rocco disse pra você ficar sossegada.

Nas locuções verbais, conjuga-se apenas o verbo auxiliar, pois o verbo principal vem sempre numa das formas nominais. Quando a locução verbal é constituída de formas dos verbos auxiliares ter e haver mais o particípio do verbo principal, temos um tempo composto.

• Marcos já havia telefonado (ou tinha telefonado) para Telma quando a notícia chegou.

• Marcos já telefonara para Telma quando a notícia chegou.

Na primeira frase, a forma verbal destacada está no pretérito mais-que-per-feito composto do indicativo e equivale ao pretérito mais-que-perfeito simples do indicativo. A consulta a uma gramática é essencial para você esclarecer as suas dúvidas quanto à conjugação dos verbos.

22. As frases seguintes usam construções compostas, tanto formadas por “verbo” + “objeto direto”, com valor de um único verbo, como por lo-cuções verbais. Reescreva-as, utilizando as formas simples correspon-dentes.

a) João está lendo Nelson Rodrigues nestas férias.

Resposta: João lê Nelson Rodrigues nestas férias.

Observe que é o verbo auxiliar que orienta o tempo do verbo na forma simples.

MLp1A2.indb 383 30/6/2010 14:15:53

Page 384: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9384

b) “A bola foi parar na extrema esquerda.”

c) “O Rocco é que está garantindo o Palestra.”

d) Joana tomou conhecimento do seu curriculum ontem.

e) A menina abriu um riso luminoso.

f) O homem ficou se lamentando a noite toda.

g) “Em 1962 eu já tinha dez anos e o futebol tinha me fisgado de vez.”

É muito importante destacar que a escolha entre construções compostas ou simples permite efeitos de sentido especiais dentro do texto. Veja:

Frase 1: “Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu. Parou. Chutou.”

Frase 2: Estava parecendo um louco. Deu um drible. Levou um escorregão. Saiu correndo. Ficou parado. Deu um chute.

23. A frase 1 foi transcrita do texto. A frase 2 foi transformada: as formas verbais simples tornaram-se com-postas. Em qual das duas frases o autor consegue imprimir ao seu texto maior sugestão de velocidade? Por quê?

Como vê, a escolha da melhor construção verbal para a elaboração do texto não se dá ao acaso. No conto de Antônio de Alcântara Machado, o uso dos verbos, em construções simples ou compostas, permitiu diferentes efeitos de sentidos dentro do texto. Um deles é deixar a narrativa mais rápi-da em certos momentos, com frases formadas apenas por verbos simples (como em “Parou. Disparou. Parou.” em que as três frases são formadas cada uma por um verbo simples no pretérito perfeito do indicativo) ou mais lenta em outros, utilizando-se de perífrases verbais ou de construções com verbo esvaziado de significado mais objeto direto (como em “Miquelina ficou abobada com o olhar parado”, em vez de simplesmente “Miquelina espantou-se”.).

MLp1A2.indb 384 30/6/2010 14:15:53

Page 385: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 385

Alguns dos efeitos de sentido possíveis:

“O ruído dos automóveis festejava a vitória. O campo foi-se esvaziando como um tanque. Miquelina murchou dentro de sua tristeza.”

Tanto em “O ruído dos automóveis festejava a vitória” como em “O campo foi-se esvaziando como um tanque”, os verbos indicam uma ação durativa, ou seja, que se estende no tempo. Já em “Miquelina murchou dentro de sua tris-teza”, indica-se uma ação pontual, que ocorreu uma única vez. Miquelina teve uma forte reação diante de toda aquela alegria que a circundava: ela “murchou”, ou seja, ficou triste, não foi algo gradativo, mas algo que aconteceu de uma hora para outra – ela torcera até o último momento, mas, quando a derrota se abateu no time de seu namorado, sendo ele um dos principais responsáveis pela derrota, ela “murchou”.

O pênalti que Rocco comete no Biaggio é um dos mais dramáticos no con-to. Nesse momento, os verbos são responsáveis por muito do clima de tensão. Vejamos:

Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.

Aspecto verbal: “desig-na uma categoria gra-matical que manifesta o ponto de v ista do qual o locutor considera a ação expressa pelo verbo”.

(CUNHA, Celso; CINTRA, Lind-ley. Nova gramática do português contemporâneo. Lisboa: João Sá da Costa, 1984.)

24. Complete o quadro seguinte, separando as construções verbais que indicam um aspecto pontual do verbo daquelas que indicam um aspecto durativo.

25. Observe as duas colunas. No trecho, domina o aspecto pontual ou durativo? Que efeito de sentido isso provoca no leitor?

Verbos de aspecto pontual Verbos de aspecto durativo

Biagio alcançou a bola. Foi levando.

MLp1A2.indb 385 30/6/2010 14:15:54

Page 386: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9386

26. Antes disso, no entanto, um outro momento de grande tensão no conto: o primeiro gol do Corinthians na partida. Classifique os verbos da passagem transcrita a seguir conforme o aspecto pontual ou du-rativo que têm:

27. Em que parágrafo o narrador usa mais verbos no aspecto durativo: no que descreve o correr do jogo ou no que narra o gol de Neco?

28. O uso do aspecto durativo nesse trecho do texto permite (há duas alternativas corretas!):

a) descrever um pano de fundo sobre o qual ocorre uma ação importante na narrativa.

b) dar mais relevância ao correr do jogo do que aos sentimentos da protagonista.

c) delinear um cenário que dilui a importância das outras ações da narrativa.

d) definir as características mais marcantes da personagem protagonista.

e) caracterizar a confusão própria de um jogo de futebol.

“Delírio futebolístico no Parque Antártica. Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam, chocavam-se, embaralhavam-se, caíam,

contorcionavam-se, esfalfavam-se, brigavam. Por causa da bola de couro amarelo que não parava, que não parava um minuto, um segundo. Não parava.

– Neco! Neco!Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu. Parou. Chutou.– Gooool! Gooool!”

Verbos de aspecto pontual Verbos de aspecto durativo

MLp1A2.indb 386 30/6/2010 14:15:55

Page 387: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 387

Além da divisão em aspecto pontual e durativo, as perífrases ou locuções verbais podem indicar:• Início do evento (aspecto incoativo):

“E começou a namorar o Rocco.” Tedesco saiu correndo com a bola. “E passou a torcer para o Palestra.”

• Conclusão do evento (aspecto conclusivo ou cessativo): Acabei de ler o manual. A menina não para de fazer graça. Basta de ouvir calado!

• O evento se processa de forma contínua (aspecto contínuo): Tenho saído muito para a balada nos últimos tempos. Eu almoço neste restaurante todos os dias. “Costumo dizer que as mais puras e intensas alegrias da minha vida vieram do futebol.”

• O evento se processa de forma descontínua (aspecto descontínuo): Tornei a sair para as baladas recentemente. Voltei a almoçar como se nada tivesse acontecido. Ela me disse que retomou os estudos recentemente.

Observe que o aspecto contínuo confunde-se com o aspecto durativo: em “Eu almoço neste restaurante todos os dias”, não se separa o aspecto contínuo do durativo. No entanto, o mesmo não se dá entre o aspecto descontínuo e o pontual. “Voltei a almoçar como se nada tivesse acontecido” indica que uma ação que é retomada depois de uma interrupção. A ação de “almoçar”, no entanto, tem um aspecto durativo.

