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Autora: Profª Ma. Janaína Arruda da Silva Colaboradores: Profª Cielo Festino Profª Joana Ormundo Literatura Brasileira: Prosa

Literatura brasileira prosa unidade i

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coisas de literatura

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Autora: Profª Ma. Janaína Arruda da SilvaColaboradores: Profª Cielo Festino

Profª Joana Ormundo

Literatura Brasileira: Prosa

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Professora conteudista: Janaína Arruda da Silva

Janaína Arruda da Silva é bacharel em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e licenciada em língua portuguesa e literaturas de língua portuguesa. Tem se especializado em literatura, mais especificamente em literatura brasileira, desde a conclusão do mestrado em filosofia, em 2000. Atualmente, é doutoranda em literatura brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

Leciona no Ensino Superior desde 2000 e é professora de literatura no curso presencial da Universidade Paulista (UNIP) desde 2003. Em 2010, foi responsável pela elaboração de alguns materiais de teoria literária para a modalidade de educação a distância da UNIP Interativa e, hoje, apresenta a vocês o produto do processo de elaboração do livro-texto Literatura Brasileira: Prosa.

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586 Silva, Janaina Arruda da

Literatura brasileira: prosa. / Janaina Arruda da Silva – São Paulo: Editora Sol.

184 p., il.

1. Literatura 2. Língua portuguesa 3. Prosa I.Título

CDU 869.0(81)

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Prof. Dr. João Carlos Di GenioReitor

Prof. Fábio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-LopezVice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy

Prof. Marcelo Souza

Profa. Melissa Larrabure

Material Didático – EaD

Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão: Amanda Casale

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Page 5: Literatura brasileira prosa unidade i

SumárioLiteratura Brasileira: ProsaAPRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8

Unidade I

1 DAS ORIGENS AO BARROCO: LITERATURA INFORMATIVA E JESUÍTICA ......................................91.1 Literatura informativa ...........................................................................................................................91.2 Literatura jesuítica ................................................................................................................................11

2 O BARROCO ....................................................................................................................................................... 162.1 O Barroco no Brasil .............................................................................................................................. 162.2 A ambiguidade: o alicerce do barroco ......................................................................................... 172.3 Padre Antônio Vieira (Lisboa, 1608 – Bahia, 1697) ................................................................ 182.4 O estilo de Vieira ................................................................................................................................... 20

Unidade II

3 O ROMANTISMO .............................................................................................................................................. 253.1 O Romantismo no Brasil .................................................................................................................... 273.2 O projeto de literatura nacional ..................................................................................................... 28

3.2.1 A prosa romântica .................................................................................................................................. 293.2.2 Autores ........................................................................................................................................................ 30

4 REALISMO-NATURALISMO .......................................................................................................................... 424.1 Características do Realismo-Naturalismo .................................................................................. 454.2 O Realismo-Naturalismo no Brasil ................................................................................................ 46

4.2.1 A prosa realista ........................................................................................................................................ 474.3 Autores ..................................................................................................................................................... 48

Unidade III

5 PRÉ-MODERNISMO ........................................................................................................................................ 745.1 Características ....................................................................................................................................... 755.2 Autores ..................................................................................................................................................... 75

6 MODERNISMO .................................................................................................................................................. 916.1 As vanguardas ....................................................................................................................................... 91

6.1.1 Cubismo (1907) ........................................................................................................................................ 926.1.2 Futurismo (1909) .................................................................................................................................... 936.1.3 Expressionismo (1910) .......................................................................................................................... 976.1.4 Dadaísmo (1916) ..................................................................................................................................... 986.1.5 Surrealismo (1924) ................................................................................................................................. 99

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6.2 A Semana de Arte Moderna de 1922 e o Modernismo no Brasil ...................................1006.3 A primeira fase do Modernismo no Brasil e o regionalismo ............................................1066.4 A segunda fase do Modernismo no Brasil ...............................................................................121

6.4.1 O romance de 1930 .............................................................................................................................1216.5 Terceira fase modernista .................................................................................................................137

6.5.1 Autores ..................................................................................................................................................... 139

Unidade IV

7 A CONTEMPORANEIDADE ..........................................................................................................................1498 O QUE É PÓS-MODERNO E PÓS-HUMANO ........................................................................................157

8.1 Literatura latino-americana e a literatura contemporânea no Brasil ..........................1588.1.1 Tendências da prosa contemporânea .......................................................................................... 1598.1.2 A nova geração de escritores .......................................................................................................... 1608.1.3 Tendências contemporâneas do teatro brasileiro ................................................................... 162

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APRESENTAÇÃO

Caro aluno, bem-vindo à disciplina Literatura Brasileira: Prosa.

Este livro-texto contém quatro unidades e, em cada uma delas, estudaremos as características dos movimentos literários, os autores mais importantes desses movimentos e sua técnica e estilo. Todos os autores serão vistos por meio do estudo de textos selecionados com os quais se farão os trabalhos de leitura, análise e interpretação.

Primeiramente, na unidade I, estudaremos das primeiras manifestações literárias no Brasil, que datam da época do descobrimento, até o período do Barroco. Deteremo-nos sobre alguns textos da literatura de viagem e, posteriormente, sobre alguns textos dos padres jesuítas. No final dessa unidade, veremos o Barroco e o maior expoente da literatura em prosa nesse período: padre Antônio Vieira.

