o Tratamento Farmacologico Do Alcoolismo

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  • O Tratamento Farmacolgico do Alcoolismo

    Tauily Claussen DEscragnolle Taunay

    Psiclogo (CRP 11/05595)

    Autor do livro Neuropsicofisiologia

    Mestrando em Cincias Mdicas pela Universidade Federal do Cear

    Especializando em Neuropsicologia pela Faculdade Christus

    Terapeuta Cognitivo-Comportamental do Centro Teraputico Viva, especializado no

    tratamento da dependncia Qumica

    Resumo

    O abuso do lcool bastante presente em nossa sociedade e permanece associado a inmeros

    problemas sociais, econmicos e de sade. Seu tratamento requer ferramentas

    psicoteraputicas, farmacolgicas e sociais. Em relao farmacoterapia, as medicaes

    classicamente utilizadas tm atuao comprovada no tratamento do alcoolismo com boas

    evidncias de eficcia clnica. No entanto, novas medicaes esto sendo testadas em busca

    de maior resposta teraputica, mas no podem ser utilizadas como nica alternativa, e sim em

    conjuno com outras abordagens que contemplem a perspectiva biopsicossocial, dada a

    complexidade do fenmeno.

    Introduo

    O alcoolismo uma desordem crnica caracterizada por perodos cclicos de consumo

    excessivo de etanol, retirada da substncia, abstinncia e recada. O abuso do lcool

    bastante presente em nossa sociedade e permanece associado a inmeros problemas sociais,

    econmicos e de sade. O abuso do lcool um padro de uso mal-adaptativo do lcool que

    leva a prejuzos clinicamente significativos, manifestos por um ou mais dos seguintes sintomas

    (que no preenchem os critrios para dependncia alcolica), dentro de um perodo de 12

    meses: uso recorrente resultando em falha no cumprimento das obrigaes no trabalho,

    escola ou lar; uso do lcool em situaes potencialmente perigosas; uso do lcool resultando

    em problemas legais; ou uso continuado do lcool apesar dos prejuzos sociais e interpessoais

    recorrentes.

    O alcoolismo um transtorno prevalente associado a uma taxa relevante de

    mortalidade e com baixa resposta ao tratamento. Segundo amplo estudo domiciliar realizado

    em 2001, envolvendo 107 cidades com mais de 200 mil habitantes correspondendo a

    47.045.907 habitantes, ou seja, 27,7% do total do Brasil, o uso na vida de lcool encontrado na

    populao total foi de 68,7%. Tal proporo se manteve mais ou menos estvel para as

    diferentes faixas etrias, lembrando que, entre 12 e 17 anos, 48,3% dos entrevistados j

    usaram bebidas alcolicas. A prevalncia de dependentes de lcool na populao estudada foi

    de 11,2%, sendo de 17,1% para o sexo masculino e 5,7% para o feminino. A prevalncia de

    dependentes foi mais alta nas regies Norte e Nordeste, com porcentagens acima dos 16%.

    Neste estudo, destacou-se negativamente a constatao de que, no Brasil, 5,2% dos

    adolescentes (12 a 17 anos de idade) eram dependentes do lcool, sendo que, no Norte e

  • Nordeste, essa porcentagem ficou prxima dos 9%. As bebidas alcolicas tm sido o principal

    motivo de internao psiquitrica envolvendo o uso de substncias, dado que verificou-se

    39.186 internaes de um total de 51.787 ocorridas em 367 hospitais psiquitricos brasileiros,

    em 2004. Estes dados revelam a presena notvel do lcool e seus prejuzos associados em

    nossa sociedade, que se traduz em um grave e preocupante problema de sade pblica no

    pas.