29. Eunice resolveu o seguinte exercício de classificação de verbos segundo o aspecto. Veja como se saiu e ajude-a a melhorar, corrigindo os erros que, por acaso, ela tenha cometido.

a) Voltamos a namorar depois de meses – aspecto descontínuo durativo.

b) Estamos namorando há dois anos – aspecto contínuo.

c) Passei a desconfiar de Joana recentemente – aspecto descontínuo durativo.

d) Eu a amava muito – aspecto descontínuo.

e) Finalmente se cansou de ouvir as mesmas desculpas – aspecto conclusivo.

f) Almocei nesse restaurante ontem – aspecto conclusivo. Aspecto pontual.

g) Terminava de almoçar ligeiro e corria para o trabalho – aspecto conclusivo durativo.

Observe que as construções estar + gerúndio têm natureza aspectual durativa, ou seja, indicam uma maior extensão de tempo ocupada pela ação verbal. No entanto, no uso cotidiano da língua, são comuns os abusos.

Quando termina de pagar a compra, João escuta do rapaz no caixa: “Agora o senhor pode estar retirando a compra com a vendedora”. Justifica-se o uso dessa perífrase de aspecto durativo? Retirar a compra com a vendedora é uma ação pontual ou se estende por um longo período? É fácil perceber que “o senhor pode estar retirando” é um abuso na utilização do gerúndio. Seria mais apropriado que o caixa dissesse: “Agora o senhor pode retirar a compra com a vendedora”.

MLp1A2.indb 387 30/6/2010 14:15:56

Page 388: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9388

30. Discuta, em classe, outros abusos no uso do gerúndio. Eles estão por todo lado... são muito fáceis de encontrar. Assim, tome cuidado e use o gerúndio com cautela, principalmente quando for escrever!

31. Observe o diálogo a seguir. Encontre os usos inadequados de gerúndio e substitua essa formas verbais por outras mais apropriadas:

– Alô!

– Bom dia! Somos da companhia telefônica e estamos fazendo breves questionários aos usuários de

nossos serviços. A senhora poderia estar respondendo a duas perguntinhas muito breves?

– Se não estiver demorando muito, sim!

– A senhora está gostando de nossos serviços ou está desejando fazer alguma reclamação?

– Não, eu até estou gostando... Só a conta que está sempre vindo mais alta do que estou podendo pagar.

– Ah! Estou entendendo! A senhora está utilizando Internet?

– Não, aqui em casa nós não estamos tendo isso.

– Nós estamos oferecendo Internet banda larga em promoção superespecial este mês... É o seu melhor

presente de Natal! E a senhora vai estar pagando o menor preço do mercado. Se estiver desejando, eu posso

estar confirmando os seus dados, e, esta semana mesmo, um funcionário autorizado estará instalando mais

esse serviço da sua companhia telefônica. A senhora estará pagando o preço total em dez vezes sem juros

na sua conta mensal. Ela vai estar vindo um pouco mais cara, mas vai estar valendo a pena!

– Desculpe, mas nem precisa estar continuando a conversa. Eu não estou me interessando porque eu nem estou

tendo computador em casa. Sabe, depois que o meu Tonico morreu, eu só estou me divertindo indo ao bingo...

– Ah, estou entendendo! Então bom dia, senhora!

– Bom dia!

32. Elisete considera que na frase “Acabo de engraxar os sapatos”, o aspecto é durativo. A professora disse-lhe que não. Ela voltou para casa frustrada. Dê uma explicação que ajude Elisete a compreender o aspecto pontual da locução “acabo de engraxar”. Antes, porém, reveja o conceito de locução verbal.

MLp1A2.indb 388 30/6/2010 14:15:57

Page 389: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 389

33. Você elaborou um outro final para o conto “CORINTHIANS (2) vs. PALESTRA (1)”. Releia-o e procure melhorar o uso que faz dos verbos na narrativa. Identifique os aspectos das perífrases verbais encon-tradas no texto que escreveu.

hIStóRIa CRítICa Da aRtE E Da lItERatuRa: aRCaDISMo ou NEoClaSSICISMo

No século XVIII, o pensamento artístico barroco estava desgastado. Uma nova realidade social, econômica, política e cultural despontava no horizonte, traduzindo-se em uma reformulação na maneira de ver a arte. A burguesia era uma classe social cada vez mais forte, principalmente nas cidades. Defensora de uma mudança social baseada no uso da razão que restabelecesse valores morais sérios, como a justiça e o patriotismo, a burguesia foi a principal alavanca para que se iniciasse este novo movimento artístico. O arcadismo ou neoclas-sicismo procura restaurar o equilíbrio, que os barrocos negavam, por meio do pensamento racional.

atividadeReúna-se com colegas em grupos de aproximadamente cinco elementos. Cada grupo irá pre-

parar uma pequena exposição oral sobre um dos temas a seguir. Os temas serão distribuídos entre todos os grupos e será estipulado quanto tempo cada grupo terá para se apresentar. Talvez alguns temas tenham de ser compartilhados por dois ou mais grupos.

Pesquisem na biblioteca e na Internet, mas tenham certeza das informações apresentadas à classe. Para isso, comparem as informações das diversas fontes pesquisadas. Preparem também um painel resumo que ficará afixado na sala de aula. Nesse painel, não deixem de acrescentar as obras consultadas.

Ao apresentar o trabalho para a classe, não se limitem a ler um papel escrito. Procurem manter contato visual com os seus colegas e mantenham um tom de conversa animado na voz.

Temas:

O Iluminismo. A Conjuração Mineira.A Primeira Revolução Industrial. A Independência da Argentina.A Revolução Francesa. A Independência dos Estados Unidos.O Ciclo do Ouro na economia brasileira.

Observe:

O quadro que vemos aqui repre-sentado, do francês Nicolas Poussin, mostra-nos quatro pastores que fazem uma descoberta extraordinária: uma tumba em seus campos serenos que traz uma inquietante mensagem em latim – Et in arcadia ego. Eles exami-nam a estranha inscrição, meditando em seu significado.

POUSSIN, Nicolas. Et in Arcadia ego (c. 1638-1640). Paris: Museu do Louvre.

MLp1A2.indb 389 30/6/2010 14:15:59

Page 390: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9390

34. Sublinhe, no poema do árcade Cláudio Manoel da Costa, o trecho que se refere explicitamente ao tema da aurea mediocritas.

Não te cases com Gil, bela serrana;Que é um vil, um infame, um desastrado;Bem que ele tenha mais devesa, e gado,A minha condição é mais humana. Que mais te pode dar sua cabana,Que eu aqui te não tenha aparelhado?O leite, a fruta, o queijo, o mel dourado;Tudo aqui acharás nesta choupana: Bem que ele tange o seu rabil grosseiro,Bem que te louve assim, bem que te adore,Eu sou mais extremoso, e verdadeiro. Eu tenho mais razão, que te enamore:E se não, diga o mesmo Gil vaqueiro:Se é mais, que ele te cante, ou que eu te chore.

COSTA, Cláudio Manoel da. Poemas. São Paulo: Cultrix, 1966.

A inscrição é o foco central do quadro, reforçado pelos gestos dos pastores que procuram compreender melhor o significado dessa descoberta incomum. O observador do século XVII que tivesse alguma cultura saberia que a Arcádia relacionava-se à tradição pastoril da antiga Grécia. Historicamente, a Arcádia era uma região montanhosa da Grécia habitada pelos árcades, povo de pastores e caçadores. Os poetas e artistas da Grécia clássica transformaram a Arcádia em um lugar ideal, terra do amor romântico, governado pelo deus da natureza, Pã. Na Arcádia idealizada pelos poetas gregos, a vida era despreocupada e ao ar livre, por isso muito saudável. Como não existiam as preocupações da cidade grande, havia tempo de sobra para tocar instrumentos musicais, como a flauta, e escrever poemas de amor e prazer.

