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Mudança e sustentabilidade na moda LIS: Lideranças Inovadoras para Sustentabilidade Organização: Susana Simões Leal

Mudanç˜ - institutocea.org.br · 7 A reinvenção da moda N o Brasil e no mundo, ainda não somos muitos os que se dedicam a fomentar a sustentabilidade na indústria da moda. Nosso

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  • Mudançae s u s t e n t a b i l i d a d e n a m o d a

    LIS: Lideranças Inovadoras para Sustentabilidade

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    Organização: Susana Simões Leal

  • Mudançae s u s t e n t a b i l i d a d e n a m o d a

    Instituto C&A

    realização apoio

  • Mudançae s u s t e n t a b i l i d a d e n a m o d a

    LIS: uma proposta para lideranças inovadoras

    Organização: Susana Simões Leal

  • 5

    Apresentação: a reinvenção da moda .............................................................................07

    Prefácio ..................................................................................................................................... 09

    Agradecimentos ...................................................................................................................... 15

    Capítulo 1. Construindo um novo pensar: os desafios da moda em um mundo em transição ...............................18

    Capítulo 2. Aspectos inovadores do LIS Moda.........................................28

    Capítulo 3. O caminho ................................................................................................48

    Capítulo 4. Reflexões e aprendizagens sobre a experiência ........ 174

    Capítulo 5. Considerações finais .......................................................................184

    Bibliografia ............................................................................................................................ 203

  • 6

  • 7

    A reinvenção da moda

    No Brasil e no mundo, ainda não somos muitos os que se dedicam a fomentar a sustentabilidade na indústria da moda. Nosso campo de atuação se cons-titui gradativamente, mas com solidez, reunindo diferentes perspectivas e atores, como ONGs de defesa de direitos, fundações, ambientalistas, pensadores,

    órgãos setoriais da indústria e profissionais do mercado.

    Celeiro de pensadores e berço da formação profissional, a universidade tam-

    bém tem aberto suas portas para esse movimento. Um exemplo disso é a realização

    do programa LIS Moda – Liderança Inovadora para Sustentabilidade, uma iniciati-

    va do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania (AEC), de Recife (PE), em parceria

    com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

    Implementado em escala piloto, o programa teve a proposta de desenvolver

    profissionais da moda para se engajarem em processos de mudança no setor. Ao

    longo de quatro meses, um grupo pioneiro de alunos mergulhou fundo em questões

    de contexto, analisou oportunidades e desafios e estudou a cadeia produtiva têxtil e

    de vestuário em toda a sua complexidade.

    A busca pela sustentabilidade nos diversos planos – econômico, social, am-

    biental – marcou o ritmo das discussões, que foram conduzidas por especialistas

    renomados e usando processos de aprendizagem de vanguarda. Além do nosso

    apoio, a parceria da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) também mere-

    ce destaque na realização do curso, pois serviu de ponte entre academia e mercado,

    tornando o conteúdo mais relevante.

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    8

    No diálogo entre pares e em dinâmicas de autoconhecimento, em reflexões

    conceituais e por meio de conhecimento pragmático, temas como inovação e lide-

    rança ganharam amplo significado para os participantes do programa LIS Moda.

    Traduzida para a indústria da moda, a noção de liderança ligou-se ao papel

    de cada indivíduo como agente de mudanças e à sua capacidade de influenciar

    outras pessoas a agir de forma colaborativa em projetos de interesse coletivo. A

    mensagem do curso foi clara: atuar sobre a realidade com o olhar sistêmico nunca

    foi tão importante.

    A ideia da inovação, que, posta de forma simples, remete a novos jeitos de

    fazer, evocou a possibilidade de a cadeia produtiva têxtil e de vestuário trazer im-

    pactos positivos diferenciados para a sociedade. Em outras palavras, o que se quer é

    uma indústria cujos benefícios vão além da geração de empregos e de lucro.

    Muito mais do que formar sua primeira turma, ao abraçar a proposta de

    desenvolver lideranças inovadoras para a sustentabilidade, o programa LIS Moda

    jogou novas sementes no campo da moda sustentável: criou, implementou e apri-

    morou uma grade curricular inédita e que pode ser replicada por outras universida-

    des e mesmo por empresas.

    E, acima de tudo, mostrou aos profissionais de hoje e do futuro como é

    importante ousar fazer, sair da forma tradicional de ver as coisas, com a intenção

    de enxergar soluções que ainda ninguém viu. Mais detalhes nas páginas a seguir.

    Boa leitura!

    Giuliana OrtegaInstituto C&A

    Missão do Instituto C&A

    Inspirar a crença de que a indústria da moda pode mudar e apoiar iniciativas

    que irão fazer isso acontecer.

    Visão

    Uma indústria da moda justa e sustentável, em que todas as pessoas pos-

    sam prosperar.

  • 9

    Prefácio

    Quando pensamos em sistematizar a experiência do LIS Moda – Lideranças Inovadoras para o Futuro da Moda: Responsabilidade Social e Sustentabi-lidade –, nós nos perguntamos logo “Para quê?” e “Para quem?”. Primeiro, para que essa experiência pudesse servir de inspiração para setores empresariais

    que desejassem se articular e colaborar entre si na busca de soluções inovadoras

    e sustentáveis que respondam aos desafios de um contexto econômico e socioam-

    biental que demanda mudança.

    Em segundo lugar, para provocar reflexão nas escolas de negócios sobre a

    importância de investir no desenvolvimento de um novo perfil de liderança, mais

    consciente, mais colaborativa, mais relacional, com habilidades para resolver pro-

    blemas complexos e coragem para iniciar o caminho da mudança nos padrões de

    atuação vigentes no ambiente econômico. Em sua abordagem, o LIS Moda catali-

    sou conhecimentos, metodologias diferenciadas e uma vasta experiência acumu-

    lada pelas organizações nele envolvidas. O curso trouxe mais do que novos conhe-

    cimentos, trouxe experiências vividas em um momento muito significativo para a

    história do nosso país.

    O físico David Bohm, em sua teoria da totalidade e ordem implicada,

    entende o universo como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados, cuja

    estrutura é determinada pela coerência das inter-relações das partes, em que a

    consciência seria um aspecto essencial nesse universo. A ordem implicada boh-

    miana é um todo ininterrupto e multidimensional, de dimensionalidade infinita,

    de onde tudo se desdobra.

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    10

    O LIS Moda se desdobrou de um momento histórico do nosso país, que foi

    prenúncio de grandes mudanças. Depois de quase 30 anos sob uma ditatura militar,

    que reproduzia o poder oligárquico há muito presente em nossa história, o Brasil

    dos anos 1980 e 1990 vivia a novidade da democracia. Nessa esteira floresciam a

    participação cidadã e os movimentos sociais. Eram cidadãos e cidadãs desejosos de

    participar, que vinham da política, de movimentos sociais de base, de movimentos

    estudantis e também das empresas. A frase da antropóloga e escritora Margaret

    Mead era repetida em muitas esquinas: “Nunca duvide que um pequeno grupo de

    pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim

    que o mundo mudou”.

    Esse foi o ambiente que propiciou e deu relevância ao tema da ética atrelada

    à responsabilidade social empresarial, levado por organizações como o Instituto

    Ethos – Empresas e Responsabilidade Social, o Grupo de Institutos, Fundações e

    Empresas em São Paulo (GIFE ) e também pela Rede ACE – Ação Empresarial pela

    Cidadania no Brasil, que logo se espalhou por 13 estados brasileiros. Assim surgiu o

    Instituto Ação Empresarial Pela Cidadania em Pernambuco, em 1999, como um dos

    primeiros núcleos dessa rede.

    O movimento surge em Recife a partir de um pequeno grupo de pessoas

    conscientes e engajadas vindas do setor empresarial, entre as quais eu me encon-

    trava. Dediquei dez anos à realização dessa iniciativa, período em que tivemos a

    oportunidade de movimentar 65 empresas em torno do tema da responsabilidade

    social empresarial e da sustentabilidade. No diálogo com executivos e lideranças

    dessas empresas, logo compreendemos os muitos desafios e contradições que elas

    enfrentavam na busca de cumprir sua função social e alinhar suas práticas e seus

    valores a padrões mais éticos e sustentáveis, enquanto o paradigma do lucro ainda

    ditava as regras do mercado.

    Realizamos inúmeros fóruns, discussões, rodas de conversa, oficinas dentro

    e fora das empresas, seminários e congressos regionais, na expectativa de promo-

    ver a consciência da responsabilidade social e da sustentabilidade no ambiente

    empresarial. Todavia, percebemos que esse tipo de abordagem não era suficiente,

    estávamos tocando apenas nas questões superficiais e visíveis de um “iceberg” ex-

    tremamente complexo representado pelo mercado. Era preciso entender os padrões,

    estruturas e modelos mentais desse ambiente, e o que impedia que mudanças efe-

    tivas acontecessem.

    Com esse pressuposto foi criado o Programa Lidera. O objetivo era aprofun-

    dar a reflexão, trabalhar diretamente com as pessoas, e não apenas com as orga-

    nizações. Sabíamos que era no âmbito individual e a partir dele que as mudanças

    iriam ocorrer verdadeiramente. Trabalhar seus processos de autodesenvolvimento,

    ajudá-los na apropriação de novos paradigmas de pensamento, desenvolver ha-

    bilidades e competências que usualmente não eram incluídas nos currículos dos

    cursos de graduação ou especialização nas universidades e escolas de negócios.

    Realizamos quatro edições desse curso, com uma média de 15 participantes por tur-

  • Prefácio

    11

    ma. Após a terceira edição, foi feita uma avaliação com seu grupo de participantes,

    e descobrimos uma contradição a ser trabalhada: Como construir uma ponte entre

    o “mundo Lidera” e o mundo real?

    Essa questão também esteve presente em outra pesquisa, dessa vez fora do

    ambiente do Lidera. Havíamos sido convidados pela Fundação Avina a liderar uma

    pesquisa de campo junto aos 13 núcleos de Cidadania Empresarial que formavam

    a Rede ACE. A proposta era entrevistar suas lideranças, fazer um levantamento de

    suas ações, analisar os resultados obtidos junto às empresas e seus desdobramen-

    tos nos setores onde atuavam.