A unidade II se concentra totalmente no século XIX, por isso, veremos dois grandes períodos literários, o Romantismo e o Realismo. Verificaremos as características específicas de ambos e como se dá a passagem de um movimento, cuja ênfase é subjetiva, para outro, que possui um olhar mais objetivo sobre a realidade. Por fim, ainda no século XIX, abordaremos o período de transição chamado Pré-modernismo. Neste tópico, o exercício da prática de leitura e interpretação literária serão mais frequentes.

A unidade III dá início à modernidade nas artes e na literatura, por isso, essa parte principia com uma breve exposição das vanguardas europeias e sua influência, sobretudo na primeira fase do Modernismo no Brasil, que começa com a Semana de Arte Moderna, em 1922. Como a maior parte da produção literária da primeira fase foi poética, falaremos aqui dos dois mais importantes autores desse período e de suas obras em prosa de maior relevância para nossos estudos. Em seguida, apresentaremos a segunda fase do Modernismo, que, ao contrário da primeira, é essencialmente em prosa, uma literatura politizada e de conscientização social que reflete as agruras do Brasil em meio ao governo militar. Como a produção literária mais importante dessa fase está concentrada no gênero do romance, exaltaremos alguns fragmentos e, a partir deles, chegaremos às características dos autores mais expressivos desse momento. Por fim, retomaremos o Modernismo em sua última fase, ressaltando a produção literária dos autores que inauguram a literatura intimista e o fluxo de consciência, inovando os gêneros em prosa, sobretudo o romance, ao romper com as características tradicionais dessas estruturas.

Na unidade IV, discorrermos sobre a contemporaneidade, as influências da literatura latino-americana e de alguns autores selecionados que compõem o quadro da nova geração de escritores em prosa da literatura brasileira.

É importante dizer que os conceitos, as análises e os estudos apresentados neste livro-texto advêm de bases teóricas e críticas reconhecidas que estão relacionadas nas bibliografias presentes no final deste trabalho.

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INTRODUÇÃO

Dentro de uma abordagem diacrônica da literatura brasileira e a partir das leituras, a disciplina Literatura Brasileira: Prosa estuda autores e obras decisivas para a formação da cultura da prosa literária no Brasil, desde o período colonial até a pós-modernidade. No decorrer deste estudo, analisaremos textos e exercitaremos práticas de ensino da prosa literária correlacionando teoria e prática.

Este material tem a finalidade de proporcionar o reconhecimento do desenvolvimento e das características específicas da literatura brasileira por meio do estudo de autores e de algumas obras, a partir da consideração da forma-mentis, isto é, do contexto histórico, cultural e social de cada período e as peculiaridades específicas dos escritores pesquisados. Além disso, possui também a intenção de proporcionar ao aluno a capacidade de reconhecer a estrutura e a operação estética realizada nos textos literários considerados canônicos para a formação e constituição da literatura brasileira, bem como igualmente realizada nos textos contemporâneos. Desse modo, será possível criar caminhos para que se possa debater o ainda precário conceito de literatura pós-moderna no país e o modo de articulação desse juízo estético com a sociedade brasileira contemporânea.

Assim, o que buscamos, caro aluno, é mostrar a cultura brasileira, suas obras e seus autores como um processo cultural contínuo e consolidado da consciência nacional e cultural do país dentro e fora das culturas de massa. A intenção é proporcionar-lhe uma boa reflexão sobre a relação entre a literatura brasileira e a sociedade local e a situação destas no contexto em que se inserem os movimentos literários, fornecendo-lhe subsídios específicos para que, posteriormente, possa lecionar literatura brasileira no Ensino Médio.

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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA

Unidade I1 DAS ORIGENS AO BARROCO: LITERATURA INFORMATIVA E JESUÍTICA

Para começarmos nossos estudos acerca da literatura em prosa no Brasil, considere o texto a seguir, que aborda um trecho da famosa carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, por ocasião do descobrimento do Brasil:

Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte cinco léguas por costa [...].

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares [...]. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem (CAMINHA, 1500).

1.1 Literatura informativa

Figura 1 – O desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, em 1500

As primeiras manifestações de literatura em prosa no Brasil acontecem no século XVI e visavam, como se pode perceber pelo texto anterior, descrever a terra e, mais tarde, converter os índios ao cristianismo professado pela Igreja Católica. A essas manifestações damos o nome de Quinhentismo e elas estão relacionadas à introdução da cultura europeia na América portuguesa.

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Os primeiros textos, que levariam à formação da Literatura Brasileira, obedeceram a finalidades práticas: informações sobre a terra, para facilitar a exploração colonialista; ou, ainda, à dominação religiosa, também motivada por razões políticas. Essas produções refletem a ambiguidade do Renascimento português, de um lado, muito prático, e de outro, ainda preso à religiosidade (ABDALA e CAMPEDELLI, 2004).

Vemos que os textos iniciais de nossa literatura em prosa não estão propriamente vinculados à arte, posto que possuíam intenção informativa e atendiam aos interesses econômicos do reino de Portugal, além de terem um objetivo doutrinário e pedagógico. Entretanto, eles constituem relevantes documentos históricos para o estudo do início do período da colonização do Brasil.

