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O Orgânico e o cristalino ou as faculdades em uso comum e em seu uso transcedente

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O Orgânico e o cristalino ou as faculdades em uso comum e em seu uso

transcedente, 28/04/1994  –  Claudio Ulpiano

Parte I ***** 

 Na aula passada, eu falei sobre as pontas do presente. Hoje eu vou começar um pouquinho diferente. Aí, no meio da aula, eu vou ver se eu faço uma associação com aaula anterior, (certo?). Então, eu retomo a aula passada, repondo de uma forma nova,

 para não fatigar os que ouviram, e permitir com os que estão chegando possam ter umacompanhamento perfeito do que estou fazendo. Ninguém se assuste com os nomes queeu disser, porque às vezes eu cito determinados autores… só por rigor um rigorinterior que eu tenho. Às vezes eu digo: Oh! Isso aconteceu, foi tal pensador que fezisso; mas não tem a menor importância, porque não tem valor para o entendimento.

Então, eu vou começar a falar pra vocês sobre um tema chamado TEORIA DASFACULDADES são as faculdades SUBJETIVAS do homem. O homem à

diferença da pedra, por exemplo é dotado de imaginação, de percepção, dotado dememória, dotado de inteligência… Essas figuras que eu levantei inteligência,memória, etc., são chamadas em filosofia de faculdades. Então, os homens possuemuma série de faculdades. E aí vocês vão poder compreender uma definição bastanteclássica que quando nós per guntamos o que é o homem, a tradição filosófica define ohomem como sendo animal racional. Animal racional quer dizer: um ser dotado de umafaculdade chamada razão.

(Entenderam?).

Isso daqui se estende muito, eu não posso me estender mais… Mas essa definiçãoclássica grega… ―O que é o homem? O homem é um animal racional‖ O que éracional? É uma faculdade chamada razão. E essa faculdade chamada razão é mais oumenos identificada como sendo o loquendus  –  a linguagem. O homem é um ser dotadode linguagem. E aqui a gente abre com a maior facilidade: o homem tem umalinguagem oral e uma linguagem escrita. Eu não vou usar a palavra linguagem, eu vouusar a palavra SEMIÓTICA. O homem é dotado de uma semiótica oral e de umasemiótica escrita. Semiótica se origina da palavra semeion, que quer dizer signo. Então,se vocês perguntarem o que é o homem? Classicamente a resposta está dada: um animaldotado da semiótica oral e da semiótica escrita. Partindo-se do pressuposto que todoanimal dotado dessas duas semióticas é, necessariamente, dotado da faculdade da

razão. Ou seja, para ter-se a expressão das duas semióticas tem-se que ter… a faculdadeda razão. (Entenderam?)

Aluna: Essa afirmativa que vocês fez agora, ―o homem é dotado de uma semiótica oral eescrita‖ realmente equivale a ―o homem é um animal racional‖? Mas e aí o que você fazcom os homens que não são dotados de escrita?

Cláudio: Têm oral, têm a semiótica oral. Mas o que você falou, quando você afirma,reproduzindo toda a tradição antropológica que começa no século XIX, que afirma quea semiótica escrita origina-se a partir do nascimento do Estado que é uma respostamuito coerente, mas muito curta, muito apertada… Afirma-se que o homem adquire a

linguagem a partir do nascimento do Estado eu vou romper com isso! Eu vou dizerque mesmo os povos primitivos já possuiriam uma semiótica escrita. Isso é assustador

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 porque em qualquer texto que se vai ler, que se lê: o povo primitivo é ágrafo. A querdizer negação, grafo quer dizer escrita. Agrafo quer dizer, não tem escrita.

(Você está acompanhando Cacau? Está bem, Márcia?)

Alº: Cláudio, você se refere então, por exemplo, às gravuras ou não? 

Cl: Às gravuras, como escrita? Não. Ricardo, eu prefiro me referir a todas aquelasfiguras, linhas e cores que os primitivos fazem em seu próprio corpo. Ou seja, os

 primitivos criaram a escrita no seu próprio corpo. O que o Estado faz é deslocar aescrita do corpo para o papiro. Foi isso que ele fez, nada mais do que isso. Mas a escrita

 já está gravada no corpo do primitivo.

(Vocês entenderam, vocês duas aí? A escrita já estava… no corpo do primitivo.) 

Alª: Agora, existem estados organizados que não possuem realmente uma grafia no

sentido que… 

Cl: Isso não importa. Que é isso, menina!

Al: Mas —  os aztecas… 

Cl: Possuem sim, senhora! Sim, senhora! Sim senhora! Os aztecas… (Nós não vamos poder discutir mais isso, tá? Eu só vou falar isso…) Os aztecas fazem parte do que sechama modo de produção asiática ou modo de produção tributária, que é um conceitomarxista. Quando você encontrar o modo de produção tributária, nele está inscritanecessariamente –  a ata escrita. Porque ela faz parte dos grandes trabalhos. (Eu volto nofinal pra isso, tá?).

(Então, vamos embora! Eu estou um pouco sem ar…). 

Então, vamos lá voltar à faculdade, (tá?).

As faculdades no sujeito humano são nítidas nós todos possuímos. Se alguém quiserutilizar a sua faculdade chamada memória, por exemplo, o que terá que fazer? Pra queserve a memória, ela serve para recuperar o quê? (Cacau?) (Alª:) Os antigos…

 presentes. Então, a nossa memória tem uma função fácil de compreender, porque

sempre que nós queremos recuperar os antigos presentes, quem é que nós chamamos?(Als:) A memória. E ela vai e faz o quê? (Als:) Recupera os antigos presentes.

Agora, a imaginação só trabalha com imagens livres. A memória e a imaginação têmuma proximidade e uma diferença. Porque a memória é um recobrimento de um antigoreal. E a imaginação é solta, é livre, você pode imaginar o que quiser, mas não podememorizar o que quiser… (Entenderam?). A memória está sempre recuperando umantigo presente, enquanto a imaginação, não: a imaginação é inteiramente livre.

E o intelecto tem a função de fazer cálculos. Então, vamos ver: intelecto, memória,imaginação. E buscar os limites de cada faculdade. Há uma faculdade cujos limites são

facílimos de entender. Quais são os limites da memória? Até onde uma memória pode

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ir, a memória humana? Ela só pode ir até o antigo presente. Chegando ao antigo presente, ela não o ultrapassa… 

Alº: E assim mesmo ainda falha, (não é?) nesse sentido… 

Cl: Falha quando não se toma aqueles ―memoriois‖, senão não falha, não. 

Alº: Falha por pouco fósforo, não?

Cl: Por pouco fósforo. Exatamente, falha por pouco fósforo. O fósforo faz parte damemória.

Alª: A memória também se confunde com a imaginação.

Cl: Confunde-se: foi o que eu falei. Foi o que eu falei, Cacau. Falei que a diferença damemória para a imaginação… (pode-se até fazer essa experiência…) é que a memória é

forte e a imaginação é fraca no sentido de que quando nós imaginamos, aquilo quenós imaginamos não se refere a nenhuma realidade e a memória é sempre referente aalguma coisa real.

