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O LEGADO DE PAULO FREIRE PARA A FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS
Keiliane Honorato da Silva - [email protected]
Maria do Socorro Lima Marques França
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Eixo Temático: Formação Inicial de Professores de Educação Básica
RESUMO:
O presente trabalho traz como temática de discussão os estudos das obras de Paulo
Freire no contexto do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação de Crateús –
FAEC. Pretende-se conhecer a perspectiva dos graduandos e graduandas, sobre a
validade dos estudos das obras de Freire, identificando os conceitos que estão sendo
difundidos pelos professores e professoras e, ainda, se esses conceitos são
considerados como relevantes para a docência. Para tanto, utilizou-se como
procedimento metodológico, a realização de estudos bibliográficos e a pesquisa de
campo, pela observação do contexto investigado. Observou-se que os discentes
consideram válidos os estudos das obras de Freire na formação inicial, entretanto,
percebeu-se dificuldade na compreensão da linguagem que o autor utiliza, provocando
superficialidade na compreensão do que ele propõe e consequentemente gerando medo
do erro e insegurança ao falar. Evidenciou-se a necessidade de a universidade promover
a desconstrução desse medo imaginário, ou não, uma vez que, enquanto formandos para
a docência, a fala, unida ao conhecimento crítico, são os principais instrumentos de
trabalho do docente.
PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
O bacharel em Direito que renunciou à carreira para dedicar-se à docência
encontrou na educação seu ancoradouro para toda a vida. Foi a vontade de dar palavra
aos esfarrapados do mundo que fizeram Freire dedicar-se ao professorado como forma
de professar a esperança para os oprimidos. Foi fazendo-se gente, no contato com o
mundo, reduzido, a priori, ao quintal de sua casa e aos lampiões de sua rua, que Freire
desde cedo imaginou que o mundo podia ser dito de outra forma e com outras vozes.
Para Freire, a docência é um processo e o sujeito docente só se faz professor
sendo, consciente do inacabamento do ser homem. Ele afirma que a docência não se dá
a partir de uma habilitação legal, mas, na relação educador e educando e na capacidade
de compreender o desenvolvimento da sua prática profissional (CUNHA, 2010). Para ele,
“A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática”
(FREIRE, 2011).
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Dessa forma, a presente pesquisa destina-se a refletir sobre a relevância dos
estudos das obras de Paulo Freire na formação inicial dos graduandos do curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação de Crateús – FAEC. Pretende-se conhecer a
perspectiva dos graduandos e graduandas, a fim de entender se consideram válidos
esses estudos, conhecer os conceitos difundidos pelos professores e professoras e,
ainda, verificar se esses conceitos são considerados pelos licenciandos e pelas
licenciandas como relevantes para a docência. Para isso, procuramos ter acesso aos
programas das disciplinas dos docentes e, também, assistir aos momentos de estudos
dessas obras, em sala de aula, com anuência dos professores e das professoras.
Diante da pouca recorrência de estudos sobre o autor na Faculdade de
Educação de Crateús, decidimos elaborar esse trabalho, apresentando primeiramente
uma explanação sobre a vida e obra de Paulo Freire considerando três aspectos, a
saber: a pessoa, o professor e o militante. Abordamos fatos da infância, nem sempre
fácil, vivida ora na cidade de Recife, ora em Jaboatão, interior de Pernambuco. As
primeiras aprendizagens de mundo no seio da família e posteriormente com Eunice,
professora com quem aprendeu a indissociabilidade “palavramundo”. Descrevemos suas
experiências na adolescência, na juventude e suas vivências como professor. Falamos de
sua militância, como defensor da educação popular e libertadora que no seu
entendimento, era o meio mais viável de emancipação da consciência.
Em seguida apresentamos os resultados obtidos pela pesquisa de campo em
que buscamos elucidar a compreensão dos graduandos e das graduandas do curso de
Pedagogia sobre os postulados freireanos, bem como as aprendizagens a seu respeito.
