O Papel Da Psicologia Escolar Frente Ao Bullying Infantil

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Artigo sobre psicologia escolar

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    CENTRO UNIVERSITRIO DE JOO PESSOA - UNIP

    CURSO DE PSICOLOGIA

    ALINA KELLE VICTOR DE BARROS PEREIRA

    O PAPEL DA PSICOLOGIA ESCOLAR FRENTE AO BULLYING INFANTIL

    JOO PESSOA 2012

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    ALINA KELLE VICTOR DE BARROS PEREIRA

    O PAPEL DA PSICOLOGIA ESCOLAR FRENTE AO BULLYING INFANTIL

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Psicologia do Centro Universitrio de Joo Pessoa - UNIP, como requisito para concluso do curso de Formao de Psicloga. Orientadora: Prof. Ms. Ktia Vnia

    Vasconcelos Souto Maior

    JOO PESSOA 2012

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    P436p Pereira, Alina Kelle Victor de Barros. O papel da psicologia escolar frente ao bullying infantil / Alina Kelle V. de B. Pereira. -- Joo Pessoa, 2012. 40f. Monografia (Curso de Graduao em Psicologia) Centro Universitrio de Joo Pessoa - UNIP 1. Bullying. 2. Escola. 3. Famlia. I. Ttulo. UNIP / BC CDU 159.9:37

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    ALINA KELLE VICTOR DE BARROS PEREIRA

    O PAPEL DA PSICOLOGIA ESCOLAR FRENTE AO BULLYING INFANTIL

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Psicologia do Centro Universitrio de Joo Pessoa - UNIP, como requisito para concluso do curso de Formao de Psicloga, sob orientao da Professora Ms. Ktia Vnia Vasconcelos Souto Maior. ( ) Aprovado ( ) Reprovado Aprovada em: 03/12/2012.

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________

    Prof. Ms. Ktia Vnia Vasconcelos Souto Maior Orientadora

    ___________________________________________

    Prof. Ms. Maria Neusa dos Santos Examinadora

    ___________________________________________ Prof. Ms. Lcia Maria dos Santos Barreto Examinadora

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    A Deus, que nos guia na estrada da vida nos dando inteligncia, pacincia e sade para podermos realizar nossos sonhos. E ao meu esposo Filipe Medeiros pela ajuda e incentivo nesta rdua caminhada.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus por ter me dado esta oportunidade e pelo

    privilgio que nos foram dados em compartilhar tamanha experincia e tambm pela

    chance que muitos queriam ter e poucos sabem aproveitar. A cada vitria o

    reconhecimento devido ao meu Deus, pois s Ele digno de toda honra, glria e

    louvor. Senhor, obrigada pelo fim de mais essa etapa.

    Aos meus pais: Admilson Pereira da Silva e Helenilda Victor de Barros

    Pereira, que foram essenciais nessa trajetria, foram que mais acreditaram desde o

    comeo, que me incentivavam, e que nunca deixaram de confiar no meu potencial.

    Aos meus irmos Alan Adson e Arlane Kallyne, pelo carinho e apoio em todos

    os momentos que precisei. A todos de minha famlia que sempre me deu maior

    fora.

    A uma pessoa que Deus colocou na minha historia de vida, meu esposo,

    amigo e companheiro de todas as horas que me ajudou e ajuda DEMAIS.

    A uma anjinha que Deus colocou nas nossas vidas, Mariana, ela que brotou

    dos nossos sorrisos.

    A minha orientadora Profa. Ms. Ktia Vnia Vasconcelos Souto Maior,

    obrigada pela pacincia e dedicao, tambm pelo seu profissionalismo.

    A todos os professores do curso de Psicologia, pela resignao, dedicao e

    ensinamentos disponibilizados nas aulas, cada um de forma especial contribuiu para

    a concluso desse trabalho e para minha formao profissional.

    A todos os funcionrios do Unip, pela ateno, disponibilidade e eficincia.

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    Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.

    Carl Jung

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    RESUMO PEREIRA, Alina Kelle Victor de Barros. O papel da psicologia escolar frente ao bullying infantil. TCC (Formao de Psiclogo) UNIPE. Joo Pessoa, 2012, 40 fls.

    O bullying um problema de ordem comportamental que afeta pessoas no mundo inteiro, est presente nos diversos setores das relaes humanas, sendo conhecido por vrias denominaes. Na escola, o bullying infantil tolhe o desenvolvimento intelectual e mina o desenvolvimento emocional de crianas que por algum motivo se veem repelidas, vilipendiadas e at machucadas por colegas que deveriam dividir entre si suas melhores possibilidades. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma leitura de reviso acerca deste problema escolar sob a tica da psicologia escolar, atravs de uma metodologia exploratria que abrange artigos especializados da rea, bem como obras de autores referenciados que possam embasar um entendimento mais abrangente sobre o bullying infantil e qual o papel da psicologia escolar frente a este grave problema. Conclui-se que o problema seguir, por enquanto, atormentando crianas, adolescentes, professores e famlias, mas que possvel minimizar seus efeitos e at alcanar uma remisso deste sintoma social, desde que todos os envolvidos trabalhem juntos, com nfase na ateno criana e na reestruturao do sistema escolar. Palavras-chave: Bullying. Escola. Famlia.

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    ABSTRACT Bullying is a problem that affects Behavioral people worldwide, is present in various sectors of human relations, and is known by several names. At school, the bullying child hinders intellectual development and undermines the emotional development of children who for some reason find themselves repelled, vilified and even hurt by colleagues who would divide among themselves their best chance. This paper aims to make a reading review school about this issue from the perspective of school psychology through an exploratory methodology that encompasses specialized articles in the area, as well as works by authors referenced and can support a more comprehensive understanding about bullying children and the role of school psychology facing this serious problem. We conclude that the problem will continue for now tormenting children, teens, teachers and families, but you can minimize its effects and to achieve a remission of this symptom social, since everyone involved to work together, with an emphasis in child care and restructuring of the school system. Keyword: Bullying. Family. School.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................... 09

    2 REVISO DA LITERATURA ............................................................................. 13

    2.1 A PSICOLOGIA, A ESCOLA E A INFNCIA .................................................. 13

    2.2 A FAMLIA E OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM .................................. 16

    2.3 BULLYING INFANTIL ...................................................................................... 18

    2.4 VIOLNCIA ESCOLAR ................................................................................... 28

    2.5 ASPECTOS AFETIVOS RELACIONADOS AO BULLYING ............................ 30

    3 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 35

    REFERNCIAS ..................................................................................................... 38

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    1 INTRODUO

    A psicologia escolar adquiriu destaque nas ltimas dcadas, decerto

    impulsionada pela premente necessidade de se atentar ao desenvolvimento tanto

    infantil quanto adulto relacionado educao, que se mostra como a principal via

    de formao e transformao da sociedade frente aos desafios do novo milnio.

    Seja na consecuo de novos mtodos de ensino ou na preveno e

    tratamento de distrbios relacionados aprendizagem, a psicologia escolar tem, nos

    ltimos anos, sua importncia reconhecida tambm neste mbito. Logo, percebemos

    uma crescente disperso dos profissionais que, antigamente, em geral, se

    direcionavam apenas a clnicas e hospitais, mas que agora se dirigem tambm s

    escolas, a fim de fazer ali tambm a psicologia acontecer.

    No entanto, a psicologia escolar no nova, tem suas bases em teorias que

    datam do sculo passado, mas somente h algumas dcadas surge como forma de

    atuao na escola. Segundo Patto (2006), crescente a demanda da psicologia

    escolar relativa no mais somente primeira etapa do ensino fundamental, mas

    tambm s etapas posteriores da educao bsica, tendo em vista o nmero

    gritante de reprovaes que enfrentam todos os estados brasileiros, tanto na esfera

    pblica quanto privada.

    Dentre os diversos problemas relacionados aprendizagem encontrados nas

    escolas brasileiras a exemplo de outros pases, alis est um fenmeno que tem

    encontrado um crescente nos ltimos anos: o bullying infantil. Ainda sem traduo

    para nossa lngua, trata-se de um comportamento antissocial que visa a denigrir a

    imagem de uma pessoa, deixando-a impotente fsica e psicologicamente. As

    atitudes referentes ao bullying mais frequentes so os insultos, a perseguio, os

    trotes, chegando at o extremo da agresso fsica propriamente dita (BOTELHO;

    SOUZA, 2007).

    O caso vem sendo tratado com certa frequncia na mdia, discutido nos

    corredores das escolas, tem sido tema de alguns estudos que sero utilizados nesta

    pesquisa, ou seja, comea a ser assunto tratado pela comunidade leiga e cientfica.