Por exemplo, eu me lembro de ter visto ali uma fotografia da Cacau com o Alexandre.Isso é memória. Agora, eu posso imaginar um dragão comendo uma cenoura. Possoimaginar… mas isso é imaginação. A memória se refere ao real, que é o antigo presente.E o antigo presente, quando era um presente jovem, por quem era apreendido? Pela

 percepção. Então, a memória é uma percepção antiga. (Entenderam?)

E eu posso perguntar a vocês: quais são os limites da memória? É fácil responder: oantigo presente. A memória ultrapassa o antigo presente? Não, ela não ultrapassa.Então, aqui… 

Alª: A percepção apreende o quê?… 

Cl: A percepção apreende o presente. Por exemplo: através de que faculdade euapreendo tudo que está aqui? Da percepção: São os cinco sentidos que eu tenho paraapreender o mundo e os sentidos chamados cinestésicos que apreendem aquiloque se passa em meu próprio corpo: gases, batidas de coração, um músculo, que derepente estira… Esse poder que eu tenho de apreender meu próprio corpo e o poder de

apreender o que está fora de mim chama-se percepção. Então, a percepção setransforma em? (Als:) memória. (Tá?).

Agora, segundo o que eu disse, quais são os limites da memória?

Als: Os antigos presentes.

Então, a memória não ultrapassa os antigos presentes.

Mas agora eu vou começar a falar pra vocês de uma coisa originalíssima, que se chama USO TRANSCENDENTE DAS FACULDADES. A palavra transcendente, aqui,

significa ULTRAPASSAR LIMITES. Então, uso transcendente das faculdades. (Vamosver isso!)

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Um pensador, um filósofo, talvez o primeiro e único filósofo da história, chamadoPlatão, distinguia entre MEMÓRIA e REMINISCÊNCIA. A memória para ele eraexatamente aquilo que eu descrevi a potência de apreender os antigos presentes. E areminiscência a potência de apreender o PASSADO PURO. 

O que nós temos que entender agora é a distinção entre passado puro e antigo presente(certo?).

O passado puro é uma figura muito difícil de ser entendida, mas é através doentendimento do passado puro que nós vamos poder fazer a constituição de novasnarrativas, de novas descrições, de novas dissertações, construir um novo mundoliterário, um novo mundo poético, um novo mundo pictórico, etc. Então, o que eu estoudizendo pra vocês é da existência de um uso transcendente das faculdades que, no casodo Platão, seria a reminiscência. Por quê? Porque a reminiscência, para o Platão,ultrapassa o antigo presente. (Vocês entenderam ou não?). O que a reminiscência faz?Ultrapassa os limites da memória porque memória apreende os antigos presentes; e a

reminiscência vai apreender o passado puro. Isso é Platão e reminiscência em gregochama-se anamnese.

Então, aconteceu uma coisa incrível aqui. É que a memória chega ao limite, e não vaimais: ela não consegue ir mais. O que está além da memória, significa o usotranscendente das faculdades.

(Eu agora posso dar essa parte por encerrada, para poder aumentá-la? Com o exemploque eu dei da memória, deu para vocês entenderam o que é o uso transcendente dasfaculdades?).

Então, o que eu fiz agora foi criar uma categoria chamada uso transcendente dasfaculdades. (Você entendeu, Ricardo?) O uso transcendente das faculdades… (Eu sóquero que vocês entendam uma coisa, que é facílima: o uso transcendente dasfaculdades ultrapassa os limites do uso comum. Qual é o uso comum da memória?

Als: O antigo presente.

Cl: O que faz o uso transcendente? Ultrapassa os limites.

Agora, vamos ver outra faculdade que se chama PERCEPÇÃO. Percepção é sinônimo

de SENSIBILIDADE e a sensibilidade apreende tudo aquilo que se chama sensível. 

Qual é o objeto da sensibilidade? O sensível. O que é o sensível? O que é apreendido pelo ouvido, o que é apreendido pelos olhos, o que é apreendido pelo tato, pelatemperatura, pelo olfato, pelo paladar. Isso é a faculdade chamada… SENSÍVEL.Apreende a… sensibilidade. Então, os limites da faculdade do sensível são a…sensibilidade. Então, para você construir o uso transcendente da faculdade sensível, essafaculdade vai apreender o INSENSÍVEL. (Marquem) É chocante! É terrível!

Al: O que é?

Cl: Vai apreender o insensível. (Veja bem, Cacau). A sensibilidade só apreende aquiloque os nossos cinco sentidos apreendem: ouvido, olhos, olfato, paladar, tato. Só

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apreende aquilo que é sensível. Agora, o uso transcendente da faculdade apreende oinsensível. Não vou dizer ainda o que é. Daqui a pouco eu digo.

Alº: Isso não é outra faculdade?

Cl: Não. É a mesma, a mesma.

Alº: A reminiscência não é uma outra faculdade?

Cl: Também não é uma outra faculdade; é a mesma.

Alº: É um desmembramento da memória?… 

Cl: É um desmembramento, é a mesma faculdade no seu uso transcendente. Nós temosaqui dois usos transcendentes: o uso transcendente da faculdade da memória queapreende o passado puro; e o uso transcendente da sensibilidade que apreende o

insensível. Esse objeto da faculdade chamada memória, no seu uso transcendente,chama-se o IMEMORIAL. (Marquem!)

(Tem que ser muito lento mesmo!)

Alª: Agora, o mais remoto de todos seria justamente a percepção, porque pra você teruma memória você tem que apreender o objeto ou a situação. Você tem a sensibilidade,não é? Então, assim, eu não sei se estaria correto. A percepção seria a primeirafaculdade, a que viria antes, antes da memória

Cl: Márcia, a percepção é antes da memória, mas a reminiscência não precisa da percepção. Não me pergunte ainda por que, que eu não posso responder… 

Alª²: Ele está falando de faculdades diferentes, não é isso?

Cl: Não, vamos usar assim: faculdades em seu uso comum. E faculdades nos seususos… transcendentes. 

Al: E você, no momento, está falando de três faculdades: memória, percepção… 

Cl: Falei em duas só. Percepção e sensibilidade eu identifiquei. Eu dei uma semelhança.

Agora, sensibilidade ou percepção, no seu uso comum, apreende tudo o que é sensível;e a memória no seu uso comum apreende o antigo presente. Agora, a memória no seuuso transcendente chama-se reminiscência e apreende o imemorial. Olha só que coisainteressante! E a sensibilidade no seu uso transcendente apreende o insensível. Agora, oPENSAMENTO no seu uso comum apreende as ESTRUTURAS LÓGICAS. Umexemplo de estrutura lógica o silogismo: Todo homem é mortal. Sócrates é homem.

