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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA MARISA CECILIA LOFFREDO Migração e aculturação de atleta de elite do handebol feminino brasileiro: estudo de caso São Paulo 2018

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

MARISA CECILIA LOFFREDO

Migração e aculturação de atleta de elite do handebol feminino brasileiro: estudo de caso

São Paulo 2018

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

MARISA CECILIA LOFFREDO

Migração e aculturação de atleta de elite do handebol feminino brasileiro: estudo de caso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Curso de Mestrado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa Dra Maria Regina Ferreira Brandão

São Paulo 2018

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu

Bibliotecária: Cláudia Silva Salviano Moreira – CRB 8/9237

Loffredo, Marisa Cecilia. L828m Migração atlética internacional e aculturação de atleta de elite do

handebol feminino brasileiro: estudo de caso. / Marisa Cecilia Loffredo. - São Paulo, 2018.

63 f.: il.; 30 cm.

Orientadora: Maria Regina Ferreira Brandão. Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo,

2018.

1. Esportes – Aspectos psicológicos. 2. Migração. 3. Aculturação. 4. Atletas. 5. Handebol. I. Brandão, Maria Regina Ferreira. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física. III. Título

CDD 22 – 796

1. Esportes – Aspectos psicológicos. 2. Migração. 3. Aculturação. 4. Atletas. 5. Handebol. I. Brandão, Maria Regina Ferreira. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física. III. Título

CDD 22 – 796

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Nome: LOFFREDO, Marisa Cecilia

Título: Migração atlética internacional e aculturação de atleta de elite do handebol feminino brasileiro: estudo de caso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Curso de Mestrado em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. _________________________________________________________________

Instituição: _________________________________________________________________

Julgamento: _________________________________________________________________

Prof. Dr. _________________________________________________________________

Instituição: _________________________________________________________________

Julgamento: _________________________________________________________________

Prof. Dr. _________________________________________________________________

Instituição: _________________________________________________________________

Julgamento: _________________________________________________________________

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A minha família, em especial a meus pais, João Loffredo (in memoriam) e Nair Furtado

Loffredo, pelo carinho e pelo apoio, fundamentais para a consolidação de mais esta

etapa em minha vida profissional.

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AGRADECIMENTOS

Encerrando mais uma etapa de meu percurso acadêmico, fico feliz por poder agradecer

àqueles que fizeram parte e contribuíram para este momento único e especial de minha vida.

Primeiramente, a Deus, que me proporcionou saúde e força em todos os momentos.

Agradeço infinitamente a meus pais, João Loffredo (in memoriam) e Nair Furtado Loffredo, por seus esforços, conselhos e pelo encorajamento incondicional. Obrigada por me haverem dado a vida e zelado por meus passos. Amo vocês.

À minha família, pelo apoio de sempre, em especial, a minhas irmãs, Carmen e Marli, meus sobrinhos, Erick, Márcio e Nathashe, pelo companheirismo, pela colaboração, pela parceria e pelo incentivo. Sem vocês, este trabalho e muitas outras coisas na minha vida não teriam sentido algum. Obrigada por vocês existirem. Amo vocês.

À amiga e companheira Margarida Conte, parceira na profissão e na vida, conselheira nos momentos mais difíceis, agradeço palavras de incentivo e carinho. Obrigada por fazer parte deste momento. Amo você.

À amiga desde a graduação, Profa Dra Meico Fugita, que não mediu esforços para colaborar na formatação de todo o trabalho, pelas orientações e inúmeras contribuições, pelas palavras de apoio, incentivo e encorajamento. Eternamente obrigada. Amo você.

Aos colegas do Curso de Pós-Graduação da Universidade São Judas Tadeu, por dividirem comigo momentos de estudo, angústias e alegrias e pela amizade construída no decorrer do curso.

À amiga desde a graduação, professora Cethlys Magdalena B. M. N. de Oliveira, por sua contribuição na redação do abstract. Meu eterno agradecimento.

À Profa Dra Maria Regina Ferreira Brandão, minha orientadora, por toda a dedicação, incentivo, empenho e apoio dispensados, por haver acreditado e tornado possível o meu trabalho. Jamais poderei retribuir sua atenção, amizade e contribuição, mas expresso aqui minha gratidão.

Aos professores do curso de Mestrado, em especial, ao Prof. Dr. Marcelo Callegari Zanetti, acadêmico sério e competente, pelas valiosas contribuições e por todo o conhecimento transmitido.

Aos membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Marcelo Callegari Zanetti e Profa Dra Maria Luiza de Jesus Miranda, pelas contribuições para que este trabalho se produzisse com mais qualidade.

Aos membros da banca de defesa, Profa. Dra. Marilda Gioeilli Torres de Carvalho e Profa. Dra. Maria Luiza de Jesus Miranda, pelas contribuições para uma melhor qualidade deste trabalho.

Aos funcionários da Universidade São Judas Tadeu, em especial, aos administrativos ligados ao curso de pós-graduação, pela atenção e orientação fornecidas em todos os momentos.

À jogadora de handebol que generosamente cedeu seu tempo para participar deste estudo e tornar possível este trabalho.

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Cada sonho que você deixa para trás é um pedaço do seu futuro que deixa de existir.

Steve Jobs

Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito.

Marthin Luther King

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RESUMO

O deslocamento de pessoas e populações ocorrido em fins do século XX e início deste repercutiu também no esporte, num importante movimento de atletas denominado migração atlética, em busca de seu desenvolvimento esportivo e ultrapassando os limites das fronteiras nacionais. Com a globalização do esporte, também migraram inúmeras atletas brasileiras de handebol feminino, e se constatou a influência desse processo no esporte contemporâneo, o que levou à necessidade de estudar a aculturação relativa a esse fenômeno. Este trabalho é um estudo de caso qualitativo cujo objetivo foi analisar a migração atlética e a aculturação num país culturalmente diverso e suas consequências. Foi escolhida uma atleta de elite do handebol feminino brasileiro que atuou em campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos e teve experiências como migrante atlética internacional, que concedeu uma entrevista individual, aberta e com roteiro semiestruturado como técnica de coleta de informações. Na análise da entrevista foram identificados temas centrais do modelo de transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016). Na fase de pretransição, revelou-se, por exemplo, que a atleta não foi preparação para enfrentar a migração atlética internacional. Na fase de adaptação cultural aguda, ficaram evidentes questões relativas ao choque cultural, pautadas em sofrimento e solidão. Por outro lado, a jogadora também mostrou vontade, disposição, entusiasmo e esperança de novas oportunidades. Na fase de adaptação sociocultural, ela claramente se mostrou mais bem ajustada aos novos ambientes e superou algumas das dificuldades experimentadas na fase anterior em relação ao idioma, a preconceito, solidão, saudade e uso da moeda local. Entre os principais pontos que poderiam dificultar o processo de aculturação na migração atlética, foram arroladas questões atinentes a informações sobre o futuro país/clube, o idioma, apoio e discriminação social, distância da família e diferenças culturais, que poder constranger o atleta a situações de isolamento ou dificuldade de estabelecer relações interpessoais.

PALAVRAS-CHAVE: Esporte. Aspectos psicológicos. Aculturação. Atleta. Handebol. Migração.

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ABSTRACT

The migration of people and population that took place at the end of the last century and beginning of this also promoted reverberations on the sport together with an important movement of athletes called athletic migration, that were in search of their improvement in sports, beyond national borders. With the globalization of the sport, this has also occurred with countless Brazilian female handball athletes, along with the confirmation and influence of this process in the contemporary globalized sport, which has promoted the need for studies on this diversity in relation to athletic migration. It is a qualitative case of study whose objective was to analyze the acculturation and athletic migration for a culturally diverse country and its consequences. The choice was made by a top female Brazilian handball athlete who participated in world championships, Olympic Games, and had experiences as an international athletic migrant. An open, individual and semi-structured interview was conducted as a technique for collecting data. By means of the analysis of the interview, central themes were analyzed by both Ryba’s, Stambulova e Ronkainen cultural transition model and collaborators (2016). In the pre-transition phase, the analysis reveals, among other aspects, that there was no preparation for the athlete's international athletic migration. In the phase of the acute cultural adaptation, the issues related to the cultural shock based on suffering and loneliness was evident. On the other hand, the willingness and disposition, enthusiasm and hope of new opportunities were some of the behavior presented by the player. In the socio-cultural adaptation phase, the athlete's better adjustment to new environments and the overcoming of some of the difficulties experienced in the previous phase regarding language, prejudice, loneliness, nostalgia and use of the local currency became evident. Among the main points identified that could at some point complicate the process of acculturation in athletic migration, questions related to future country / club information, language, social support and discrimination, family distance, cultural differences, the athlete going through situations of isolation and difficulties of establishing interpersonal relations.

KEYWORDS: Sport. Psychological Aspects. Athlete. Handball. Acculturation. Migration.

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SUMÁRIO

Capítulo 1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………...

10

1.1 Definição do problema …………………………………………..……............…..….. 10 1.2 Objetivos …………………………………………………………………......………. 15

1.2.1 Objetivo geral ……………………………………………………...............…... 15 1.2.2 Objetivos específicos …………………………………………...............…….... 16

1.3 Justificativa ……………………………………………….......……………………… 16 Capítulo 2 REVISÃO DE LITERATURA ………………………………………….............…..……

17

2.1 Migração atlética …………………………………………………………………..…. 17 2.1.1 Definição do constructo e principais características ..……............................…. 17 2.1.2 Principais estudos ……………………………………………….................…... 18

2.2 Modelo de transição cultural …………………………………………….................… 19 Capítulo 3 METODOLOGIA …………………………………………………...................................

27

3.1 Participante ……………………………………………………………..........……….. 27 3.2 Instrumentos e procedimentos ……………………………………..............…………. 27 3.3 Análise dos dados ……………………………………………………...…................... 28 Capítulo 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO …………………………………......................…...…...

29

4.1 Fase de pretransição …………………………………………….......................…....... 29 4.2 Fase de adaptação cultural aguda ...............................…………...............…………… 31

4.2.1 Adaptação geral ……………………………………………................………... 32 4.2.2 Adaptação ao clube ………………………………………….................………. 41 4.2.3 Adaptação à interação …………………………………………….................…. 47

4.3 Fase de adaptação sociocultural .................................................................................... 49 Capítulo 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………..........................

51

REFERÊNCIAS ……………………………………………………….……………...….. 55 APÊNDICE 1 ……………………………………………………………………….......... 58 APÊNDICE 2 ……………………………………………………………………...…....... 62

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

1.1 Definição do problema

Constata-se de fato um mundo esportivo integrado. Em especial, com o advento da

globalização, cresceu muito no mundo inteiro a mobilidade de atletas de uma região a outra

de um país e mesmo de um país a outro, fenômeno denominado migração atlética. Schinke e

McGannon (2014) estabelecem como pressuposto desse fenômeno a tentativa de melhorar as

próprias condições de vida e/ou buscar oportunidades dentro do esporte. Assim, esse

movimento pode ser considerado um processo dinâmico que envolve a adaptação de um atleta

às condições de outro país, estado ou lugar com o intuito de treinar ou competir.

A migração atlética tem inúmeras implicações na vida do atleta migrante e demanda

atenção especial, para que ele não sofra prejuízos pessoais ou em seu rendimento por estar em

processo de aculturação.

O conceito de ajustamento cultural, entendido como o processo de contato, apreensão,

adaptação e interiorização da nova cultura, é um quadro complexo que envolve um novo

lugar, uma nova língua, novos costumes, novas relações sociais, enfim, uma nova vida

(BLACK e colaboradores, 1991).

Esse ajustamento é definido como a adaptação de uma pessoa quando migra, seja entre

países, estados e/ou cidades (RYBA e colaboradores, 2018). No mundo contemporâneo, a

migração atlética é um fenômeno relevante, comum em muitos países e clubes. É um fator

muito importante para o crescimento do esporte, especialmente do handebol, propiciando

grandes oportunidades para a ascensão de atletas.

Analisando a migração atlética, percebemos que há muita experiência sobre esse

fenômeno, mas pouco registro. Faço aqui um relato de minha própria experiência, dando um

breve panorama de minha história para dar a entender minha trajetória e a razão de meu

interesse e de minhas inquietações sobre o tema. Sou profissional de educação física e atuei

no esporte de alto rendimento de 1980 a 2008, como treinadora de equipes de competição na

modalidade de handebol em diversas categorias, masculino e feminino. Também fui assistente

técnica da seleção brasileira nas categorias juvenil, júnior e adulto feminino de 1994 a 2000 e

de 2005 a 2008. Desde então, coordeno a modalidade de handebol feminino na Secretaria de

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Esportes da cidade de Guarulhos, em São Paulo, e atuo no esporte de alto rendimento. Pude

acompanhar na prática o handebol como um esporte que cresceu no mundo inteiro,

especialmente no Brasil, assim como a busca por atletas de alto rendimento.

No handebol feminino brasileiro, essa migração se verificou primeiramente dentro das

fronteiras nacionais, em busca de seu polo de desenvolvimento no país, sobretudo nas

categorias cadete, juvenil, júnior e adulto. Depois da participação da seleção brasileira no

campeonato mundial da categoria adulto na Noruega e na Dinamarca em 1999, surgiu a

primeira oportunidade de migração atlética internacional. Meu aprendizado inicial foi

recepcionar atletas que migravam de diferentes cidades, estados e regiões do Brasil em busca

do polo de desenvolvimento de sua respectiva modalidade (regiões Sul e Sudeste) e, a partir

dos Jogos Olímpicos de Sidney, na Austrália, em 2000, cresceram muito a busca e a inserção

de atletas nesse processo. A partir daí, abriram-se propostas e perspectivas internacionais.

Foram surgindo oportunidades para atletas brasileiras atuarem na Europa, centro do

desenvolvimento do handebol mundial, masculino e feminino, em países como Espanha,

Áustria, Dinamarca, França, Alemanha, Portugal, Hungria e Macedônia, entre outros. Isso

lhes valeu melhoria técnica, vantagens financeiras, popularidade e prestígio, até a fama

decorrente da conquista do primeiro título mundial de seleções na Sérvia, em 2013.