Esses textos, como veremos, conservam características medievais, como uma visão edênica da terra descoberta, por exemplo, embora seja perceptível também a presença de valores renascentistas, principalmente quando se torna evidente a preocupação com a estética literária.

Os primeiros textos

Os textos produzidos à época do descobrimento são registros a respeito da terra e de seus habitantes, cenário que traz à tona um mundo extremamente diferente e exótico e que cunha as raízes do nacionalismo brasileiro. Possuem, na maioria das vezes, linguagem simples e cheia de adjetivações.

O primeiro documento em prosa escrito no Brasil foi a carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, que tinha o intuito de informar El Rei, Dom Manuel, das condições geográficas e etnográficas da terra recém-descoberta.

Quadro 1

Datas Textos

1500A Carta, de Pero Vaz de Caminha a Dom Manuel, rei de Portugal, em que relata o descobrimento e suas impressões sobre a terra.

1530O diário de navegação, de Pedro Lopes e Souza, escrivão do grupo colonizador de Martim Afonso de Souza.

?O Tratado da Terra do Brasil e a História da província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil, de Pero de Magalhães Gândavo.

1587 O Tratado do Brasil, de Gabriel Soares de Souza.

1618 Os Diálogos das grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão.

Os autores dos textos que formam essa literatura de viagem são muito diferentes: escrivães, religiosos, aventureiros, historiadores e navegadores. Dessa forma, não podemos dizer que eles compartilhem de uma mesma visão de mundo, apenas de um mesmo contexto de produção, já que todos têm por intenção relatar a experiência de conhecer o novo mundo.

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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA

Tomemos agora um trecho da Carta de Caminha:

E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. [...] arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza (CAMINHA, 1500).

Nesse trecho da carta, percebemos que o primeiro contato entre índios e portugueses não foi conturbado, pelo contrário, pareceu bastante amistoso, visto que os nativos baixaram suas armas e se dispuseram a imitar o comportamento dos portugueses.

É o primeiro olhar do estrangeiro sobre as terras brasileiras e essa descrição que aproxima o índio ao homem puro e ingênuo, distante do processo de civilização, deixa evidente a visão de mundo ainda estruturada pelo teocentrismo. Por outro lado, é essa mesma visão do índio e da natureza exuberante que irá defini-los como símbolos da nacionalidade brasileira, símbolos esses que serão resgatados no movimento romântico e também no Modernismo.

1.2 Literatura jesuítica

Os missionários jesuítas chegaram ao Brasil em 1549 e aqui ficaram até 1605. Sua presença marca, sobretudo, a literatura de cunho pedagógico e moral, pois tinha a função de doutrinar os índios e convertê-los à religião católica. Essa produção literária ficou conhecida como literatura de catequese.

Observe o trecho a seguir:

Gonçalo Álvares – Estes têm alma como nós?

Mateus Nogueira – Isso é claro, pois a alma tem três potências, entendimento, memória, vontade, que todos têm. Eu cuidei que vós éreis mestre já em Israel, e vós não sabeis isso! [...] que tão ruim entendimento tendes vós para entender o que vos queira dizer, como este gentio para entender as coisas de nossa fé (NÓBREGA, 2006).

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Os textos jesuíticos compreendem poemas e peças teatrais escritos em versos que competem mais ao estudo da poesia brasileira. Entretanto, há uma pequena produção em cartas, diálogos, peças, poemas épicos e alguns tratados sobre a terra que revelam certo planejamento literário e interessam ao estudo da literatura em prosa.

Quadro 2

Datas Textos

1583 Narrativa epistolar e os Tratados da terra e da gente do Brasil, do jesuíta Fernão Cardim.

1588 Diálogos sobre a conversão dos gentios, do padre Manuel da Nóbrega.

? Cartas dos missionários jesuítas, escritas nos dois primeiros séculos de catequese.

1627 História do Brasil, de frei Vicente do Salvador.

Leremos a seguir um trecho da peça Os feitos de Mem de Sá, escrita pelo padre José de Anchieta. Observe como o texto faz parte de um discurso que exalta o homem branco e a coroa portuguesa.

O excerto desse texto pode ser considerado o primeiro poema épico da literatura brasileira. Possui 3.058 versos divididos em quatro livros (ou cantos), além de uma introdução de caráter laudatório, como é característico dos textos que têm seu modelo na retórica clássica. Escrito em versos decassílabos, é possível perceber a influência de Virgílio. O poema narra, na figura de Mem de Sá, as lutas contra os índios e os franceses levadas a cabo pelo governador. Os índios são apresentados como terríveis e pecadores, corroborando a visão medievalista da Igreja. Mas, quando os índios se rendem e se entregam, são tratados sob outro ponto de vista: como almas pecadoras que pedem perdão, e a fé presente na ação de Mem de Sá está pronta para mostrar sua caridade e compaixão.

O Livro I faz uma apresentação geral da situação do Brasil antes da chegada de Mem de Sá, o que revela as condições caóticas da terra, tentando estabelecer uma dicotomia entre a perdição e a salvação que será alcançada posteriormente:

Ó que faustoso sai, Mem de Sá, aquele em que o Brasilte contemplou! quanto bem trarás a seus povosabandonados! com que terror fugirá a teus golpeso inimigo fero, que tantos horrores e tantas ruínaslançou nos cristãos, arrastado de furiosa loucura! (ANCHIETA, 1972).

