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O teatro como fonte histórica no ensino e na pesquisa RODRIGO SEIDL * Se perguntássemos a um grupo de pessoas quais são os elementos importantes para a realização de uma performance teatral, certamente a lista seria imensa. Incluiria, muito provavelmente, vários elementos, como o figurino, a iluminação, os atores, os elementos de cena, um palco, um teatro, uma plateia, etc. Mas, se perguntássemos ao mesmo grupo sobre a necessidade absoluta da existência de cada um desses elementos para a performance teatral, possivelmente a maioria do que foi listado seria eliminado dessa lista. Por exemplo, uma encenação teatral não precisa necessariamente de um figurino elaborado, pois pode ser feita com roupas comuns. Tampouco precisa de um palco ou um edifício exclusivo para esse fim, pois podem acontecer em qualquer lugar, como de fato ocorrem, nas performances de rua ou happenings. Se continuássemos esse processo de questionar os elementos do teatro, chegaríamos a um mínimo absoluto de um ator e um membro da plateia. Isso significa que tudo o que originalmente fora colocado na lista do que se espera de uma performance teatral é, essencialmente, opcional. Portanto, diferentes contextos pedirão diferentes elementos dessa performance, mas o que nunca muda é que alguém precisa atuar e um outro assistir. Já utilizei o exercício acima mencionado em workshops sobre a natureza do teatro. Ele foi desenvolvido a partir da leitura de The Empty Space, de Peter Brook. Escrito em 1968, esse livro, que se tornou talvez o trabalho mais conhecido de Brook, propôs importantes questões sobre o que é a essência do teatro - ou, pelo menos, o que deveria ser. A própria sentença inicial do livro comunica claramente a principal proposição teórica do autor: "Eu posso pegar qualquer espaço vazio e denominá-lo de palco. Um homem atravessa esse espaço vazio enquanto outro o observa, e isto é tudo que é preciso para que um ato teatral seja estabelecido (BROOK, 1990: 11)." 1 Portanto, o que constitui o teatro é uma conexão especial entre o ator e seu público. Desenvolvendo essa ideia, podemos dizer que todos os outros elementos da performance teatral são escolhas, que podem variar de acordo com as necessidades de cada situação. Para aqueles que fazem teatro essa é uma ideia fundamental, pois o que Brook declara é que o teatro pode criar poderosas conexões se o foco for mantido Professor de História e Teatro da St. Paul's School (Escola Britânica de São Paulo), mestre em História Social pela PUC-SP. 1 "I can take any empty space and call it a bare stage. A man walks across this empty space whilst someone else is watching him, and this is all that is needed for an act of theatre to be engaged" (tradução nossa).

O teatro como fonte histórica no ensino e na pesquisaencontro2016.sp.anpuh.org/resources/anais/48/1467768283_ARQUIVO... · da performance" e então ler o texto tendo essas condições

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O teatro como fonte histórica no ensino e na pesquisa

RODRIGO SEIDL*

Se perguntássemos a um grupo de pessoas quais são os elementos importantes para a

realização de uma performance teatral, certamente a lista seria imensa. Incluiria, muito

provavelmente, vários elementos, como o figurino, a iluminação, os atores, os elementos de

cena, um palco, um teatro, uma plateia, etc. Mas, se perguntássemos ao mesmo grupo sobre a

necessidade absoluta da existência de cada um desses elementos para a performance teatral,

possivelmente a maioria do que foi listado seria eliminado dessa lista. Por exemplo, uma

encenação teatral não precisa necessariamente de um figurino elaborado, pois pode ser feita

com roupas comuns. Tampouco precisa de um palco ou um edifício exclusivo para esse fim,

pois podem acontecer em qualquer lugar, como de fato ocorrem, nas performances de rua ou

happenings. Se continuássemos esse processo de questionar os elementos do teatro,

chegaríamos a um mínimo absoluto de um ator e um membro da plateia. Isso significa que

tudo o que originalmente fora colocado na lista do que se espera de uma performance teatral

é, essencialmente, opcional. Portanto, diferentes contextos pedirão diferentes elementos dessa

performance, mas o que nunca muda é que alguém precisa atuar e um outro assistir.

Já utilizei o exercício acima mencionado em workshops sobre a natureza do teatro. Ele

foi desenvolvido a partir da leitura de The Empty Space, de Peter Brook. Escrito em 1968,

esse livro, que se tornou talvez o trabalho mais conhecido de Brook, propôs importantes

questões sobre o que é a essência do teatro - ou, pelo menos, o que deveria ser. A própria

sentença inicial do livro comunica claramente a principal proposição teórica do autor: "Eu

posso pegar qualquer espaço vazio e denominá-lo de palco. Um homem atravessa esse espaço

vazio enquanto outro o observa, e isto é tudo que é preciso para que um ato teatral seja

estabelecido (BROOK, 1990: 11)."1 Portanto, o que constitui o teatro é uma conexão especial

entre o ator e seu público. Desenvolvendo essa ideia, podemos dizer que todos os outros

elementos da performance teatral são escolhas, que podem variar de acordo com as

necessidades de cada situação. Para aqueles que fazem teatro essa é uma ideia fundamental,

pois o que Brook declara é que o teatro pode criar poderosas conexões se o foco for mantido

Professor de História e Teatro da St. Paul's School (Escola Britânica de São Paulo), mestre em História Social

pela PUC-SP. 1 "I can take any empty space and call it a bare stage. A man walks across this empty space whilst someone else

is watching him, and this is all that is needed for an act of theatre to be engaged" (tradução nossa).