Os árcades do século XVIII também valorizavam o tema do fugere urbem, expressão latina que significa fuga da cidade. O ideal árcade era a vida bucólica, ou seja, no campo, junto à natureza e longe das pressões da cidade. A natureza do campo era projetada num mundo de sonho e perfeição. Ali, os pastores eram vistos como símbolos de uma sociedade perfeita. Claro que essa visão do campo era tão idealizada como a dos antigos poetas gregos. O campo era o lugar da aurea mediocritas, expressão latina que faz referência a uma vida dentro da média, simples, nem rica nem pobre e, por isso mesmo, muito feliz e cheia de realizações.

Rabil: S.M. Var. de arrabil.Arrabil [S. M. Do árabe ar-rabãb] Rebeca mourisca de uma ou duas cordas friccionáveis com

arco tosco e tampo de pele.

(Novo dicionário Aurélio de língua portuguesa.)

MLp1A2.indb 390 30/6/2010 14:16:01

Page 391: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 391

No quadro de Poussin, a Arcádia é um lugar de silêncio. A frase “Et in Arcadia ego” significa literalmente “Eu também vivi na Arcádia”. A descoberta desse marco de morte na Arcádia deixa os pastores sombrios e pen-sativos, como se aquela bela terra ideal desconhecesse o seu passado.

Observe a figura dos pastores. São figuras delica-das, com traços greco-romanos. Por revisitarem os ideais clássicos, assim como o fizeram os renascentistas, os árcades são também chamados de neoclássicos. Usu-almente os poetas árcades chamavam-se de pastores e adotavam pseudônimos de inspiração grega. Os artistas neoclássicos reuniam-se em Arcádias.

Algumas características presentes no barroco recebem nova roupagem no neoclassicismo. Uma delas é o distanciamento amoroso entre os amantes. A arte é espaço não para expressar os sentimentos, mas para imitar os antigos clássicos. O ser amado é idealizado, como se pode comprovar no excerto do árcade brasileiro Tomás Antônio Gonzaga. Ao lê-lo, observe como a visão idealizada da mulher é contrária ao conceito contemporâneo de poesia, defendido por João Cabral de Melo Neto:

“Os teus olhos espalham luz divina,A quem a luz do Sol em vão se atreve:Papoula, ou rosa delicada, e fina,Te cobre as faces, que são cor de neve.Os teus cabelos são uns fios d’ouro;Teu lindo corpo bálsamos vapora.Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,Para glória de Amor igual tesouro.Graças, Marília bela,Graças à minha Estrela!”

GONzAGA, Tomaz Antônio. Marília de Dirceu. São Paulo: Ediouro.

CLÁUDIO MANOEL DA COSTA (1729-1789) – Advogado, magistrado e poeta, nasceu em Vila do Ribeirão do Carmo (hoje, Mariana) (MG) e faleceu em Vila Rica (Ouro Preto) (MG). Em 1749, aos 20 anos de idade, seguiu para Lisboa e daí para Coimbra, em cuja Universidade se formou, em 1753. Ali publicou seus primeiros poemas. Nesses livros, ainda é evidente a marca poética do bar-roco seiscentista.

Contudo, em Portugal, também sentira de perto o aspecto renova-dor do arcadismo, implantado com a fundação da Arcádia Lusitana em 1756. De volta ao Brasil, Cláudio Manuel da Costa chegou a fundar uma Arcádia chamada Colônia Ultramarina, cuja instalação teria sido em 4 de setembro de 1768. Adotou o nome arcádico de Glauceste Satúrnio. A publicação, em 1768, das Obras constitui o marco inicial do lirismo arcádico no Brasil.

Envolveu-se na Conjuração Mineira. Foi preso em 1789 e encontrado morto em sua cela na prisão da Casa de Contos, após ter delatado seus companheiros.

Casa de Cláudio Manoel da Costa. Ouro Preto (MG).

Cláudio Manoel da Costa. Xilogra-vura anônima (séc. XVIII).

MLp1A2.indb 391 30/6/2010 14:16:02

Page 392: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9392

Outra característica típica da época clássica que vamos encontrar também no neoclassicismo é o tema do carpe diem (aproveite o dia, em latim), que já estudamos em outros artistas, como os poetas Camões e Gregório de Matos.

TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA (1744-1819) – Nasceu na cidade do Porto, em Portugal. Fez os estudos primários no Colégio dos Jesuítas, em Salvador (BA), e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra (Portugal), em 1768. De volta ao Brasil, passou a viver em Vila Rica (Ouro Preto), onde conviveu com intelectuais e poetas, entre os quais Alvarenga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa. É o provável autor de Cartas Chilenas, obra anônima, de poemas epistolares satíricos, de oposição ao governador Luís da Cunha Meneses, que circularam em manuscritos em 1786. Em 1792, foi publicada a primeira parte de sua obra poética Marília de Dirceu, em Lisboa (Portugal). Tomás Antônio Gonzaga, cujo nome arcádico é Dirceu, escreveu poesias líricas, com

temas pastoris e de galanteio, nas quais o eu-lírico está sempre em diálogo com sua amada, a pastora Marília.

Tomás Antônio Gonzaga participou da Conjuração Mineira, em 1789, o que lhe custou a prisão e, posterior-mente, o exílio para Moçambique. Tomás Antônio Gonzaga é um dos principais poetas árcades do Brasil. Faleceu em Moçambique.

Tomás Antônio Gonzaga.

Fotografia da casa de Tomás Antônio Gonzaga em Ouro Preto (MG).

GAINSBOROUGH, Thomas. Mr. & Mrs. Andrews (c. 1749). Londres: The Board of Trustees of the National Gallery.

35. Que características neoclássicas você consegue identificar nessa reprodução do inglês Thomas Gainsborough?

MLp1A2.indb 392 30/6/2010 14:16:04

Page 393: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 393

36. O que há de comum entre o seguinte poema de Cláudio Manoel da Costa e a pintura Mr & Mrs Andrews de Gainsborough?

XIv“Quem deixa o trato pastoril, amado,Pela ingrata, civil correspondência,Ou desconhece o rosto da violência,Ou do retiro a paz não tem provado. Que bem é ver nos campos, trasladadoNo gênio do Pastor, o da inocência!E que mal é no trato, e na aparênciaVer sempre o cortesão dissimulado! Ali respira Amor sinceridade;Aqui sempre a traição seu rosto encobre;Um só trata a mentira, outro a verdade. Ali não há fortuna que soçobre;Aqui quanto se observa é variedade:Oh! ventura do rico! oh! bem do pobre!”

COSTA, Cláudio Manoel da. Poemas. São Paulo: Cultrix, 1966.

A valorização de uma vida feliz e idealizada no campo relaciona-se, na Europa, ao surgimento de um novo público consumidor de arte: a burguesia.

O fortalecimento da burguesia promoveu o pensamento iluminista. A Europa tornava-se um polo ir-radiador de ideias libertárias. Além disso, chegavam ao Brasil as primeiras notícias sobre a Independência dos Estados Unidos (1776). Tais fatores, associados à insatisfação generalizada com a exploração de Portugal, em especial com o constante aumento dos impostos sobre a extração de minérios, culminaram na Inconfidência ou Conjuração Mineira, preparada por um pequeno grupo de intelectuais brasileiros. Em sua maior parte, esse grupo de oposição política era o mesmo que produzia ciência e literatura na época.

