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73 ROMED Volume 2 | Número 2 | Set. 2016 O PANORAMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA E O MODELO BUROCRÁTICO ESTATAL PROPOSTO POR MAX WEBER PANORAMA OF BRAZILIAN PUBLIC ADMINISTRATION AND BUREAUCRATIC MODEL STATE PROPOSED BY MAX WEBER Paola Caroline Canto LENZ 1 RESUMO: Max Weber (1864/1920) considerado como o pai da sociologia moderna sempre desenvolveu seus estudos a partir de uma realidade concreta, tendo o método compreensivo como base de seus estudos. Um destaque de sua vasta obra são suas considerações a respeito da burocracia como mecanismo institucional de governança. Assim, como instituto exemplar dos estudos weberianos, o presente artigo expõe sobre as características do modelo burocrático e suas possíveis disfunções, além de discutir brevemente sobre o panorama do Estado Burocrático no Brasil, propondo uma análise crítica sobre o tema no âmbito da Administração pública. Palavras-chave: Administração Pública. Burocracia. Estado. Max Weber. ABSTRACT: Max Weber (1864/1920) considered the father of modern sociology always developed his studies from a concrete reality, having the comprehensive method as a basis for their studies. A highlight of his vast work is his remarks about the bureaucracy as an institutional mechanism of governance. So, as an exemplary institute of Weber´s studies, this paper expounds on the characteristics of the bureaucratic model and its possible disorders, and discusses briefly about the outlook of the Bureaucratic State in Brazil, proposing a critical analysis on the topic within the public administration. Keywords: Bureaucracy. Max Weber. Public Administration. State. INTRODUÇÃO O alemão Karl Emil Maximilian Weber (Max Weber) é considerado um dos fundadores do estudo sociológico moderno, também foi jurista, historiador e 1 Acadêmica do 10° período do curso de Bacharelado em Direito da FAE Centro Universitário. E-mail [email protected]

O PANORAMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA E …omalestarnodireito.com/artigosrevistan2/5_artigo_weber_revista.pdf · Weber introduziu pinceladas de pensamentos de Marx, Durkheim

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ROMED Volume 2 | Número 2 | Set. 2016

O PANORAMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA E O MODELO

BUROCRÁTICO ESTATAL PROPOSTO POR MAX WEBER

PANORAMA OF BRAZILIAN PUBLIC ADMINISTRATION AND

BUREAUCRATIC MODEL STATE PROPOSED BY MAX WEBER

Paola Caroline Canto LENZ1

RESUMO: Max Weber (1864/1920) considerado como o pai da sociologia moderna sempre desenvolveu seus estudos a partir de uma realidade concreta, tendo o método compreensivo como base de seus estudos. Um destaque de sua vasta obra são suas considerações a respeito da burocracia como mecanismo institucional de governança. Assim, como instituto exemplar dos estudos weberianos, o presente artigo expõe sobre as características do modelo burocrático e suas possíveis disfunções, além de discutir brevemente sobre o panorama do Estado Burocrático no Brasil, propondo uma análise crítica sobre o tema no âmbito da Administração pública. Palavras-chave: Administração Pública. Burocracia. Estado. Max Weber.

ABSTRACT: Max Weber (1864/1920) considered the father of modern sociology always developed his studies from a concrete reality, having the comprehensive method as a basis for their studies. A highlight of his vast work is his remarks about the bureaucracy as an institutional mechanism of governance. So, as an exemplary institute of Weber´s studies, this paper expounds on the characteristics of the bureaucratic model and its possible disorders, and discusses briefly about the outlook of the Bureaucratic State in Brazil, proposing a critical analysis on the topic within the public administration. Keywords: Bureaucracy. Max Weber. Public Administration. State.

INTRODUÇÃO

O alemão Karl Emil Maximilian Weber (Max Weber) é considerado um dos

fundadores do estudo sociológico moderno, também foi jurista, historiador e

1 Acadêmica do 10° período do curso de Bacharelado em Direito da FAE Centro Universitário. E-mail [email protected]

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economista. Nascido em Erfurt – Alemanha em 21 de abril de 1864, seus estudos

referenciam até hoje a sociologia e a ciência política moderna.