    Entretanto, alguns desses estudos e a prpria observao no cotidiano no meio

    escolar a partir de estgio nos mostra que ainda no h um esforo maior de

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    combate a este tipo de violncia fsica e mental, que muitas vezes ocorre

    silenciosamente.

    Neste sentido, cabe a um trabalho de concluso curso em psicologia escolar

    abordar este mbito da educao brasileira, lanando olhar crtico nos diversos

    estudos encontrados sobre o tema, buscando responder inquietao que

    lanamos como questo-problema: qual o papel possvel da psicologia escolar frente

    problemtica do bullying?

    O bullying infantil um fenmeno sem indicadores sociais ou econmicos.

    Ocorre nas escolas pblicas, nas escolas particulares, entre crianas pobres e filhos

    de pais abastados. um problema crescente e desafiador, que tolhe indeterminado

    nmero de crianas por todo pas num de seus principais direitos: a liberdade.

    As crianas que sofrem bullying so vtimas de relaes de poder desiguais

    promovidas por outras crianas. Algumas destas tambm j sofreram alguma

    agresso do tipo, passando de vtimas a autores, ou no. Indiscriminadamente,

    grupos de crianas agridem outras crianas para manuteno dessas relaes de

    poder, muitas vezes como compensao da violncia familiar sofrida em casa, ou

    por distrbios psicolgicos que surgem logo na infncia, e por uma srie de outros

    fatores que pretendemos discutir neste trabalho.

    A presente monografia se justifica, ento, pela emergncia do tema, que

    confere grande importncia, uma vez que envolve crianas em situao de violncia

    fsica e psicolgica, podendo haver danos irreversveis a nvel emocional e

    comportamental para sua vida adulta. Alm disso, h o premente prejuzo vida

    escolar da criana vtima de bullying, muitas vezes atribudo a fatores outros, uma

    vez que o bullying ocorre de forma silenciosa.

    Para abarcar toda esta problemtica, ser necessrio no somente se

    restringir ao mbito da psicologia escolar, mas tambm recorrer a contribuies da

    psicologia clnica para entender o que se passa por trs do fenmeno bullying

    infantil, quais so suas prerrogativas e as formas de se identificar episdios no

    espao escolar.

    Neste sentido, a presente monografia tende a contribuir no somente com a

    discusso acerca do tema, mas com a disponibilizao de material revisado para os

    profissionais da rea escolar: psiclogos, educadores, psicopedagogos e outros, de

    forma a embasar prticas escolares e clnicas. Uma vez que o tema ainda no foi

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    suficientemente debatido no meio acadmico, este trabalho servir de um adendo a

    esta discusso.

    Os objetivos so parte fundamental de uma monografia. Segundo Minayo

    (2001), devem estar de acordo com a questo-problema, e no devem fugir do tema

    proposto. A autora ainda aponta que os objetivos servem como norteadores para a

    pesquisa a ser realizada, independente de seu tipo, e devem ser divididos em geral

    e especficos.

    O objetivo geral deste trabalho monogrfico identificar as possveis

    atuaes da psicologia escolar frente ao bullying infantil.

    Especificamente, pretendemos:

    Levantar dados cientficos sobre bullying infantil, especialmente no mbito

    escolar.

    Verificar as contribuies da psicologia escolar no estudo do bullying infantil.

    Apontar possibilidades de atuao e interveno da psicologia nas escolas

    em preveno ao bullying infantil.

    O presente estudo caracteriza por ser, segundo os seus procedimentos

    tcnicos, uma pesquisa de reviso bibliogrfica (GIL, 2010). Nesta, procuramos

    realizar uma busca na literatura sobre problemas de aprendizagem e bullying

    estudos que possam embasar o corpo terico, de modo a alcanar os objetivos

    propostos. Segundo Gil (2010), a reviso bibliogrfica, levando-se em considerao

    seus objetivos, trata-se de uma pesquisa do tipo exploratria.

    A pesquisa cientfica se apia em fundamentos tericos que sustentam a formulao de um problema e na adoo de tcnicas e de instrumentos de pesquisa. As diferentes reas de conhecimentos mantm candentes debates sobre os fundamentos dos conhecimentos cientficos e seus limites, e sobre as tcnicas e os instrumentos de validao do saber. Para informar-se da situao desses debates fundamental que o pesquisador se oriente e se fundamente atravs de uma criteriosa reviso bibliogrfica (GIL, 2010, p.79).

    Percebemos, a partir da citao acima, que preciso manter certa

    criteriosidade tanto na pesquisa quanto na montagem do trabalho cientfico de

    reviso bibliogrfica. E, mesmo em estudos qualitativos, quantitativos e outros,

    essencial e basilar a reviso bibliogrfica feita com responsabilidade e com

    observncia s normas autorais vigentes.

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    O arcabouo terico montado a partir da reviso bibliogrfica permite ao autor

    se basear a respeito do assunto estudado (GIL, 2010), de modo a estar mais apto a

    fazer observaes vlidas ao final do trabalho, em suas consideraes. No caso da

    presente monografia, entendemos que o fato de se tratar de uma anlise sobre dois

    temas associados problemas de aprendizagem e bullying o torna mais rico, ou

    seja, com uma reviso bibliogrfica mais ampla, convergindo nas possibilidades de

    atuao do(a) psiclogo(a) no mbito escolar.

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    2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 A PSICOLOGIA, A ESCOLA E A INFNCIA

    Estudos mostram que cerca de 20% das crianas em idade escolar sofrem de

    algum transtorno psicolgico severo, ou seja, que pode afetar seu desenvolvimento

    intelectual e afetivo. Desta estimativa, presume-se que menos de um quinto tenha

    assistncia especializada, ou seja, atendimento por parte de psiclogos e/ou

    psicopedagogos (BARROS, 2010).

    Estes ndices, apesar de serem inconclusivos e no se restringirem ao

    cenrio nacional, indicam que as crianas em idade escolar tm recebido pouca ou,

    em muitos casos, nenhuma ateno por parte dos responsveis, sejam eles os pais,

    a escola ou o prprio poder pblico.

    Apesar da crescente demanda por psiclogos escolares e do aumento da

    especializao nesta rea, percebe-se que as escolas ainda no possuem quadros

    efetivos suficientes para o atendimento das crianas, bem como o planejamento

    educacional para otimizao do aprendizado. Hoje em dia, ainda mais frequente a

    viso do psiclogo escolar como aquele profissional que fica numa sala separada da

    escola, para onde vo os alunos tidos como problemticos, onde faz um pontual e

    ineficaz atendimento clnico (PATTO, 2006).

    A escola, assim como qualquer instituio social, sempre foi e ser fonte de

    diversos problemas de ordem relacional, a exemplo do tema que ora propomos.

    Diversos so os fatores envolvidos, seria intil tentar abarcar todos eles, alm de

    que no se configuram no escopo desta pesquisa. No obstante, clara a

    impresso de que os problemas de aprendizagem vivenciados na educao bsica

    brasileira so de ordem estrutural, ou seja, esto postos h muito tempo e fazem

    parte da prpria construo da educao em nosso pas (BOTELHO;SOUZA,2007).

    A chamada educao bancria, atravs da qual, historicamente, vem-se

    depositando conhecimento nos alunos, certamente uma das responsveis por

    vrios dos problemas encontrados hoje em dia nas escolas. Aliada a ela est a

    noo de verticalizao na relao professor-aluno, ou seja, onde se entende que o

    professor to-somente uma figura de autoridade para com o estudante, e a relao

    entre os dois se d de cima pra baixo, do professor ao aluno (PATTO, 2006).

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    Essa viso promove nas crianas um sentimento de impotncia, uma

    percepo de que, na escola, seu papel meramente de sujeio, de dever para

    com a aprendizado forado que foi a prtica vigente nas escolas brasileiras durante

    vrias dcadas (BOTELHO;SOUZA, 2007). Interessante ressaltar que os

    professores, enquanto figuras de referncia para seus alunos, acabaram, por muito

    tempo, passando uma viso dominadora do saber e das relaes no mbito escolar.

    A infncia a idade do desenvolvimento humano mais crtica em diversos

    aspectos, especialmente o cognitivo. Isto implica dizer que nesta idade deve ser

    focada a maior ateno possvel nos processos de aprendizagem da criana, de

    modo que esta possa aproveitar ao mximo os estmulos que lhe so passados na

    escola, em casa e na sociedade como um todo.

    Neste sentido, Neves et al. (2002) apontam que diversos parmetros devem

    ser observados no ambiente escolar, de modo a otimizar esta aprendizagem. Dentre

    eles est o aspecto emocional uma criana que comparea escola abalada por

    um evento familiar traumtico, por exemplo, evidentemente ter sua aprendizagem

    dificultada, pois cairo seus nveis de ateno e de motivao, principalmente. Os

    autores sugerem que, sendo esses dois aspectos dos mais importantes para

    assimilao do conhecimento, a criana que estiver sob constante tenso emocional

    ter uma ateno dispersa em sala de aula, bem como faltar motivao para as

    atividades de classe e de casa.

