16
Nº 14 | 50 CÊNTIMOS | OUTUBRO 2006 MENSAL | JORNAL DO BLOCO DE ESQUERDA ES Q UERDA A MARCHA DO EMPREGO, METRO A METRO Conheça as principais propostas desta iniciativa do Bloco e veja como decorreram os mais de 300 quilómetros de caminhadas a lutar por uma nova política de emprego em Portugal. NAS PÁGINAS 8 A 11 Milhares de trabalhadores saem à rua no dia 12 de Outubro para protestar contra as políticas do governo nas áreas sociais e a reforma da Segurança Social. Descubra quanto dinheiro o governo Sócrates pretende retirar às próximas gerações de reformados. PÁGINA 7 OUTUBRO DE LUTA ENTREVISTA: CARVALHO DA SILVA O Secretário-geral da CGTP concede a sua primeira entrevista ao Esquerda. Fala-se de deslocalizações, como organizar precários e imigrantes, das dificuldades dos sindicatos e das reformas do governo Sócrates NAS PÁGINAS 4 A 6 PAULETE MATOS

O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

Nº 14 | 50 CÊNTIMOS | OUTUBRO 2006 MENSAL | JORNAL DO BLOCO DE ESQUERDA

ESQUERDA

A MARCHA DO EMPREGO, METRO A METRO Conheça as principais propostas desta iniciativa do Bloco e veja como decorreram os mais de 300 quilómetros de caminhadas a lutar por uma nova política de emprego em Portugal. NAS PÁGINAS 8 A 11

Milhares de trabalhadores saem à rua no dia 12 de Outubro para protestar contra as políticas do governo nas áreas sociais e a reforma da Segurança Social. Descubra quanto dinheiro o governo Sócrates pretende retirar às próximas gerações de reformados. PÁGINA 7

OUTUBRO DE LUTA

ENTREVISTA: CARVALHO DA SILVA O Secretário-geral da CGTP concede a sua primeira entrevista ao Esquerda. Fala-se de deslocalizações, como organizar precários e imigrantes, das difi culdades dos sindicatos e das reformas do governo Sócrates NAS PÁGINAS 4 A 6

PAU

LETE

MAT

OS

Page 2: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

2 | ESQUERDA OUTUBRO’06 | POLÍTICA ENERGÉTICA EM PORTUGAL > > > > > > > > > > > > > > > >

COM EXCEPÇÃO das grandes explorações hidro-eléctri-cas, a exploração de energia eólica é de longe a que tem maiores potencialidades de produção de electricidade a partir de fontes renováveis em Portugal. No entanto, o licenciamento de parques eólicos em Portugal está bloqueado desde 2003, quando o governo de Santana Lopes, alegando um excessivo número de propostas de instalação em análise, decidiu suspender a possibilidade de apresentação de novos projectos. Até essa data, o promotor de um parque eólico devia apresentar ao governo um Pedido de Informação Prévia

(PIP), que antecedia o respectivo licenciamento. Santana Lopes aboliu os PIP e criou um concurso, a realizar qua-drimestralmente, em que os promotores apresentariam propostas de instalação de parques tendo já em conta a potência disponível em cada zona da rede. Esses proce-dimentos nunca se chegariam a realizar e só no final seu mandato o governo do PSD viria a lançar um concurso para licenciamento de parques eólicos, tão pejado de erros que praticamente todas as empresas interessadas apresentaram protestos. O governo de José Sócrates viria a cancelar esse processo e a lançar um novo, que devia

ter concluído neste Verão. O novo procedimento pretendeu atribuir licenças de pro-dução de electricidade e exigir que os promotores contri-buíssem para o desenvolvimento industrial e o apareci-mento de actividades inovadoras. O governo concentrou toda a potência disponível em território nacional para produção eólica em apenas duas licenças, que obrigam a muito significativos investimentos mas proporcionam elevadíssimos retornos financeiros, com risco praticamen-te nulo (não é de esperar que se vá deixar de consumir electricidade nos próximos anos). Com a criação adminis-

ENERGIA EÓLICA MONOPOLIZAR PARA INOVAR

ALTERNATIVA PARA O

MERCADO DE CAPITAISP

ortugal deve tentar ser «campeão do mundo» nas energias renováveis, apelou José Sócrates neste Verão, talvez ainda

inebriado pela carreira da selecção no Mundial de Futebol, no encerra-mento de um seminário dedicado à Estratégia Nacional para a Energia, em que lembrou os investimentos já programados: «são entre seis e oito mil milhões de euros, (...) o maior volume de investimento feito num sector».

O governo espera que o sector eléctrico seja, nos próximos três anos, o «motor» para o crescimento e modernização do país, através da exploração de fontes renováveis para a produção de electricidade: energia eólica, centrais de biomassa, energia solar, energia das ondas e biocom-bustíveis. «Não são investimentos públicos, são investimentos privados feitos por uma razão: confiança, des-de logo na economia e no Governo, mas também confiança na orienta-ção política para o sector», acrescen-tou o primeiro ministro, para quem se trata de uma «oportunidade que ninguém pode perder».

Na mesma linha, o Ministro da Economia reafirmou os objectivos de reduzir a dependência energética do exterior de 85 para 75% e de ter 39% de energia eléctrica com ori-gem em fontes renováveis até 2010. Manuel Pinho anunciou um fundo de 35 milhões de euros destinado a financiar projectos de investigação entre empresas e universidades e a criação de um laboratório nacional vocacionado para a energia e geolo-gia. Os vencedores do concurso para atribuição de licenças de produção de energia eólica seriam conhecidos em Agosto, tornando-se os “moto-res” destas iniciativas destinadas a potenciar a inovação, de acordo com

PAU

LETE

MAT

OS

Page 3: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

> > > > > > > > > > > > > > > > POLÍTICA ENERGÉTICA EM PORTUGAL | ESQUERDA OUTUBRO’06 | 3

NUNO RAMOS DE ALMEIDAEDITORIAL

COMPROMISSO SÓCRATES COMO um verdadeiro menino do Beato, o primeiro-ministro, José Sócrates, também tem um compromisso para Portugal. Resta saber se é diferente da receita que, com a candura habitual, defenderam os empresários reunidos no convento. Ou melhor dizendo, não proferem em voz alta os poderosos do Beato, o mesmo que pensa, em voz baixa, José Sócrates? No fundo, todos, a seu ritmo e a seu tempo, não propõem mais do que privatizar, despedir e cortar as despesas sociais.

Talvez por isso, Outubro está literalmente na rua: as greves e as manifestações sucedem-se. Há muito tempo que nenhum governo enfrentava tantos protestos e criava tantos descontentamentos. No entanto, raramente um primeiro-ministro gozou de um apoio legislativo tão firme e de umas sondagens tão favoráveis. Esta contradição não se deve a um qualquer masoquismo popular do tipo: quanto mais um governo nos bate, mais a gente gosta dele. Explica-se por três ordens de factores:

1. Uma política inteligente que vira, à vez, a população contra os trabalhadores que protestam, fazendo crer ao resto dos portugueses que funcionários públicos, professores e reformados são uns privilegiados.

2. Uma imensa capacidade de vender aos portugueses, fartos da situação política em que vivem, que o governo está a fazer mudanças e reformas estruturais, escamoteando o facto que as políticas do governo são a agudização das políticas de sempre e, como tal, são parte do problema e não da solução.

3. E, finalmente, a propagação de ideias que mantêm a hegemonia das políticas neoliberais na economia, aqui e na Europa, convencendo as pessoas que uma determinada política económica é independente da escolha política e que, por exemplo, quando todos os europeus levam com o quinto aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco Central Europeu, isso não é fruto de uma escolha que privilegia determinados indicadores económicos em prejuízo do emprego, crescimento económico e da vida das pessoas, mas é uma espécie de inevitabilidade inscrita nas tábuas, ditadas por Deus, da ciência económica.

A primeira manipulação que é preciso desmascarar, para mudar a orientação económica do país, é a questão de saber quem tem privilégios a mais e quem precisa de mais justiça social. Entendamo-nos, se o Estado está falido isso não se deve às despesas com os mais pobres, mas ao facto dos governos se permitirem isentar de pagar impostos os mais ricos. O governo nunca lutou contra os verdadeiros privilegiados, acabando com o paraíso fiscal da Madeira, taxando as mais valias da bolsa ou obrigando os bancos a pagar impostos como os de qualquer empresa. O governo Sócrates fez a sua luta contra os “privilegiados”, leia-se pensionistas pobres, trabalhadores da Administração Pública e professores. Cortando, no futuro, as reformas de um milhões de trabalhadores, planeando o despedimento de 80 mil funcionários públicos e continuando a congelar aumentos e progressão na carreira dos restantes, que nos últimos 10 anos foram aumentados muito abaixo da inflação em oito anos consecutivos, e desvalorizando a carreira dos professores, a quem todos os anos fazem andar de Rodes para Pilatos em busca de escola para trabalharem.

A primeira coisa com que Outubro podia contribuir para um mudança verdadeira, era levantar esse manto diáfano da fantasia socrática.

ENERGIA EÓLICA MONOPOLIZAR PARA INOVAR

o que já estava estipulado no ca-derno de encargos.

A confiança que Sócrates rei-vindicava para o seu governo rapidamente seria abalada: o anúncio dos resultados do con-curso, atribuindo as licenças à EDP e à GALP, levaria um con-sórcio excluído – Iberdrola / Ga-mesa - a pedir a sua impugnação e a bloquear o processo através de uma providência cautelar (a Iberdrola é uma das principais empresas espanholas na electri-cidade e tem como administra-dor em Portugal o ex-Ministro socialista Pina Moura e a Ga-mesa tem origem na Alemanha mas um peso muito relevante na indústria da região de Navarra, onde se pretende que 100% da electricidade consumida se pro-duza a partir de fontes renová-veis, já em 2010).

Enquanto o caso segue nos tribunais, fica de novo suspenso o aproveitamento do potencial eólico nacional (necessário, en-tre outras coisas, para assegurar o cumprimento dos compromis-sos assumidos em Quioto e re-duzir a dependência do petróleo e externa) e agora também os projectos de estímulo à inova-ção, que Sócrates pretende que venham a ser o “motor” da eco-nomia portuguesa. Um risco inerente aos monopólios: para exigir investimentos significa-tivos como contrapartida da atribuição das licenças não era necessário concentrar toda a po-tência a atribuir no país nestas duas licenças. Mesmo que se os investimentos previstos se façam num prazo razoável, a criação administrativa de situações pró-ximas do monopólio não cos-tuma ser favorável à inovação.

Entretanto, as dezenas de ope-radores interessados em instalar parques eólicos pelo país estão impedidos de o fazer.

BOLSA ELÉCTRICANo início de Setembro ar-

rancou o Mercado Ibérico da Electricidade (MIBEL), depois da falsa partida de 2003, uni-ficando os mercados de Por-tugal (5,9 milhões de clientes que consumem 48 TWH por ano) e Espanha (23,1 milhões de clientes para um consumo de 245 TWH). O mercado será liberalizado e a electricidade poderá ser transacionada em Bolsa. Como explicou o presi-dente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) o OMIP «é o primeiro mercado financeiro de derivados em Por-tugal que tem como subjacente uma mercadoria, com possibi-lidade de entrega física, e como tal é um passo também muito importante para o mercado fi-nanceiro».

O OMIP (Operador do Mer-cado Ibérico de Energia) é o pólo português do Mibel e arrancou com sete membros (EDP, EDP Distribuição, Hidro-cantábrico, Unión Fenosa, Cai-xa Geral de Depósitos e San-tander Portugal). Na abertura deste mercado, o presidente da CMVM exigiu poucas interfe-rências: «as tarifas só vão des-cer se o mercado funcionar de forma mais perfeita», garantiu Carlos Tavares. O OMIP ape-nas realiza operações a prazo, sendo as operações à vista re-alizadas em Madrid, onde está o OMEL, o operador espanhol. Dentro de dois anos deverá fi-car apenas um operador.