Destacando inclusive, ser pertinente o estudo das obras de Freire para a formação de
educadores e educadoras, uma vez que a dimensão de seu pensamento abrange
aspectos inerentes àqueles que almejam a docência como campo profissional.
A PESSOA: DESDE CEDO VIVEU O DESEJO DE APRENDER
Paulo Reglus Neves Freire ou, simplesmente, Paulo Freire, como ficou
mundialmente conhecido, nasceu na cidade de Recife em 19 de setembro de 1921. Era o
quarto filho de um pai militar, Joaquim Temístocles Freire e da bordadeira dona
Edeltrudes Neves, (FREIRE, 2001) a quem o autor deve suas primeiras leituras e
palavras escritas referindo-se que “foi com eles, precisamente, em certo momento dessa
rica experiência de compreensão do meu mundo imediato, (...) que eu comecei a ser
introduzido na leitura da palavra” (FREIRE, 1989, p.11).
Aos dez anos Freire e sua família mudam-se para a cidade de Jaboatão e aos
treze anos perde o pai, período em que a família passou por situação financeira difícil
afirmando que “de um lado sentiam a ausência do chefe da família; do outro, a
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diminuição drástica na parca aposentadoria que meu pai recebia reduzida à pensão”
(FREIRE, 2003, p. 107), o que ocasionou o atraso em seus estudos no curso primário.
Ele afirma que fez “a escola primária exatamente no período mais duro da fome. Não da
‘fome’ intensa, mas de uma fome suficiente para atrapalhar o aprendizado (...)”, vindo
somente a ingressar no curso ginasial aos 16 anos, idade em que, segundo o autor,
estariam seus colegas da mesma geração, filhos de pais ricos, entrando na faculdade
(FREIRE, 2001).
Entre os anos de adolescência e juventude, Freire descobriu sua paixão pelo
ensino ainda como estudante, nos bancos da escola. Dedicou-se ao estudo da filologia e
filosofia da linguagem e anos mais tarde foi chamado a lecionar Língua Portuguesa nessa
mesma escola, antes mesmo de terminar o curso na Faculdade de Direito do Recife,
profissão que não exerceu (BRANDÃO, 2005).
Quando convidado a compor o Setor de Educação do SESI de Pernambuco,
onde teve contato com a educação de adultos e trabalhadores, percebeu a urgência de o
país enfrentar a questão da alfabetização e passou a dedicar-se com veemência ao
trabalho de formação de educadores de crianças, realizando os círculos de diálogos entre
professores e pais de alunos (BRANDÃO, 2005). Sua passagem pelo SESI, associada às
experiências da infância e juventude, são fundantes à concepção de educação
libertadora a qual defende (FREIRE, 1992).
Foi com esse pensamento frente à crítica realidade do analfabetismo
brasileiro que, em 1963, realizou a experiência de alfabetização de adultos na cidade de
Angicos/RN (BRANDÃO, 2010), mas, é válido lembrar que antes da aplicação de seu
método, baseado numa pedagogia libertadora, Freire pesquisou e sistematizou para
finalmente levá-lo à população nos chamados Círculos de Cultura, local em que se
desenvolviam os estudos das mais variadas temáticas de interesse local. Segundo
Brandão (2006, p. 43),
[...] “Círculo” porque todos estão à volta de uma equipe de
trabalho que não tem um professor ou um alfabetizador, mas um
animador de debates, que como um companheiro alfabetizado,
participa de uma atividade comum em que todos se ensinam e
aprendem [...].
“De Cultura”, porque, muito mais do que aprendizado individual de
“saber ler-e-escrever”, o que o círculo produz são modos próprios
e novos, solidários, coletivos, de pensar.
Seu método de trabalho, conhecido como Método Paulo Freire, não estava
baseado apenas no código escrito, ia além. O homem no mesmo processo de
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apropriação da escrita era desafiado a politizar-se, uma vez que, para o autor, o princípio
essencial do seu método educativo era “que a alfabetização e a conscientização jamais
se separam” (FREIRE, 2007, p. 14). Freire e sua equipe pretendiam expandir o trabalho
de alfabetização popular para todo o país, no entanto, com a deflagração do golpe militar,
tiveram suas expectativas barradas. Paulo Freire foi preso e posteriormente submetido ao
exílio.