 Logo, Sócrates é mortal . Porque quando o intelecto diz: Todo homem é mortal. Sócratesé homem. Logo, Sócrates é uma galinha verde ― isso é ainda o uso comum dafaculdade, mas ilógico. Ou seja, o INTELECTO tem duas funções: lógicas e ilógicas.Agora, o uso transcendente do PENSAMENTO apreende o IMPENSÁVEL. Olha quecoisa linda!

Alª: Qual é a diferença entre ilógico e impensável?

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Cl: Não pode já, não, calma! Clama!

Alª: Você está aproximando intelecto e pensamento?

Cl: Estou dando como sinônimos… mas vejam que o intelecto eu fiz questão de usar no

uso comum você pode chamar de pensamento também. O uso comum do pensamento e o uso transcendente do pensamento. O uso transcendente do pensamentovai se ligar com o impensável. O uso comum do pensamento vai se ligar com o lógicoou o ilógico. Estruturas lógicas ou ilógicas.

(Agora, prestem atenção! Vamos tentar aqui. Eu vou esperar a menina ausente, Tá?).

O uso transcendente das faculdades. Notem que coisa interessante! No usotranscendente da memória… qual é o objeto do uso transcendente da memória, dareminiscência?

Alª: O imemorial.

Cl: Qual é o uso transcendente da sensibilidade?

Alª: O insensível.

Cl: Qual é o uso transcendente do pensamento?

Alª: O impensável.

Apareceram partículas ou prefixos in que são prefixos negativos. Então, parece que ouso transcendente está apreendendo o negativo do pensável, o negativo do memoriável,o negativo do sensível… Mas não é isso! Esse prefixo in significa DIFERENÇA. (Ficoumuito difícil?). Então, o uso transcendente das faculdades vai entrar em contato comdiferenças. Ou diferencial.

(Atenção para o que eu vou dizer!).

Aqui é uma coisa definitiva para se aprender. Toda figura mesmo lingüística que entranum esquema teórico, a figura lingüística pertence a um campo qualquer. Por exemplo,se eu estiver falando pra vocês de ―causa e efeito‖ eu estou falando de física. Se eu

estiver falando de ―monadologia ou de mônadas‖, eu estou falando de metafísica.  Se euestiver falando de ―almas que ressuscitam ou que não perdem a vida‖, eu estou falandode Kardec, Allan Kardec. Se eu estiver falando, por acaso, de ―diferencial‖ eu estoufalando de matemática. Cada ser pertence a um determinado domínio. Então, quando eufalar ―o diferencial das causas e efeitos‖ eu estou fazendo uma física-matemática.(Vocês entenderam?).

Então, na hora em que eu digo pra vocês que o objeto do uso transcendente dasfaculdades é a DIFERENÇA a ―diferença‖ está se tornando uma UNIDADEMETAFÍSICA. (Vejam se entenderam).

Por que a diferença é uma unidade metafísica? Porque o metafísico é aquilo que não pode ser apreendido pelo uso comum das faculdades. O metafísico ultrapassa o uso

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comum das faculdades. Então, as faculdades quando estão em contato direto com essasfiguras que estou chamando de imemorial, impensável e insensível, elas estão emcontato direto com o diferencial, com o diferente, que não pertence ao mundo nem dasensibilidade nem do intelecto nem da memória. Ponto. (Vamos ver os efeitos: foi bem?Menos os antigos, os mais novos se foi tudo bem…) 

Eu vou forçar agora um pouco (tá?). Eu vou dizer o seguinte: os objetos que pertencemao uso comum das faculdades como, por exemplo, o lógico e ilógico pertencem aquem?

Alº: Ao uso comum das faculdades.

Cl: O sensível?

Alª: Ao uso comum da sensibilidade.

Cl: Logo, ao uso comum das faculdades.

Àquilo que pertencer ao uso comum das faculdades, eu vou chamar de ORGÂNICO.Isso eu quero que vocês marquem! É praticamente o inicio da aula.

Cl: O que é o orgânico? Aquilo que é apreendido pelo uso comum das faculdades. E euvou passar a chamar de CRISTALINO tudo aquilo que for apreendido pelo usotranscendente das faculdades. Então nós passaríamos a ter… é como que se nósestivéssemos diante de dois mundos: o MUNDO ORGÂNICO e o MUNDOCRISTALINO.

(Foi muito bem aqui, ou mais ou menos?).

 Nós estivéssemos diante do mundo orgânico e do mundo cristalino.

Então, eu posso dizer (só para o Dudu) que o Visconti quando faz o cinema dele ele estádiante de um objeto cristalino? Logo, ele está usando o pensamento? Porque estáapreendendo o impensável? (Entendido?)

Então, uso o orgânico e o cristalino. O orgânico é aquilo especificamente humano. Oorgânico é humano. Agora, vocês podem, por exemplo, buscar quais são os objetivos do

homem, o que o homem vive em sua vida? Tudo isso, eu vou mostrar pra vocês, eu vouclassificar como orgânico originário do organismo literalmente isso!  E o usotranscendente das faculdades está diante do… cristalino, que é o ultrapassamento doorgânico e a entrada de uma categoria chamada CORPO SEM ÓRGÃOS  que

 pertence ao Artaud. Então, eu posso perfeitamente chamar o uso transcendente dasfaculdades de corpo sem órgãos, quando, então, haveria não mais o uso comum dasfaculdades, mas o uso transcendente das faculdades.

(Como é que vocês estão na aula?)

Alª: Você falou: o uso transcendente das faculdades ultrapassa o orgânico, mas eu tinha

entendido que são coisas diferentes. Quer dizer, o uso do transcendente

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é uma coisa; o uso comum é outra. Agora você está dizendo que ultrapassa, como se… aideia de ultrapassar para mim significa… engloba e passa adiante… 

Cl: Não, não engloba nada.

Alª²: É ir além.

Cl: Vai além. É quebrar os limites. Vamos usar um conceito, vamos experimentar issoaqui:

O que quer dizer audácia? ―Eta cara audacioso!‖ O que nós estamos dizendo com aexpressão ―Eta cara audacioso!‖? É um cara que foi além dos seus limites. Então,AUDÁCIA o uso transcendente das faculdades é uma AUDÁCIA DA VIDA! E essaaudácia é quando a vida entra em comunhão com aquilo que eu estou chamando decristalino, à diferença do… orgânico. Esse cristalino é o TEMPO PURO. 

(Acho que foi bem, não é?)

Então, o uso transcendente das faculdades é o agenciamento com o cristalino e essecristalino chama-se tempo puro. Do tempo puro, nós já temos duas notícias, vindas daaula passada: que o tempo puro seria os LENÇOIS DO PASSADO e as PONTAS DOPRESENTE… e agora eu vou acrescentar uma terceira os DEVENIRES. Lençóis do

 passado, pontas do presente e devenires. E isso, só se vai encontrar com o usotranscendente das faculdades; senão, não vai encontrar.