No Livro II, começa a luta de Mem de Sá contra os índios. A narrativa enfatiza a descrição da ferocidade das lutas. Ao vencer os indígenas, destaca-se o processo de conversão e de abandono dos costumes anteriores pelos índios:

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Assim se expulsou a paixão de comer carne humana,

a sede de sangue abandonou as fauces sedentas;e a raiz primeira e causa de todos os males,a obsessão de matar inimigos e tomar-lhes os nomes,para glória e triunfo do vencedor, foi desterrada.Aprendem agora a ser mansos e da mancha do crimeafastam as mãos os que há pouco no sangue inimigotripudiavam, esmagando nos dentes membros humanos.Há pouco a febre do impuro lhes devora as entranhas:imersos no lodaçal, aí rebolavam o fétido corpo,preso à torpeza de muitas, à maneira dos porcos.Agora escolhem uma, companheira fiel e eterna,vinculada pelo laço do matrimônio sagradoque lhe guarda sem mancha o pudor prometido (ANCHIETA, 1972).

Um bom momento épico aparece quando Anchieta faz uma analogia entre a luta em canoas travada pelos índios no litoral e a luta de baleias, comparando, assim, os índios a animais:

Como quando as baleias sobem do fundo do abismoe se acolhem às enseadas do litoral brasileirona quadra em que se entregam ao serviço da espécie:então travam combates ferozes ao soçobro das ondase lançam até as nuvens jatos de água espumante:Atônitos na praia os homens assistem à luta gigantedos monstros descomunais entre as vagas encapeladas.Elas desfecham golpes tremendos e horrendas feridascom as caudas e dentes agudos, até que as ondas vomitemos cadáveres monstruosos às areias da praia.Assim nossos índios, em pleno mar, a braços com as ondasvibram golpes terríveis: a uns despedaçam, a outrosjá semimortos puxam-nos, enlaçando-lhes os longos cabeloscom a mão esquerda, enquanto com a direita cortam as vagase vitoriosos arrastam até as praias a presa,indo depor aos pés do Chefe os corpos de seus inimigos,e despedaçando aos semivivos os crânios com os rijos tacapes (ANCHIETA, 1972).

Mem de Sá, o herói, destaca-se por seus valores cristãos, embora se apresente na luta com grande ferocidade.

No trecho a seguir, o herói reconhece sua ferocidade e busca amenizá-la com a compaixão para com o índio vencido, revelando assim sua superioridade cristã:

O Governador ouviu com bondade essas palavrase respondeu: “Se vos fiz guerra cruel de extermínio,

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devastando os campos e lançando em vossas moradaso incêndio voraz, levou-me a isso vossa audácia somente.Já agora, esquecidos os ódios, vos concedemos contentesa aliança e a paz que quereis e sentimos vossa desgraça.Porém, deveis vós observar as leis que vos dito.”Manda então que refreiem suas rixas contínuasque expulsem do peito a crueldade e o hábito horrendode saciarem o ventre, à maneira de feras raivosas,com carnes humanas. Também lhes ordena que guardemos mandamentos do Pai celeste e a lei naturale ergam igrejas ao eterno Senhor das alturasem seu torrão natal; aí serão instruídosna lei divina e de vontade abraçarão com os filhosa fé de Cristo, porta única do caminho do céu,além disso, tudo quanto roubaram dos Cristãos às ocultasou por assalto, em tantos anos, os próprios escravosmortos ou devorados, tudo pagarão e mais os tributos(ANCHIETA, 1972).

No Livro III, destaca-se também o episódio que envolveu o bispo Pero Fernandes Sardinha. Em 1556, este resolve retornar à Lisboa para relatar e condenar o modo como o padre Manoel da Nóbrega e José de Anchieta levavam o processo de catequese, tido por ele como muito complacente. Porém, sua caravela naufraga nas costas de Alagoas e o bispo, chegando à praia, é devorado por índios canibais.

O episódio histórico foi depois reaproveitado por Oswald de Andrade no seu manifesto antropofágico:

[...] Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.Oswald de AndradeEm PiratiningaAno 374 da deglutição do Bispo Sardinha (ANDRADE, 1928, p. 07).

Na obra de José de Anchieta, convém destacar que, apesar das diferenças entre Anchieta e o bispo, o personagem é apresentado como virtuoso e de boas intenções, ainda que a morte do bispo Sardinha soe como uma punição por uma denúncia vã.

No momento da morte, a última fala do bispo:

Sou eu, sou eu mesmoo grande abaré! porque procurais dar-me a morte?”

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mas que suspiros lhes dobrariam os loucos intentos,que queixumes ou lágrimas? seria mais fácilcomover leões da África ou leopardos ferozesdo que com rios de prantos dobrar esses selvagensacostumados a fartar o ventre com carnes humanas (ANCHIETA, 1972).

Os franceses entram na história como vilões. Representam a Igreja Protestante de Lutero e Calvino, portanto, os verdadeiros infiéis do poema. A luta contra os franceses começa a ser destacada a partir do Livro III.