    Considerando que o lcool uma substncia neurotxica, comum a ocorrncia de

    problemas cerebrais nos pacientes, comprovados atravs das tcnicas de neuroimagem (TC,

    RM, PET e SPECT) no apenas nos primeiros dias de abstinncia, mas tambm meses aps o

    ltimo consumo da substncia, alm de problemas em diversos sistemas do organismo, como

    complicaes hepticas, gstricas, dermatolgicas, etc. O tratamento do alcoolismo, de uma

    perspectiva ampla, tais como outros distrbios relacionados ao uso de substncias, deve ser

    abordado dentro de um modelo biopsicossocial, em que se verifica eficcia quando da

    utilizao de tcnicas oriundas da terapia cognitivo-comportamental, ateno famlia,

    promoo e manuteno de relaes sociais saudveis, alm do tratamento medicamentoso

    seja este aloptico ou fitoterpico. Neste ponto, at hoje, poucas medicaes tem sido

    eficazmente utilizadas na reduo de taxas de recada ou de ingesto do lcool em pacientes

    dependentes.

    Interaes moleculares e patofisiologia do lcool

    Em termos moleculares, o lcool age basicamente atravs da molcula do etanol.

    Neurologicamente, o etanol interage com diversos receptores e sistemas transmissores no

    crebro. mais conhecida a relao do etanol com o sistema GABArgico, especificamente as

    subunidades 1, 2, 2 de receptores GABAA. O neurotransmissor cido gama-aminobutrico

    (GABA) a principal substncia inibitria do sistema nervoso central, que age em receptores

    de dois tipos, GABAA e GABAB. O etanol age como agonista de receptores GABArgicos, ou

    seja, favorecendo a atuao dos transmissores que atuam nestes locais, desse modo,

    produzindo uma ao ansioltica e lentificando o processamento cognitivo dos usurios.

    O lcool tambm interage com o principal neurotransmissor excitatrio do crebro, o

    glutamato, especialmente em receptores do tipo NMDA (N-metil-D-aspartato). Para este

    transmissor, o lcool age antagonizando os efeitos estimuladores dos transmissores

    glutamatrgicos, ou seja, dificultando a ativao do neurnio subseqente no processo de

    produo e transmisso da informao no crebro. Esta atividade resulta em dficits

    cognitivos agudos e crnicos tais como impulsividade e baixa capacidade de julgamento,

    como os descritos em seguida neste artigo, e contribui para o aparecimento da sndrome de

    abstinncia, na medida em que o crebro reage adaptativamente ao bloqueio de tais

    receptores aumentando a oferta destes nos neurnios ps-sinpticos. Desse modo,

    ocasionando uma hiperativao destas regies quando na ausncia da substncia, gerando

    sintomas fsicos da abstinncia, como tremedeira, que so aliviados com ingesto subseqente

    do etanol. Este efeito bastante prejudicial ao crebro, pois responsvel por um efeito

    denominado excitotoxicidade, onde podem ocorrer danos neuronais devido entrada

    excessiva de clcio a partir da superpopulao de receptores de glutamato condicionada pelo

    uso abusivo lcool.

  • Principalmente, neurofarmacologicamente, como toda droga de abuso, o lcool

    estimula as vias dopaminrgicas mesolmbicas que partem da rea tegmental ventral. Este

    mecanismo facilita a liberao de dopamina para o nucleus accumbens, o centro de

    recompensa do crebro. O aumento dos nveis de dopamina extracelular verificado no

    mesencfalo com o uso repetido da substncia causa sensibilizao da rea, contribuindo para

    um processo de condicionamento comportamental, de modo que, com a exposio a

    estmulos relacionados ao lcool, como locais, pessoas ou estados emocionais associados ao

    consumo prvio da substncia, a fissura (craving) seja despertada, estimulando o indivduo a

    consumir o lcool e se tornar dependente, sempre em busca da sensao de prazer e/ou alvio

    de desprazer.

    Aspectos neuropsicolgicos do abuso do lcool

    A Neuropsicologia, ramo da psicologia que estuda as relaes entre danos cerebrais e

    seus efeitos na cognio e no comportamento do indivduo, aplicada ao abuso e dependncia

    do lcool, investiga a possvel existncia de comprometimentos neurocognitivos dos usurios,

    procurando relacion-los aos achados estruturais e funcionais de neuroimagem (Tomografia

    Computadorizada, Ressonncia Magntica, Tomografia por Emisso de Psitrons - PET e

    Tomografia por Emisso de Fton nico - SPECT). Foi verificado, no que se refere ao uso

    agudo, que o lcool tende a comprometer uma mirade de funes cognitivas, tais como a

    ateno, memria, funes executivas e viso-espaciais, enquanto que no uso crnico,

    alteraes so comumente observadas na memria, aprendizagem, anlise e sntese viso-

    espacial, velocidade psicomotora, funes executivas e tomada de decises, podendo chegar a

    transtornos persistentes de memria e demncia alcolica.