    Visitamos empresas de Norte a Sul do país, conversamos com cerca de 50

    lideranças, entre empresários e executivos à frente de empresas que animavam o

    movimento da responsabilidade social empresarial localmente. O resultado desse

    trabalho foi registrado no livro Cidadania empresarial no Brasil: análise da atuação

    dos núcleos da Rede ACE 1, e confirmou a preocupação encontrada no Lidera sobre

    os desafios, limitações e contradições da atuação das empresas e empresários na

    busca por se alinhar às práticas da responsabilidade social e da sustentabilidade.

    Ou seja, por mais que o tema da responsabilidade social e da sustentabi-

    lidade fosse incluído na visão, na missão e nos objetivos das empresas, ou ain-

    da que se criassem institutos e fundações empresariais que contribuíssem para

    o desenvolvimento socioambiental da região onde estão, não se conseguia criar

    conexão entre os interesses das empresas e os interesses da comunidade onde

    estavam inseridas. O desafio era buscar formas de promover o entendimento de

    que a sustentabilidade e o futuro das empresas estão diretamente implicados com

    o desenvolvimento, a sustentabilidade do campo social e a conservação do meio

    ambiente onde elas se encontram.

    Em outras palavras, a ideia era considerar que hoje a economia ainda se

    move através de recursos equivalentes ao consumo de 1,5 planetas Terra por ano e

    da manutenção de 2,5 bilhões de seres humanos excluídos do círculo de geração e

    usofruto das riquezas. Como é possível sustentar um negócio em um planeta social

    e ambientalmente insustentável? O que é preciso ser feito para transformar a ma-

    neira como hoje fazemos negócios? O que está emergindo na economia que aponta

    para um futuro mais sustentável e o bem-estar coletivo? Era preciso criar espaço

    para desenvolver lideranças em todos os níveis do sistema. Ou seja, gerar um prota-

    gonismo coletivo e colaborativo, gerar a compreensão de que uma empresa isola-

    damente não teria capacidade para realizar as mudanças necessárias na economia

    como um todo, mas, articulada com seus setores, certamente seria bem-sucedida.

    Com esses pressupostos, resolvi desligar-me do executivo do Instituto AEC

    para me dedicar aos estudos em um mestrado em Learning for Sustainability,

    na Universidade de Plymouth, na Inglaterra. Na bagagem levava a experiência

    vivida nesses dez anos de trabalho na disseminação dos temas da responsabili-

    dade social empresarial e da sustentabilidade e o desejo de encontrar respostas.

    Quanto mais nos aprofundávamos nesses estudos, mais percebíamos que a chave

    1Disponível em:

    .

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    12

    da desejada mudança passava necessariamente pelo individual, mas só se reali-

    zaria no coletivo. Estava claro, portanto, que o diálogo e a colaboração seriam a

    alavanca para tudo isso.

    Com essa perspectiva, reunimos um grupo de dez lideranças egressas do

    programa Lidera para, através de uma pesquisa-ação, refletirmos juntos e cons-

    truirmos uma nova proposta de formação que respondesse aos pressupostos colo-

    cados. Assim, estabelecemos os pilares da dissertação de mestrado que foi semente

    para o processo de aprendizagem que depois se transformaria num curso sobre li-

    derança, inovação e sustentabilidade que ocorreu na PUC de São Paulo em 2017.

    Por que em São Paulo e não em Recife? Para responder a essa pergunta,

    precisamos, antes, compreender o conceito da sincronicidade, que foi tão presente

    em toda a trajetória do LIS. Nas palavras de C.G.Jung, psicanalista e autor do con-

    ceito, a sincronicidade é “uma coincidência significativa de dois ou mais eventos, em

    que algo mais do que a probabilidade do acaso está envolvido” (apud Jaworsky,

    1998). Jung diz ainda que “no belo fluir de tais momentos, temos a impressão de ser

    auxiliados por mãos invisíveis”.

    Não tenho dúvidas de que a proposta do LIS “fluiu” numa sucessão de even-

    tos e fatos encadeados, envolvendo situações e pessoas, que terminaram por con-

    duzir sua realização no foco daquele propósito que havia sido formulado lá atrás,

    no sentido de reunir potenciais lideranças de um setor em torno dos seus desafios.

    Parecia haver mesmo uma “mão invisível” abrindo e fechando portas para que

    acontecesse da forma como aconteceu, disso eu não tinha dúvidas.

    Ainda em Recife, o processo de construção do projeto LIS já nos ensinava a

    relevância da colaboração e do engajamento das pessoas para o sucesso de uma

    iniciativa. Conseguimos reunir inicialmente um pequeno grupo de colaboradores,

    e todos trouxeram importantes aportes, mesmo nas contribuições pontuais havia

    sempre algo novo e de valor a ser incorporado.

    Assim, por meio do apoio e da provocação do Instituto C&A, chegamos à

    PUC-São Paulo em meados de 2014 levando a proposta de realizar uma especiali-

    zação de 360 horas/aulas: o curso LIS – Lideranças Inovadoras para Sustentabili-

    dade. Inicialmente fomos acolhidos pelo Núcleo de Estudos Futuros (NEF) da PUC e

    passamos por um processo de aprovação da proposta junto ao Conselho de Ensino,

    Pesquisa e Extensão (CEPE) e à Pró-Reitoria de Educação Continuada, o que durou

    cerca de seis meses.

    Em meados de 2015, com o curso finalmente aprovado, começamos as ar-

    ticulações para lançá-lo de forma efetiva em março de 2016. Nesse caminho reu-

    nimos em torno da proposta um grupo interessado de professores e pesquisadores

    dessa universidade, atraídos pela proposta de ensino inovadora do LIS. Realizamos

    encontros, oficinas e construímos de forma colaborativa uma proposta para o curso

    que congregava os diferentes saberes daquele grupo e toda uma história. Avança-

    mos em relação à proposta inicial, entretanto nos mantivemos fiel à essência e ao

    propósito construído ao longo de toda a sua história que estava implicada no LIS.

  • Prefácio

    13

    Esse curso de especialização foi lançado para iniciar em março de 2016,

    e nesse momento já estava integrado à Faculdade de Economia, Administração,

    Contábeis e Atuariais (FEA) da PUC-SP. Entretanto não fomos bem-sucedidos na

    formação da primeira turma, como aconteceu com tantos outros cursos da PUC-SP

    naquele ano, em virtude das incertezas que o país vivia. E mais uma vez a sincroni-

    cidade nos levava para outro lugar.

    Encarando a não realização do curso como oportunidade de aprendizagem,

    reunimos a equipe de facilitadores para avaliar os acontecimentos e rever a aborda-

    gem e a estratégia do curso. Era o momento de confiar na intuição, se conectar com

    o coração, deixar ir o que não era para permanecer e se abrir para novas possibilida-

    des que emergiam com a convicção de que não havíamos chegado até ali em vão,

    havia uma história e um caminho que nos haviam trazido até aquele momento, e

    era isso que nos levaria ao lugar que nos estava reservado.

    Nessa direção, a equipe do LIS reviu mais uma vez a sua proposta, buscou se

    reconectar com o campo de onde ela havia surgido, e atentar para o que haveria de

    emergir desse campo. Novas pessoas interessadas surgiram e também novos par-

    ceiros. Realizamos encontros e oficinas sobre as questões e temas relacionados ao

    curso, foram muitas conversas com diferentes pessoas. Nesse diálogo com os par-

    ceiros ouvimos o Instituto C&A e a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX),

    no sentido de construirmos um curso de extensão universitária com apenas 117 ho-

    ras/aula, que mantivesse a essência transformadora do LIS, porém, direcionado a

    lideranças do setor da moda. Assim surgiu o curso “Lideranças Inovadoras para o

    Futuro da Moda: Responsabilidade Social e Sustentabilidade”, incorporando nessa

    parceria a larga experiência desses importantes atores do setor.

    Com esse olhar, o LIS Moda concebeu um modelo de ensino/aprendizagem

    que, para além da simples aquisição de conhecimentos, buscasse também desen-

    volver novos paradigmas de pensamento, competências e habilidades em seus

    participantes, preparando-os para compreender desafios complexos, lidar com as

    relações nos diversos espaços onde atuavam e considerar as questões que emer-

    giam de um contexto local e global interdependentes, incerto e em constante mu-

    dança, na busca por soluções. Como aprender a partir da sua própria experiência,

    e como produzir isso coletiva e colaborativamente? Como identificar o lugar onde

    devo atuar, conectar minha vida profissional com o meu propósito de vida? Estas e

    muitas outras questões foram mobilizadoras dessa jornada e foco da sistematiza-

    ção que lerão em seguida.

    Nossa intenção, ao descrever esta experiência e publicá-la, foi permitir que o

    leitor percorresse cada passo dessa jornada e extraísse dela o que tem de mais sig-

    nificativo para ser aplicado em sua própria experiência. A ideia foi de convidar todos

    para percorrerem esse caminho em busca de respostas. Se você for um educador

    que atua em escolas de negócios e deseja ajudar jovens empreendedores a desen-

    volverem uma nova visão do seu negócio, adquirir formas de liderar em ambientes

    coletivos, de colaboração e de transformação, deixe-se levar por essa experiência,

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    14

    e que ela possa estimular o seu desejo de fazer diferente nos espaços de ensino/

    aprendizagem, fazer junto e aprender com os aprendizes.

    Se você for empresário da moda, ao ler sobre essa experiência, sinta-se con-

    vidado a unir-se a esse movimento de construção de futuro para o seu setor, nele

    sua empresa encontrará apoio para colaborar com outras e, juntas, encontrão for-

    mas inovadoras e mais sustentáveis de atuar.

    No entanto, você pode ser um empresário de outro setor que deseja com-

    preender o que o futuro reserva de melhor para os seus negócios, então, que tal

    reunir-se a outras lideranças para juntos pensarem numa proposta de futuro? Talvez

    aqui você encontre uma fonte de inspiração. Desejamos a todos uma boa leitura!