O essencial de suas análises relaciona-se com o papel da burocracia em

uma democracia. Ele elaborou um conceito de burocracia baseado em

elementos jurídicos do século XIX, concebidos por teóricos do direito. Para o

sociólogo, a máquina política era indispensável na democracia de massas

modernas, analisando, porém, a formação do sistema de modo dialético onde a

democracia deveria opor-se à burocracia como tendência racional.

E, embora fosse um intelectual envolvido com a política da época, Weber

era um entusiasta da objetividade e da racionalização do aparato estatal.

Através dessa racionalização destacava a impessoalidade, o formalismo,

a previsibilidade e a aptidão técnica do modelo burocrático ao mesmo passo que

temia pelo alcance da rigidez do sistema sobre as liberdades públicas e sobre a

atividade política.

Weber introduziu pinceladas de pensamentos de Marx, Durkheim e

Nietzche em seus estudos, partilhando suas abordagens sociológicas das ideias

e, especialmente, acerca do materialismo histórico tão presente nas análises de

Marx.

A sociologia de Max Weber auxilia-nos a entender o mundo social com

base nas ações dos indivíduos inseridos no contexto, baseando-se em métodos

compreensivos.

Vindo a falecer em 1920, os estudos weberianos foram amplamente

diversos e caracterizam uma herança histórica que serve como pilar para a

compreensão de fenômenos sociais da contemporaneidade (WEBER, 1982)2.

1. TEORIA DA BUROCRACIA NA ADMINISTRAÇÃO – MAX

WEBER

2 Estudos executado com base na Introdução da obra “Ensaios de Sociologia” de Max Weber desenvolvida por HANS GERTH e C. WRIGHT MILLS (WEBER, 1982).

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A burocracia como uma formação social se insere em um vasto transcurso

histórico, o qual tangencia a necessidade de um processo de racionalização da

sociedade. Essa ideia de racionalização advém dos estudos de Max Weber, em

meados do século XIX, a qual ocorre no plano da organização ou da estruturação

social, devido à fragilidade das Teorias Clássicas e das Relações Humanas. Na

seara administrativa, a burocracia surgiu conjuntamente com o Estado liberal,

como uma forma de defender a coisa pública contra o patrimonialismo (BRASIL,

1995 apud MEDEIROS, 2006).

Thiry-Cherques (2009) menciona que a racionalidade formal weberiana é

composta pela calculabilidade e predicabilidade dos sistemas jurídico e

econômico. No âmbito das organizações, a racionalidade formal remete aos

aparelhos como o contábil e o burocrático, implicando em regras, hierarquias,

especialização e treinamento técnico. A racionalidade substantiva, por sua vez,

relaciona-se ao contexto dos fins operacionais dos sistemas legal, econômico e

administrativo.

Para Weber (1982) burocracia é o instrumento de administração,

localizado nas mais diversas instituições, a qual inclui o Estado, sendo a forma

mais eficiente e eficaz de uma organização. Max Weber, como bem define

Queiroz (2011), realiza uma análise da burocracia de forma típico-ideal, ou seja,

no sentido lógico, buscando “tipos” ideais que, se assim construídos e utilizados

servem de grande valia para investigação e exposição através de suas

características.

Assim, o tipo ideal de burocracia weberiana rege-se essencialmente pela

organização sistemática baseada na racionalidade. Tal organização vale-se do

princípio da hierarquia de cargos, da avaliação fixa de receitas e gastos, de

profissionais especializados, da divisão de tarefas e de critérios racionais e

estáveis de desempenho (WEBER, 1982).