No Livro IV, a luta entre franceses e índios finda com a vitória de Mem de Sá. No trecho a seguir, lemos os preparativos para a batalha final:

O sol mergulha seu carro luzente nas ondas,e Vésper desdobrara seu manto noturno de trevase na abóbada celeste brilhavam mil luzes de estrelas.Não se dormia no acampamento; cada qual preparavasuas armas. Da colina das palmeiras o falcão continuavaa bater o alto da torre, arrotando bolas de fogo.Ressoam vozes e gritos de mulheres nas casas.Manda entretanto o governador fortificar por inteiroas trincheiras. Uns contra as balas enchem de pedra e terragrandes canastras tecidas de vime flexível.Outros retiram das naus os canhões e os arrastamcom o fragor gigantesco de suas rodas pesadas,e os colocam em postos escolhidos erguendo em redorum parapeito de terra. Depois esperam impacienteas batalhas temerosas do dia seguinte.Já os primeiros clarões afastavam as trevas da noitee a aurora tingia o mar com seus raios serenos,já o sol da orla do horizonte se lançava à corridaque espalharia mais uma vez a luz pelo mundo:quando refulgem no alto as falanges francesasarmadas de espadas e longas lanças; os corposcobertos de reluzentes couraças. Armados de flechasaí se acham também os selvagens que tinham voadoà aguada, para derramar o sangue dos lusos,quando nossas naus voltaram e deixaram as praiascom as águas, ajuntando-se aos seus e enganadoo inimigo cruel que nutria feliz esperança (ANCHIETA, 1972).

Como vimos, os textos jesuíticos têm, em sua maioria, função análoga à dos textos informativos.

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2 O BARROCO

O período a que chamamos Barroco pode ser descrito como um período em que a sociedade se vê diante das consequências da Reforma Protestante, iniciada em 1517 por Martinho Lutero e que dividiu a Igreja entre católicos e protestantes.

As ideias protestantes puseram em risco o poder da Igreja e esta respondeu com um movimento de reação conhecido como Contrarreforma, que tinha intenção de impedir o avanço do protestantismo. Assim, o estilo barroco floresce quando a Igreja Católica busca a consolidação de seu poder.

Entre os atos mais importantes da Igreja Católica nesse período, temos:

• a instituição do Tribunal do Santo Ofício, ou Tribunal da Inquisição, que julgava os atos ditos contra a fé, entre os quais figurava professar outro credo ou possuir outra fé que não a da Igreja Católica;

• a criação da Companhia de Jesus, que devia combater os infiéis e expandir a fé cristã nas colônias.

Essas contradições no âmbito religioso tiveram forte influência sobre a arte do período, produzindo o desencanto do homem com o próprio homem, assumindo assim uma postura anticlássica que instaura um mundo ambíguo. É esse mundo dicotômico dividido e entre o catolicismo e o protestantismo, entre a fé e a ciência, que dá espaço à estética barroca.

2.1 O Barroco no Brasil

Somente no período que chamamos de Barroco é que podemos começar a falar de literatura brasileira, pois nele encontramos uma produção literária já com evidente preocupação estética, que se volta para a realidade brasileira e despe-se dos valores da corte portuguesa.

Barroco foi o estilo artístico dominante na Europa durante o século XVII e primeira metade do século XVIII. É um estilo deslumbrante e caracteriza-se pela abundância de ornamentos e pela ousada elaboração formal, que se vale do uso de recursos retóricos, tais como as alegorias e o uso de figuras de linguagem como a antítese e o paradoxo, cujo objetivo é mostrar desconforto.

Assim, no Barroco, a forma é encantadora e erudita, mas é apenas uma roupagem para um conteúdo repleto de tensão e conflito, na maioria das vezes abordado com ironia ou malícia, o que espelha uma época angustiada que assiste à crise do renascimento e ao final do otimismo que levara a Europa às grandes descobertas.

No Brasil, a estética barroca teve influência direta da coroa portuguesa que, mantida sob o jugo espanhol até 1640, não acompanhou as descobertas científicas ocorridas entre os séculos XVII e XVIII no resto da Europa e, por conseguinte, permaneceu no obscurantismo medieval.

O Barroco brasileiro coincide com um momento de grande exploração da colônia pelos portugueses. Dessa forma, a aristocracia colonial brasileira, ou aristocracia crioula, revela nesse período um sentimento de independência que transparece nos textos literários da época. Por isso, diz-se que o Barroco no Brasil foi “crioulizado”, isto é, misturou a tendência com a visão local, nativista e negra.

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As invasões estrangeiras do Rio de Janeiro ao Maranhão, nos séculos XVI e XVII, foram responsáveis pelo despertar de uma consciência colonial que, somada à decadência da cana-de-açúcar, posiciona-se contrariamente ao absolutismo monárquico.

No Brasil, o Barroco se inicia em 1601, com o poema épico de Bento Teixeira, chamado Prosopopéia, e atinge seu apogeu com o poeta Gregório de Matos e com o orador Padre Antônio Vieira.

Trataremos apenas deste último mais adiante, posto que nossos estudos se concentrarão na literatura feita em prosa, embora esses dois escritores tenham sido os melhores escritores do Barroco em língua portuguesa e ambos tenham surgido na Bahia, onde se concentravam os principais centros urbanos à época, com destaque para Salvador, que foi capital do país de 1549 a 1763.