    Os dficits cognitivos encontrados nos dependentes de lcool, principalmente das

    funes executivas (frontais), que envolvem o controle inibitrio e a memria operacional

    (working memory), tm implicao direta na aderncia ao tratamento e na manuteno da

    abstinncia, tanto para a escolha de estratgias a serem adotadas como para a anlise do

    prognstico. Acreditando-se que a avaliao neuropsicolgica pode ter um papel muito

    importante para a deteco e avaliao da progresso destas alteraes, alguns estudos

    apontam que a Bateria de Avaliao Frontal FAB pode ser especialmente precisa nesta

    tarefa. Para o tratamento dos dficits possivelmente encontrados em pacientes alcoolistas, a

    reabilitao cognitiva tem papel relevante em sua recuperao funcional e reinsero

    psicossocial destes pacientes, apesar de ser relativamente negligenciada na maioria dos

    programas de tratamento direcionados a dependentes qumicos.

    Farmacoterapia do alcoolismo

    Dissulfiram

    O dissulfiram pode ser tido como o mais amplamente difundido frmaco desenvolvido

    para o tratamento do alcoolismo, sendo bastante utilizado, ainda hoje, em comunidades

    teraputicas e outra unidades clnicas de atendimento ao alcoolista. Esta substncia age

    quebrando a cadeia de metabolizao da molcula de etanol. No organismo, quando o

    indivduo ingere o lcool, este passa por uma transformao no fgado, mediada pela enzima

    lcool desidrogenase (ADH), gerando uma nova substncia denominada acetaldedo. Em

  • seguida, por intermdio da ao de outra enzima a aldedo desidrogenase (ALDH), o

    acetaldedo, que extremamente txico para o organismo, transforma-se em acetato. O

    dissulfiram age justamente no bloqueio da enzima aldedo desidrogenase, permitindo o

    acmulo de acetaldedo no corpo, causando reaes desagradveis, como rubor facial e no

    tronco superior, dor de cabea latejante, palpitaes, taquicardia, nusea, vmito e incmodo

    em geral. A fundamentao do tratamento se baseia em que, se o paciente est sob o efeito

    da droga, ele no poder consumir lcool, tendo que decidir todo dia se toma a medicao,

    resistindo fissura (craving), ou opta por ingerir a droga. Alm disso, efeitos de processos

    secundrios de aprendizagem, podendo a estar envolvido algum fator condicionante, tambm

    podem exercer efeitos positivos em busca da abstinncia total. A administrao da substncia

    deve ser feita com o consentimento do paciente, prevenindo o terapeuta de agir

    impositivamente, da a importncia de um bom vnculo teraputico e do despertar e incentivo

    motivao para o tratamento. Os efeitos colaterais do dissulfiram que podem surgir so

    letargia e fadiga no incio, vmito, gosto desagradvel na boca, halitose, impotncia, falta de ar

    e, eventualmente, psicose, dermatite alrgica, neurite perifrica e danos s clulas hepticas.

    Apesar de muitos anos de uso clnico e algumas evidncias publicadas em anais cientficos, no

    h consenso sobre sua eficcia no tratamento do alcoolismo, devendo ser utilizada com

    superviso profissional e como parte de um programa abrangente de tratamento.

    Antagonistas de receptores opiides Naltrexona e Nalmefene

    Outra classe de medicao que tm comprovada atuao no tratamento so os

    antagonistas de receptores opiides. Esta medicao pode reduzir a fissura pelo uso do lcool,

    bem como diminuir o efeito prazeroso proporcionado. Isso ocorre devido ao bloqueio da

    atividade opiide que interage especialmente com a rea tegmental ventral, localizada no

    mesencfalo. Tal estrutura se liga ao ncleo acumbente no estriado ventral, constituindo o

    chamado sistema de recompensa do crebro, j descrito anteriormente neste trabalho.