Em 1980, após 16 anos de exílio, Paulo Freire retorna ao Brasil para dar
continuidade ao trabalhado interrompido pelo Golpe Militar de 1964. Agora, com uma
vasta experiência de mundo ou, como ele próprio se autodenomina, ‘cidadão do mundo’,
Freire continuou empenhando-se em seu trabalho no movimento de educação popular
com vistas à emancipação dos sujeitos oprimido. Para tanto, defendia que somente por
meio do diálogo o homem e a mulher alcançariam à libertação. Contudo, explicita que
esta “(...) é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem
novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores e oprimidos, que é a
libertação de todos” (FREIRE, 2014, p. 48).
Para o educador a educação não é neutra, portanto, a ação educativa
também não o é. Por ser considerado demasiado político, como afirmavam seus críticos,
foi negado como educador. Entretanto, afirmava que “ao negarem a mim a condição de
educador, por ser demasiado político, eram tão políticos quanto eu. Certamente, contudo,
numa posição contrária à minha. Neutros é que nem eram nem poderiam ser” (FREIRE,
1992, p. 9). Nesse sentido, é que defende que a educação não é neutra, tampouco o
educador dentro deste processo poderia afirmar-se neutro.
As bases do pensamento freireano estão fundamentadas na Teologia da
Libertação e no Marxismo, não sendo este último, tratado na perspectiva freireana de
forma tão fatalista, mas a partir de uma dimensão que considera a relação dialética
mundo-consciência sem minimizá-la ou reduzi-la a pura materialidade (FREIRE, 1992).
A Teologia da Libertação implica uma ruptura no modo de ver e de atuar na
sociedade, “é uma reflexão sobre a realidade social, especialmente na ótica dos pobres”
(BOFF, 1986, p. 43). Ela surge no século XX como tentativa de modernização da igreja
para adequar-se às novas transformações do século – principalmente na década de 60 –
e reaproximar-se dos fiéis.
A marca cristã da pedagogia libertadora cruza-se ainda com o pensamento
marxista de esquerda. Os críticos de Paulo Freire afirmam que ele aproveitou-se de um
método já existente, puramente cristão, e o revestiu com sua ideologia política para
manipular as massas por meio de uma educação a qual denominava conscientizadora.
A respeito disso o autor defende nunca ter feito tal afirmação sobre seu
método, mas explicita que a originalidade não está no fantástico, mas no novo uso de
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coisas conhecidas (FREIRE, 2007). Contudo a raiz da questão não era essa, mas sim, a
ênfase centralizada na conscientização do povo, tida como perigosa à classe dominante.
Nesse sentido, ao invés da educação de ajustamento propícia à dominação, Freire
trabalhava com a emancipação do homem por meio da conscientização crítica da
realidade.
Sua militância se deu na educação em geral e não somente a escolar,
baseada numa visão sociológica e política que a perpassam e a situam como
propagadora do conhecimento sistematizado em conformidade com o popular, por meio
da conscientização, termo muito presente e que caracteriza o pensamento freireano.
Assim,
A conscientização é, pois, um teste de realidade. Quanto mais
conscientização, mais se des-vela a realidade, mais se penetra na
essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos
para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não
consiste em estar frente a realidade assumindo uma posição
falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da
práxis, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética
constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza o mundo (FREIRE, 2001, p.
30).
Nessa perspectiva o ser humano é protagonista e não telespectador de sua
história, é sujeito de ação, não objeto inerte como tem sido historicamente condicionado.
A conscientização não se manifesta de uma hora para outra, mas, para alcançá-la
primeiro deve haver uma distanciação do objeto ou da realidade, causando em um
primeiro momento, estranhamento do que se percebe, o que gera, inclusive, um conflito,
para em seguida haver o reconhecimento e apreensão do antes conhecido e não
percebido. A partir daí ainda não houve a conscientização crítica, mas o início da
conscientização, a que o autor denomina consciência ingênua ou espontânea,
caracterizada “pela simplicidade na interpretação dos problemas” (FREIRE, 2007, p. 68),
entendida com um processo e não como determinação.