2.2 A ambiguidade: o alicerce do barroco

A estética literária do Barroco opõe-se diretamente ao racionalismo clássico. O rigor formal, antes usado para produzir clareza, soma-se aqui à ambiguidade de figuras que culminam em tensão e conflito.

Assim, a linearidade renascentista é substituída pelo pictórico das antíteses, contradições e paradoxos, bem como a sintaxe simples é substituída pelo rebuscamento que se apoia no anacoluto e na inversão sintática.

Todo esse exagero reflete o desconforto de um homem dividido entre o céu e as coisas terrenas, um conflito entre os valores da tradição, ligados à consciência medieval e defendidos pelos jesuítas, e os valores gerados pelo avanço do racionalismo.

O quadro A dúvida de São Tomé, do pintor italiano Caravaggio, ilustra bem esse panorama do mundo Barroco, mostrando a religiosidade na figura de Cristo, de quem vem toda a luz da cena composta pelo jogo do Claro/Escuro, característico da pintura barroca, em oposição ao racionalismo presente na dúvida de São Tomé, que chega a tocar a ferida de Jesus para se certificar. Observe a tela:

Figura 2 – A dúvida de São Tomé, de Caravaggio

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Segundo Benjamim Abdala Júnior e Samira Youssef Campedelli (2004), é possível perceber vários estilos dentro do Barroco. Alguns dizem respeito à forma, outros, ao conteúdo.

Observe o quadro a seguir, no qual esses estilos são descritos:

Quadro 3

Estilos Características

Maneirismo É o elo entre o Renascimento e o Barroco e registra a incerteza das formas.

Culteranismo, Cultismo ou Gongorismo

Cultivou construções obscuras, repletas de preciosismo formal que se vê tanto na poesia quanto na prosa barroca.

ConceptismoLigado à prosa barroca e contrária ao culteranismo. Buscou o domínio das palavras, valendo-se do conhecimento conceitual e da concisão.

Barroquismo Originou o Rococó. Possui construções rebuscadas e decorativas.

2.3 Padre Antônio Vieira (Lisboa, 1608 – Bahia, 1697)

No século XVII, o discurso religioso que falava sobre a doutrina cristã, conhecido como sermão, foi uma importante arma da Igreja Católica em sua disputa com os protestantes por fiéis.

O sermão é um discurso de caráter edificante, cujo tema deve ser ilustrado por imagens e metáforas.

O mais importante orador do Barroco no Brasil foi o padre Antônio Vieira, que desempenhou missões jesuíticas no Maranhão e no Grão-Pará. Foi professor de retórica no Colégio de Pernambuco e participou ativamente do reinado de D. João IV em Portugal e no Brasil.

Antônio Vieira chegou ao Brasil aos seis anos de idade e, pouco depois, ingressou no Colégio dos Jesuítas. Como noviço na Companhia de Jesus, em 1623, foi encarregado de escrever a Carta Ânua, relatando os sucessos da ocupação da Bahia pelos holandeses.

Em 1625, fez seu voto de castidade, pobreza e obediência, deixando a condição de noviço para iniciar os estudos de teologia. Foi professor de retórica em Olinda no ano de 1627, pregador na Bahia em 1633, ordenando-se em 1638.

Como pregador, defendia os interesses portugueses no Brasil e teve ação importantíssima na luta contra os invasores holandeses protestantes calvinistas.

Seus sermões, publicados entre 1679 e 1748, suas ideias e as causas que defendeu eram propagadas principalmente nos púlpitos das igrejas.

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Vieira procurava não só convencer o público por meio de um discurso inflamado, mas também conscientizá-lo.

Em sua obra, predomina o conceptismo, ou seja, desenvolvimento da ideia no intuito de persuadir. Ele usa a retórica como alicerce de seu discurso.

Para ilustrar sua própria concepção acerca de seu estilo leia a seguir um trecho do Prólogo do Autor, da primeira edição dos Sermões:

Se gostas de afetação e pompa de palavras, e do estilo que chama culto, não leias.

Quando este mais florescia, nasceram as verduras do meu (que perdoarás quando as encontrares), mas valeu-me tanto sempre a clareza, que só porque me entendiam comecei a ser ouvido; e o começaram também a ser os que me reconheceram o seu engano, e mal se entendiam a si mesmos (VIEIRA, s. d.).

No Sermão da Sexagésima (1655), um dos mais importantes textos de padre Vieira para o estudante de literatura, proferido na Capela Real de Lisboa, Vieira critica o gongorismo que, como vimos no quadro anterior, era repleto de construções obscuras e preciosistas. Ao elaborar sua crítica constrói um texto metalinguístico que apresenta um tratado acerca da oratória religiosa. Vejamos abaixo um trecho desse sermão:

[...] Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos (a causa de não frutificar a palavra de Deus?) um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda parte e a toda a natureza? O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Compara Cristo o pregar ao semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras artes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geometria tudo se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte; caia onde cair [...] la o trigo caindo e nascendo.

Assim há de ser o pregar. Hão de cair as coisas e hão de nascer, tão naturais que vão caindo, tão próprias que venham nascendo [...].