A entrega dos produtos tran-sacionados em Bolsa (potências eléctricas) é assegurada pelos proprietários das redes de trans-porte de electricidade. No caso português, as redes de distribui-ção são da REN (Rede Eléctrica Nacional), sociedade em grande transformação: a empresa detida pelo Estado, EDP e Caixa Ge-ral de Depósitos passou a deter também as redes de transporte e armazenagem de gás que eram da GALP, saindo da sua estrutu-ra accionista (essa transferência de activos permitiu ao grupo Amorim assumir forte posição na petrolífera, com 34% do ca-pital).

A REN detém também 90% do capital do OMIP, que terá que alienar até final do ano para cumprir a legislação do sector, que não permite a uma empresa de transporte de elec-tricidade participar em mais de 3% no capital do opera-dor. Essa nova legislação para o mercado ibérico liberalizado também impõe que nenhum distribuidor de energia (como a EDP) possa ter uma partici-pação superior a 5% no capital de uma empresa de transporte. Como a EDP detém actualmen-te 30% da REN, até ao final do ano terão que ser vendidos em Bolsa os restantes 25%. Apesar desses dois momentos de gran-de agitação bolsista até ao fim do ano, o consumidor notará pouco: o preço não vai descer e há apenas 5 fornecedores regis-tados em Portugal (EDP, Unión Fenosa, Iberdrola, Sodesa (So-nae e Endesa) e Enel Viego). Em princípio, só em 2007 essa escolha está disponível. A Bolsa é que é já a seguir!

O governo diz querer fazer da exploração de energia alternativas o motor da inovação mas tropeçou nos seus próprios passos. A liberalização do mercado ibérico da electricidade vai animar a Bolsa mas não traz preços mais baixos. TEXTO DE JOÃO ROMÃO

trativa destes quase monopólios assegura-se uma altíssima rentabilidade à exploração, mas exigi-ram-se contrapartidas: os vencedores são obriga-dos à instalação de fábricas, à criação de postos de trabalho e a promover a inovação, nomeada-mente através do contributo para um fundo.Durante estes três anos em que dezenas (ou cen-tenas) de empresas ligadas à produção de ener-gia eólica tentaram sem êxito licenciar parques em Portugal, as grandes empresas nacionais do sector também se prepararam para o controlar.

Quando foi lançado o concurso de José Sócrates, já a EDP e a GALP tinham reunido a capacidade e os parceiros necessários. Como era mais do que esperado, as duas licenças seriam atribuídas aos consórcios liderados pela EDP (com a Finerge, Generge, Térmica Portuguesa e Enercon, preven-do um investimento de 1.500 milhões de euros e a criação de 1.800 postos de trabalho) e pela GALP (com a Martifer, Enersis, Efacec e Repower, com um projecto de mil milhões de euros e 1.250 postos de trabalho).

Page 4: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

4 | ESQUERDA OUTUBRO’06 | ENTREVISTA > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > >

Carvalho da Silva vem hoje da Amadora de uma empresa que está em processo de encerramento, quantas empresas vão fechar hoje?

Não sei ainda, mas pelas no-tícias que tenho seguramente várias. Sobre esta empresa da Amadora quero dizer que se tra-ta de um processo de chantagem vergonhoso sobre os trabalha-dores. Quando os trabalhadores foram impedidos de entrar nas instalações da empresa e foram-lhes movidos processos disci-plinares, isso foi notícia. Aliás, todos os dias estas situações são justamente notícia mas, na maioria dos casos, de uma for-ma que amplificam a ideia de que há uma crise instituída, que é inevitável o crescimento do de-semprego e dos despedimentos. Quando se trata de mostrar as alternativas a estas políticas ou tentar explicar as causas destes fenómenos, os grandes meios de comunicação social silenciam completamente esta expressão, não chegando mesmo a passar que neste momento, há empre-sários e empresas que retiram lucros altíssimos desta invoca-ção da crise que leva tantas cen-tenas de milhar de portugueses para o desemprego.

Vi há pouco as declarações de um elemento da Comissão de Trabalhadores de uma empresa que vai fechar, a Control, que se queixava que os trabalhadores eram os mais produtivos do grupo, a empresa tinha encomendas para muitos anos de laboração e, no entanto, a empresa ia fechar e deixar centenas de famílias em

dificuldades. Não sente uma certa impotência?

A palavra crise transformou-se numa instituição. É preciso deixar de aceitar isto como um dado adquirido e concentrar-mo-nos na análise dos défices e bloqueios da sociedade por-tuguesa, mas também afirmar as possibilidades de transfor-mação. Como sabemos, a crise não é para todos, Portugal tem alguns milhares de indivíduos que têm feito uma acumulação de riqueza espantosa nesta situ-ação. Também sabemos, mesmo a nível do trabalho remunerado, que as desigualdades são gritan-tes. Na semana passada, vimos reunidos um conjunto de me-ninos no Beato (Compromisso Portugal) a exigir uma série de sacrifícios para quem trabalha, mas sabemos que muita gente daquela aufere valores monu-mentais, há, entre eles, pessoas a receber três milhões e quinhen-tos mil euros por ano; portanto esta dicotomia tem que ser posta em evidência.

Porque é que surge esta sensa-ção de impotência de que falava. É o resultado do tempo em que vivemos, onde se conjugam fac-tores múltiplos: hoje em dia as empresas estruturam-se e fun-cionam não em função do ob-jectivo para que se formaram, mas, muitas vezes, como meras plataformas para a especulação financeira. Estamos num mundo em que a livre circulação finan-ceira é plena e a acumulação de riqueza se faz por aí, sem qual-quer contributo para o colectivo O que se passa, a nível mundial, é que o capital financeiro goza de uma liberdade absoluta e não contribui para o bem comum e pressiona o capital produtivo a ir pelo mesmo caminho. O ca-pital joga com um conjunto de novos mecanismos tecnológicos

e comunicacionais, associado a condições que permitem usar os diversos mercados de tra-balho em todos os espaços do mundo. Muitas vezes os jogos de deslocalizações de empresas não resultam de questões técni-cas, científicas ou económicas, as deslocalizações fazem-se por razões que se ligam à possibi-lidade de fazer acumulação de capital especulativo.

Mas o movimento sindical não tem sido incapaz de reagir a estas modificações? Como é possível combater as deslocalizações num mercado de trabalho em que os trabalhadores parecem ter muito pouco controlo sobre aquilo que produzem? Por exemplo, um automóvel hoje é feito simultaneamente em vários países, como subcontrata várias empresas que também têm fábricas em muito países... Durante a Marcha do Emprego, vários sindicalistas e membros da CT falaram deste tipo de condições de trabalho, que implica os trabalhadores abdicarem de parte dos seus direitos para garantirem uma encomenda que permite à sua fábrica laborar durante mais uns anos....

O problema não é só dos sin-dicatos, é um problema da so-ciedade em geral. A resposta é procurar alternativas a este siste-ma em que vivemos que benefi-cia estas deslocalizações. O que podem fazer os sindicatos é ter uma intervenção de defesa de aspectos pontuais que seja favo-rável aos trabalhadores, mas não

perdendo a perspectiva do geral. Nós tivemos em Portugal um en-saio de uma tentativa de articu-lação e unidade a nível europeu: o caso da General Motors (Opel da Azambuja). Foi um caso em que houve uma coordenação de toda a estrutura dos trabalha-dores na Europa. No processo houve um acompanhamento contínuo do Comité Sindical Europeu, que tem uma identi-dade sindical muito forte e que procurou coordenar essa luta. E isso teve efeito na postura dos trabalhadores no seu conjunto: os trabalhadores espanhóis pa-ralisaram em solidariedade com os seus camaradas portugueses apesar da empresa ser desloca-lizada para lá. Infelizmente, os trabalhadores portugueses, por-que são o elo mais fraco, vão ser os mais penalizados, porque a fábrica desaparece daqui. Mas há movimentos novos, procuras de formas de agir dos trabalha-dores para melhor os defender.

Mas essa coordenação dos trabalhadores não é extraordinariamente difícil num modelo que coloca, por exemplo, os trabalhadores de uma fábrica de um país a concorrer directamente com os seus camaradas de outro país para ganhar a produção de um carro que garanta mais x tempo de laboração à sua fábrica?

Assistimos a mentiras monu-mentais: na argumentação dos patrões, o campo da obtenção da produtividade está sempre no factor trabalho. Quando nós sa-bemos que é mentira. No sector automóvel - que não é daqueles que a mão de obra pesa menos -, a mão de obra no conjunto das empresas automóveis tecnologi-

camente evoluídas, como são a quase totalidade do sector, pesa cerca de 5% no custo, portanto há 95% de espaço para buscar competitividade que é deixado de lado e aperta-se, aperta-se, até ao limite as condições dos traba-lhadores. Isto acontece porque os trabalhadores são neste momento um elo ainda mais frágil no sis-tema capitalista face à complexi-dade e dificuldade de construção de identidade e acção colectivas. Mas aperta-se, ainda, por uma ou-tra razão: quando o capital assim procede, faz também chantagem com os poderes políticos, para ir sacar outras vantagens, quantas vezes usando a situação débil dos trabalhadores como uma arma de arremesso. Fá-lo no espaço de um país, mas com efeitos sobre outros países. Quando os governos são cada vez mais equipas tecnocráti-cas do poder do capital, a situação fica muito complicada. O jogo é este. É utilizar a fraqueza do tra-balho no contexto global, fazendo com que o Estado conceda be-nefício muitas vezes chorudos às empresas. O outro factor comum à nossa sociedade é o enfoque que hoje se coloca no défice público. Há um endeusamento desse indi-cador instrumental. Ora as nossas sociedades evoluíram, e ao evolu-írem os direitos foram-se consoli-dando e universalizando: o direi-to à saúde, o direito ao ensino, o direito a uma reforma condigna, todos esses direitos para existirem precisam de um grande apoio or-çamental. Este enfoque no défice público é um instrumento extra-ordinário para o poder económi-co e financeiro deitar não a esse dinheiro, o que implica atacar os direitos sociais.

Vejamos o caso da PT. Diz-se que a concretização da anunciada OPA vai

CARVALHO DA SILVA: «A PARANÓIA DO NEOLIBERALISMO INVADIU PORTUGAL»Em vésperas de uma jornada de luta nacional, o secretário-geral da CGTP dá uma longa entrevista ao Esquerda em que se fala de deslocalizações, das dificuldades dos sindicatos num mundo globalizado onde impera a economia de casino, da demagogia do governo, da importância da Marcha do Emprego e de como os sindicatos podem vencer estes desafios.. ENTREVISTA DE NUNO RAMOS DE ALMEIDA. FOTOS DE PAULETE MATOS

Page 5: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

> > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > ENTREVISTA | ESQUERDA OUTUBRO’06 | 5

implicar o despedimento de 3000 trabalhadores. O estranho é que, nesta economia, a liquidação de tanta capacidade produtiva resulta numa valorização da empresa na bolsa. Com este tipo de economia de casino, como podem os sindicatos actuar?

Nada é inevitável. A que tem levado o caminho da PT? Tem levado a que o núcleo de traba-lhadores que têm uma presta-ção de trabalho regulamentada foi diminuindo sucessivamente, mas é preciso dizer que o uni-verso de trabalhadores que a PT ocupa com a sua actividade não tem diminuído. Se nós formos ver o ano da constituição da PT, 1994, e hoje, doze anos depois, o número de pessoas que trabalha para a PT aumentou. Mas aqueles que têm uma relação estruturada com direitos era de 22.500 mil e hoje é de cerca de 8 mil. Se forem avante os despedimentos de que se falam, passam para 5 mil. En-tendamo-nos sobre este assunto: a PT não reduziu o universo de pessoas que trabalha para ela, o que acabou, em grande parte, foi com o trabalho com direitos. O desafio é procurarmos caminhos que organizem todos estes traba-lhadores e eles terem consciência que será sempre a sua mobiliza-ção colectiva que poderá ajudar a resolver estes problemas.

Têm conseguido organizar estas pessoas sem vínculos e sem direitos?