MLp1A2.indb 393 30/6/2010 14:16:05

Page 394: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9394

Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga são os poetas brasileiros que melhor representam o movimento neoclássico. Ambos participaram da Conjuração Mineira, movimento político que visava à emancipação do Brasil em relação a Portugal. Os poemas de Basílio da Gama e a produção poética de Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga também apresentam traços típicos do arcadismo.

No Rio de Janeiro, nos anos de transição entre os séculos XVIII e XIX, entre uma série de novidades de ordem política e econômica que começam a transfor-mar o País, principalmente a mudança da família real portuguesa para o Brasil, verifica-se o surgimento de diversos órgãos de imprensa. Num arcadismo tardio, encontramos as figuras dos jornalistas Hipólito da Costa, fundador do jornal Cor-reio Braziliense, e Evaristo da Veiga, cronista político do Aurora Fluminense.

“Na literatura [do século XVIII] sobressai um grupo de poetas que nasceram ou viveram em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, quase todos marcados pelo espírito renovador da Arcádia Lusitana, e alguns deles realmente modernos pela escrita e atitude mental.

Comecemos por um mais velho, que não se ligou aos outros e foi sob muitos aspectos retardatário, pois adotou a maneira camoniana e não participou da ilustração: o frade agostiniano José de Santa Rita Durão (1722-1784). O seu poema épico Caramuru (1781) é mesmo uma resposta ao pequeno poema Uraguai (1769), onde José Basílio da Gama (1741-1795) manifestava mentalidade ilustrada e anti-jesuítica. Ambos expunham pela primeira vez um novo modo de ver o confronto entre colonizadores e indígenas, maneira moderna em que sobressai o aspecto de choque das culturas, com um espírito de perplexidade ante a destruição da vida do índio, da qual a análise mostrará aos poetas a validade e adequação. Mas enquanto Basílio da Gama o fez de maneira inovadora, num pequeno poema carregado de modernidade para o tempo, Durão se apegou ao modelo tradicional dos Lusíadas, com a mesma oitava heroica de decassílabos, a mesma divisão em dez cantos, misturando a tradição renascentista a restos do estilo cultista.”

CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira: resumo para principiantes. São Paulo: Humanitas, 1997.

Em Portugal, destaca-se Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805). Portugal, na época de Bocage, era um império em ruínas, imerso no atraso, na decadência econômica e na libertinagem dos políticos, feitos às custas da miséria de servos e operários.

Mais conhecido pelos poemas satíricos, Bocage também escreveu poesia lírica de excelente qualidade, principalmente sonetos. O início de sua obra é caracterizado pela obediência às convenções do arcadismo. Contudo, no fim da vida, produziu versos que não podem ser classificados como árcades ou neoclássicos. Em tais poemas, o intenso tom pessoal, a violência na expressão, a obsessão pelo destino e pela morte antecipam a nova escola literária que virá: o romantismo. Por isso, essa fase de sua obra é considerada pelos críticos como pré-romântica.

Durante a leitura do soneto, pense em como ele foge da visão árcade de literatura:

“Minh’alma se reparte em pensamentosTodos escuros, todos pavorosos;Pondero quão terríveis, quão penososSão, existência minha, os teus momentos:

MLp1A2.indb 394 30/6/2010 14:16:06

Page 395: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 395

Dos males que sofri, cruéis, violentos,A Amor, e aos Fados contra mim teimosos,Outro inda mais tristes, mais custososDeduzo com fatais pressentimentos.

Rasgo o véu do futuro, e lá divisoNovos danos urdindo Amor e aos Fados,Para roubar-me a vida após do siso.

Ah! Vem, Marília, vem com teus agrados,Com teu sereno olhar, teu brando risoFurtar-me a fantasia a mil cuidados.”

BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1974.

Manuel Maria Barbosa du BOCAGE (1765-1805) – Lírico neoclássico português. Filho de um advogado, fugiu de casa aos 14 anos para juntar-se ao exército. De temperamento violento e aventureiro, envolveu-se em muitos problemas, numa vida boêmia. Esteve na Índia e em Macau, voltando a Portugal em 1790. Ingressou, então, na academia literária Nova Arcádia, usando o pseudônimo de Elmano Sadino. Contudo, o seu temperamento forte fez com que se desentendesse com os outros membros e acabou sendo expulso do grupo. Isso levou a uma longa guerra de versos que envolveu a maior parte dos poetas de Lisboa. Em 1797, acusado de heresia, dissolução dos costumes e ideias republicanas, foi preso. Ao recuperar a liberdade, o poeta passou a cultivar uma imagem nova: a de homem arrependido, digno e bom exemplo como chefe de família.

37. No soneto, o eu-lírico se dirige a dois interlocutores diferentes: um na primeira estrofe, outro na última. Identifique-os.

38. Dentre os diversos sentidos que a palavra “fado” pode ter, qual deles está mais de acordo com o po-ema?

39. Que características presentes no poema fogem ao pensamento neoclássico?

MLp1A2.indb 395 30/6/2010 14:16:07

Page 396: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9396

“No Brasil, a ‘inteligência’ francesa, formada pelos escritores ligados ao movimento do Iluminismo, e o estilo artístico do arcadismo italiano e português lançaram as bases estético-ideológicas da primeira grande escola da poesia em nossa terra: o lirismo dos inconfidentes mineiros. Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744-1792) e Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814) constituem uma plêiade de poetas líricos que divulgam na colônia motivos e formas poéticas do Neoclassicismo europeu, inspirando-se em grandes poetas – Petrarca, Camões, Tasso, Metastasio. Sua originalidade reside na adaptação do movimento arcádico à realidade brasileira.”

D´ONOFRIO, Salvatore. Literatura ocidental: autores e obras fundamentais. São Paulo: ática, 1990.

Leia com atenção o excerto da obra Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga. Durante a leitura, pense nas palavras do professor Salvatore D´Onofrio ao afirmar que a originalidade do arcadismo brasileiro “reside na adaptação do movimento arcádico à realidade brasileira”.

lira III

“Tu não verás, Marília, cem cativostirarem o cascalho e a rica terra,ou dos cercos dos rios caudalosos,ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negrodo pesado esmeril a grossa areia,e já brilharem os granetes de oirono fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos,queimar as capoeiras inda novas,servir de adubo à terra a fértil cinza,lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotesdas secas folhas do cheiroso fumo;nem espremer entre as dentadas rodasda doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesaaltos volumes de enredados feitos;ver-me-ás folhear os grandes livros,e decidir os pleitos.

Enquanto revolver os meus consultos,tu me farás gostosa companhia,lendo os fastos da sábia, mestra História,e os cantos da poesia.

MLp1A2.indb 396 30/6/2010 14:16:15

Page 397: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 397

Lerás em alta voz, a imagem bela;eu, vendo que lhe dás o justo apreço,gostoso tornarei a ler de novoo cansado processo.

Se encontrares louvada uma beleza,Marília, não lhe invejes a ventura,que tens quem leve à mais remota idadea tua formosura.

A poesia dos Inconfidentes: poesia completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1996.