Quem semeia ventos, colhe tempestades. Se os pregadores semeiam ventos, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há a Igreja de Deus de correr tormenta, em vez de colher fruto? (VIEIRA, s. d.).

Vieira foi condenado pelo Tribunal da Inquisição, que o manteve preso por duas vezes e lhe cassou o uso da palavra em Portugal por desenvolver temerariamente a temática do sebastianismo, por escrever

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sermões que davam ideia de ataque a algumas posturas da Igreja e, sobretudo, pela defesa aos cristãos novos e aos nativos, como podemos observar no texto a seguir.

As injustiças e tiranias, que se têm executado nos naturais destas terras, excedem muito às que fizeram na África. Em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram por esta costa e sertão mais de dois milhões de índios e mais de quinhentas povoações [...] (VIEIRA, 1963).

2.4 O estilo de Vieira

Já dissemos acima que os sermões de Vieira têm seus alicerces na retórica clássica. No século XVII, todo orador deveria conhecer as regras da arte de escrever, advindas da retórica grega e romana e que ensinavam sobre a arte de elogiar ou louvar (ars laudand) e sobre a arte de ofender ou vituperar (ars vituperandi).

No que concerne a Vieira, a relevância está no louvor, pois, ainda que o clima de luta favorecesse seu gênio combativo e dialético, o vitupério não é apropriado aos discursos proferidos em púlpitos de igrejas.

A tradição greco-latina divide a retórica em cinco partes, a saber: inventio, dispositio, elocutio, actio e mneme, cujas características estão dispostas na tabela a seguir:

Quadro 4

Partes da retórica Características

Inventio Refere-se ao repertório de ideias, as tópicas, às quais os escritores recorriam para realizar seu discurso.

Dispositio Trata-se da ordenação do discurso.

Elocutio Refere-se à organização e ornamentação.

Actio A da teatralização do ato discursivo: o tom de voz adequado, os gestos oportunos etc.

Mneme Refere-se às técnicas de memorização do discurso.

Valendo-se da retórica, era preciso estruturar a argumentação em quatro passos, por meio dos quais se percebe as ideias que marcaram a corrente conceptista do Barroco.

Quadro 5

Exórdio O orador expõe o plano a que vai submeter-se e as ideias que defenderá.

Invocação É um apelo no qual o orador pede ajuda ao divino para expor suas ideias.

Confirmação É o desenvolvimento do tema, que deve ser realçado por alegorias e exemplos.

PeroraçãoOu conclusão, na qual o orador recapitula tudo o que foi dito e termina com um desfecho vibrante, que impressiona os fiéis e os estimula a seguir os ensinamentos bíblicos.

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Ligado à escola da Ratio Studiorum, em seus textos prevalece o conceptismo e, embora tivesse combatido o obscurantismo do gongorismo, não é possível dizer que tenha por completo se livrado dele em seus textos. Vieira transcende os princípios da Escolástica pela genialidade da linguagem enérgica e vigorosa, disciplinada pelo estilo de Sêneca, o que implica uma antinomia diante da agudeza do engenho e do espírito especulativo que, não raro, o levaram além do permitido.

Habilidoso, Vieira tinha o poder de acomodar em analogias suas ideias e a história aos episódios do Velho Testamento ou do Novo Testamento.

Observe a imagem construída no trecho abaixo, do Sermão de Santo Antônio aos peixes:

Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós. E começando aqui pela nossa costa: no mesmo dia em que cheguei a ela, ouvindo os roncadores e vendo o seu tamanho, tanto me moveram o riso como a ira. É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?! Se, com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado, porque haveis de roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais. Dizei-me: o espadarte porque não ronca? Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem pouca língua. Isto não é regra geral; mas é regra geral que Deus não quer roncadores e que tem particular cuidado de abater e humilhar aos que muito roncam (VIEIRA, s. d.).

Aqui, quando deixa de falar aos homens e passa a falar aos peixes, Vieira vale-se da ironia e do questionamento retórico para recriminar o comportamento dos pregadores, apontando neles a vaidade como causa de suas falhas, isto é, a vaidade dos pregadores os afasta de sua verdadeira doutrina e os fiéis, seguindo esse exemplo, se afastam da fé verdadeira.

Exercícios

A partir da leitura dos trechos abaixo, responda as questões que seguem.

“Gonçalo Álvares – Estes têm alma como nós?

Mateus Nogueira – Isso é claro, pois a alma tem três potências, entendimento, memória, vontade, que todos têm. Eu cuidei que vós éreis mestre já em Israel, e vós não sabeis isso! Bem parece que as teologias, que me dizíeis arriba, eram postiças do P. Brás Lourenço, e não vossas. Quero-vos dar um desengano, meu Irmão Gonçalo Álvares; que tão ruim entendimento tendes vós para entender o que vos queira dizer, como este gentio para entender as coisas de nossa fé.

Gonçalo Álvares – Tendes muita razão, e não é muito, porque eu ando na água aos peixes-bois e trato no mato com brasil. Não é muito ser frio! E vós andais sempre no fogo, razão é que vos aquentais. Mas não deixeis de prosseguir adiante, pois uma das obras de misericórdia é ensinar aos ignorantes.