A administração burocrática clássica foi implantada nos principais países

europeus no final do século XIX e nos Estado Unidos no começo do Século XX

(PEREIRA, 1996). Segundo Torres (2004, p.13) os estudos weberianos são

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extremamente pragmáticos, por compreender “os avanços organizacionais do

modelo burocrático como uma resposta moderna aos complexos e crescentes

problemas administrativos, causados pelo crescimento vertiginoso das

instituições públicas e privadas”, assim como o crescimento exponencial das

demandas estatais.

Não sendo diferente no Brasil, a instituição de uma burocracia orgânica

foi fruto do esgotamento do modelo de Estado até então adotado, visando o

exercício do poder público de forma mais eficiente (GUERZONI FILHO, 1996).

Mais precisamente, a administração burocrática foi implantada em 1936, com a

Reforma Administrativa promovida por Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes,

durante o governo de Vargas (PEREIRA, 1996).

A criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil3 em 1936 deu

origem ao Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), o qual tinha

como objetivo promover o desenvolvimento de uma máquina administrativa nos

moldes do modelo weberiano (TORRES, 2004). Torres (2004, p.153) menciona,

ainda, que:

Nesse contexto, um Estado mais racional e eficiente seria fundamental para o êxito do intervencionismo estatal, que visava garantir o desenvolvimento econômico e a incorporação político-social da burguesia nacional e de setores operários urbanos.

E é justamente pelas progressivas demandas estatais que surge a

necessidade de tornar a máquina administrativa mais ágil e eficiente, o impute

inicial para os estudos de Weber.

Weber (1982, p.247) cita que o desenvolvimento social causa uma

“crescente exigência subjetiva de satisfação organizada, coletiva e,

consequentemente burocrática das necessidades mais diversas”.

O historiador acreditava que “o mecanismo burocrático é para as demais

organizações como a máquina o é para os modos de produção não

mecanizados” (WEBER, 1982, p.249). Assim, o modelo de gestão pública

burocrática é baseado em métodos e técnicas nos quais o agente público fica

3 Lei n°184 de 28 de outubro de 1936.

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atrelado e deve seguir sistematicamente para atingir os fins a que almeja, além

de basear-se na meritocracia para o crescimento pessoal.

2. CARACTERÍSTICAS – FORMALIDADE / IMPESSOALIDADE

/ PROFISSIONALISMO

A organização burocrática baseada em métodos sistemáticos e racionais

possui três características fundamentais, quais sejam: a formalidade, a

impessoalidade e o profissionalismo.

Formalidade no sentido de haver uma estrutura burocrática repousada em

normas e regulamentos específicos, ou seja, registros escritos, que estipulem

direitos e deveres de seus agentes, os quais geram um aumento intensivo e

qualitativo do desenvolvimento interno das tarefas administrativas. Destaca-se a

necessidade de continuidade e controle, no sentido de ser a produção de bens

e serviços continuada, o que comporta um corpo administrativo qualificado e

constante (TORRES, 2004).

De acordo com Weber (1982), as organizações formais modernas

baseiam-se em leis rígidas, das quais a sociedade aceita, uma vez que se

entende que são definidas em função do interesse comum e não, apenas para

satisfazer aos caprichos arbitrários de um dirigente. Na sociedade burocrática,

de maneira formal, todos são iguais perante a lei, as regras e procedimentos são

aplicados de maneira uniforme e imparcial. Nesse sentido, o comportamento

sempre estará subordinado a regulamentos de maneira explícita, além de existir

um rígido controle para o seu funcionamento.

Segundo Torres (2004), no caso da administração pública, o

estabelecimento dessas regras tende a ser especialmente intenso, tendo em

vista que a maioria das ações do agente público deve estar previstas expressa

e analiticamente em uma vasta legislação. Assim, restringe a discricionariedade

do administrador e vincula seus atos às leis, gerando maior transparência e

facilitando seu controle.

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A relação entre as pessoas que integram as organizações burocráticas

são regidas por cargos definidos dentro de uma estrutura hierárquica, havendo

uma cadeia de comandos com responsabilidades, deveres e privilégios

específicos. No Estado burocrático, a avaliação fixa de receitas e também dos

gastos torna a utilização do orçamento público, por exemplo, extremamente

regulado e incumbindo à figura da autoridade o seu controle.