É muito difícil, por causa das chantagens todas que são feitas sobre os trabalhadores. Não é fá-cil garantir direitos mínimos, até porque do ponto de vista global é uma situação propiciadora de harmonização no retrocesso e não harmonização no progres-so. Não há hoje um mercado de trabalho, há uma proliferação de mercados de trabalho em que está sempre a aparecer um que ofere-ce condições de exploração ain-da mais intensas: seja aqui, seja em Coimbra, em Saragoça ou em Berlim. O capital podendo jogar com isso está a tentar criar uma nova divisão social e internacio-nal do trabalho. Uma divisão que

CARVALHO DA SILVA: «A PARANÓIA DO NEOLIBERALISMO INVADIU PORTUGAL»

Page 6: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

6 | ESQUERDA OUTUBRO’06 | ENTREVISTA > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > >

seja vertical, em que os Estados sejam substituídos por organiza-ções multinacionais, sejam elas organizações formais, redes ou outras estruturas. Dizem eles, porque é que uma multinacio-nal tem de respeitar os direitos sociais que estão instituídos em Portugal, se ela tem unidades em França, e aí também tem di-reitos a respeitar, mas também tem na China e no Bangladesh. Dizem que se têm que respeitar as regras de cada país estão a ser injustos, dizem querer dar os mesmos “direitos” a todos. Mas não pretendem dar os direitos de um trabalhador da Europa a um trabalhador da Ásia, mas tor-nar os trabalhadores todos com menos direitos. A acção sindical tem que, apesar das condições difíceis, mobilizar para garantir direitos no trabalho.

Do ponto de vista da consciência dos trabalhadores sobre esta situação, não estamos piores que os outros trabalhadores da Europa?

Parece que a paranóia do neo-liberalismo invadiu Portugal. O que é chocante são certos minis-tros que se dizem de esquerda, alguns deles na Universidade fizeram percursos académicos ligadas a teses históricas de es-querda, estão agora encostados às políticas neoliberais mais radicais. Veja-se a chamada re-estruturação da administração pública. Afirma o governo que uma das coisas a mexer é o regi-me de férias dos trabalhadores, tornando-o igual aos trabalha-dores do sector privado, dando a ideia que os trabalhadores da administração pública são uns privilegiados. O governo esque-ce-se de dizer que esta lei das férias, que regula o direito de férias dos trabalhadores da ad-ministração pública, tem ape-nas cinco anos (foi em 2001), e que na altura os sindicatos, que pretendiam aumentos salariais e maior estabilidade no emprego, protestaram por os trabalhado-res estarem a ser ludibriados. O governo dizia, na altura, que não havia dinheiro para reen-quadramentos profissionais e apresentou como proposta alter-nativa melhorias nas férias, com o argumento que isso incentiva-va os trabalhadores. Cinco anos depois, o governo elimina esse direito, que o próprio propôs, dizendo que os trabalhadores são privilegiados.

Actualmente assistimos a isto constantemente. Está-se a dis-cutir a reforma da Segurança Social. O governo ao alterar a taxa de efectivação, ao dimi-nuir a relação entre o salário no activo e o que o trabalhador vai receber quando se refor-mar, reduz as pensões de todos os portugueses sem sombra de dúvida. O governo diz que não, porque os trabalhadores podem ir mais tarde para a reforma, ou descontar mais e porque haverá

crescimento dos salários – mas nós vamos no sexto ano conse-cutivo com crescimento dos sa-lários praticamente a zero. Isto significa que as pensões daqui a seis anos perderão valor, não só do ponto de vista relativo, como do ponto de vista absolu-to. Para nós, a alternativa seria o governo convocar os repre-sentantes do patronato para discutir os compromissos da Segurança Social e pensar como do ponto de vista económico se vai assegurar o emprego, o cres-cimento económico e a valori-zação dos salários. No entanto, Sócrates dispensa os patrões do encargo de contribuírem para o esforço financeiro suplementar que é necessário para assegurar estabilidade à Segurança Social e de se comprometerem com aumentos de salários, melho-ria da qualidade do emprego e alterações organizacionais e de gestão que favoreçam a produ-tividade. O que é que nós pode-mos fazer? Temos que procurar intervir em relação aos aspec-tos pontuais e trabalhar tendo em conta os aspectos globais. A sociedade e o movimento sin-dical estão confrontados, como nos momentos mais críticos da fundação do sindicalismo, com um problema de fundo: a existência de propostas alterna-tivas políticas que alterem esta situação e perspectivem novos caminhos.

A alteração desta hegemonia e deste rumo económico depende, no seu entender, sobretudo de uma alteração política mais global...

Sim, mas são possíveis, mes-mo hoje, medidas pontuais que contribuam para melhorar a situação. Há economistas que dizem, em privado, que o gran-de problema é a questão fiscal: se a sociedade produz riqueza mas ela não é tributada não são possíveis políticas sociais. Eu comungo dessa tese que a po-litica fiscal é um dos grandes problemas, mas não estou de acordo com aqueles que dizem que não é possível alterar esta situação ainda que, parcelar-mente, ao nível dos países ou da União Europeia, tanto a nível fiscal, como dos seus impactos a nível de redistribuição da rique-za. Em Espanha, por exemplo, Zapatero assumiu que a melho-ria dos rendimentos mínimos era muito importante do ponto de vista de justiça e mesmo para dar maior dinâmica à economia, revalorizou o salário mínimo e outras pensões e a partir dai fez valorizações do trabalho. Em Espanha, o governo está discutir incentivos para a geração mais velha ficar no mercado de tra-balho, como forma de melhorar a sustentabilidade da Segurança Social. Aqui, pelo contrário, o que se anda à procura é da dimi-nuição de encargos do capital.

Como é que a CGTP vê iniciativas como a “a Marcha do Emprego” promovida pelo Bloco de Esquerda?

São muito importantes, nós acompanhámos com atenção a iniciativa do Bloco de Esquer-da. Não nos compete estarmos a imiscuir-nos nisso, mas é um contributo e há temas apresenta-dos que são muito importantes. Ainda há momentos, um vosso colega jornalista interrogava-me sobre a segurança social, e a no-tícia em que estava a trabalhar dizia que a “CGTP não assina o acordo”. Eu disse-lhe, a questão central não é se a CGTP assina ou não assina. Importante seria que os portugueses pudessem perceber aquilo que está em causa. Este governo aproveita uma ideia que está adquirida pelos portugueses, que é as pes-soas sentirem que a sociedade está mal e precisa de mudar. O governo apresenta-se como quem tem propostas de mudan-ça. Então arranja uma equipa tecnocrática, normalmente bem paga, para fundamentar cientifi-camente esta mudança. E depois faz o anúncio pela comunicação social de intenções associadas à proposta, que normalmente não tem nada a ver com os conteú-dos concretos. Neste sentido, é importante que as forças políti-cas e sociais trabalhem estes te-mas fundamentais da sociedade e façam iniciativas que esclare-çam estas questões. Sindicatos e outras organizações têm muito que fazer para o esclarecimento da sociedade portuguesa e bene-ficiam com a iniciativa política dos partidos.

A CGTP convocou para dia 12 de Outubro uma jornada de luta. Um dos problemas dos sindicatos é que há muito tempo que não se ganham as lutas. Quais são os objectivos da jornada de Outubro e que esperam os sindicatos conquistar?

Acho que é preciso profun-didade na análise dos ganhos e das perdas. Há alguma ten-dência para ver os ganhos e as perdas de uma perspectiva me-ramente economicista e de uma forma imediatista. As coisas não podem ser vistas assim. Muitas vezes acontece que os trabalha-dores cedem. Mas uns cedem sem terem consciência que estão a perder e outros cedem tendo consciência do que estão a per-der. E isso é totalmente diferente e marcará certamente o futuro. No estado actual de amorfismo – resultante do descrédito face às mentiras e demagogias dos governantes, da impunidade do patronato, do desrespeito generalizado das leis – tem sido muito importante a batalha que a CGTP tem estado a travar, conseguindo ir aguentando, por exemplo, o modelo da Seguran-ça Social como modelo público

universal e solidário.Para nós, a jornada de luta do

dia 12 tem quatro temas funda-mentais: O primeiro deles, é o da Segurança Social, o segundo é o da situação geral da Admi-nistração Pública, o terceiro é a questão do emprego e o quarto a situação dos salários.

Por exemplo, as medidas que estão em marcha na Administra-ção Pública conduzem à subver-são do papel do Estado e signi-ficam um ataque generalizado aos direitos dos trabalhadores todos. Quando o governo não negoceia e destrói carreiras pro-fissionais, dá um sinal ao sector privado para fazer o mesmo. As-sistimos, também, a um ataque aos direitos sociais. Pode haver justificações orçamentais, numa perspectiva meramente econo-micista, para o encerramento de escolas, hospitais e maternida-des; mas essas medidas cons-tituem-se comprovadamente, como um elemento de deserti-ficação do país, para falar só de um aspecto negativo. Sobre a saúde, diga-se que as decisões nesta área são aquelas que só se conseguem ver a uma grande distância. Como se sabe, a In-glaterra tinha o melhor sistema de saúde do mundo e os ingle-ses só se aperceberam que ele estava profundamente afectado desapareceu passados 15 anos e hoje têm problemas de saúde muito complicados. A política do governo português não au-gura melhor.

Há mais de 10 anos, a CGTP encomendou um estudo sobre a situação nos sindicatos, chamado “Visões do Sindicalismo”. Hoje, frente aos problemas actuais como o aumento

da precariedade, os trabalhadores imigrantes e o crescimento dos desempregados, como pretende a CGTP responder a estas novas situações e conseguir representar e trabalhar com esses sectores sociais?

Nós estamos agora a fazer um estudo para perceber as atitudes perante o trabalho e os sindi-catos. Foi feito um trabalho de campo por uma equipa qualifi-cada do ISCTE. Este estudo está associado à 4ª Conferência sobre Organização Sindical da CGTP e pretende ajudar a apurar algu-mas respostas. O tema central da conferência é a organização de base e os dois complementares são a precariedade e a contrata-ção colectiva. Andamos a apu-rar factores que são importantes para essas camadas de trabalha-dores que referiu, mas também factores que sejam transversais a todos os trabalhadores, para se poderem formar factores de identidade colectiva e de classe que favoreçam a acção sindical. A CGTP está atenta a isso. Uma das componentes que surge quando se fala da contratação colectiva é a constatação da si-tuação de muitos trabalhadores que estão numa situação de va-zio, pela precariedade do traba-lho. Há uma mancha imensa de trabalhadores apenas com a pro-tecção mínima, como a situação nos call centers. Em Portugal, devem estar em vazio contratu-al quase um milhão de trabalha-dores. As condições são difíceis, mas ao mesmo tempo há um movimento sindical a procurar respostas, a ir à busca de fac-tores mobilizadores e a tentar ganhar o debate dos valores na sociedade.

Page 7: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

A celebração do quinto aniversário do 11 de Setembro serve como pretexto para a saí-da de dois filmes de

Hollywood: O “Voo 93”, de Paul Grengrass, e o “World Trade Cen-ter”, de Oliver Stone. Estes dois filmes tentam, tanto quanto pos-sível, romper com o modelo de Hollywood. Concentram-se sobre a coragem de pessoas comuns, sem recorrer a grandes estrelas, a efei-

tos especiais ou a actos heróicos grandiloquentes. Simplesmente, atribuindo uma representação realista e lacónica destas pessoas normais colocadas numa situação extraordinária.

Há, incontestavelmente, um toque de autenticidade nestes filmes: a maior parte dos críticos saudaram a sobriedade e o seu estilo de renúncia ao sensaciona-lismo.

No entanto, é precisamente

este toque de realismo autêntico que coloca algumas questões em-baraçosas.

Em resultado deste realismo, estes dois filmes viram-se impedi-dos, não só, de adoptar um pon-to de vista político, mas até de descrever o seu contexto político mais alargado.

Os passageiros do “Voo 93” e os polícias do “World Trade Center” não têm uma visão global da situ-ação: encontram-se todos numa

situação terrível que se tentam li-vrar da melhor forma possível.

Esta ausência de “cartografia cognitiva” é crucial. Os dois fil-mes representam pessoas normais tocadas pela intrusão brutal da História como causa ausente, pela pancada do real invisível.