A palavra DEVENIR é uma palavra francesa que já tem tradução para o português:devir. Mas o Aurélio já dicionarizou o devenir, que afinal é muito mais bonito. Em vezde usar devires, que parece deveres, vamos usar devenires. É  lindo, não é? Os meusdevenires… Num outro dia eu vou pedir pra vocês falarem um pouco de vocês, falaremum pouco de seus devenires.

Sempre que vocês quiserem fazer qualquer questão, podem fazer, (ouviu?) Que eu seique a aula é muito difícil, mas eu acho que nós chegamos a um lugar e isso vai meforçar a uma coisa muito violenta agora, uma audácia, uma audácia!

Existe em filosofia uma palavra chamada EXTENSÃO. Eu não vou definir extensão,daria muito trabalho e não traria nenhum lucro, como se diz no capitalismo. A extensão

eu vou dizer apenas que o intelecto, a memória no uso comum e a sensibilidade nouso comum pertencem à extensão. Os objetos da sensibilidade, os objetos da memória,os objetos do intelecto no uso comum são EXTENSOS; e todos os objetos do usotranscendente são INTENSOS. A INTENSIDADE. Então, uso transcendente dasfaculdades, cristalino, tempo puro, intensidade (Certo?). Então, o conceito deintensidade passa a ser agora uma coisa incrível, incrível!

 Nós agora vamos fazer uma pequena prática… e realmente quando terminar essa práticade pensamento que eu vou fazer, eu vou estacionar e fazer perguntas. Receber perguntasde vocês, para ver se vocês estão acompanhando.

Eu disse pra vocês que o intelecto lida com o lógico, o intelecto no uso comum lida como lógico? E quem é que lida com o ilógico?

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Als: O intelecto.

Também o intelecto. O intelecto lida ainda com o VERDADEIRO e com o FALSO. Seeu digo que o intelecto lida com o verdadeiro e com o falso, lida com o lógico e com oilógico, questão: o lógico e o ilógico, o verdadeiro e o falso são orgânicos?

Alunos: Sim, são.

Cláudio: São orgânicos. Logo, no cristalino não existe nem lógico nem ilógico, nemverdadeiro e nem falso.

(Ficou difícil! Eu paro e vamos ouvir as perguntas…) 

Se vocês, por exemplo, forem ver um filme de Godard o Godard é um bomexemplo! podem ser também os neorrealistas italianos… Pode acontecer, porexemplo, de um personagem levar um tiro e morrer: pá! E ele morre. Aí, na cena

seguinte, o personagem está tomando café na esquina. Mas como é que pode?! É porqueaquilo é cristalino está fora do verdadeiro do falso. (Risos…) 

(Não sei se vocês entenderam… Ficou muito difícil?) 

Agora que é a marca mais difícil do que eu vou falar. Tempo puro, sinônimo…cristalino? Precisa do uso transcendente das faculdades? (Als:) Precisa! E o tempo puronecessariamente é a MAIS ALTA POTÊNCIA DO FALSO. O tempo puro é falso, é olugar do falso, do FALSÁRIO , mas quando o falso não se opõe ao… verdadeiro;

 porque o falso se opõe a verdadeiro no… orgânico Então, nós vamos ter um falsototalmente original, totalmente diferente de quando nós estamos no universo docristalino.

(Que aula linda!)

(Eu estou um pouco sem ar… Vou parar uns dois minutinhos.) 

Eu queria que vocês agora vissem que o falso e verdadeiro, o lógico e o ilógico estão noorgânico. Agora é só para o esquema:

O verdadeiro e o falso pertencem ao orgânico. No nosso mundo humano nós estamos

sempre buscando o verdadeiro e afastando o falso. Já quando você penetra no mundocristalino, o verdadeiro e o falso desaparecem.

Alº: Então só fica o falso… 

Cl: Mas não é o mesmo falso do orgânico, porque o falso do orgânico se opõe aoverdadeiro. O falso do cristalino é inteiramente autônomo. É déspota no universo dotempo puro. Ou seja, no tempo puro não procurem verdades, porque não há.

Alº: Mas você não vai poder também procurar falsidades… Quer dizer, falsidades nosentido do orgânico.

Clº: Não há falsidade; não há orgânico; não há nada disso!

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Alº: Você vai ter que abstrair… 

Cl: Que abstrair os dois!

Olhem, eu queria dar exemplos. Vocês têm um bom exemplo nos filmes do Resnais, nos

filmes do Godard ou num romance do Alain Robbe-Grillet chamado Djinn  quevai ser o romance do nosso curso. Nele, nós vamos conhecer na prática literária oque é a mais alta potência do falso. O L –  já leu o romance, então ele já sabe do queestou falando: que ele surpreende o tempo inteiro! E eu pretendo, vocês sabem disso, eu

 já falei, fazer um filme. Um filme de 10 a 15 minutos, com a Márcia, a Cacau e oAlexandre. ( — )

Alº: Você pode ver o Godard agora no Museu da República

(Diálogo inaudível)

Vocês viram um filme, o penúltimo filme dele, o  Nouvelle Vague? Esse filme tem emvídeo, vocês deveriam apanhar, porque com esse filme eu mostro uma porção de coisa

 pra vocês. Eu mostro, por exemplo, um personagem que morre e na cena seguinte estávivo… 

Alª: Nesse filme de hoje o trem passa assim… voando e arranca o chapéu das pessoas.Logo depois, mostra as pessoas entrando no trem. (Risos…). 

Cl: É isso… 

(Agora… é quebrar… Posso fazer um ponto final aqui? Posso, não é? Ponto final, não.Ponto parágrafo, que vai ser recuperado muito na frente).

Por que orgânico e cristalino? É a questão. Por que orgânico e cristalino? O que éexatamente isso?

(Agora, ninguém fica olhando para mim, vamos fazer um intervalo para o café, para euentrar num novo regime de aula. Foi bem até aqui? Então, vamos tomar um café).

Parte II 

(…) Mais filosófica… Por isso que eu estou dando aqui uma pausa… deixo aberto paravocês fazerem certas perguntas… porque agora eu vou começar a sustentar o cristalino,o uso transcendente das faculdades…  Como é que eu vou sustentar todos esses planos.(Entenderam?) Porque eu falei, foi uma beleza, foi magnífico, mas eu não fiz nadaainda, nada! 

Alª: Você deu os conceitos… 

Cl: De forma ainda muito fraca… foi brincadeira: eu não pude entrar em nada comviolência… E o uso transcendente das faculdades é violência! Não confundam violênciacom o que vocês hoje veem no cinema. Aquilo é violência bastarda, aquilo é violência

orgânica. ―Violência‖ é violência do fotograma. Se vocês lerem o Tarkovski, naquelelivro Esculpir o Tempo, ele explica isso com uma beleza incrível! O que é a violência?

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A violência não é um soco na cara, um tiro na cabeça… essa é uma violência orgânica,uma violência suja… Eu estou falando da violência do  fotograma é incrível, isso! 

Al: Houve uma aula em que você falou sobre o cristalino na arquitetura, você falou doWorringer, não foi?