2

na ligação entre o ator e seu público, ao invés de em elementos do palco que não

necessariamente precisam estar presentes e podem ser apenas distrações. Para os historiadores

e outros pesquisadores da área das ciências sociais, investigar as razões por trás de certas

escolhas pode revelar muito não apenas sobre a prática artística de determinado tipo de teatro

ou performance, mas também sobre o contexto histórico-social no qual existiu a performance

estudada.

Portanto, o que propomos aqui é a análise do teatro como fonte histórica que leva em

conta sua essência como performance. Isso quer dizer que investigamos e questionamos todos

os elementos dessa performance bem como os processos que a envolvem. Esse tipo de

investigação é um desafio porque o teatro é, essencialmente, uma forma artística efêmera. Isso

é especialmente verdadeiro quando lidamos com períodos distantes no tempo, nos quais as

apresentações de teatro não podiam ser registradas através do filme ou da fotografia.

Frequentemente, tudo o que temos da encenação original é seu texto. Ainda assim, a análise

do texto teatral não é suficiente para captar a totalidade da natureza dessa performance em um

determinado contexto. Ele é um elemento importante, mas há muitas pessoas diferentes

envolvidas no processo que transforma o que é sugerido na escrita em ação ao vivo na frente

do público. De acordo com Anatol Rosenfeld:

...o texto apresenta apenas um sistema de coordenadas que deve ser preenchido

pela música dos movimentos, pelas inflexões de voz, pelas mil nuanças indefiníveis

da mímica e do gesto. Isto explica o fato de haver só um texto de Hamlet e centenas

de Hamlets diversos. [...] A grande flexibilidade do teatro vivo permite preencher os

vãos e vácuos de mil maneiras, conforme a época, a nação, a concepção e o gesto

(ROSENFELD, 2000: 22).

Portanto, uma análise do texto teatral certamente revelará informações sobre um período

histórico, mas isso seria, essencialmente, uma análise literária. Um estudo do teatro em

contextos diferentes requer uma análise da performance que leva em consideração o fato de

que o texto é, apenas, um dos pontos de partida para que aconteça o fenômeno teatral.

Um grande desafio que vem com a análise da performance é saber o que procurar. É

importante estar familiarizado com os processos do teatro para ser capaz de entender os

diferentes elementos do mesmo e como esses se unem para dar forma à encenação. Mais do

que isso, é necessário um pensamento criativo para ser capaz de reunir fontes adicionais que

3

preencham as eventuais lacunas do que o texto por si só não pode informar-nos, como a

configuração do espaço teatral ou o funcionamento interno das companhias teatrais no

passado.

Em relação ao primeiro problema, Raymond Williams delineou muitos modelos

eficazes para criar um método de análise da performance teatral. O interesse do autor no

teatro esteve presente ao longo de toda sua carreira e, já em 1954, começou a desenvolver um

método de análise do teatro como performance, e não literatura, em seu livro Drama in

Performance. Nele, o autor chamou atenção à importância de se reconstruírem as "condições

da performance" e então ler o texto tendo essas condições físicas em mente. Isso nos

possibilita a imaginar como era a performance tal como a que o dramaturgo teria tido em

mente originalmente (WILLIAMS, 1995: 16). Mais tarde em sua carreira, Williams

desenvolveu ainda mais essas ideias e apresentou o modelo para análise de processos sociais

em seu livro The Sociology of Culture (1981). Nesse, ele sugeriu diversos pontos de vista a

partir dos quais podem ser estudados diferentes processos sociais e culturais, como suas

formações internas, as relações com instituições de poder, com as formas estéticas, entre

outros. Muito do que Williams escreveu é útil como exemplo de análise do teatro e de outros

meios culturais, mas os dois livros acima mencionados são especialmente bons para isso e

formam a base de minha abordagem metodológica.2

O segundo desafio de reconstruir as condições de uma performance que não são

evidentes no texto é um pouco mais complicado. Esse requer do historiador procurar por

pistas em diferentes lugares, o que pode tornar-se mais difícil com peças teatrais mais

distantes temporalmente. Isso é possível, no entanto, e encontrei alguns exemplos bem

interessantes nesse respeito. Por exemplo, muito do que hoje é conhecido do funcionamento

das companhias do teatro da era Elisabetana foi revelado através da descoberta do diário de

Philip Henslowe. Ele era um dos principais empresários teatrais da época e guardava registros

detalhados dos negócios de sua companhia, a Admiral's Men, tais como os custos de compra

de materiais para o figurino, contratos com atores, os lucros diários de cada apresentação e até

mesmo uma agenda das apresentações marcadas para cada temporada de teatro. No caso do

teatro grego, uma referência essencial têm sido as pinturas em cerâmicas nas quais podem ser

vistas as diferenças entre os atores e o coro em relação a suas máscaras, por exemplo

2 SEIDL, Rodrigo. O Negócio do Ócio: o teatro profissional londrino (1576-1603). Dissertação de mestrado -

História, PUC-SP, São Paulo. 2009.