Em suma, Paulo Freire foi um educador não apenas da aprendizagem
sistemática do saber. Foi, além disso, um grande pensador da educação subsidiada no
saber do povo e para o povo. Preocupou-se com a situação de imersão das camadas
mais populares na dura realidade que os impunha, dia após dia, em condições
desumanizadoras impedindo-os de sonhar, inclusive, com um amanhã melhor, apontando
como via de saída para a emersão do povo, o estudo profundo e crítico de sua realidade
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realizado ao mesmo tempo em que aprendiam suas primeiras leituras e escritas atreladas
à sua leitura de mundo.
O PERCURSO METODOLÓGICO
A metodologia desse estudo caracteriza-se como uma pesquisa básica de
caráter qualitativo, pois, analisamos aspectos subjetivos do objeto em estudo com
participação direta no ambiente pesquisado. A pesquisa, amparada numa abordagem
qualitativa, pretende compreender e descrever fenômenos globais, pois considera o todo
sem minimizá-lo ao estudo de suas partes (POLAK et al. 2011).
Para tanto, no primeiro momento, utilizamos estudos bibliográficos,
instrumento essencial ao aprofundamento da temática, apoiando-nos, em especial, nas
obras de Freire mais pertinentes ao desenvolvimento da pesquisa, Brandão (2005),
Streck et al (2010). Para Therrien et. al. (2011, p. 29) esta etapa da pesquisa “[...]
caracteriza-se pelo uso de fontes com dados analisados e publicados, ou seja, recorre à
literatura produzida a respeito de determinado tema. Ela possibilita conhecer e analisar
as principais contribuições sobre determinado fato, assunto ou ideia (...)”.
O segundo momento, igualmente importante no percurso metodológico para a
realização da pesquisa, consiste na realização da pesquisa de campo. Para tanto,
procuramos os professores e solicitamos os programas de disciplinas para mapearmos
as obras de Freire que foram trabalhadas e em quais semestres.
Dessa forma, de posse dos programas de disciplinas dos professores
realizamos uma minuciosa análise desses programas, um total de 23 (vinte e três) das 49
(quarenta e nove) disciplinas obrigatórias, e 15 (quinze) optativas que o curso oferece.
Desses 23 identificamos três obras em estudo no semestre 2015.1, a saber: "Educação e
Mudança" no 1º semestre, “Professora sim, tia não” no 4º semestre e “Pedagogia do
Oprimido” no 6º semestre.
O terceiro momento, utilizamos a observação como fundamental na
aproximação daquilo que desconhecemos, intuindo mirar, como nos diz Weffort (2007), a
ação dos sujeitos, livrando-nos da condição de júri e assumindo o papel de quem,
observando, deixa-se ser iluminado pela situação observada. Este é o momento que nos
despimos de pré-conceitos muitas vezes já formulados sobre o ambiente pesquisado,
sem pretensão da neutralidade, uma vez que, somos seres políticos por natureza, mas,
assumindo uma postura investigativa crítica e bem fundamentada.
As observações aconteceram apenas nas turmas do 4º e 6º semestres, uma
vez que no 1º semestre já havia acontecido o estudo da obra "Educação e Mudança".
Dessa forma, pretendemos, por esses meios, compreender como os licenciandos e as
licenciandas têm estudado as obras de Paulo Freire, bem como perceber de que forma
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esses conteúdos são representados no seu repertório e, ainda, se essas aprendizagens
são entendidas como necessárias à sua formação docente.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Discutiremos a partir deste tópico as obras de autoria de Paulo Freire em que
foram realizadas as discussões em sala, apresentando inicialmente um breve resumo
desse tema. As obras discutidas nos dias em que houve observação foram “Professora
sim, tia não – cartas a quem ousa ensinar” e “Pedagogia do Oprimido”. Começaremos
por uma breve apresentação da primeira obra trabalhada na turma do 4° semestre do
curso de Pedagogia a fim de facilitar a compreensão do leitor acerca das interpretações
esboçadas pelos educandos.
“Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar” é uma obra de Freire
dividida em dez cartas em que o autor aborda em sua análise sobre o ser professor e não
tia, criticando a ideia de uma tentativa de transformar o profissional professor em um
parente postiço, como meio de amainar qualquer tipo de manifestação em favor dos
direitos dos docentes. Cada carta aborda temáticas diferentes, inerentes à formação e
atuação docente, sublinhando o comprometimento e gosto do educador indispensável ao
processo educativo, bem como, que este compreenda o processo de estudar, observar,
ler, inferir, disciplina, prática docente, como um conjunto particular à sua formação e
atuação. No final da obra Freire volta-se a uma reflexão profunda sobre “saber e crescer
– tudo a ver” (1997, p. 81), expondo a significação gramatical de cada palavra e o sentido
que possuem juntas na formação da frase. Isso porque o ato de saber, de conhecer,
exige dos sujeitos apreensão do objeto que se pretende conhecer, uma vez desvelado, o
sujeito parte para uma nova etapa de conhecimento e consequentemente, de
crescimento.
Desse modo, a obra supracitada preconiza o papel do educador situando-o
na esfera da consciência da relevância de sua função na ação educativa, esclarecendo,
norteando e encorajando educadoras e educadores a reconhecerem o papel político-
social inerente a sua formação e atuação. Sendo a educação ato político, supõe
empenho tanto na luta política, quanto na formação de cidadãos realmente críticos e
atuantes na sociedade.
As discussões e interpretações dos graduandos do 4º semestre acerca da
obra supracitada aconteceram em uma roda de conversa, a primeira dupla de discentes
inicia a discussão acerca dos temas de cada carta. A primeira dupla apresentou a 2ª carta
da obra, tendo por tema "Não deixe que o medo do difícil paralise você". Nessa
abordagem em que o assunto central era o medo, a dupla falou de seus próprios medos
e dificuldades de falar em sala, é de uma delas a afirmação que sua postura ao falar,
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consiste no “medo de falar e não sair”, ou ainda, conforme expõe outra discente “Eu
entendi, mas não consigo explicar pra vocês”.
As alunas vivenciavam na prática o que o texto abordava, o medo do erro, do
enfrentamento do difícil como obstáculo à sua superação, seja ele real ou imaginário.
Dificuldades de compreensão, insegurança ou medo de errar ao falar, se fizeram
presente na voz das discentes.
Para o educador, o sujeito que se faz docente não deve esconder seu medo
aos educandos, pelo contrário, demonstrá-lo que tem e que é inerente ao ser humano, é
fundamental para ganhar a confiança dos discentes. O que não se admite na docência é
que o educador tenha uma postura de falsa confiança, pois, ela será visivelmente notável
aos seus educandos. Freire (2011, p. 132) ratifica que "Minha segurança se alicerça no
saber confirmado pela própria experiência de que, se minha inconclusão, de que sou
consciente, atesta de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o caminho para
conhecer". Nesse mesmo sentido, a docente da disciplina reforça que o “medo na prática
docente é um veneno”.
As dificuldades sentidas pelas educandas ao expressarem interpretações
acerca da temática, não expressam exatamente incompreensão do que leram, esse fato
pode está atrelado à imaturidade na vida acadêmica, bem como, na leitura. Para Freire,
“Estudar é um que-fazer exigente em cujo processo se dá uma sucessão de dor [...]”
(1997, p. 28).
Na discussão da terceira carta intitulada “Vim fazer o curso do magistério
porque não tive outra possibilidade”, uma das alunas da dupla diz que “não entrei
querendo ser pedagoga”, mas então qual seria o propósito da educanda de entrar num
curso de licenciatura e não objetivar a docência como profissão? Diante da afirmação, a
docente pergunta uma a uma das educandas o porquê da escolha do curso. Delas
ouvimos relatos do tipo: que entraram por falta de opção, há outras que estão se
identificando com o curso conforme vão conhecendo-o, há ainda aquelas que estão na
Pedagogia porque não conseguiram o que queriam e uma das causas apontadas foi a
situação financeira.