    Para alm do habitual exemplo dos conflitos caseiros, temos problemas que

    surgem dentro da prpria escola, dentre os quais apontamos como problema de

    nosso estudo o bullying infantil, o qual ser abordado mais especificamente adiante.

    Quando o problema surge dentro do prprio ambiente escolar, a participao dos

    profissionais envolvidos se torna especialmente necessria, pois so eles que

    podem perceber os sintomas de uma criana que est prejudicada intelectualmente

    devido sua situao emocional.

    Em primeiro lugar, est o professor, como agente que est em contato

    constante com os alunos. No dia-a-dia da sala de aula, ele quem pode perceber o

    embotamento da criana, seu afastamento das atividades grupais, seu isolamento

    de certo grupo de colegas, dentre outros sintomas clssicos que afligem a criana

    que est sofrendo bullying. Em geral, o melhor procedimento a ser realizado o

    direcionamento da vtima ao acompanhamento psicopedaggico e/ou psicolgico,

    bem como informar administrao a situao que possa estar ocorrendo.

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    Mascarenhas (2006, p.96) entende o papel do professor como essencial no

    controle deste e de outros comportamentos de indisciplina no seio da escola:

    importante que os docentes sejam alertados acerca dos efeitos que a atividade em

    sala de aula em estabelecimentos de ensino onde o bullying e a indisciplina no

    sejam controlados pode provocar em sua sade emocional ao longo dos anos. Uma

    inovao no pensamento do autor se d a respeito do fato de que os professores

    tambm podem estar sujeitos aos efeitos do bullying, especialmente em salas de

    aula do ensino mdio, onde os alunos j tm condies fsicas, especialmente, de

    infligir danos aos docentes.

    Porm, nem todos os autores tratam a temtica da mesma forma, sob a

    mesma tica. Para alguns, a prpria conceituao de bullying pode ser questionada,

    apesar de que o problema seja reconhecido. Antunes; Zurim (2008) argumentam

    que este conceito pode ser entendido como um produto de um tipo de razo

    coisificada, e que serve para basear ou justificar o entendimento de que deve haver

    uma padronizao do comportamento humano, especialmente das crianas, base

    das sociedades.

    Para estes autores, delinear o bullying como se tem feito um processo de

    instrumentalizao que pode mascarar reais causas do fenmeno. Por trs de

    garotos que assediam fsica, moral e sexualmente outros garotos em escolas, h

    toda uma conjuntura social desigual, a qual tende a ser aceita pelos grupos

    dominantes, os quais buscam instrumentos como a cincia, por exemplo para

    normatizar, padronizar. A desigualdade social uma marca forte de nosso pas, e

    aceitar tal discrepncia do interesse de alguns para os quais apontar uma

    sintomatologia pode significar uma justificativa para este processo de aceitao

    (ANTUNES; ZURIM, 2008).

    Vale ressaltar que os argumentos acima no negam a problemtica do

    bullying, apenas questionam a forma como a cincia a nvel internacional e,

    recentemente, aplicada no Brasil tem abordado o tema. Trata-se de uma viso

    poltica, mas que no deve ser descartada no estudo sobre bullying, apesar de no

    ser nosso foco de estudo no momento. Essa posio diferenciada dos autores

    supracitados s vem ressaltar o quanto importante que se discuta essa temtica

    no somente no meio escolar e nos consultrios de psicologia, nas salas de

    psicopedagogia, mas no meio acadmico, de modo que os psiclogos em formao

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    tenham em seu arcabouo terico uma gama maior de nuances acerca desta

    problemtica.

    2.2 A FAMLIA E OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM

    Os problemas de aprendizagem representam um dos assuntos do sistema

    educacional brasileiro mais discutidos. Porm, o que ocorre muitas vezes a busca

    pelos culpados de tal fracasso. Percebe-se, ento, um jogo em que se culpa a

    criana, a famlia, uma determinada classe social, alm de todo um sistema

    econmico, poltico e social. Segundo Fernndez (2001, p.84): a culpa, o

    considerar-se culpado, em geral, est no nvel imaginrio. A autora prefere, ao

    invs da culpa, focar sua anlise na responsabilidade. Para ser responsvel por

    seus atos, necessrio poder sair do lugar da culpa, o que no um movimento

    fcil na discusso entre famlia e escola.

    A sociedade busca cada vez mais o xito profissional, a competncia a

    qualquer custo, e a escola tambm segue esta concepo. Aqueles que no

    conseguem responder s exigncias da instituio podem sofrer com um problema

    de aprendizagem. A busca incansvel e imediata pela perfeio leva rotulao

    daqueles que no se encaixam nos parmetros impostos.

    Assim, torna-se comum o surgimento, em todas as instituies educativas, de

    crianas-problemas: dislxicas, hiperativas, agressivas. Esses so alguns dos

    estigmas que se tornam parte da identidade do sujeito que foge ao comum e

    esperado. Desta forma, ao passar pelo porto da escola, a criana assume o papel

    que lhe foi atribudo e tende a correspond-lo. Porm, ao conceder este rtulo, no

    se observa em quais circunstncias se apresentam tais dificuldades. Isso no

    apenas uma diferena terminolgica, revela tambm uma possibilidade de mudana.

    A sociedade do xito educa e domestica. Seus valores, mitos relativos

    aprendizagem levam muitos ao fracasso. Atualmente, o conhecimento considerado

    contedo, uma informao a ser transmitida. As atividades visam assimilao da

    realidade e no a discusso, a criticidade, o que limita os alunos a receptores

    passivos de conhecimento (NEVES et al., 2002).

    preciso distinguir aquilo que prprio da criana, em termos de

    dificuldades, daquilo que ela reflete em relao ao sistema em que se insere. A

    famlia, por sua vez, tambm responsvel pela aprendizagem da criana, j que os

  • 17

    pais so os primeiros ensinantes e as atitudes destes frente s emergncias de

    autoria do aprendente, se repetidas constantemente, iro determinar a modalidade

    de aprendizagem dos filhos (FERNNDEZ, 2001, p.103).

    Quando se fala em famlias possibilitadoras de aprendizagem, tem-se uma

    tendncia a excluir as famlias de classes baixas, j que estas no podem fornecer

    uma qualidade de vida satisfatria, uma alimentao adequada e acesso a diversas

    formas de cultura. Entretanto, possvel a existncia de facilitadores de autoria de

    pensamento, mesmo convivendo com carncias econmicas.

    Fernndez (2001) cita uma pesquisa com famlias de classe baixa

    facilitadoras da aprendizagem. O que as caracteriza a criao de um espao

    favorvel para que cada membro possa escolher e se responsabilizar pelo

    escolhido, propiciando um espao para a autoria de pensamento. O perguntar

    possvel e favorecido, pois h facilidade de aceitar as diferentes opinies e ideias

    que no so comuns em famlias produtoras de problemas de aprendizagem.

    Alm disso, segundo Maud Mannoni (1991, apud PRISZKULNIK, 1995), um

    sintoma no deve ser considerado de forma nica, mas dentro de um contexto muito

    mais amplo e repleto de significados. Assim acontece com o fracasso escolar: pode

    assumir, dentro da famlia, uma funo. Da a necessidade de buscar o significado

    do no aprender, analisando a histria de vida do sujeito e buscando uma

    significao das fantasias relacionadas ao ato de aprender.

    Tambm contribuem para o fracasso escolar a prpria instituio educativa

    que, muitas vezes, no leva em considerao a viso de mundo do aprendente. As

    discrepncias entre o desempenho fora e dentro da escola so significativas. Ou

    seja, muitas vezes, os profissionais da educao no conseguem transpor o

    conhecimento ensinando para a realidade do aprendente. Na escola, alguns alunos

    podem ter os piores resultados, porm, em situaes naturais, cotidianas e que

    necessitam de um raciocnio matemtico, sua capacidade surpreendente

    (CARRAHER; SCHLIEMAN; CARRAHER, 1995).

    Outra questo referente escola que esta, ao valorizar a inteligncia,

    esquece a interferncia afetiva na no aprendizagem. O sujeito pode estar em

    dificuldades de aprender por ter ligado este fato a uma situao de desprazer. Esta

    situao pode estar ligada a algum acontecimento escolar tambm menciona em

    seus estudos (PATTO,2006). Neste sentido, as dificuldades de aprendizagem

    podem estar ligadas com outros problemas escolares, como o bullying. Num

  • 18

    ambiente onde a inteligncia e o desempenho conta mais que a afetividade,

    problemas relacionados a este trao da personalidade tendem a ser ignorados.