4

(WILES, 2000: 128-130). Embora isso requeira um pouco mais de trabalho e criatividade

durante a investigação, é possível reconstruir o contexto no qual a performance teatral foi

originalmente criada e realizada e também auxiliar a construção de uma suposição mais

adequada sobre como a ação apresentada no texto pode ter sido encenada dentro de tais

condições de performance.

Para o historiador, analisar o teatro como processo social pode fornecer muita

informação a respeito do período histórico sendo estudado. Isso faz do teatro uma fonte muito

útil, tanto como pesquisa histórica como na sala de aula. Para demonstrar como funciona essa

análise, examinaremos um exemplo prático. A partir da ideia de Peter Brook de que qualquer

espaço pode ser um palco para um ato teatral, usaremos o "espaço" como ponto focal da

análise da prática teatral em Londres durante o período final da era Elisabetana (1576-1603).

Devemos poder, assim, evidenciar o quanto é possível descobrir sobre tal período através do

estudo de um aspecto bem específico do teatro da época.

O teatro como fonte na pesquisa histórica

Uma mudança muito importante aconteceu em 1576 em relação à prática do teatro em

Londres. Pela primeira vez desde o período Romano, um edifício especificamente destinado

às apresentações teatrais foi construído para que elas ocorressem regularmente ali. Essa foi a

primeira vez em um longo tempo que os artistas do teatro tiveram seu próprio espaço. Antes

disso, na era Medieval, exatamente como Brook menciona em sua famosa citação, qualquer

espaço poderia ser utilizado como um espaço teatral. Portanto, é importante refletir sobre

esses espaços que foram de fato escolhidos como locais destinados a essas apresentações.

As primeiras formas do teatro medieval aconteciam ao redor de igrejas e catedrais.

Essas peças eram frequentemente escritas e realizadas por membros do clero e eram baseadas

em relatos bíblicos ou da vida dos santos. O propósito de tais apresentações era, obviamente,

auxiliar o ensino religioso através do uso da arte dramática. Mais tarde, ainda que a Bíblia

continuasse sendo a fonte principal para as narrativas das peças, tais apresentações passaram

também a ocorrer ao redor das cidades medievais e em suas praças e ruas principais e não só

nas igrejas ou diante delas. Essas peças eram organizadas pelos próprios conselhos municipais

para ocorrerem durante os principais festivais religiosos e toda a comunidade local

participava. Vemos mais uma vez a importância do contexto religioso mas também da

5

presença laica da cidade exercendo seu poder. Ao mesmo tempo, também já na Baixa Idade

Média, grupos de atores se formam sob a proteção dos senhores feudais como seus patronos,

ainda inseridos no sistema feudal. Em troca da proteção recebida, os atores forneciam

entretenimento na residência do senhor feudal e para seus convidados mas também viajavam

pelo país carregando o nome de seu patrono. Isso era, claro, uma forma de propaganda e

demonstração de poder por parte do senhor feudal (DILLON, 2006a: 17). Entretanto, tais

apresentações ocorriam em qualquer espaço que os atores pudessem encontrar. A encenação

medieval era flexível e os grupos de atores podiam adaptar-se às condições que encontrassem.

Por esse motivo, o teatro medieval podia acontecer numa variedade de espaços, como o salão

principal da casa do senhor feudal ou no paço municipal; dentro de uma igreja ou catedral, ou

até no pátio de frente ou detrás das mesmas; em um palco improvisado no pátio de uma

taverna; ou na praça principal de uma cidade. O mais importante a ressaltar é que esse teatro

não tinha seu espaço próprio nem seu tempo específico, já que as apresentações ocorriam em

conjunto com outros eventos, como as celebrações religiosas. Ademais, o teatro servia aos

interesses específicos de seu patrono.

Em 1576, entretanto, tudo isso começou a mudar com a construção do primeiro espaço

fixo para apresentações teatrais em Londres. Este novo espaço era simplesmente chamado de

Theatre (Teatro) - uma clara indicação da influência clássica na Renascença, pois o nome

havia sido tomado da palavra grega "Theatron", que significa um lugar onde espectadores

podem assistir a alguma coisa. Foi construído por James Burbage (o pai da futura estrela

londrina Richard Burbage, ator que trabalhou com William Shakespeare) e por seu cunhado

John Brayne. Ficava na estrada principal para dentro de Londres a partir do norte no bairro de

Shoreditch. O propósito do novo edifício era ser um local permanente de apresentações para

a companhia teatral de James Burbage - Leicester's Men (Companhia do Conde de Leicester)

- e que também podia ser alugado para outras companhias que viessem a Londres. O teatro

agora tinha seu espaço exclusivo, o que significava que as companhias teatrais não

precisavam mais dividir palcos improvisados com outros tipos de performance. O sucesso do

Theatre foi tamanho que outro teatro público, chamado Curtain (Cortina), foi construído no

ano seguinte. Logo, muitos outros teatros públicos seriam construídos em Londres e mais

6

tarde outros espaços fechados3 seriam criados para uma plateia dos membros mais ricos da

sociedade. Portanto, a prática do teatro tinha agora seus espaços exclusivos dentro da cidade.