    Portanto, como a sensao de prazer proporcionada pelo lcool decorrente da ativao

    deste sistema, sua inibio por antagonistas opiides, inibiria a rea tegmental ventral de

    desencadear todo o processo, gerando os efeitos acima mencionados, ou seja, diminuindo a

    euforia causada pelo uso da substncia e reduzindo a compulso pelo seu uso. Os pacientes

    candidatos a usar este tipo de medicao no devem ser usurios de opiides ou ter doenas

    do fgado, devem ter a abstinncia como objetivo e fazer parte de um programa de tratamento

    psicossocial. Apesar de ser um frmaco com margem razovel de segurana, difundida

    amplamente na clnica, seus efeitos colaterais incluem nusea, vmito, dor de cabea, perda

    de energia, dor abdominal, dores nas juntas e nos msculos e dificuldade para dormir. Outros

    efeitos menos comuns ainda podem ocorrer, tais como perda de apetite, diarria, constipao,

    aumento de sede, dor no peito, aumento de sudorese, aumento de energia, irritabilidade,

    calafrios, retardo na ejaculao e diminuio da potncia sexual.

    Acamprosato

    Uma medicao que vem sendo utilizada com relativo sucesso como parte do

    programa teraputico, destinada a reduzir a recada da dependncia do lcool, o

    acamprosato (acetil-homotaurinato de clcio). Seu mecanismo de ao no bem conhecido.

    Sugere-se que este bloqueie receptores GABAB pr-sinpticos e antagonize a ativao de

  • receptores NMDA no hipocampo e no nucleus accumbens. Sua eficcia, em termos

    neurofarmacolgicos, se deve a sua capacidade de restaurar a transmisso glutamatrgica

    alterada pelo lcool. Esta medicao tem licena para uso em diversas regies do globo, como

    vrios pases sul-americanos, na Austrlia e na a maioria dos pases europeus cuja Frana

    seu maior expoente. O acamprosato uma droga segura, que parece no ter efeitos aditivos

    ou interagir com o lcool ou diazepam, assim como se mostra segura se utilizada juntamente

    com antidepressivos. Seus efeitos colaterais podem surgir como diarria e desconforto

    abdominal em 10% dos pacientes e no pode ser administrado a pacientes que sofram de

    insuficincia renal grave ou deficincia heptica grave, bem como mulheres grvidas ou eu

    estejam amamentando.

    Agentes serotoninrgicos

    Algumas evidncias sugerem que os antidepressivos mais modernos, os inibidores

    seletivos de recaptao de serotonina (ISRS), como a fluoxetina e o citalopram, reduzem em

    20% o consumo de lcool em bebedores sociais e em bebedores comeando a ter problemas

    com bebida. Os resultados mais satisfatrios ocorrem quando h integrao do tratamento

    medicamentoso com terapia cognitivo-comportamental em pacientes no-deprimidos.

    A reduo significativa da fissura foi observada com o uso do citalopram. Tal

    medicao deve ser utilizada com bastante cautela, pois pode aumentar o consumo entre

    alcoolistas de incio tardio (tipo A). O hidrocloreto de buspirona, um agonista parcial 5-

    hidroxitriptamina (5HT1A), retm evidncias de que contribua no tratamento da dependncia

    de lcool, basicamente pela atuao na reduo da ansiedade. Acredita-se que esta atuao

    possa ser til na conduo de pacientes ansiosos dependentes de lcool, mas no para aqueles

    dependentes no-ansiosos. Outra medicao que interage com receptores serotoninrgicos e

    parece ter efeitos benficos no tratamento do alcoolismo o hidrocloreto de ondansetron, um

    antagonista especfico 5HT3. Foi visto que esta medicao pode atuar no desenvolvimento

    precoce do alcoolismo (antes dos 25 anos de idade), diminuindo o beber e aumentando as

    taxas de abstinncia.

