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1 junho O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 8 - Junho de 2014 www.oduque.com.br pág 06 pág 19 pág 11 E SE FOSSE UMA COPA DO MUNDO DE ARTES?

O Duque #08

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Jornal de cultura de Maringá e região

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O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 8 - Junho de 2014www.oduque.com.br

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E SE FOSSE UMA COPA DO

MUNDO DE ARTES?

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CONSELHO EDITORIALJunho / Edição nº 08 / Ano I

O jornal da cultura de Maringá e região18.427.739/0001-40

EDITOR-CHEFEMiguel Fernando

JORN. RESPONSÁVELGustavo HermsdorffMtb 9966

CO-EDITORALuana Bernardes

REVISORZé Flauzino

COLABORADORESVictor Bruno - O que os grandes ensinam (página 11)Luiz Felipe Moreira - O que os grandes ensinam (página 11) Helington Lopes - O que os grandes ensinam (página 11)Paula Mariá - Vida (página 14)Gilmar Leal Santos - Poesia (página 15)Donizeti Pugin - Poesia (página 16) Rodrigo Corrêa - Psicologia (página 17)Gabriel Dominato - #Sarau (página 19)

Críticas, dúvidas ou sugestõ[email protected]

Departamento Comercial44 9959-8472

Departamento de [email protected]

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@jornaloduque

As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

DESIGN EDITORIAL E REPORTAGENS

IMAGENS

Arthur DuarteCapa e Especial

Impressão: Jornal O DiárioTiragem: 3.000 exemplares20 Páginas / Tablóide Americano

À esperade umlegadoA Copa do Mundo de Futebol no Brasil

é uma realidade, mas em breve vai ser a lembrança de um momento de muitas discussões. Desde 2007,

quando o nosso país foi eleito sede do mundial, passamos a investigar os motivos para apoiar ou criticar essa candidatura.

Herdeiro de carências gritantes em seus serviços básicos, o Brasil de 2014 que abre os braços para turistas sabe que a Copa é uma festa que custa caro - e deixa a casa inteira pra arrumar depois. Convidamos o mundo a conhecer nossa casa, torcendo para que não reparem a bagunça. Eles repararam, comentaram, mas no final das contas esse vai ser comemorado o maior evento do gênero já realizado. Acontece que o futebol é protagonista mundial e quando a bola rola, ninguém quer saber dos problemas da vida.

Pensando nessa comoção mundial que envolve o esporte, montamos uma matéria crítica e utópica descrevendo dois lados: o real, com cifras escandalosas sobrecarregando orçamentos de estádios; e o imaginário, que dá título da capa: E se fosse uma Copa do Mundo de Artes? Venha conosco conhecer esses detalhes e se você quiser ficar só com a parte inspiradora, leia somente os boxes destacados do texto.

Na página 09, Cibele Chacon foi investigar algo comum a todos nós que trabalhamos com criação e arte: o branco criativo. Falamos com uma psicoterapeuta que vai explicar porque acontece e como podemos nos livrar desse problema. Na página seguinte, uma homenagem a três grandes mestres da história contemporânea que morreram esse ano: o escritor Gabriel García Márquez, o cineasta Eduardo Coutinho e o músico Jari Rodrigues. Em "O que os mestres ensinam", buscamos a opinião de três especialistas em cada área (literatura, cinema e música) para explicarem qual a contribuição que cada um deles deixou para a história.

Depois de ir acompanhar de perto o festival "Olhar de Cinema", realizado mês passado em Curitiba, nosso repórter Elton Telles foi preparou uma matéria que traça o papel cultural e social dos festivais de cinema, comparando as experiências que têm cidades próximas como Londrina e Curitiba e arrematando com uma análise do porque Maringá ainda está tão atrasada no assunto.

Abrindo as colunas do mês, Paula Mariá nos dá aquele respiro de sensibilidade com seus versos cuidadosos e sinceros. Em "Eu, Alice e Ofélia" ela trata de duas histórias diametralmente singulares: Alice no País das Maravilhas e O Labirinto do Fauno, traçando uma narrativa em cima do realismo fantástico presente nas duas obras. Na página ao lado, o psicólogo do time, Rodrigo Corrêa, comenta as nuances entre o discurso religioso e o empreendedor no adiamento da vida. Vale a leitura.

Na coluna de poesia, Gilmar Leal Santos nos apresenta um poeta muito singular: Douglas Diegues, um carioca da gema criado na fronteira do Brasil com o Paraguai e é o principal expoente do Portunhol Selvagem. Achou pouco? Corre lá na página 16 e lê o resto. E se não fosse bastante, na página do lado o nosso editor Miguel Fernando estreia coluna própria chamada "Crimes insolúveis", uma visita ao porão dos casos policiais não resolvidos da história de Maringá. Seu tema de estreia é a tortura e morte do menino Clodimar Pedrosa Lô.

Fechando a edição temos Donizeti Pugin, com seu olhar filosoficamente ácido falando da defesa dos direitos de grupos e, com uma participação especial, Rogério Pereira, escritor e editor do Jornal Rascunho marca presença no Sarau do mês.

Boa leitura!Os editores

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A Copa já começou e segundo as propagandas, tudo vai muito bem, obrigado. Temos promoção de cervejas, os bancos destacam a alegria do nosso povo e a mídia tá mais interessada em saber pra onde vão as capivaras, peixes e tartarugas profetas do que o rumo da nossa economia.

Estamos letárgicos, todos nós, e ninguém achou que seria diferente. Em outubro de 2007, quando em cerimônia oficial da Fifa Joseph Blatter virou aquele papelzinho, todos foram à loucura: empreiteiras, bancos, lobbystas, mídia televisiva, donos de bares e até os brasileiros. Afinal, a economia dava sinais evidentes de crescimento e teríamos sete anos pra deixar tudo pronto. Além do mais, se fizemos uma Copa em 1950, porque não conseguiríamos 64 anos depois?

Lá se foram sete anos e, junto deles, quase R$ 26 bi investidos e emprestados para a realização deste megaevento. As denúncias alardeadas pela mídia impressa acordaram um gigante, mas como esse gigante também é chegado num futebol, hoje ele é tema de campanhas publicitárias e só quer saber da sexta estrela. O brasileiro pode ter tomado consciência,

mas agora permite-se aproveitar o que pode enquanto a festa não acaba. Segundo a chefe do departamento de economia da Uem, professora Rosalina Izepão, isso mostra que a Copa é só mais uma das questões que atormentam o brasileiro. "Os problemas do Brasil não nasceram e não serão resolvidos com ou sem a realização deste evento. As raízes são muito mais profundas e estão diretamente ligadas à necessidade de mudanças estruturais nos modelos de crescimento brasileiros que, há séculos, privilegiam o grande capital agrário, industrial e, sobretudo, o financeiro nacional e internacional.", completa.

No Brasil, os problemas têm raízes históricas profundas e têm sido tratados com medidas paliativas à medida em que se destacam em determinadas conjunturas. Para Rosalina, é preciso discutir outra questão quando falamos de Copa do Mundo. "É evidente que a sociedade brasileira padece das mais variadas carências que se estendem desde aquelas ligadas à infraestrutura até a falta de políticas públicas governamentais de atendimento às suas necessidades básicas como saúde e educação. Porém, entendo,

Imaginemos o sorteio, um salão gigantesco donde despencam contorcionistas, a imprensa fervilhante mastigando raivosamente os porquês em vários idiomas. Sheiks berrando vogais melodiosas sobre a inovação nas artes plásticas em Dubai; asiáticos oxítonos batem na mesa disparando os cem números de signficantes dos haikais coreanos; espanhóis golpeiam o ar desenhando o caminho pós-moderno da dança flamenca enquanto brasileiros e africanos invadem pela porta espancando tambores para os mulatos que já estão rebolando sobre as mesas.

Em cada país concorrente, TVs fazem-se amontoar operários que ganharam folgas para acompanhar o sorteio. O vendedor de picolés grita ao longe o nome do seu pintor favorito e é saudado no bar por aqueles que dividem de sua agonia. Todos estão certos que sua identidade merece o previlégio, todos querem ver seu povo como anfitrião de uma Copa do Mundo de Artes.

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MUNDO DE ARTES?