O handebol pode ser considerado um dos esportes mais antigos do mundo,

considerando-se sua característica de jogar bola com as mãos. Na forma do jogo como hoje é

praticado, a Alemanha pode ser considerada a precursora. A cada dois anos, se realizam seus

campeonatos mundiais e, desde 1972 no masculino e 1976 no feminino, a cada quatro anos,

sua participação nos Jogos Olímpicos. No Brasil, até a década de 1960, o handebol se

restringia a São Paulo, mas, depois de sua inclusão nos Jogos Escolares, em 1971, passou a

ser praticado em todo o país. A Confederação Brasileira de Handebol, criada em 1979, com

sede no estado de São Paulo, passou pelo estado de Alagoas e, já há mais de 30 anos, tem sua

sede em, Aracaju, capital de Sergipe. A primeira participação do handebol em Jogos

Olímpicos foi com o naipe masculino, em Barcelona, Espanha, em 1992. A seleção feminina

foi classificada para os Jogos Olímpicos de Sidney, Austrália, em 2000, após ter sido medalha

de ouro nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg, Canadá, em 1999. A Europa é o polo

mundial de desenvolvimento da modalidade.

Por ter tido uma relação profissional próxima com essas atletas, agora migrantes

internacionais, acompanhei suas dificuldades e seus insucessos nesse processo de migração

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para outros países. Observei a ocorrência frequente de lesões, queda no rendimento, sintomas

de depressão (a ponto fazer uso de bebidas alcoólicas), comportamentos agressivos,

isolamento, perda de motivação e de interesse pela prática esportiva, entre outros. Ao mesmo

tempo, acompanhava pela mídia notícias sobre atletas sobretudo de futebol, com contratos e

transações muitas vezes milionárias, que não conseguiam atingir o nível de desempenho

esportivo esperado, como aconteceu com atletas das categorias sub 17, sub 20 e

principalmente adulto, que tinham carreira profissional promissora, mas retornaram

precocemente. Essas observações me levaram a cogitar se poderia relacioná-las com

ocorrências análogas vividas pelas atletas do handebol feminino brasileiro na categoria adulto

e a me perguntar o que procuravam as atletas de handebol feminino quando migraram para

outro estado ou país, quais seriam seus objetivos e expectativas, se teria havido uma

preparação para esse processo, como teria transcorrido sua adaptação à nova cultura, se teria

havido dificuldades na adaptação, como esse processo teria impactado seu rendimento

esportivo e se teria havido boa receptividade na sua chegada ao novo clube.

Na literatura da psicologia do esporte brasileira, encontramos poucos estudos sobre a

migração de atletas, todos sobre atletas do sexo masculino e principalmente sobre futebol

(BRANDÃO e colaboradores, 2013; BRANDÃO; VIEIRA, 2013; FAGGIANI e

colaboradores, 2016). Assim, verifica-se uma carência de conhecimento sobre o processo de

migração atlética em outras modalidades esportivas e de atletas do sexo feminino. As raízes

da pesquisa científica da migração atlética provêm de estudos sobre expatriados. A produção

científica da expatriação é mais ampla e abrangente no meio corporativo, constituindo um

espaço de estudo para a compreensão da migração atlética, expressão canônica no contexto

esportivo e de suas especificidades.

O termo expatriação é mais ligado à mobilidade geográfica por razões profissionais.

De acordo com Caligiuri e Di Santo (2001), a expatriação é o processo de transferência de um

profissional de um país a outro para exercer determinada função durante um período

predefinido e mediante um processo formal legal. Hoje, o tema da expatriação insere-se num

contexto que procura compreender os efeitos da globalização e da economia informacional

referentes à mobilidade social de profissionais e a sua adaptação a culturas diferentes

(NUNES;VASCONCELOS; JAUSSAUD, 2008).

Os expatriados representam um novo desenho organizacional, comum em várias

modalidades de trabalho, cujo contato intercultural revela a necessidade de ajustamento a

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novos costumes, hábitos, crenças e valores, em ambientes culturalmente diversos. Mas, ao

mesmo tempo em que remete à necessidade de ajustamento, essa condição gera situações em

que as diferenças podem ensejar uma série de sentimentos – bons ou ruins – que desenham o

processo de expatriação vivido pelo sujeito. Expatriado é o funcionário que uma empresa

multinacional envia para trabalhar e viver num país estrangeiro por determinado período

(LEE; LIU, 2006).

Um atleta migrante pode ser definido como um indivíduo que vive temporariamente

num país estrangeiro para jogar. Como viver no exterior oferece ao expatriado um novo

ambiente cultural, um estilo de vida diferente e um conjunto de experiências, ele

inevitavelmente enfrentará desafios, o que implica ajustar seu estilo de vida para sobreviver

jogando num país estrangeiro.

Há evidências de que as capacidades psicológicas dos atletas são afetadas por

inúmeras variáveis, sobretudo a cultural. Daí que seja importante investigá-la, inclusive por

seu impacto no desempenho esportivo (BRANDÃO e colaboradores, 2013). Ainda segundo

os autores, a migração atlética, seja ela nacional ou internacional, implica fatores de risco para

o desenvolvimento pessoal do atleta e seu rendimento, tais como: isolamento, problemas com

o idioma, alimentação, locomoção, moradia, desconhecimento de normas e regras

socioculturais, preconceito intercultural e/ou racial e dificuldade de adaptação dos familiares,

além de questões relativas ao desempenho esportivo (LEE; KARTIKA, 2014), ao novo

treinador e à nova equipe de trabalho.

No processo de migração atlética, o contato do atleta com uma nova cultura pode

interpor dificuldades na sua adaptação devido a experiências relativas à diversidade cultural

do novo ambiente, gerando comportamentos e sentimentos que podem ter consequências

prejudiciais a própria sua vida (BRANDÃO e colaboradores, 2013).

A bibliografia sobre ajustamento cultural é rica. A partir dos estudos sobre migração

atlética e expatriação de Black e Mendenhall (1991), Brandão e colaboradores (2013),

Brandão e Vieira (2013), Schinke e colaboradores (2013), Faggiani e colaboradores (2016),

Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016) e Ryba e colaboradores (2018), foi possível constatar

que o processo de transição para uma nova cultura exige acompanhamento e orientação.

Em seu estudo sobre as consequências psicológicas da exposição a ambientes

desconhecidos Ward, Furnahm e Bochner (2005) discorrem sobre as circunstâncias que

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implicam choque cultural, relacionando-as com experiências anteriores com outras culturas,

com o grau de diferença entre a cultura de acolhimento e a de origem, com o grau de

preparação para esse processo, com as redes de apoio social e com as características

psicológicas individuais do sujeito envolvido no processo. Nesse aspecto, Schinke e

colaboradores (2013) e Tibbert, Andersen e Morris (2015) reforçam a ocorrência de conflitos

na vida do atleta em função da brusca mudança de realidade. Além disso, a frustração com a

adaptação ao novo ambiente leva o atleta a se afastar do ambiente esportivo e aproximar-se do

ambiente, da cultura e dos valores originais (TIBBERT; ANDERSEN; MORRIS, 2015).

Ryba e colaboradores (2018) propõem que essa dificuldade na adaptação é parte de

um processo maior que denominam transição cultural. As fases desse modelo de transição

são a pretransição, a adaptação cultural aguda e a adaptação sociocultural. Na segunda fase, a

adaptação cultural aguda, as questões comportamentais e sócio-adaptativas são mais

relevantes, pois podem influenciar o rendimento esportivo, as relações sociais e o

desenvolvimento individual do atleta.

Entre os fatores principais que desencadeiam o processo migratório, podem ser citados

os econômicos, políticos e culturais, bem como os diversos elementos dessa cultura – valores,

normas, crenças e padrões comportamentais –, que podem ser consideravelmente diferentes e

interferir no modo e na qualidade do relacionamento do atleta com seus companheiros de

equipe e membros da comissão técnica, eventualmente levando a conflitos e interferindo no

seu rendimento (BRANDÃO e colaboradores, 2013).

Para Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016), existem implicações do processo de

transição cultural no atleta e em seu desempenho esportivo. Esse processo de transição se

traduz num conjunto de práticas e relacionamentos cotidianos que se desenvolvem com o

tempo e na atenção dedicada à adaptação ao novo meio.

Schinke e McGannon (2014) concebem esse processo de transição cultural não como

sendo responsabilidade exclusiva do atleta, mas também compartilhada com o técnico,

procurando modos de enfrentar as dificuldades encontradas. Os autores se referem à

aculturação como um processo fluido, em que os atletas transitam entre as normas culturais da

comunidade doméstica e da comunidade anfitriã, ou seja, como um processo bidirecional,

compartilhado. Em seus estudos de experiências de aculturação de atletas e treinadores

migrantes no Canadá, Schinke e colaboradores (2013) discutem dois conceitos importantes. O

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primeiro diz respeito ao fato de os migrantes viverem uma experiência de compartilhamento

de dois mundos distintos, o de origem e o de acolhimento, e de construírem um sistema

privado para administrar psicologicamente esse conflito. O segundo tange à importância dos

diversos ambientes de socialização na construção da aculturação, podendo esse processo ser

individual ou compartilhado.

Estudos de Andreason (2003), Schinke e colaboradores (2013), Tibbert, Andersen e

Morris (2015) e Ryba e colaboradores (2018), entre outros, mostram a necessidade do auxílio

profissional na apreensão do novo espaço, do novo idioma e do novo cotidiano, que pode ser

intencional ou não e dirigido ou não pela instituição contratante do atleta já no país anfitrião.

Entretanto, o modelo de transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016)

propõe um sistema de três fases: a pretransição, a adaptação cultural aguda e a adaptação

sociocultural. A fase de pretransição transcorre ainda no lugar e na cultura de origem do atleta

migrante, e as demais, no novo lugar e na nova cultura do país hospedeiro. Para cada uma das

fases, preveem-se tarefas específicas necessárias a uma transição cultural perfeita. A mudança

cultural ocorre entre as primeiras fases. Os mecanismos psicológicos subjacentes a cada uma

das fases constituem o reposicionamento social, as negociações das práticas culturais e a

reconstrução de significados.

Mais recentemente, em busca de um referencial teórico sobre o tema, desenvolveram-

se estudos baseados no modelo de transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainem

(2016), superando a teoria do ajustamento intercultural de Black e Mendenhall (1991) adotada

até então.

De acordo com esses argumentos, adotou-se aqui o modelo de transição cultural de

Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016), para a consecução dos objetivos que se seguem.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Compreender como uma atleta de elite do handebol feminino brasileiro vivenciou o

processo de migração atlética internacional e analisá-lo à luz do modelo de transição cultural

de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016).

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1.2.2 Objetivos específicos

Analisar o processo de pretransição vivenciado pela atleta.

Analisar o processo de adaptação cultural aguda vivenciado pela atleta.

Analisar o processo de adaptação sociocultural vivenciado pela atleta.

1.3 Justificativa

A necessidade de pesquisar o tema deriva da compreensão de que o processo de

migração atlética e aculturação num mundo esportivo globalizado tem um importante papel

na carreira esportiva dos atletas que enfrentam um novo contexto social, esportivo, cultural e

pessoal.

Este estudo pretende ampliar o conhecimento sobre a migração atlética,

especificamente no handebol feminino brasileiro, assim como identificar e analisar as

constatações verificadas no caso particular dessa atleta e de sua experiência de migração

atlética internacional.

Este estudo é introdutório em sua especificidade – o handebol feminino brasileiro – e

ambiciona enriquecer a produção científica em temas correlatos, suprindo a escassa literatura

existente sobre a compreensão desse fenômeno e suas implicações na vida dos atletas.

Os resultados encontrados neste estudo podem subsidiar a compreensão do fenômeno

em atletas migrantes em suas diversas dimensões e o desenvolvimento de um programa de

preparação para atletas que pretendem jogar em outros lugares, dentro ou fora do Brasil, por

meio de estratégias que contemplem desde sua partida, aculturação e ajustamento em outro

contexto até sua eventual repatriação.

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CAPÍTULO 2

REVISÃO DE LITERATURA

Para melhor entender o processo de migração em toda a sua complexidade, esta

revisão de literatura obedece a três etapas. A primeira versa sobre premissas gerais da

migração atlética, definição do constructo e suas principais características. A segunda focaliza

a migração atlética e os principais estudos a respeito, e a terceira descreve o modelo de

transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016), fundamento teórico deste

trabalho.

2.1 Migração atlética

2.1.1 Definição do constructo e principais características

Com o advento da globalização e a facilitação da mobilidade das pessoas, é cada vez

mais comum que atletas de diversas modalidades mudam de cidade ou país. Schinke e

colaboradores (2013) estabelecem como pressuposto dessa migração atlética o propósito de

melhorar suas condições de vida e/ou encontrar melhores oportunidades no esporte.

A mobilidade de um atleta dentro de um mesmo país ou de um país a outro com o

intuito de jogar recebe o nome de migração atlética. Para Ryba e colaboradores (2018), essa

mudança em função da prática esportiva tem duas expressões: a mobilidade, que designa

movimentos de curto prazo ou intermitentes, e a migração, que designa mudanças de longo

prazo, seja fora ou dentro do próprio país.

Ryba e colaboradores (2018) definem a migração atlética como um processo dinâmico

que envolva a adaptação de um atleta a um novo país ou a uma nova cidade com o intuito de

treinar ou competir. O processo de migração atlética tem um conjunto de implicações para o

atleta migrante que demanda uma atenção especial para que não ele não sofra prejuízos

pessoais ou piore seu rendimento, pois estará num processo de aculturação, também chamado

ajustamento intercultural. O ajustamento intercultural é a adaptação de uma pessoa quando

ela muda de país, estado e mesmo cidade (RYBA e colaboradores, 2018).

A migração inter-regional ou internacional é permeada por fatores de risco para o

desenvolvimento pessoal e para o rendimento do atleta, tais como: isolamento, problemas

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com o idioma, alimentação, locomoção, moradia, desconhecimento das normas e regras

socioculturais, preconceito intercultural/racial e dificuldade de adaptação dos familiares, além

de questões relativas a seu desempenho esportivo, ao novo treinador e à nova equipe de

trabalho (BRANDÃO e colaboradores, 2013).

No mundo corporativo, a internacionalização, movimentação e mobilidade de pessoal

em curto prazo é conhecida como expatriação. A produção científica sobre expatriação é mais

ampla e abrangente, constituindo um espaço de estudo para a compreensão da migração

atlética, expressão utilizada no contexto esportivo e suas especificidades (BLACK;

MENDENHALL, 1991). A partir dos estudos de Brandão e colaboradores (2013), Brandão e

Vieira (2013), e Schinke e colaboradores (2013), Faggiani e colaboradores (2016), Ryba e

colaboradores (2018), entre outros, sobre migração atlética e expatriação, foi possível

constatar que a transição para uma nova cultura é um processo que exige acompanhamento e

orientação. Observou-se também que não existe um termo único para definir esse processo de

transição no ambiente esportivo. Os mais frequentes são transição migratória, migração e

aculturação (FAGGIANI e colaboradores, 2016).