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Mateus Nogueira – Pois estai atento. Depois que nosso pai Adão pecou, como diz o salmista, não conhecendo a honra que tinha, foi tornado semelhante à besta, de maneira que todos, assim como portugueses, como castelhanos, como tamoios, como aimorés, ficamos semelhantes a bestas por natureza corrupta, e nisto todos somos iguais, nem dispensou a natureza mais com uma geração que com outra, posto que em particular dá melhor entendimento a um que a outro. Façamos logo do ferro todo um, frio e sem virtude, sem se poder volver a nada, porém metido na forja, o fogo o torna que mais parece fogo que ferro; assim todas as almas, sem graça e caridade de Deus, são ferro frio sem proveito, mas quanto mais se aquenta no fogo, tanto mais fazeis dele o que quereis. E bem se vê em um, que está pecado mortal, fora da graça de Deus, que para nada presta das coisas que tocam a Deus, não pode rezar, não pode estar na igreja, a toda a coisa espiritual tem fastio, não tem vontade para fazer coisa boa nenhuma; e se por medo ou por obediência, ou por vergonha a faz, é tão tristemente e tão preguiçosamente, que não vale nada, porque está escrito que ao dador com alegria recebe Deus” (NÓBREGA, 1557).

“A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes são feitas a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados, todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas” (CAMINHA, 1500).

Questão 1. De que maneira os índios são retratados por padre Manuel da Nóbrega? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________

Questão 2. De que maneira os índios são retratados por Caminha? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________

Questão 3. De que maneira podemos perceber a visão medieval na descrição que os autores fazem dos índios?

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Questão 4. As informações que caracterizam os textos dos viajantes nos primeiros tempos de nossa colonização dizem respeito:

A) Ao nível estético alcançado progressivamente pelas obras das primeiras gerações de autores nativos.

B) Às discussões que começam a se desenvolver aqui sobre nossa emancipação política.

C) Aos aspectos da topografia, da fauna e da flora locais, além dos costumes dos silvícolas.

D) Aos progressos dos jesuítas na conversão dos judeus portugueses aqui radicados.

E) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

Leia, a seguir, um trecho do Sermão da quarta-feira de cinzas, e tente responder as questões propostas para que se fixe o conteúdo apreendido sobre o Barroco e a sermonística de padre Antônio Vieira.

“Ora, suposto que já somos pó, e não pode deixar de ser, pois Deus o disse, perguntar-me-eis e com muita razão, em que nos distinguimos logo os vivos dos mortos? Os mortos são pó, nós também somos pó: em que nos distinguimos uns dos outros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos, assim como se distingue o pó do pó. Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído: os vivos são pó que anda, os mortos são pó que jaz: Hic jacet. Estão essas praças no verão cobertas de pó; dá um pé-de-vento, levanta-se o pó no ar, e que faz? O que fazem os vivos, e muitos vivos. Não aquieta o pó, nem pode estar quedo: anda, corre, voa, entra por esta rua, sai por aquela; já vai adiante, já torna atrás; tudo enche, tudo cobre, tudo envolve, tudo perturba, tudo cega, tudo penetra, em tudo e por tudo se mete, sem aquietar, nem sossegar um momento, enquanto o vento dura. Acalmou o vento, cai o pó, e onde o vento parou, ali fica, ou dentro de casa, ou na rua, ou em cima de um telhado, ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na campanha. Não é assim? Assim é. E que pó, e que vento é este? O pó somos nós: Quia pulvis es; o vento é a nossa vida: Quia ventus es vita mea (Jó 7, 7). Deu o vento, levantou-se o pó; parou o vento, caiu. Deu o vento, eis o pó levantado: esses são os vivos. Parou o vento, eis o pó caído: estes são os mortos. Os vivos pós, os mortos pós; os vivos pós levantados, os mortos pós caídos; os vivos pós com vento, e por isso vãos; os mortos pós sem vento, e por isso sem vaidade. Esta é a distinção, e não há outra.

Nem cuide alguém que é isto metáfora ou comparação, senão realidade experimentada e certa. Forma Deus de pó aquela primeira estátua, que depois se chamou corpo de Adão. Assim o diz o texto original: Formavit Deus hominem de pulvere terrae (Gn 2, 7). A figura era humana e muito primorosamente delineada, mas a substância ou a matéria não era mais que pó. [...] Assim andou levantado o pó enquanto durou o vento. O vento durou muito, porque naquele tempo eram mais largas as vidas, mas ao fim parou. E que lhe sucedeu no mesmo ponto a Adão? O que sucede ao pó. Assim como o vento o levantou, e o sustinha, tanto que o vento parou, caiu. Pó levantado, Adão vivo; pó caído, Adão morto: Et mortuus est.

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Este foi o primeiro pó, e o primeiro vivo, e o primeiro condenado à morte, e esta é a diferença que há de vivos a mortos, e de pó a pó. Por isso na Escritura o morrer se chama cair, e o viver levantar-se” (VIEIRA, s. d.).

Questão 5: Que os recursos de linguagem podem ser extraídos do texto que conferem a ele características da escola literária barroca?

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Questão 6: Nesse sermão, Vieira fundamenta-se em um argumento religioso incontestável para pregar. Qual é esse argumento? Explique-o.

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