[email protected]

GustavoHermsdorff A utopia

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também, que para um país com a arrecadação que tem o Brasil, não será a realização de uma Copa do Mundo que fará a sua economia ou a sociedade sucumbirem, mas, sim, a má gestão pública e a avidez por lucros de alguns setores da iniciativa privada", arremata.

Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que, com o valor investido na construção e/ou readequação dos doze estádios seria possível construir 2.263 escolas de porte médio, com 12 salas de aula e quadra poliesportiva coberta, no valor de R$ 3,5 mi cada. Isso sem contar nas 4 mil Unidades de Pronto Atendimento, as UPAs, que poderiam atender localidades de até 200 mil habitantes, que custaria até R$ 2 mi. Se compararmos com o preço médio de um estádio para a copa, R$ 666 mi, e que quase metade deles só serão utilizados durante o evento, dá pra entender muito bem o alerta que Rosalina faz.

Em 1994, quando os Estados Unidos sediou a Copa, não foi construído nenhum estádio, só adaptaram aqueles que eram utilizados em partidas de baseball e futebol americano; em 1998, quatro anos depois, a França investiu em mobilidade urbana para receber o contingente de turistas e construiu apenas o Stade France, para a final do Mundial.

Mudando o padrão comparativo, em 2010 a Copa do Mundo do Futebol foi realizada na África do Sul, um país também em desenvolvimento, com democracia relativamente recente e alto índice de corrupção. Mesmo assim, foram construídos apenas cinco novos estádios. Por que o Brasil precisou criar 12 novas construções, sendo que já possuia estádios em praticamente todas as regiões do país?

Segundo dados divulgados pelo Governo, o montante investido nos estádios para a Copa do Mundo de Futebol foi de R$ 8 bi, o resto, cerca de R$ 17 bi foram aplicados em obras de mobilidade urbana que vão ficar para os brasileiros depois do evento. Essa é a grande bandeira, batizada de "legado" que tenta justificar os gastos. Para Rosalina, os investimentos em aeroportos e vias urbanas é, sim, um ponto positivo, ainda que sob ressalvas. " Se não fosse o evento, talvez tivéssemos que esperar mais algumas décadas para que tais obras acontecessem. E, talvez, o dinheiro da corrupção com ou sem Copa fosse parar em cuecas, malas e maletas, da mesma forma que vem acontecendo no país, há séculos." lembra.

Depois de muita tensão é anunciado o Brasil como o grande anfitrião. Dali em diante todos os jornalistas se lançam sobre os brasileiros presentes distribuindo parabenizações e perguntas sobre a diversidade das manifestações artísticas de um país continental. Começam pelo samba e a bossa-nova, existe amor em SP. Investigam o chorinho, o afro-samba e todas as outras flexões do nosso ritmo.

Descobrem o frevo e as cores dos bonecos de Olinda; encontram no axé as origens africanas movimentando trios; se perdem entre xaxados, maracatus, forrós e baião; invadem o norte atrás do maxixe e se deslumbram com o Festival de Parintins. Escorrem pelo centro-oeste da paixão dos sertanejos e dos universitários. Mal olham, já estão no morro descrevendo as batidas do baile funk carioca, os manifestos do rapp e o ritmo conquistador do hipp hopp.

Quando descem pra o sul, se apaixonam por um país completamente novo no parnasianismo da música gaúcha. E quando percebem, se espantam porque até aqui só falamos de música.

Estados Unidosnenhum estádio construído

FrançaSomente um estádio construído

Japão e Coréia do SulSeis estádios construídos

AlemanhaSete estádios construídos

África do SulCinco estádios construídos

1994

1998

2002

2006

2010

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Imagino um jornalista italiano perplexo perguntando "Então Brasil não é só Jorge Amado?". O americano descobrindo Machado de Assis e se encantando por Lima Barreto. Espanhóis e alemães disputam a tapa um último exemplar de Paulicéia Desvairada original de 1922, enquanto um inglês se esconde no banheiro para ler uma biografia de Carlos Drummond de Andrade tendo ao lado um japonês lendo Lispector.

Antes que percebessem, já estavam aclamando Portinari e Aleijadinho, Tarsila e Malafatti, Taunay, Carybé e Volpi, estampando tablóides em letras gigantescas "O Brasil muito além de Vik Muniz e Romero Britto". Os argentinos e uruguais sortudos, que pudessem vir aos teatros conhecer nossas obras, se esgoelariam em risos ao conhecer os nordestinos espertos de Suassuna, do mesmo jeito que os colombianos mais curiosos se encantariam com os os dramas modernos de Plínio Marcos ou os Contemporâneos que se formam.

Até chegar no grande dia, descobririam que o Brasil é praticamente um a parte.

ABERTURA DA COPA DO MUNDO PADRÃO FIFA

Tradicional em todos os grandes eventos esportivos, a abertura é produzida para apresentar aos visitantes aquilo que o anfitrião tem de melhor: sua cultura descrita em cores, harmonia simbolos e ritmos coreografados. Em um país que tem o Carnaval do Rio de Janeiro, a Festa Junina de Campina Grande e o Festival de Parintins (isso para citar só alguns) é muito difícil de aceitar a apresentação que foi feita no dia 12 de junho.

A pesquisadora e mestre em arte contemporânea Luci Sifuentes assistiu à abertura e diz que não ficou contente com o que foi apresentado. " O que nós vimos foi uma imagem que não significava exatamente nada e nem dizia o que estava tentando significar. Ou seja, era uma linguagem visual distorcida que tentou articular nossas diferenças culturais com alegorias de muito mal gosto que comunicavam nenhum significado cultural".

A produção, organizada pela Fifa

levou meses de ensaio, centenas de figurantes e cerca de R$ 18 mi. Para Luci Sifuentes, mesmo que a ideia fosse uma desconstrução minimalista, a execução ainda ficou devendo e muito "Sem harmonia visual, equilíbrio ou sincronia. Se a idéia era passar uma linguagem, pós moderna, desconstruída, então precisavam entender que este conceito configura lógicas conflitantes e não desordem visual com uma reinterpretação", completa.

Além da crítica, Sifuentes diz que o apresentado pode servir de objeto para outros tipos de análise " O que devemos como educadores é associar esse conteúdo de mídia a aspectos ligados a arte como processo de ampliação do conhecimento. Se o que vemos é futebol, porque faz parte de nossa cultura, e a forma popular de nossa cultura visual, poderíamos usa-lo como representação educativa de conceitos voltados para a arte", finaliza.

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E para receber os trinta e dois países, investimos em complexos multiartísticos onde são apresentadas peças de teatro, espetáculos de dança e apresentações musicais. Logo no hall de entrada pintores de vários países disputam olharesm enquanto leituras dramáticas e mesas redondas com autores em várias linguas ganham um andar próprio.

Espalhados pelas cidades-sede, museus nos lembram o valor de cada etnia, exposições nos apresentam os novos clássicos e conchas acústicas tentam dar conta dos artistas que vêm de todos os cantos do globo. Multidões se acumulam nas praças, filas se esticam na entrada dos complexos e aquele que não conseguem ingresso se espremem para ver do telão um pouco do espetáculo.

Depois da festa, todos os artistas iriam embora, é claro, mas o contato com as diversas manifestações culturais deixariam para nós um outro tipo de legado: aquele que não acaba. Os auditórios, teatros, museus e obras serviriam de berço para um sem número de novos artistas despertados pelo evento.

E de todo canto do Brasil surgiriam futuros atores, músicos, poetas, dramatugos, pintores, arquitetos, dançarinos e escritores encantados em ver a arte protagonizando um espetáculo a altura do seu povo.

AINDA SOMOS O PAÍS DO FUTEBOL?

Em recente pesquisa publicada pela Placar, o futebol brasileiro apareceu com uma média de público de 15 mil torcedores por jogo do campeonato da série A. Até parece muito se compararmos com a frequência de pessoas em outros eventos, mas é apenas a 17° no ranking da Fifa, atrás da Liga Norte Americana de futebol, da Liga Ucraniana, Turca e das segundas divisões dos campeonatos inglês e alemão.

Outra pesquisa, agora de preferência de público, revelou que o maior contingente de brasileiros afirma não se importar muito com futebol, cerca de 27%, sendo que em seguida aparece o Flamengo e o Corinthians quase empatados com 15% das opiniões. Enquanto que na Argentina o primeiro resultado é o Boca Juniors, com 35%, e aqueles que afirmam não gostar de futebol não representam nem 10% dos entrevistados.