A mensagem política dos dois filmes reside no facto deles se absterem de apresentar uma men-sagem política explícita. Aquilo que eles veiculam é uma confian-ça tácita no governo: “quando somos atacados, devemos fazer o nosso dever...”.

Aí, afinal, começa o verdadeiro problema. A ameaça invisível e omnipresente do terror legítimo e das muito visíveis medidas de-fensivas. A guerra contra o terror distingue-se das precedentes lutas mundiais do século XX, tal como a guerra fria, pelo facto de, nesses conflitos, o inimigo estar clara-mente identificado com o impé-rio comunista; a ameaça terrorista é constitutivamente espectral e desprovida de centro visível.

A potência que se apresenta como estando continuamente ameaçada e afirmando simples-mente estar a defender-se contra um inimigo invisível expõe-se ao perigo da manipulação: podere-mos nós ter confiança neles, ou eles evocam continuamente esta ameaça para nos impor uma dis-ciplina e controlar-nos?

A lição a tirar é que, no comba-te ao terror, é mais indispensável do que nunca que a política esta-tal seja democraticamente trans-parente.

Infelizmente, nós pagamos hoje o preço do conjunto das mentiras e manipulações feitas pelos gover-nos norte-americano e britânico nestes últimos dez anos, que tive-ram o seu apogeu com a trágico-comédia das armas de destruição maciça no Iraque. Lembremo-nos do alerta, em Agosto passado, a propósito da ameaça de aten-tados terroristas que deveriam fazer explodir dezenas de aviões entre Londres e os Estados Uni-dos: o alerta era sem dúvida real, afirmar o contrário revelaria um excesso de paranóia. No entanto, nós não nos podemos impedir de pensar que tudo isso não passava de um espectáculo encenado para nos habituar à ideia de um estado de alerta permanente, num esta-do de excepção transformado em forma de vida.

Qual é o espaço que tais acon-tecimentos abrem à manipulação, quando as únicas coisas publi-camente visíveis são as medidas anti-terroristas propriamente di-tas?

O problema não está em pe-dirmos demasiado aos cidadãos comuns, num grau de confiança

ao qual os dirigentes renunciaram há muito tempo?

Qual é o significado histórico do 11 de Setembro?

Doze anos mais cedo, em 9 de Novembro de 1989, o muro de Berlim caía. O desmoronamento do comunismo foi largamente in-terpetado como uma condenação das utopias políticas: hoje, depois de termos aprendido, não sem sofrimento, que a utopias polí-ticas nobres resultam no terror totalitário, vivemos numa época pós-utópica de administração pragmática... No entanto, aperce-bemo-nos imediatamente que ao pretendido falhanço das utopias se sucede o reino da última gran-de utopia, a utopia da democracia liberal capitalista e mundial.

O 9 de Novembro de 1989 anunciava desta forma “os ale-gres anos 90”, o sonho do “fim da História” previsto por Francis Fukuyama. O 11 de Setembro é o grande símbolo do fim desta uto-pia, um retorno à História real: os “alegres anos 90” da administra-ção Clinton passaram, uma nova época se anuncia, nesta novos muros existem um pouco por todo o lado, entre Israel e a Faixa de Gaza, em torno da União Euro-peia, na fronteira entre os Estados Unidos e o México, entre Espanha e Marrocos, substituindo assim o Muro de Berlim, uma época que é acompanhada por novas formas de apartheid e tortura “legal”.

Como afirmou o presiden-te George Bush, imediatamente após o 11 de Setembro, a América esta em estado de guerra. Ora o problema é, precisamente, que a América não está evidentemente em estado de guerra, pelo me-nos no sentido convencional do termo (para a maioria da popu-lação a vida quotidiana segue o seu curso, e a guerra continua um assunto exclusivo das instâncias estatais). A própria distinção en-tre estado de guerra e estado de paz é assim turva, porque nos en-contramos numa época em que o estado de paz pode coincidir, ele mesmo, com o estado de urgên-cia.

Na sua glorificação do desejo ardente e irrepreensível de liber-dade nos países pós-comunistas, George Bush compara este desejo a um “fogo no espírito”. A iro-nia involuntária desta afirmação é que utiliza uma frase extraída do livro de Dostoievski “Os De-mónios”, no qual ele classifica a acção impiedosa dos anarquistas radicais que incendiaram uma aldeia: “O fogo está nos espíritos e não nas casas”. O que George Bush não conseguiu perceber é que no 11 de Setembro de 2001, os nova-iorquinos viam e sentiam já o fumo desse fogo.

GLOBALJORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU

Para além das comemorações das fanfarras, dos filmes e dos discursos, o que ficou do quinto aniversário do 11 de Setembro? Estamos nós hoje melhores que a 12 de Setembro de 2001? Esta Guerra permanente contra um inimigo irreal trouxe aos povos alguma segurança? É o ponto de partida deste escrito do pensador esloveno TEXTO DE SLAVOJ ZIZEK

O 11 DE SETEMBRO DENTRO DAS CABEÇAS

Page 8: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

II | GLOBAL OUTUBRO’06 | ENTREVISTA > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > >

Numa carta que assinou com vários escritores, no passado 19 de Julho, diziam que “está-se a levar a cabo a destruição da nação palestiniana”. Desde quando tem a impressão que a possibilidade da Palestina se constituir em Estado desapareceu?

Tive esta impressão há uns anos, muito antes destas últimas acções de Israel. Desde que se tor-nou claro para os palestinianos

que os Acordos de Oslo eram uma farsa e que nenhum gover-no israelita estava preparado para levar a cabo a mínima das conces-sões a que se tinha comprometi-do. A minha posição foi sempre, ou os palestinianos conseguem um Estado viável ou se impõe a solução de um único Estado – não há solução intermédia.

Neste momento, os israelitas com as suas próprias acções con-seguiram que a solução de um Es-tado única seja a única possível.

Como vê a guerra do Líbano e o aparente êxito

militar do Hezbollah, modificará os termos da equação no Médio Oriente?

Sacudiu o mundo, no entanto não foi o suficiente para que as pessoas percebam as causas pri-meiras deste problema. Temos até a situação grotesca que na primei-ro esboço de resolução que Isra-el, Estados Unidos e os franceses fizeram era tão pró-Israel que inclusive o mais dócil dos líderes árabes não pode aceitá-la.

Mas não há duvida que a acção do Hezbollah mudou a situação. Até o primeiro-ministro libanês, que não é conhecido por ser um político firme, disse a Condole-ezza Rice que não deveria inco-modar-se a visitar o país. Nunca visto! E é preciso também realçar que houve manifestações, peque-nas mas importantes, contra a guerra em Tel Aviv, Haifa e Jerusa-lém, um movimento que crescerá de importância à medida que as pessoas se aperceberem que estas guerras realizadas pelo regime de Israel só fazem as suas vidas mais inseguras.

Têm esperanças de ver uma movimentação que exija o fim da ocupação por Israel dos territórios palestinianos?

Sim, acredito que haverá uma resistência interna em Israel, in-cluindo muitos judeus que verão que não podemos continuar com a politica de sempre. Acredito que a analogia com a África do Sul não é despropositada: muitos sul-africanos brancos aperceberam-se a certa altura que o Apartheid era um beco sem saída. Posso estar a ser ultra-optimista, mas penso que antes que o século acabe al-guma coisa sucederá.

Como pode apoiar as acções do Hezbolla, ou as do Hamas, sabendo a adesão de ambos a uma ideologia fundamentalista que sempre se opôs?

Obviamente que eu não estou de acordo com as posições reli-giosas destas organizações. Eu não sou crente. Isso não é segredo nenhum: digo-o publicamente. No entanto, quando um pais é invadido e atacado e está a resis-

tir gente, é importante falar claro e alto e dizer que têm o direito a resistir. Toda a história do século XX, nesta região, é uma história de grupos de resistentes que são nacionalistas ou religiosos, in-cluindo por exemplo na Líbia e no Sudão. Ai, os grupos que resis-tiram à invasão italiana eram tais que os europeus não os podiam apoiar politicamente, no entanto defenderam-nos do ataque.

Quando Mussolini invadiu a Abissínia e a Albânia em nome da civilização europeia e disse que ia acabar com esses atrasados des-potismo feudais, muita gente no ocidente defendeu os etíopes e os albaneses contra o assalto italiano e disseram que esta gentes tinham o direito a resistir. É pois na base deste princípio que eu digo: qual-quer que seja a gente que, mesmo que não te agrade, decide resistir, nós temos a obrigação de defen-der o seu direito a fazê-lo.

Há décadas que escreve sobre o imperialismo, pensa que a actual administração Bush

está a construir uma nova forma de imperialismo?

É diferente o seu comportamen-to, na medida que os seus inimigos mudaram. Já não se trata do co-munismo, nem do nacionalismo, mas outros movimentos que eles pensam que devem ser destruídos para colocar o mundo debaixo do seu domino hegemónico.

Mas, como venho defendendo desde o 11 de Setembro de 2001, acho que cometeram um erro tre-mendo ao atacar o Afeganistão e o Iraque.

Neste momento, mesmo co-mentadores norte-americanos que foram uma espécie de fanáticos pela guerra, como Tom Friedman, ou democratas como Edwards, di-zem que foi um erro votar a favor da guerra e deve-se ver com os militares a melhor forma de fazer a retirada. O facto destes políticos que apoiaram a guera estarem a mudar de posição, mostra até que ponto a guerra esta a correr mal aos Estados Unidos.

Escreveu que a chamada guerra ao

Os livros de Tariq Ali não deixam ninguém indiferente. No site internacional de compra de livros da Amazon há sempre muitos comentários mordazes e admirativos. O que se pode esperar perante um editor da New Left Review.Nascido e criado no Paquistão, Tariq Ali estudou em Oxford. Enquanto estudante, tornou-se um firme opositor à guerra do Vietname, condena o que considera o “imperialismo norte-americano” na maior parte do mundo, especialmente no Médio Oriente e na América Latina. Pelo caminho debateu com Henry Kissinger e forjou uma amizade com Edward Said que durou até à morte deste. O seu livro mais recente, “Bush na Babilónia”, aparece na sequência da invasão da guerra do Iraque que ele considera como um novo capítulo da disputa histórica entre o imperialismo Ocidental e o extremismo muçulmano, já objecto da sua anterior obra sobre o Choque dos Fundamentalismos TEXTO DE PAIGE AUSTIN

TARIQ ALIA ESQUERDA PERANTE O FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO

ENTREVISTA A

Page 9: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

> > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > ENTREVISTA | GLOBAL OUTUBRO’06 | III

terrorismo requer uma solução política em vez de uma militar. Para além da retirada do Iraque e do Afeganistão e do fim da ocupação israelita da Palestina, o que é necessário para uma solução política?

Penso que precisamente por os Estados Unidos e o seu cão de caça britânico terem feito a guer-ra, a solução política é hoje mui-to mais difícil. Em parte porque esses dois países não são tomados como sérios por ninguém, o que impossibilita que joguem um papel determinante na busca de uma solução pacífica.

Várias vezes defendeu uma espécie de “reforma” Islâmica, em que locais pensa que há condições para um tal movimento?

Costumava pensar – e ainda não desisti dessa hipótese – que um grande movimento de reforma poderia ter lugar no Irão, o qual é em muitos aspectos o país mu-

çulmano mais culto, e com uma tradição pré-islâmica muito ex-tensa que não foi completamente erradicada. Mas, quando os Esta-dos Unidos e Israel se comportam desta forma com o Irão, acordam nele as forças mais retrógradas. De tal forma, que neste momen-to, estou desanimado em relação a esta possibilidade.

Esse é o primeiro problema. O segundo problema é que em muitas partes do mundo islâ-mico, as forças seculares, onde existem, estão inseguras e fra-cas, com tanta falta de confiança , que em muitos casos – não em todos - alinham-se directamente com o projecto imperial e isso criou um grande vazio no qual os islamistas se instalam como poder dominante, porque pas-sam a ser vistos como os úni-cos resistentes. Esta evolução do mundo islâmico é muito perigosa. Encontro muita gen-te boa – intelectuais, escritores – completamente desanimados, apanhados entre o martelo ame-ricano e o sabre islamista, sem saber que caminho devem se-guir.