    2.3 BULLYING INFANTIL

    No h uma traduo exata para o termo bullying, derivado do ingls. A maior

    aproximao que se pode fazer do termo bully, popular nos Estados Unidos e que

    designa aquele garoto da escola que tende a ser o mais valente, o brigo

    (SILVA,2010). Essa associao advm do fato de que o bullying uma prtica que

    envolve, geralmente, agresso fsica, estereotipada na figura do garoto que,

    dominando outros colegas, atinge um alvo especfico, outro colega da escola.

    Imagem esta bastante difundida em filmes americanos.

    Para Silva (2010, p.13), bullying pode ser classificado como o

    comportamento agressivo, repetitivo e intencional direcionado a um alvo em

    especfico. O autor ainda coloca que este um fenmeno antigo, existente desde

    que se tem notcia da educao. Observa, ento, que a visibilidade por parte da

    sociedade s ocorre atualmente de forma mais abrangente devido a eventos

    relativamente recentes, quando jovens entraram armados em escolas norte-

    americanas, massacrando vrios colegas estes assassinos, quando em idade

    mais tenra, foram submetidos a bullying, e utilizaram esta atitude extrema como

    meio de vingana e de eliminao daquele ambiente e daquelas pessoas que um dia

    o fizeram sofrer.

    Ento, podemos dizer que tratamos de um problema bastante atual. No

    cenrio nacional, a famosa tragdia ocorrida em Realengo, bairro situado na zona

    oeste do municpio do Rio de Janeiro, capital. Um ex-aluno entrou armado na

    escola, efetuando uma das mais chocantes chacinas que se tem notcia no pas.

    Dias depois, investigaes dos principais meios de comunicao revelaram que o

    jovem que matou vrias crianas e depois se matou teria sofrido bullying durante o

    tempo de estudante.

    Uma tragdia deste tipo pe profissionais da educao para pensar:

    possvel detectar o bullying nas escolas? O que fazer quando se comprova que uma

    criana sofre esse tipo de agresso? Que medidas tomar para com os autores desta

    violncia?

  • 19

    Silva (2010) destaca que uma das principais formas de se perceber o bullying

    na diferenciao de outros tipos de evento. Por exemplo, o bullying infantil

    diferente da brincadeira infantil: numa brincadeira, percebe-se que todas as crianas

    se divertem, e quando destacado alguma caracterstica cmica de uma delas,

    tambm se faz com os outros, e todos participam igualmente, divertindo-se

    igualmente. J no bullying infantil, somente uma criana visada, os outros se

    divertem de forma agressiva s suas custas e no h nenhum tipo de compensao

    para o alvo das brincadeiras.

    Coutto et al. (2007) frisam um carter importante a ser observado para

    identificao do bullying: a intencionalidade. No raro, brincadeiras de crianas

    terminam em leses fsicas, sem que para isso tenha havido uma vontade por parte

    do causador do machucado. No caso do bullying, observam os autores, h um

    carter volitivo da parte do autor do assdio: pretende-se machucar, pois a vtima

    considerada um alvo que constantemente atacado.

    Neste sentido, observamos outro carter que pode ser percebido no bullying

    a continuidade da agresso. O alvo, por se tratar de uma criana insegura e com a

    autoestima baixa, no costuma se defender, e quando o faz, de forma tmida e

    ineficaz. Assim, o grupo que agride o alvo o faz de forma repetida e continuada,

    geralmente, aumentando o nvel das brincadeiras, que podem comear com leves

    insultos at a agresso fsica propriamente dita, e cada vez mais grave. A est,

    inclusive, o risco integridade fsica da criana, que pode ser marcada para sempre

    com cicatrizes oriundas da violncia (LOPES NETO, 2005).

    E no so somente as cicatrizes fsicas que podem marcar a criana vtima

    de bullying. Outra diferenciao feita por Silva (2010, p.5) a respeito do carter

    traumtico do bullying. Segundo o autor, o maior prejuzo causado por este tipo de

    violncia o psquico, pois pode causar traumas irreparveis ao psiquismo das

    vtimas, o que comprometer sua sade fsica e mental, alm do desenvolvimento

    socioeducacional.

    Trata-se de um aspecto contundente da prtica do bullying infantil, uma vez

    que, como comentado na sesso anterior, a infncia a idade mais propensa

    formao estrutural do psiquismo do sujeito. Ou seja, a partir do bullying, uma

    criana com o desenvolvimento normal pode passar a ser um sujeito agressivo,

    antissocial, isolado etc., alm da possibilidade de ter seu desenvolvimento intelectual

  • 20

    tambm afetado, j que a disperso durante as aulas um dos sintomas apontados

    para estes casos.

    Vrios podem ser os sintomas apresentados pelas crianas que sofrem

    bullying. Dentre eles, podemos destacar: a dificuldade de aprendizagem, evitao

    escolar, agressividade, embotamento no ambiente familiar e outros. As crianas

    vtimas de bullying frequentemente apresentam um contedo escondido,

    inconsciente, que no se pode ou no se quer revelar, pois acarreta sofrimento,

    culpa, mina sua autoestima e os coloca frente sua impotncia (GUEDES;

    MARTELETO; KOPELMAN, 2005).

    A autoestima baixa, inclusive, um dos principais alvos abordados pelos

    autores de bullying: em geral, eles fazem a criana se sentir menosprezada,

    diminuda, especialmente em comparao aos autores e testemunhas da agresso.

    Ridicularizar o outro o principal meio de se perpetrar o bullying, deixando a vtima

    indefesa e insegura de si mesma.

    A violncia escolar, sob a forma cruel do bullying, e seus desdobramentos fsicoemocionais interferem de forma destrutiva no processo normal de desenvolvimento e aprendizagem escolar da criana. Reflexos e conseqncias futuras dessa violncia dependero da idade, da intensidade, do tempo de exposio ao bullying, de habilidades sociais, da resilincia desenvolvida e dos recursos, disponveis no enfrentamento da situao de catstrofe e pnico (GUEDES; MARTELETO;KOPELMAN, 2005, p.2).

    A criana, ao entrar em contato com esta esfera de catstrofe e pnico

    indicada acima, pode passar a ser uma criana ansiosa, podendo tambm

    desenvolver sndromes mais graves, como a sndrome do pnico, bem como fobias

    a objetos ou situaes ligados aos episdios de violncia que sofreram na infncia

    (SILVA, 2010).

    E por que algumas crianas sofrem bullying, enquanto outras, no? Esta

    pergunta frequentemente feita por pais de alunos nesta situao, e facilmente

    respondida se atentarmos ao fato de que da natureza humana a agressividade e o

    exerccio das relaes de poder. Alm disso, historicamente, percebemos a sujeio

    dos indivduos tidos como diferentes por parte da massa que segue os preceitos

    sociais vigentes.

    Mascarenhas (2006, p.98) destaca que as diferenas, sejam elas quais forem,

    fazem parte da convivncia social, das relaes humanas naturais, e no deveriam

  • 21

    ser motivo de comportamentos antissociais. Neste sentido, cabe aos educadores e

    responsveis pelos diversos mbitos de convivncia (escolar, recreativa etc.)

    estarem vigilantes e fomentar um discurso de aceitao, respeito e compreenso

    das diferenas entre as crianas. No algo de extraordinrio, a autora se refere ao

    respeito mtuo que deve ser caracterstica de toda populao humana, entre todas

    as classes socais, tnicas e outras. A autora faz aluso a um clube, onde se deseja

    entrar e sair, de modo que a humanidade no se trata de um clube, mas sim de um

    algo onde se inserido no nascimento e, a partir da, preciso respeitar e ser

    respeitado para que se tenha uma vida plena e satisfatria em termos de bem estar

    fsico, psquico.

    Podemos perceber, segundo colocado acima, que a emergncia do bullying

    passa por problemas de ordem social j presentes, e que so representados pelas

    crianas, que aprendem com os adultos a violncia, o desrespeito para com o

    prximo e at mesmo a falta de noo de quem vem a ser o prximo.

    Ainda de acordo com Mascarenhas (2006, p.99):

    Diferentes estudos concluem que o ser humano aprende a ser humano por meio do processo educativo. Ser humano ser naturalmente diferente dado que no existem sujeitos iguais nem na perspectiva biolgica nem na perspectiva histrica e cognitiva. (...) A gesto institucional do fenmeno do bullying e da indisciplina precisar ser efetiva como condio para implementar a preveno da sade emocional de professores, estudantes e demais profissionais que interatuam no ambiente escolar.