O interesse dos pesquisadores recaiu em compreender como ocorre e como os atletas

percebem esse processo de transição e adaptação a uma nova cultura. Os desfechos mais

frequentes nos estudos analisados foram dificuldades de adaptação relativas ao idioma –

principalmente quando os treinadores falam muito depressa ou quando é necessária a

mediação de intérpretes –, distância da família e diferenças culturais (FAGGIANI e

colaboradores, 2016).

2.1.2 Principais estudos

Os critérios com que se elegeram os principais estudos provêm de trabalhos sobre

expatriados e também da International Society of Sport Psychology (ISSP), em atendimento

aos principais postulados sobre o tema, que adotam a nomenclatura atleta migrante, migração

atlética e migração internacional.

A pesquisa científica sobre migração atlética deixa raízes em estudos sobre

expatriados, entendidos como trabalhadores que abandonam seu meio social de origem para

procurar trabalho, estudo ou alguma outra forma de asilo em outra região ou país. Muito se

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tem aprendido sobre a expatriação nos estudos da área corporativa, sem direcionamento para

as especificidades do esporte e ou de seus sujeitos, mas também muito se vem produzindo

numa abordagem especialmente voltada para esse fenômeno no esporte (BLACK;

MENDENHALL, 1991).

A principal contribuição dos estudos sobre expatriação para a estruturação do estudo

sobre migração atlética é o conceito de ajustamento cultural, entendido como o processo de

contato, apreensão, adaptação e interiorização da nova cultura, que é um complexo quadro

que envolve um novo espaço, uma nova língua, novos costumes, novas relações sociais,

enfim, uma nova vida (BLACK; MENDENHALL, 1991).

Transpondo essa percepção sobre a migração profissional para o contexto da migração

atlética, podemos estabelecer um paralelo: assim como o profissional corporativo, o atleta

passa um período aprendendo a nova cultura e suas particularidades, o que lhe demanda

investimentos que o ajudarão a manter sua produtividade individual e profissional.

Em sua teoria do ajustamento intercultural, além da percepção básica de que o grau de

conforto psicológico cresce com o tempo de estadia no novo país, Black e Mendenhall (1991)

propõe que se observe o impacto imediato da nova cultura no migrante. Afirma ainda que o

êxito da expatriação de um indivíduo tem relação direta com seu ajustamento à cultura do

novo país.

2.2 Modelo de transição cultural

Esse modelo, escolhido para sustentar a análise feita aqui, se destaca por sua utilidade

e atualidade frente aos demais estudos sobre expatriação e migração. Além disso, discute o

contexto da migração atlética e pretende responder a um dos desafios da Sociedade

Internacional de Psicologia do Esporte para pesquisadores e profissionais: promover linhas de

pesquisa de migração atlética e analisar contextos esportivos para identificar necessidades

agudas e transformá-las em novas linhas de pesquisa (RYBA; STAMBULOVA;

RONKAINEN, 2016).

O modelo temporal de transição cultural proposto é utilizado para analisar o trabalho

psicológico de transição cultural e as três fases do processo de transição: pretransição,

adaptação cultural aguda e adaptação sociocultural. A primeira fase transcorre no país de

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origem; as duas últimas, no país hospedeiro, quando o atleta já migrou. Para cada fase de

transição, o modelo apresenta tarefas de desenvolvimento para a trajetória de aculturação

(RYBA e colaboradores, 2018). Ao longo das fases temporais de transição, subjazem três

mecanismos psicológicos “de nível superior”: reposicionamento social, negociação de

práticas culturais e reconstrução de significados trabalham juntos para facilitar a transição

(RONKAINEN e colaboradores, 2017).

Ryba e colaboradores (2018) falam nos mecanismos psicológicos superiores, da teoria

sociocultural de Lev Vygotsky, articulando sentido e significado. O significado é cultural, faz

parte do contexto, é uma construção e está inserido na sua cultura; já o sentido é introduzido

por nós.

É essencial que essa teorização compreenda o meio do desenvolvimento humano

como um conjunto de recursos simbólicos acumulados e transmitidos através das gerações, o

que transmite seus significados normativos às práticas sociais e às instituições socioculturais.

Figura 1 – Modelo de transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016) – tradução do autor

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Na explicitação do modelo, os autores usam o termo temporal, concebendo a migração

e a aculturação como um processo crescente no tempo e que varia caso a caso: “embora os

processos psicológicos dependam do tempo, o tempo subjetivo não é linear e está interligado

com os padrões de migração” (RYBA e colaboradores, 2018). Em outras palavras, embora a

fase de pretransição tenha um término fixo, quando o atleta chega fisicamente ao novo lugar,

a fronteira entre as duas fases de aculturação que se seguem é menos linear e mais fluida. As

fases temporais descritas no modelo de transição cultural não significam uma mera

progressão, mas descrevem fases de transição no processo de migração. Cada fase da

transição cultural implica seus próprios problemas, que são sempre únicos, apresentando ao

migrante diferentes desafios à medida que procura ou eventualmente resiste a se integrar a seu

novo destino (RONKAINEN e colaboradores, 2017).

A primeira fase do modelo de transição cultural proposto por Ryba, Stambulova e

Ronkainen (2016), a denominada pretransição, designa a preparação para a migração atlética

internacional, vivida ainda no país de origem, depois de feitos os contatos e acordos que

estruturarão o trânsito, a habitação e os planos de treinamento e exercício esportivo. Nessa

fase, devem-se cumprir tarefas e instruções relativas ao novo lugar e ao novo contexto

geográfico e sociocultural.

A fase de pretransição se caracteriza pela consideração e pelo planejamento do trânsito

transnacional futuro, quando os atletas podem começar a se desvencilhar psicologicamente do

ambiente doméstico e reunir informações sobre sua futura equipe, os treinadores, a cultura dos

clubes e o conjunto sociocultural específico do ambiente de destino (RONKAINEN e

colaboradores, 2017).

Essa fase é indispensável como preparação física e mental para os desafios implícitos

numa transição cultural, que muitas vezes significa procurar oportunidades, bem como

decodificar e reconstruir roteiros de vida estabelecidos e narrativas de carreira. Além de

promover mobilidade transnacional, a tarefa crucial na fase de pretransição é ativar a

mobilidade psicossocial necessária para navegar em sistemas de significados e negociação de

práticas culturais diferentes (RYBA e colaboradores, 2018).

Paralelamente, a migração atlética produz uma ruptura na vida no país de origem e

com a família, levando o indivíduo a outra experiência social, o que pode ocasionar traumas e

sofrimento tanto para o próprio migrante quanto para sua família. A estruturação de uma fase

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de pretransição responsável envolve cuidados nesse sentido e demanda investimentos na

própria família.

Uma vez que a mobilidade geográfica exerce uma pressão no contexto familiar e

potencialmente pode provocar perturbações e conflitos familiares, a fase de pretransição deve

dar ao atleta e a sua família tempo para negociar os ajustes necessários ao equilíbrio entre o

trabalho e eles (RYBA e colaboradores, 2018). Essas atividades durante a pretransição ativam

a mobilidade psicológica que enseja uma preparação mental para as futuras adaptações. Para

atletas com parceiros e família, essa fase inclui o equilíbrio na negociação entre o trabalho e a

família, especialmente quando essa mudança pode causar perturbações ou conflitos na vida

familiar (RONKAINEN e colaboradores, 2017).

Uma vez organizados o trânsito, a infraestrutura hospedeira, a mobilização

instrucional quanto à nova sociedade e a conscientização da família, ocorre a migração

propriamente dita para o novo país. No novo contexto, tem início a fase de adaptação aguda,

quando o atletas precisa aprender a entender e se adequar a uma nova cultura local e a um

novo contexto social (RONKAINEN e colaboradores, 2017). Nesse momento, há um choque

cultural, resultado da relação entre um antigo sistema simbólico, herdado da outra cultura, e

um novo sistema, derivado da nova sociedade, agora hospedeira.

A adaptação não é só social ou material, mas sobretudo comportamental e psicológica.

Em muitos casos, esse momento é crítico, pois é aí que se constrói uma nova rede de

relacionamentos e hábitos que influirão no contexto total da migração: vida íntima,

desempenho esportivo, ação social dentro e fora do contexto esportivo, entre outros. Esse

momento da migração é muitas vezes pautado por sofrimento, solidão, inadequação social e

psicológica e outros conflitos de diferentes naturezas.

Para Ryba e colaboradores (2018), a riqueza cultural do conhecimento relativa a essa

fase é vivida e sentida na tentativa de se enquadrar nos padrões culturais da vida grupal,

enquanto a estrutura simbólica do domínio do significado é vista como solidão entre pessoas e

experiências alienantes. Segundo Ryba e colaboradores (2018), vivendo a trajetória de

significado inserida num determinado contexto sociocultural, a maioria dos atletas teve que

aprender maneiras de percorrer, negociar e desenvolver seus próprios entendimentos dentro

dos padrões culturais do novo lugar. A reconstrução altamente dinâmica do significado e o

reposicionamento social operam atrelados à negociação das práticas diárias dentro e fora do

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contexto esportivo. Ainda assim, questões relativas ao desempenho esportivo aparecem como

prioridade na relação do atleta com o novo espaço.

Como expressão dessa prioridade, uma das tarefas fundamentais dessa fase é se

introduzir com maestria na realidade do novo clube e em seu cotidiano, encetando contato

com os demais atletas e outros membros da nova equipe. Começa aí a construção de uma

nova identidade e de um novo senso de pertencimento a um novo lugar e a uma nova cultura.

Paralelamente, se verifica a necessidade de aderir a um novo grupo de treinamento esportivo,

com suas peculiaridades, ritmos e táticas (RYBA e colaboradores, 2018). Em síntese, as redes

sociais esportivas dividem a transição cultural dos atletas transnacionais para uma nova

sociedade, dando apoio logístico (informações) e atuando como guia cultural, enquanto clubes

e equipes esportivas d ão apoio formal e ajuda contratada em troca de resultados imediatos

(RYBA e colaboradores, 2018).

A análise dessa fase também revela a possibilidade de ganhos à personalidade do

atleta, que é visto também como um ser humano passível de sociabilidade e felicidade. Para

resumir, as experiências de migração envolvem, de um lado, sentimentos intensos de perda e

solidão, mas, de outro, também excitação e esperança de novas oportunidades (RYBA e

colaboradores, 2018). De modo geral, embora essa fase possa envolver lutas e negociação de

rotinas diárias para o atleta se adaptar a um novo contexto social, muitas vezes implicam

entusiasmo pelas oportunidades nascentes (RONKAINEN e colaboradores, 2017).

Enquanto a fase de pretransição anuncia um tempo de preparação para a migração e a

fase de adaptação aguda representa o primeiro contato do atleta migrante com o novo país, a

nova sociedade hospedeira e todos os conflitos inerentes a esse novo contexto, a fase de

adaptação sociocultural apresenta uma realidade bem-estruturada quanto à relação do atleta

migrante e sua nova vida num ambiente antes não familiar e agora reconhecido como parte de

seu universo cognitivo (RYBA e colaboradores, 2018).

Segundo Ronkainen e colaboradores (2017), essa última fase da transição cultural

designa a adaptação de longo prazo e significa que o atleta está mais bem ajustado a seus

novos ambientes, tendo superado, pelo menos, algumas das dificuldades experimentadas

durante a adaptação aguda. Os autores afirmam que a fase de adaptação sociocultural se refere

ao ajuste psicológico para uma mudança de longo prazo, quando o atleta permanece num

novo país por um longo período de tempo ou pode pretender se estabelecer ali. No entanto, a

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decisão de assentamento de longo prazo não é influenciada apenas pelas preferências do

atleta, mas também por sua condição financeira, seus contratos, vistos e outras questões que

podem conter sua mobilidade, bem como ajustes bem-sucedidos ao ambiente esportivo e à

sociedade em geral.

O sentimento de pertença ao novo lugar, à nova cultura e ao novo clube se reflete

muitas vezes num melhor desempenho esportivo. Segundo Ryba e colaboradores (2018), os

atletas que já experimentaram a fase de transição aguda e adentraram a de adaptação

sociocultural sentem congruência, semelhança de seus próprios valores e estilo de vida com as

normas culturais locais. Os atletas considerados psicologicamente ajustados à nova cultura

revelam níveis mais altos de satisfação com os aspectos da vida cotidiana não relacionados ao

esporte e também um melhor desempenho esportivo.

A principal tarefa do atleta migrante bem ajustado e já enquadrado na fase de

adaptação sociocultural é manter o equilíbrio adquirido com a sociedade. Esse equilíbrio

adquirido advém de processos psicológicos de adaptação resultantes da experiência que

articula práticas sociais nessa nova sociedade que evidenciam o vínculo constitutivo, na

composição entre as tarefas de desenvolvimento da transição cultural e a adaptabilidade

profissional (RYBA e colaboradores, 2018).

Apesar da representação de três fases, o modelo de transição cultural não prevê uma

evolução clara ou uma progressão linear na adaptação psicológica. Por exemplo, alguns

atletas deslocados podem ter uma rápida progressão da adaptação cultural aguda à adaptação

sociocultural, mas também podem enfrentar retrocessos e retornar à adaptação aguda ou

passar à pretransição se já anteciparem uma próxima migração (RONKAINEN e

colaboradores, 2017).

Por último, o modelo de transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016)

sugere ainda três mecanismos psicológicos subjacentes por meio dos quais se promulga a

transição cultural. Esses processos básicos são respostas adaptativas que podem estar ocultas

numa série de comportamentos e discursos culturalmente padronizados que, por sua vez,

podem ou não levar a uma boa resolução de tarefa num contexto cultural particular. Parece

importante reiterar a identificação dos mecanismos psicológicos subjacentes, que não se

manifestam claramente como adaptativos porque são mobilizados para regular o modo de

estar em transição cultural. Os autores ainda afirmam que identificaram três processos

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performativos comuns: reposicionamento em redes sociais, negociação de práticas diárias e

reconstrução de significados.

Servindo às funções adaptativas, esses processos foram acionados em torno das

principais tarefas de desenvolvimento em cada fase da transição e parecem ser os mecanismos

subjacentes através dos quais se promulga a transição cultural.

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CAPÍTULO 3

MÉTODO

O método adotado foi um estudo de caso exploratório com abordagem de investigação

qualitativa (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2009), e, de acordo com Schinke e

colaboradores (2013), se devem continuar aplicando metodologias qualitativas para

compreender a complexidade desse processo a partir um número considerável de variáveis.

3.1 Participante

Os critérios de inclusão para participar deste estudo eram ser atleta de handebol

feminino, ter nacionalidade brasileira, ser maior de 18 anos, ter participado em campeonatos

mundiais, Jogos Pan-americanos e/ou Jogos Olímpicos e ter vivido ao menos um processo de

migração atlética internacional.