Encontra nos países muçulmanos alguma liderança ou movimento que poderiam ser os baluartes de uma tal reforma religiosa?

Não há nenhum movimento deste tipo. No entanto, se obser-var o Irão reparará que 75% da população tem menos de 30 anos, e que esta gente cresceu totalmen-te debaixo das normas clericais, e que o seu primeiro instinto vis-ceral é repelir todos esses códi-gos sociais que lhe são impostos. Acho que é provavelmente no Irão que haverá um levantamento daqui a dez anos . Actualmente a situação está paralisada devido às ameaças que pesam sobre o país , que uniram toda a gente. Seja o que seja que cada um de nós pense sobre estas ameaças e a ra-zão porque são feitas, a verdade é que têm o efeito de irritar a maio-ria dos iranianos com Ocidente e tornarem os islamistas como a única oposição a quem ameaça. Infelizmente, os motivos que os torna a única força de oposição é porque não se vislumbra mais nenhuma!

Como muita gente da extrema-esquerda, você liga o anti-imperialismo ao anti-capitalismo. E parece dar por adquirido a possibilidade do fundamentalismo islâmico proporcionar uma base a longo prazo para a resistência. No entanto, o capitalismo e o conservadorismo religioso comungam em linhas gerais de posturas compatíveis. Que outro marco da resistência prevê possível?

Defendo há alguns anos que o que ocorre no Médio Oriente é importante para mostrar ao poder imperialista que não pode fazer tudo o que lhe apeteça. No entan-to, este conflito não trás nada de novo naquilo que se refere a ofe-recer um modelo sócio-político alternativo ao capitalismo, nem ao mundo, nem às suas próprias gente. Pode-se mesmo dizer que deste ponto de vista a situação é nefasta.

Onde está emergindo um mo-delo distinto, não é no mundo islâmico, é na América Latina. Trata-se de um continente onde há imensos movimentos sociais empurrando desde abaixo todo um espectro de políticos e líderes ao poder a partir de eleições de-mocráticas e insistindo para que cumpram as suas promessas– Na Venezuela e na Bolívia os seus líderes estão a começar a cumprir estas promessas. E isso cria um fortíssimo pólo de atracção em todo o mundo. Quando Hugo Chávez vai a um país árabe, e dá uma entrevista a uma televisão árabe, obtém uma fantástica resposta dos árabes, que se per-guntam porque não podem eles ter um Chávez árabe? E isso é porque ele explica que está a usar o dinheiro do petróleo para cons-truir escolas, hospitais, universi-dades, para ajudar os pobres, de uma forma que nunca ninguém fez. Na minha opinião, este mo-delo social-democrata de esquer-da é muito importante, porque é o único que enfrenta o actual estrangulamento neoliberal sobre a economia mundial. .

TARIQ ALIA ESQUERDA PERANTE O FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO

Page 10: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

ESQUERDA/GLOBAL | JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU | WWW.MIGUELPORTAS.NETEDIÇÃO: MIGUEL PORTAS DIRECTOR: NUNO RAMOS DE ALMEIDA EDITOR GRÁFICO: LUÍS BRANCO EDITORA FOTOGRÁFICA: PAULETE MATOS REDACÇÃO: ANDRÉ BEJA, CARLOS SANTOS,

CARMEN HILÁRIO, LUÍS LEIRIA E RENATO SOEIRO IMPRESSÃO: RAINHO & NEVES, LDA / STA. Mª DA FEIRA DEP. LEGAL: 219778/04 DISTRIBUIÇÃO: GRATUITA TIRAGEM: 10 MIL EXEMPLARES

IV | GLOBAL OUTUBRO’06 | PRIVATIZAÇÃO DO DESASTRE > > > > > > > > > > > > > > > > > >

OS NEGÓCIOS DA MEGA-CARIDADEA Cruz Vermelha anunciou uma associação com a Wal-Mart em caso de catástrofe. Quando vier o próximo furação, será uma co-produção da mega-caridade com o mega-supermercado. Esta é, aparentemente, a lição aprendida com a péssima resposta governamental norte-ameri-cana ao furacão Katrina: o comércio corre bem com os desastres TEXTO DE NAOMI KLEIN

No fim, tudo vai acabar nas mãos do sector privado”, disse, em Abril, Billy Wagner, chefe de Urgências

para Florida Key, que actualmente monitoriza a tempestade tropical Er-nesto. “Eles têm os conhecimentos e têm os recursos”, acrescentou.

Mas, antes que este consenso avance, é o momento de ver onde começou a privatização do desas-tre, e até onde inevitavelmente nos levará. O primeiro passo foi a abdicação governamental da sua responsabilidade fundamental de proteger dos desastres a popula-ção.

Sob a administração Bush, sec-tores completos do governo, e em particular do Departamento de Segurança Interna, foram sendo transformados em santificadas agências de emprego temporal, e as tarefas essenciais entregues a companhias privadas.

A ideia é que o investimento privado, determinado pela a ob-tenção do lucro, será sempre mais eficiente que o governo.

Vimos os resultados em Nova Orleãs: Washington mostrou-se débil e incompetente, em parte porque os seus especialistas de prevenção de catástrofes tinham fugido para o sector privado e porque o seu equipamento e tec-nologias estavam completamente ultrapassado.

Numa crise, o governo vê-se aterradoramente inepto, enquan-to o sector privado pode parecer moderno e competente, pelo me-nos na comparação.

Na verdade, quando se trata da reconstrução, as empresas contra-tadas parecem dotadas de pode-res mágicos. “Para onde foi todo o dinheiro”, perguntam as pes-soas desesperadas, desde o Golfo Pérsico até às costas do Golfo do México. Uma grande parte desse dinheiro foi entregue a grandes empresas privadas. Fora do radar da opinião pública, gastaram-se milhares de milhões de dólares do erário público na infra-estru-tura privatizada de resposta aos desastres: as novas instalações centrais ultra-modernas do Gru-po Shaw; os batalhões das equi-pas de remover terra de Bechtel; um campus na Carolina do Norte de 2.400 hectares, da Blackwater USA (com uma campo de treino paramilitar e uma pista de dois quilómetros).

Chamemos-lhe o complexo do capitalismo do desastre. Es-tas empresas contratadas podem

conseguir qualquer coisa que se necessite quando se está em sérias dificuldades: geradores, tanques de água, camas, casas móveis, sis-temas de comunicação, helicóp-teros, médicos e medicamentos, homens armados...

Este Estado dentro do Estado foi sido construído quase exclu-sivamente com dinheiro de con-tratos públicos e, no entanto, está todo nas mãos dos privados. Os contribuintes não têm nenhuma ingerência sobre ele. Até agora, esta realidade não se concretizou porque enquanto os contratos governamentais pagam as contas destas companhias, o complexo do capitalismo do desastre ainda não prestou os seus serviços ao público de uma forma gratuita.

Contudo, isto é um engano: o governo dos Estados Unidos ca-minha para o desastre orçamen-tal, em grande medida devido a estes gastos descontrolados. A

dívida nacional é de 8 biliões de dólares; o défice do orçamento federal é de pelo menos 260 mil milhões de dólares. Isto significa que mais cedo que tarde, vão-se acabar os contratos. E ninguém sabe melhor isso que as ditas em-presas.

Ralph Sheridan, director-exe-cutivo da Good Harbor Partners, uma das centenas dessas novas companhias, explica que “os gas-tos governamentais são esporádi-cos como bolhas de ar”.

Quando estas bolhas explo-direm, empresas como Bechtel, Flúor e Blakwater vão perder a sua fonte primária de ingressos.

Todavia, terão a habilidade para responder a desastres – enquanto o governo terá abandonado essa importante destreza -, venden-do, embora, essa utilização da infra-estrutura construída com dinheiros públicos, a preços de mercado.

Se as políticas actuais continua-rem, podemos ter uma pálida ima-gem do que poderá ocorrer num futuro próximo: viagens de heli-cóptero desde os tectos das cida-des inundadas (5 mil dólares por cabeça seria o preço certo para tal serviço, 7 mil dólares por família, mascotes incluídas), água engarra-fada e “alimentos preparados” (50 dólares por pessoa; caro, mas é as-sim que está a oferta e a procura) e um abrigo de refúgio (mostre-nos a sua identificação biométrica, criada graças a um contrato lu-crativo com a segurança, que nós conseguimos encontrá-lo).

Antes de dizer “não nos Estados Unidos”, interrogue-se: aonde mais do que nos Estados Unidos? O modelo é do sistema de saúde norte-americano, no qual os ricos podem ter acesso ao melhor dos tratamentos em ambiente SPA, e 46 milhões de norte-americanos não têm tratamento nem seguro

médico. O modelo também se en-caixa no combate mundial à Sida, em que o sector privado ajudou a criar medicamentos salvadores de vidas, que a maioria dos infectados do mundo não pode comprar.

Se este é o historial do sector privado no que diz respeito a de-sastres em câmara lenta, porque haveríamos de esperar que se guiassem por valores diferentes nos desastres em câmara rápida, como os furacões e até os ataques terroristas?

Há um ano, os cidadãos pobres e a classe trabalhadora de Nova Or-leães estavam a tremer nos telhados das suas casas destruídas esperan-do uma ajuda que nunca chegou, no entanto aqueles que podiam pagar conseguiram escapar.

Isto poderia mostrar-nos que vamos numa direcção fatalmente errada. Ou poderá ser a primei-ra visão de desastres em que “os utentes pagam”.

Page 11: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

> > > > > > > > > > > > > > > > > > > > > SEGURANÇA SOCIAL | ESQUERDA OUTUBRO’06 | 7

NÚMEROS TORTOS, REFORMA À DIREITAOs últimos meses têm sido marcados por um intenso debate em torno das alternativas para a Reforma da Segurança Social. Estatísticas e estimativas, previsões e simulações, delírios e fantasias têm sido esgrimidos em torno de visões distintas e inconciliáveis de um dos pilares mais estruturantes do que resta do Estado social TEXTO DE JOSÉ GUILHERME GUSMÃO

À proposta do PS para a reforma da Segu-rança Social, assente no aumento da ida-de da reforma e na

alteração do cálculo das pensões, o Bloco de Esquerda respondeu com uma outra, inspirada num reequilíbrio das contribuições das empresas para o sistema. CGTP e PCP também avançaram com as suas propostas. A esse debate chegaram, in extremis, as propos-tas do PSD e do “Compromisso Portugal”, dois dos documentos mais irresponsáveis e incompe-tentes produzidos na política portuguesa nos últimos anos.

As propostas da direita social e política são absolutamente ins-trumentais no actual contexto. Servem para produzir discurso ideológico puro e tentar recolo-car a crítica à proposta do Go-verno, afastando-o o do debate com a esquerda. Não deixa, no entanto, de ser irónico que ambas recorram massivamente à dívida pública para financiar a transição. Quando se trata de desmantelar o sistema público de Segurança Social, a direita cura-se da sua obsessão com o Pacto de Estabi-lidade.

Mas a crise de sustentabilidade da Segurança Social não é uma invenção da direita. Jerónimo de Sousa acusou recentemente o Bloco de a “dar como adquirida”. O Bloco é, de facto, culpado de olhar para a realidade: As pen-sões do subsistema previdencial representam hoje cerca de 5,5% do PIB. Em 2010, serão 6%. Em 2015, 6,6%. Essa dinâmica apon-ta para quase 10% do PIB em 2050, se não se fizer nada. A es-colha da esquerda incide, então, sobre o que fazer.

A reforma do governo Sócrates assenta em dois pontos-chave:

a) A antecipação da nova fór-mula de cálculo das pensões – A aplicação imediata da nova fórmula de cálculo das pensões levanta dois problemas. Se é verdade que a nova fórmula é mais justa e diminui as arbitra-riedades e o planeamento das contribuições, a sua aplicação sem período de transição põe em causa pensões que passam a ser formadas com salários de antes do 25 de Abril e resulta numa redução dos valores esperados. Não se trata, portanto, de um ajustamento neutro. A diminui-ção média do valor das pensões em relação ao que seria no ante-rior regime ascende a 12% para trabalhadores que se reformem em 2030.

b) A introdução do factor de sustentabilidade – O factor de

sustentabilidade consiste num rácio entre a esperança média de vida na idade da reforma hoje e o mesmo valor para o ano em que cada trabalhador se reforme. Com o aumento estimado da esperan-ça média de vida, a multiplicação do valor da pensão por este factor conduz à redução das pensões que vai de 5,3% para trabalhado-res que se reformem em 2016 até 18,2% em 2046. A alternativa é o adiamento progressivo da idade de reforma.