    Susana Simões Leal Coordenadora do Projeto LIS e Co-coordenadora do curso LIS Moda

    Membro do Conselho do Instituto AEC

    Recife, Pernambuco

    Março de 2018

  • 15

    Nós que tivemos o privilégio de vivenciar a experiência do LIS constatamos na prática a realidade desta fala de Martin Luther King: Todas as pessoas estão presas numa mesma teia inescapável de mutualidades, entrelaçadas num único tecido do destino. O que quer que afete um diretamente afeta a todos indireta-

    mente. Eu nunca posso ser o que deveria ser até que você seja o que deve ser. E você

    nunca poderá ser o que deve ser até que eu seja o que devo ser.

    O LIS jamais teria acontecido como aconteceu se não fossem a contribuição

    e o compromisso de todos os que se envolveram em sua iniciativa.

    Não temos palavras para descrever a importância de cada um nessa cons-

    trução, qualquer que tenha sido a sua participação. A sensação é de que se ao me-

    nos um dos participantes não estivesse presente nessa iniciativa, o resultado não

    teria sido o mesmo. Assim, gostaríamos de agradecer a todos os estudantes, facili-

    tadores e convidados que juntos fizeram o LIS Moda acontecer.

    Somos profundamente gratos ao Instituto C&A que por 12 anos foi parcei-

    ro do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania em diversas iniciativas e que cul-

    minou no Projeto LIS. Muito especialmente queremos agradecer o privilégio de ter

    tido a parceria de pessoas como Paulo Castro e Giuliana Ortega, Janaína Jatobá,

    Cristiane Felix e Patrícia Lacerda que nos quatro anos de duração do Projeto LIS –

    Lideranças Inovadores para Sustentabilidade e do LIS Moda foram se sucedendo em

    presença e acolhimento aos desafios trazidos pela iniciativa.

    Gratidão à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que se

    abriu para receber esse projeto, inicialmente no seio do Núcleo de Estudos Futuros

    (NEF), através do apoio do professor Arnoldo Hoyos e logo em seguida pela Facul-

    dade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais (FEA), através do apoio

    do seu diretor à época Francisco Antônio Serralvo, e da dedicação incansável dos

    professores João Monteiro e Ruth Yamada Lopes Trigo.

    Agradecimentos

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    16

    Somos gratos à Associação Brasileira de Varejo Têxtil (ABVTEX) na pessoa

    do seu diretor executivo Edmundo Lima, que soube enxergar nessa iniciativa todo

    seu potencial e engajou-se de coração na construção do programa desse curso, na

    mobilização dos participantes e em sua realização.

    Ao núcleo de ação e construtores dessa iniciativa, coordenadores e facilita-

    dores do curso e também autores deste livro, Márcio Waked de Morais Rêgo, Ruth

    Yamada Trigo, Lígia Pimenta e George R. Stein. A vocês, um misto de gratidão e pri-

    vilégio por terem sido mais do que parceiros ou colaboradores, mas companheiros

    resilientes dessa jornada. Juntos, enfrentamos muitos desafios e reinventamos cada

    passo desse caminho. Aprendemos muito uns com os outros.

    À Nádia Rebouças, por abraçar a proposta do LIS Moda e contribuir com

    toda sua experiência e essência para o tema da comunicação tanto no curso como

    neste livro.

    À Sandra Mara Costa, por seu engajamento e importante contribuição

    dados à concepção deste livro.

    Não podemos deixar de agradecer àqueles que sonharam junto conosco e

    deixaram uma marca insubstituível de colaboração nessa iniciativa: Roberto Ga-

    lassi do Amaral, Rosa Alegria, Ivan Rocha, Dalberto Adulis (in memoriam), Rita

    Mendonça, Ladislau Dowbor, Sonia Yokoto, Wagner Pedro e Rosa Maia Antunes.

    Sem vocês e tantos outros que não haveria espaço neste livro para mencionar, esta

    iniciativa não teria sido como foi.

    Acima de tudo e de todos, soli Deo gloria.

  • 17

  • 18 19

    Capí

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    ção

  • 20

  • Capítulo 1 • Construindo um novo pensar

    21

    “Todas as pessoas estão capturadas em uma rede inescapá-

    vel de mutualidade, ligadas por um único tecido do destino.

    O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indi-

    retamente. Eu nunca poderei ser o que eu devo ser até que

    você seja o que deve ser. E você nunca poderá ser o que deve

    ser até que eu seja o que devo ser”. Martin Luther King

    Segundo Jared Diamond, em seu reconhecido livro Colapso, de uma manei-ra ou de outra os problemas socioambientais do mundo serão resolvidos no prazo de uma geração. A única dúvida é se isso acontecerá de maneira agradável, por meio de nossas escolhas, com uma mudança voluntária na nossa

    forma de viver, ou de maneira desagradável, por meio de situações que provoquem

    guerras, genocídios, fome, epidemias, colapso ambiental em comunidades e países

    inteiros. Sem dúvida, é melhor fazer uma escolha consciente e despertar desse so-

    nho de consumo desmedido e reinventar nossa maneira de viver dentro dos limites

    materiais da Terra.

    Em busca de resolver essas questões, existem muitas iniciativas de resga-

    tar a capacidade regenerativa do planeta. Um exemplo disso são os movimentos e

    discussões em torno do Fórum Econômico Mundial de Davos, que acontece há 46

    anos e reúne os principais líderes empresariais, políticos, intelectuais e jornalistas

    do mundo, para discutir questões que emergem do atual modelo econômico e se

    desdobram num ambiente de produção e consumo que vem inviabilizando a sus-

    tentabilidade do planeta, com impactos extremamente negativos sobre a qualidade

    de vida das pessoas e no ambiente natural.

    Discussões como essas têm incitado setores da sociedade, inclusive os mais

    conservadores, como a Igreja Católica. Em 2015, por meio da Encíclica Laudato Si,

    o Papa Francisco critica o consumismo exacerbado e o desenvolvimento irrespon-

    sável fazendo um apelo à mudança e unificação global das ações para combater a

    degradação social e ambiental. Além disso, aprofunda a discussão sobre a susten-

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    22

    tabilidade da vida humana no planeta e provoca uma reflexão no plano individual

    que toca no sentido da existência e dos valores que estão na base da desintegração

    social e ambiental que se vive hoje. Este é um contexto de mundo que exige mudan-

    ças em todos os setores da sociedade e da economia, inclusive da moda, que não

    pode ser esquecido.

    Lançado em 2016, um vídeo da National Geographic deixou claro que a in-

    dústria da moda é o segundo maior poluidor de recursos de água doce do planeta

    em virtude dos resíduos de tingimento e de tratamento de sua produção têxtil. Além

    disso, causa grandes problemas na vida marinha, uma vez que os microplásticos

    que se desprendem das roupas sintéticas quando lavadas alimentam essas popula-

    ções ameaçando também a cadeia alimentar humana.

    Segundo o documentário a moda produz 10% das emissões globais de car-

    bono, que utiliza 24% de todos os inseticidas e 11% dos pesticidas no âmbito global,

    afetando o solo e a água de todo planeta. E ainda existe a indústria do couro com

    seus números absurdos de consumo e o descarte de roupa fast fashion, o qual sobre-

    carrega os aterros sanitários dos países do hemisfério sul, em decorrência do excesso

    de doações feitas pelos países no norte, onde são fartamente consumidas.

    Para além do processo poluidor pelo qual passam os produtos da moda, a

    sua comercialização no formato fast fashion com o dinamismo das coleções esti-

    mula o consumo e o descarte cada vez mais rápidos, alimentando, assim, fornos

    de incineração de aterros sanitários e produzindo gases, como o CO2 e o metano, os

    quais contribuem para as alterações climáticas.

    O documentário também aponta outro item relativo à insustentabilidade do

    setor da moda. O seu sistema de manufatura de roupas, cuja produção da matéria-

    -prima pode se dar num país, o corte e a costura em outro, para depois ser levada a

    lojas em diversos países.

    Diante desse quadro, não há dúvidas de que o setor da moda tem uma con-

    tribuição importante a dar para a transformação desse cenário de consumismo e

    desenvolvimento irresponsável. Desse modo, o curso LIS Moda – Lideranças Inova-

    doras para o Futuro da Moda pretende fazer parte desse movimento de mudança

    como um espaço de reflexão e de desenvolvimento de novas práticas para o setor.

    Pessoas preparadas para fazer acontecer

    Precisamos encarar o fato de que somos nós, seres humanos, que estamos

    criando os efeitos e resultados indesejáveis ao meio ambiente que presenciamos

    atualmente. Como podemos enfrentar os desafios que o planeta vem nos trazendo?

    Como podemos mudar o cenário atual?

    Nesse ambiente de busca por mudança vem à tona a necessidade de investir

    em inovação e liderança. As lideranças do passado parecem encontrar dificuldade em

    lidar com um mundo conectado, com a diversidade de pensamentos e vozes e com a

    complexidade exigida para solucionar de maneira sustentável os problemas em pauta.

  • Capítulo 1 • Construindo um novo pensar

    23

    Buscar soluções implica cada vez mais identificar todas as nuances de um

    problema, ou seja, entender toda a sua multiplicidade, afinal nenhum fenômeno é

    isolado. Aquele que cuida apenas dos interesses imediatos não é capaz de entender

    as relações entre forças que definem uma situação. Cada circunstância está relacio-

    nada a um sistema que afeta e é afetado pelo todo que a compõe.

    No atual ambiente, é necessária uma liderança capaz de rever o antigo

    modelo de pensamento linear e desenvolver capacidades para resolver problemas

    complexos. Além disso, é preciso rever formas de atuação, em que predominam o

    comando e o controle, e se preparar para compartilhar poderes e mediar diálogos

    em um exercício permanente de atenção e cuidado com as relações.

    Por um lado, a liderança de hoje deve ter a habilidade de, com seus colabo-

    radores, gerar resultados que nascerão de objetivos compartilhados por todos. Por

    outro lado, deve estar pronta para integrar movimentos auto-organizados, cujos

    membros assumem conscientemente a condução de si mesmos, enquanto se nor-

    teiam por um ideário comum e pela reciprocidade dos compromissos assumidos.