Para Marivânia Conceição, doutora em sociologia, o que faz do futebol o esporte preferido do brasleiro não é, necessariamente, os investimentos em torno dele, mas sim a sua simplicidade. " : o futebol é um esporte popular porque pode ser jogado em qualquer lugar, por um grupo pequeno de pessoas, de modo simples e, se for preciso, apenas com a bola, assim todos os grupos sociais de todas as classes podem jogar, esses fatores ajudaram a difundir o

futebol no Brasil", ressalta. A medida que se popularizou,

o futebol entrou no DNA da cultura brasileira. Quando criança, nascemos com bola e time escolhido - possivelmente o do pai. Nesse ponto, Marivânia lembra que as artes também fazem parte dessa infância de todos "O brasileiro é ensinado a gostar de algumas manifestações artísticas, como por exemplo, a música. No Brasil nos é ensinado algum estilo musical muito cedo, crianças aprendem a dançar e ate a tocar algum instrumento. Porém, as outras formas de arte não aprendemos a gostar delas, não somos informados das suas características e diversidade, caso, por exemplo, das artes plásticas".

A grande diferença, que aí reside não só no futebol mas também em todos os outros tipos de esportes é a competividade. Torcer é uma ação passional e democrática, todos temos capacidade de escolher um time e acreditar na sua vitória. Já as manifestações artísticas residem em um outro tipo de paixão, aquela que envolve reflexão e investigação de mundo, que dispende muito mais daquele que experimenta. "Acredito que o futebol alcançou esse protagonismo mundial por ter regras simples e contar com o imprevisto, a 'zebra', pois as vezes não é o melhor time que vence, o inesperado, a surpresa fazem parte dessa paixão que move o futebol", finaliza.

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Branco criativo //

Parece que a mente apagou tudo: do que íamos pegar na geladeira à resposta da prova. Também tem aqueles momentos em que a ideia está vindo, vindo, quase chegando, mas não chega. Ou quando surgem dezenas de novas ideias e todas ficam emaranhadas sem saber qual desenrolar primeiro. Seria muito mais simples se a criatividade fluísse “automagicamente”, sem essas tensões causadas por momentos de pouca ou muita criatividade. Mas como é que os produtores de arte lidam com isso?

Para o artista Paolo Ridolfi, o olhar para a tela em branco dá a sensação de que ele pode tudo. “Existe, para mim, a ideia de que passamos a vida toda tentando resolver uma única questão. Seja ela qual for, não é um começo. Cada obra é um pedaço deste processo”, garante. Para ele, esse branco criativo não acontece pela falta de ideias, mas pelo excesso. “São muitas as vontades, as verdades e as mentiras que quero contar. O novelo é um só, mas qual fio puxar?”

Esse pensamento em constante ebulição é característico dos criadores artísticos. Segundo a psicóloga e diretora da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de

Maringá Juana Ester Kogan, os artistas trabalham com conexões o tempo todo para que, em algum momento, isso se transforme em obra. “Qualquer gesto criativo é produto de uma construção interna. Não é consciente, mas é uma construção. E toma tempo.” Ainda de acordo com Juana, “esses artistas têm um acesso ao inconsciente melhor do que o nosso. Eles têm menos pedágios. Conseguem trazer elementos que outras pessoas não conseguem. Dessa forma, o branco nem sempre significa ausência

de algo, mas pode ser o excesso, o choco de ideias.”

O cantor e compositor Paulinho Schoffen também encara o processo criativo como algo inconsciente. Para

Repórter

Quadro de Paolo Ridolfi

[email protected] eu tenho muitas. O

problema maior disso tudo – além do esgotamento intelectual – é

a procrastinação, falta de foco e determinação.

É horrível admitir isso, mas éverdade: grande parcela da culpa

desses brancos se dá por isso.Wilame Prado

jornalista e escritor

Existe, para mim, a ideia de que passamos a vida toda

tentando resolver uma única questão. Seja ela qual for, não

é um começo. Cada obra é um pedaço deste processo

Paolo Ridolfiartista plástico

ele, é um exercício tão intuitivo que quando chega à página em branco para compor, é porque ele tem a certeza de que será preenchida. O mais difícil, segundo ele, é chegar até a essa página. “Você nunca sabe quando vai vir à inspiração, por isso, às vezes, é melhor forçar a barra pra preencher esse papel. Então, de qualquer maneira, começo, nem que seja pra não usar o trabalho.”

Com mais de 35 músicas compostas, Schoffen diz que esses momentos de “branco criativo” sempre acontecem e já chegaram a durar um ano. Ele conta que, mesmo após romper essa fase, as canções que compôs ficaram guardadas. Para o músico, superar esses conflitos só é possível com muito foco nos projetos. “Percebi que, no meu caso, preciso ter um objetivo e trabalhar muito para a criação da canção. Nessa hora o branco não vem, e sim a empolgação”, comenta.

É esse mesmo sentimento de empolgação que envolve o jornalista e escritor Wilame Prado quando se depara com uma página em branco. Primeiro vem a lembrança do quanto gosta de escrever, tendo praticamente um deslumbre sobre sua própria condição no mundo. Depois, a pressão e a responsabilidade de cumprir o papel enquanto contador de histórias, seja em projetos pessoais, ou no jornal em que trabalha. “Ideias eu tenho

CibeleChacon

muitas. O problema maior disso tudo – além do esgotamento intelectual – é a procrastinação, falta de foco e determinação. É horrível admitir isso, mas é verdade: grande parcela da culpa desses brancos se dá por isso.”

Para Wilame, essa empreitada criativa precisa ser solitária e em meio aos próprios pensamentos. Ele odeia escrever a quatro ou mais mãos. “O grande lance da literatura, para mim – um confesso detentor de síndrome social e meio recluso – é o fato de poder estar, numa madrugada de uma terça-feira qualquer, sozinho, só você e a folha branca, num conflito absurdo, mas muito prazeroso, principalmente quando se consegue terminar aquilo que se está propondo escrever.”

Brancocriativo,

quemnunca?

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O que os mestresensinam

Ainda estamos na metade do ano e a julgar pelas perdas que o meio artístico sofreu nos últimos meses, não é de todo mal desejar que 2014 acabe logo. Seria preciso uma edição especial d’O Duque para ruminar a rica contribuição de todos os grandes artistas e pensadores que nos deixaram recentemente.

Abrangendo diversas áreas de atuação, pode-se citar Stuart Hall, Shirley Temple, Paulo Goulart, Carlos Vilaró, Philip Seymour Hoffman, José Chagas, José Wilker, Hans Rudolf Giger, Gordon Willis, Jacques Le Goff, Nico Nicolaiewsky, Alain Resnais, Peter Gasper, Mickey Rooney, Canarinho, Nelson Ned, Bob Hoskins, Moacy Cirne, Maximilan Schell e a lista, infelizmente, continua.

Qualquer nome mencionado poderia compor a trinca de homenageados deste artigo. O método de escolha, primário e imparcial, foi jogar a moeda pra cima e definir os selecionados. Eis o resultado.

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O que os mestres ensinam //

Comecemos pelo fim. O documentarista Eduardo Coutinho morreu em 02 de fevereiro, sob as circunstâncias mais trágicas. Era um cineasta necessário ao Brasil, porque não se aproximava de nenhum movimento político em particular e rejeitava taxativamente a publicidade. Seu cinema era aberto e abrangente, calcado em questionamentos e investigações. Não dava nada por dado: preferia a caminhada da jornada. Seu verdadeiro objetivo era descobrir, em cada entrevista e em cada rosto, a matéria bruta da identidade brasileira. Ele era anti-, porque não se interessava em teorias e fórmulas que só fazem sentido na

cabeça de intelectuais preguiçosos fascinados pela própria erudição (numa palestra na PUC-SP disse que gostava de assistir programas populares da televisão enquanto lê Immanuel Kant).