Contra esta realidade, José Sócrates tem argumentado que não se trata de uma diminuição das pensões mas sim da “redução do seu aumento”. O argumento é requintado: José Sócrates fala

da comparação entre as pensões actuais e as pensões que forem formadas no novo regime, mas a partir de rendimentos (e con-tribuições), que são substan-cialmente superiores. A única comparação que tem sentido é, no entanto, a comparação entre os valores das pensões que serão afectadas por estas medidas tal como resultariam do anterior re-gime e do actual regime.

O resultado dessa comparação é de que os cortes médios podem ascender a 23% (valor da redução para quem se reformar em 2030). A sustentabilidade será paga pe-los que trabalharam toda a vida. Foi outra a solução do Bloco. Os princípios orientadores foram o

da actualização das contribuições à realidade actual e o de contri-buições solidárias para a susten-tabilidade do sistema.

A proposta do Bloco introduz uma taxa sobre o valor acrescen-tado das empresas de 3,5%, em média. Esta taxa é introduzida em conjunto com uma redução da contribuição das empresas para a Taxa Social Única em 3%. Com esta medida visa-se estimular a criação de emprego (que também contribui para a sustentabilidade da segurança social), ao diminuir os custos indirectos das empresas com os trabalhadores e impor a contribuição para a Segurança Social a partir de mais de metade do Rendimento Nacional, actual-

mente inexistente.A proposta do Bloco inclui ain-

da a progressividade no sistema, através da criação de uma contri-buição adicional de solidariedade 1% a 5% para os que auferem rendimentos mais elevados.

É esta a única escolha que está realmente em causa. Para lá das propostas mirabolantes da direi-ta, o que sobra é uma proposta do governo que responsabiliza os que sempre contribuíram por uma falência que não é responsa-bilidade sua e uma proposta do Bloco que assenta num princípio de solidariedade alargado aos rendimentos. Quem trabalhou uma vida inteira merece melhor que o mal menor.

BlocoOUTUBRO 2006 | Distribuição gratuita

Page 12: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

8 | ESQUERDA OUTUBRO’06 | MARCHA PELO EMPREGO > > > > > > > > > > > > > > > > > > >

DIA APÓS DIA, OS 17 DIASTEXTO DE LUÍS LEIRIA. FOTOS DE PAULETE MATOS

DIA 1 No arranque oficial, ainda não se caminha. Apenas há a recepção dos caminhantes e um comício. É preciso assinar papelada (termos de responsabilidade), pagar as refeições dos dias em que se participar. Cada caminhante recebe uma fita verme-lha no pulso (para indicar que já cumpriu as formalidades). O comício, em Braga, é ao ar livre e muito animado. O grupo Tro-vas ao Vento garante a festa e Francisco Louçã acusa o governo de fazer uma al-drabice com os números do desemprego, diferentes se medidos pelo INE ou pelos Centros de Emprego.

DIA 2 A marcha começa a sério. Um fantasma branco na frente (o fantasma da explora-ção) e cerca de 120 caminhantes atrás. Sai da praça do Toural, em Guimarães, almoça em Taipas e termina em Campelo. Cerca de 15 quilómetros de marcha dedicados à denúncia das falências fraudulentas e à apresentação de propostas de proibição de despedimentos, numa série de casos devi-damente identificados. À noite, no comício no Centro Cultural de Guimarães, António Chora, da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, denuncia as propostas do Compromisso Portugal, que anunciara nova reunião no Convento do Beato.

DIA 3Dia de marcha particularmente duro, a atravessar uma parte do Vale do Ave, par-tindo de Pevidém, seguindo até Oliveira de Santa Maria e terminando os 15 quiló-metros em Joane. Até chegar lá, um “pré-mio de montanha” debaixo do sol deixa muitos caminhantes exaustos. A atracção foi a cow parade das vacas magras, vacas escanzeladas, porque castigadas pela pe-núria do desemprego. No arranque, em Pevidem, Adelino Mota, da concelhia local do Bloco de Esquerda,

ele mesmo motorista de caminhão de-sempregado, denunciou casos de encer-ramento de empresas na região. À noite, José Manuel Pureza citou Mia Couto ao di-zer que “Contra factos só há argumentos”. Explicou que o Bloco faz a marcha com as contas feitas e a consciência do que quer propor. E enuncia algumas das propostas avançadas pelo Bloco, como a criação de emprego público e a redução da jornada para 36 horas.

DIA 4 O momento alto é a passagem pela Lear de Valongo, uma unidade fabril de compo-nentes de automóveis ameaçada de des-localização. Os membros da Comissão de Trabalhadores recebem a marcha à porta da empresa e recordam a Francisco Lou-çã que estes despedimentos acontecem dois anos depois daquela unidade ter sido considerada a mais produtiva do grupo. No fim do encontro, Louçã diz que as des-localizações são “um abuso” de empresas que recebem apoio do governo, da União Europeia e das autarquias e que os usam para depois não manter os seus compro-missos. A marcha percorre 17 quilómetros entre Valongo e a Maia, passando por Ermesin-de. À chegada à Maia, fez-se a encenação de um jogo de futebol entre empresários e trabalhadores precários, em que a arbi-tragem se mostrou, para dizer o mínimo, muito simpática com a primeira equipa. À noite, comício no Fórum da Maia. Lou-çã insiste que os trabalhadores não são coisas que se compram e se vendem. Ao contrário dos políticos tradicionais, para quem os trabalhadores são invisíveis, são parte de um mercado, são coisas, para o Bloco de Esquerda são pessoas que lutam. Pessoas, como os trabalhadores da Lear, que resistem aos despedimentos.

DIA 5 Dia da visita ao Norteshoping, de Matosi-nhos, para denunciar a situação dos traba-lhadores precários dos centros comerciais (ver destaque na página 10). A marcha partiu da freguesia de Perafita, passou por Leça da Palmeira e terminou no jardim frente à Câmara Municipal de Matosinhos. Aí realizou-se, ao fim da tarde, um peque-no comício com a participação de cerca de 300 pessoas.

DIA 6Saída de Vila Nova de Gaia, partindo da frente da empresa de construção Soares da Costa para assinalar que o sector da construção civil é recordista em acidentes de trabalho. Já perto da hora do almoço, marchantes e população assistem a um “desfile de moda” das novas tendências do mercado de trabalho, em frente ao El Corte Inglês. Na passerelle desfilou o ves-tido de recibos verdes; o modelo especial de óculos que permitem fazer horário nocturno com salário diurno; dois mode-los apropriados aos que precisam de pular fronteiras para arranjar emprego; e uma mochila para pôr na frente, apropriada para as grávidas em precariedade. O calor começou a baixar no norte de Por-tugal e a diferença foi notada com alívio: os quilómetros custaram menos a passar. O dia termina com um comício no Porto, no cinema Batalha, onde João Teixeira Lopes diz que a marcha é um desafio à “socratização” do país: roupa elegante, frase estudada, mas também a política de subalternização do país, da economia de casino, da tentativa de empurrar trabalha-dores uns contra os outros.

DIA 7 Dia com um programa cheio. Começa com a passagem pela Filadélfia, empresa que o patrão quer fechar (destaque na pági-na 10) e a visita à Deficiprodut, situada

em Maceda, Aveiro. Já em Ovar, a Mar-cha distribuiu panfletos à porta da Yazaki Saltano, uma empresa do ramo de com-ponentes para automóveis, que já teve 3 mil trabalhadores e que agora já só tem 1.400. Os caminhantes soltaram balões que transportam papéis com dizeres como “Direitos sociais”, “Salários”, “Futuro”, “Motivação”. No final da caminhada diá-ria, um pequeno comício em Ovar, onde aguardava uma exposição de fotografias sobre o tema do trabalho.À noite, num comício em São João da Ma-deira, foi evocada a greve dos sapateiros de 1942, um marco na história da resis-tência ao salazarismo, com intervenções de Elísio Estanque e de Fernando Rosas.

DIA 8 À porta da Rohde, uma multinacional ale-mã do calçado, em Santa Maria da Feira, a marcha detém-se para denunciar a de-sigualdade praticada pela administração entre homens e mulheres, que fazem o mesmo trabalho mas têm salários dife-renciados: as mulheres ganham até dez contos menos que os homens. A Rohde já teve 2.200 trabalhadores, agora são 1.100 e sempre sob a ameaça de deslocalização. Outra empresa do mesmo concelho visi-tada pela marcha foi a Cifial, propriedade do “patrão dos patrões” Ludgero Marques, presidente da Associação Empresarial Por-tuguesa. Com uma pequena encenação, denuncia-se a prática comum na empresa de fazer contratos de três meses e manter os trabalhadores “saltando” de contrato em contrato. À noite, comício no Furadouro no meio de nevoeiro intenso. E frio, depois de tanto calor dos dias anteriores... Luís Fazenda critica as novas alterações ao subsídio do desemprego aprovadas em Conselho de Ministros, dizendo que a Marcha pelo Emprego é uma demons-tração do desassossego do Bloco dian-

Page 13: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

> > > > > > > > > > > > > > > > > > > MARCHA PELO EMPREGO | ESQUERDA OUTUBRO’06 | 9

te de medidas que querem poupar di-nheiro à custa dos desempregados. A actuação do grupo Skareta aquece os assistentes.

DIA 9 Dia de caminhada mais leve em Espinho. À noite, nesta cidade, sessão de cinema com a estreia nacional do fi lme italiano “O Evangelho Segundo Precário”, de Stefano Obino, uma produção independente (ver entrevista com o realizador no site www.es-querda.net, na parte dedicada à marcha). São quatro histórias cruzadas de pessoas que têm vidas precárias, relações de tra-balho angustiantes, que são maltratadas por chefes prepotentes. Algumas reagem, outras adaptam-se.

DIA 10 Caminhando pelos concelhos de Viseu e de Coimbra, com um dia dedicado à defe-sa dos serviços públicos de qualidade. À noite, comício no pátio da Inquisição em Coimbra. Francisco Louçã afi rmou que “a escolha do modelo da Segurança Social é fundamental para a democracia portugue-sa” e que o Bloco proporá um referendo sobre a matéria se as propostas da direita e do governo forem para a frente.

DIA 11 Dia de Leiria e Marinha Grande. Um per-curso de 15 quilómetros que serviu para falar dos direitos e da luta dos trabalhado-res, e da proposta do Bloco para a criação dos Julgados Sociais, medida que permitirá a resolução rápida de muitos confl itos de trabalho. À noite, num comício na Socieda-de Operária Marinhense, homenagem ao anarquista e resistente Emídio Santana e à tentativa de insurreição operária do 18 de Janeiro de 1934, contra a imposição dos sindicatos fascistas, com um fi lme sobre a vida e a luta de Emídio Santana e interven-ção de Fernando Rosas.

DIA 12 Caminha-se por Torres Novas, Entronca-mento e Santarém. Logo de manhã, Fran-cisco Louçã fala com membros da Comis-são de Trabalhadores da Portugal Telecom que pediram que a marcha denunciasse a situação escandalosa de uma empresa que consegue mais de 600 milhões de eu-ros de lucro e ainda assim pretende des-pedir cerca de 3.000 trabalhadores, quer se concretize ou não a OPA da Sonae. À noite, comício em Santarém. Francisco Louçã ataca as propostas do PSD para a segurança social e o eventual acordo, com bênção presidencial, entre a direita e o governo PS nessa matéria. O dirigente do Bloco fez as contas às promessas de Marques Mendes, que tem como único objectivo a entrega de muitos milhões de euros, ganhos durante toda a vida dos tra-balhadores, para as mãos dos bancos e seguradoras privados.