    A ideia, nesse caso, é buscar na colaboração com o outro um poder coletivo

    e a conquista de mudanças que interessem mais ao todo e menos às partes. Neste

    mundo conectado, estamos a caminho de uma revolução sem líderes. Afinal, quan-

    to maior a conexão entre as pessoas, maior a chance de superarmos sentimentos de

    cinismo e impotência e de firmarmos um compromisso em torno de um propósito

    comum, promovendo, assim, consenso e coesão e mobilizando a todos. Talvez, sa-

    ber lidar com essa multiplicidade de formas de liderar seja o maior desafio para as

    lideranças atuais.

    Nesse sentido, Adam Kahane, professor de Planejamento de Cenários da

    Universidade de Oxford e participante de diversas iniciativas de inovação social

    em ambientes complexos, nos traz a ideia de que, para lidar de forma consciente

    com este mundo turbulento e em constante evolução, é preciso focar no desenvol-

    vimento de indivíduos com altos valores pessoais, que busquem se aprofundar no

    conhecimento do seu contexto e se reúnam em torno de propósitos comuns. Ou seja,

    indivíduos que trabalhem pela construção de redes autoativadas e autorreforçado-

    ras que ajudem a enfrentarmos os grandes desafios de hoje.

    Otto Scharmer, conferencista sênior do Massachusetts Institute of Technology

    (MIT) e diretor fundador do Emerging Leaders for Innovation Across Sectors (ELIAS),

    também compartilha desse mesmo caminho. Ele criou uma plataforma que reúne

    instituições globais de liderança nos três setores (negócios, governo e sociedade) para

    produzir inovações para um mundo mais sustentável, movimentando, assim, um de-

    bate sobre as crises que vivemos. Dessa iniciativa já começam a se desdobrar várias

    correntes de pensamento, como a dos ativistas do retromovimento: “Vamos voltar

    para a antiga ordem”; dos defensores do status quo: “Simplesmente continue. Concen-

    tre-se em fazer o mesmo”; ou dos defensores da mudança transformacional individual

    e coletiva: “Existem formas de quebrar os padrões do passado e nos sintonizar com a

    nossa mais alta possibilidade futura, e começar a operar a partir desse lugar?”.

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    24

    Em outras palavras, o importante é que haja união e compartilhamento de

    ideias para que surjam lideranças capazes de lidar com as necessidades atuais e que

    pensem em cenários possíveis futuros.

    A importância de uma nova liderança

    Com o propósito de investir no desenvolvimento dessa nova liderança, ins-

    pirada em outro paradigma de pensamento e formas de atuar, e acreditando que

    existem maneiras de quebrar ideias antigas e enraizadas, nasce o LIS Moda – Lide-

    ranças Inovadoras para o Futuro da Moda. O curso aposta na formação de uma

    liderança capaz de quebrar os padrões do passado e se conectar com o que o futuro

    pode oferecer, convidando-nos a atuar a partir desse ponto. Esta publicação relata

    como o programa aconteceu e os aprendizados que gerou.

    O LIS Moda promoveu o desenvolvimento de profissionais para o setor da

    moda, convidando-os a ocuparem espaços de protagonismo e a atuarem de forma

    inovadora e articulada para transformarem a própria realidade e construírem cola-

    borativamente um futuro mais sustentável. Em outras palavras, o curso objetivou for-

    mar pessoas com habilidades e competências para atuarem em seus negócios hoje,

    mas com o olhar voltado para o futuro, investindo em inovação e nas próprias com-

    petências para liderarem iniciativas que visem a um desenvolvimento sustentável.

    Nesse caminho, o curso buscou promover reflexões, análises e vivências que

    colaborassem para o desenvolvimento de uma nova consciência e de uma atuação

    profissional alinhada com conhecimentos, habilidades e comportamentos que de-

    vem embasar a liderança de processos e iniciativas com vistas à sustentabilidade.

    Também buscou capacitar para a inovação, por meio de conceitos, conhecimentos

    e práticas inspirados em uma economia emergente que possibilita novas formas de

    fazer negócio, produtos e serviços voltadas para criação de um campo econômico,

    social e ambientalmente integrado. Trouxe o exercício de uma visão sistêmica para

    a concepção dessas iniciativas, e formas de gerir e governar os negócios com méto-

    dos colaborativos e integradores. Tudo isso a fim de exercitar o desenvolvimento de

    iniciativas inovadoras, num ambiente colaborativo que propiciasse o exercício da

    liderança compartilhada e voltada para o coletivo.

    Acreditamos que aprender com a própria experiência é um fundamento im-

    portante para o empreendedor, uma vez que ele deve lidar de forma concreta com

    um mundo que passa por uma transição importante e constante. Por isso escolher

    métodos colaborativos como via de acesso ao conhecimento em articulação com

    um ambiente de diversidade acessando diferentes maneiras de pensar, e promover

    a escuta atenciosa, o pensar crítico e a interação capaz de responder a desafios co-

    muns são habilidades cada vez mais necessárias neste mundo complexo.

    Assim, no decorrer do curso e no exercício de múltiplas habilidades, o grupo

    é levado a construir projetos que possam contribuir com mudanças no atual am-

    biente do setor da moda.

  • Capítulo 1 • Construindo um novo pensar

    25

    Um setor que necessita de mudanças

    Atualmente, o mercado internacional de têxteis e vestuário é extremamen-

    te competitivo e volátil, e emprega cerca de 75 milhões de trabalhadores. A alta

    competitividade entre as empresas leva à procura constante por preços baixos, à

    redução de custos de produção e à exigência de tempos de entrega cada vez mais

    reduzidos. Como consequência, muitas vezes as condições de trabalho se tornam

    precárias, com instalações sem estrutura e oferecendo riscos para o trabalhador.

    Nesse setor, a terceirização da produção é comum, uma vez que a mão de

    obra não exige alta qualificação, e também é muito pulverizada, permitindo que

    milhares de pequenos produtores funcionem como uma rede que dá suporte às

    grandes confecções. É comum estabelecimentos em espaços sem condições míni-

    mas de higiene e segurança, com fios elétricos desencapados, alvenaria improvi-

    sada, extintores vencidos, higiene deficiente e falta de equipamentos adequados. O

    descumprimento das condições legais de trabalho também é comum, por exemplo

    as longas jornadas de trabalho que duram até 14 horas diárias beiram condições

    análogas às de trabalho escravo.

    Entretanto, tem crescido a consciência, entre as grandes marcas, estilistas e

    profissionais do setor, da necessidade urgente de mudanças e do entendimento de

    que a indústria da moda possui meios, recursos e oportunidades para isso. Como

    disse o especialista e empresário de moda André Carvalhal, em seu livro Moda com

    propósito, “as pessoas estão se transformando, e o mercado muda junto”. Os consu-

    midores têm se tornado cada vez mais conscientes e exigentes em relação às ques-

    tões que apresentamos aqui, e têm começado a usar seu poder de compra como

    veículo de pressão para que mudanças ocorram.

    A moda é um setor estratégico para a economia, desse modo ela pode ser

    um grande laboratório de mudança. Difícil encontrar uma cidade no país ou no

    mundo em que não tenha pelo menos uma lojinha de venda de roupas. Além disso,

    esse setor dita tendências e influencia novas maneiras de ser e agir no ambiente so-

    cial. Mas em que medida as lideranças e profissionais do setor são capazes de com-

    preender o atual cenário sob a perspectiva de um futuro mais sustentável? Como

    prepará-los para protagonizar as mudanças necessárias?

    Estas foram as perguntas que mobilizaram o diálogo entre o Instituto Ação

    Empresarial pela Cidadania, o Instituto C&A, a PUC-SP e a Associação Brasileira de

    Varejo Têxtil (ABVTEX) para oferecer o curso de extensão universitária do LIS Moda,

    Mudança e Sustentabilidade na Moda.

    Assim, o objetivo do LIS Moda é disponibilizar ferramentas e conhecimentos

    para o desenvolvimento e qualificação de profissionais do setor do varejo têxtil, de

    modo a favorecer um protagonismo articulado e colaborativo na busca de soluções

    inovadoras e sustentáveis que respondam às necessidades e aos desafios impostos

    pela emergência de um contexto econômico e socioambiental que exige mudanças.

    Com esse pressuposto, o Instituto Ação Empresarial pela Cidadania e a PU-

  • Mudança e sustentabilidade na moda

    26

    C-SP formaram uma equipe de professores e facilitadores capazes de criar um es-

    paço de reflexão, pesquisa, troca de experiências e aprendizagem para desenvolver

    junto aos participantes uma visão do atual contexto de mundo. Ou seja, a ideia era

    desenvolver um olhar investigativo para o futuro emergente e habilidades como

    empatia, escuta apurada, capacidade de dialogar, colaborar e inovar para gerar

    iniciativas alinhadas a práticas sustentáveis e socialmente responsáveis. A ABVTEX

    e o Instituto C&A agregaram ao programa do curso as suas experiências no setor da

    moda e no campo social, ou seja, conhecimentos necessários para conduzir a busca

    por soluções transformadoras e sustentáveis.

    Colaborar para construir soluções

    O programa do LIS Moda foi desenhado a partir de uma série de encontros

    de profissionais ligados a essas instituições. Neles tivemos a oportunidade de mer-

    gulhar no ambiente do setor da moda e para o qual tem contribuído e de avaliar

    possíveis caminhos para mudança e o futuro que se poderia trilhar.

    De início essas ocasiões permitiram o exercício das metodologias que seriam

    utilizadas no curso, numa abordagem dialógica, colaborativa e que usasse elementos

    da Teoria U. O objetivo foi reunir conhecimentos essenciais que caracterizassem uma

    visão mais sistêmica do setor e concentrar-se sobre os desafios de sustentabilidade

    enfrentados. Os encontros se deram em forma de diálogos reflexivos e da constru-

    ção colaborativa, levando o grupo a vislumbrar temas relevantes para o processo de

    aprendizagem, e então desenvolver a estrutura inicial do programa do curso.

    Além dos encontros, foram realizadas duas oficinas com pessoas-chave da

    equipe do LIS Moda e profissionais ligados à ABVTEX e ao Instituto C&A. Nesse am-

    biente foram discutidos os desafios impostos à moda hoje, seus possíveis desdobra-

    mentos e as possibilidades para o futuro.