Ademais, a burocratização está diretamente ligada ao princípio da

especialização das funções administrativas conforme normatizações prévias e

objetivas, para Weber (1982, p.250):

As atividades particulares são confiadas a funcionários especializados que, com a prática, vão aprendendo cada vez mais. A resolução “objetiva” dos assuntos pressupõe primeiramente uma resolução conforme as normas calculadas e “sem levar em conta as pessoas”.

Nesse sentido, a posição do funcionário tem natureza de dever, existe um

compromisso profissional para com cada função de modo que administradores

ganham salários fixos e gerentes são treinados para melhor qualificação e

eficiência organizacional. Portanto, o tipo ideal seria o funcionário que cresce na

organização através de sua experiência e qualificação, sendo sua competência

a única base para manutenção de um cargo (Weber, 1982).

Weber (1982) cita ainda que, o normal seria que a posição de funcionários

públicos fosse vitalícia, de forma a assegurar uma atuação objetiva e rigorosa

específicas do cargo, livre de toda opinião pessoal, características inerentes ao

profissionalismo e a impessoalidade, sempre voltados ao desenvolvimento

racional da justiça. Como menciona o autor, uma vez que na administração

pública prevalece o técnico sobre o cidadão, ela é organizada de modo

hierárquico e não democrático.

3. EXERCÍCIO DO CONTROLE ATRAVÉS DO

CONHECIMENTO

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A administração burocrática significa, ainda, a dominação em virtude do

conhecimento, caráter, este, essencialmente racional.

A profundidade das análises de Weber consiste na relação por ele

estabelecida entre os fundamentos que legitimam o exercício do poder ao

aparato administrativo, sobretudo entre a dominação racional-legal e o modelo

burocrático (TORRES, 2004).

Max Weber prevê três tipos de dominação legítima: 1. dominação legal,

racional ou burocrática; 2. dominação tradicional; 3. dominação carismática. A

dominação legal, do qual seu tipo mais puro é a dominação burocrática, ocorre

em virtude da hierarquia nas funções e da observação imperativa de normas,

leis e regulamentos (TORRES, 2004).

Ensina Weber que a burocracia é baseada na dominação legal em

decorrência do estatuto, assim, explica Vasconcelos (2004, p.204):

A ideia básica é que qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma. Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à “lei” ou “regulamento” de uma norma formalmente abstrata. O tipo daquele que ordena é o “superior”, cujo direito de mando está, legitimado por uma regra estatuída, no âmbito de uma competência concreta, cuja delimitação e especialização se baseiam na utilidade objetiva e nas exigências profissionais estipuladas para a atividade do funcionário.

Portanto, esse processo de dominação racional tentaria eliminar da vida

na organização todos os elementos humanos e emocionais, passando a

administração burocrática a funcionar com base no formalismo impessoal

(WEBER, 1982).

A burocracia notoriamente por ser fundada em uma preparação

especializada, uma divisão funcional do trabalho, e uma infinidade de atitudes

metodicamente integradas e previsíveis faz com que ela seja um meio de poder

efetivo a serviço do homem que controla a organização. Torres (2004, p.18),

acerca do poder, assimila que “a relação entre burocracia e controle é intensa e

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conhecida: níveis mais elevados e sofisticados de controle exigem, quase

automaticamente, maiores e melhores estruturas burocráticas”.

Nesse viés, a geração de poder do Estado pressupõe o monitoramento

do sistema, envolvendo a coleta, o armazenamento e o controle regulares da

informação aplicada para os fins administrativos (BURKE, 2003), gerando uma

convergência tênue entre a relação política e burocrática.

Já com a especialização de conhecimentos objetiva-se diretamente o

crescimento da produtividade. Weber (1982) menciona, ainda, que a experiência

tende universalmente a mostrar que o tipo de administração de organização

puramente burocrático é, do ponto de vista técnico, capaz de alcançar o mais

alto grau de eficiência e é, nesta acepção, formalmente o meio mais racional de

levar a efeito um controle imperativo sobre os seres humanos. É justamente esse

exercício do controle através do conhecimento, ou seja, da competência técnica

que torna a administração burocrática essencialmente racional.