DIA 13 Num dia marcado pelo mau tempo, a marcha reuniu-se com trabalhadores de empresas do concelho de Abrantes - Fun-dições Rossio de Abrantes, Bosch, Mitsu-bishi -, todos eles com regime de horário por turnos. À noite, o comício no Tramagal, previsto para ser ao ar livre, teve de passar para o Mercado de Peixe, devido ao mau tempo. Francisco Louçã explicou que o Bloco de Esquerda quer antecipar a reforma dos trabalhadores em função dos anos em es-tiveram sujeitos ao regime de turnos e criar um subsídio de turno e trabalho nocturno que deve corresponder a pelo menos 25 por cento do salário.

DIA 14 Dia muito cansativo, com um longo percur-so que teve início em Vila Franca de Xira, passando por Alhandra, Alverca e Póvoa de Santa Iria. Dedicado aos defi cientes,

o comício foi justamente na Cooperativa de Ensino e Recuperação de Crianças Inadaptadas (CERCI) da Póvoa.A deputada Mariana Aiveca denunciou que a taxa de desemprego entre os ci-dadãos portadores de defi ciência é oito vezes superior à da média de Portugal, e que os números ofi ciais nem sequer en-tram em linha de conta com os defi cientes sem emprego. A primeira oradora foi uma defi ciente motora, Rita, que denunciou que 3⁄4 dos defi cientes não tem emprego. “Os defi cientes não são um peso”, disse, afi rmando que aqueles que conseguem emprego são perfeitamente competentes nas suas funções mas muitas vezes são usados como mão-de-obra barata.

DIA 15 Ultrapassados os 250 quilómetros anda-dos, o percurso foi de Santa Iria da Azóia para Moscavide, passando pela Bobadela. Ao mesmo tempo, uma nova coluna arran-cava de Palmela e dirigia-se a Setúbal e realizava-se ainda a marcha no Funchal.Durante o dia, encontros com as comissões de trabalhadores da Saint Gobain (antiga Cofi na) e com representantes das Comis-sões de Trabalhadores de várias indústrias de Setúbal, com destaque para o sector automóvel. De noite, num comício em Moscavide, Francisco Louçã denunciou as negociatas à sombra da privatização da REN e da GALP. Contestou as chamadas “privatizações de Inverno”, afi rmando que a ânsia do governo em conseguir 1.600 milhões de euros para minorar o défi ce está a levar o governo Sócrates a entregar nas mãos dos privados um serviço público estratégico como é a rede eléctrica. No Funchal, a marcha terminou junto ao cais, onde Guida Vieira garantiu que a si-tuação real do emprego é muito diferente da apregoada pelo Governo Regional, de que “vivemos num paraíso”. “Não foi isso

que nos disseram as pessoas com quem contactámos nestas duas semanas. Disse-ram-nos que o problema do emprego na Madeira é um dos maiores problemas que afl ige as pessoas”.

DIA 16 Com quase 300 quilómetros percorridos, Francisco Louçã juntou-se durante o dia à Marcha do Sul, que foi do Barreiro ao con-celho da Moita. A coluna do Norte juntou Mem Martins a Queluz e realizou à noite, em Oeiras, uma sessão pública.Chamando a atenção para as novas reali-dades do desemprego e da diminuição dos direitos laborais, Luís Fazenda lembrou que, num país em que há mais de meio milhão de desempregados e metade dos quais não recebe nenhum apoio social do Estado, é o próprio sindicalismo que tem que se adaptar. “Tem de haver uma con-vergência politica entre desempregados e trabalhadores, para que os sindicatos não sejam apenas a casa comum dos empre-gados, mas a de todos os trabalhadores”.

DIA 17 Passava ligeiramente das 13 horas de domingo quando a coluna da Marcha do Emprego do “Sul”, que vinha de Corroios, se juntou à do “Norte”, que partira da Amadora. No Jardim das Amoreiras, foi a festa para centenas de militantes do Blo-co de Esquerda que tinham entrado em Lisboa no décimo sétimo dia de marcha. Vinte minutos depois, uma muito animada e participada coluna da caminhantes en-trava na Estufa Fria para o almoço-comício de encerramento. O coordenador da Comissão Política do Bloco disse que a marcha não acabou em Lisboa e que é preciso colocar todos os dias o problema do desemprego, da pre-cariedade do trabalho e da pobreza como questões fundamentais da nossa socieda-de. Missão cumprida.

DIA APÓS DIA, OS 17 DIAS

Page 14: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

10 | ESQUERDA OUTUBRO’06 | MARCHA PELO EMPREGO > > > > > > > > > > > > > > > > > > >

ENTREVISTA A JORGE COSTA

Passados estes 17 dias, que balanço fazes da Marcha pelo Emprego?

A Marcha foi uma iniciativa ar-riscada. A própria ideia da Marcha é original e nunca tinha sido antes tentada neste país.

Politicamente, o balanço da Marcha é muito interessante. Foi uma festa de propostas e de in-tervenção directa junto das po-pulações, com um programa de alternativas para combater o de-semprego. Teve uma receptividade muito boa. Não sabíamos se ia ser assim, no início, e a verdade é que a Marcha como tal, a sua natureza, o seu colorido foram reconheci-dos pelas pessoas desde os pri-meiros dias. Sobretudo uma ideia: o desemprego não é uma fatali-dade, mas sim o produto de uma política aplicada pelos sucessivos governos e pelo actual, do Parti-do Socialista. Esta ideia de que o desemprego não é uma fatalidade, que pode ser de outra maneira, é uma ideia que a Marcha passou e que as pessoas não só receberam como partilharam. Consideras que um dos momentos altos da marcha foram os contactos com os trabalhadores?

Além de lançar na sociedade

um elenco de alternativas que vêm sendo trabalhadas no Bloco para combater a precariedade, os baixos salários, as deslocalizações e a prepotência patronal, quería-mos encontrar trabalhadores que hoje são directamente afectados por processos deste tipo: falên-cias fraudulentas, despedimentos colectivos, rescisões “amigáveis” à força. E foi isso que fi zemos em muitas empresas. Vieram ter con-nosco em Esmoriz trabalhadoras do sector têxtil despedidas e que defendiam à porta da empresa o material e o direito às indemniza-ções. Elas vieram ao encontro da Marcha pelo Emprego para expor a sua situação e conversar con-nosco. Na Lear, em Valongo, que é uma empresa de componentes de automóvel, sucedeu o mesmo, uma delegação de trabalhadores foi à porta da empresa receber a Marcha. No distrito de Santarém esteve connosco o coordenador da Comissão de Trabalhadores da PT, uma empresa sob ataque, em que estão ameaçadas importantes regalias, conquistadas duramente pelos trabalhadores. No distrito de Setúbal, tivemos encontro com membros de várias comissões de trabalhadores do sector automó-vel, que vieram ter com a Marcha para denunciar a ameaça que pai-

“A MARCHA É UM EXEMPLO DE COMO O BLOCO SE PODE MOBILIZAR”

SÉTIMO dia da marcha: em Esmoriz, há um desvio de percurso de última hora. Chegara a notícia de que um grupo de trabalhado-ras estava acampada à porta de uma pequena fábrica de confecções, a Filadélfi a, que o patrão queria fechar. Quando chegamos, lá estão elas: cadeiras de campanha, cobertores... A fábrica fi ca ao lado da luxuosa moradia do patrão. As trabalhadoras - 15 efec-tivas e 11 contratadas a prazo – recusaram-se a assinar um papel em que abriam mão dos seus di-reitos e indemnizações. E

montaram um cerco à fábrica quando uma delas foi avisada por um vizinho que uma camioneta com um toldo azul estava à porta e que possivelmente estava a carregar máquinas. “Ninguém sabe se ainda há máquinas lá den-tro. Porque o patrão não deixa entrar ninguém.” As trabalhadoras fi cam animadas quando a marcha chega. “Já avisámos a imprensa, as televisões, mas ninguém nos liga...” A Filadélfi a faz confecções, principalmente calças de homem. “O patrão sem-pre dizia que não ganhava o sufi ciente, mas só há um mês é que começou a falar em fechar e não fechar... Nada fazia crer que isto ia acabar assim...”As trabalhadoras mais antigas, com 12, 13 anos de fábrica, contam que em Paramos, ali perto, o mesmo patrão já tinha tido outras duas fábricas que fechou fraudulentamente. “E agora está a tentar fechar a terceira também de maneira fraudulenta”. Já estão de férias há quase um mês e não receberam o subsídio. “Ofi cialmente, a fábrica está fechada para férias porque nós não estamos a ceder à chantagem dele, senão já estava fechada.” Foi um exemplo das muitas falências fraudulentas e encerramentos no distrito de Aveiro.

ERAM 11 jovens de mãos dadas. O primeiro ti-nha a t-shirt da marcha; os seguintes, as letras S-H-O-P-P-I-N-G-S, cada uma delas em cada t-shirt; no fi nal, de novo uma t-shirt da marcha. Cada uma das t-shirts com letras tinha também uma denúncia da situação dos trabalhadores dos centros comerciais, essas “catedrais da precariedade”: cerca de 30% dos trabalhado-res dos centros comerciais não têm categoria profi ssional contratualmente previstas; a mesma percentagem está classifi cada como estagiária; 40% tem vínculo de trabalho precário, sendo que este número sobe para 50% entre as mu-lheres, que representam 70% do total dos con-tratados pelas lojas dos centros comerciais; 30% trabalha mais do que 40 horas semanais, quase 60% tem direito a apenas um dia de descanso semanal e 30% trabalha a tempo parcial; 24% dos trabalhadores não têm direito a subsídio de refeição; o salário médio é de 450 euros.

A maior parte da marcha fi cou fora. Apenas este “panfl eto hu-mano” entrou no Norteshopping, em Matosinhos, acompanhados de mais alguns caminhantes. Mas foi o sufi ciente para deixar a segurança em polvorosa. En-quanto os 11 jovens passeavam pelo shopping, silenciosamente, expondo a sua denúncia a empre-gados e clientes, a câmara da TV Bloco, impedida de fi lmar, con-seguiu captar as comunicações de rádio entre os seguranças. Nomes de código eram trocados, Vitor 2, Mike 0, Papa Sierra Papa

(a PSP que acompanhava a marcha lá fora) e coisas semelhantes. Ordens para seguir atrás dos jovens, e não à frente, proibir fotografi as, informações sobre o que se via na central de vigilância...A notícia do “panfl eto humano” que denun-ciava as condições de trabalho dos centros co-merciais correu de boca em boca e despertou muita simpatia. Os esforços da segurança e do seu chefe (que também acompanhava a ma-nifestação, à paisana, e visivelmente nervoso) foram inúteis para evitar que a acção se reali-zasse. A catedral de consumo demonstrou ser uma catedral de precariedade mas também uma catedral de falta de democracia, onde liberdade de expressão é uma coisa simples-mente inexistente. Neste espaço público pri-vatizado, foi preciso ousar de expedientes para passar a mensagem. Mas o “panfl eto humano” foi um êxito.

AS CATEDRAIS DA PRECARIEDADEMULHERES DE LUTA

Page 15: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

> > > > > > > > > > > > > > > > > > > MARCHA PELO EMPREGO | ESQUERDA OUTUBRO’06 | 11

CUPÃO DE ASSINATURA:NOME: ADERENTE? (SIM/NÃO):

MORADA:

TELEFONE: E-MAIL:

JUNTO CHEQUE Nº: DO BANCO:

A assinatura anual do “Esquerda” é de 8 euros (incluindo despesas de envio). Recorte ou fotocopie, preencha e envie este cupão juntamente com um cheque ou vale postal à ordem de Bloco de Esquerda para: Bloco de Esquerda, Av. Almirante Reis, 131, 2º, 1150-015 Lisboa

QUERES FAZER SUGESTÕES, CRÍTICAS OU PUBLICAR A TUA OPINIÃO NO “ESQUERDA”? ESCREVE PARA BLOCO DE ESQUERDA - “ESQUERDA”, AV. ALMIRANTE REIS, 131, 2º, 1150-015 LISBOA OU [email protected]. NO CASO DE QUERERES VER A TUA CARTA PUBLICADA NO JORNAL, O TEXTO NÃO PODERÁ TER MAIS DE 1000 CARACTERES E A DECISÃO SOBRE A SUA PUBLICAÇÃO ESTÁ SUJEITA AOS CRITÉRIOS EDITORIAIS DA DIRECÇÃO DO JORNAL.