    Em meio a um rico diálogo com esses atores, questões como a preocupação

    das empresas em solucionar situações em suas cadeias produtivas ou o cuidado

    nas relações com um consumidor mais crítico e exigente foram abordadas. Uma

    preocupação comum a todos é o aumento da pressão e fiscalização da sociedade

    em relação aos impactos ambientais causados pela indústria da moda e frequentes

    denúncias de trabalho análogo ao escravo com a exploração de imigrantes ilegais

    na cadeia produtiva.

    Entretanto, reconhece-se que o processo de conscientização das empresas é

    lento, e se dá em diferentes níveis. Nem todas despertaram ainda para importância

    de buscar soluções para esses desafios. Essa diversidade de consciência prejudica o

    enfrentamento e a resolução dos problemas encontrados. Por essa razão, no Brasil,

    grandes varejistas estão assumindo um papel de protagonismo no enfrentamento

    dessas questões e alguns buscam estabelecer novos padrões de relacionamento com

    a cadeia de fornecimento, em busca de mais qualidade e sustentabilidade nos pro-

    cessos produtivos, justiça e dignidade no trabalho e confiança nas relações. À frente

  • Capítulo 1 • Construindo um novo pensar

    27

    desse grupo, a ABVTEX e o Instituto C&A lideram iniciativas. O LIS Moda em parceria

    com o Instituto Ação Empresarial pela Cidadania e a PUC-SP insere-se nesse contexto.

    Vale notar que o curso não é uma iniciativa isolada. Ele se articula com ou-

    tras, como o Laboratório da Moda Sustentável, uma iniciativa multissetorial em

    nível nacional de organizações e que visa abordar e transformar a realidade da

    moda a partir dos seus principais desafios. Os movimentos para mudança na moda

    partem de estilistas como Ronaldo Fraga, consultores como Kate Fletcher, ou de

    movimentos como o Fashion Revolution que surgem com o foco voltado para a

    mudança da moda.

    Por outro lado, o comportamento do consumidor, que começa a repensar

    seus hábitos de consumo, tornando-se menos passivo e mais questionador, tem pro-

    vocado mudanças na maneira como as marcas se posicionam. Surgem diversas ini-

    ciativas e movimentos de pequenos grupos para criar cada vez mais consciência em

    relação ao consumo de moda e seus impactos: por exemplo a moda slow fashion

    busca não somente sustentabilidade econômica, mas também a humanização dos

    processos; e o upcycling traz cara nova à reciclagem reutilizando materiais que se-

    riam descartados pela indústria têxtil para produzir novos produtos.

    Cada vez mais, uma nova geração de consumidores busca repensar a for-

    ma como se relaciona com suas roupas e acessórios para evitar o desperdício, criar

    identidade no vestir e se informar sobre as possibilidades de criar a própria moda.

    Assim, surgem iniciativas como o Desguarda Roupa, um coletivo que incentiva uma

    nova perspectiva em relação às roupas e ao seu consumo por meio de palestras,

    consultoria e transformação de peças, e os brechós on-line. Foi nessa esteira que sur-

    giu o Enjoei, para pessoas que queiram se desfazer de roupas, sapatos e acessórios

    que já não usam mais. Hoje, o site que começou como blog em 2009 já atraiu mais

    de 2 milhões de consumidores entre anunciantes e compradores.

    No momento, uma nova maneira de consumir vem ganhando força em to-

    dos os setores, e com a moda não é diferente. Essa iniciativa permite o acesso e

    usufruto, mas não a posse, de produtos antes impossíveis de ser adquiridos pela

    maioria das pessoas e é muito forte no setor da moda. O objetivo nesse caso é pro-

    mover a troca, emprestar ou alugar grande quantidade de peças, porém, de forma

    mais econômica e sustentável, por meio de plataformas, comunidades virtuais ou

    grupos específicos que promovem encontros, feiras ou eventos nessa perspectiva.

    Nesse ambiente em ebulição o LIS Moda traz uma perspectiva de que mais

    importante do que ter as respostas é se sentir provocado a encontrá-las. São muitas

    as possibilidades que o futuro reserva para aqueles que nutrem um instinto investi-

    gativo e inovador. É nesse campo que acreditamos que o nosso curso tem um papel

    importante a desempenhar.

  • 28 29

    Capí

    tulo

    2. A

    spec

    tos

    inov

    ador

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    oda

  • Aspectos inovadores do LIS Moda

    Como se já não bastasse o desafio de prover educação continuada de quali-dade nos tempos atuais, o curso “Lideranças Inovadoras para o Futuro da Moda: Responsabilidade Social e Sustentabilidade” tem no seu cerne desa-fios reais de transformar a maneira como potenciais líderes da indústria da moda

    estão lidando com os efeitos e resultados indesejáveis, consequências como essa

    indústria opera.

    O desafio de transformar os líderes de um setor que já reconhece as gran-

    des questões a serem enfrentadas foi encabeçado pelo curso de maneira integrada

    e sistêmica desde a sua concepção. A parceria entre o Instituto Ação Empresarial

    pela Cidadania, o Instituto C&A, a PUC-SP e a Associação Brasileira de Varejo Têxtil

    (ABVTEX), unindo a academia, o terceiro setor e a iniciativa privada, trouxe uma

    diversidade de experiências, perspectivas e modos de atuar fundamental para a

    construção de uma abordagem coerente, responsável e efetiva para o curso, consi-

    derando os objetivos em questão.

    Conforme citado no capítulo anterior, o objetivo do LIS Moda é disponibilizar

    ferramentas e conhecimentos para o desenvolvimento e a qualificação de profis-

    sionais do setor do varejo têxtil, de modo a favorecer um protagonismo articulado

    e colaborativo na busca de soluções inovadoras e sustentáveis, que respondam às

    necessidades e aos desafios impostos pela emergência de um contexto econômico e

    socioambiental que exige mudanças.

    A inovação do programa está na forma como metodologias e abordagens

    de desenvolvimento de lideranças já consolidadas foram integradas, organizando

    harmonicamente os conhecimentos oferecidos pela literatura às experiências dos

    diversos setores envolvidos no projeto. Essa articulação permitiu compor um tecido

    realmente novo, que expomos a seguir.

    O desenho metodológico dessa trama foi composto por três elementos fun-

    damentais: o processo generativo do autodesenvolvimento dos participantes, com

    abordagens de autoconhecimento; a Teoria U utilizada como fio condutor do pro-

    cesso e o diálogo como fundamento de Metodologias Colaborativas.

    A abordagem de integração desses três elementos – autoconhecimento, Teo-

    ria U e metodologias colaborativas – não foi ocasional. O desafio de transformar

    líderes para serem protagonistas na transformação do setor em que atuam é uma

    jornada de aprendizagem e transformação que deve começar pelo indivíduo para

    depois trilhar caminhos de conexão e colaboração que possibilitem a mudança de

    “dentro para fora”. A escolha desses três elementos no desenho do curso endereça

    essa demanda: o autoconhecimento propicia uma base individual para a transfor-

    mação; a Teoria U conduz a jornada de transformação e aprendizagem através de

    um caminho que promove a consciência dos desafios e da realidade do setor, bem

    30

    Mudança e sustentabilidade na moda

  • como propicia condições para soluções coletivas que são colocadas em prática

    através das metodologias colaborativas.

    Desse modo, este capítulo explicita, contextualiza e caracteriza essa aborda-

    gem inovadora que integra esses três elementos metodológicos.

    O processo generativo de autoconhecimento e autodesenvolvimento

    Está bastante claro que o nosso sistema cultural – atingido como foi pelo

    “falar sobre” estéril – precisa de novos modos que estimulem as pessoas a experien-

    ciarem sua ação presente enquanto estão comunicando e aprendendo (POLSTER,

    POLSTER, 2001, p. 29, grifo dos autores)

    Entre todas as questões que instigam um educador hoje, conseguir alcançar

    o seu público de forma a fazê-lo participar de maneira interessada e comprometida

    nas aulas é, talvez, um de seus maiores desafios.

    O processo de ensino-aprendizagem parece competir com as mídias digitais

    que dão acesso a muitas informações com apenas um clique, numa dinâmica em que

    a sensação é a de que o aluno não precisa de um professor para explicar determina-

    do conceito. Parece haver uma inquietação no aluno, como se ele quisesse e pudesse

    estar em mais de um lugar simultaneamente (talvez mais interessante, com mais li-

    berdade, fazendo outras coisas), tornando-o capaz de se desligar ao clicar as teclas

    para levá-lo a explicações mais rápidas quando o assunto exposto não lhe agrada.

    No entanto, não bastam as informações, os sites e os vídeos que encontra-

    mos em mecanismos de busca na internet se não fazemos as devidas conexões e

    reflexões para lhes dar sentido e não estabelecemos uma visão crítica de acordo

    com o que conhecemos e vivemos no dia a dia. Percebemos o mundo compartilha-

    do com os outros como um lugar onde construímos o nosso viver, que, por sua vez,

    nem sempre é o melhor, o mais saudável, ou mais sustentável. Assim, de um modo

    geral, ficamos passivos diante de tantos problemas e sem ação diante do que não

    concordamos, em um mundo dinâmico, complexo, difícil e estranho.

    A estranheza se apresenta quando tantas pessoas pensam, sentem e agem

    diferentemente do que eu espero, imagino ou desejo. Afinal, o ser humano é rico

    em possibilidades, criatividade e capacidade intelectual para desenvolver uma vida

    segundo seus próprios interesses, que nem sempre agradam a todos. Mesmo assim,

    trata-se do nosso mundo, nossa forma de conhecê-lo e transformá-lo.

    Nesse sentido, hoje o lugar da sala de aula pode se tornar um espaço de

    construção, em que os atores atuam com seus próprios recursos – conhecimento,

    experiência, inteligência, capacidade de refletir, de questionar e de resolver proble-

    mas – para transformar o mundo num lugar melhor. Portanto, é preciso contar com

    a sinergia do grupo para criar um clima de confiança e segurança a fim de que

    todos, integrados, trabalhem em busca de soluções que promovam mudanças e

    removam o que está ruim. Além disso, é preciso foco para criar alternativas e força

    para vencer a inércia e modificar o que temos consciência ser necessário.