Coutinho passou a vida inteira buscando a alma do homem brasileiro através da sua experiência de vida e do seu diálogo com o mundo. Fez filmes em que o silêncio é proibido, exceto se for o ensurdecedor silêncio que precede o choro. Seu legado é composto por filmes que falam, através do misticismo do som, do etéreo da música e da violência do desejo, do que é feita a identidade do homem brasileiro. Significa,

portanto, dizer que o cinema de Eduardo Coutinho seja fechado para o resto do mundo? Não. Porque mesmo que os filmes dele sejam sobre a ‘experiência brasileira’ e sua possibilidade de contato, eles também são sobre temas universais (amor, ódio, desejo, miséria, etc.). Eles são tão fechados no corpo brasileiro que terminam universalmente abertos.

Para Coutinho não há nada mais precioso do que a fala. A fala, o som, a música, o trejeito, a entonação. O cinema de Coutinho difere-se de quase todos os outros cineastas — ficção ou realidade — porque o aparelho sonoro tem tantas ou mais camadas que a arquitetura visual. Absurdo comparar com o que Carl Th. Dreyer tentava fazer em Gertrud (1964)? Imagino que não, guardadas as devidas proporções. Não é que a imagem seja desimportante para Coutinho: óbvio que

é, há ali a imagem que se identifica e trabalha magneticamente atraída pelo olho da câmera, mas é através do som que a memória de um povo (ou precisamente deste povo) é contada de modo objetivo. A imagem é importante para Coutinho porque nela há a captação das formas e dos signos, das cores do país e da cultura e é onde se desenrola a dança e os gestos; mas é no som em que os signos e códigos são desvendados — ou vendados, ou substituídos ou destruídos.

Há pouca ou nenhuma pressa em Coutinho. Proximidade e distância, respeito e inquisição. Há tranquilidade estética. O tempo flutua junto com as pessoas, como uma rua num dia de sol intenso. Não há julgamentos. Os homens são o que são. A matéria e a fibra é isso. Todo mundo comete erros, cada um tem seus sistemas, e esse é o princípio. (Victor Bruno)

Victor Bruno Pesquisador e crítico de cinema

Eduardo Coutinho (1933 – 2014)

Creio que poucas pessoas, mesmo não tendo o hábito de leitura, não tenham ouvido falar do colombiano García Márquez. Inegavelmente o Prêmio Nobel de Literatura que recebeu em 1982 ajudou a torná-lo um dos autores mais conhecido e traduzido no mundo. O prêmio coube a poucos latino-americanos, como Gabriela Mistral (Chile, 1945), Miguel Angel Asturias (Guatemala, 1967), Pablo Neruda (Chile, 1971), Octávio Paz (México, 1990) e Mario Vargas Llosa (Peru, 2010).

Hoje, qualquer informação básica sobre o autor e sua vasta produção, incluindo as obras, é facilmente obtida: basta acessarmos buscadores e sítios na internet. Como

historiador e admirador de García Márquez, indicaria a leitura de cinco obras, que contemplam diacronicamente distintos momentos: Ninguém escreve ao Coronel (1961), Cem anos de solidão (1967), O Outono do Patriarca (1975), O amor nos tempos do Cólera (1985) e Doze contos peregrinos (1992).

A geração de escritores latino-americanos ao qual pertence García Márquez, bem como os mexicanos Juan Rulfo e Carlos Fuentes, o argentino Julio Cortázar e a chilena Isabel Allende, foi responsável pelo chamado “boom” internacional da literatura hispano-americana. E a Gabo, como carinhosamente

era chamado, encontramos afirmações que o colocam como responsável máximo pela criação do chamado “realismo mágico” em nossa ficção. Mas como bem lembra o escritor e professor argentino Enrique Anderson Imbert, a novidade veio apenas na escala. Este estilo literário, adotado majoritariamente pela geração de Gabo, já anteriormente era manejada, só que então apenas por uma minoria intelectual. E o que antes se situava narrativamente em lugares exóticos do nosso planeta ou mesmo fora dele, agora se situavam aqui no coração da América. Isto nos traz outra característica a qual pertenceu Márquez e sua geração, a de uma literatura mais nacionalista.

Talvez aqui possamos compreender um pouco o comprometimento político, mantido ao longo de toda vida por García Márquez. Ao final, a obra do autor não pode ser vista fora do contexto de sua época.

Argutamente o filósofo chileno Eduardo Devés Valdés percebe que o pensamento latino-americano tem oscilado entre a busca de modernização ou o reforço da identidade. Inegavelmente Gabo e sua geração vivenciaram um continente imerso na crise do industrialismo e na experiência da revolução cubana, o qual gerou uma nova onda identitária, com a reivindicação, defesa e valorização de nossa cultura, frente à ênfase de seguir o exemplo dos países desenvolvidos. E como poderíamos ler as narrativas do cubano Alejo Carpentier ou do paraguaio Roa Bastos, contemporâneos de García Márquez? Como não ver agora, através dos olhos do centenário ditador de O Outono do Patriarca, toda a história de nosso continente? Aos que nunca antes leram García Márquez, o façam. Estarão adentrando em uma literatura que de tons regionais, se fez universal.

Luiz Felipe Viel Moreira Doutor em História Social

Gabriel García Márquez (1927 – 2014)

Jair Rodrigues me remete a ter prazer pelo que se faz, me remete à felicidade. Quem tem o samba na veia costuma dizer que “ser feliz é fundamental”, e nada mais caloroso do que ser invadido pela alegria contagiante que o sambista vindo de Igarapava, interior de São Paulo, demonstrava em cima dos palcos.

Pela riqueza e diversidade de seu ritmo, Jair Rodrigues nunca foi enquadrado em um estilo específico do nosso cancioneiro. Transitou pelo samba canção, choro, sambalanço, pela música caipira, pela ensolarada bossa nova, sendo o principal elo entre Cartola e Noel Rosa, passando por João Nogueira e Clara

Nunes – sua namorada na época – até chegar a artistas contemporâneos, como Martinho da Vila e Zeca Pagodinho. Se não bastasse, Jairzinho também segura a alcunha de “pioneiro do rap” no Brasil pelo sucesso “Deixa Isso pra Lá”.

Quantas noitadas embaladas por “Tristeza... por favor, vá embora”, “Ô-lê-lê, ô-lá-lá, pega no ganzê, pega no ganzá” ou ainda “Triste madrugada foi aquela”! Jair começou a cantar acompanhando o rádio ao lado da mãe, ainda criança. Nos bares do centro de São Paulo, despertou a atenção das gravadoras por se sentir no palco como se estivesse em casa. Ao lado de Elis Regina, apresentou o programa

televisivo “O Fino da Bossa” durante a época de ouro da MPB. Difícil é esquecer o clássico pout-pourri com a famosa “Pimentinha”: uma sequência de sambas maravilhosos que foram juntando um a outro, acertando os tons, com as letras escondidas atrás dos arranjos de flores montados no palco da TV Record.

Nessa mesma época, o Brasil vivia um período político-cultural efervescente: enquanto a ditadura compunha o cenário social do país, os festivais de música revelavam nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Wilson Simonal, Elza Soares, entre outros.

Dentre várias histórias desses eventos de competição, uma inesquecível foi em 1966, quando Vandré classificou a canção “Disparada” para o II Festival de Música Popular Brasileira com Jair frente ao microfone. A letra era de conteúdo sério

e não combinava com as palhaçadas de Jair, que praticamente se transformou durante a apresentação para a surpresa de quem estava lá. Foi tanto sucesso que o público, aos primeiros versos já cantava sua vitória. No entanto, o júri concedeu o 1º lugar para Chico Buarque e sua “A Banda”. Reconhecendo o verdadeiro vencedor da noite, Chico recusou o prêmio por concordar com a plateia e, no fim as contas, os dois dividiram o troféu Viola de Ouro. Nessa mesma noite, Jair Rodrigues também ficou com o 3º lugar por uma composição de Paulinho da Viola.

Sua célebre voz calou-se no dia 8 de maio deste ano, em sua casa, na cidade paulista de Cotia, aos 75 anos de idade. Jair Rodrigues deixa dois talentos, Jair e Luciana, também músicos. Dizia ele “sambista até morrer eu sou”. E foi. O céu está em festa!

Helington Lopes Sambista

Jair Rodrigues (1939 – 2014)

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Cinema //

Apenas em sua terceira edição, o Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba já demonstra sinais de maturidade e prova que veio para compor o calendário de festivais cinematográficos do Brasil. Com número de espectadores cada vez mais crescente, cerca de 80 filmes foram exibidos em nove dias de evento, que teve seu encerramento no início deste mês.