O Esquerda ouviu Jorge Costa, 30 anos, responsável pela organização da Marcha pelo Emprego, sobre os resultados desta inédita campanha de 17 dias. Para ele, com a Marcha, o Bloco mostrou a capacidade de concentrar força e de realizar uma campanha de alta intensidade, independentemente dos calendários institucionais. “É uma enorme aquisição que o Bloco traz para a sua história”, defende ENTREVISTA DE LUÍS LEIRIA FOTO DE PAULETE MATOS

ra sobre os trabalhadores do sec-tor automóvel, a chantagem do patronato mundial no sector, as deslocalizações, etc.

A Marcha pelo Emprego precisa-va de ouvir os trabalhadores para ser capaz de propor alternativas para mobilizar a luta social e assim pensar uma sociedade mais justa.

Estava a lembrar-me também de um momento mais criativo, que foi aquela iniciativa do Norteshopping... Queres explicar como surgiu a ideia de fazer aquela acção?

Os centros comerciais são cate-drais do consumo, mas também catedrais da precariedade. É nos centros comerciais que nós vamos

encontrar as situações mais degra-dadas do ponto de vista dos direi-tos laborais. Quisemos chamar a atenção para isso, organizando no Norteshopping de Matosinhos um panfl eto humano – que não é mais do que contornar a censura imposta pelas administrações no interior dos centros comerciais chegando ao diálogo com os tra-balhadores. Activistas entram no espaço vestindo t-shirts onde está escrita a mensagem que se pretende transmitir. Isso foi feito, apresentando dados sobre a preca-riedade nos centros comerciais, os abusos sobre as mulheres grávidas, os trabalhadores a recibo verde, o não-pagamento das horas extraor-dinárias, os horários intensivos, a falta de folgas – todas essas reali-dades que são comuns nos centros

comerciais. O grupo que formava o panfl eto humano limitou-se a entrar e a passear de acordo com as regras que o próprio centro co-mercial impõe. Foi muito diverti-do e efi caz, porque houve mui-tos trabalhadores que, apesar da vigilância, tentaram mostrar o seu acordo com a iniciativa.

E a partir de agora? Podemos esperar outras iniciativas deste porte? Curiosamente, do outro lado do espectro político, tivemos Manuel Monteiro a levantar a ideia de uma marcha ...

Pois, seria um sinal do sucesso da Marcha pelo Emprego que ago-ra a ideia se tornasse moda. Parece que o Monteiro se interessou por

ela mas isso não é coisa que nos interesse a nós... Falando sério, a Marcha foi muito importante para o Bloco. Há dois momentos que marcam a nossa identidade: um é a fundação, esta cultura da con-vergência socialista, da comunida-de de diferenças. E há outro, que é o da confi ança popular no Bloco, conquistada em eleições sucessi-vas – passámos por dez campa-nhas eleitorais em sete anos e ga-nhámos uma experiência grande nessas disputas políticas. O Bloco aprendeu a mobilizar a crítica, a conquistar o afecto de um povo de esquerda que não acredita que o Partido Socialista possa mudar nada de importante para melhor.

A Marcha é o momento em que aprendemos outra coisa: a capaci-dade de concentrar forças numa

campanha sobre as condições de vida, a questão do emprego e dos direitos sociais, independente-mente dos calendários institucio-nais. É uma enorme aquisição que o Bloco traz para o seu percurso.

Para a Marcha trouxemos tudo. A nossa história, a nossa memória, as nossas referências culturais de esquerda socialista, tudo estava na Marcha. E o que fomos construin-do como alternativas praticáveis para o trabalho foi integrado num programa global para o pleno em-prego, que a Marcha apresentou de forma condensada.

A Marcha pelo Emprego foi um exemplo de como o Bloco se pode mobilizar. Tal como imaginámos a Marcha, seremos capazes de muitas outras ideias fortes para os combates que aí vêm..

“A MARCHA É UM EXEMPLO DE COMO O BLOCO SE PODE MOBILIZAR”

ELE deu um colorido muito especial à Marcha pelo Emprego. Do alto das suas andas, chamava a atenção com a gran-de cartola e a boa disposição, mesmo quando os dias tórridos o faziam suar em bica. Nicolas Brites, 34 anos, actor de profi ssão, chegava a surpreender as pessoas ao distribuir panfl etos aos que vinham ver a marcha passar nas janelas dos primeiros andares. “A participação na marcha mostrou-me como é realmente a situação do desem-prego no país. Não tinha a ideia que era tão grave, as falências fraudulentas, as deslocalizações... Muitos dos meus colegas de profi ssão não conhecem esta situação”, disse ao Esquerda.Nicolas Brites não é fi liado ao Bloco. É simpatizante, e na maior parte das eleições votou no BE. Mas tinha pou-co contacto com o partido quando foi convidado a participar na actividade: “conhecia umas pessoas de Setúbal, o boca-a-boca funcionou e recebi o convi-te.” Aceitou com alegria. “Fiz o seguinte contrato: não recebia nada e não paga-va nada.” Achava que tinha de partici-par com o que possuía: a sua arte. E a verdade é que foi incansável. Além das andas, apresentou três espectáculos teatrais durante a marcha e ainda teve participação especial nalguns dos víde-

os. Depois dos quilómetros de marcha, ainda fi cava à noite a ensaiar com a parceira, a também actriz Cláudia An-drade (que, aliás, só conheceu um mês antes da marcha) as apresentações, e a inventar novas ideias.Nicolas Brites aprendeu a difícil arte das andas no grupo de teatro “O Ban-do” (www.obando.pt), onde entrou em 1997, ano que marca o início da sua actividade como profi ssional. Aperfei-çoou a técnica no ano seguinte, com os polacos que participaram na Expo 98. Hoje, fabrica as próprias andas, que têm 1,35m. “A cabeça fi ca a cerca de 3,5m de altura. Uma queda desta altura pode ser grave”. Já caiu quatro vezes, felizmente apenas se magoando uma delas. “A gente aprende técnicas de cair, mas quando o acidente acon-tece, isso de pouco serve.” O certo é que a ver a ligeireza com que andava entre os caminhantes, ninguém pensa-va em quedas. Nicolas parecia que não se cansava nunca. Mas não era assim. “Há um limite: 45 minutos a uma hora de seguida. Mais do que isso é muito perigoso, é preciso parar, mesmo que a pessoa não se sinta cansada.”Nicolas Brites não seguiu o curso “na-tural” dos actores – isto é, não passou pelo Conservatório. Começou no teatro

amador, na associação Ofecena, fun-dada há 12 anos por Cândido Ferreira. Entre 1995 e 1996 esteve em Macau. “Queria conhecer outras paragens, es-tive um pouco afastado do teatro esses anos”, disse. Mas a partir de 1997, não parou mais. Além de O Bando, dá aulas de teatro e organiza workshops na Jun-ta de Freguesia de S. João, em Lisboa. Lá se juntam estudantes, professores da António Arroio e jovens dos bairros mais desfavorecidos da zona oriental de Lisboa. Tudo misturado. “Muitos vêm pela possibilidade de comunicação, di-zem-me que não querem ser actores, mas que aprenderam imenso”, afi rma Nicolas Brites, que se defi ne como um subversivo. “Se me pedem um espec-táculo de Natal, não vou lá pôr o Pai Natal, talvez ponha o perú, tudo o que seja menos óbvio”, acrescenta.Esse carácter subversivo fi cou bem evi-dente nos espectáculos “O Candidato”, de Harold Pinter, “O Artista da Fome de Kafka”, de Miguel Castro Caldas, e “O livro de Recibos Verdes”, de Nuno Cos-ta Santos, apresentados nesta marcha.Quem quiser ver Nicolas Brites, no pal-co, fi que atento: ele estará na peça “Os Morcegos”, texto de Jaime Rocha (Rui Ferreira e Sousa), música dos Toca a Ru-far, que O Bando estreia em Novembro.

O HOMEM DAS ANDAS

Page 16: O Secretário-geral da CGTP concede a sua ESQUERDA · da situação política em que vivem, que o governo está a fazer ... aumento da taxa de juros consecutivo a mando do Banco

12 | ESQUERDA OUTUBRO’06 | UMA VIAGEM PELO PORTAL DO BLOCO > > > > > > > > > > > > > > >

Desde Julho está a funcionar o portal Esquerda.net. É um portal de notícias com actualização diária renovada ao longo do dia. Na primeira página encontram-se constantemente as cinco notícias mais recentes e pelo menos uma crónica de opinião diária. Mas o portal tem muito mais, como se vê nesta viagem pelo portal TEXTO DE CARLOS SANTOS

Clicando aqui abres a página da rádio onde podes aceder aos diferentes pro-gramas e ao magazine de rádio. Podes aceder ouvindo directamente (strea-ming) ou gravar no computador para ouvir depois (na página há items que explicam o funcionamento).O podcast é um sistema para ser usado com o programa Itunes e que permi-te ouvir os programas e também ser avisado de novos programas. O seu funcionamento concreto tem artigo de explicação de utilização no portal.

Clicando neste logo acedes à página TV Bloco onde podes ver vídeos do Bloco e outros interessantes vídeos.

No menu podes encontrar os artigos das diferentes rubricas que já não estão na primeira página (internacional, polí-tica, sociedade), os artigos de opinião mais recentes mas que também já não estão na primeira página, os diferentes dossiers e o arquivo de notícias mais antigas.

Clicando neste item abres o dossier mais recente. Todas as semanas, ao fi m-de-semana é publicado um novo dossier.

Clicando acedes a um arquivo com as opiniões publicadas no portal, organi-zadas por autor.

Aqui acedes a agenda de iniciativas. A primeira das quais está na primeira página.

O jornal Esquerda encontra-se no site com os principais artigos directamente visíveis na net (em html) e também se pode fazer o download do jornal em pdf.

O mesmo acontece com o boletim Par-ticipacção.

Preenchendo os itens “nome” e “e-mail” e submetendo inscreves-te para receber notícias do Bloco no teu e-mail, duas vezes por semana. Podes também inscrever outra pessoa, em qualquer momento a pessoa pode deixar de re-ceber bastando para tal remover.

RSS é um sistema que te permite ser informado assim que é inserida uma nova notícia. Em “o que são RSS” é ex-plicado o seu funcionamento. O sistema de RSS encontra-se também acessível nos diferentes sites a que o portal dá acesso.

Outros sites: Na coluna da direita, o portal acede também aos diversos sites do Bloco e a uma livraria online.

Clicando na imagem à direita abres o site do Bloco de que podes ver imagem à esquerda. No site do Bloco tens in-formações do Bloco de Esquerda, não só nacionais, mas também locais e também em diversas áreas temáticas, como a intervenção autárquica ou nas regiões autónomas. No site existe entre outras coisas, também uma relação de sites e sedes locais.

No site do grupo parlamentar estão notícias sobre o grupo parlamentar e a sua actividade. Lá estão também os projectos apresentados, intervenções e iniciativas importantes.

A actividade do Bloco no parlamento europeu é divulgada no site “global” que tem também informação e dossiers variados, nomeadamente sobre a União Europeia.

O site Blocomotiva é um site de cultura alternativa onde podes encontrar diver-sas notícias, e também agenda, vídeos e ligações variadas.

Na livraria online acedes a um catálogo de livros, mas lá vais poder (a funciona-lidade ainda não está activa) também comprar directamente livros e conhecer novidades editoriais.

A marcha pelo emprego foi uma campa-nha de iniciativa do Bloco de Esquerda que foi largamente coberta pelo nosso portal e que tem um site próprio, onde podes aceder a notícias, fotogaleria, ví-deos e rádio. No futuro outras campa-nhas virão a ter semelhante cobertura.

Na parte superior do portal podes ainda aceder aos contactos do Bloco e/ou enviar uma mensagem, encontrar uma variada listagem de links ou procurar qualquer notícia pelo pesquisador.

WWW.ESQUERDA.NETO portal de notícias do Bloco