Isso levaria a transformações radicais dessa forma artística, bem como nos evidencia

importantes mudanças sociais que estavam ocorrendo na época.

Uma importante mudança que o espaço fixo de apresentação trouxe foi a inversão da

relação entre os atores e a plateia. No período medieval, as apresentações teatrais ocorriam em

conjunto com outros eventos, como a missa religiosa ou um festival cívico, ou então uma

companhia teatral tinha de viajar em busca de locais e público para apresentar-se. Com os

locais fixos para essas apresentações, isso não era mais necessário. A partir dessa época, era o

público quem tinha de ir aos teatros e escolher dentre as várias opções de peças, pagando para

ter acesso ao local de apresentação que agora pertencia às próprias companhias de teatro. Essa

inversão significou a transformação do teatro em produto, ou de acordo com Janette Dillon,

uma commodity, que seria vendida junto com as demais no mercado de Londres (DILLON,

2006b: 43-44).

A configuração interna dos teatros públicos dá ainda mais evidências da ideia de

comoditização do teatro. O design básico de tais edifícios consistia em um palco cercado pelo

público que assistia aos espetáculos de pé. Isso pode ser considerado uma continuação da

herança medieval, quando a plateia geralmente ficava ao redor de plataformas improvisadas

nas praças das cidades ou, de fato, em qualquer lugar aberto que os atores pudessem

encontrar. Ao redor dessa área onde ficava o público em pé havia uma estrutura grande onde

ficavam as galerias para sentar-se, que podia ser circular, hexagonal ou mesmo quadrada.

Estas galerias eram geralmente divididos em três níveis, cada um com um valor diferente. Os

lugares mais baratos eram, claro, os da área em que se ficava em pé, na qual se podia entrar

pagando apenas um penny. Os lugares sentados eram mais caros, e, quanto mais alto o nível,

mais caro ficava a entrada. Almofadas também podiam ser adquiridas por um valor extra.

Todo esse sistema nos mostra como o teatro era, de certa forma, organizado de forma a atrair

um grande número de pessoas por atender às suas necessidades ou às expectativas específicas

de cada classe social. Os teatros públicos recebiam os membros das classes mais ricas e mais

pobres da sociedade londrina. Podemos notar aqui que havia a clara preocupação de lucrar

3 Os teatros públicos eram fisicamente abertas e, portanto, limitados pelo tempo e estação do ano. Alguns salões

abandonados eram convertidos em teatros fechados para atender exclusivamente aos membros ricos da

sociedade. Outra vantagem destes era que não dependiam do tempo instável de Londres.

7

com a apresentação, diferentemente do teatro anterior a essa época, que servia ao propósito de

outros, como auxiliar no ensino da doutrina bíblica ou como agente de propaganda do poderio

da nobreza. Tal lucro foi tornado possível depois da criação desses espaços fixos de

apresentação e da profissionalização da prática teatral no fim do século XVI. Um exemplo

disso é William Shakespeare, que foi capaz de comprar uma propriedade em sua cidade natal,

Stratford-upon-Avon, e um brasão para seu pai, elevando assim seu status ao de gentleman.

A criação de tais espaços fixos para apresentações teve mais repercussões na prática

teatral da época. Por exemplo, o espaço permanente garantiu uma renda fixa às companhias

de Londres que, por sua vez, poderiam contratar mais atores e empregar elementos cênicos

mais elaborados (GURR, 1994: 67). Mas para o propósito deste artigo, vamos nos ater ao

tema do espaço. Tendo discutido as mudanças relacionadas à construção de um local

específico para os propósitos do teatro, observemos agora onde esses locais foram construídos

em Londres e a razão que motivou tal localização.

Por causa de uma grande resistência por parte das autoridades de Londres, as

apresentações teatrais só podiam ocorrer nas chamadas liberties (áreas livres). Essas eram

parte da área urbana de Londres, mas não eram consideradas parte da Cidade, e, portanto, não

estavam sob o controle direto das autoridades de Londres. As liberties eram áreas fora dos

antigos muros medievais de Londres. Elas começaram a desenvolver-se depois que as terras

da Igreja ao redor da cidade foram confiscadas por Henrique VIII durante a Reforma e

vendidas aos membros da nobreza e da burguesia. Tais áreas não haviam sido integradas ao

que se conhecia então como sendo Londres. Estavam, portanto, sob o controle dos senhores

feudais locais, e não sob as autoridades de Londres. Como seu próprio nome sugere, havia

maior liberdade dentro dessas chamadas liberties, e era lá que todas as práticas ou pessoas

indesejáveis do ponto de vista das autoridades da Cidade encontravam morada. Isso incluía, é

claro, o teatro. Todos os novos teatros públicos foram construídos dentro das liberties, porque

a Cidade de Londres não os permitiria dentro de seus muros. É de importância histórica

perceber, assim, que o teatro era uma prática indesejada para alguns, e só poderia encontrar

seu lugar junto com as tavernas, os bordéis e todas as diferentes formas de jogatina.