O belo documentário E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, desembarcou de Portugal para faturar o Prêmio Olhar de Melhor Filme entre as 12 produções concorrentes da Mostra Competitiva. Entre os curtas-metragens, o brasileiro Verona, de Marcelo Caetano, foi a escolha do júri oficial deste ano, composto pelo crítico argentino Diego Lerer, pela programadora francesa Agnès Wildenstein e pelo cineasta Allan Ribeiro. Além do troféu e reconhecimento, as produções consagradas recebem um total de R$ 16 mil em dinheiro.

Mas o prêmio maior, de acordo com os realizadores, é verem a sala de cinema lotada de pessoas curiosas para assistirem aos seus filmes, filmes estes

que se duelam com tantos outros para serem adquiridos por uma distribuidora, exibidos em diversas praças e atingirem diferentes públicos. Enquanto isso não acontece – e a possibilidade é incerta –, muitos deles passeiam Brasil afora e até no exterior para formarem a programação de festivais de cinema. E é essa a magia desses eventos: colocar o espectador diante de obras originais e ousadas que nem sempre têm a sorte de encontrar abrigo de uma distribuidora, que, salvam raras exceções, estão mais preocupadas na performance do filme nas bilheterias do que na formação cultural e intelectual do público pagante. E, desta forma, nos tornamos reféns.

Não precisa sair do Brasil para citar exemplos. Os filmes nacionais que ganham espaço no circuito comercial não correspondem nem a metade do que é produzido no país, lembrando que o critério de escolha do que será exibido é quase sempre baseado no retorno financeiro que tal produto – porque é um produto – terá na venda de ingressos. A qualidade nem sempre é reconhecida, muito menos determinante. Assim, não é de todo incompreensível quando muitos

enchem a boca para descer a lenha no cinema brasileiro, afinal, eles são privados de assistir algo que promove a reflexão e o debate, experimenta novas linguagens e desconstroem fórmulas e padrões. Exibidos no Olhar de Cinema de Curitiba, preciosidades como Branco Sai Preto Fica (Adirley Queirós), A Vizinhança do Tigre (Affonso Uchoa) e A Gente (Aly Muritiba) ainda seguem sem distribuidora oficial.

Se continuar assim, onde, além dos festivais, o público pode ter acesso a esses longas? Na internet, quando cair em boa qualidade para download, ou se você faz parte da minoria brasileira que assina TV a cabo, basta aguardar a transmissão no Canal Brasil.

Além de Curitiba, o Festival Kinoarte de Londrina, o mais antigo festival de cinema do Paraná, já iniciou os preparativos para a sua 16a edição. Até o dia 30 de julho, os

Repórter

[email protected]

E é essa a magia desses eventos: colocar o espectador diante de

obras originais e ousadas que nem sempre têm a sorte de encontrar

abrigo de uma distribuidora, que, salvam raras exceções, estão mais

preocupadas na performance do filme nas bilheterias do que na

formação cultural e intelectual do público pagante.

organizadores do evento recebem os filmes inscritos. Junto às tradicionais mostras que compõem a programação, o festival abrigará a Competitiva Ibero-Americana de Curtas-Metragens, com filmes procedentes da Espanha, Portugal e de toda a América Latina. O evento será realizado entre os dias 18 e 28 de setembro.

E Maringá?

A Cidade Canção também tem seu próprio festival de cinema, que no ano passado chegou à sua 10a edição. No entanto, nenhum dado ainda foi divulgado referente a 2014 e o site oficial permanence fora do ar. O Duque entrou em contato com o organizador do evento, Pery de Canti, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem. Vale ressaltar que a concessionária de rodovias Viapar, patrocinadora âncora do Festival de Cinema de Maringá desde o início, reavaliou a lei de incentivo e lançou neste ano o “Viapar Cultural”, programa com o intuito de democratizar o acesso ao aporte financeiro por meio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura (Minc). O edital contemplou nove projetos locais com R$ 200 mil entre música erudita, popular e peças teatrais, do infantil ao contemporâneo. Já sobre o Festival de Cinema, aguardamos mais informações.

EltonTelles

Festivais de cinema e sua função

social/cultural

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13junho

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Vida //

Colunista

Eu, Alice e OféliaPaulaMariá

Não lembro qual foi a primeira vez em que assisti Alice no País das Maravilhas, só sei que tinha o VHS em casa e o rebobinei muito. Aquela primeira versão, de 1951, me marcou. Em compensação, O Labirinto do Fauno, eu me lembro bem da primeira vez que vi, até porque, logo de cara, assisti quatro vezes seguidas.

Para quem nunca assistiu a esses dois filmes (acho difícil, mas pode acontecer), resumo: Os dois se tratam de histórias de meninas, cheios de realismo fantástico. Criaturas místicas, imaginárias e cenas impossíveis. Ou, para alguns, apenas improváveis.

Os dois filmes me encantam em um nível muito profundo. Me fascinam. Por todo o contexto, pela força e a inteligência das personagens, pelo cenário e por todas as possibilidades de interpretação que carregam suas cenas. E ainda, principalmente, pela mágica e minha necessidade de acreditar nela.

O que sempre me magoou foi o resumo dos filmes. Suas críticas. A visão da mágica pelos olhos de terceiros. A dúvida, que

todos parecem fazer questão de frisar: será realidade ou apenas um sonho de Alice e Ofélia?

Ah, que ofensa! Que ofensa duvidar das fantasias alheias! Me senti pessoalmente atacada cada vez que li algo do tipo sobre uma delas. Ora, quem ousa dizer ser impossível o sonho de Alice, justamente, uma menina que repete para si “acredite em seis coisas impossíveis antes do café da manhã”? Quem ousa?

Inconfiável é quem não acredita que Ofélia foi buscada por fadas. Questionar as fadas de Ofélia é questionar sua própria alma. Cada pedaço de sua imaginação ali, personificada, convertida em matéria. Nada é mais verídico do que a fantasia que é capaz de transformar uma vida.

Nada é mais real do que o imaginário. É ele que sustenta. A carne e os ossos dos pés que se levantam diariamente da cama nada são sem o impulso do impossível. O toque da pele e cada uma das imagens que invadem nossos olhos diariamente nada significam sem a nossa representação. Sem a parte mágica que carregamos em nós, somos

movidos a utopia. É do sonho que nasce o suor, o sangue, a realidade.

Ah, que audácia! Olhar para toda a história de Alice e, ao vê-la acordando, perguntar-se se existiu mesmo um coelho branco de colete e de relógio. O que importa se existiu? Se mais alguém viu? Sendo que Alice o perseguiu, caiu em seu mundo e, assim, transformou sua visão sobre o seu próprio?

Quem são Alice e Ofélia se não seus próprios devaneios? Quem sou eu sem os meus? Quem é você sem os teus? Se de cinza já nos basta o piso das casas, o cimento, os dias e os corações que cruzamos na rua, quem pode tirar de dentro de nós as cores que nos põe em movimento?

Ah, que vergonha! Tentar colocar como verdade esse pedaço tão pequeno do mundo, o pedaço genérico, cruel e indistinto que chamam de realidade. Tentar me convencer de que fadas não me buscarão enquanto durmo. Tentar fazer do impossível uma loucura.

A sanidade mora no delírio.

Ophelia, deE. Siddal

Page 15: O Duque #08

15junho

Psicologia //

À vida adiadaEspero que este texto não seja palavra morta

aos fiéis da teologia do empreendedorismo. Mas é preciso avisar de início: para estes fiéis o que temos a oferecer soará como blasfêmia.

Os manuais do empreendedorismo nos pedem que deixemos as zonas de conforto, pois, confortavelmente, não se cresce. E é preciso crescer! Pois na bíblia do empreendedor, do proativo, do ousado e de todas as outras classes de vitoriosos, aqueles incapazes de percorrer o árduo caminho de nunca se acomodar estarão condenados a engrossar a massa dos sentenciados ao fracasso econômico, o pior de todos os destinos. O destino de quase todos!