    Para Couto (2007, p.14), a administrao do problema do bullying e da

    indisciplina em geral nas escolas deve ser atividade de rotina, de preveno, e no

    de remediao, no de forma a resolver um problema j instalado. Os envolvidos na

    vida escolar (gestores, professores, psiclogos, psicopedagogos, assistentes sociais

    etc.) devem priorizar o planejamento escolar que leve em considerao tambm o

    diagnstico e a preveno do bullying e da indisciplina na instituio, de modo a

    fazer cumprir e respeitar os direitos e deveres da cidadania. No sendo algo

    extraordinrio, trata-se de garantir o fortalecimento de fundamentos da sociedade

    justa e igualitria.

    Para os autores, a argumentao acima encontra justificativa no fato de que

    na escola so formados os prximos adultos, a gerao que ir reger o pas e

  • 22

    educar as crianas do futuro, ou seja, uma questo de priorizar e defender os

    ideais de sociedade civilizada que tanto se custou a estabelecer.

    Mascarenhas (2006, p.100) critica veementemente a forma como se tratam as

    diferenas em sociedade, especialmente no Brasil. Faz uma comparao selva

    amaznica, destacando que no de forma to rude que se deve perpetrar a vida

    em sociedade. Vivemos num pas de disparidades nos mais diversos aspectos da

    existncia humana, e a diferena, justamente, entre o homem civilizado e o animal

    da selva o respeito para com o outro, a compreenso, as relaes dialticas que

    formam, enfim, o arcabouo humano.

    Para alm do aparente exagero da autora, podemos argumentar que vivemos

    numa sociedade que a cada dia mais est envolvida no que se chama banalizao

    da violncia. Programas de tev, filmes, jogos eletrnicos, diversos so os meios

    atravs dos quais produtores inescrupulosos expem as crianas aos mais severos

    contedos violentos, e os pases incluindo o Brasil pouco ou nada tm feito no

    sentido de coibir estas prticas. Em alguns dos casos de alunos que exerceram a

    barbrie nas escolas, matando seus antigos colegas, encontraram-se em suas

    casas jogos e vdeos de contedo extremamente violento.

    Apesar de ser um assunto bastante discutido a nvel nacional e internacional,

    especialmente no tocante s mdias televisivas, o bullying um terreno pouco

    explorado no Brasil cientificamente. Segundo Couto et al. (2010), desde 2001,

    porm, a Associao Multiprofissional de Proteo Infncia e Adolescncia

    (Abrapia) tem pesquisado sobre o tema.

    Os autores trazem alguns dados alarmantes:

    No perodo compreendido entre novembro e dezembro de 2002 e maro de 2003, a ABRAPIA realizou uma pesquisa, por meio de questionrios distribudos a alunos de 5 a 8 srie de 11 escolas (nove pblicas e duas particulares), no estado do Rio de Janeiro. Os resultados apontam alguns dados bastante significativos. Dos 5.482 alunos participantes, 40,5% (2.217) admitiram ter tido algum tipo de envolvimento direto na prtica do bullying, seja como alvo (vtima), seja como autor(agressor). Houve um pequeno predomnio do sexo masculino (50,5%) sobre o sexo feminino (49,5%) na participao ativa das condutas de bullying (COUTO et al., 2010, p.12).

    Os dados sugerem que cerca de metade das crianas que serviram como

    amostra no estudo tem ligao com o bullying, o que representa uma margem

    assustadora. Se esta amostra sugerir os dados reais concernentes ao restante da

  • 23

    populao escolar brasileira, podemos dizer que se trata de um grave problema

    educacional, que envolve outros mbitos tambm, em especial, a psicologia.

    O estudo realizado pela Abrapia ainda revela que os episdios de assdio

    ocorrem principalmente nas classes (60,2%), ou seja, nos prprios ambientes de

    estudo. Tambm podem ocorrer durante os intervalos (16,1%) e at mesmo na

    sada das escolas (15,9%).

    Silva (2010) ainda coloca este momento como um dos mais perigosos. A

    sada da escola, para os alunos que se dirigem a suas casas sem acompanhamento

    dos pais, torna-se um momento altamente propenso para a ocasio do bullying. O

    conhecido jargo te pego l fora passa de mero dito presente na literatura e nos

    filmes para uma prtica violenta que atinge milhares de crianas em todo o pas. O

    estudo acima mencionado ainda identificou que pouco mais da metade das crianas

    que so alvos do bullying admitiram que no comunicam os pais nem a

    administrao da escola sobre o que acontece.

    Este comportamento entendido por Mascarenhas (2006) como uma atitude

    de autopreservao, ao contrrio do que possa parecer. Se a criana admite ou

    denuncia o bullying, v-se em perigo de duas formas. Primeiro, passam a imagem

    de desprotegidas, frgeis, o que especialmente difcil para os meninos. Segundo,

    mas no menos importante, o medo da retaliao por parte dos agressores: muitas

    vezes, quando a criana denuncia a violncia e a administrao da escola no toma

    as devidas providncias, os agressores tendem a se vingar do alvo, reiterando assim

    o comportamento assediador, ajudando a perpetuar as agresses.

    O assdio que caracterizado como bullying, a agresso marcada pelas

    palavras, no necessariamente as ditas s vitimas, mas os imperativos presentes no

    imaginrio de quem pratica. Abaixo, seguem alguns dos principais nomes que

    podem ser ligados ao bullying:

    Quadro 01: Verbos relacionados prtica de bullying

    Palavras que caracterizam violncia

    Psicolgica

    Palavras que caracterizam

    violncia Fsica

    Apelidar Ignorar Agredir

    Ofender Intimidar Apertar

    Zoar Perseguir Bater

  • 24

    Gozar Assediar Beliscar

    Encarnar Aterrorizar Chutar

    Provocar Amedrontar Cuspir

    Sacanear Tiranizar Morder

    Humilhar Dominar Empurrar

    Fazer sofrer Ridicularizar Ferir

    Discriminar Isolar Roubar

    Excluir Quebrar pertences

    Fonte: Adaptado: Lopes Neto; Saavedra, 2003.

    Como se pode ver, so vrias as formas de se atingir algum, outra criana,

    no mbito escolar. Desde estojos quebrados a ameaas contra a sade a vida do

    outro, o bullying ocorre diversificada e que pode ser nomeada e pensada tambm de

    vrias formas. Naturalmente, a classificao acima no leva em considerao os

    regionalismos, ou seja, provvel que alguns destes verbos no estejam presentes

    em nossa cultura, nordestina, porm, possvel ter uma ideia de como se pensa

    este assdio.

    Estudos brasileiros Silva, 2010; Nogueira, 2005, apontam um interessante

    fator relacionado ao bullying infantil no pas, seguindo uma tendncia de outros

    estudos a nvel internacional. Tambm h, no bullying, certa diferenciao entre

    gneros: meninas tendem a assediar os alvos mais pela via moral, com calnias,

    difamaes, os famosos fuxicos e mexericos que fazem parte do cotidiano das

    escolas; j entre os garotos, percebe-se que a agresso, em geral, fsica, com

    nfase na exposio ao ridculo oriunda destas aes violentas. O garoto espancado

    e, logo aps, jogado na lixeira um exemplo corrente desse tipo de agresso.

    A maioria dos alunos que sofrem bullying so os meninos, assim como os

    envolvidos. Geralmente, crianas mais velhas praticam bullying com crianas mais

    novas, o que caracteriza algo clssico do fenmeno, que a sujeio fsica.

    Segundo Calbo (2009), o sexo masculino naturalmente mais tendencioso

    agressividade e hostilidade. Tambm, observa que indivduos do sexo masculinos

    em geral apresentam maior participao nos nmeros relativos a alguns transtornos

  • 25

    comuns a crianas em idade escolar, como transtorno de conduta, transtorno

    opositor-desafiante, entre outros.

    A relao entre comportamentos agressivos e gnero notria, uma vez que os meninos mostraram mais caractersticas de agressividade direta do que as meninas, alm de serem mais vitimizados. Esses achados evidenciam que o fenmeno de bullying est fortemente associado ao sexo masculino, sobretudo nos casos de agresso fsica e verbal (CALBO, 2009, p.78).

    Como j observado, a tendncia feminina quanto a este fenmeno mais

    relativa intimidao verbal, depreciao. Talvez por isso haja uma maior

    dificuldade de identificar esses casos, de modo que se pode passar despercebido ao

    educador/psiclogo/pai.

    Em geral, as crianas que sofrem bullying procuram dois personagens: os

    pais e os professores. Enquanto os pais em geral recorrem escola para tomar

    satisfaes com os educadores, percebe-se que estes muitas vezes no

    apresentam resposta adequada, e mesmo a escola na pessoa da

    diretoria/coordenao no possui um plano de atuao na preveno e interveno

    nesses casos (FRANCISCO; LIBRIO, 2009).