Sobre essa questão da escolha pelo magistério como uma “falta de opção” ou
porque não ter conseguido “coisa melhor”, a docente enfatiza a importância de sabermos
o que queremos seguir como profissão e ainda o que estaríamos formando com a nossa
escolha pelo magistério. Freire (1997) professa que a docência é uma profissão séria e
fundamental à sociedade.
Dessa forma, é dispensável a visão daqueles que a tem como passatempo
enquanto lhe surge algo melhor. A docência é um trabalho de formação intelectual e
humano de sujeitos, exige compromisso e seriedade consigo mesmo, com o outro a
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quem ensina ao mesmo tempo em que aprende e com a sociedade, dado que a
educação está intrinsecamente ligada à totalidade social.
Para Freire (1997, p. 32) essa ideia de conceber o magistério como lugar de
espera enquanto a vida não dispõe o que se almeja, não pressupõe que “a prática
educativa deva ser uma espécie de marquise sob a qual se espera a chuva passar. E
para passar uma chuva numa marquise não necessitamos de formação”.
Quanto à turma do 6º semestre, a obra discutida foi Pedagogia do Oprimido.
É uma obra dividida em quatro capítulos em que Freire denuncia o conformismo social,
consequente de uma educação bancária e vazia de sentido, apontando como via de
saída, o ensino baseado numa pedagogia libertadora da consciência.
Segundo o autor a função da nova pedagogia libertadora é, por meio do
diálogo, emancipar o homem, “A libertação autêntica, que é a humanização em processo,
não é coisa que se deposita nos homens” (FREIRE, 2014, p. 93). Discute ainda as
questões de exploração do homem sobre o homem, apontando como possibilidade de
superação a conscientização do oprimido por meio de uma nova pedagogia política e
humanizadora em que considere o estudo consciente da realidade em que se encontra,
objetivando a libertação e o surgimento de um novo homem.
Em suma, Freire trata principalmente de uma educação que pretende ajustar
o homem ao sistema opressor, o autor aborda o assunto com demasiada ênfase e propõe
um método que viabilize a visão crítica do educando frente à realidade, o papel do
educador nesse processo é partir desta realidade possibilitando a emancipação por meio
da conscientização que se processa no diálogo crítico e reflexivo.
Assim sendo, também em uma roda de conversa a aula no 6° semestre é
iniciada pela docente explicando o que é o círculo de diálogo, conceituando-o como um
meio de debate muito presente na pedagogia de Freire, explicando também que o tema
gerador da aula seria a própria obra. Em slides projetados no quadro, a professora
destacou alguns trechos da obra como meio de facilitar o debate.
A docente pergunta a uma de suas alunas o que é pedagogia do oprimido, a
aluna responde com a pergunta “segundo o livro?”, a professora pede que explique
segundo o que ela entendeu da leitura sobre o tema. A aluna responde: vou falar
segundo o livro. Dessa forma ela expõe fielmente o que aborda a obra, citando palavras-
chaves, a exemplo, a mais presente, opressor e oprimido. Ao apresentar seu
entendimento sobre opressão, outra discente intervém ao explicar que "o fato de se
libertar é muito difícil". Corroborando com a compreensão das companheiras acerca da
obra uma das discentes diz que "o oprimido deve libertar-se a si e o opressor".
Sobre libertação, Freire (2014) destaca que o sujeito opressor é tão parte da
realidade opressora quanto o é o oprimido, não apenas por contribuir nela, mas por
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descaracterizar sua essência humana ao subjugar o próprio homem à condição inferior e
desumana na qual se encontra. Neste sentido, ao libertar-se de sua condição de
oprimido, o sujeito explorado estaria também, libertando o sujeito opressor da sua
condição de explorador. Ainda sobre esse mesmo viés outra educanda destaca que “só a
educação pode libertar opressor e oprimido”.