CL: Não posso colocar… O Worringer é um autor que trabalha em arte, já desde o princípio do século, fazendo a distinção entre cristalino e orgânico, ele chama a artegrega de orgânica e a arte gótica e barroca de cristalina. Mas nós vamos muito maislonge do que isso. Acho que, na aula passada, eu já coloquei a arte egípcio. A arteegípcia vai ser um chute assim em cima de vocês. Eu vou dar só um exemplo: todomundo aqui, não sei, deve ter vivido com certa intensidade –  intensidade no sentidoorgânico, não no sentido cristalino –  aquelas práticas de distinção entre figura e fundoda Gestalt. Vocês se lembram? Lembram-se daquelas coisinhas que a gente (…) 

(virada de fita)

(…) o que eu estou dizendo é desfazer o fundo. A noção de figura e fundo é muitoencontrada na arte renascentista… 

Alº: Esse joguete, eu não… 

Cl: Desmanchar figura e fundo? Você pega um Francis Bacon, no século XX, você vêque nele não há fundo. É plano, aquilo ali é… [Claudio bate com as mãos espalmadas,uma sobre outra, para criar uma imagem de plano.]

Alª: É coisa da perspectiva, não é? Ela desaparece?!

Cl: Desaparece a perspectiva.

Alª: Ele projeta, não é? A arte egípcia faz isso, ela projeta tudo em cima de um plano só,não é?

Cl: Sim, de um plano só. E esse mecanismo da arte egípcia é retomado e renovado peloFrancis Bacon no século XX. E vocês vão verificar que isso vai entrar na questão daarte cristalina, porque isso é só um exemplo, eu não estou dando aula sobre isso:quando eu dou aula sobre alguma coisa, eu abro aquilo imensamente… Um artista,

geralmente, se põe à distância do objeto que ele está pintando. Não é isso? Ele é oartista, o objeto que ele está pintando está distante dele e ele vai pintando esse objeto. Oartista chama-se o REPRESENTANTE, o objeto chama-se REPRESENTADO, aconjunção dos dois chama-se REPRESENTAÇÃO. E vocês notem que nós, osespectadores, temos a mesma posição de quem? Do artista! Nós estamos numa distânciacom relação ao objeto pintado. O que os egípcios fazem é destruir o representante e orepresentado a distância: eles se juntam. O artista tem que estar no meio da coisa.

Alª: Eles tiram o ponto de vista… 

Cl: Tiram o ponto de vista!

Alª: É, mas o ponto de vista é uma invenção renascentista… 

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Cl: Sim, renascentista! O Francis Bacon rompe com o perspectivismo renascentista!

Alª: É, mas no medieval também aparece… 

Cl: Mas ele rompe com isso, filha. Ele rompe com a Renascença, com a Renascença

toda. Ele vai criar uma arte que se chama… porque, veja bem: 

Classicamente, em que são divididas as artes? Em artes MANUAIS e ÓTICAS. A artemanual é a arte renascentista: você usa as mãos como modelo de compreensão daquelaarte. Você usa a mão para fazer aquela arte (eu não vou explicar isso agora, porquecansaria…); e a arte ótica, eu dei o exemplo agora: o artista fica de um lado, o objeto dooutro, o artista… 

A arte egípcia chama-se HÁPTICA que vem de HAPTÔ, que é grego, e quer dizerTOCAR. Então, é uma arte em que o artista não se distancia do objeto, se mistura comele. Há uma mistura do artista com o objeto isso é cristalino! 

(Foi muito difícil o que eu falei?)

Alº: E no TEATRO?

Cl: Já não se tenta isso no teatro? Nos happenings. Já não se tenta fazer isso, porexemplo, quando trazem os espectadores para dentro do palco? Já não ocorre isso? Isso

 já ocorre! Eu não vou dizer que isso ocorre, por exemplo, na arte do Bob Wilson ou naarte do Tadeusz Kantor… no teatro desses dois, eles não fazem isso! Por quê? Porquecada arte tem o seu próprio cristalino. o cristalino, que eu trouxe de presente aqui, foi ocristalino da arte pictórica. Se há um cristalino teatral? Há: não é esse! (Não sei se vocêentendeu…) Se há um cristalino do cinema? Há: não é esse! Porque nós estamosacostumados a pensar ARTE em termos de A ARTE. Isso é a maior tolice! O que nóstemos que pensar é em arte musical, arte pictórica, arte da dança, etc. as arte são

 práticas e concretas. Então, sim: há um cristalino pictórico? Há. Há um cristalinoteatral? Há. No século XX há as tentativas do Bob Wilson, do Kantor, de algumamaneira, esse menino aqui do Brasil, o Gerald Thomas. Dizem que ele imita muito, eunão vou discutir essa questão. Ele tenta alguma coisa diferente… Tenta alguma coisadiferente! Nós vamos ter que verificar… 

Então, vai chegar um momento em que nós vamos discutir o teatro, discutir o cinema.

 Nós vamos ver tudo isso! Eu só quis citar o pictórico, porque o pictórico está ligado aoarquitetônico; e me parece que foi essa a questão que ela fez.

Alº: Tem alguma coisa a ver com a arte conceitual?

Cl: Não. Olha, eu escrevi um texto para a apresentação de um grupo de conferênciasque uns alunos meus estão fazendo, um texto de apresentação em que em duas frases eumostro o que é arte conceitual. Se tivesse o texto aí? Eu mostro exatamente a diferençado que seria a arte conceitual.

(Como é seu nome? Hailton. Você é meu aluno? Não, essa é a primeira vez que eu

venho aqui. Você vai ser meu aluno? Espero! Então, se você vai ser meu aluno, vocêespera, que essa diferença eu faço na frente. Porque se eu fizer essa diferença hoje,

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Hailton, eu entro nisso e a gente não sai mais. É muito apaixonante… eu teria queexplicar o Hume… sem o Hume vocês não compreenderiam, pois que o Hume é umfilósofo duro, fechado, e só uma abertura muito poderosa desse autor levaria aoentendimento. Eu tenho a certeza que levaria ao entendimento. Então, Promessa… 

(Promessa, Zé Luiz… O Zé que marca as coisas para mim. Então, no começo da aulaque vem eu faço a distinção entre a arte conceitual e a arte não conceitual, via Hume…) 

Alº²: Eu queria só dar um exemplo até para você me esclarecer melhor. O Escher, quetem aquelas torres que os caras sobem e descem ao mesmo tempo, aquela escada quevocê sobe e desce ao mesmo tempo… aquelas coisas… 

Cl: Uma coisa você já sabe, Carlos. O Escher promove nitidamente o paradoxo nas artesfigurais. Concorda? Você parte daí, filho. O paradoxo pode estar no interior doorgânico? Não, nunca! O orgânico rejeita o paradoxo. Se por acaso o Escher só tivessecomo espectadores da obra dele o povo de Macaé a  cidade onde eu nasci ele ia

morrer de fome! Lá só tem orgânicos! É preciso que alguns, que romperam com oorgânico, aceitem o Escher. Entendeu? Por quê? Porque ele rompeu com o orgânico.Agora vamos dizer: o Escher é um autor cristalino? Eu posso falar que ele não é umautor orgânico… porque o paraxo não pertence ao orgânico! Entenderam? Nitidamente,ele tem aquela Torre de Babel, que é um contra-plongé como eu nunca vi na minhavida! É um mergulho. Eu nunca vi daquilo na minha vida, algo tão bonito quanto aquelecontra- plongé! Nenhum o cinema fez aquilo. E aquilo necessita de um paradoxo…Logo, ele rompe com o orgânico.