Ainda como critério de inclusão, estabeleceu-se a possibilidade de a atleta ser

entrevistada pessoalmente pela pesquisadora, fosse no Brasil ou no exterior. Assim, a

participante deste estudo foi selecionada com base nesses critérios, em seu histórico e

currículo na modalidade e, principalmente, por ter sido a precursora da migração atlética do

handebol feminino no Brasil.

Hoje com 39 anos de idade, de cor branca, essa atleta viveu sua primeira migração

atlética nacional aos 16, percorrendo vários clubes pelo Brasil nos estados de Santa Catarina,

São Paulo e Rio Grande do Sul. Aos 21 anos, após sua participação pela seleção brasileira no

World Championship na Noruega, recebeu convite para sua primeira migração esportiva

internacional, no caso, para a Espanha. Depois disso, atuou também na Dinamarca, na

Alemanha, voltou à Dinamarca jogando em diversos clubes em cidades diferentes, ganhou

muitos títulos pelos clubes por onde passou e pela seleção brasileira, além de inúmeros

prêmios individuais.

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3.2 Instrumentos e procedimentos

A pesquisadora entrou em contato com a atleta e lhe explicou minuciosamente o

objetivo do estudo e em que consistiria sua participação. Essa participação foi voluntária e

consentida pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 2). A

atleta não recebeu contrapartida financeira ou de qualquer outro tipo para participar do estudo

e lhe foi assegurado que os dados serviriam apenas para fins de publicação. Os riscos

mínimos deste estudo se limitavam ao teor das perguntas, que poderiam gerar algum tipo de

constrangimento, caso no qual a atleta poderia interromper sua participação na pesquisa e

retomar se e quando quisesse.

Se fosse necessário um atendimento psicológico, a atleta seria orientada a procurar a

clínica-escola da Universidade São Judas Tadeu, se estivesse morando no Brasil. Os

benefícios de participar do estudo são relativos ao conhecimento das possíveis implicações

psicológicas do processo de migração atlética, bem como de que existem programas de

treinamento intercultural elaborados por profissionais capacitados na área de Psicologia do

Esporte para ajudar atletas a lidarem com esse processo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê

de Ética e Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, Brasil, sob protocolo

número 528.283.

A entrevista foi marcada no Brasil, na residência da atleta, na cidade de Florianópolis,

Santa Catarina. Ela concedeu uma entrevista individual, aberta, semiestruturada, gravada em

local privado, como técnica de coleta de informações composta por um roteiro de perguntas

(Apêndice 1) com questões atinentes às fases do modelo de transição cultural de Ryba,

Stambulova e Ronkainen (2016): pretransição, adaptação cultural aguda e adaptação

sociocultural. Procurou-se privilegiar a percepção da atleta sobre seu primeiro processo de

migração atlética internacional, os fatores que favoreceram ou prejudicaram seu ajustamento

intercultural, a influência desse fenômeno em seu desempenho esportivo e sua relevância.

Na primeira fase de pretransição, as questões perquiriram sua preparação para a

migração atlética internacional, transcorrida ainda no país de origem. Além disso, envolveram

o país, o clube, a equipe, os motivos que levaram a atleta a aceitar o convite e decidir que iria

e suas expectativas.

As questões relativas à segunda fase do modelo, a adaptação cultural aguda e a

adaptação sociocultural, foram divididas em adaptação geral, adaptação ao clube e adaptação

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à interação. A adaptação geral tange ao auxílio recebido, a dificuldades de integração, à

comunicação com seu país, aos pontos positivos e negativos da adaptação. A adaptação ao

clube, ao que lhe foi proporcionado, ao tempo de adaptação, ao auxílio recebido, à relação

com técnico e com outros atletas, à estrutura e às condições de treinamento, ao desempenho

esportivo e às dificuldades e intercorrências nesse processo. A adaptação à interação

contempla dificuldades relativas a diversos elementos como idioma, alimentação,

religiosidade, convívio familiar, vida social e nova cultura.

Finalizando a entrevista, a participante pode comentar livremente pontos que

pudessem acrescentar informações às questões levantadas.

3.3 Análise dos dados

A análise da entrevista se orientou pelos pressupostos de uma pesquisa qualitativa,

além do exame minucioso dos problemas próprios e únicos de cada fase do modelo de

transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016).

A primeira etapa da análise foi a transcrição verbatim das respostas da atleta na

entrevista, seguida da leitura exaustiva desse conteúdo, para, antes de tudo, obter uma visão

geral do relato e uma apropriação do material pertinente.

A etapa seguinte retomar o conteúdo da entrevista relativo à fase de pretransição, a fim

de verificar, ainda no Brasil, a atleta se preparou para sua primeira migração atlética

internacional. Em seguida, aplicou-se essa mesma construção à nova etapa, relativa às fases

de adaptação cultural aguda e de adaptação sociocultural, estudando as respostas da atleta

quanto ao período em que estava já em migração, na Espanha.

Em cada etapa, os resultados foram categorizados de acordo com os temas centrais das

propostas, com a finalidade de melhor compreender os significados do reposicionamento

social, da negociação de práticas culturais e da reconstrução de significados.

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CAPITULO 4

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo é compreender como uma atleta de elite do handebol feminino

brasileiro vivenciou seu processo de migração atlética internacional e analisar suas fases de

pretransição, de adaptação cultural aguda e adaptação sociocultural de acordo com o modelo

de adaptação cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016).

Para análise dos dados e discussão dos resultados, selecionamos categorias de

respostas relativas aos temas centrais em cada fase do modelo de transição cultural de Ryba,

Stambulova e Ronkainen (2016). Para um melhor entendimento e com a intenção de

exemplificar a análise, reproduzimos textualmente algumas falas da atleta entrevistada.

4.1 Fase de pretransição

Primeira fase do modelo proposto, que transcorre ainda no país de origem, representa

a preparação e o planejamento da migração atlética internacional. Compreende realização de

contatos, estabelecimento de negociações que determinarão trânsito, moradia e propostas de

treinamento, além de instruções sobre o novo país relativas s situação geográfica e

informações socioculturais, reunindo conhecimentos sobre a futura equipe, o clube e a

comissão técnica (RONKAINEN e colaboradores, 2017).

Nessa fase, incluíram-se informações recebidas, apoio, incentivo a crescimento técnico

e melhoria técnica. Essas informações são todas as que se poderiam transmitir à atleta sobre o

país, o clube e o treinador. A seguir, transcrevem-se as palavras da atleta a esse respeito:

As informações recebidas foram superficiais. Eu tinha interesse muito grande de ir jogar na Europa. Não sabia para onde estava indo. Foi numa relação de confiança intermediada pelo presidente da Confederação Brasileira de Handebol. Sabia que era na cidade de Valencia e que esse senhor M. R. tinha confiança no treinador, que fazia um bom trabalho.

Apesar de as informações terem sido poucas e superficiais, o motivo principal de sua

decisão de migrar para outro país foi seu interesse em seu próprio crescimento técnico.

Em sua pesquisa sobre migração de jogadores de futebol (entre 16 e 24 anos), que

estuda a experiência de jovens jogadores de elite de futebol numa transição migratória de seu

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país de origem para um clube da English Premier League (EPL), Richardson e colaboradores

(2012) verificaram que, entre as principais influências na decisão dos atletas pelo processo de

migração, também está a conceituação dos clubes em seu desenvolvimento técnico.

O apoio refere-se a todo auxilio e amparo oferecidos à atleta durante a fase de

pretransição: orientações, acompanhamento e ajuda na preparação para a migração.

Não recebi apoio de ninguém. Em algumas semanas, recebi um telefonema de uma pessoa dizendo que havia interesse. Recebi um contrato pelo correio e assinei por cinco anos, sem saber o que estava escrito.

Não tive preparação nenhuma para essa mudança de país, não sabia o idioma. Eu achava que ia ser fácil, e não foi. Mesmo tendo sido na Espanha, mesmo assim, eu não entendia nada.

Sobre esse tópico, as pesquisas de Richardson e colaboradores (2012) destacam o

apoio inicial e continuado dos pais (família) dos jogadores, culminando com seu

consentimento como parte da decisão migratória; os jovens jogadores consideram esse apoio

primordial na progressão de sua carreira. O desafio de sair de casa e se afastar do convívio

familiar tentando se estabelecer como jogador profissional num ambiente que ainda parece

estar envolvido com a cultura do futebol inglês são apontados como relevantes. Embora a

família do jogador seja uma fonte significativa de apoio social, há ainda a necessidade de

pessoal qualificado (por exemplo, psicólogos esportivos) para apoiar a transição migratória

dos jovens jogadores.

Entretanto, os relatos da atleta pesquisada aqui foram bem diferentes. O auxílio que

aqui denominamos apoio praticamente não houve.

Parágrafo O incentivo ao rendimento técnico e à melhoria técnica também está entre

os objetivos de uma migração atlética. A melhoria técnica da performance da atleta e a

oportunidade de crescer no esporte são determinadas, entre outros fatores, pela possibilidade

de intercâmbio e de estar no polo de desenvolvimento da modalidade no mundo.

A melhoria técnica foi dada como o motivo que levou à decisão da atleta de se

submeter ao processo:

Eu queria ser a melhor do mundo, queria crescer e vi nesse Mundial que a gente precisava sair para crescer. A gente estava muito atrás do alto nível do handebol, e eu sabia que, para crescer, eu tinha que ir para a Europa.

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Minha família era muito leiga em relação a viagens, quanto mais internacionais. A única coisa que disseram é que ia ser bom para mim, que eu ia crescer no handebol. Principalmente quem jogava na Seleção Brasileira de Handebol, quando surgiu essa oportunidade, todo mundo me incentivou muito.

O sonho de atuar em grandes clubes e a busca por crescimento e melhoria técnica

nortearam também as respostas dos jogadores na pesquisa de Richardson e colaboradores

(2012) sobre a migração de jovens jogadores de elite de futebol de seu país de origem para o

futebol inglês.

A pesquisa de Agergaard (2008) sobre o número crescente de jogadores estrangeiros

na liga feminina de handebol dinamarquesa de 1999 a 2007 aponta os motivos das atletas para

migrarem para clubes dinamarqueses: aspectos relativos à melhora de seu nível técnico

buscando participar de clubes da elite do handebol mundial sediados na Dinamarca, detentora

do maior e melhor campeonato.

4.2 Fase de adaptação cultural aguda

A segunda fase do modelo de transição cultural de Ryba, Stambulova e Ronkainen

(2016), a adaptação cultural aguda, se caracteriza pela chegada ao país hospedeiro, pelo

primeiro contato do atleta migrante com o novo país e a nova sociedade hospedeira e por

todos os conflitos inerentes a esse novo contexto. Aprender, entender e vivenciar uma nova

cultura, lugar e contexto social são os elementos que estruturam essa fase (RONKAINEN e

colaboradores, 2017). Acaba havendo um choque cultural, produto da diferença entre o

sistema cultural de origem e do novo país, agora hospedeiro, que é muitas vezes pautado por

sofrimento, solidão, inadequação social e psicológica e outros conflitos de diferentes

naturezas (RYBA e colaboradores, 2018).

Na fase da adaptação cultural aguda, o modelo de transição cultural de Ryba,

Stambulova e Ronkainen (2016) apresenta as seguintes subdivisões: adaptação geral,

adaptação ao clube e adaptação à interação.

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4.2.1 Adaptação geral

Esse tópico contempla as experiências no país de destino relativas às vivências e

percepções da atleta durante seu processo de migração no novo país. Nesses termos,

consideramos os seguintes itens: idioma, clima, alimentação, religião, leis locais,

comunicação, diferenças culturais, questões emocionais, distância da família e discriminação.

Como relacionamos os aspectos de uma adaptação geral, alguns itens são discutidos na

adaptação ao clube e na adaptação à interação também posteriormente.

O aspecto do idioma implica dificuldades na comunicação e questões que envolvam o

entendimento da língua local.

Não tive preparação nenhuma para essa mudança de país, não sabia o idioma. Eu achava que ia ser fácil, e não foi. Mesmo tendo sido na Espanha, mesmo assim, eu não entendia nada.1

[...] no início, foi bem difícil. Eu achava que ia entender o espanhol facilmente, mas não entendia nada. Eles falavam muito depressa, muita coisa que eu nunca tinha ouvido na minha vida. Foi bem difícil.

Aí, eu comecei a ir à escola de idiomas também; em três meses, eu estava falando. Tudo por minha iniciativa e pelas dificuldades que eu encontrei: dificuldade para sair e fazer uma compra, ir ao cinema [...].

Não tinha nem como ir sozinha, não. Não tinha comunicação alguma. De um modo geral, considero ter tido dificuldade de comunicação, sim. No início, eu tive. Foi bem rápido, mas no início eu tive, sim.

Encontramos na literatura um consenso sobre dificuldades com idioma na migração

atlética, que também verificamos em nosso estudo, como vimos nos relatos transcritos. O

idioma é determinante na identidade cultural e no processo de aculturação, além de ser

responsável pela transmissão e comunicação de aprendizagens e valores. Assim, seu domínio

insuficiente pode ser um obstáculo ao processo de aculturação.

No estudo de Atzingen (2016), que pretendeu compreender o processo de aculturação

e adaptação de imigrantes brasileiros na Hungria a partir de suas experiências e

representações, exploram-se os motivos migratórios individuais que levaram à saída do Brasil,

bem como os que conduziram à escolha da Hungria como país de acolhimento. O trabalho

discute o processo de aculturação desses imigrantes e seus padrões de competição e descreve

sua adaptação no momento da referida investigação, analisando potenciais fatores associados

1 Cumpre esclarecer que há falas da atleta transcritas mais de uma vez, quando elas ilustram tópicos diferentes do modelo adotado.

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(domínio da língua, relações interpessoais e bem-estar, entre outros). Quanto ao processo de

aculturação, foi possível perceber um percurso linear, inicialmente marcado por obstáculos

migratórios e emoções negativas como tristeza e medo, causadas, sobretudo pelas diferenças

culturais entre o Brasil e a Hungria (língua, clima e costumes).

Aconteceram alguns fatos engraçados [...] um dia, eu confundi os horários porque confundi os dias da semana, que eu não sabia. Isso logo na primeira semana. Chegam duas meninas e batem na minha porta para ver se tinha acontecido alguma coisa, porque eu não apareci para treinar. “Por que você não foi treinar?” Eu confundi os dias e por isso troquei os horários do treino... Confundia segunda, terça [...].