40. Como se nota a realidade brasileira do século XVIII no trecho lido de Marília de Dirceu?

41. Que aspectos biográficos de Tomás Antônio Gonzaga encontramos no excerto?

42. O que há de comum entre o poema de Bocage e o trecho lido de Tomás Antônio Gonzaga?

MLp1A2.indb 397 30/6/2010 14:16:16

Page 398: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Capítulo 9398

Até os dias de hoje, a burguesia que mora na cidade idealiza uma vida feliz e tranquila no campo, bem ao estilo defendido pelo arcadismo. Em 1971, fez sucesso a composição Casa no campo, na voz de Elis Regina.

Casa no campo“Eu quero uma casa no campoonde eu possa compor muitos rocks rurais e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais.Eu quero uma casa no campo onde eu possa ficar do tamanho da paz e tenha somente a certeza dos limites do corpo e nada mais.Eu quero carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim. Eu quero o silêncio das línguas cansadas. Eu quero a esperança de óculos, um filho de cuca legal Eu quero plantar e colher com a mão a pimenta e o sal. Eu quero uma casa no campo do tamanho ideal,pau-a-pique e sapê onde eu possa plantar meus amigos meus discos, meus livros e nada mais.”

zé Rodrix e Tavito.

43. Que aspectos dessa letra de música são também encontrados no arcadismo?

Elis Regina.

MLp1A2.indb 398 30/6/2010 14:16:17

Page 399: Lingua Portuguesa 1ª Série

A língua portuguesa de chuteiras 399

paRa lER

o torcedor do américa F. C.(João Cabral de Melo Neto)

O desábito de vencerNão cria o calo da vitória;não dá à vitória o fio cegonem lhe cansa as molas nervosas.Guarda-a sem mofo: coisa fresca,pele sensível, núbil, nova,ácida à língua qual cajá,salto do sol no Cais da Aurora.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO (1920-1999) – Natural do Recife (PE), é considerado um dos principais poetas brasileiros do século XX. Amante de futebol, foi campeão juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube, em 1935. O poeta considera a poesia como produto do árduo trabalho racio-nal, numa elaboração quase matemática. Seus poemas abordam o Nordeste e seus problemas sociais, bem como os diferentes países que conheceu como diplomata e, é claro, o futebol.

pauSa paRa REFlEXÃoEm seu caderno, responda às questões a seguir.

I. Que conteúdos deste capítulo conseguiria explicar sem consultar o livro?

II. Consultando o livro, identifique os conteúdos deste capítulo que, na sua opinião, não foram bem compreendidos e merecem novas explicações ou atividades de reforço.

III. Participou das atividades com interesse? Em que aspectos poderá melhorar nas próximas aulas?

atividadeAssociar produções culturais contemporâneas a obras clássicas do passado pode ser uma

excelente maneira de constatar que o ser humano pouco mudou com o passar dos séculos e que manteve a sua essência. Aquilo que motivou a escrita de um poema do arcadismo também poderá ter motivado um escritor ou um compositor, nos dias de hoje, a escrever.

Forme um grupo. Cada grupo escolherá um poema de um dos escritores a seguir e procurará uma letra de música contemporânea que aborde o mesmo tema do poema selecionado. Além disso, elaborará uma pequena biografia do autor e um texto que identifique as semelhanças e diferenças entre os textos.

Autores:

1. Manuel Maria Barbosa Du Bocage.2. Tomás Antônio Gonzaga.3. Cláudio Manoel da Costa.4. Inácio José de Alvarenga Peixoto.

MLp1A2.indb 399 30/6/2010 14:16:20

Page 400: Lingua Portuguesa 1ª Série

Capítulo 9400

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

RECapItulaNDo NoSSo apRENDIzaDoo futebol e a linguagemElabore, uma resenha crítica sobre este capítulo, seguindo as estratégias textuais abordadas neste

livro.

MLp1A2.indb 400 30/6/2010 14:16:21

Page 401: Lingua Portuguesa 1ª Série

A comunicação e a sociedade 401

VIVENDO O fUTURO

Para enfrentar com sucesso um exame de acesso ao ensino superior, não basta saber os conceitos; mas é fundamental encontrar os conceitos estudados na prática social diária. Vejamos um exemplo disso nesta questão da Fuvest:

Observe, ao lado, esta gravura de Escher:

Na linguagem verbal, exemplos de aproveitamento de re-cursos equivalentes aos da gravura de Escher encontram-se, com frequência,

a) nos jornais, quando o repórter registra uma ocorrência que lhe parece extremamente intrigante.

b) nos textos publicitários, quando se comparam dois pro-dutos que têm a mesma utilidade.

c) na prosa científica, quando o autor descreve com isenção e distanciamento a experiência de que trata.d) na literatura, quando o escritor se vale das palavras para expor procedimentos construtivos do discurso.e) nos manuais de instrução, quando se organiza com clareza uma determinada sequência de operações.

O que vemos na gravura de Escher? De uma forma muito simplificada, podemos afirmar que vemos duas mãos se desenhando. O desenho volta-se para o próprio desenho, ao representar o ato de de-senhar. Uma mão desenha a outra e é esse ato que permitirá a sua existência. Em outras palavras, é o desenho que expõe os procedimentos de construção do próprio desenho. Agora é fácil encontrar a alternativa correta... A alternativa D.

1. Que conteúdos de linguagem são necessários dominar para resolver bem essa questão?

No fundo trata-se de compreender a metalinguagem, além, é claro, da competência de leitura.Note que em todas as outras alternativas, o texto se distancia do assunto tratado, o que não é o caso

na gravura, em que o texto é o próprio assunto tratado. Mas, como vê, para resolver essa questão não bastava saber a definição de um conteúdo.

O mesmo ocorre com a questão a seguir, do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM):No ano passado, o governo promoveu uma campanha a fim de reduzir os índices de violência. Noti-

ciando o fato, um jornal publicou a seguinte manchete:CAMPANHA CONTRA A VIOLÊNCIA DO GOVERNO DO ESTADO ENTRA EM NOVA FASE

A manchete tem um duplo sentido, e isso dificulta o entendimento. Considerando o objetivo da notícia, esse problema poderia ter sido evitado com a seguinte redação:

a) Campanha contra o governo do Estado e a violência entram em nova fase.b) A violência do governo do Estado entra em nova fase de Campanha.c) Campanha contra o governo do Estado entra em nova fase de violência.d) A violência da campanha do governo do Estado entra em nova fase.e) Campanha do governo do Estado contra a violência entra em nova fase.

O duplo sentido ou ambiguidade da frase em questão se deve a que, na ordem em que as palavras estão dispostas, o termo “do governo do Estado” pode referir-se tanto a “campanha” quanto a “violência”. Assim, dois sentidos diferentes são possíveis

Caiu no vestibular

MLp1A2.indb 401 30/6/2010 14:16:23

Page 402: Lingua Portuguesa 1ª Série

uNIDaDE 3402

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

1) “Campanha contra a violência praticada pelo governo do Estado entra em nova fase”.ou

2) “Campanha do governo do Estado contra a violência entra em nova fase.” É o início do enunciado da questão que nos assegura a segunda escolha: “o governo promoveu

uma campanha a fim de reduzir os índices de violência” ou seja, falamos aqui da Campanha do governo do Estado contra a violência. Assim, a resposta correta é a alternativa E.