A discussão sobre a obra flui conforme as discentes se sentem mais seguras
para falar, há aquelas que são mais inibidas e se atrapalham ao expor sua compreensão
ou, ainda, aquelas que entendem de forma pouco profunda, ou como classificaria Freire
(2007), uma fase de consciência transitiva ou transitivada, situada no âmbito das
interpretações simples da realidade. Essa etapa no processo de conscientização
caracteriza-se pela fase de transição entre um nível de consciência intransitiva, ou
mágica, para a consciência crítica, apropriação da realidade.
A discussão sobre o medo de falar também se fez presente nesta aula, assim
como na turma do 4º semestre, entretanto, o silêncio ou o medo de falar que aqui foi
debatido, era o dos oprimidos em geral refletido também na sala de aula. Uma das alunas
se posiciona quanto ao tema e expõe que “na escola o silêncio é imperador, na
universidade, os professores dizem que os alunos serão desconstruídos e devem perder
o medo de falar”.
Neste sentido, parece ser urgente a necessidade de um novo meio de
educação que libertem os educandos de seus medos de falar, de se contrapor a uma
opinião, de se expor é uma das dificuldades mais presentes nas universidades problema
que já vem da escola, enraizado no educando, que nem sempre conseguem libertar-se
desse medo imaginário ou não, tendo em vista que, nas instituições escolares prima-se
pelo silêncio para haver uma boa aprendizagem da transmissão de conteúdos quase
sempre sem significado para o aprendiz.
NOTAS CONCLUSIVAS
A pesquisa permitiu a compreensão de que as docentes observadas utilizam
o círculo de diálogo como meio de promover a interação entre educador/educando e
educando/educando. Olhar e argumentar com o outro enquanto está falando, perceber
que tem toda atenção de quem ouve é conceber que o que se diz tem um valor e
contribui para incentivar o outro a se posicionar sobre sua fala, seja aceitando-a ou
rejeitando-a. Ademais, o círculo de diálogo é uma metodologia da própria pedagogia
freireana em que todos os envolvidos interagem na troca e construção do conhecimento.
Verificou-se que os discentes consideram válidos os estudos da Pedagogia
de Freire, entretanto, constatou-se que o maior obstáculo para os discentes ao falar de
sua compreensão sobre os postulados freireanos encontra-se na linguagem que o autor
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utiliza, tendo como consequência uma superficialidade na compreensão do que o
educador propõe e consequentemente no medo do erro ao falar, ou a insegurança, como
enfatizou um dos docentes, mesmo afirmando ter compreendido o texto.
Esse medo do erro, mesmo que imaginário, leva à dificuldade, como assevera
Freire (1997) ao afirmar que é real a relação entre medo e dificuldade e que a estes se
junta outro elemento, a insegurança. Como vítimas do silêncio imperador da escola
quando se necessita da fala, fundamental na universidade, ela parece não querer sair,
parecendo uma ação proposital provocada pelos vários anos que lhe foi negada a vez. A
partir daí, restam duas saídas, enfrentar esse medo ou se deixar por ele ser vencido.
Entretanto, como sujeitos universitários, é preferível enfrentá-lo, deixar se descontruir,
uma vez que, enquanto formandos para a docência, a fala, unida ao conhecimento
crítico, são os principais instrumentos de trabalho do professor.
Para tanto, cabe a universidade trabalhar essa questão da insegurança dos
discentes ao esboçar sua fala, uma vez que, na escola não houve incentivo necessário
que capacitasse os alunos ao exercício da oralidade crítica, restando, dessa forma, à
universidade trabalhar em cima dessa falha.
Entendemos a universidade como um espaço de liberdade de expressão e
saber científico, portanto, não se aplica aos graduandos que saiam dela com saberes
superficiais acerca dos conhecimentos do próprio curso, como ficou constatado. Paulo
Freire é um dos maiores educadores do país, bem como, patrono da educação brasileira,
suas ideias resgatam um modelo de formação integral em que situa os sujeitos como
seres históricos e políticos, ativos nas decisões da sociedade.
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