Alª: Só para fechar essa questão do pictórico… A arte renascentista tem essa coisa da perspectiva; a perspectiva tem a ver com o ponto de vista; o ponto de vista tem a vercom a subjetividade; e a subjetividade tem a ver com o orgânico.

Cl: Melhor ainda: tem a ver com figura e fundo. Você parte da noção de figura e fundo,que é bastante para você começar a entender quando eu for fazer a distinção dorenascentista para o barroco… 

Alª: Tá. Mas eu estou tentando ver se eu consigo inserir o conceito do subjetivo com oorgânico. Quer dizer, a presença de um ponto de vista significa que há umasubjetividade… 

Cl: Não usa subjetividade não, você deve usar psicológico… Alª: Tudo bem!

Cl: Usa, aí, psicológico e orgânico. Onde há orgânico, há necessariamente o psicológico. Onde há psicológico, há necessariamente o orgânico. Usa aí. Vocêentendeu?

Alª: Entendi.

Cl: Quando eu falo orgânico, é uma espécie de economia de palavra. Realmente não é

orgânico, é psico-orgânico. Onde está o orgânico, está o… 

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Alª: O psicológico.

Cl: E onde está o psicológico, está o orgânico! Agora, a palavra subjetivo… édeficiente. Por quê? Porque no uso transcendente das faculdades há uma subjetividadenão-orgânica.

Alª: Então, vamos lá. O cristalino e o orgânico.

 No século, acredito que IV ou V d.C., havia um grupo de filósofos chamados neo- platônicos, cujo chefe chamava-se Plotino, autor de uma obra chamada As Eneadas composta de seis livros, cada um contendo nove tratados; quer dizer, são cinqüenta equatro tratados. Na Enéada III , tratado 8, aparece um capítulo com o título A natureza,a contemplação e o uno. Não importa o uno nem a natureza; importa a contemplação!De repente, esse autor chamado Plotino, começa a fazer um trabalho sobre essa figurachamada CONTEMPLAÇÃO e é um trabalho tão violento, que os séculos nãosouberam notá-lo. Ele passou quase que escondido, a não ser por filósofos notáveis, que

foram seguindo aquilo que o Plotino havia dito na Enéada III, tratado 8. Esses filósofossão Hume, Nietzsche, Espinoza, etc.. Eles foram atravessando essa questão.

Contemplação, em grego, quer dizer TEORIA. Literalmente. ―Olha, o Senhor X é umteórico…‖ ou seja, o Sr. X é um contemplativo.

Então, Plotino pega essa noção de contemplação e essa noção de contemplação seorigina no pai teórico dele, que se chama Platão. Então, se há essa noção decontemplação no Plotino, essa noção de contemplação se originou…  (Atenção, vocêsnão estão dando atenção, hein? Essas coisas informativas eu não volto nunca. Eu sóvolto às questões de pensamento. Então, isso se origina em Platão a noção de… Als:Contemplação.

Eu hoje não vou dar como o Platão trabalhou em contemplação. Eu vou apenas dizerque Platão trabalhou em três tipos de contemplação: científica, religiosa e filosófica mas eu não vou dar importância a isso. Os três tipos de contemplação que Platãotrabalha são três tipos orgânicos. Logo, humanos.

Agora, quando chega em Plotino, o que ele fala de contemplação é assustador! Olhemque coisa interessante: prestem atenção! Quem puder, olhe aquelas plantas ali olhar!Elas são verdes… As plantas são verdes! Vocês já viram rosas? São coloridas… As

margaridas, as tulipas, as formas da tulipa, a textura do corpo da flor, a cor da flor, oaroma da flor. Não é isso?

Quando vocês pegam um pintor orgânico, o que é que ele faz? Ele se distancia da tulipa,coloca a tela dele ali e pinta a tulipa. A tulipa no quadro é o representante; a tulipa real éo representado, e o conjunto é a representação. O espectador quando entra diante deuma tulipa, torna-se o representante, que observa um representado e nasce outra vez oesquema da representação. Mas será que o importante nas tulipas, nas rosas, nas plantasverdes é o que elas são, ou as forças que as produziram? O que será? Que natureza éessa que não tem mãos, não tem pés, não tem nenhum instrumento como palanca ouqualquer instrumento arquitetônico… Como é que a natureza produziu essas plantas? É

exatamente a questão de pintores do tipo Cézanne, Paul Klee, Francis Bacon… Eles nãosão pintores representativos: a eles não interessa a forma dos objetos. (A forma de uma

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rosa é a cor da rosa, o aroma da rosa, a textura da rosa… Para eles, nada dissointeressa!) A eles, interessa a força que produziu essa rosa. Essa força que produziu essarosa é apreensível pela sensibilidade? Não; logo, é preciso o uso transcendente dasfaculdades. Apreender as INTENSIDADES, que produzem as coisas. (entenderam? Émuito bonito, mas ainda é vago, hein…). É aí que vai nascer a ideia de contemplação

em PLOTINO.

Plotino diz que a natureza não age. Olhem o que eu estou dizendo: é quase queassustador: a natureza não age! Mas a natureza não age, então como é que existemrosas? A rosa não é o produto da ação da natureza? Diz o Plotino: não! É o produto dacontemplação da natureza. A natureza só faz uma coisa: CONTEMPLAR! E na horaque ela contempla, o que ela contempla? Ela contempla os elementos dos quais ela éconstituída. Classicamente, água, terra, ar e luz; ou se você fizer pensamentosmodernos, utilizando a física quântica, fósforo, carbono, etc. Ela contempla essesobjetos e contrai. Ou seja: a natureza contempla a lama, contrai a lama, e dessacontração emergem rosas e tulipas. Em vez de a natureza agir, a natureza… (Als:)

contempla e contrai. Cl: Contempla; e porque contempla, contrai.

Então, eu lancei pela primeira vez a noção de contemplação, vinda de Plotino… 

Alº: Baseado em quê, o Plotino diz que ela contempla?

CL: Nós vamos ver: foi baseado no Plotino já fazendo uma experiência com o tempo puro. Ele foi o primeiro filósofo a fazer a grande experiência com o tempo puro. Nahora que ele faz essa experiência, o que dá energia para ele é essa noção decontemplação, que ele chega nessa Enéada III, tratado 8 e diz assim: ―Tudo écontemplação!‖ (É o título da conferência que a S. vai dar nesse grupo de conferênciasdos meus alunos; logo, uma conferência plotineana.