No estudo de Baines (2013) sobre atletas de elite do futebol por meio de dois estudos

de caso de futebolistas latino-americanos na Premier League inglesa, a diversidade linguística

instalada com a presença de atletas migrantes de elite em ligas nacionais de futebol criou uma

necessidade de tradução e interpretação em contextos esportivos. Essa necessidade ficou mais

bem definida na medida em que esses atletas se aculturaram e familiarizaram com a língua do

ambiente hospedeiro. Quando dependiam de tradução e interpretação para se comunicar em

seu ambiente profissional, tentavam resolver mal-entendidos havidos no decorrer do jogo.

Envolvendo tradução, interpretação e negociações sobre o significado, a questão do uso do

idioma na comunicação, sua tradução ou interpretação equivocadas geraram conflitos e

problemas com atletas migrantes consagrados da elite do futebol mundial que posteriormente

considerados meros mal-entendidos e justificados como falhas de comunicação entre idiomas.

No caso do nosso estudo, as situações relatadas confirmam questões relativas a equívocos

desses, tendo criado situações de desconforto para a atleta.

Na pesquisa de Schinke e colaboradores, (2013) sobre atletas de elite imigrantes

realocados no Canadá e treinadores trabalhando com tais atletas, verifica-se que eles transitam

entre duas visões de mundo. Os autores consideram a aculturação um processo fluido, no qual

os atletas navegavam entre normas culturais da comunidade de origem e da comunidade

anfitriã e cargas de aculturação que se referem aos imigrantes e àqueles do país anfitrião. A

aculturação é compartilhada ou se deve gerenciar essa carga, com ou sem o apoio de outros.

Aqui, observamos relatos sobre dificuldades e problemas de adaptação de atletas migrantes ao

idioma e atentamos também para a necessidade de superá-las que sentiu a atleta pesquisada:

[...] eu que tive que ir atrás, eu que tive que aprender o idioma.

[...] aí, eu aprendi o idioma muito depressa porque queria falar, queria entender o que elas falavam de mim. Então, a dificuldade foi menor por isso.

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Procuramos saber se a diferença climática interferiu no desempenho da atleta

entrevistada:

A adaptação ao clima não teve influência no meu desempenho e adaptação porque o clima na Espanha é muito bom.

Podemos considerar que, para sua adaptação, o clima não representou nenhuma

dificuldade. Apesar de o tema ultrapassar o propósito deste estudo, ela comentou na entrevista

os anos de vida esportiva na Dinamarca e na Alemanha, países com climas bem diferentes do

brasileiro e com invernos contundentes; além disso, na Dinamarca, os dias são muito curtos.

Contou que esses países têm estruturas fantásticas para os treinamentos, mas acredita que

atletas que não tenham o foco que ela teve na obtenção do alto nível poderiam ter grandes

dificuldades, como inclusive aconteceu com uma atleta nascida no Rio de Janeiro, que não

suportou o clima e desistiu de seu contrato.

Na percepção de nossa entrevistada, há outros fatores, mais importantes do que a

dificuldade relativa ao clima, que, na verdade, não existe no treinamento, mas no resto da

vida.

Vejamos algumas falas da atleta sobre alimentação:

Olha, em relação aos hábitos deles, por exemplo, a alimentação é diferente, tem horários diferentes, mas isso também não me atrapalhou [...].

Não havia questões com a alimentação, mas havia com os hábitos:

O que foi diferente para mim é que estavam acostumados a beber cerveja: “Vamos tomar uma cerveja na hora do almoço, ou um vinho?” As jogadoras bebem um copo: um copo de cerveja na hora do almoço, ou um copo de vinho, e o cigarro, que é normal entre os atletas. Foi diferente para mim, porque eu não estava acostumada com isso no Brasil. É muito malvisto um atleta ter o vício, mas lá é supernormal, na Europa, só que não me afetou no desempenho, nem um pouco.

Uma adaptação positiva até demais.

A mudança de alimentação só ajudou na minha adaptação. Eu gostava muito da comida, o que até prejudicou um pouco, porque eu engordei bastante no primeiro mês, no primeiro ano. Eu adorava. Lembro que, no primeiro ano, eu engordei cinco quilos. Até atrapalhou um pouco, porque eu gostava e por ficar muito tempo ociosa, né?

É importante essa percepção sobre hábitos diferentes e não com problemas com a

alimentação.

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Seguem depoimentos sobre o modo como a atleta vivenciou questões relativas à

religiosidade.

Diferenças religiosas e hábitos culturais diferentes não interferiram no meu desempenho.

Eu chegava na Igreja, e só tinha velhinho – só eu de jovem.

E sua percepção sobre seu contato com a religiosidade e a receptividade:

Na Espanha, era meio assim: preconceito, engraçado, respeito, ao mesmo tempo davam risada, tudo ao mesmo tempo. Por que elas achavam que a gente só tinha fé porque era do Brasil e não tinha outra coisa para fazer, entendeu? Então, o brasileiro tem fé porque é de um país de terceiro mundo, pobre, vai ter o quê?

Essa é uma importante percepção da atleta, de que o Brasil é considerado pelos

espanhóis daquele contexto um país de terceiro mundo ao qual só resta mesmo a fé, já que

não há nada além isso. Essa percepção que os outros tinham dela é um traço de reconstrução

de significado, ou seja, ela percebe o que significa o Brasil naquela cultura. Nesse momento,

ela se apropria de um significado, o que não quer dizer que concorde com ele. Percebendo, ela

se apropriou e reconstruiu o significado, ultrapassando o choque inicial.

No clube, com as atletas da equipe:

[...] todo mundo ficava meio surpreso – as meninas do time – quando eu orava antes de jogar. Elas me viam orando porque eu sempre tive esse costume, ainda tenho, de orar quando entro na quadra.

No início, era meio engraçado, cômico, mas ao mesmo tempo elas respeitavam. Depois elas passaram a respeitar. Elas não tinham esse habito.

Mas não afetou em nada meu desempenho. Meu caráter e minha personalidade me ajudaram a enfrentar tudo isso. Não me sentia abalada pelas risadinhas.

Buscando na literatura a análise de depoimentos de inúmeros atletas, podemos

perceber que o tema da religião é recorrente entre os brasileiros que vivem em outros países.

Para os que moram na Europa, viver sua religião não foi um grande problema. Contudo, no

continente asiático, encontraram mais dificuldade para expressar suas crenças, devido à

singularidade religiosa da população local no estudo de Lôbo (2016), cujo tema central são as

vivências interculturais de jogadores do mundo do futebol, investigando a adaptação de

jogadores e técnicos que trabalham em diferentes contextos. Notadamente e de forma prática,

identificam-se questões de adaptação cultural que podem interferir no desempenho

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profissional da pessoa que se desloca para território estrangeiro, podendo influenciar também

a vida pessoal ou dificultar seu êxito por variados fatores como o próprio idioma, a

dificuldade de compreender figuras de linguagem e expressões típicas de cada idioma, a

mecânica laboral de cada cultura, o contraste do estilo de vida, os códigos culturais, a

linguagem corporal, os hábitos cotidianos, o estranhamento do universo do outro e os hábitos

alimentares.

Sobre a comunicação com o país, afirmou a atleta pesquisada:

[...] hoje, a internet ajuda muito, mas na época, não. Eu me comunicava pouco com o Brasil. A comunicação com o Brasil não existia quase. Das amigas que eu tinha, na verdade, eu me distanciei bastante. Com algumas, eu mantive contato na seleção; com algumas, era só através da seleção brasileira, porque no dia a dia, era por carta ou telefone.

Seu relato sobre as diferenças culturais foi bem simples e objetivo:

[...] eu consegui me adaptar depressa; minha integração foi rápida.

O estudo de Tibbert, Andersen e Morris (2015) investigou como normas, tradições,

ideais e imperativos de uma subcultura influenciam atitudes, crenças, emoções e

comportamentos de um atleta jovem ao passar da resistência à aculturação, suas experiências

como atleta de elite num time de futebol australiano. Nas entrevistas iniciais, ele resistiu às

exigências de subcultura do clube de futebol e tentou obter êxito mantendo suas próprias

crenças. No fim, percebeu que, para ser bem-sucedido no clube, precisava abraçar as normas,

tradições, ideais e imperativos da cultura do futebol. Conquistou aceitação no clube quando

finalmente internalizou a subcultura, em que o êxito é mais importante do que o bem-estar

individual. Identificamos o apoio social como facilitador, enquanto o choque cultural e as

formas de racismo funcionaram nesse contexto como barreiras ao processos de realocação e

ajuste.

As questões emocionais referem-se às dificuldades de adaptação devidas às

características subjetivas da atleta ou de sua própria situação, aos discursos de instabilidade

emocional, ao desempenho nos treinos ou em competições e a sua percepção da dificuldade

de estar sozinha e longe da família e dos amigos.

Nesse aspecto, o estudo de Brandão e Vieira (2013) indica que a pouca adaptabilidade

dos futebolistas brasileiros dificulta sua carreira: 66% dos 1.029 jogadores enviados para

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equipes estrangeiras em 2010 voltaram para o Brasil antes de completar a primeira temporada.

Muitos jogadores relatam incapacidade de lidar com a solidão e o clima hostil e de se adaptar

a um novo estilo de vida.

Eis alguns relatos da atleta sobre questões emocionais:

Em relação a problemas pessoais e emocionais, havia a saudade, claro, no início. Eu sentia muita saudade da minha família, dos amigos, mas foi rápido [...].

Foram muitas as questões emocionais enfrentadas nesse contexto. Eu acho que a gente se sente ao mesmo tempo forte e fraca. Porque eu estava sozinha. Passei a minha vida inteira sozinha. Todas as decisões eu tomei sozinha [...].

E ela volta a reforçar questões referentes à solidão:

Eu enfrentei muita coisa sozinha [...] Então eu me fortaleci emocionalmente pelas dificuldades. Olhava para o lado e perguntava: “Quem está por mim? Em quem eu posso chegar depois de um treino ruim e chorar? Para quem?” Por mais que eu tivesse essas pessoas, a minha “mãe espanhola” estava na casa dela. Depois, eu tive um relacionamento, mas a pessoa estava na casa dela. Então, na verdade, eu me sentia sozinha. Senti muita solidão, que me fortaleceu, mas eu sinto que é muito duro, sabe? Hoje, às vezes, eu choro [...].

Há pontos em que a atleta expões significativamente suas percepções:

[...] eu nunca tive alguém de quem eu falasse “eu posso descansar, essa pessoa está cuidando para mim”. Não tive e, às vezes, tive uma barreira... eu sempre tive muita dificuldade de pedir ajuda. Por eu ter sempre decidido, por eu sempre ter feito, enfrentado, eu sinto muita... às vezes, por ter que pedir ajuda, parecia que eu estava sendo uma fracassada. E isso que... eu me transformei nisso.

As inúmeras emoções vividas pela atleta nesse contexto foram atenuadas pela

presença de sua “mãe espanhola”:

Eu tive essa mãe, a “mãe espanhola”. Ela foi a que, mesmo que estivesse errada, por mais errada que eu estivesse, ela estava ali do meu lado. Foi a pessoa que mais me deu amor e carinho na minha vida. Foi ela. Não tenho dúvida disso. Não tenho nenhuma dúvida de que foi a pessoa que mais enfrentou tudo e sempre me defendeu. Mais do que minha família. Eu não culpo eles, mas com certeza [...].

Mas eu tive contato com essa mulher, ela me levou para a casa dela, então, creio que fui abençoada por ela ter me acolhido. Ela falava português, porque eu não sabia, não entendia, não falava nada.

Eu tive essa pessoa que me ajudou, não por parte do clube.

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[...] eu procurei me fortalecer bastante com essa senhora, essa família. Estava sempre com ela. Lembro que – na época eu era jovem –, no fim de semana, o que eu vou fazer, sair e me divertir. E eu ficava com ela. Ela era bem caseira e eu ficava com ela, em casa. Ela, o marido dela... ou então só ela, porque o marido dela saía, e a gente ficava assistindo os programas, tomando um café. Eu não saía à noite: só queria treinar, jogar e ganhar.

As questões emocionais específicas com o clube, o treinador e as atletas da equipe

foram:

Esse treinador, eu tinha dificuldade com passe. Já tinha muita qualidade como goleira, mas tinha dificuldade com o passe, e na Europa isso é muito exigido. O handebol exige isso, um bom passe. E, num jogo amistoso, no início, ele me pôs para jogar e disse que, se eu errasse, ia pagar flexão. E eu paguei no meio do jogo; enquanto as meninas iam para o ataque, eu paguei. Ele disse: “Flexão agora”. Tipo no ginásio, todo mundo assistindo, eu tive que fazer flexão enquanto as meninas estavam no ataque. E isso dói. É humilhante.

Mas não deixei isso me desanimar. Então, as meninas me viram treinar e começaram a me respeitar, a me valorizar, mas no início eu fui bem desrespeitada.

Sempre fui muito exigida. Por um lado, é bom, mas por outro [...].

Apresentando sua expressões pessoais, ela retoma a questão da solidão:

Dificuldade para ir ao treino, aquelas duas horas, e voltar para casa e ficar sozinha, assistindo televisão sem entender o idioma, esperar o dia passar para ir treinar de novo e voltar para casa. Ir treinar de novo e voltar para casa.

Relaciona a seguir as questões emocionais e sua interferência em questões pessoais e

atléticas:

Eu me tornei uma grande atleta, mas o lado sentimental... Por isso hoje eu quero dar tudo para a minha filha, amor, carinho, porque eu senti falta disso. Como pessoa, senti bastante. Mas é a vida.[…] eu nunca tive alguém em quem eu chegasse e falasse, a quem pudesse chegar e gritar, falar tudo. Não tive [...].

Finaliza comentando a relação com sua mãe em sua orientação para a vida:

Ela fez a gente enfrentar: “Vai, filha, se vira, se vira.

Eu chorei, sim, por saudade, mas jamais pensei em voltar e desistir

Na já citada pesquisa de Tibbert, Andersen e Morris (2015) sobre normas, tradições,

ideais e imperativos de uma subcultura que influenciam atitudes, crenças, emoções e

comportamentos de um atleta jovem do futebol australiano ao passar da resistência à

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aculturação e assumir que o sucesso é mais importante do que o bem-estar individual, esse

atleta também enfrentou questões como saudade, estar longe da família, viver um estilo de

vida diferente, estar numa cultura diferente.

Em seu estudo sobre a migração de jovens jogadores de elite de futebol numa

transição migratória de seu país de origem para um clube da English Premier League (EPL),

Richardson e colaboradores (2012) identificaram também a sensação de isolamento e

impotência desses atletas ao encontrar desafios como lesões, perder a família e os amigos,

mas esses atletas sugeriram que lidar com isso e ultrapassar essas experiências tornaram-nos

pessoas mais fortes.