    O LIS Moda, inspirado em diversas metodologias articuladas simultanea-

    mente, criou um modelo de ensino-aprendizagem buscando utilizar todo o poten-

    Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda

    31

  • cial dos professores, dos convidados experientes e dos alunos para criar esse espaço

    de transformação e construção. Foi feito um trabalho junto com essas pessoas, con-

    tando com a participação delas de maneira integral, com a finalidade de prepará-

    -las para agir e transformar a realidade onde se encontram.

    Contamos com facilitadores habilidosos e conhecedores de teorias e concei-

    tos sobre os assuntos em foco, inspirados na própria trajetória de desenvolvimento

    e processo de maturação, que trouxeram experiências de vida que deram sentido e

    significado aos temas que trataram. Levamos convidados especialistas do campo

    da moda, já na perspectiva do novo e da transformação. Lidamos com o grupo de

    participantes, envolvendo-os o tempo todo nas discussões, investigações, questio-

    namentos e reflexões, e buscamos trabalhar com atividades que propiciassem o au-

    toconhecimento, a autopercepção e a conscientização de seus limites e potenciais.

    Talvez, esse tenha sido um dos enfoques mais inovadores em termos de metodolo-

    gia para aprendizagem em um curso.

    Quando planejamos o LIS, compreendemos que não faria sentido dizer para

    as pessoas o que elas deveriam fazer para atuarem como líderes influenciadores

    da transformação do mundo. Não há receita de como cada um deve agir diante

    de tantos elementos que ocorrem na vida de cada pessoa, cada dia, cada ação no

    mundo. Cada indivíduo deve ter consciência de sua atuação, utilizando todos os

    seus recursos para caminhar e ajudar a modificar o que não está bom no modo

    de viver humano. Portanto, é preciso começar pela pessoa que cada um é! Quem é

    você? Qual o seu modo de pensar, sentir e agir? Será que todos têm conhecimento

    sobre si mesmo, seu potencial e suas deficiências, sua maneira de envolver pessoas?

    Entendemos, portanto, que deveríamos também cuidar para que cada integrante

    do grupo pudesse refletir sobre seu próprio modo de ser, desenvolvendo um autoco-

    nhecimento para um caminho mais consciente e confiante.

    Todos esses elementos fizeram parte de uma ação integrada que, com olhar

    sistêmico e uma compreensão interdependente do campo da moda no mundo con-

    temporâneo, pudesse criar a possibilidade de preparar essas pessoas para serem

    futuros líderes, agentes de mudança para a transformação desse ambiente.

    Ao propor desenvolver no curso exercícios para o autoconhecimento, o

    objetivo foi trazer mais consciência de nossas atitudes diante do mundo e possi-

    “...Crises e tumultos tendem a revelar o melhor de nós.

    Líderes naturais surgem e eles mesmos se surpreendem. Mas

    é preciso superar o nosso maior inimigo – as negatividades

    internas, que agem contra nós. “ (O’DONNELL, 2010, p. 16)

    32

    Mudança e sustentabilidade na moda

  • bilitar a nossa própria ressignificação a fim de contribuir na transformação do

    todo onde vivemos.

    Devemos sinalizar aqui que não aplicamos um conjunto de técnicas específi-

    co para o processo de autoconhecimento e autodesenvolvimento, mas escolhemos

    uma abordagem psicológica específica: a Gestalt-terapia. Essa abordagem foi de-

    senvolvida a princípio por Fritz Perls e aprimorada por outros terapeutas que segui-

    ram seus passos posteriormente. Perls compreendeu que seu objetivo era ampliar o

    potencial humano por meio do processo de integração, dando apoio aos interesses,

    desejos e necessidades genuínas do indivíduo, pois, muitas vezes, as necessidades

    individuais se opõem à sociedade, o que desenvolve uma cultura de competição,

    controle e exigências de perfeição.

    Essa abordagem serve como uma orientação de vida que podemos usar

    para caminhar em direção a uma maior tomada de consciência. Foca o potencial

    humano nas diversas possibilidades que cada indivíduo possui e busca catalisar o

    que ainda não foi realizado ou então está pouco desenvolvido. A Gestalt se desti-

    na a “[...] qualquer pessoa que está procurando desabrochar melhor seu potencial

    latente, não só um melhor-ser, mas um mais-ser, uma qualidade de vida melhor”

    (GINGER, 1995, p. 15).

    Escolhemos essa abordagem psicológica, pois acreditamos que seja a mais

    adequada e coerente para atingir o objetivo no curso, em função de sua praticidade

    e objetividade. O objetivo era que, em pouco tempo, sem obstáculos e nas entreli-

    nhas do curso, realizássemos atividades que no contexto do grupo se relacionassem

    às discussões das aulas e que também aproximassem a vivência de cada indivíduo

    com a percepção dele próprio e das coisas em relação a cada ponto importante

    tratado, como tema relevante no curso.

    Afinal, a Gestalt se propõe a trabalhar com as pessoas, seja em grupo ou in-

    dividualmente, buscando analisar como cada um percebe, interpreta, pensa e age,

    por meio de suas vivências, diante dos objetos ou estímulos do meio ambiente e

    dar sustentação para experimentar o novo e o difícil, assim proporcionando uma

    estrutura mais forte para superar os obstáculos.

    O trabalho, nessa perspectiva, é experiencial e busca utilizar recursos criativos

    que enfatizem a capacidade e habilidade de pensar, sentir, perceber, e ainda fazer com

    que cada participante tome consciência do que é dotado, mas ao que muitas vezes,

    por razões próprias ou até por falta de oportunidade, resiste ou não se permite enxer-

    gar. Conforme Ginger (1995, p. 18) esclarece: “[...] experimentar, para alargar ao máxi-

    mo nosso campo vivido e nossa escolha, tentar escapar ao determinismo alienante do

    passado e do meio, à carga de nossos condicionamentos ‘históricos’ ou ‘geográficos’ e

    encontrar assim um território de liberdade e de responsabilidade”.

    O psicólogo ou facilitador nesse caso pode criar situações que favoreçam

    o crescimento, desenvolvimento, aprendizagem e amadurecimento de cada parti-

    cipante, com processos que façam sentido nas discussões de cada tema, conceito,

    teoria e experiência colocada no centro das atenções. Aliás, a criatividade nesse en-

    Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda

    33

  • foque é compreendida, conforme Zinker (2007, p. 15) nos relata a seguir:

    A criatividade não é somente a concepção, é o ato em si, a realização do que é urgente, do que exige ser anunciado. Não é apenas a expressão de toda a gama de experiências de um indivíduo e de uma sensação de singularidade, mas também um ato social – o compartilhamento dessa celebração, dessa afirmação de viver uma vida plena, com seus semelhantes.

    Zinker aborda a criatividade como a representação da ruptura de limites e

    a afirmação da vida, à medida que, para se permitir criar, devemos ter coragem de

    nos arriscar ao fracasso na experiência de algo inédito, além das imagens, fanta-

    sias, conjecturas e pensamentos que vêm à tona em determinadas situações. Assim,

    entendemos também que a criatividade é um processo de transformação tanto de

    quem constrói a inovação, como de quem participa dela e vivencia uma mudança.

    Elaborou-se, portanto, um processo que auxiliou cada participante a revelar

    para si mesmo, num ambiente de confiança e de aprendizagem, em que o respeito

    foi conquistado à medida que cada revelação era tratada com empolgação pela

    novidade expressa de maneira particular e única.

    No relacionamento entre os membros do grupo existiu um bem-querer justo,

    que corresponde ao que Zinker (2007) apontou como um amor altruísta que promo-

    ve confiança e facilita o processo criativo à medida que se compreende as experiên-

    cias de vida de cada participante. Embora se tratando do mesmo curso, cada grupo

    novo terá um desenvolvimento e contato diferentes, pois estaremos com pessoas,

    situações e vidas diferentes.

    Ainda sobre a Gestalt-terapia, ela enfoca o modo de ser de cada indivíduo,

    em todos os momentos de sua vida, em seus detalhes e na complexidade. Procura

    trabalhar com a awareness, que para Polster e Polster (2001, p. 217):

    [...] é um meio contínuo para manter-se atualizado com o próprio eu. É um processo contínuo, prontamente disponível em todos os momentos, em vez de uma iluminação esporádica ou exclusiva que pode ser alcançada – como o insight – apenas em momentos especiais ou sob condições especiais.

    Esses autores ainda relatam que a awareness ajuda a recuperar a unidade

    da função total e integrada do indivíduo na medida em que há a preocupação de

    abranger as próprias sensações e sentimentos antes de alterar de algum modo o

    comportamento, ou seja, primeiro é dirigida a atenção aos detalhes relevantes do

    próprio comportamento que antes eram ignorados.

    Em síntese e buscando enfocar apenas alguns exemplos de atividades espe-

    cíficas, descrevemos alguns elementos que acreditamos ser importantes ao leitor no

    processo de autoconhecimento e autodesenvolvimento que trilhamos com o curso.

    Para isso, o capítulo da narrativa das aulas oferece uma compreensão mais apro-

    fundada da descrição a seguir.

    Não havia necessariamente exercícios em todas as aulas ao que foram ela-

    borados de acordo com os temas tratados em cada uma delas. Também, num pri-

    meiro momento, o trabalho com os alunos foi mais despretensioso e superficial,

    34

    Mudança e sustentabilidade na moda

  • de modo a não criar muita resistência e/ou ansiedade. Dessa forma, pudemos de-

    monstrar que cada um poderia escolher até que ponto deveria tomar consciência e

    revelar para si mesmo a sua atuação no mundo.

    Na primeira aula houve, por exemplo, a recepção de boas-vindas, a apre-

    sentação da equipe de coordenação do curso e de cada um, assim como a apresen-

    tação do curso, com sua dinâmica própria e não tradicional de aulas. Acordamos

    com os participantes sobre respeito e presença, de maneira a tornar o ambiente aco-

    lhedor e colaborativo, resgatando, inclusive, os momentos em que já haviam sido

    colaborativos anteriormente.