Portanto, o conceito de racionalidade dentro dos estudos de Max Weber

é um fundamental procedimento de controle para dominar as relações internas

administrativas e, principalmente, da sociedade como um todo. Nesse viés, a

obra weberiana permite estabelecer as características centrais da burocracia

moderna, inclusive no processo democrático contemporâneo, de modo a

compreender o papel do controle na gestão pública.

4. DISFUNÇÕES DA TEORIA BUROCRÁTICA – BREVE

CONTEXTO HISTÓRICO DAS REFORMAS NO BRASIL

O senso comum refere-se a burocracia como um lento e excessivo

processo de controle, ou seja, com uma percepção pejorativa do termo, uma vez

que o conceito de burocracia é comumente associado à hipertrofia de

composições administrativas, ou à superexposição de excesso de trâmites

desnecessários ao longo da execução de um procedimento administrativo

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(TORRES, 2004). Essa noção pejorativa é comumente percebida através do

estudo das disfunções de sua teoria.

Ao longo da história, o Estado assume várias feições. Essas mudanças

constantes fazem parte do processo de acompanhamento e conformação às

demandas da sociedade com novos atores e novas classes sociais. Como

mencionado, o Estado burocrático comportava instituições, em suma,

hierarquizadas, normatizadas e com rígido controle.

Ocorre que os modelos ideais e teóricos analisados por Weber muitas

vezes não correspondiam à realidade prática, principalmente se pensada de

forma apolítica. Ademais, a rigidez do modelo burocrático começou a provocar

ineficiências administrativas, verificou-se que o modelo possuía limitações que

traziam prejuízos à gestão das organizações públicas (MEDEIROS, 2006). O

declínio do modelo burocrático se deu, sobretudo, pela crise do Welfare State, a

qual abrangeu elementos econômicos e políticos relacionados a mudanças das

sociedades capitalistas (OFFE, 1985 apud FILGUEIRAS, ARANHA, 2011).

Nesse sentido, a teoria weberiana foi severamente criticada pelo seu amontoado

de disfunções.

Segundo Pereira (1996), a administração pública burocrática clássica foi

abraçada porque era uma opção muito superior à administração patrimonialista

do Estado. Porém, o pressuposto de eficiência em que se repousava não se

revelou real. O exagero no controle reservada às mãos dos mais altos

administradores, devido ao sistema hierárquico, gerava abusos de poder,

tornando as relações burocráticas tipicamente autoritárias. O excesso de

formalismo e a rigidez dos procedimentos ocasionava uma morosidade no

andamento da máquina pública. Por haver um vasto número de regras, leis e

regulamentos pré-determinados, o conformismo às rotinas e procedimentos era

uma consequência, que por sua vez gerava uma grande resistência à mudanças

(TORRES, 2004).

Ainda, segundo Freitas (1997, apud MEDEIROS, 2006) o destaque do

fator impessoalidade na administração burocrática, pode não ser a melhor

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maneira de guiar a administração estatal, caso sejam considerados contextos

culturais específicos. O estímulo à impessoalidade vai de encontro à expectativa

do Estado Moderno de incentivar a participação de seus servidores. Os modelos

burocráticos tradicionais, pela sua neutralidade e mentalidade, abafariam essa

motivação (MARCELINO, 1998, apud MEDEIROS, 2006).

Assim, a centralização administrativa do clássico Estado burocrático de

cunho intervencionista não mais atendia as demandas sociais de

democratização e eficiência do serviço público. Para atender o esgotamento do

modelo burocrático weberiano, através da reforma do Estado no século XX, a

administração pública passou a adotar padrões gerenciais. Padrões estes

seguidos inicialmente em países como Estados Unidos, Austrália e Nova

Zelândia, e posteriormente na Europa Ocidental e no Canadá (ABRUCIO,1997

apud REIS, 2014, p.106).