Quanto à comunicação com o Brasil durante seu processo de migração atlética, ela diz:

Me comunicava bem pouco com o Brasil, porque na verdade não tinha internet. Tinha só telefone, e era caro ligar. Então, eu ligava para casa uma vez por mês; só eu ligava. Acho que meus pais nunca ligaram para mim, porque não tinham condições. Era sempre eu que ligava, e me comunicava pouco.

A atleta pesquisada aqui fala sobre questões relativas à distância da família nesse

processo:

A ausência de família e amigos não interferiram na minha adaptação. Eu fui criada independente: saí de casa com dezesseis anos.

Dificuldades ou problemas pessoais e emocionais que enfrentei? Saudade, claro, no início. Eu sentia muita saudade da minha família, dos amigos, mas foi rápido.

A respeito dessa falta da família, o estudo de Richardson e colaboradores (2012)

constatou que o apoio social foi importante no processo de transição, por proporcionar

continuidade em termos de identidade, cultura e senso de pertencimento. Os jogadores contam

que sua família era seu meio mais importante e significativo de apoio. Todos os jogadores

afirmaram que o apoio da família era crítico e limitado à comunicação por telefone ou pela

internet. Essa pesquisa ainda relata que, mesmo tendo a possibilidade de ir para casa

eventualmente, os jogadores ficavam apreensivos, com medo de “perder” alguma coisa

enquanto estivessem fora (por exemplo, partidas ou treinos) ou ser substituídos na equipe por

outro jogador, pela natureza implacável da cultura do futebol inglês. Era evidente, já que, em

alguns casos, quem ia para casa era (implicitamente) percebido como fraco, descomprometido

ou incapaz de lidar com as pressões do meio ambiente.

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Nossa atleta fala sobre discriminação e preconceito das companheiras da equipe de

handebol por ser brasileira e sobre o modo como enfrentou essas situações:

Minha recepção por ser estrangeira foi muito ruim; não por ser estrangeira, mas por ser brasileira. Na verdade, se eu fosse norueguesa, sueca, dinamarquesa, estrangeira, nossa, superbem, abraços. Mas brasileira... E o Brasil não ganhava nada, perdia de sacolada nos campeonatos, nas competições. Foi muito ruim, o preconceito.

Aí, elas: “Quem é aquela ali?”, “Quem é você?”. Eu sofri discriminação. Não tive nenhuma ajuda na integração, nada.

Mas a discriminação no handebol é muito ruim. Você vê as pessoas te olharem assim, de cara feia.

O que mais me prejudicava era o preconceito no handebol. Então, para mim, o preconceito no handebol era ruim. Foi muito ruim.

É importante a percepção da atleta sobre o fato de ser jogadora de handebol brasileira,

considerada de forma diferente de outras atletas estrangeiras, de países com tradição nesse

esporte.

Mas há relatos positivos sobre sua relação com o público:

O público me aceitou muito bem. Em relação ao público no handebol feminino, era pouca gente que ia ao ginásio; na maioria, pais das meninas mais jovens. Eu fiz amizade com os pais porque ia assistir aos jogos do juvenil. Eu não tinha nada para fazer. Nenhuma menina profissional do time ia, do primeiro time, só eu.

Descreve ocorrências relativas ao preconceito e à discriminação que sofreu:

A questão de ajudar as companheiras de equipe, não. Elas nem aceitavam. Quem era eu para ajudar? Eu tinha que aceitar o que elas me diziam. Era bem ao contrário.

A discriminação que eu sofri foi positiva, me deu forças para dizer “eu vou calar a boca de todo mundo”[...] foi uma motivação. Eu ficava muito triste, com muita raiva, mas transformei isso em motivação. [...] eu sofri preconceito mesmo sendo branca. O preconceito era por ser brasileira.

A atleta participante deste estudo mostrou capacidade de resiliência, soube lidar e

enfrentar os problemas que enfrentou em sua adaptação às inúmeras mudanças, além de

superar obstáculos e resistir à pressão de situações adversas.

Tibbert, Andersen e Morris (2015) reiteram em seu estudo com atletas do futebol

australiano que o racismo também se apresenta como uma barreira, pois o indivíduo de um

grupo minoritário é julgado por valores dominantes.

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4.2.2 Adaptação ao clube

As expectativas em relação ao clube de destino são relativas às ideias que a atleta tinha

sobre sua chegada ao novo clube/país e que geraram ou não problemas pessoais, emocionais e

em seu rendimento esportivo. O relato de nossa atleta mostra claramente que ela não foi

preparada, como vimos, para enfrentar o processo de migração atlética, fosse no Brasil ou na

Espanha ou por qualquer pessoa ligada a ela:

Nenhum programa de ajustamento foi feito para a minha integração. Muito pelo contrário. Teve aquelas risadinhas, aquelas coisas de desrespeito mesmo, porque o handebol do Brasil não era reconhecido.

A atleta relata sua experiência de relacionamento social e o apoio recebido do clube:

Na chegada no país, eu tive... essa mulher que me ligou falando português e me acolheu como se eu fosse uma filha. [...] Ela me levou para a casa dela, então, eu creio que fui abençoada por ela ter me acolhido. Ela falava português, porque eu não sabia, não entendia, não falava nada.

[...] não tive apoio nenhum, nem por parte das jogadoras. Eles só me deram um apartamento, um salário, agora, no resto, “você se vira”.

Quanto à moradia ela conta:

“Aqui é tua casa, você tem que treinar”. Só havia um planejamento com os dias de treino: “Você tem que estar lá para treinar”.

Uma coisa muito boa: cada jogadora tinha o seu apartamento, e eu tinha um apartamento muito bom. Em relação a isso, não posso reclamar de nada.

Nos relatos dos jogadores do já citado estudo de Richardson e colaboradores (2012),

encontrou-se uma grande diversidade: morar em alojamentos (aprender melhor o idioma e ter

pessoas por perto), ficar com amigos da família, ser alocado com uma família adotiva. Essa

diversidade amplia sensivelmente a potencial rede de suporte social disponível para os

jogadores.

Sobre sua relação com a equipe, diz a atleta:

Algumas meninas também, quando começaram a me conhecer, me chamavam para ir no cinema, eu lembro... Isso depois de algum tempo, algumas semanas: “Vamos ao cinema que é legal você ouvir o espanhol e daí aprender o idioma”.

[...] lá na Espanha tem muito de, depois do treino, ir tomar alguma coisa, fazer coisas juntas. Aí, elas começaram a me convidar, mas depois de algum tempo. No início, meu relacionamento foi só com aquela senhora.

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A atleta estranha isso pois foi com significados de práticas culturais do Brasil e, de

repente, se viu diante das práticas de outra cultura, cujo significado é confraternizar depois do

treino, o que não tem significado na cultura brasileira do esporte de alto nível, mas tem na

espanhola. Esses são significados diferentes para o que é um pós-treino. E sobrevém o

sentido, que é o que se imprime: além de não entender aquele significado, porque ainda não se

havia apropriado dele, para ela, isso não tinha sentido nenhum. A atleta poderia não gostar,

mas entender o sentido daquilo – isso é pessoal.

Esse é um dos fatores do modelo: o reposicionamento social e a negociação de práticas

culturais (“Não, obrigada, eu não vou [ou vou] à igreja”). Essa reconstrução de significados é

a chave da aculturação. Enquanto o indivíduo não se apropria do significado do que é para o

outro, não se pode dizer esteja aculturado. Ele pode não gostar, dar-lhes outro sentido, mas é

crucial entender os significados.

Brandão e colaboradores (2013) entendem que perspectivas irreais sobre a nova

equipe associadas à falta de informações sobre o país podem criar problemas reais.

Vejamos alguns relatos negativos sobre as companheiras de equipe da atleta:

No começo, para eu me adaptar, não foi nada fácil [...] elas riam de mim porque lá não era normal usar tênis de handebol para passear [...] “Olha ela com tênis de handebol aqui, num domingo”. Então, foi engraçado, mas, para mim, não foi engraçado.

Perguntada sobre a construção de novas amizades, a atleta é peremptória:

Novos amigos, não.

Sobre questões administrativas revistas pelo clube, diz:

[...] eles começaram com esse negócio de salário, contrato [...] Como assinei um contrato de cinco anos sem saber o que estava escrito, eu ganhava muito pouco, meu salário era muito baixo comparado com o das outras atletas.

Só que eu tive que jogar primeiro. Quando comecei a jogar e jogar bem, e bem, e bem, e bem, e a gente ser campeã, aí, tudo. Foi quando me deram tudo. Foi quando essa minha mãe espanhola chamou o clube, chamou o técnico, que era presidente também, e disse que o que eu ganhava era muito pouco. Isso demorou uns seis meses, depois que a gente ganhou.

[...] aí, essa minha mãe falou com ele, e ele aceitou aumentar meu salário e meu contrato, não em tempo, mas em dinheiro. Mas isso só aconteceu – até as amizades, melhorou tudo – depois que eu joguei bem.

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No estudo de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016) com 15 atletas profissionais e

semiprofissionais enfocando particularmente o aspecto da transição cultural de sua carreira

atlética transnacional, encontramos informações sobre questões administrativas, em que

clubes com recursos financeiros oferecem apoio formal e ajuda contratada como intérpretes,

motoristas e cozinheiros étnicos em troca de resultados imediatos.

Já sobre seu desempenho esportivo, ela afirma:

Eu não tive problemas relacionados ao meu desempenho esportivo. Tirando o passe, que melhorei, no resto, eu consegui desde o início me destacar. A gente aprende a se defender de tudo, então, eu não tive dificuldade, porque tive uma boa base.

Também no estudo de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016), encontramos o

resultado diretamente ligado à manutenção do atleta no clube. Em outro relato do mesmo

estudo, as diferenças entre as questões culturais ficam evidentes quando se trata da cultura do

país hospedeiro no que tange à distinção entre atletas cuja única preocupação é com os

resultados esportivos e pessoas atletas, em que se respeitam as questões do indivíduo.

Quanto a questões emocionais envolvidas no desempenho esportivo:

A gente era ameaçada: se perder o jogo, não recebe o salário. Então, é difícil para quem tem uma personalidade mais tímida. Mais difícil de aguentar, mais difícil de enfrentar [...]

Ainda no estudo de Ryba, Stambulova e Ronkainen (2016), há relatos sobre a

imbricação entre questões emocionais e desempenho esportivo: “quando eu vim, foi muito

difícil para mim. Estou sozinho. Eu moro sozinho. Eu não tenho amigos. Eu não tenho

nenhum lugar para ir”. Esse atleta também lutou contra o clima frio e o treinamento duro,

tentando ao mesmo tempo encontrar sentido: “correr no campo ‘sem a bola’, nós apenas

usamos os cones, então é muito diferente de casa”.

Muitos atletas viveram e sentiram a agudeza dessa fase em meio à solidão e a tentativa

de se enquadrar nos padrões culturais da vida grupal. No estudo de Ryba, Stambulova e

Ronkainen (2016), a solidão é associada à moradia e à falta de amigos ou de lugares aonde ir.

Nossa atleta conta suas expectativas em relação a sua chegada, atuação e desempenho

esportivo:

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Tu sais do Brasil sendo a melhor goleira do Brasil na época, e chega lá assim [...] eu cheguei achando que eles iam me considerar uma das melhores. Então, o que mais me prejudicava era o preconceito no handebol.

Eu cheguei e não joguei. O time tinha estrelas, os melhores do mundo. Me colocaram para jogar lá no terceiro time. Então, os três primeiros meses foram muito difíceis.

Schinke e colaboradores (2013), que estudaram atletas de elite imigrantes realocados

no Canadá e treinadores trabalhando com esses atletas, revelam que treinadores de elite

conceituam o atleta em migração atlética como mais determinado que os demais.

Isso é reiterado pelos relatos da atleta transcritos abaixo:

Eu conquistei as pessoas porque eu ia para o treino e morria no treino. Nunca tive dificuldade com o treinamento porque sempre fui louca para treinar.

O treinamento geral com a equipe, a parte tática, na verdade, não tinha muita diferença taticamente. Era só a qualidade mesmo dessas jogadoras, a qualidade individual. Porque, na parte tática, handebol é handebol. Não tinha muita diferença [...]

[...] eu não tive auxílio nenhum. Era só o treinamento mesmo e, no jogo, defender todas as bolas. Não reclamar com ninguém, não olhar para ninguém. Quando mais você defender, melhor [...] Faz sua parte [...] Auxílio nenhum.

Eu gostava muito dos treinamentos, achava muito que era assim, um outro ritmo. Era muito mais rápido. Tudo tinha que pensar muito rápido, mas para mim isso não era uma dificuldade. Eu nunca tive dificuldade com o treinamento, porque sempre fui louca para treinar. Se me mandasse correr duas horas, eu ia correr e lá na frente, ainda, porque não gostava de ser a última. Então, não tinha esse problema. Eu adorava treinar.

Nesse aspecto, Richardson e colaboradores (2012) avaliam que, entre outros fatores, as

mudanças no treinamento são percebidas pelos jogadores como desafios implícitos na cultura

do futebol inglês tradicional, ou seja, ritmo alto, cruel, machista e agressivo.

Sobre superação, diz a atleta pesquisada:

Mesmo sendo humilhada e desrespeitada – porque eu acredito que sofri um desrespeito. Eu não merecia, pela qualidade que eu tinha, passar por aquilo. Mas isso não me fez cair. Eu enfrentei e não falei: “Ah, vão me botar no terceiro time...”. Eu sei que em três meses eu estava na equipe principal e fui campeã da Europa.

Pesquisando jogadoras estrangeiras de handebol em equipes dinamarquesas,

Agergaard (2008) postulam a estratégia de integração de novos jogadores estrangeiros como

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um processo que envolve o bem-estar dos recém-chegados, baseado no fato de que os

jogadores estrangeiros compartilhem o idioma e a cultura e também estejam pessoalmente

familiarizados. Não é uma responsabilidade comum integrar novos jogadores ao clube, mas

uma tarefa prática que pode ser resolvida por pessoas que não são necessariamente

dinamarquesas. No caso da atleta deste estudo, isso acabou acontecendo indiretamente pelas

mãos de sua “mãe espanhola”.

As adaptações técnicas e táticas designam os recursos que a atleta mobilizou para

enfrentar as condições do novo clube. Transcrevemos dois relatos sobre o treinamento e as

decepções:

[...] uma rotina difícil de treinamento.