Era fonte constante de frustração para a Cidade o fato de não poder controlar o

crescente movimento do teatro profissional. Apesar das muitas petições dirigidas diretamente

à Rainha Elizabeth I, as companhias de teatro eram protegidas por seus patronos e permitidas

a continuar apresentando-se apesar dos melhores esforços por parte do Prefeito de Londres e

8

outros líderes puritanos. Mas o que exatamente no teatro, enfim, causava tanta oposição por

parte das autoridades de Londres? Há muitas respostas para essa pergunta. Pesquisando

documentos da época, percebemos que muitos tomaram uma posição crítica em relação ao

teatro, considerando-o a raiz de todos os diversos problemas que então afligiam à cidade de

Londres.

As fontes mais úteis da época sobre esse assunto são as teses antiteatrais escritos ao

longo desse período. Eram textos curtos que traziam uma ampla gama de argumentos contra

as companhias profissionais de teatro, mas a maioria das críticas eram relacionadas à questões

morais. Stephen Gosson foi um dos mais ferrenhos opositores ao teatro, e baseou-se no ponto

de vista religioso para escrever seus textos. Um de seus argumentos principais afirmava que o

teatro era o instrumento do Diabo:

O diabo [...] sentindo um golpe tão forte no seu peito, por causa da mudança de

religião [Reforma protestante – Anglicanismo] e da ascensão da sua Majestade

[Elizabeth I], tem jogado de forma maliciosamente divertida desde então. Ele nos

trata bem agora [...] Primeiro, ele mandou vários livros devassos italianos que,

sendo traduzidos para o inglês, têm envenenado nossos hábitos antigos com

prazeres estrangeiros. Eles têm endurecido tanto os corações dos leitores que

escritores mais sérios são atropelados [...] Portanto, o diabo, não contente com o

número que ele tem corrompido com a leitura de obscenidades italianas, tendo em

vista que nem todos conseguem ler, ele nos apresenta comédias também obscenas

que trazem consigo um rabo monstruoso que é capaz de varrer cidades inteiras

para seu colo (GOSSON, 2004: 90).4

Outros autores viam o teatro como uma prática que espalhava padrões de comportamento

indesejáveis, como desviar os trabalhadores de "ocupações profissionais úteis" para o mundo

das artes, que era, em sua visão, um fardo para os demais "trabalhadores honestos" da

Inglaterra:

4 “The devil [...] feeling such a terrible push, given to his breast by the change of religion, and by the happy entrance

of her Majesty to the crown, hath played wily beguily ever since. He deals with us favorably now […] First he

sent over many wanton Italian books which, being translated into English, have poisoned the old manners of our

country with foreign delights. They have so hardened the readers’ hearts that severer writers are trod under foot

[…] Therefore the devil, not contented with the number he hath corrupted with reading Italian bawdry, because

all cannot read, presenteth us comedies cut by the same pattern, which drag such monstrous tail after them as is

able to sweep whole cities into his lap.” (tradução nossa). A mudança de religião se refere à Reforma religiosa

que deu origem à Igreja Anglicana; a ascensão de “sua Majestade” se refere à ascensão de Elizabeth I.

9

Quando elas [peças] são usadas [...] para manter um grande número de indivíduos

ociosos, fazendo nada a não ser atuando e vagabundeando, conseguindo seu

sustento pelo suor da testa de outros homens, assim como zangões devorando o mel

doce das pobres abelhas trabalhadoras, então elas não são exercícios de forma

alguma permissíveis (STUBBES, 2004: 117).5

Outra objeção era em relação ao comportamento promíscuo que acontecia dentro e ao redor

dos teatros públicos:

Nos teatros de Londres é uma moda dos jovens irem primeiro ao pátio e olhar todas

as galerias; então, assim como corvos quando veem um cadáver putrefato, para lá

voam e se pressionam o quão perto que consigam ao lado da mais bela [...] eles

brincam com suas roupas para passar o tempo, eles conversam em todas as

oportunidades, e as levam para casa mesmo não se conhecendo bem, ou vão para

as tavernas quando as peças terminam (GOSSON, 2004: 109).6

Apesar da grande variedade de reclamações, possivelmente todos os críticos era

unânimes em uma preocupação específica. Jean Howard argumenta que o teatro era o símbolo

de todas as mudanças sociais que estavam desafiando a ideologia dominante da época. O que

agravava a situação era ainda o fato de que essa forma artística popular estava localizada

numa área que não podia ser controlada, onde se era livre para “incorporar e negociar com

uma variedade de interesses ideológicos rivais, ao invés de ser prisioneiro de apenas um”

(HOWARD, 1994: 12).7 O teatro era visto como um perigo real. As peças não apenas tinham

o poder de formar opiniões por meio de suas poderosas encenações vivas, mas também era

possível observar os novos padrões de comportamento que surgiam dentro e ao redor dos