Experimente utilizar-se de seus conhecimentos desenvolvidos neste livro ao resolver as questões a seguir:

(PUC-RS) INSTRUÇÃO: Responder às questões 1 a 7 com base no texto a seguir:

um bebê na universidade01 Depois do bebê de proveta, os cientistas conseguirão,02 um dia, abreviar o tempo de gestação para trinta dias? Por03 mais incômoda que _____ ser a gravidez, as mães, em geral,04 conformam-se com este indispensável prazo biológico, e não05 há notícias _____ tentado, de alguma forma, apressar o ciclo06 de desenvolvimento do embrião. O mesmo fazem os07 agricultores: esperam, pacientemente, que a semente09 germine e a planta cresça com seu próprio ritmo (o agricultor,10 necessariamente, tem que aprender a ter paciência,11 esperança e previsão). Quando o crescimento biológico12 perde seu ritmo natural, transforma-se em “câncer”,13 deformando o projeto contido no código genético.14 Com o ser humano, de maneira estranha, logo que a15 criança nasce, inicia-se violenta pressão para que supere16 rapidamente suas etapas de crescimento.17 Quem trabalha com crianças pequenas, em escolas18 maternais e em jardins de infância, conhece a “corrida ao19 pau-de-sebo”. Enquanto a criança não aprendeu a ler, os20 pais toleram que a escola experimente os mais diversos21 métodos e que siga as teorias mais modernas. Mas quando22 chega a idade tradicional de alfabetização, os pais perguntam23 se tudo aquilo não é apenas brincadeira e diversão. É24 que a alfabetização é o primeiro know-how contabilizável,25 isto é, com valor econômico, numa sociedade competitiva.26 Daí para a frente, o problema é fazer a criança entrar na27 corrida curricular, transpor rapidamente o primeiro grau,28 entrar no segundo grau e, finalmente, o mais cedo possível,29 enfrentar o vestibular. Transposta essa barreira, cessa a angústia:30 o garoto está equipado para a luta pela vida. Ninguém31 pergunta se se obedeceu aos ritmos de amadurecimento, se32 a escola realmente deu oportunidade à estruturação mental,33 se a criança foi feliz durante esse período de crescimento.34 A entrada na quinta série, por exemplo, exige o amadurecimento35 das estruturas lógico-abstratas, sem o que toda36 aprendizagem se transforma em mera justaposição, que logo37 é eliminada por falta de estruturas de assimilação. O ingresso38 na universidade só deveria ser feito depois de, digamos,39 21 anos, quando o jovem tivesse plena maturidade para manipular40 a complexidade dos processos científicos. O resultado41 é uma chusma de doutorezinhos imaturos e semiIetrados,42 sem o mínimo poder de reflexão, com a cabeça cheia43 de coisas decoradas. Mas os pais estão felizes de Ihes terem44 fornecido o diploma, espécie de tacape com que enfrentarão45 os adversários na “luta por um lugar ao sol”. O46 resultado é semelhante ao que se obtém amadurecendo frutas47 à força, por processos artificiais... E para onde vão todos48 nessa corrida? Perde-se o sentido de viver a vida em troca49 de subir rápido no “pau-de-sebo”.

Lauro de Oliveira Lima. Temas piagetanos. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,1984 (adaptado).

MLp1A2.indb 402 30/6/2010 14:16:24

Page 403: Lingua Portuguesa 1ª Série

A comunicação e a sociedade 403

1) As palavras que completam corretamente as lacunas do texto são a) possa – de que – tenham b) pudesse – que – tenham c) poderia – que – tivessem

d) pode – de que – tenha-se e) pode – que – tenham

2) Todas as afirmativas estão corretas, com EXCEÇÃO DEa) O título do texto é uma hipérbole, empregada como estratégia para despertar a curiosidade do leitor.b) A interrogação (linhas 01 e 02) assinala previamente ao leitor o caráter opinativo do texto, levando-o

a refletir sobre o tema.c) O autor do texto argumenta por analogia, que é um raciocínio a partir da comparação, da semelhança:

o que vale para x provavelmente valerá para y, visto que são semelhantes.d) Na apresentação de seus pontos de vista, o autor mostra-se imparcial e comedido, embora o assunto

que discute seja polêmico.e) O autor, na introdução e desenvolvimento do texto, conduz o leitor a concordar com a ideia que defende

em seu final: a universidade é um processo de reflexão só acessível a pessoas maduras.

3) A ideia CENTRAL do texto éa) A instrução obtida no ensino é um capital altamente rentável com que os indivíduos disputam “um

lugar ao sol”.b) A vida moderna caracteriza-se pela competividade entre os indivíduos, embora ninguém saiba ex-

plicar para onde todos vão nesta corrida.c) Os seres humanos tentam retardar a infância e acelerar a velhice, mas não conseguirão alterar o

tempo determinado pelo desenvolvimento biológico.d) A angústia dos pais é a responsável pela pressão a que as crianças são submetidas, o que gera a

infelicidade dos jovens.e) Há um tempo próprio para cada etapa de desenvolvimento dos seres: violar esse ritmo implica distúrbios.

4) Entre o primeiro e segundo parágrafos do texto, existe uma articulação sintática dea) oposição. b) adição. c) consequência. d) explicação. e) alternância.

INSTRUÇÃO: Para responder à questão 5, numerar os parênteses relacionando as circunstâncias da direita às orações da esquerda, de acordo com o papel que estas desempenham na estrutura em que se encontram no texto.( ) “Por mais (...) ser a gravidez” (linhas 02 e 03) (1) tempo( ) “o garoto está equipado para a luta pela vida.” (linha 29) (2) conclusão( ) “logo que a criança nasce” (linhas 13 e 14) (3) explicação( ) “Transposta essa barreira” (linha 28) (4) condição (5) oposição

5) A numeração correta dos parênteses, de cima para baixo, é a) 5 – 3 – 1 – 1 b) 5 – 2 – 4 – 4 c) 3 – 3 – 2 – 1 d) 4 – 3 – 5 – 3 e) 3 – 1 – 1 – 2

6) Em relação a mudanças no texto, é correto afirmar que é possívela) substituir a forma verbal “fazem” (linha 06) por “tem feito” sem alterar o sentido e a correção da frase.b) colocar acento indicativo de crase em “a idade” (linha 21), com consequente alteração no sentido

da frase. c) deslocar “rapidamente” (linha 15) para depois de “inicia-se” (linha 14), sem alteração no sentido da frase.d) subtrair a palavra “digamos” (linha 37) sem alterar o sentido da frase.e) substituir a palavra “onde” (linha 46) por “aonde” sem prejuízo para a correção da frase.

7) A afirmativa INCORRETA éa) O sentido denotativo de “pau-de-sebo” (linha 18) é: pau comprido e untado com sebo, tendo no

topo prêmios para quem consiga alcançá-los.b) A palavra “pau-de-sebo” está empregada, na linha 48, em sentido figurado.c) A palavra “know-how” (linha 23) é um anglicismo incorporado ao vocabulário do português, e sig-

nifica conhecimento.d) A palavra “chusma” (linha 40) significa “reduzido número”.e) A expressão “luta por um lugar ao sol” (linha 44) é um lugar-comum, que realça a competividade

das pessoas.

8) (UEM) Leia o texto a seguir e assinale o que for correto. Depois, some o(s) pontos da(s) questão(ões) que considerar certa(s).

MLp1A2.indb 403 30/6/2010 14:16:25

Page 404: Lingua Portuguesa 1ª Série

uNIDaDE 3404

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

Soneto de separaçãoDe repente do riso fez-se o prantoSilencioso e branco como a brumaE das bocas unidas fez-se a espumaE das mãos espalmadas fez-se o espanto.De repente da calma fez-se o ventoQue dos olhos desfez a última chamaE da paixão fez-se o pressentimentoE do momento imóvel fez-se o drama.De repente, não mais que de repenteFez-se de triste o que se fez amanteE de sozinho o que se fez contente.Fez-se do amigo próximo o distanteFez-se da vida uma aventura erranteDe repente, não mais que de repente.