    As expectativas foram abordadas na medida em que, além de esclare-

    cimentos da equipe de coordenação, elaborou-se uma atividade específica que

    chamamos de carta ao futuro, na qual cada aluno descreveu como gostaria de

    chegar ao final do curso.

    Mencionamos também que o curso contaria com exercícios de autoconheci-

    mento que seriam conduzidos por uma psicóloga com experiência clínica e organi-

    zacional. Os materiais gerados com esses exercícios seriam conservados de maneira

    sigilosa durante o curso e devolvidos ao final.

    Se, ao mesmo tempo, tomamos consciência de que fazemos parte do mundo

    e participamos em forma de ação, mesmo que aparentemente num pequeno espa-

    ço do mundo, começamos a perceber o verdadeiro potencial que cada um tem, num

    mundo complexo, incerto e instável. Trata-se do início de uma reflexão de quem

    somos e o que podemos fazer.

    Já na aula 5, por exemplo, realizamos um dia inteiro de exercícios sensoriais

    na natureza, o que foi essencial para despertar a verdadeira conscientização sobre

    a importância da natureza no “ser” de cada um. Dessa forma, escapamos de uma

    aula teórica e experimentamos uma conexão plena com o meio ambiente original,

    por meio da sensibilidade no contato com a terra, o ar, a água, o sol, as plantas, os

    pássaros, os insetos etc. Assim, aguçamos os órgãos sensoriais para uma percepção

    muito próxima da natureza a fim de compreender que o homem também é parte

    desse meio, mas, em sua formação dialógica, escapa e atua sobre a própria nature-

    za, usando-a para suas invenções e intervenções.

    Posteriormente, foi apresentada a linha condutora do caminho metodológi-

    co adotado pelo curso e foram introduzidas as bases da Teoria U, discorrendo sobre

    o ponto cego como o local interno de onde operamos e a necessidade de puxar

    para si a responsabilidade de uma ação. Esse trabalho começou na perspectiva do

    papel e da importância do líder para as intervenções necessárias. Discutiu-se, então,

    a importância do diálogo por meio da sabedoria. Nesse sentido, ao final da aula,

    refletimos junto com o grupo a história sobre “a árvore generosa” em que o Homem

    não “escuta” a Natureza, apenas dela se aproveita.

    O’Donnell (2009) descreveu que existem três pilares que sustentam um líder

    sábio: o primeiro é a compreensão, que envolve a habilidade de enxergar as coi-

    sas com um distanciamento parcial dos fatos e entender o contexto dos eventos; o

    Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda

    35

  • segundo é a habilidade para refletir, interiorizando e tocando a essência de nosso

    valor e utilizando para isso a intuição; e último e terceiro pilar é o desempenho cons-

    ciente dos valores. Quanto a este último aspecto o autor explica que desenvolver

    valores não se trata de anular o ego, mas de aprender a usá-lo de forma a trazer

    benefícios. O’Donnel ainda diz que os valores já existem em nós, mas precisamos

    aprender a vincular as experiências adquiridas na vida e no trabalho com os valores

    que se encontram em nosso interior. É preciso conectar nosso ser interior com os pa-

    péis que desempenhamos e é por meio deles que nos relacionamos com as pessoas.

    Para ele, “os valores são fundamentais para o que somos e para a forma

    como vivemos e trabalhamos, mas o maior desafio são os relacionamentos com

    outros seres humanos” (O’DONNELL, 2009, p. 124). A base dos relacionamentos é a

    conversa ou o diálogo, mas, se não existir conversação de qualidade, não haverá

    um relacionamento de qualidade. É preciso saber pensar juntos para assim existir

    um diálogo genuíno.

    Outros exercícios de autodesenvolvimento foram feitos ao longo de todo o

    curso, procurando sempre integrá-los aos temas de cada aula, mas foi na aula 14

    que se dedicou mais ao autoconhecimento. Àquela altura, o grupo já tinha estabele-

    cido um ambiente de confiança e segurança, o suficiente para haver um movimento

    maior de introspecção e expressão de cada um. Importante inclusive para reflexões

    sobre si mesmo como possível líder. Portanto, a aula teve como foco a percepção

    sobre o eu de cada um, e sobre sua ação no mundo.

    Também tivemos oportunidade para trabalhar com mandalas, símbolos

    que representam o self e que trazem a dimensão espiritual do ser humano. Nesse

    exercício os participantes puderam escolher a imagem de uma mandala que mais

    os atraísse e depois colorir a figura como desejassem. Ao final do curso, este foi

    um dos exercícios sobre o qual houve maior atenção por parte do facilitador, por

    tratar-se de uma projeção e pela necessidade de interpretação. Dessa forma, foi ne-

    cessário conversar a respeito dele com cada participante para maior compreensão

    e encontrar um sentido e significado do símbolo para cada um.

    Vale apontar que nas últimas aulas, ao devolver todo o material produzido

    pelos participantes (carta ao futuro, diário de bordo, mandala, exercício do cubo, entre

    outros), a psicóloga deu um feedback para cada participante para que todos juntos

    pudessem falar um pouco mais sobre a possibilidade de conhecer ou não um propó-

    sito para a vida, retomando algumas atividades realizadas. No final do curso, cada

    um pode reunir e levar consigo um conjunto de elementos num “kit de viagem” orga-

    nizado para estimulá-lo a dar continuidade ao seu processo de autodesenvolvimento.

    A Teoria U como fio condutor

    A Teoria U diz respeito a um conjunto de referências, conceitos, experiências e

    reflexões que culmina em um modelo de intervenção e transformação social. Trata-se

    de uma nova perspectiva, uma nova lente, para observar nossas habilidades sociais e

    36

    Mudança e sustentabilidade na moda

  • de liderança de um ponto de vista não usual até então: o ponto a partir do qual cada

    um de nós atua internamente. Desse modo, o sucesso em liderar transformações de-

    pende da qualidade da atenção e intenção que os líderes trazem para cada situação.

    A escolha da Teoria U como fio condutor do LIS baseia-se na percepção de

    que as demandas por Inovação e a Sustentabilidade na Moda no Brasil requerem

    um novo perfil de liderança que esteja não somente consciente, mas principalmente

    apto, para transformar a realidade a partir de si, sendo capaz de perceber e lidar

    com o futuro que está emergindo nos desafios e conquistas do dia a dia. A seguir,

    explica-se como a Teoria U serviu a essa condução visando os objetivos do LIS.

    Mais do que simplesmente uma teoria, esse modelo atualmente vem sendo

    utilizado de três modos: uma abordagem metodológica para liderar mudanças pro-

    fundas, uma estrutura de intervenção em problemas complexos e uma maneira de

    ser e estar no mundo. Para entender melhor esses três modos, convém conhecer um

    pouco mais sobre a origem da Teoria U.

    A Teoria U foi publicada e apresentada formalmente como modelo por Otto

    Scharmer, pesquisador e professor da Sloan School of Management do Massachu-

    setts Institute of Technology. No entanto, o desenvolvimento da teoria se deu com a

    colaboração de diversos autores e pesquisadores envolvidos com liderança e trans-

    formação social como Adam Kahane, Chris Argyris, Don Schön, Ekkehard Kappler,

    Johan Galtung, Joseph Jaworski e Peter Senge.

    Scharmer ainda cita como fontes importantes do seu trabalho as obras de

    Henry David Thoreau, Martin Buber, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl, Martin

    Heidegger, Jürgen Habermas, Rudolf Steiner, e ainda Hegel, Goethe, Fichte, Aristó-

    teles e Platão. Além de autores específicos, Scharmer inspirou-se em aspectos das

    filosofias orientais.

    Grande parte da fundamentação e dos insights de Scharmer surgiu no final

    da década de 1990, quando esteve envolvido em projetos de pesquisa relacionados

    a aprendizagem, inovação e liderança, ligados a suas atividades de professor, pes-

    quisador e consultor.

    Um ponto de partida importante da concepção da Teoria U por Scharmer foi

    um pensamento de Steiner que diz que temos de investigar nossa própria experiência

    e nosso próprio processo de pensamento de um modo mais claro, mais transparente e

    rigoroso. Os dados, fatos e os nossos processos de percepção e ação são fundamental-

    mente influenciados pelo nosso estado interior e pelo nosso processo de pensamento.

    Além de Steiner, a entrevista de Bill O’Brien, na época CEO da Hannover In-

    surance, trouxe um elemento fundamental da Teoria U. Scharmer perguntou para

    O’Brien qual havia sido o seu maior aprendizado ao liderar mudanças profundas. A

    resposta de O’Brien é uma frase que por si só já explica a opção por que o LIS esco-

    lheu a Teoria U como fio condutor e uma abordagem estruturada de Autoconheci-

    mento e Autodesenvolvimento, aliada a Metodologias Colaborativas: “O sucesso de

    uma intervenção depende da condição interior do interventor”.

    A condição interior do interventor é a grande fonte para a Teoria U. Essa

    Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda

    37

  • teoria foi concebida a partir de conversas, insights e outras teorias que se originaram

    desse ponto crucial da condição interior. Uma das essências da liderança é transfor-

    mar a maneira pela qual indivíduos e grupos percebem e reagem a situação.

    O processo de percepção e decisão nas organizações de um modo geral, e

    na indústria da moda especificamente, costuma ser norteado pelos resultados que

    queremos atingir. Com base em experiências passadas, em dados e análises e no

    desafio que se apresenta, o caminho usual de tomada de decisão é uma análise

    racional para tomada de decisão, baseada no que sabemos.

    A Teoria U traz a condição interior do interventor ou o local do qual operamos

    como o conceito de “Ponto Cego da Liderança”. A maioria dos líderes toma decisões

    e influencia a tomada de decisão com base no “O quê” (resultados) e “Como” (pro-

    cessos), sem acessar a verdadeira fonte, que é o “Quem interior”. É usual termos uma

    análise do “Quem”, mas somente considerando as pessoas que estão envolvidas e

    impactadas para a decisão. Esse “Quem interior” é o lugar a partir do qual cada um

    de nós opera, nossa condição interior, nossa essência composta por um conjunto de

    valores, crenças, experiências e tudo mais que torna cada um único. Essa é a realidade

    do “Ponto Cego da Liderança”: algo que existe, que é essencial e que não se costu-

    ma acessar. O LIS foi concebido para explicitar e acessar esse ponto, individualmente,

    através das práticas de Autoconhecimento e Autodesenvolvimento.