[...] na época, eu esperava chegar e já jogar num grande time. Eu achava que estava indo assim: “Meu Deus, eu vou jogar com essas meninas que eu vi no Mundial”. E não foi bem assim, né?

Podemos confirmar, pelos relatos de nossa atleta, questões relativas ao nível técnico e

com efeito emocional devido a atitudes do treinador e de suas companheiras de equipe:

[...] dentro de quadra, eu sentia não ser escolhida para um passe, não ser escolhida para uma brincadeira [...].

O treinador, depois de uma semana de treino, chegou assim para mim: “Você vai ter que treinar com a equipe juvenil porque as duas outras goleiras acharam que é muito ter três goleiras em um treino”. Então, eu olhava para elas [...] porque uma das goleiras do time era uma das melhores do mundo, da Rússia. Ela até ganhou como uma das melhores do mundo no Mundial da Itália. Ela foi a melhor do mundo. Ela era bem mais velha do que eu, e eu a via assim como um ídolo. Quando o treinador disse que elas não queriam, que demorava muito o aquecimento de três goleiras... A outra era a goleira da Espanha. Eram elas duas.

Ela mostra persistência, confiança, sorte e capacidade de assumir a situação

culminando com sua “volta por cima”:

Só que aconteceu que a russa rompeu o tendão de Aquiles, em um mês que eu estava lá, e a espanhola pegou um vírus, e eu tive que jogar. Joguei a semifinal da competição da International Handball Federation (IHF), as finais da liga, e a gente foi campeã comigo jogando. Então, sei lá, Deus também ajuda um pouquinho.

Sobre expectativas diferentes:

Então, eu fui para a primeira divisão. Eu aceitei, no que muitas jogadoras do time não acreditavam. Elas diziam: “Não, você não pode ir para a

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primeira”. Só que a minha “mãe espanhola” me aconselhou muito: “Vai, sim, vai ser bom para você. O técnico é bom”. E realmente foi.

Nos treinamentos, a atleta tinha uma necessidade diferenciada, pela posição tática na

equipe, pela especificidade do jogo:

O treinamento de goleira era muito bom. Esse meu primeiro ano na Espanha foi muito bom. Eu peguei uns bons treinamentos.

O treinamento geral com a equipe, a parte tática, na verdade, não tinha muita diferença taticamente. Era só a qualidade mesmo dessas jogadoras, a qualidade individual. Porque, na parte tática, handebol é handebol. Não tinha muita diferença [...].

A goleira tem que defender todas as bolas, então, isso me ajudou, porque eu já tinha facilidade. Eu vim do Brasil, onde a goleira faz milagre. E não tive auxílio nenhum. Era só o treinamento mesmo e, no jogo, defender todas as bolas. Não reclamar com ninguém, não olhar para ninguém. Quando mais você defender, melhor [...]. Faz sua parte [...] auxílio nenhum.

As condições de treinos eram boas. Até então, eu só conhecia o Brasil. Aí, para mim estava bom.

Em seus relatos, reitera que se adaptou aos treinos por sua similaridade com os

realizados no Brasil e avalia positivamente a estrutura que encontrou, com o argumento –

válido – de que, na época, era sua primeira experiência após o Brasil.

Já o que conta depois sobre suas relações não corrobora os relatos acima sobre o

treinador, cujas atitudes se refletiram na vida esportiva da atleta na Espanha e depois:

Com o treinador, na verdade, minha relação foi muito boa. Nos anos em que eu fiquei lá, ele se tornou um amigo

Ele pensou e si mesmo, só que, na verdade, eu agradeço, porque ele me mandou para um time da primeira divisão, o que foi bom para mim. O clube tinha um treinador muito bom para a base, para a iniciação, e eu tinha 20 anos. Fiquei lá dois anos, jogando todos os jogos de 60 minutos. Ajudei o time a subir para a Liga, então, foi muito bom para mim.

Depois, eu voltei para o time como uma grande goleira; joguei dois anos lá. Eu tinha mais um ano de contrato quando o time da Dinamarca me chamou. Esse treinador disse: “Eu vou deixar você ir porque vai ser bom para você ir para a Dinamarca”. Além do mais, ele pediu um valor em dinheiro para me liberar, porque eu tinha mais um ano de contrato, e ele me deu esse dinheiro, o próprio treinador. “Eu vou pedir esse dinheiro, mas não para mim, mas para você”. Então, a gente criou uma relação muito boa de amizade. Depois, né?

No estudo que investigou como normas, tradições, ideais e imperativos de uma

subcultura influenciaram atitudes, crenças, emoções e comportamentos de um atleta jovem ao

passar da resistência à aculturação, Tibbert, Andersen e Morris (2015) relatam um fato ligado

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à adaptação de um atleta ao clube: ele percebeu que, para lograr êxito, precisava abraçar essas

normas, tradições, ideais e imperativos da cultura do futebol: ignorar lesões, jogar com dor

etc. E, assim, ganhou aceitação no clube.

As lesões interessam ao modelo adotado aqui na medida em que tenham interferido no

desempenho do atleta em treinamento ou em competição.

De acordo com o já mencionado estudo de Richardson e colaboradores (2012), atletas

que sofreram lesões logo no início da temporada não as atribuíram ao aumento do tempo, à

expectativa física ou à condição dos treinos a que se viram expostos, mas lidar com uma lesão

já fase inicial da migração atlética complica ainda mais a capacidade de integração de um

jogador. Descreveram sentimentos de “isolamento” durante esse tempo e contaram que estar

lesionados os impediu de construir um relacionamento com seus treinadores e companheiros

de equipe.

Já os relatos de nossa atleta foram bem diferentes:

Nunca tive dificuldades físicas que interferissem em meu desempenho. Eu não tive lesões.

Na Espanha, eu que tinha que comprar joelheiras, meus tênis, o que eu quisesse. E não tinha físio, esparadrapo, essas coisas. Tudo eu. Não tinha nada disso na Espanha. “Se machucou? Tchau, minha filha, tem outra no teu lugar”. E não tinha muito cuidado. Os atletas eram descartáveis, porque, para o clube, “Se machucou, é uma coisa sua. Treina aí, minha filha”.

4.2.3 Adaptação à interação

Transcrevemos a seguir uma série de excertos da entrevista com a atleta sobre sua

adaptação à interação e sua convivência no país hospedeiro.

Habilidades psicológicas facilitam o processo de aculturação, no qual o indivíduo é

socializado numa nova cultura. Quanto maior a aculturação, mais se adotam a língua, os

costumes, atitudes e comportamentos da cultura predominante.

Entre os motivos dos fracassos na adaptação ao exterior, Brandão e colaboradores

(2013) apontam o fato de o indivíduo não ter as qualidades psicológicas necessárias ao

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processo de expatriação, um treinamento deficiente sobre os aspectos culturais que

enfrentarão no novo país e uma ajuda inadequada ou inexistente durante esse processo.

As possíveis dificuldades que um atleta expatriado pode enfrentar no exterior podem

implicar problemas de ordem emocional, desempenho fraco e mesmo retorno precoce.

Sobre a falta de informações, diz a atleta pesquisada:

Eu me vi morando na Europa, de repente; eu não sabia onde era a Espanha. Na verdade, antes de sair do Brasil, eu sabia que estava indo para a Europa, mas a gente não tem o conhecimento que tem hoje; eu não tinha. Então, como que eu posso explicar? Minha vivencia, para mim, tudo eu estava descobrindo. Andando na rua, eu estava descobrindo a cultura, a arquitetura. Eu tentei aproveitar isso ao máximo. A cada dia que eu estava lá, me sentia feliz por estar vivendo isso.

E sobre o idioma:

Acho que demorei uns dois meses para me considerar em processo de adaptação, quando comecei a entender o idioma, a falar, a responder, a ouvir, falar e responder. Acho que aí eu comecei a falar. “Ah, eu estou aqui, agora foi. Agora não tem mais para ninguém. Agora eu também sei falar, tenho duas pernas, dois braços, boca, então, ninguém me segura”. Acho que uns dois meses. Na Espanha foi rápido, porque o idioma é mais fácil.

A atleta salienta a importância de dominar idioma e se considerou adaptada quando

alcançou essa habilidade. Devemos sublinhar que aqueles que não falam vários idiomas não

terão a mesma eficácia para tratar com pessoas de diferentes culturas, pois a essência da

cultura está refletida na língua.

Quanto ao apoio recebido, comenta:

Ah, eu acho que essas pessoas que eu encontrei com certeza colaboraram na minha adaptação. Não sei se eu teria superado, se não fosse por elas.

E comenta também a substituição do apoio familiar:

Quando minha “mãe espanhola” foi me buscar no aeroporto, ela não me conhecia e eu não a conhecia. Quando cheguei, só tinha a mala do Brasil e uma senhora pequenininha me esperando. A gente chorou muito. Já no primeiro dia, a gente teve uma conexão muito impressionante, eu e ela. Daí, ela me levou para dentro da casa dela.

E ainda a colaboração na adaptação e no apoio recebido:

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Não houve dificuldade no processo de adaptação, porque as outras coisas foram legais. Eu estava no país, amei a cidade, e eu tinha essa mulher, essa família, o marido, a filha dela me acolheu, me levou para conhecer, para provar a comida. Eu tive a ajuda dessas pessoas, então, em relação a isso, não tive dificuldades.

E da importância desse apoio:

Minha “mãe espanhola” me levava muito para os lugares para conhecer os amigos dela; até no trabalho dela eu fui, porque não queria ficar sozinha. Só que eu nunca fui de ter muitos amigos; sempre tive muito poucos amigos. Sou de ter um relacionamento e viver com aquela pessoa e viver em um grupo pequeno. Talvez isso tenha me ajudado, porque eu não precisava de muita coisa para estar bem. Então, minha vivencia foi com poucas pessoas, mas sempre foi muito legal.

Finalmente, fala sobre as dificuldades que encontrou:

Essa é a situação, e às vezes atrasava salário, porque lá também atrasava salário. Tinha que ficar pedindo, implorando. Aí, sem dinheiro, sem conhecer ninguém, sem falar o idioma, como você vive?

4.3 Fase de adaptação sociocultural

A terceira fase do modelo adotado, a fase de adaptação sociocultural, diz de uma

realidade bem mais estruturada do atleta migrante em sua nova vida num ambiente antes

estranho e agora reconhecido como parte de seu universo cognitivo (RYBA e colaboradores,

2018). Essa última fase de transição cultural implica um melhor ajustamento ao novo

ambiente, tendo superado ao menos algumas das dificuldades experimentadas na fase anterior

(RONKAINEN e colaboradores, 2017). A grande importância reside no fato de que o

sentimento de pertença ao novo lugar, à nova cultura e ao novo clube se refletem muitas vezes

num desempenho esportivo melhor (RONKAINEN; KHOMUTOVA; RYBA, 2017). Uma

das tarefas fundamentais dessa fase é se introduzir com maestria na realidade do novo clube e

em seu cotidiano, começando um contato com os demais atletas e com outros membros da

nova equipe, dando início à construção de uma identidade nova e de um novo senso de

pertencimento a um novo país e a uma nova cultura.

Isso é confirmado pela percepção da atleta quanto a sua adaptação ao novo país. Ela

relata suas sensações já numa condição de adaptação sociocultural:

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[...] tanto que, no tempo que passei na Espanha, eu esqueci o Brasil, entre aspas. Eu só lembrava do Brasil quando estava na Seleção com as meninas, mas, aí, eu já enrolava o português, trocava palavras, porque o espanhol e o português eram parecidos, e música, comida, tudo, eu já me identificava com a Espanha. Por exemplo, músicas brasileiras, eu não ouvia mais [...].

A atleta fala sobre a incompatibilidade de estudar e atuar no esporte de alto nível, mas

aponta um grande ganho em aspectos culturais, principalmente relativos à apropriação de

idiomas:

Lá, não continuei meus estudos na faculdade; só fui aprender o idioma, mesmo. Sempre o handebol em primeiro lugar. E eu não consegui continuar meus estudos. Aí, na Dinamarca, eu tive que aprender o idioma. Fui para a Alemanha e tive que aprender o idioma. Voltei para a Dinamarca e continuei aprendendo o idioma. Eu não me sentia capaz de fazer uma faculdade.

Eu digo que domino quatro: o espanhol, o português, o inglês e o dinamarquês. Alemão não. Eu aprendi pouco. Nos dois anos que fiquei na Alemanha, eu aperfeiçoei o inglês, porque todo mundo no time falava inglês, e eu aprendi mais o inglês. Hoje, quando escuto um alemão falar, eu entendo bastante, mas responder é difícil [...].

Sobre a importância da experiência e do preparo para o êxito, diz:

Acredito, com certeza, que a migração atlética anterior que tive no Brasil me ajudou.

Pelo relato de jogadores de futebol entrevistados, Richardson e colaboradores (2012)

parecem considerar a migração atlética um pouco mais fácil e sugerem que experiências

anteriores bem-sucedidas torna mais fácil qualquer experiência de migração subsequente.

As diferenças culturais referentes a idioma e alimentação devido à cultura do país de

acolhimento são apontados no estudo de Atzingen (2016). A dificuldade de manter relações

com os pares ou de desenvolver relações de amizade dentro da sociedade de acolhimento

resultam em sentimentos de solidão e isolamento, o que também foi apontado como um

obstáculo ao processo de aculturação por imigrantes brasileiros que vivem na Hungria. Os

resultados permitem ainda identificar situações de competição tanto de natureza construtiva

como de natureza destrutiva, sobretudo em ambientes profissionais, predominando situações

competitivas construtivas entre os imigrantes brasileiros e a sociedade de acolhimento.

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CAPITULO 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de migração internacional vivido pela atleta de elite do handebol feminino

brasileiro revelou que, na fase de pretransição, ela não teve nenhuma preparação prévia. As

informações que obteve foram poucas e superficiais, tendo o motivo principal de sua decisão

de aceitar esse processo sido seu interesse no próprio crescimento e na própria melhoria

técnica. Por outro lado, acreditamos que a migração atlética anterior realizada no Brasil e o

fato de ter saído de casa aos 16 anos a terão ajudado muito nesse processo.

Na segunda fase, identificamos o apoio social como facilitador: as emoções vividas

nesse contexto pela atleta foram atenuadas pela presença de sua “mãe espanhola”. Muitos

atletas viveram e sentiram a agudeza dessa fase por meio da solidão e da tentativa de se

enquadrar nos padrões culturais da vida grupal. A solidão é mencionada em relação à moradia

e à falta de amigos e de lugares aonde ir.