(Vinícius de Moraes)

1. A teoria literária moderna reconhece três gêneros literários fundamentais – o épico, o lírico e o dramático – e, apesar de não fazer diferença de prestígio entre eles, não aceita a mistura deles em uma mesma obra literária. Podem-se subdividir esses três gêneros em espécies ou formas: o soneto é uma das formas dramáticas; a tragédia é uma das formas épicas; a balada é uma das formas líricas.

2. No texto acima, predomina o gênero dramático, que tem a sua manifestação mais viva nos aspectos trágicos, procurando representar os conflitos e os dramas vivenciados pelos homens e a precarie-dade do mundo em que estão inseridos. Nesse caso específico, trata-se de representar o drama da separação de dois amantes.

3. No texto acima, predomina o gênero lírico, caracterizado, essencialmente, por manifestar a subjeti-vidade do eu-lírico, expressando-lhe os sentimentos, as emoções, o mundo interior. De modo geral, a musicalidade é um elemento fundamental no texto lírico. Nesse texto de Vinícius de Moraes, além das rimas, a ocorrência considerável de fonemas sibilantes /sê/ e a semelhança de som de palavras como fez, espuma, espalmadas, espanto, etc. consistem nos principais recursos empregados pelo artista para alcançar a referida sonoridade.

8. No texto acima, pertencente ao gênero lírico, predomina: a) a antítese como figura de linguagem; b) a referência a fatos presentes como deflagradores do conflito do eu-lírico; c) a função conativa da linguagem; d) os versos decassílabos; e) as rimas consoantes, pobres e interpoladas; f) o emprego da linguagem figurada; g) a expressão do conflito do eu-lírico decorrente da separação amorosa.

16. Pode-se afirmar que: a) a antítese, figura de linguagem predominante no texto acima, exprime ideias cuja força significativa reside na oposição dos contrários. É o que acontece no verso “E do momento imóvel fez-se o drama”, em que o conflito vivido pelo eu-lírico atinge seu ponto culminante; b) no texto literário, dependendo do contexto, uma mesma palavra pode ter uma significação objetiva (denotação) ou sugerir outras significações, marcadas pela subjetividade do emissor (conotação). No verso “De repente da calma fez-se o vento”, as palavras estão empregadas em sentido figurado ou conotativo.

32. Pode-se afirmar que: a) o soneto, composto de dois quartetos e de dois tercetos, é uma das formas poe-máticas mais tradicionais e difundidas nas literaturas ocidentais e expressa, quase sempre, conteúdo lírico; b) o soneto costuma conter uma reflexão sobre um tema ligado à vida humana. No texto acima, Vinícius de Moraes, ao retomar esse modo tradicional de compor versos, presta homenagem aos grandes clássicos da literatura, reconhecendo, no presente, a herança cultural do passado.

9) (FGV-SP) Assinale a alternativa em que a palavra sublinhada NÃO tem valor de adjetivo.a) A malha azul estava molhada. d) As nuvens tornavam-se cinzentas.b) O sol desbotou o verde da bandeira. e) O mendigo carregava um fardo amarelado.c) Tinha os cabelos branco-amarelados.

10) (FGV-SP) Assinale a alternativa que contenha, corretamente, os 2 verbos das orações abaixo no futuro do subjuntivo.

a) Se o menino se entretiver com o cão que passear na rua… Se não couber na bolsa o frasco que você me emprestar…

b) Se o menino se entreter com o cão que passear na rua… Se não caber na bolsa o frasco que

MLp1A2.indb 404 30/6/2010 14:16:26

Page 405: Lingua Portuguesa 1ª Série

A comunicação e a sociedade 405

você me emprestar…c) Se o menino se entretiver com o cão que passear na rua… Se não caber na bolsa o frasco que você

me emprestar...d) Se o menino se entreter com o cão que passear na rua… Se não couber na bolsa o frasco que você

me emprestar...e) Se o menino se entretesse com o cão que passeava na rua… Se não cabesse na bolsa o frasco que

você me emprestasse...

Uma boa gramática nos informa que o futuro do subjuntivo forma-se a partir do pretérito perfeito do modo indicativo. Assim, a conjugação apropriada do verbo “entreter”, no futuro do subjuntivo, é entretiver. Esse verbo deriva de “ter”, cujo perfeito é tive e cujo futuro do subjuntivo é tiver (por isso a forma entretiver). Já o verbo “caber”, no futuro do subjuntivo, é couber. Repare que trata-se de um tipo de questão puramente gramatical, cada vez mais rara nos exames de acesso ao ensino superior. No entanto, o hábito de ler poderia ter servido de muita ajuda para algum candidato que não lem-brasse tão detalhadamente as nomenclaturas. O ouvido, acostumado às formas verbais adequadas, automaticamente rejeita aquelas que lhe parecem mais grosseiras.

11) (Fuvest) Leia o texto a seguir: O OLHAR TAMBÉM PRECISA APRENDER A ENXERGAR

Há uma historinha adorável, contada por Eduardo Galeano, escritor uruguaio, que diz que um pai, morador lá do interior do país, levou seu filho até a beira do mar. O menino nunca tinha visto aquela massa de água infinita. Os dois pararam sobre um morro. O menino, segurando a mão do pai, disse a ele: “Pai, me ajuda a olhar”. Pode parecer uma espécie de fantasia, mas deve ser a exata verdade, representando a sensação de faltarem não só palavras mas também capacidade para entender o que é que estava se passando ali.

Agora imagine o que se passa quando qualquer um de nós para diante de uma grande obra de arte visual: como olhar para aquilo e construir seu sentido na nossa percepção? Só com auxílio mesmo. Não quer dizer que a gente não se emocione apenas por ser exposto a um clássico absoluto, um Picasso ou um Niemeyer ou um Caravaggio. Quer dizer apenas que a gente pode ver melhor se entender a lógica da criação.(Luís Augusto Fischer, Folha de S.Paulo)

Relacionando a história contada pelo escritor uruguaio com “o que se passa quando qualquer um de nós para diante de uma grande obra de arte”, o autor do texto defende a ideia de que

a) o belo natural e o belo artístico provocam distintas reações de nossa percepção.b) a educação do olhar leva a uma percepção compreensiva das coisas belas.c) o belo artístico é tanto mais intenso quanto mais espelhe o belo natural.d) a lógica da criação artística é a mesma que rege o funcionamento da natureza.e) a educação do olhar devolve ao adulto a espontaneidade da percepção das crianças.As questões 12 a 15 são adaptadas do vestibular da Universidade de Brasília (UnB)

TEXTO I

A ânfora de argila... et vinum effunditur...(MAT., IX, 7)Está cheia demais minha ânfora de argila.Transborda a essência: és pobre e eu posso reparti-lacontigo, ó tu que vens de tão longe e tão pertopassas de mim! É longo e estéril o deserto...Meu vinho é puro e toca os bordos do meu vaso:antes que o beba o chão, Peregrino do Acaso,chega-te, e vem matar no bocal generosoa eterna sede do teu cântaro poroso!Enche-o e parte! Depois, olha atrás... e recorda!Todo amor não é mais do que um “eu” que transborda.ALMEIDA, Guilherme de. Livro de horas de Sóror Dolorosa. Meus versos mais queridos. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., p. 52.