    Nem sempre uma questo de boa ou m vontade. Frente denncia feita

    por um aluno a respeito de outro ou um grupo, o professor muitas vezes no atua

    efetivamente por no saber o que fazer. Quando diferenciar uma simples brincadeira

    infantil que por ora exagerou de uma prtica velada de bullying? Essa delimitao

    ainda difcil para muitos, at mesmo para psiclogos educacionais no dia-a-dia

    escolar. Muitas vezes, a soluo repassar para os superiores, quando se acha que

    o problema pode ser grave, o que tambm no significa que haja por parte destes

    um saber relacionado ao tema.

    Alm disso, geralmente se parte do fator fsico para atribuio de gravidade:

    se h algum machucado, recebe-se muito mais ateno de um professor ou pai do

    que se no h leses fsicas. No entanto, o prejuzo a nvel emocional ocorre, e

    muitas das vezes segue no percebido, ocultado pela prpria vtima da prtica de

    bullying.

    As leses fsicas, inclusive, so marcas que no so somente vistas no corpo,

    simbolizam a violncia sofrida pelo filho e, por outro lado, ajudam a formar outra

    forma de violncia: o preconceito. Em face de um problema que no sabem resolver,

  • 26

    pais, professores e responsveis acabam por mistificar toda a problemtica do

    bullying, vitimizando quem tambm, talvez, precisasse de ateno especializada.

    Antunes; Zurim (2008) argumentam ainda que a falta de solues mais

    eficazes para o problema acabam por denunciar a falha de um sistema. Segundo os

    autores, comportamentos de ataque s vezes to absurdos e humilhantes no mais

    do que denunciam as falhas de uma sociedade que d cada vez menos espao para

    o cultivo das relaes humanas saudveis.

    H uma considervel gama de consequncias decorrentes do bullying que

    podem ser observadas facilmente, e que devem ser investigadas pelos pais e

    responsveis, assim como os profissionais das escolas. Abaixo, o resultado de uma

    pesquisa feita com 69 alunos do ensino mdio.

    Tabela 01: Consequncias aferidas em vtimas de bullying Itens %

    01 Agressividade 77

    02 Alteraes do sono 36

    03 Anorexia 26

    04 Ansiedade 51

    05 Autoflagelao 33

    06 Bulimia 28

    07 Cefaleia 33

    08 Depresso 55

    09 Desmaios 17

    10 Dor de estmago 22

    11 Dores em extremidades do corpo 6

    12 Enurese noturna 29

    13 Insegurana quanto escola 77

    14 Irritabilidade 57

  • 27

    15 Isolamento 70

    16 Rendimento escolar baixo 65

    17 Pnico 33

    18 Paralisias 10

    19 Perda de memria 9

    20 Queixas visuais 16

    21 Medo 41

    22 Resistncia escola 70

    23 Sndrome do intestino irritvel 25

    24 Ideao suicida 32

    25 Vmitos 26

    Fonte: Adaptado: Silva, 2010.

    Alguns dos itens merecem destaque. Por exemplo, a resistncia escola e o

    sentimento de insegurana na instituio quase coincidem, ultrapassando os 70%.

    Isto demonstra que a escola passa a ser, de um ambiente de convivncia

    harmoniosa, como deveria ser, a um ambiente hostil e eliciador de sentimentos

    negativos.

    Sintomas relativos labilidade de humor, como irritabilidade e isolamento

    tambm se mostram bastantes presentes nas crianas que sofrem bullying, de

    acordo com a pesquisa de Silva (2010). Porm, o item que mais chama ateno,

    talvez por ser o mais grave, a ideao suicida, corrente em 32% dos alunos

    vtimas de bullying. Trata-se de um dado que, mesmo no sendo corroborado em

    outras pesquisas, merece ateno por parte de todos os envolvidos, por se tratar da

    vida dos alunos.

    Sintomas psicossomticos figuram em grande frequncia na lista acima, como

    vmitos, intestino irritvel, desmaios, dores, paralisias, dentre vrios outros que

    formam a maior parte dos itens sugeridos. Vale, ento, a ateno dos profissionais

    no sentido de buscar outro tipo de ajuda, neste caso, clnica, no somente da

    psicologia escolar. Neste sentido, vale salientar que o psiclogo escolar, por melhor

  • 28

    profissional que seja, em algum momento estar limitado acerca de tratar problemas

    clnicos na escola.

    2.4 VIOLNCIA ESCOLAR

    consenso que a violncia no mbito escolar sempre existiu, faz parte tanto

    do ambiente da escola como uma caracterstica inata do desenvolvimento infantil,

    em termos de agressividade, pelo menos a priori. Crianas e adolescentes se

    expressam atravs da agresso fsica e verbal desde os primrdios, desde

    internatos a escolas de artfices etc. Porm, notrio que a violncia escolar

    enquanto problema tem estado mais em nfase do que nunca, especialmente para

    estudos realizados por psiclogos e cientistas de reas afins.

    Se a agresso fsica e verbal uma forma de expresso, expresso de

    algo, segundo Rosa et. al. (2000). A criana que agride o colega, seja como

    retaliao, seja como perpetradora do conflito, tem algo mascarado pelo seu ato,

    promove uma comunicao que infelizmente no tem sido entendida por pais,

    professores, profissionais psi, entre outros. Assim, alguns estudos Seixas, 2005;

    Almeida; Calbo, 2009, tm especialmente na ltima dcada, abordado este tema

    como central.

    Como aponta Seixas (2005, p.98):

    As repercusses decorrentes da vivncia de situaes de violncia escolar tm vindo progressivamente a ganhar maior dimenso nas diversas investigaes levadas a cabo. Quer se tratem de consequncias ao nvel do progresso e integrao educativa, quer se tratem, de um modo mais abrangente, de consequncias ao nvel da sade (numa perspectiva biopsicossocial)

    Como salienta a autora, h uma dimenso que vai alm dos simples

    problemas com a aprendizagem. Quando uma criana sofre violncia dentro da

    escola, ou no mbito escolar de uma forma geral (passeios, atividades curriculares

    etc.) no s sua aprendizagem que est dificultada pelo simples estresse fsico ou

    as consequncias orgnicas, tambm h um comprometimento emocional que vai

    desde a formao da confiana no outro to importante na idade escolar at

    mesmo formao de transtornos de personalidade graves. Neste sentido, a

  • 29

    ateno biopsicossocial de suma importncia dentro da escola, por uma equipe

    especializada.

    Para Vale; Costa (1998, apud SEIXAS, 2005), o conceito de violncia escolar

    admite uma srie de fatores, um conceito complexo que acumula em si vrios

    comportamentos, entre os quais figuram comportamentos antissociais, delinquncia,

    vandalismo, comportamentos de oposio e congneres, de modo que se

    enquadrem num padro onde h um agressor e h uma vtima, e nessa relao

    apresentam-se algumas variaes.

    Tambm preciso salientar que os professores tm um papel bastante

    oportuno e importante no diagnstico de bullying, ou pelo menos na leitura dos

    primeiros sinais desta prtica. O comportamento dos alunos envolvidos no fenmeno

    muda, e muitas vezes o professor pode ser a primeira pessoa a perceber algo de

    errado.

    Segundo Tognetta; Vinha (2008, p.4):

    Freqentemente, professores e educadores, em geral, no esto atentos a esse tipo de intimidao, j que no lhes atinge diretamente. Infelizmente, as atenes dos adultos que educam esto voltadas s formas de indisciplina, ou mesmo aos constantes desinteresses dos educandos s matrias escolares.

    Como possvel verificar acima, h que se atentar no somente aos aspectos

    meramente intelectuais e acadmicos do mbito escolar. Muitas vezes, timos

    professores em termos de didtica e mesmo de relao com os alunos pecam em

    no atentar para sinais claros da prtica de bullying, especialmente nas vtimas:

    isolamento, timidez exacerbada e incomum, queda do desempenho escolar, rebeldia

    etc. E tambm nos agressores: subordinao de colegas por parte de um ou

    pequeno grupo, por exemplo.

    Apesar da denominao em lngua estrangeira, deve-se entender que bullying

    se trata, em grande parte de um caso de violncia, seja ela em que nvel for. Uma

    violncia que no est restrita apenas a quem agride e quem agredido. Sabe-se

    que muitos alunos, dentro e fora da escola, esto envolvidos indiretamente na

    prtica de bullying. Apesar de no agredirem o vitimado, muitos colegas observam

    passivamente a violncia, ou seja, contribuem indiretamente com a mesma quando

    no evitam e, principalmente, no denunciam (CALBO, 2009).

  • 30

    Tambm podemos acrescentar, ainda com Calbo (2009), que h uma

    necessidade premente: que os pais e professores, ou seja, todos os envolvidos na

    educao escolar e extraescolar trabalhem em conjunto em nome de uma

    conscientizao de seus filhos e alunos de modo a prevenir o silncio que

    geralmente impera a partir da observao da prtica de bullying. Mostrar para as

    crianas e adolescentes que tal prtica danosa e, especialmente, que amanh

    poder estar acontecendo com eles mesmos.