Essa agudeza pautada em sofrimento, solidão, inadequação social e psicológica e

outros conflitos de diferentes naturezas caracteriza o choque cultural. As formas de racismo

operaram nesse contexto, em que a atleta apresenta o preconceito contra o handebol brasileiro

como barreira para o processo de realocação e ajuste. Quem era o Brasil no handebol? É

importante essa percepção de que o fato de ser jogadora de handebol brasileira levou a que

fosse considerada de forma diferente de outras atletas estrangeiras, mas de países com

tradição nesse esporte.

Outra percepção importante diz respeito a sua fé, razão pela qual os espanhóis

consideravam o Brasil um país de terceiro mundo. Essa percepção é um traço da reconstrução

de significado, e ela percebe o que é o significado de Brasil naquela cultura. Essa

reconstrução de significados é a chave da aculturação. Nesse momento, decorre uma

apropriação de significado. Ela percebe, se apropriou, reconstruiu e sentiu o choque do

significado para si, ainda que não concordasse com ele.

Toda discriminação e todo preconceito que sofreu deram força à atleta, serviram como

motivação. E ela apresentou também vontade e disposição, entusiasmo e esperança de novas

oportunidades. Por sua resiliência, soube lidar e enfrentar os problemas enfrentados,

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adaptando-se às inúmeras mudanças por que passou, superando obstáculos e resistindo à

pressão das situações adversas.

Segundo a percepção da atleta, as diferenças estavam nos hábitos alimentares e não na

própria alimentação. Ela atribuía às práticas culturais significados aprendidos no Brasil e, de

repente, deparou práticas de outra cultura, cujo significado desconhecia; por exemplo,

desconhecia que o significado de um pós-treino era confraternizar, pois isso não é um

significado da cultura brasileira do esporte de alto nível, mas é da cultura espanhola. Esses são

alguns dos elementos do modelo: o reposicionamento social e a negociação de práticas

culturais.

A terceira fase, de adaptação sociocultural, consiste numa realidade bem mais

estruturada para atleta migrante em sua nova vida num ambiente antes estranho e agora

reconhecido como parte de seu universo cognitivo. Essa última fase de transição cultural

implica um melhor ajustamento ao novo ambiente, tendo sido superadas ao menos algumas

das dificuldades experimentadas na fase anterior. São evidentes o melhor ajustamento da

atleta aos novos ambientes e a superação de algumas das dificuldades experimentadas na fase

anterior em relação ao idioma, ao preconceito, à solidão, à saudade e ao uso da moeda local.

Isso é muito importante pelo fato de que o sentimento de pertença ao novo lugar, à nova

cultura e ao novo clube se reflete muitas vezes num melhor desempenho esportivo, dando

início à construção de uma identidade nova.

Como uma das tarefas fundamentais dessa fase é se introduzir com maestria na

realidade do novo clube e em seu cotidiano, nossa atleta ressalta que se adaptou bem aos

treinos por sua similaridade com os realizados no Brasil e avalia positivamente a estrutura que

encontrou.

Na fase de adaptação sociocultural, concluiu-se que fracassos na adaptação à migração

atlética internacional podem decorrer do fato de o atleta não ter as qualidades psicológicas

necessárias a esse processo, preparo suficiente sobre os aspectos culturais que enfrentará no

novo país e ajuda inadequada ou inexistente no processo de aculturação.

Habilidades psicológicas facilitam o processo de aculturação, no qual o indivíduo se

socializa numa nova cultura. Quanto maior a aculturação, mais se adotam a língua, os

costumes, atitudes e comportamentos da cultura predominante. A apropriação do idioma foi

fundamental para o processo de aculturação da atleta, que se adaptou em dois meses.

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Entre os principais pontos que poderiam ter dificultado o processo de aculturação na

migração atlética, identificaram-se questões relativas a informações sobre o futuro país/clube,

ao idioma, ao apoio e à discriminação social, à distância da família e a diferenças culturais,

elementos que podem levar o atleta a viver situações de isolamento e dificuldade de

estabelecer relações interpessoais.

Apontam-se entre os fracassos na adaptação ao exterior o fato de o indivíduo não ter

as qualidades psicológicas necessárias ao processo de migração, um treinamento deficiente

sobre os aspectos culturais que enfrentará no novo país e uma ajuda inadequada ou inexistente

durante esse processo.

As possíveis dificuldades que um atleta migrante pode enfrentar no exterior podem

implicar problemas de ordem emocional, desempenho fraco e até um retorno prematuro.

A globalização do mundo esportivo é um fato. O handebol feminino brasileiro está

inserido nesse contexto desde as Olimpíadas de Sidney, apresentando um grande crescimento

na busca e inserção de atletas nesse processo nos últimos anos. O handebol é uma modalidade

esportiva olímpica, e o Brasil é um país continental. Tudo isso impõe que se pensem modelos

de intervenção que preparem os atletas para a migração atlética tanto nacional quanto

internacional como fator de desenvolvimento e crescimento técnico e de desenvolvimento do

esporte.

Acreditamos que o que sabemos hoje sobre migração atlética internacional e

aculturação deve se expandir no contexto esportivo nacional, concorrendo para a formação e a

capacitação de atletas para se tornem atletas de elite e tenham êxito em futura(s)

migração(ões) esportiva(s) internacional(is). O processo de migração atlética no handebol

feminino é emergente e deve ser estudado, pois a transição para uma nova cultura exige

orientação e acompanhamento.

É imperioso que se elaborem programas de treinamento intercultural com início ainda

no lugar de origem, por profissionais capacitados, com estratégias para o processo de

aculturação que possam ser aplicadas ao contexto esportivo e com a participação de todos os

envolvidos.

Há necessidade de conhecimentos mais relevantes sobre as implicações psicológicas e

o perfil psicológico dos atletas que possam ajudá-los no processo de migração. Compreender

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profundamente a aculturação permitirá que todos os envolvidos com atletas migrantes

trabalhem para que se reconheça e respeite sua identidade cultural e pessoal e, ao mesmo

tempo, se facilite sua adaptação às existentes na sociedade de acolhimento, minimizando os

problemas e as dificuldades que podem surgir na consecução desse processo, pela criação de

mecanismos de negociação para a migração atlética.

Finalmente, é necessário que novas pesquisas se dediquem a investigar outras

variáveis como, por exemplo, as associadas à sensação de isolamento e à dificuldade de

estabelecer relações, fatores que podem se intensificar em ambientes de muita pressão, como

é o caso do esporte de alto rendimento.

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APÊNDICE 1

Roteiro da entrevista

Compõem este roteiro, questões sobre as fases de pretransição, de adaptação cultural aguda e

a de adaptação sociocultural da primeira migração atlética internacional da atleta pesquisada.

Cada etapa foi identificada, seguida por questões norteadoras e complementada por questões

de apoio, com o objetivo de enriquecer a análise.

Perguntas sobre o processo de migração atlética

Fatores que contribuíram para a migração atlética internacional

I – Fase de pretransição

Como surgiu a oportunidade de migração atlética internacional?

Você recebeu informações relativas ao país? Quais? De que maneira?

Tinha informações sobre o clube/a equipe? Quais? Como as obteve?

Recebeu algum tipo de apoio nessa fase do processo? Qual? De que maneira?

Como você caracterizaria esse apoio?

Obteve apoio familiar? De amigos? Quais?

Qual o motivo de sua aceitação e decisão de empreender uma migração atlética internacional?

(Financeiro, status, melhoria técnica, outras possibilidades.)

Quais eram suas expectativas nesse contexto?

Como considera sua preparação para enfrentar a mudança de país?

Descreva o processo inicial de preparação para sua migração atlética internacional.

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II – Fase de adaptação cultural aguda e adaptação sociocultural

A – Adaptação geral

Teve apoio para sua integração? Qual?

Que tipo de auxílio obteve ao chegar ao novo país?

Que dificuldades que sentiu durante sua integração? Por quê?

Foi feito algum programa de ajustamento durante a sua integração? Qual?

O que considera uma falha grave nesse processo? Por quê?

Comunicava-se frequentemente com seu país? Com que regularidade? De que maneira?

Como caracterizava a comunicação com seu país? Explique.

Cite fatos que tenham colaborado para sua adaptação.

Cite fatos que tenham prejudicado sua adaptação.

Quanto tempo demorou para se considerar em processo de adaptação? Por quê?

Como foi sua recepção por ser estrangeira?

B – Adaptação ao clube

Como se concretizaram suas expectativas em relação ao clube de destino? Comente.

O novo clube ofereceu moradia para você, para sua família, lhe proporcionou estudo do novo

idioma, continuação dos estudos escolares, lhe ofereceu intérprete, soube respeitar seu tempo

de adaptação, lhe proporcionou novos amigos, melhor salário, melhores condições de vida?

Como você respondeu às adaptações técnicas e táticas à nova equipe? Teve auxílio?

Houve alguma intercorrência nas condições da estrutura de treinamento na nova equipe? quais

eram as condições de treino (horários e rotina)?

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Como foi a relação com o técnico, com as jogadoras, com a comissão técnica e com os

dirigentes da nova equipe?

Que problemas enfrentou em seu desempenho esportivo? Por quê?

Que dificuldades ou problemas pessoais ou emocionais enfrentou? Por quê?

Como foi a recepção da torcida da nova equipe?

Houve alguma intercorrência com jogadoras de equipes adversárias?

Quanto problemas físicos ou emocionais interferiram em seu desempenho? Por quê?

No novo clube, como você se comportou em relação a vontade, determinação e concentração

nos treinos? E em ser popular, ajudar mais suas companheiras de equipe, respeitar mais a

autoridade do técnico?

C – Adaptação à interação

Quais foram suas vivências e percepções relativas a esse processo? Explique.

Quais foram as dificuldades enfrentadas na comunicação em razão do novo idioma?

De modo geral, considera ter tido dificuldade de comunicação? Por quê?

Com que relevância a adaptação a um clima diferente interferiu em seu desempenho?

Como caracteriza seu enfrentamento de discriminação racial e quanto a imagem e o

preconceito por ser brasileira interviu em sua adaptação (pela população e/ou torcida)?

Com que relevância as diferenças religiosas e hábitos culturais diferentes interferiram em seu

desempenho?

Como se apresentou o serviço de saúde do novo país?

A mudança de alimentação interferiu em sua adaptação? Por quê?

Alguma interferência relativa a religiosidade? Explique.

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Quais foram as questões emocionais enfrentadas nesse contexto?

Qual sua percepção sobre a dificuldade de estar sozinha num lugar distante da família e de

amigos? A ausência da família e de amigos interferiram em sua adaptação?

Como se tornou o convívio com sua família após a mudança de clube/país?

Como se apresentou a vida social dentro e fora do clube?

Quais foram as situações que a levaram em algum momento a pensar em desistir do processo?

(Não adaptação, saudade, sofrimento, recuperação física ou psicológica.) Explique.

Como foi o convívio com o povo do novo país: a vida social extraclube, serviços como

supermercados, os alimentos, as normas e leis, novos amigos extraclube?

Que questões relativas à moeda local enfrentou?

Questões financeiras influenciaram sua adaptação?

IV – Comentários diversos

Gostaria de acrescentar algo?

Como você avalia o processo de mudança de clube e de país?

Como você qualifica seus sentimentos quando trocou de clube/país?

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APÊNDICE 2

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Atleta)

TÍTULO DA PESQUISA

Migração atlética internacional e aculturação de atleta de elite do handebol feminino

brasileiro: estudo de caso

Eu, _________________________________________________________, data de

nascimento: ____/____/________, documento de identidade tipo: ____, n°

________________, endereço: _________________________________________________,

telefone: ____________, e-mail: ___________________________, abaixo assinado, dou meu

consentimento livre e esclarecido para participar como voluntária da pesquisa Migração

atlética internacional e aculturação de atleta de elite do handebol feminino brasileiro: estudo

de caso, sob responsabilidade da pesquisadora Marisa Cecilia Loffredo e da orientadora Maria

Regina Ferreira Brandão, da instituição de ensino Universidade São Judas Tadeu, Grupo de

Estudos em Psicologia do Esporte – CNPq.

Assinando este Termo de Consentimento, estou ciente de que:

! Responderei a uma entrevista que durará cerca de 40 (quarenta) minutos, com a finalidade

de saber como vivenciei o processo de migração atlética como atleta de handebol.

! As informações obtidas são sigilosas e não serão usadas com outras finalidades que não a

publicação na literatura científica especializada, resguardando-se a identificação do sujeito.

! As entrevistas serão gravadas com gravador e posteriormente transcritas verbatim. Após

esse procedimento, os dados serão apagados.

! Os procedimentos para este estudo apresentam riscos mínimos de constrangimento pelo

teor das perguntas, mas, caso eu não me sinta à vontade, poderei interromper a qualquer

momento minha participação na pesquisa e retornar se tiver interesse. Estou ciente também

de que, em casos de maiores incômodos com minha participação no estudo, posso procurar

atendimento psicológico gratuito na clínica de psicologia da Universidade São Judas

Tadeu.

! Como benefício, através desse estudo, poderei obter informações sobre o processo de

migração atlética para outro país e as implicações psicológicas decorrentes.

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! Não haverá despesas pessoais para mim em qualquer fase do estudo. Também não haverá

compensação financeira relativa a minha participação. Toda e qualquer despesa será de

responsabilidade das pesquisadoras.

! Em qualquer etapa do estudo, terei acesso às profissionais responsáveis pela pesquisa para

esclarecimento de eventuais dúvidas, sendo elas: Profª Marisa Cecilia Loffredo, que pode

ser encontrada no telefone (11) 9 8145-4492 ou no endereço Rua Taquari, 546 – Mooca –

São Paulo-SP (Universidade São Judas Tadeu), e Profª PhD Maria Regina Ferreira

Brandão.

! Poderei contatar o comitê de ética em pesquisa da Universidade São Judas Tadeu para

apresentar recursos ou reclamações em relação à pesquisa através do telefone: (11) 2799-

1946.

! Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem

realizados, seus desconfortos, riscos e benefícios, assim como as garantias de

confidencialidade e de esclarecimentos permanentes.

! Acredito ter sido suficientemente informada a respeito da pesquisa e concordo

voluntariamente em participar desse estudo, sabendo que poderei retirar meu consentimento

a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades, prejuízos ou perda de

qualquer benefício que eu possa ter adquirido ou no meu atendimento nesse serviço.

Este termo de consentimento é feito em duas vias, sendo que uma permanecerá em meu poder

e a outra em poder da pesquisadora. Ambas as vias têm todas as páginas rubricadas pela

pesquisadora e por mim.

___________________________________ Data ____/____/________ Assinatura da voluntária (Somente para a responsável pelo projeto)

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido

deste participante para a participação neste estudo.

___________________________________ Data ____/____/________ Assinatura da responsável pelo estudo