    A Teoria U, além de reconhecer esse ponto cego como elemento fundamen-

    tal para mudanças profundas através da liderança, apresenta um processo por

    meio do qual é possível chegar a ele de maneira coerente e então lidar socialmente

    com o futuro que dele emerge.

    Se por um lado é necessário se chegar a uma situação na qual acessamos

    individualmente a nossa condição interior, por outro lado é necessário conectar a

    essência das condições individuais de cada um com o desafio coletivo de transfor-

    mação social, e gerar uma ação transformadora. É essa a jornada da Teoria U.

    A letra “U” surgiu justamente como símbolo que representa essa jornada.

    O caminho usual que líderes costumam adotar é via um ciclo de resposta reativo

    em que, diante de um desafio, costuma-se realizar análises baseadas em dados e

    experiências que temos do passado, avaliar alternativas e tomar decisões. É um pro-

    cesso linear em que se vai de uma situação A para transformar-se em uma situação

    B futura, baseando-se no que já se sabe.

    Essa teoria traz um caminho que “percorre o U”. Assim, as situações A e B

    estão nas extremidades esquerda e direita do “U”, respectivamente. Podemos resu-

    mir esse caminho em três grandes movimentos. O primeiro: “Observar, Observar,

    Observar”; o segundo: “Retirar-se e Refletir”; o terceiro: “Agir de Imediato”.

    O primeiro movimento propõe perceber a realidade de maneira mais profun-

    da. Em vez de uma análise racional de fatos e dados que já existem, propõe-se uma

    percepção integral da realidade que se deseja transformar. O segundo movimento

    propõe, após a percepção da realidade, que se afaste dela e se aproxime da essência

    pessoal, conectando-se com o lugar interno de cada um, acompanhado de uma re-

    38

    Mudança e sustentabilidade na moda

  • flexão sobre o que e como tudo o que foi percebido se conecta com a essência pessoal.

    Finalmente, o terceiro movimento, após a reflexão e a conexão entre a realidade e

    o propósito pessoal, propõe uma conexão e ação coletiva para endereçar o desafio.

    A diferença fundamental entre o modo usual como abordamos problemas

    e desafios e a metodologia de intervenção proposta pela Teoria U é justamente a

    forma como percorremos esse caminho entre as situações A e B. No modo usual

    temos basicamente um eixo horizontal de deslocamento entre dois pontos, seguindo

    a lógica de que “o menor caminho entre dois pontos é uma reta”. A Teoria U propõe

    que percorramos o eixo vertical, tendo, na descida, uma percepção aprofundada

    da realidade para depois fazer uma pausa de reflexão e conexão, e finalmente uma

    subida vertical de ação imediata coletiva.

    O LIS foi concebido tendo a Teoria U como fio condutor, pois os desafios

    de inovação e sustentabilidade na indústria da moda são oriundos de um modelo

    O Processo do UTrês espaços de transformação

    e três capacidades

    I. Sensing Percepção

    transformadora

    “Observar, observar,

    observar: tornar-se

    único com o mundo”“Agir em conexão

    com o Todo”

    Menteaberta

    Coraçãoaberto

    Vontade aberta

    III. Criando Ação

    transformadora

    Retirar-se e refletir:

    permitir que o

    conhecimento

    interior surja”

    II. Presencing “Self” transformador

    Fonte: Teoria U,

    Otto Scharmer

    Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda

    39

  • de liderança em negócios que nos trouxe até essa situação, mas que não será

    capaz de nos tirar dela.

    A necessidade de uma abordagem metodológica que traga o Autoconhe-

    cimento e o Autodesenvolvimento como elementos fundamentais do LIS decorreu

    da consciência de que precisamos nos conhecer melhor para encontrar e deslocar

    “nosso ponto cego”.

    A coerência na percepção e na reflexão da situação ou problema em questão

    é acompanhada pela abordagem para enfrentamento do desafio, de maneira rápi-

    da e coletiva. As metodologias participativas foram e são essenciais não somente

    pela maneira única de lidar com problemas complexos, mas também pela maneira

    de buscar sentido e transformar de forma coletiva o futuro da moda no Brasil.

    Práticas colaborativas, generativas e dialógicas em múltiplos contextos

    e aprendizagens

    Na busca de sentidos na direção da transformação almejada para o futuro

    da moda no Brasil, a proposta metodológica do LIS buscou trazer na sua essência

    uma abordagem colaborativa, generativa, dialógica e sistêmica, considerando os

    aspectos do Autoconhecimento, Autodesenvolvimento e a Teoria U.

    Com o propósito de convidar os participantes para uma jornada de apren-

    dizagem que fizesse emergir uma liderança colaborativa e transformadora, a pers-

    pectiva era promover mudança de consciência, bem como o desenvolvimento de

    atitudes e capacidades para gerar o impacto desejado no campo da moda. Dessa

    forma, o LIS Moda buscou contribuir para a avaliação e possível transformação de

    antigos paradigmas ainda presentes no ambiente de negócios vigente, em meio a

    um processo de autodesenvolvimento e de tomada de consciência. Optou-se por

    uma abordagem que incluísse conhecimentos essenciais sobre a complexidade do

    atual contexto de mundo, o desenvolvimento de um olhar mais sistêmico, o cons-

    trucionismo social e a apropriação do tema da sustentabilidade.

    A partir do pensamento sistêmico, considerou-se a premissa da complexida-

    de, formulada pelo filósofo Edgar Morin (2003), como um mundo aberto de possibi-

    lidades, uma construção ativa de sujeitos num contexto de significados, e os olhares

    dos múltiplos atores, de maneira a integrar pessoas, instituições, visões de mundo e

    atitudes na busca da visão do todo e da parte de forma recorrente complementar e

    com abertura para o novo e inesperado.

    Como forma de compreender o mundo no qual a realidade é construída,

    considerando o que as pessoas fazem juntas, nas relações e nas práticas linguís-

    ticas, ou seja, nas redes de conversação das quais participam, trabalhamos com

    a visão do construcionismo social, fonte das propostas colaborativas e apreciati-

    vas, apresentando-se com uma teoria em ação e prática (GERGEN, 2009), incluindo

    ações verbais, não verbais, objetos e ambientes (GERGEN, 1997).

    Com a perspectiva de responder ao propósito do curso e fazer emergir um

    novo pensar, sentir e fazer no contexto da moda, começamos pela criação de um

    espaço de aprendizagem em que as pessoas pudessem se olhar como indivíduos e

    40

    Mudança e sustentabilidade na moda

  • reconhecer suas experiências, seus recursos, oportunidades e novos caminhos, cons-

    truindo novas versões de si mesmas e de seus contextos de pertencimento.

    Nesse sentido, foi necessário, inicialmente, a reconceituação da autonomia e

    do posicionamento professor-aluno. Esses foram os principais recursos para que fos-

    se possível pensar uma aprendizagem colaborativa e significativa, com foco na co-

    nectividade, na aprendizagem com os outros e através dos outros. Enfim, diálogos

    com a própria experiência, reflexões com as agendas pessoais e comuns existentes e

    abertura para as possibilidades emergentes.

    O papel do “professor especialista”, que sabe tudo, foi redefinido e se investiu

    na relação interpessoal como princípio para aproximar educandos e educadores.

    Assim, promoveu-se mudanças no processo de aprendizagem e, consequentemente,

    sua transformação através do processo de parceria conversacional e simétrico que

    integrou diferentes saberes. Em suma, a metodologia LIS pautou-se na promoção de

    uma aprendizagem ativa e relacional de coconstrução.

    O processo ocupou espaço em que o respeito mútuo e a escuta respeitosa

    ocorreram de forma natural, como atitudes orgânicas e não como técnicas impos-

    tas pelos profissionais.

    Algumas das estratégias aqui apresentadas aconteceram em meio às remi-

    niscências dos modelos tradicionais de aprendizagem. A diferença da intencionali-

    dade desses recursos, no modo como atuamos para que os mesmos pudessem pro-

    duzir formas inovadoras de ensinar e de aprender foi, por vezes, bastante desafiador.

    Segundo Anderson (2014) (1999), uma abordagem relacional no processo

    de ensino e aprendizagem corresponsabiliza todos os envolvidos no alcance do

    próprio aprendizado, pressupondo, inclusive, a transformação do próprio docente.

    Essa postura descentralizadora cria abertura para que a voz do aluno seja ouvida

    e valorizada, uma curiosidade genuína para o aluno argumentar e sugerir, uma

    capacidade maior de suportar as incertezas e a crença de que cada aluno sabe

    melhor que ninguém como alcançar o bom aprendizado e estabelecer trajetórias

    possíveis (MCNAMEE, 2007).

    Para Anderson (2009), estabelecer uma relação colaborativa implica

    uma postura filosófica que enfatiza uma forma de Ser, uma maneira de Estar no

    mundo e viver a vida. Implica, enfim, uma escolha, uma opção vivenciada com

    outras possibilidades.

    A proposta foi construída para que o docente/facilitador partisse dos espa-

    ços de experiências e práticas dos participantes, que eram compartilhados em suas

    narrativas e seus relatos. Ou seja, a ideia não era partir da teoria, mas das com-

    preensões e questões trazidas pelos alunos. A posição do facilitador era de escuta

    ativa, de quem propõe indagações e pergunta para compreender, promove cone-

    xões, criando espaços para reflexão no sentido de enriquecer as perspectivas e as

    vivências do grupo para, depois, compartilhar a teoria e a própria experiência. Nesse

    contexto, o caminho da Teoria U ocupou um papel importante, guiando e inspirando

    todo o processo de descobertas e apropriação do novo. Com esse método, buscou-

    Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda

    41

  • -se criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de habi-

    lidades de observação, conexão, interdependência, empatia e

    percepções, bem como um ambiente apto a prepará-los para

    acolherem a di