    Atualmente, vivemos numa sociedade individualista, que inclina a todos a se

    preocuparem apenas consigo mesmos. Esta individualidade pode levar a bons

    resultados, mas pode tambm resultar num afastamento e ignorncia de certas

    questes morais importantes para a formao do indivduo. Se voc v algum

    sendo machucado, obrigao, dever moral seu que intervenha de alguma forma,

    mesmo que se trate de uma simples denncia.

    Segundo pesquisa realizada em nvel nacional por Calbo (2009), o bullying

    surge como o fenmeno principal responsvel pela violncia nas escolas. A mesma

    pesquisa relatou que, dentre os casos de violncia escolar relacionados a bullying, a

    maioria destes so perpetrados por crianas entre 10 e 12 anos, o que, segundo a

    autora, corrobora dados encontrados em pesquisas em nvel internacional. Essa

    informao destaca como a sujeio fsica relevante no bullying: a maioria dos

    vitimizados pelas prticas de bullying esto numa faixa etria inferior, entre sete e

    nove anos de idade.

    2.5 ASPECTOS AFETIVOS RELACIONADOS AO BULLYING

    O bullying observado em diferentes culturas, em vrios pases, e sob

    condies sociais diversas. Desde os retratos divulgados em filmes, reportagens at

    os casos discutidos dentro das escolas ou mesmo em ambientes clnicos, evidencia-

    se que este fenmeno parece no ser causado por um fator universal, bem como

    referente a uma determinada sociedade.

    Cada indivduo subjetivo apesar de sua convivncia em sociedade, a

    personalidade de cada um diversa, nica. Para alm das formas de entender o

    psiquismo humano, cada sujeito possui uma histria, uma assinatura nica a que

    chamamos de personalidade. Um dos aspectos mais contraditrios da personalidade

    o afeto, os sentimentos e atitudes que dedicamos e praticamos uns com os outros.

  • 31

    O mesmo indivduo que pode amar, pode odiar, ter raiva e estar calmo. O humor e

    os sentimentos certamente so partes das mais interessantes da mente humana.

    Quando se fala de bullying, frequentemente se dissemina a ideia de

    agressores malvados e agredidos vitimizados. Certamente, esta perspectiva

    vlida, mas tambm certo que se trata de uma viso simplista do fenmeno.

    interessante lanar um olhar mais profundo sobre essas crianas que agridem,

    tambm.

    Como afirmam Tognetta; Vinha (2008, p.09):

    As explicaes para o fenmeno do bullying atualmente parecem concordar com aquelas que discutem, sem dvida, a violncia em geral: no so causas sociais, culturais ou econmicas isoladas. Por certo, podem ser encontrados casos de bullying em diferentes ambientes, sejam entre pobres ou ricos, cultos ou incultos.

    E esse carter de generalidade do bullying evidenciado na fala dos autores

    que leva a crer, muitas vezes, que se trata de um fenmeno que segue uma regra,

    uma causa comum. Ainda segundo os autores, as diferenas entre colgios que

    abrigam poucos ou muitos casos de bullying no so grandes, o que dificulta

    corroborar a suposio de que haja uma causa geral.

    dado a partir de vrias correntes psicolgicas, sociolgicas e filosficas que

    o meio influencia o comportamento humano, fato que no nossa pretenso

    descartar aqui. No entanto, possvel observar que no somente os alunos que

    praticam/sofrem bullying esto sujeitos a determinadas condies do ambiente

    escolar, por exemplo. Segundo Vinha (2003), quando um professor expe algum

    aspecto do aluno que venha a lhe causar vexame notas baixas, por exemplo no

    necessariamente este estar envolvido no fenmeno. Ou seja, estar imerso num

    ambiente inadequado no indica que se desenvolver a prtica de bullying ali.

    Tambm, como exemplo, sabe-se que nem todos os filhos de pais violentos sero

    violentos nas escolas.

    Outro aspecto negado pela autora como sendo causador do bullying o

    gentico. Apesar de ainda haver um senso comum que refira a violncia como

    sendo algo inato a determinadas pessoas, os estudos mais recentes no corroboram

    tal afirmativa. A agressividade , no entanto, inata a todos os seres humanos, e a

    posio de vtima ou agressor no est, aparentemente, j descrita nos genes ao

    nascer.

  • 32

    Isso porque, independente dos aspectos mencionados acima, forma-se uma

    identidade. Duas crianas sujeitas a maus-tratos em sua casa parental podero se

    comportar de diferentes maneiras em diferentes lugares, na companhia de diferentes

    pessoas. No o que ns vemos que torna o que somos, mas nossa forma de

    interpretar o mundo nossa volta. Cada um de ns tem, portanto, um conjunto de

    valores pessoais que podem traduzir as experincias presentes e passadas bem

    como aquelas as quais aspiramos. So esses valores que estaro presentes na

    personalidade de cada um (TOGNETTA; VINHA, 2008).

    neste sentido que a ateno nos casos de bullying precisa ser direcionada a

    todos os envolvidos. Se as vtimas de bullying costumam sofrer uma diminuio

    brusca da autoestima problema que em geral inclusive antecede o caso do

    conceito que tem de si, no menos verdade que os agressores, por negativas que

    sejam suas avaliaes, tambm precisam de auxlio, visto que apresentam grave

    dficit com relao ao aspecto da escala de valores, ou seja, de seu

    desenvolvimento afetivo e moral (FRANCISCO; LIBRIO, 2009).

    Um lar carente de afeto e aceitao pode estar por trs de um processo que

    leve prtica de bullying. Toda criana pretende ser aceita pelos pais, que estes o

    aprovem, que reconheam seu esforo em ser um bom filho e, consequentemente,

    ser amado. Porm, com se sabe, no so raros os lares onde, por diversos motivos

    que no vem ao caso de nossa monografia aprofundar, os pais no fazem esse

    feedback, no correspondem, no reconhecem, no valorizam a inteno dos filhos

    de serem vistos e agraciados como importantes.

    Tal carncia de afeto e de reconhecimento podem resultar em

    comportamentos que venham a ser considerados violentos e de subjugao, como o

    bullying. No somente como forma de demonstrar poder sobre os outros, o bullying

    tem tambm como razo a necessidade de afiliar colegas da escola junto a si,

    seguindo-o. Tambm se trata de assegurar que se tem poder sobre o outro, o

    vitimado, mas tambm de ser aceito pelos demais do grupo, que, tambm eles,

    acabam carecendo do mesmo reconhecimento, da mesma necessidade de grupo de

    pertena (ANTUNES; ZURIM, 2008).

    Em tempos de afastamento entre os indivduos dentro de suas prprias casas

    e incentivo individualizao por parte dos prprios responsveis e educadores,

    crianas tm buscado em prticas consideradas marginais como o bullying uma

    forma de serem aceitos, talvez amados. As atitudes dos agressores nas escolas

  • 33

    esto sempre voltadas no somente para a intimidao da vtima, mas tambm ou

    talvez at principalmente para a exibio para os demais (ANTUNES; ZURIM,

    2008).

    Lopes Neto (2005) destaca, em consonncia, que um clima frio em casa,

    especialmente por parte dos pais, estaria como uma das possveis causas da prtica

    de bullying. Partindo da tendncia natural do comportamento de imitao, de

    introjeo do comportamento dos genitores, crianas acabam por projetar em suas

    relaes sociais as consequncias deste clima em casa. Assim, percebe-se que

    crianas que praticam bullying apresentam, dentre outros fatores, a falta de empatia

    para com quem est sofrendo com o assdio, facilitando seu destaque como lder

    deste grupo.

    O espao familiar um espao de conflitos por natureza, na verdade, os

    primeiros enfrentados pelas crianas. l onde a criana lida com a realidade do

    amor, mas tambm do desamparo e de todas as vivncias que sero experienciadas

    no futuro, com outros contextos. Logo, cabe ateno a estes aspectos que formam a

    personalidade do indivduo.

    Porm, vale salientar que no somente o indivduo merece a ateno de

    forma exclusiva. Pelos argumentos acima colocados, percebe-se que a formao de

    grupos que assediam crianas isoladamente ou no esto no cerne do problema.

    Desta forma, o trabalho preventivo com os grupos pode ser bem mais efetivo, uma

    vez que esta prtica agressiva somente se desenvolve entre grupos, sejam quais

    forem.

    A questo do afeto apenas mais uma concernente a esta temtica que,

    apesar de relativamente nova, surge bastante vasta e complexa ao se estudar mais

    profundamente, com base em produes cientficas que figuram no cenrio

    brasileiro.