Não é gratuitamente que estamos falando de empreendedorismo com verbetes religiosos. Estamos tentando apontar certa semelhança entre essas duas propostas de salvação. Se as religiões propunham nos salvar do inferno pedindo apenas que nos afastássemos dos prazeres da carne, o empreendedorismo nos oferece a salvação ao fracasso, ao custo de não nos permitirmos nos acomodar. Ambas são promessas futuras a expensas de um presente sacrificado. Pelo tom que o texto toma, o leitor já deve desconfiar que nenhuma das duas nos apetece.

Incomoda-nos, sobretudo, essa exigência que se universaliza enquanto nova superstição

dominante: “Abandone a zona de conforto!” Isso nos parece antes um imperativo masoquista do que uma fórmula de sucesso. O que justifica que se abandonem situações de conforto enquanto regra? Conforto é sinônimo de boa vida, não seria algo insano pregar seu abandono?

É justo que o leitor esteja a supor: “se adotar a ideia de deixar a zona de conforto é algo assim tão próximo da insanidade, o que esse texto propõe como critério alternativo para conduzir a vida?” e para respondermos a isso, recorreremos a Nietzsche que desenvolveu um conceito que parece pertinente à nossa problemática, um conceito chamado eterno retorno. Permitamos que ele mesmo fale e vejamos do que se trata:

Se, em tudo que você quer fazer, começar perguntando: “Tenho certeza de que desejo fazê-lo infinitas vezes?”, isso se tornará o centro de gravidade mais sólido para você... Eis o ensinamento de minha doutrina: “Viva de forma a ter de desejar reviver – é o dever – pois em todo caso, você reviverá! Aquele para quem o esforço é a alegria suprema, que se esforce! Aquele que ama antes de tudo o repouso, que repouse! Aquele que ama antes de tudo obedecer e seguir, que obedeça! Mas que saiba para o que dirige sua preferência, e não recue diante de nenhum meio! É a eternidade que está em jogo!”.

Diferente do manual do empreendedor, que pede que abandonemos o conforto, Nietzsche, prescreve que o adotemos como critério. O eterno retorno serve como gabarito diante da angústia de escolher entre os momentos da vida que valem a pena ser vividos. Não nos oferece uma fórmula universal de sucesso, pois não há. Oferece-nos apenas os meios para nos interrogarmos sobre a existência e descobrirmos o que, de fato, nos alegra e quais instantes gostaríamos de reviver “infinitas vezes”. Percebe? O que Nietzsche prescreve é a possibilidade de se enxergar de forma mais clara, portanto, com maior contraste, entre aqueles momentos que tornam a vida medíocre, que geralmente aceitamos sob a promessa de grandes recompensas futuras, daqueles momentos que chamamos felizes, pois valem por si mesmos e para o futuro não prometem nada.

Veja, criticamos aqui a teologia do empreendedorismo, pois nos parece que ela imputa, sem aviso a seus fiéis, o sério risco de uma vida adiada. Ao instigá-los a sempre inovar, sempre ousar e sempre crescer, coloca-os reféns de um futuro sem face. Condena-os a viver cada momento como meio para um fim, sem perceberem, assim, que momento a momento, a finalidade se perde.

Colunista

RodrigoCorrêa

Escritos de Nietzsche

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Poesia //

Só para ambientar a coluna, peço que leiam este soneto:

burguesa patusca light ciudade morena el fuego de la palavra vá a incendiar tua frieza ninguém consigue comprar a sabedoria alegria belleza vas a aprender agora com cuanto esperma se hace um buen poema esnobe perua arrogante ciudade morena tu inteligência burra – oficial – acadêmica – pedante y tu hipocondríaca hipocrisia brochante son como um porre de whiski com cibalena postiza sonriza Barbie bo-ro-co-chô ciudade morena por que mezquina tanto tanta micharia? macumba pra turista – arte fotogênica ya lo ensinaram Oswald – depois Manoel – mas você no aprendeu – son como desinteria falsa virgem loca ciudade morena vas a aprender ahora com quanto esperma se faz um bom poema

(Douglas Diegues in Dá Gusto Andar Desnudo por Estas Selvas, Travessa dos Editores, p. 8)

Pronto! Fica apresentada para vocês a poesia de Douglas Diegues, um carioca da gema que foi criado e mora na fronteira do Brasil com o Paraguai. Ele é o principal expoente do Portunhol Selvagem. Portunhol Selvagem!? Deixo o próprio Douglas, explicar:

“U portunhol salbaje es la língua falada en la frontera du Brasil com u Paraguai por la gente simples que increiblemente sobrevive de teimosia, brisa, amor al imposible, mandioca, vento y carne de vaca. Es la lengua de las putas que de noite vendem seus sexos na linha da fronteira. Brota como flor de la bosta de las vakas. Es una lengua bizarra, transfronteriza, rupestre, feia, bella, diferente, que impacta...”. De acordo com seu artigo para a Zunái.

Ou ainda:“... um fenômeno estético nuebo nel atual panorama.

Uma forma nueba de dizer coisas viehas y nuebas de miles de maneras próprias diferentes. Es uma lengua que solo se pode entender usando el korazón. Brota del fondo del fondo de cada um de maneira originale. Es uma lengua bizarra, feia, bela, selvagem, provinciana-kosmopolita, rupestre, post-histórika, sem data de vencimento. Non se trata de mera brincadeira que deu certo. Es uma aventura literária. Um dialeto feliz que non necessita mais ser feliz. Um karnabal cumbiantero de palabras conocidas y desconocidas. Uma liberdade de linguagem hermoza que nunca caberá inteira em los espelhos y molduras de ningum pombero-system literário oficial…”. Segundo a entrevista que Douglas deu a Evandro Rodrigues no site “LOCO POR TI”.

Suas obras, listadas no seu blog “portunholsevalvagem.blogspot.com.br”, até agora são: “Dá Gusto Andar Desnudo por Estas Selvas”(Travessa dos Editores; Curitiba, PR, 2003); “Uma Flor”(Eloisa Cartonera, Buenos Aires, 2005); “Rocio” (Jakembo Editores, Asuncion, Paraguay, 2007); “El Astronauta Paraguayo”, (Yiyi Jambo, Asuncion, 2007); “La Camaleoa”, (Yiyi Jambo, Asuncion, 2008); “DD erotikito salbaje”, (Felicita Cartonera, Asuncion, 2009); “Sonetokuera en alemán,

La Xe SyLos abogados, los médicos, los jornalistas, todos

quierem fornicar com mia mãe. Nadie tiene las tetas mais bellas que las de la xe sy. Los gerentes de banco non resistem. Los músicos, los guarda-noturnos, los arniceros,

todos querem fornicar com ella. Nadie tiene los ojos mais bellos que los de mia mae. Tengo tres años. Me enkanta jugar com la lluvia. Y non tengo padre. Los idiotas, los seccionaleros, los farmacêuticos,

todos suenham en enfiar el pau en la tatu-ro'o de mia mãe. Todos los bugres de la fronteira deseam mia mãe como legítima esposa ni que sea apenas por una noche tíbia de Ypacaraí.

Mia mãe es la fêmea mais bella du território trilíngüe. Tengo quatro años. Y todos los bigodudos de la frontera kieren fornicar

com ella. Muitos se masturbam secretamente pensando en ella. Tengo dois años. Non sei quem es mio pai. Sinto que non soy igual a los outros. Eles têm pai. Yo non tengo pai. Tengo apenas una mãe e un abuelo. Eles têm pai, mãe, abuelos y abuelas. Tengo também tia, y tio, y una prima salbaje di quatro años. Mas non tengo pai. Y todos los polizias, los juízes, los fiscales, los katedráticos de la fronteira querem fornicar com mia mãe. Los mecânicos, los padres y los carteros também

querem. Muchos jóbenes de la frontera se masturbam secretamente em nombre de mia mãe.

Mutchos senhores casados fornicam com sus legítimas señoras pensando em mia mãe. Tengo três años. Y tengo medo del oscuro. Quién nunca se masturbou em nombre de alguien cuando era jovem? Los vendedores de fruta y los sapateros también se

masturbam em nombre de mia mãe. Los vecinos árabes, que tienen tienda en la mesma calle en que está la tienda de mi abuelo,

miran, golosos, para mia mãe, querem fornicar com ella, pero ella non se vende.

Los pilotos de avión y otros kapos famosos em todo el pueblo también querem fornicar com mia mãe. Los piragües profissionales y los eletricistas também querem fornicar com ella. Tenho cinco anos. Y ellos se masturbam sonhando que estan fornicando com mia mae. Komerciantes, yaguaretê-abás, luizones, rondam la

loja de mio abuelo. (...)