5 “When they [plays] are used [...] to maintain a great sort of idle persons, doing nothing but playing and

loitering, having their livings of the sweat of other men’s brows, much like unto drones devouring the sweet

honey of the poor laboring bees, then are they exercises at no hand sufferable”. (tradução nossa). 6 “In the playhouses at London, it is the fashion of youths to go first into the yard and to carry their eye through

every gallery; then, like unto ravens where they spy the carrion, thither they fly, and press as near to the

fairest as they can […] they dally with their garments to pass the time, they minister talk upon all occasions,

and either bring them home to their houses on small acquaintance, or slip into taverns when the plays are

done.” (tradução nossa). 7 “[…] (the stage was able to) embody and negotiate among a variety of competing ideological interests, rather

than being the captive of only one”. (tradução nossa).

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novos teatros públicos. Tudo isso acontecia logo ali fora dos muros da cidade, e não havia

nada que as autoridades conservadoras pudessem fazer.

Portanto, a partir da observação do espaço do teatro e sua localização na cidade somos

capazes de refletir a respeito de vários elementos históricos. Primeiro, através da criação dos

espaços fixos para a performance teatral, pudemos observar a transformação da prática teatral

em um produto ou commodity. À essa mudança seguiu-se a profissionalização dessa forma

artística e sua transformação em um próspero negócio. Isso indica claramente as primeiras

raízes do capitalismo na sociedade inglesa, embora, é claro, ainda houvesse um longo

caminho a ser percorrido antes de que esse de fato tomasse forma. Ademais, a configuração

dos teatros públicos e das áreas nas quais foram construídos sugere-nos uma cidade num

estado de transformação, entre o período Medieval e a era Moderna. Os novos edifícios do

teatro, ainda que lembrassem as configurações das performances medievais, como um palco

cercado de um espaço aberto para um público que assistia de pé, também apresentavam novos

elementos, como as galerias de assentos divididos em categorias que não se baseavam em

uma hierarquia social, mas em quanto as pessoas podiam pagar. Estavam localizados em uma

cidade organizada à maneira medieval e, providencialmente, foi precisamente por isso que

encontraram seu lugar nas chamadas liberties dessa cidade. Ainda que fossem parte de

Londres, estas áreas estavam sob a jurisdição dos proprietários de terra locais e, por isso, o

teatro profissional pôde desenvolver-se sem muita interferência de seus oponentes da Cidade.

Essa configuração peculiar urbana é um exemplo concreto do que Lewis Mumford comentou

sobre o processo histórico envolvido na evolução das cidades:

Culturas humanas não morrem num determinado momento, como organismos

biológicos. Embora elas muitas vezes pareçam formar um todo unificado, suas

partes podem ter tidos uma existência independente antes de entrarem no todo, e da

mesma forma podem ainda ser capazes de continuar existindo depois que o todo, no

qual uma vez floresceram, pare de funcionar. [...] Esta mistura do velho e do novo é

visível por toda a Europa. Uma boa parte da nova construção no século XVII,

praticamente toda a construção “renascentista” do século anterior, ocorreu em

cima de planos de rua medievais, dentro de muros de cidades essencialmente

medievais, realizado por ofícios e guildas ainda organizados em linhas medievais.

Entre o século XV e XVIII, um novo complexo de traços culturais se formou na

Europa. A forma e os conteúdos da vida urbana ambos foram, em consequência,

alterados radicalmente. [...] Até o século XVII todas estas mudanças eram confusas

11

e tentativas, restritas a uma minoria, efetivas apenas em algumas áreas

(MUMFORD, 1989: 344-345).8

Por último, o grande número de ataques à prática teatral nos revela que esta era mais

do que apenas um reflexo da transformação social, mas também um agente modificador da

mesma. Por exemplo, o teatro era um exemplo de mobilidade social, pois pessoas comuns

podiam ganhar muito dinheiro por meio de sua carreira profissional no teatro e pertencer a

classes sociais mais altas. Era um lugar onde críticas políticas podiam ser feitas de forma

visualmente poderosa e vistas tanto por ricos como por pobres. Era também o lugar onde

novos padrões de comportamento podiam desenvolver-se. Tudo isso fora do alcance das

autoridades de Londres e protegido pelos patronos que apoiavam essa forma artística. O teatro

era muito popular na era Elisabetana, atraindo a enormes plateias para as liberties, onde todas

aquelas práticas indesejadas e pecaminosas aconteciam. Dado que apenas o teatro era atacado

como a raiz de todos os "pecados" que contaminavam a sociedade daquela época, podemos

concluir que estava, de fato, causando impacto naquela sociedade.

O valor da abordagem ilustrada nesse artigo é que essa provê um panorama

contextual completo para a análise histórica de diferentes obras ou tradições teatrais. Através

da análise de apenas uma elemento, o espaço, já fomos capazes de realizar várias descobertas

sobre a sociedade Elisabetana dos fins do século XVI e ainda há outros aspectos da

performance teatral que poderiam ter sido analisados.