Para Pereira (1996), a premência de uma administração pública

gerencial, inspirada na administração de empresas privadas, decorreu de

problemas não só de crescimento e da consequente distinção de estruturas e da

complexidade exponencial dos inúmeros problemas a serem enfrentados, mas

também de legitimação da burocracia diante das exigências sociais.

No Brasil, ainda segundo Pereira (1996), a ideia de administração

pública gerencial começou a ser esboçada na primeira Reforma Administrativa

em 1967, com a edição do Decreto-Lei n°200 de 25 de fevereiro de 1967, no

governo militar. O Decreto-Lei buscava introduzir práticas mais gerenciais na

esfera pública. Em seus 215 artigos, normatizava e padronizava procedimentos

nas áreas de pessoal, compras governamentais e execução orçamentária, além

de estabelecer cinco princípios fundamentais para a estruturação pública, quais

sejam – planejamento, coordenação, descentralização, delegação de

competências e controle (TORRES, 2004).

De 1967 até 1988, com a promulgação da Constituição Federal

Brasileira, o processo de descentralização da administração pública se

acentuou. No contexto dessa nova ordem as mudanças não se deram apenas

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na estruturação do Estado, mas, principalmente, na relação que este mantinha

com a sociedade. Em 1979, inclusive, foi criado o Ministério da

Desburocratização4, voltado a ressaltar a importância do cidadão como

contribuinte e não mero espectador dos atos estatais, abreviando soluções para

casos em que a interferência do Estado fosse necessária (TORRES, 2004).

Em 1896, o então Presidente José Sarney extinguiu o Dasp, criando a

Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap), a

qual ficou encarregada dos esforços de modernização e racionalização da

administração pública federal, diretamente relacionada ao Presidente (TORRES,

2004).

Em 1988, contrariamente ao ideal de desburocratização, a Constituição

Federal revelou-se um retrocesso, sobre esse ponto leciona Pereira (1996,

p.13/14):

Em um momento em que o país necessitava urgentemente reformar a sua administração pública, de forma a torná-la mais eficiente e de melhor qualidade, aproximando-a do mercado privado de trabalho, o inverso foi realizado. O serviço público tornou-se mais ineficiente e mais caro, e o mercado de trabalho público separou-se completamente do mercado de trabalho privado. A separação foi proporcionada não apenas pelo sistema privilegiado de aposentadorias do setor público, mas também pela exigência de um regime jurídico único, que levou à eliminação dos funcionários celetistas, e pela afirmação constitucional de um sistema de estabilidade rígido, que tornou inviável a cobrança de trabalho dos servidores.

Assim, em 1995 o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, pelo

governo do Fernando Henrique Cardoso, retomou as atenções para a

necessidade de se adotar medidas administrativas no sentido de possuir

instrumentos eficientes que resguardassem êxito nas demandas içadas pelo

processo de globalização e pela redefinição na maneira de atuação do Estado

(TORRES, 2004). Pereira (1996) menciona que esta Reforma possuía, a curto

prazo, o objetivo de facilitar o ajuste fiscal e, a médio prazo, de tornar mais

eficiente e moderna a administração pública.

4 Instituído através do Decreto n°83.740 de 18 de julho de 1979.

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Em termos gerais, esta transição de modelo burocrático weberiano para

a administração administrativa gerencial ficou muito aquém dos objetivos

esboçados no Plano Diretor. Portanto, às mudanças para os novos modelos de

gestão serviram como uma melhoria do modelo burocrático, especialmente em

sua dimensão cultural, com a inserção do tema da reforma da administração

pública na agenda de debates do país (MEDEIROS, 2006).

Para Abrucio (1997, apud MEDEIROS, 2006, p.150):

O gerencialismo seria um “pluralismo organizacional sob bases pós-burocráticas vinculadas aos padrões históricos (institucionais e culturais) de cada nação”, não se constituindo num novo paradigma capaz de substituir por completo o antigo padrão burocrático weberiano.