Confira a poesia completa no site do jornal O Duque.

portuñol salvaje y guarani” (Mburukujarami Kartonera, Luquelandia, Paraguay, 2009); “Triplefrontera Dreams” (Katarina Kartonera, 2010); “La felicidad versus el dia de San Nunka” (Poemas inéditos); “Garbacho el rey de los perros paraguayos” (relatos inéditos); “El amor non tiene dueño” (Sonetos salvajes inéditos); “Bichos Paraguayos” (Mitologia callejera robada nel Mercado Kuatro); Amantes perfectos (Relatos salvajes inéditos); El domador de yakarés (Biografia klandé inventada del personaje mais famoso de la literatura triple frontera); La última cumbia de la calle última (Protonoubelle em bersos); Maká Fútbol Club (Relatos fuboleros).

É bastante coisa! São bastantes poesias!Num primeiro contato aprende-se que o Portunhol

Selvagem é uma língua em movimento errático, sem governança e tentar regrá-lo é acabar com a sua essência livre. Basicamente, é uma língua ou dialeto ou qualquer outra definição formada(o) por palavras em português, guarani e espanhol, porém com pitadas de espanglês e inglês; sem contar os neologismos e, como direi?!... sei lá... transneologismos (se é que existe esta palavra) que, para mim, significa um neologismo que vale para várias línguas e não só para o Portunhol Selvagem. Um transneologismo, por exemplo, é: non-lugar, que significa, obviamente, o que o autor quiser, dependendo do contexto. Volando, volando, acá estou jo, mientras a condición de ignorante, aprendendo e em la noche me la passo divirtiendome com el Portunhol Selvagem.

Mas, ao contrário do que vocês pensam, o assunto não é o Portunhol. Aliás, tenho certeza que a estranheza da novilíngua aliada à curiosidade da primeira leitura de um texto em Portunhol Selvagem esconde o melhor de Douglas Diegues: sua poesia! É na sua poesia que o leitor tem que colocar a sua atenção e foco; independente da palavra usada, seus temas e sua agudez são de uma elegância poética sui generis e o ritmo de seus versos flui com uma naturalidade tão grande que é grande o nosso sentimento de que não houve esforço no fazer.

Se Douglas escrevesse somente em português, tenho cá comigo, sua poesia também seria fantástica. Mas Douglas é esperto... Tal qual um pintor que diante da tela serve-se das cores disponíveis naquele instante e faz sua obra a partir dessa paleta derivada das misturas na aquarela, Douglas tem ao seu dispor, quando diante da página em branco, além do português, outras tantas línguas que são transformadas em uma miríade de palavras, elevando as possibilidades do poema em escala logarítmica ou logaRÍTMICA. É isso, Douglas é um poeta para quem uma única língua é pouco para a sua arte.

Outro aspecto muito bacana é o respeito que o poeta tem com o Cânone da poesia, apesar de ser um transgressor, seja lá qual for o significado disso, é muito interessante a maneira como ele se refere a autores consagrados, particularmente Manoel de Barros; basta ler o soneto que abre esta coluna. Nesse aspecto, confirma-se a sua sagacidade quando bebe de uma fonte segura, porém adaptada ao seu estilo e à vanguarda da poesia (se é que existe vanguarda na poesia nestes tempos tão esquisitos, com “s”).

Deixo vocês com o poema “LA XE SY”, o primeiro que li de Douglas e que, de imediato, me arrebatou.

Colunista

Gilmar Leal Santos

UNA POESIA PRA ALLÁDE MUITO EXQUISITA

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17junho

Crimes //

Crimes insolúveisCrimes insolúveis

Clodimar Pedrosa Lô

Esta é uma nova proposta d´O Duque, que tem como objetivo relembrar transgressões e histórias até então não esclarecidas por completo pelos agentes públicos. São fatos que integram o cotidiano de cidadãos de nossa região e que, em sua maioria, interagem com o passado e insistem em traspassar às futuras gerações.

Dada a pesquisa de longa data que travei acerca deste caso, optei por abrir esta coluna com o assassinato de Clodimar Pedrosa Lô - e seus desdobramentos - que resultou no livro de minha autoria “Sala dos suplícios: o dossiê do caso Clodimar Pedrosa Lô”, lançado em 2011.

Clodimar, garoto pobre que migrou do Nordeste em busca de melhores oportunidades, ganhou nova chance ao chegar em Maringá, onde, depois de certo tempo, iniciou o trabalho como serviços gerais no Palace Hotel.

Segundo o tio, Oésio Araújo Pedrosa, o sobrinho era uma pessoa trabalhadora, esforçada e com muitos sonhos. Entretanto, a noite de 23 de novembro de 1967 mudaria o rumo da vida de todos os envolvidos com o jovem de apenas quinze anos.

Após queixar-se do sumiço de NCr$ 340 de seu quarto, Antônio Forte, cobrador da Casas Alô Brasil, pediu explicações ao gerente do hotel, o italiano Attílio Farris. Em averiguação preliminar, indícios recaíram sobre Clodimar. Um dos hóspedes alegava ter visto o menino entrar no quarto de Forte pouco tempo antes de ele ter notado o desaparecimento do dinheiro.

Clodimar negou participação no crime, mas foi levado pelos soldados Manoel Gerson Maia e Beneval Merêncio Bezerra, a bordo do temido Jeep 28, até a então 13ª Subdivisão da Polícia Militar de Maringá. Na delegacia, localizada na avenida Paraná, o menino foi trancafiado na até então desconhecida sala dos suplícios, local macabro que foi cenário de sua tortura até a morte.

Com a notícia vindo à tona, a grande população passou a cobrar melhorias no sistema de segurança pública do interior do Estado. Oésio chegou a escrever em tom protesto no túmulo do sobrinho “aqui jaz um menor que foi brutalmente assassinado por coices de mula em Maringá”; outros optavam em nomear aqueles soldados de “jagunços fardados”.

O pai de Clodimar, Sebastião Pedrosa Lô, soube do ocorrido e veio do Noroeste em

busca de informações sobre a morte do filho. Como era de se esperar, também trouxe consigo o espírito de vingança.

Após uma operação cinematográfica que encontrou os fugitivos Manoel e Beneval no interior do Maranhão, a justiça concedeu o habeas corpus para responderem em liberdade. Desde então, nunca mais foram encontrados.

Frustrado, Sebastião, que já planejara o assassinato dos ex-soldados e não havia obtido sucesso, se voltou contra outro agente daquela tragédia. Para ele, Attílio Farris também era um dos responsáveis pela morte de seu filho.

Farris havia passado um tempo na Itália. Ao saber do regresso dele, Sebastião tratou de criar sua estratégia de vingança. Em outubro de 1970, em plena avenida Brasil, Sebastião desferiu em Farris sete tiros a queima roupa, causando morte instantânea de seu alvo. Em seguida, se entregou ao primeiro policial que encontrou.

De sua prisão em flagrante até outubro de 1972, dois anos portanto, Sebastião Pedrosa Lô enfrentou três julgamentos complexos que até hoje são objeto de estudos acadêmicos. Ao final, o júri popular absolveu o réu, embasando-se na teoria da “legítima defesa da honra”.

Constata-se que não só um, mas três crimes permanecem sem solução: os assassinos de Lô continuam (pela idade, podem ainda estar vivos) foragidos; a família Farris nunca teve a honra de ver Sebastião perpetuar na prisão; e, nunca ficou comprovada a culpa de Clodimar quanto ao furto do dinheiro no quarto de Antônio Forte.

Já na década de 1980, a família Lô entrou com processo contra o Estado do Paraná em busca de indenização contra o assassinato de Clodimar. Mesmo tendo ganhado a causa em diversas instâncias, segundo seus representantes, nunca recebeu um centavo.

Essa tragédia ganha vida todos os anos durante o mês de finados, quando o túmulo de Clodimar Pedrosa Lô se torna o mais visitado no Cemitério Municipal de Maringá, com famílias inteiras agradecendo as bênçãos alcançadas através do menino que terminou por se tornar santo popular.