(Entenderam?)

O Plotino vai introduzir essa noção de contemplação e nós vamos trabalhar, mas nãohoje. Essa contemplação, que vai ser assim um espetáculo para nós, é que vai permitirque nós entendamos o cristalino, o uso transcendente das faculdades, e assim por diante.Então, o que nós temos que marcar, e aqui já é uma marca… Quem estudou comigo nasUniversidades (aponta dois alunos) sabe como eu trabalho. Isso daqui é uma marca queeu estou fazendo. Para se chegar à compreensão da contemplação plotineana, nós temos

que compreender a contemplação platônica, e distinguir uma contemplação orgânica euma contemplação cristalina. Então, essa questão da contemplação platônica e cristalinaserá trabalhada na aula que vem. Eu vou começar a montar para vocês o problema dacontemplação.

Então, na aula que vem… o que foi mesmo que eu mandei marcar? (Alº:) Hume e a arteconceitual. (Cl:) Ah! Que está na mesma questão! Então, a aula que vem vai ser toda emtorno da contemplação, da mesma forma que esta aula foi uma tentativa, um sobrevôo,que eu fiz, nas questões relativas ao tempo puro.

(Eu vou dar mais uma paradinha porque eu estou ruim mesmo hoje –  que pena, não é?)

Parte III 

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… Gerou-se uma possibilidade de nós pensarmos o que se chama biologia molecular. Eo biólogo molecular pensa em termos de fósforo, azoto, carbono… que são elementosatômicos, formadores de molécula e aí, que eles pensam assim. Os antigos nãotinham a física quântica, eles pensavam os quatro elementos: água, terra, fogo e ar.Então, olhem que coisa interessante: joga uma semente de rosa na terra e dessa semente

vai nascer uma roseira. Como essa semente vai transformar aquela lama que a cerca emtextura de rosa, aroma de rosa, forma de rosa. Mas aquela semente não tem braço. Elafaz isso por contemplação.

Alº: Não é uma linguagem?

Cl: Não, não é uma linguagem. Se nós reduzíssemos a uma linguagem, conforme ocomeço desta aula, nós estaríamos reduzindo a semente a um ser racional. Não sei sevocês entenderam… Ela não é racional. Ela não tem nada a ver com a racionalidade… 

Alº: O ADN tem um código, uma linguagem… 

Cl: Certo.

Alº: Ele não é um ser racional.

Cl: Olha, o que muitos quiseram fazer, é que ele era. Porque os lingüistas pegaram oADN, pegaram os códigos do ADN, e tentaram transformar o ADN numa espécie deDEUS. Porque Deus é uma questão de palavra. Deus é o quê? Acabaram concluindoque Deus era ADN. Não é isso exatamente que eu estou dizendo.

Alº: É um código… 

Cl: Não é um código, é uma força contemplativa. É evidente que essa forçacontemplativa da rosa gera rosas, da tulipa gera tulipas. Logo, passa um código doADN. Mas não é esse código que gera. O código apenas limita a produção. Não sei seentenderam: limita a produção.

Olha, a força da semente, por contemplação, sintetiza a lama. Aí, o código diz: sintetizaem rosa. Aqui, ele diz: sintetiza em tulipa. Mas não é ele quem sintetiza. Entendeu?

Então, essa síntese, ou essa contemplação, de que eu estou falando pra vocês, vai-se

chamar SÍNTESE PASSIVA.

Aqui, agora, já é aula de filosofia. Aula de filosofia é o seguinte: os conceitos têm queser compreendidos e anotados, porque eu não volto a eles. Eu os uso.

Passivo quer dizer não age; só isso! Passivo contempla. Passivo tem como opostoativo. Passivo não age. Então, síntese quer dizer: juntar aquilo que estava separado.Síntese passiva quer dizer que a semente, contemplativamente, junta aquilo que estavaseparado terra com água  sintetiza esses dois elementos; e nessa síntese emergemas rosas.

Alº: Síntese passiva é da contemplação; e a outra?

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Cl: A síntese ativa? Já é ação. Marque assim dessa maneira, Ricardo, que na frente nósvamos ver o que é.

A síntese ativa é orgânica, viu?A síntese passiva ainda é cristalina. Então, a síntese passiva é sinônimo de contemplação: onde não há, de forma alguma, nenhuma

atividade. É como se fosse um Deus cansado, um Deus fatigado… que bocejasse; e, ao bocejar, nascessem as rosas. Que beleza!

Alº: Poético, não é?

O que mostra a tese do Nietzsche. O Nietzsche tem uma tese excepcional. O Nietzschesempre disse: esse mundo não é matemático! Esse mundo não é geométrico! Essemundo é estético! Tudo desse mundo é estético: é poético, é pictórico, tá?

(Foi bem aqui?)

Então, síntese passiva:

A síntese passiva implica, como base, a contemplação. Então, vamos colocar os nomes?

Alº: É cristalino, não é?

Cl: É cristalino. Mas agora você não precisa da palavra cristalino. Você precisa decontemplação; que gera síntese passiva. Síntese passiva, sinônimo contração.

Alª: Bem, contemplação gera síntese passiva.

Cl: Toda contemplação aqui aparece um enunciado terrível! Toda contemplação énecessariamente contraente. (Vamos marcar isso daí.). Toda contemplação contrai.Contrai não os elementos que ela vê; mas os elementos dos quais ela é formada.

Para compreender essa contração, um pouco à frente eu vou usar NARCISO. Vocêsconhecem o mito do Narciso? Narciso contemplava o quê?

Als: A sua imagem.

Cl: Essa outra contem plação não contempla a sua própria imagem contempla os

elementos dos quais ela é composta; e contrai esses elementos. Mais na frente, eu vouusar dois mitos Acteon e Narciso para vocês entenderem. 

Então, há uma diferença do Narciso que contempla sua própria imagem e dessacontemplação que contempla os elementos dos quais ela é formada. Então, elacontempla terra, água e luz. Aí, contrai. Aí, emerge a rosa.

(Foi bem assim?)

Essa contemplação chama-se síntese passiva.

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Essa noção de síntese passiva já não é do Plotino. Ela pertence aos seguidores doPlotino, como Hume, por exemplo. Mas eu posso dizer, com tranqüilidade, que oBergson, no século XX, também vai usar a síntese passiva.

A síntese passiva é contraente.

(Vocês estão entendendo?)

E agora, como eu disse pra vocês, é um plano final de aula, que é um planointegralmente filosófico, eu vou ter que forçar os conceitos. Necessariamente eu vouforçar os conceitos. Eu não vou precisar que … ah, eu já entendi tudo! Não, nada disso.Eu preciso que vocês tenham uma noção, para que na próxima aula eu possa fazer maisforça com isso aqui.

Os primeiros elementos que vão aparecer para o pensamento são: contemplação, masonde houver contemplação necessariamente existe um eu que contempla. Olha como as

coisas começam a ficar difíceis. Onde houver contemplação existe um eu… (Alª: quecontempla!)