MLp1A2.indb 405 30/6/2010 14:16:27

Page 406: Lingua Portuguesa 1ª Série

uNIDaDE 3406

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

12) Com relação às ideias do texto I, julgue os itens abaixo.(1) O eu-lírico é generoso ao oferecer o seu vinho, e sua ânfora está transbordando.(2) A leitura dos versos 2 e 10 permite a interpretação de “essência” como amor.(3) No texto, há uma relação de complementaridade entre poeta e interlocutor, que pode ser constatada

nos fragmentos mostrados na tabela abaixo.

poeta interlocutor “ânfora de argila” (v.1) “cântaro poroso” (v.8) “cheia demais minha ânfora (v.1) “a eterna sede do teu cântaro” (v.8)

(4) De acordo com o verso 9, com o transcurso do tempo, as trocas afetivas vivenciadas transformam-se em lembranças.

13) Julgue os itens que se seguem, com referência às ideias explícitas ou implícitas no texto I.(1) Como a argila é matéria bruta, a “ânfora de argila” (v. 1) representa, no poema, a falta de amor.(2) O pronome “te”, em chega-te” (v.7), refere-se a “Peregrino do Acaso” (v.6), termo dirigido ao inter-

locutor.(3) Se a forma de tratamento utilizada para o interlocutor fosse “você”, então o verso 9 estaria assim

escrito:Encha-o e parta! Depois, olhe atrás... e recorde!

TEXTO II:

AmarQue pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?sempre, e até de olhos vidrados, amar?Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?amar o que o mar traz à praia,o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?Amar solenemente as palmas do deserto,o que é entrega ou adoração expectante,amar o inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de ferro,e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,doação ilimitada a uma completa ingratidão,e na concha vazia do amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossaamar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

ANDRADE, Carlos Drummond de. “Claro enigma”. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973, p. 247.

14) Considerando os textos I e II, julgue os itens a seguir.1) O texto II expressa o amor romântico, idealizando a figura do parceiro.2) No texto II, a expressão “de olhos vidrados” (v. 6) é um exemplo de linguagem denotativa.3) As imagens marítimas do texto II podem ser associadas à vida e à morte, de modo a evidenciarem

que amar é gesto universal, ilimitado e instável como a água.(4) De acordo com o texto II, embora nem sempre o objeto amado seja merecedor do nosso amor, o

ato de amar é inerente ao ser humano.(5) Nas estrofes finais do texto II, o eu-lírico retoma o tema central do texto I, “A ânfora de argila”.

MLp1A2.indb 406 30/6/2010 14:16:28

Page 407: Lingua Portuguesa 1ª Série

407Bibliografia

CARRASCO, Walcyr. O golpe do aniversariante e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2000.LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.MEIRELES, Cecília. Crônicas de viagem, 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.VERÍSSIMO, Luís Fernando. Seleção de crônicas do livro Comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996.

Capítulo 5

COLASANTI, Marina. Longe como o meu querer. São Paulo: Ática, 1999.DIAFÉRIA, Lourenço. Imitador de gato. São Paulo: Ática, 2001.SILVEIRA, Valdomiro. Os caboclos: contos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. SPINA, S. Presença na literatura portuguesa, era medieval. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1971.TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Capítulo 6

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2001.ECO, Umberto. Sobre a literatura. Rio de Janeiro: Record, 2003.HENFIL. Graúna ataca outra vez. São Paulo: Geração Editorial, 2002.LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Ja-neiro: Rocco, 1998.MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.MORICONI, Ítalo. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.NEJAR, Carlos (Org.). Antologia da poesia portuguesa contemporânea. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999.QUINO. Esto no es esto. Lúmen: Barcelona, 2001.RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2002.

Capítulo 7

BANDEIRA, Manoel. Os melhores poemas. Seleção de Francisco de Assis Barbosa. São Paulo: Global, 1996.BOFFA, Alessandro. Você é um animal, Viskovitz. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.FERREIRA, Aurélio B. H. Novo dicionário da língua portu-guesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.GIL VICENTE. Auto da barca do inferno, Farsa de Inês Pereira e Auto da Índia. Estabelecimento dos textos, apre-sentação, notas e caderno biográfico de João Domingues Maia. São Paulo: Ática, 1998.MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.

BIBlIogRaFIa

Capítulo 1

CUNHA, C.; CINTRA L. Nova gramática do português contemporâneo. Lisboa: João Sá da Costa, 1992.FERREIRA, Aurélio B. H. Novo dicionário de língua portu-guesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.FOLHA DE S.PAULO. Manual de redação. São Paulo: Publifolha, 2001.LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.MAITENA. Mulheres alteradas 2. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.QUINO. Esto no es todo. Barcelona: Lúmen, 2002.______ Mafalda n. 9. São Paulo: Martins Fontes, 2002.VECCHI, Juan E. Educadores na era da informática. São Paulo: Salesiana, 2001.VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

Capítulo 2

BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1998.BARROS, Manoel. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.FERREIRA, Aurélio B. H. Novo dicionário de língua portu-guesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.QUINTANA, Mário. Preparativos de viagem. Rio de Janeiro: Globo, 1986.PRATA, Mário. Schifaizfavoire: dicionário de português. Rio de Janeiro: Globo, 1993.SARAMAGO, José. Os poemas possíveis. Lisboa: Cami-nho, 1985.

Capítulo 3

BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990.BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.GUIMARÃES ROSA, João. Ave, palavra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. HENFIL. Graúna ataca outra vez. São Paulo: Geração Editorial, 2002.LINS, Guto. Cara de um, focinho do outro. São Paulo: FTD, 1995.LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Com-panhia Editora Nacional, 1945.QUINO. Mafalda, n. 9. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Capítulo 4

ANTUNES, António Lobo. Livro de crônicas. Lisboa: Pu-blicações Dom Quixote, 1998.

MLp1A2.indb 407 30/6/2010 14:16:29

Page 408: Lingua Portuguesa 1ª Série

Rep

rodu

ção

proi

bida

– R

epro

duzi

r liv

ro é

crim

e: C

ódig

o P

enal

, art

. 184

; Lei

9.61

0, d

e 19

-2-1

988,

Títu

lo V

II: S

ançõ

es à

s Vi

olaç

ões

dos

Dire

itos

Aut

orai

s.

408 Bibliografia

Capítulo 8

ALCOFORADO, Sóror Mariana do. Cartas portuguesas. Europa-América.CAMÕES, Luís Vaz de. Lírica. São Paulo: Cultrix, 1976.CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.CIDADE, Hernani. Luís de Camões: o lírico. Lisboa: Pre-sença, 1984.CITELLI, Adilson. O texto argumentativo. São Paulo: Sci-pione, 1994.GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da Filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.MAITENA. Mulheres alteradas 2. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.LADEIRA, Julieta Godoy (Org.). Contos brasileiros con-temporâneos. São Paulo: Moderna, 1994.PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.

PRADO, Adélia. Adélia Prado: poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.RAMOS, Graciliano. Cartas de amor a Heloisa. Rio de Janeiro: Record,1996.

Capítulo 9

KLUEGER, Urda Alice. Um rio de letras: antologia de verso e prosa. In: SOCIEDADE ESCRITORES DE BLUMENAU. Blumenau: Nova Letra, 2002.MACHADO, Antônio de Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda e outros contos. São Paulo: Moderna, 1997.RODRIGUES, Nelson. A pátria em chuteiras: novas crôni-cas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.SALINGER, J. D. O apanhador no campo de centeio. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 2003.

MLp1A2.indb 408 30/6/2010 14:16:30