Quer saber mais sobre este acontecimento trágico? Visite o site d´O Duque e assista ao documentário “23.11.1967: documentos do caso Clodimar Pedrosa Lô”, dirigido por Eliton Oliveira e lançado em 2012.

Editor

[email protected]

A imagem é de 1968, quando a Folha do Norte do Paraná

informou, em primeira mão, a prisão dos ex-policiais

foragidos, com a manchete: “Polícia Militar do Estado de-

scobre matadores de Clodimar. Gerson e Beneval presos”. A

matéria detalhou a ação do então capitão da PM do Paraná,

Luiz Gastão Richter, que havia realizado as referidas

prisões na cidade de Imperatriz no Maranhão.

MiguelFernando

Imagem de um dos julgamentos que teve o pai de Clod-imar Pedrosa Lô como réu.

A morte de Lô virou tema central do Programa Aconte-

ceu, uma espécie de radionovela da época que retratava

casos complexos.

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Filosofia //

Hoje em dia é comum vermos pessoas que tratam animais como se fossem humanos, chegando a tratá-los como a um filho. Ao mesmo tempo vemos crescer o número dos que defendem uma dignidade dos animais, perseguindo e condenando os que atentam contra os “direitos” deles. Qual o fundamento para todo esse movimento? Podemos falar, seriamente, em direitos e dignidade dos animais?

Desde a antiguidade, a constatação da dignidade dos seres estava relacionada à sua capacidade racional. Os homens livres eram os únicos que tinham o direito, por exemplo, de participar da democracia ateniense. Os escravos, estrangeiros, mulheres e crianças eram privados dessa faculdade por causa de uma suposta incapacidade racional.Mas, será que podemos comparar a luta pela valorização da mulher, do escravo e do índio com a defesa dos direitos dos animais? De certo modo, sim. O princípio pelo qual se negavam direitos a essas classes era a insuficiência ou inexistência da capacidade racional. Mulheres, escravos e índios eram considerados desprovidos de razão, que era adquirida por meio de um processo educativo que só teria sucesso naqueles que conservavam dentro de si, por graça divina, a semente da razão.

Com a defesa de uma razão universal, o Iluminismo possibilitou uma compreensão mais

plena e integral do ser humano, concebendo a razão como uma propriedade comum a todos os seres humanos, independente do sexo, da raça ou da condição sócio-econômica.E quanto aos animais, eles possuem razão? Por incrível que pareça, essa questão provoca os filósofos desde a antiguidade. A maioria dos filósofos antigos achava impossível que animais, assim como crianças e deficientes mentais, pudessem filosofar, uma vez que seu raciocínio era limitado. Contudo, com o filósofo escocês David Hume a questão tomou outro caminho, e já é possível conceber uma espécie de racionalidade nos animais.

Para ele, todo conhecimento divide-se em questões de fato e relações de ideias, ou seja, aquilo que conhecemos com o auxílio de nossos sentidos (questões de fato) e o que diz respeitoexclusivamente de operações mentais (relações de ideias). As percepções de semelhança, contiguidade no espaço e no tempo e de causa e efeito são exemplos de questões de fato, enquanto que a geometria e a matemática envolvem relações de ideias. A diferença entre esses dois modos, para Hume, consiste apenas no grau de certeza que podemos atribuir a cada um deles, podendo considerá-los como frutos da razão. E os animais? Para Hume, os animais raciocinam por meio de questões de fato, não possuem a capacidade de fazer operações mentais complexas.

Os animais, assim como os seres humanos, aprendem muitas coisas pela experiência, e é por ela que inferem que os mesmos acontecimentos irão sempre seguir-se das mesmas causas, por exemplo. “Um cavalo acostumado ao campo conhece a altura exata que consegue saltar, e nunca tentará ir além do que está ao alcance de sua força e habilidade”. Podemos ainda encontrar provas dessa racionalidade animal no cão que evita o fogo, que se afasta de estranhos, mas trata com carinho seu dono; no pássaro que escolhe com cuidado e precisão o lugar e os materiais para seu ninho e que choca seus ovos pelo tempo devido e na estação apropriada. Não resta dúvida, diz ele, “os animais sentem, pensam, amam, odeiam, desejam e mesmo raciocinam, embora de maneira mais imperfeita que o homem”.

Portanto, se aceitarmos a tese de Hume, de que a racionalidade humana distingue-se da dos animais apenas por uma questão de intensidade, e não de natureza, podemos concluir que os ditos “direitos” dos animais também são legítimos, pois derivam da mesma natureza dos direitos dos homens. Mas, cuidado, há uma importante distinção de graus entre esses “direitos”, assim como há no âmbito da razão.E aos que gostam mais de animais que de seres humanos, aconselho moderação, pois como nos recorda o famoso dito popular:“uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

Direitos dos animais?Colunista

DonizetiPugin

Salon de Madame Geoffrin, de

Lemonnier

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19junho

# SARAU

À esperado pai Rogério

Pereira

Nunca odiei tanto o pai. Eu o esperava na porta de casa. Ele descia a rua de pedregulhos. Havia pouco tempo deixáramos a roça. Agora, tínhamos de cavar um chão de concreto e asfalto. Trocamos a companhia de bois vagarosos pela insana voracidade de carros e ônibus. Aos poucos, nos acostumaríamos ao ruído da nova vida. Atrás da casa de madeira, construímos nosso estádio — um estropiado Maracanã ladeado por cedros e uma tímida valeta. Nossa rede, as ancas do paiol em cujas vísceras dormiam ratos pançudos. E as ripas para a construção das estufas na floricultura onde morávamos de favor. Éramos retirantes num mundo que nos amedrontava.

O pai carrega o pacote. E vem em minha direção. Eu o espero. A ansiedade pulsando nas vértebras do pescoço. Um nó prestes a estourar no urro do animal ancestral. Ele caminha devagar, como se ambicionasse congelar o tempo, paralisar o momento de entregar ao filho o pão que jamais saciaria a fome que arranhava as costelas delicadas. Te odiei tanto, pai, na tarde sem fim. A mãe ali por perto cuidando das azaleias, avencas e samambaiais. Eu já havia anunciado aos amigos. A minha espera era a espera deles. Éramos uma horda de gnus à beira de um rico seco, sem crocodilos. Correríamos em disparada ao nosso estádio de mentira. Seríamos, enfim, pequenos deuses capazes de milagres indecentes. Bastava o pai me estender as mãos grossas, calosas, herança de uma roça arcaica e indesejada. O pai estendeu-me as mãos. Sobre elas, o pacote. Um simulacro de Papai Noel, cujas vestes tornavam risível a triste silhueta. Toma, filho. Agarrei com todas as minhas forças de nove anos. Davi e Golias trocando carícias e gentilezas. Rasguei o papel esverdeado feito o esfomeado a estraçalhar o vestido da amante.

À minha volta, pares de olhos em febre. Enfim, abandonaríamos a bola de plástico emprestada. Teríamos nossa bola: grande, branca, de capotão. Do papel amassado, a desilusão. Uma bola pequena, de cor escura, de borracha, fincava espinhos na palma da minha mão. Gostou, filho? A pergunta do pai se perdeu no silêncio indestrutível. Quietos e resignados, rumamos ao nosso estádio. Eu carregava o ódio debaixo do braço.

A bola pequena e feia — borracha maldita — rapidamente se transformou. Inventamos a bola perfeita. Nosso silêncio virou algazarra. Os gnus ruidosos lambiam o rio caudaloso. Crocodilos não nos assustavam. Inventamos dribles para a bola que pulava uma imensidão. Nossos pés sofriam para dominá-la. Aos poucos, arrefecemos a sua fúria. Driblamos e a chutamos vida afora.

Dói menos odiar o pai quando se está feliz.

Rogério Pereira nasceu em Galvão (SC), em 1973. É jornalista, editor e escritor. Em 2000, fundou em Curitiba o jornal Rascunho. É idealizador do Paiol Literário, projeto que já recebeu cerca de 60 grandes nomes da literatura brasileira para debates literários na capital paranaense. Desde janeiro de 2011, é diretor da Biblioteca Pública do Paraná. É editor e escreve crônicas semanais para o site Vida Breve (www.vidabreve.com.br). Tem contos publicados no Brasil, Alemanha e França. É autor do romance “Na escuridão, amanhã”, pela editora Cosac Naify.

O menino sentadona bomba, de

Eduardo Schloesser

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