Cl: Que contempla.

Então, eu estou dizendo uma doutrina (que daqui a uns três ou quatro meses nós vamoster um teórico brilhante sobre ela, porque eu vou introduzir o Alexandre nessa doutrina)chamada ANIMISMO que vem da palavra ANIMUS, que significa ALMA. 

Os animistas dotaram o universo de almas. Eles dizem que tudo o que existe é penetrado de múltiplas almas. Um rochedo, por exemplo, para os animistas… o que temdentro do rochedo? Múltiplas almas. Então, pra eles, esse universo é dotado de umamatéria e dentro dessa matéria, infinitas almas. E o que essas almas fazem?Contemplam! São pequeninas almas contemplando.

Para nós, para o senso comum, para o homem orgânico, isso daqui não passa! O homemorgânico se assusta com isso!

Então, os animistas começam a dizer que tudo que você encontrar estaria povoadodessas pequenas almas, que são os eus que contemplam. Essa doutrina chama-seanimismo.

(Marca: na próxima aula eu vou fortalecer essa doutrina do animismo)

Então, esses eus que contemplam,contemplam e… contraem. Ao contemplar e contrair,ele vão fundar o universo psico-orgânico.

(Como é difícil isso, não é? Como é chocante e violento isso daqui!)

Porque em vez de você dizer que teria um Deus transcendente que produziria o psico-organismo ou o organismo, nada disso! Tudo emerge nesse mundo dentro de umPLANO DE IMANÊNCIA. Ou seja, esses pequeninos eus que contemplam , contraem e

constituem o universo psico-orgânico.

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Se vocês quiserem saber o que é o psico-orgânico, é muito fácil! Quando você pega umorganismo, você vai ver que o organismo é feito de dobras. São centenas de dobras! Sevocê abrir aqui o nosso estômago, quebrar as dobras que ele tem, ele é muito maisextenso que o nosso corpo, imensamente mais extenso que o nosso corpo; porque o queesse eu contemplativo faz é produzir as dobras. (Vocês entenderam?) O universo antes

dessa contemplação é um universo elástico. Quando o contemplador contempla, ele setransforma num universo plástico.

Alª: Ele vai contraindo?

Cl: Contraindo tudo! Tudo vai-se contraindo! Vai nascendo a vida ORGÂNICA. Porqueesse ‗pequenino eu‘ já é uma vida; mas uma vida não-orgânica uma vidaCRISTALINA. O nosso grande horror é acreditar que o organismo explica a vida: nãoexplica! Então, essa tese é terrível! A potência não-orgânica da vida: são os pequeninoseus.

(Foi bem aqui?)

E marcar isso que eu estou dizendo: (isso ainda não pode ser para a próxima aula!) oorganismo, que nós consideramos ser a fonte da vida… (O que eu estou dizendo sobreisso?) …o organismo prende a vida! Toda a obra do Artaud, todo o sofrimento doArtaud que o Rubens Corrêia não entendeu, pensava que o Artaud dava gritosUhhhh!!!… Nada disso! Os gritos do Artaud eram porque ele não podia pensar,

 porque ele queria mostrar, pelo pensamento, que o que devia passar era a potência não-orgânica da vida. E nós, os humanos, só damos importância ao organismo e, com isso,

 prendemos as forças fundamentais da vida que são não-orgânicas. Então, eu estouexplicando pra vocês que esse eu contemplativo, contraente, faz nascer o organismo.Embora ele próprio não seja orgânico.

(O que vocês acharam? Certo? Olha eu acho que eu já vou terminar, que eu já estouficando sem ar. E a aula foi muito bonita,muito rica, muito bonita!)

Esse eu contraente-contemplativo é questão pura. Tudo nele é questão! Agora, quandonasce o psico-orgânico, tudo no psico-orgânico é problema. Então, nós temos: a questão

 –  no cristalino; o problema –  no orgânico. Certo?

Aqui eu começo a mostrar pra vocês o projeto matemático da vida. Da mesma forma

que eu mostrei pra vocês que causa e efeito é um SER FÍSICO; o problema é um SERMATEMÁTICO. Mas nós podemos transportar esse ser matemático para as questõesexistenciais. Por isso que o Sartre, por exemplo, falava em ‗problemas‘ propriamenteexistenciais. Chama-se o deslocamento de uma entidade ou de uma potência, de umdomínio no caso, o problema de uma potência matemática, você transforma paraquestões existenciais. E as questões existenciais estão marcadas de problemas! Então, afigura que eu marquei pra vocês foi o eu contemplante e contraente questiona; e oorgânico problematiza. Marquem isso porque na aula que vem veremos ‗ ‗questão-

 problema‘ x ‗necessidade‘. 

Ponto final!

Podem perguntar, não é? Mas a aula já chegou.

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Alª: O minimalismo tem alguma coisa a ver com o cristalino?

Cl: Muito. Demais! Que músico, por exemplo, você chamaria de minimalista?

Alª: Ah, Philip Glass… 

Cl: Por exemplo. Ele só trabalha com a repetição. Ele e aquele menino o Steve Reich.Mas o Philip Glass, não é? Sobretudo o Philip Glass da década de setenta, não é? que éexcepcional, só trabalha com a repetição. A repetição é fundamentalmente cristalina.

Alª: A Pina Bausch seria cristalina também?

Cl: Olha, ela tenta, ela tenta. Ela recebeu um elogio incrível daquela bailarina-coreógrafa, que esteve aqui, a Carolyn Carlson, que deu uma relevância incrível à PinaBausch, eu gostaria de ver os trabalhos dela, eu conheço pouco, eu conheço de vídeo.Eu não vi nada cristalino nesses vídeos; espero ainda ver, entendeu,Márcia. Eu não

estou fazendo nenhuma crítica à Pina Bausch, de forma nenhuma! É que eu ainda nãovi. Mas eu acredito que sim. Acredito que sim, porque, inclusive, a repercussão que elatem, não é, junto a grandes pensadores, do tipo John Cage, e quem mais?, o MerceCunningham,toda essa gente… Acredito que sem dúvida é cristalina, mas eu queria umaconfirmação, quando eu vir um trabalho feito por ela.

(Foi bem a resposta?)

Cl: Você tinha a questão do cristal, não é, J – ?

As aulas do cristal, qualquer hora dessas vocês vão ouvir o Dudu me substituindo aqui efalando sobre o cristalino. E vocês vão ficar entusiasmados e dizer: Ah! Dudu fala, eutambém quero falar… e aí o negócio começa a crescer, não é Dudu? 

Então, está bem. Vejam se vocês têm mais perguntas… se não têm,eu vou zerar. 

Alª: Então, o orgânico vai nascer do cristalino?

Cl: Nasce.

Alª:

A presença desses pequenos eus… 

Cl: Na verdade, do Tempo Puro gera-se o psico-orgânico.

Eu vou lá para fora tomar ar.