Essa análise nos ajuda não apenas a entender o contexto das apresentações teatrais,

mas também a interpretar mais eficazmente os textos teatrais. A análise contextual nos leva a

um melhor entendimento das condições físicas da performance. Isso por sua vez nos permite

uma leitura do texto teatral mais precisa com um maior entendimento das intenções originais

por trás de certas cenas e até de como essas foram recebidas pelo público por causa de suas

8 “Human cultures do not die at a given moment, like biological organisms. Though they often seem to form a

unified whole, their parts may have had an independent existence before they entered the whole, and by the

same token may still be capable of continuing existence after the whole in which they once flourished no

longer functions […] This mingling of the old and the new is visible everywhere in Europe. A good part of

the new building, even in the seventeenth century, practically all of the ‘renascence’ building before this

century, took place on medieval street plans, within the walls of essentially medieval cities, erected by crafts

and guilds still organized on medieval lines […] Between the fifteenth and eighteenth century, a new

complex of cultural traits took shape in Europe. Both the form and the contents of urban life were, in

consequence, radically altered. […] Until the seventeenth century all these changes were confused and

tentative, restricted to a minority, effective only in patches.” (tradução nossa).

12

expectativas específicas. Por exemplo, uma leitura de "Noite de Reis" (Twelfth Night) de

Shakespeare, que tem como figura central uma garota que se disfarça de homem ao tentar

conquistar o amor de um Duque (que pertence a uma classe social acima da sua), é muito

mais impactante ao sabermos que ela foi apresentada em uma sociedade na qual alguns

membros pensavam assim:

A lei de Deus proíbe, de forma direta, homens a vestir roupas de mulheres. As

roupas estabelecem signos distintos entre cada sexo; usar as roupas que são do outro

sexo é falsificar, fabricar, e adulterar, o contrário das regras expressas da palavra de

Deus [...] devem ser perdoados aqueles que usam tanto a roupa quanto o modo de

caminhar, os gestos, a voz, e as paixões de uma mulher? (GOSSON, 2004: 102).9

Ainda que o tema do uso de roupas do sexo oposto possa ser apenas um artifício para o

enredo da trama, mesmo assim é uma declaração poderosa por ter sido apresentada ao vivo no

palco, diante de um grade público que incluía os membros mais pobres e mais ricos da

sociedade, em uma área de Londres na qual as pessoas tinham maior liberdade para

comportarem-se de maneira transgressora, fora do alcance das autoridades, que estavam cada

vez mais alarmadas pelas mudanças sociais que desafiavam suas posições de dominância.

Tudo isso não seria evidente se apenas tivéssemos lido o texto teatral isolado como uma fonte

histórica. Mas, com uma análise da performance, podemos dar vida ao texto e a tudo o que o

rodeava, especialmente para um jovem estudante.

Teatro como fonte histórica na educação

Tendo visto o exemplo acima da análise do teatro como um processo social, podemos

agora considerar como este seria usado em sala de aula. Tal uso não apenas pode dar vida ao

contexto de determinada peça teatral, mas também pode ensinar o conteúdo programático de

História de forma engajante e desenvolver as habilidades analíticas dos alunos. A estrutura

desta aula deve fazer um paralelo entre os estágios do processo investigativo do historiador;

9 “The law of God very straightly forbids men to put on women’s garments. Garments are set down for signs

distinctive between sex and sex; to take unto us those garments that are manifest signs of another sex is to

falsify, forge, and adulterate, contrary to the express rule of the word of God […] shall they be excused that

put on, not the apparel only, but the gait, the gestures, the voice, and the passions of a woman?” (tradução

nossa).

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mas deve obviamente prover o suporte necessário para que o aluno possa acessar o conteúdo e

ao mesmo tempo desenvolver seu próprio raciocínio. Talvez não seja possível programar

sempre uma aula desta maneira ao longo de um curso de História, mas inserir ocasionalmente

uma atividade como esta pode trazer grandes benefícios ao processo de aprendizagem. Vamos

agora examinar um modelo de aula que adapta a discussão que apresentamos acima para o

contexto de sala de aula do ensino do Fundamental II.

Nesta atividade, o objetivo de aprendizagem deve ser o de identificar e explicar as

mudanças históricas entre o período Medieval e o início da era Moderna. O resultado

esperado é que os alunos sejam capazes de compreender que o processo histórico é complexo,

e que as mudanças entre um contexto e outro não são claramente divididas. Ou seja, a aula é

estruturada a partir do conceito de ruptura e permanência. Outro resultado esperado é que os

alunos desenvolvam suas habilidades de análise, que serão usadas ao longo desse processo de

aprendizagem.

Pressupõe-se que, como conhecimento anterior, os alunos tenham sido expostos aos

aspectos-chave do período Medieval, e que assim já compreendam a estrutura da sociedade

feudal. A essa exposição pode seguir-se uma aula sobre as mudanças introduzidas pela

Renascença, mas também é possível, e talvez até mais eficaz, que isso ainda não tenha sido

feito antes dessa aula. Pode ser muito marcante permitir que os alunos tenham a oportunidade

de fazer suas próprias descobertas genuínas, dando-lhes um senso real de que

verdadeiramente investigaram os tópicos dados pelo professor como autênticos historiadores,

o que lhes daria uma experiência mais concreta de aprendizado.