    Alm do afeto, uma srie de fatores esto envolvidos com o bullying, e todos

    devem ser apreendidos de forma que a ateno seja dada a todos os casos, a todas

    as nuances, a todos os envolvidos. preciso que se formulem estratgias de

    combate e preveno ao bullying que vo alm de uma conversa entre pais, mestres

    e criana aps cada complicao no quadro comportamental do aluno.

    Botelho; Souza (2007) sugerem uma srie de estratgias de preveno,

    dentre elas algo que pode se mostrar pouco vivel no comeo, mas que pode

    funcionar: a distribuio/exibio de material com cunho conscientizador em

  • 34

    espaos coletivos, como quadras onde se pratiquem esportes, por exemplo, a fim de

    criar uma conscincia maior da gravidade que os atos referentes ao bullying podem

    causar.

    No entanto, h que se cuidar para que prticas objetivas e de considervel

    amplitude no se tornem a rotina de uma escola, desfavorecendo outras formas de

    interveno e preveno. E neste sentido que vale insistir sobre a compreenso da

    subjetividade dos sujeitos envolvidos, especialmente no tocante carncia de afeto,

    s significaes presentes em seu imaginrio que correspondam a esta necessidade

    de ser aceito, aclamado pelo grupo.

  • 35

    3 CONSIDERAES FINAIS

    Ao trmino deste trabalho, foi possvel perceber como o tema visado se

    mostrou desafiador enquanto conceito e enquanto realidade. O papel do psiclogo

    no mbito escolar est relacionado aprendizagem, ao desenvolvimento infantil, ao

    comportamento, s relaes dentro do ambiente escolar e fora do mesmo, dentre

    outras possibilidades que conclamam nossa atuao, que demandam a participao

    do profissional com formao psicolgica em prol do melhor desenvolvimento da

    clientela das escolas, sejam elas pblicas e privadas.

    Segundo a explanao de alguns dos autores estudados, parece ser algo

    prximo do consenso a percepo de que a temtica, apesar de estar em expanso

    em nvel nacional, ainda est muito atrs da perspectiva internacional,

    especialmente americana e europeia, que aborda o tema de forma mais sria, com

    mais investimentos e programas voltados para o tratamento deste sintoma social.

    Neste sentido, entendemos que um apoio maior por parte das instituies no sentido

    de especializao de profissionais e pesquisas cientficas pode vir a contribuir com

    este desenvolvimento que j observado, mas que ainda pouco para a

    complexidade da questo.

    Um dos pontos que podem ser destacados como significando um erro por

    parte de quem deveria cuidar das crianas no mbito escolar que a violncia neste

    ambiente somente identificada, na maioria das vezes, quando h uma agresso

    fsica de fato, que deixe leses corporais que possam ser acusadas, usadas como

    prova ou causadoras de sensibilidade por parte desses profissionais. O bullying

    pode ser praticado de outras formas, praticado de forma silenciosa em boa parte

    das vezes, e por isso escapa aos olhos superficiais da maioria dos profissionais da

    rea.

    Neste sentido, entendemos que a ateno tanto na prtica quanto no estudo

    sobre o tema deve versar cada vez mais acerca dos sinais que indicam que a

    criana sofre algum tipo de assdio. Caractersticas simples e superficiais como

    isolamento, dificuldade de aprendizagem e outros podem e devem merecer mais

    ateno por parte dos educadores, gestores, profissionais em geral da rea escolar.

    Uma concluso a que nos foi possvel chegar a de que o psiclogo tem,

    sim, possibilidade de atuao frente problemtica do bullying infantil, e esta de

  • 36

    suma importncia. No obstante, algo que foi revelado a partir da pesquisa

    bibliogrfica que embasou nosso estudo que esta participao depende,

    diretamente, da atuao dos demais atores sociais envolvidos no processo escolar:

    professores, pais, administrao. Sem a participao destes atores sociais, o

    problema no chega ao psiclogo, o problema nem sequer identificado. Neste

    sentido, a atuao do psiclogo, a partir das observaes de outros profissionais

    (professores, por exemplo) e outros personagens (pais, responsveis) fundamental

    para o tratamento dos casos e atuaes preventivas.

    Por outro lado, muito importante no restringir a atuao do psiclogo

    escolar a uma saleta prxima administrao. Sabe-se que as figuras culturalmente

    conhecidas de psiclogo escolar e psiclogo clnico muito se misturam no imaginrio

    popular, e at mesmo para os prprios profissionais.

    Psiclogo escolar no aquele que fica restrito sala de psicologia, espera

    de pacientes, tal qual um clnico num consultrio. Ser um psiclogo em nvel escolar

    significa atuar dentro da escola, dentro do processo de ensino-aprendizagem,

    desenvolvendo tcnicas que auxiliem as atividades escolares e forneam uma forma

    de atuao que esteja mais prxima das teorias do desenvolvimento que vemos na

    faculdade, e que so to pouco aplicadas na realidade das escolas.

    Se o psiclogo no est em consonncia com o que ocorre na sala de aula,

    nos corredores, fora da escola, no estar a par de suas possiblidades que sua

    funo lhe proporciona. Para alm da participao na elaborao de projetos

    poltico-pedaggicos, da escuta com alunos, com pais, o psiclogo escolar precisa

    estar mais presente no dia-a-dia da escola, de forma que possa perceber alteraes

    em nvel de aprendizagem, de ensino, e tambm de comportamento, donde surgiro

    casos evidentes de distrbios com alunos especficos, alm de se poder identificar o

    surgimento de fenmenos danosos ao desenvolvimento intelectual e emocional,

    como o bullying.

    Outro ponto que merece ateno o fato de que os programas, sejam da

    iniciativa pblica ou particular, de preveno do bullying devem abandonar a

    perspectiva do indivduo apenas, algo que combina mais com a interveno nos

    casos j dados. Deve-se atentar para a possibilidade de explorar as medidas

    preventivas no mbito grupal, uma vez que nos grupos que surgem as prticas de

    bullying.

  • 37

    evidente que se trata de um fenmeno mais complexo do que parece, e

    cuja abrangncia se estende para bem mais do que as relaes entre colegas de

    classe ou de colgio. O bullying algo que precisa de cada vez mais ateno por

    parte de todos, e somente uma atuao preventiva e interventiva conjunta pode

    alcanar a remisso deste sintoma social.

  • 38

    REFERNCIAS

    ANTUNES, Dborah Cristina; ZURIN, Antnio lvares Soares. Do bullying ao preconceito: os desafios da barbrie educao. Psicologia & Sociedade; Porto Alegre, 20 (1) 33-42, 2008. BARROS, P. Peculiaridades da terapia cognitivo-comportamental com crianas e adolescentes. Disponvel em: Acesso em: 19 fev. 2012. BOTELHO, R.G.; SOUZA, J.M.C. Bullying e educao fsica na escola: caractersticas, casos, conseqncias e estratgias de interveno. Revista de Educao Fsica; Rio de Janeiro, 139 : p.58-70, 2007. CALBO, Adriano Severo. Bullying na escola: comportamento agressivo, vitimizao e conduta pr-social entre pares. Contextos Clnicos, 2(2):73-80, jul-dez. 2009. CARRAHER, Terezinha; SCHLIEMANN, Ana Lcia; CARRAHER, David. Na vida dez na escola zero. 9 ed. S.P: Cortez, 1995. CANDREVA,T.;CASSIANE,V.;RUY,M.P.;TROMAZINI,L.;CESTARI,H.F.;PROD-CIMO,E. A agressividade na educao infantil: o jogo como forma de interveno. Pensar a prtica, Goiana, 12/1:1-11, jan-abr., 2009. COUTO, E. et al. O bullying: processo de desrespeito a educao. Disponvel em: Acesso em: 02 mar. 2012. FERNNDEZ, Alicia. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed, 2001. FRANCISCO, Marcus Vinicius; LIBRIO, Renata Maria Coimbra. Um Estudo sobre Bullying entre Escolares do Ensino Fundamental. Psicologia: Reflexo e Crtica, 22(2), 200-207,2009. FRANCA,Cludia Azevdo; BARROS, Iany Cavalcanti da Silva; SOUTO MAIOR, Ktia Vnia Vasconcelos; GONALVES, Suy-Mey Carvalho de Medeiros (Orgs.).Temas Emergentes na Psicologia, Joo Pessoa :UNIP,2009 GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos . 5 ed. So Paulo: Atlas,2010. GUEDES, D.Z.; MARTELETO, M.R.F.; KOPELMAN, B.I. Ludodiagnstico: um caso de bullying. Disponvel em: Acesso em: 29 fev. 2012. LOPES NETO A.A., SAAVEDRA L.H. Diga no para o bullying programa de reduo do comportamento agressivo entre estudantes. Rio de Janeiro: ABRAPIA, 2003.

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