Apesar dos entraves pelos quais a reforma administrativa do governo de

Fernando Henrique Cardoso passou, houve avanços nos instrumentos de gestão

e uma mudança cultural notável no interior do serviço público brasileiro

(ABRUCIO, 2007 apud FILGUEIRAS, ARANHA, 2011).

Mais recentemente, alguns autores trazem o entendimento da era

administrativa pós-burocrática. Vasconcelos (2004, p.216), estudando tais

doutrinadores, revela que o tipo organizacional pós-burocrático representa-se

por “organizações simbolicamente intensivas, produtoras de consenso através

da institucionalização do diálogo”. Continua o autor, são características de tais

organizações: a constituição de trabalhos de grupos flexíveis e forças-tarefas

temporárias com objetivos claramente delineados, a disseminação de

informações, a prática do feedback e avaliações de performance, ou seja, o

desenvolvimento de uma capacidade de resiliência e maleabilidade na

organização.

Vasconcelos (2004) menciona, ainda, que a proposta primordial contida

no ideal desses autores é que o comportamento pós-burocrático ainda permeia

as entrâncias das próprias estruturas burocráticas e que, possivelmente poderão

evoluir em direção a um modelo organizacional estável e consolidado, capaz de

se institucionalizar como modelo dominante. E este modelo tem legitimidade na

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recuperação da autoridade carismática, o que demonstra não haver atualmente

organizações puramente pós-burocráticas, como explica o autor:

Esta hipótese explicaria por que organizações puramente pós-burocráticas não existem (por não ser possível construir duravelmente organizações de grande porte baseadas exclusivamente em padrões de autoridade carismática). A organização pós-burocrática permanece assim limitada a enclaves não-burocráticos (legitimados carismaticamente) dentro de um universo ainda largamente normativo, legitimado pela autoridade racional-legal (VASCONCELOS, 2004, p.217).

Assim, nesse contexto mais amplo de transformações do Estado

brasileiro advindas do declínio do modelo burocrático weberiano, observa-se

uma premência na tentativa de eliminação de um passado patrimonialista. Nesse

contexto, as reformas administrativas no Brasil tem, desde então, papel

fundamental no projeto de modernização, buscando respeitar um processo

planejado de transformação (FILGUEIRAS, ARANHA, 2011).

CONCLUSÃO

É cristalino que a percepção pejorativa da palavra burocracia é a mais

difundida atualmente, não obstante, como visto, os estudos weberianos nos

levam a um entendimento muito mais profundo e totalmente contrário à lentidão

da máquina pública. Para Weber a administração burocrática significava

fundamentalmente o exercício do controle baseado no conhecimento

(competência técnica), aspecto este que a faz especificamente racional e com o

objetivo de tornar a administração ágil e eficiente.

O autor idealizou, justamente, a burocracia como otimização dos meios

para consecução de seus objetivos. Contudo, por mais que fosse um defensor

da burocracia no sentido técnico da palavra, o autor era contra que o aparato

burocrático ganhasse ênfase no jogo político, ou seja, ele defendia o controle

político da burocracia, e não o inverso. E ficava nítido o interesse dos

governantes em preservar e fortalecer uma burocracia pública, uma vez que

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esse processo lhes aumenta os poderes políticos, posto a premência de um

controle inerente ao sistema.

Assim, com os processos de transformação do Estado a rigidez do

modelo administrativo burocrático proposto por Weber se viu absorto da

realidade prática, não mais atendendo as demandas sociais, o que gerou as

diversas Reformas no Estado em decorrência de suas disfunções.

De outro viés, em um Estado onde a corrupção é cada vez mais presente

e o controle dos atos estatais está em constante esquecimento no dia-a-dia da

Administração Pública e, com a herança do Patrimonialismo português ainda

arraigado em nossa cultura pertinente se faz o entendimento de que não foi a

Teoria que apresentou disfunções, mas a prática da máquina pública que a

corrompeu.

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