É efetivo estabelecer logo de início que os alunos desempenharão o papel de

historiadores durante essa investigação. Essa forma simples de encenação pode gerar uma

atmosfera positiva, pois os alunos são designados como os especialistas que farão as

descobertas, dando-lhe um senso de importância e colocando-lhes como responsáveis por seu

aprendizado. Depois dessa introdução, a classe deve conhecer o foco da investigação, que é

examinar as mudanças que estavam ocorrendo durante o fim do século XVI na Londres da era

Elisabetana por meio de uma análise das mudanças na prática teatral da época.

Uma vez que o cenário da aula foi estabelecido, o primeiro passo é formular uma

hipótese, como em qualquer processo histórico de pesquisa. Isso pode ser feito por

simplesmente pedir que os alunos leiam o trecho de Lewis Mumford (citado acima) sobre a

evolução das cidades ao longo do tempo. Os alunos devem ler o texto e discuti-lo em grupos,

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para relatar ao professor quais são as partes mais importantes, em sua opinião, dessa citação.

Depois de uma breve discussão com a classe, o professor deve então direcionar os alunos ao

ponto central de Mumford: que o processo de rupturas e permanências na História não é

claramente dividido; que diferentes aspectos das sociedades humanas mudam e desenvolvem-

se em ritmos diferentes.

O próximo passo seria então passar à investigação propriamente dita e à coleta de

evidências. Para tanto, o professor pode utilizar materiais já prontos, disponíveis em páginas

da Internet ou em livros didáticos, ou tomar tempo para preparar de antemão dois textos

curtos sobre o teatro Medieval e o Elisabetano. Pessoalmente prefiro fazer isso, pois permite

controlar melhor a informação a qual os alunos serão expostos, o que faz a aula ficar mais

focada e eficiente. Enquanto leem esses textos, os alunos devem também completar uma

tabela contendo questões centrais cujas respostas estão nos textos. Essas questões também

devem ter sido previamente preparadas pelo professor e são semelhantes ao que foi discutido

acima. Por exemplo, elas podem indagar sobre onde ocorriam essas apresentações teatrais,

por que ocorriam, quando ocorriam, e assim por diante. Para desafiar alunos com mais

facilidade de aprendizado, pode-se pedir que eles mesmo formulem as perguntas a serem

respondidas, com a orientação do professor.

Depois de os alunos terem lido os textos e respondido ao exercício de verificação

factual, eles deverão então categorizar essa informação. Pode-se fazer isso por se designar um

código de cores para a informação contida na tabela que eles completaram sobre o teatro

Elisabetano: uma cor que eles devem usar para marcar para os elementos de caráter medieval

e outra para os "novos" elementos. Por fazer isso, os alunos marcarão claramente a distinção

entre as rupturas e as permanências. Por exemplo, poderão observar que mesmo que os grupos

teatrais ainda precisassem da associação a um senhor feudal, essa relação havia mudado para

o status de reconhecimento legal, e não mais suporte financeiro, pois cada grupo naquela

época já podia manter-se com seu próprio dinheiro.

Assim como no processo do historiador, a tarefa final seria apresentar as conclusões

obtidas, o que pode ser feito de várias formas, em um exercício de escrita ou uma exposição

oral, dependendo do que a classe precisa. O mais importante é relacionar essas descobertas e

conclusões à hipótese inicial, mostrando as rupturas e permanências que estavam presentes

em Londres no final do século XVI. Os alunos devem ser capazes de perceber que, ainda que

as formas medievais remanescessem, a sociedade em si estava modificando-se. As antigas

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formas medievais já não possuíam os mesmos significados de antes. Como atestou Mumford,

as formas humanas não desaparecem repentinamente. Por meio dessa aula, os alunos devem

ser capazes de entender melhor como os períodos históricos não estão claramente seccionados

e como as transições entre eles são complexas. Eles também terão alguma ideia do

Renascimento, que pode então ser melhor desenvolvido na próxima sequência didática, se não

tiver sido apresentado até então.

O grande ganho dessa proposta é o fato de que o aprendizado acontece de maneira

prática, na qual o aluno está construindo seu conhecimento e desenvolvendo habilidades

importantes ao longo desse processo. Também é uma abordagem multidisciplinar, pois não

estamos lidando apenas com a disciplina de História, mas também com a Sociologia e as

Artes. Os alunos terão provavelmente a grata surpresa de ter aprendido algo em História

através do uso de outra matéria, como o teatro. Além disso, serão ajudados a ver que a

História é importante para entender o mundo à nossa volta. Muitas vezes os alunos deixam de

perceber como as matérias escolares estão relacionadas entre si e podem ser aplicadas ao

mundo em que vivemos. A proposta didática apresentada pode contribuir para uma melhor

consciência por parte dos alunos quanto à análise de cada processo social, como o teatro, por

parte do historiador e ao uso que fazemos desses processos para construir um melhor

entendimento da sociedade humana ao longo do tempo.

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