    Antiepilptico Topiramato

    Dada a atual falta de medicaes com impacto significativo sobre a referida patologia,

    o topirimato aparece como grande promessa de tratamento para a dependncia alcolica. Seu

    efeito teraputico de alcance moderado e seus benefcios efetivos parecem aumentar com o

    tempo. Testes clnicos tm demonstrado a eficcia do topiramato pela melhora em todas as

    medidas de auto-relato que se referem ao beber e pelo aumento da qualidade de vida entre

    indivduos alcoolistas. Neurofarmacologicamente, o topiramato aumenta a atividade neuronal

    relacionada ao GABAA e simultaneamente antagoniza receptores glutamatrgicos AMPA e

    cainato, os quais podem diminuir a liberao de dopamina induzida pelo lcool no nucleus

    accumbens. Teoricamente, a inibio gabargica de neurnios dopaminrgicos no nucleus

    accumbens interromperia o aumento rebote glutamatrgico excitatrio, caracterstico do

    alcoolismo crnico, bem como atenuar atividade dopaminrgica mesolmbica. Isto poderia

    amenizar os efeitos agudos recompensatrios da ingesto alcolica no mesencfalo e

    protegeria o crebro do aumento da atividade glutamatrgica causada pela ingesto alcolica

    crnica.

  • Somado dependncia do lcool, o topiramato tambm pode ser til no tratamento

    da abstinncia alcolica. Como outros anticonvulsivantes, topiramato inibe excesso de

    agitao do sistema nervoso simptico e hiperexcitabilidade neuronal, caractersticas da

    sndrome de abstinncia alcolica. Com isso, estudos pr-clnicos e o conhecimento dos

    mecanismos de ao do suporte idia de que o topiramato possa reduzir os sintomas de

    abstinncia, prevenir recada e promover abstinncia em longo prazo. Entretanto, maiores

    informaes so necessrias para assegurar se o consumo reduzido de lcool associado com

    topiramato observado nas pesquisas se deve mais ao perodo de tempo de administrao da

    medicao (5 semanas) ou mxima dosagem alcanada (300mg). Desse modo, possvel que

    doses mais baixas possam ser clinicamente efetivas. Importante ressaltar que, apesar da

    necessidade dos profissionais de sade estarem conscientes de que apesar do topiramato

    apresentar bons resultados no tratamento da dependncia qumica, o fabricante ainda no

    aprova a utilizao do medicamento para este fim.

    Compostos relacionados aos sistemas de neuropeptdeos

    O estresse tradicionalmente tido como uma medida da capacidade de estmulos

    externos e internos ativarem o eixo hipotalmico-pituitrio-adrenal (HPA). Uma vasta gama de

    evidncias indicam que a atividade hiperregulada do sistema do hormnio liberador de

    corticotropina (CRH, sigla em ingls) confere susceptibilidade para a excessiva auto-

    administrao de lcool e para a recada em seguida ao perodo de abstinncia. A

    desregulao crnica do eixo HPA associada com o desenvolvimento de desordens do humor

    e adico ao lcool. Recentemente, uma srie de pesquisas tem focado na identificao de

    novos alvos farmacolgicos no tratamento do alcoolismo relacionados a este sistema. Dentre

    estes, existem vrios sistemas peptidrgicos conhecidos por seu papel na regulao da

    resposta ao estresse e ansiedade (corticotropinas, opiides e taquicininas). Por meio da

    ativao do receptor do hormnio liberador de corticotropina 1 (CRH-R1), CRH estimula a

    sntese e liberao do hormnio adrenocorticotropico pela glndula pituitria anterior, o qual,

    por sua vez, estimula a sntese e liberao do cortisol pelo crtex da medula adrenal. O

    recentemente sintetizado antagonista do CRH-1R, 3-(4-Chloro-2-morpholin-4-yl-thiazol-5-yl)-8-

    (1-ethylpropyl)-2,6-dimethyl-imidazo[1,2-b]pyridazine (MTIP), um novo, oralmente

    disponvel e crebro penetrante antagonista de CRH-R1. Experimentos em animais

    demonstraram sua boa eficcia em relao dependncia alcolica, atenuando auto-

    administrao de etanol e recidiva na procura do etanol. Baseado nestes achados, MTIP um

    mais promissor candidato para o tratamento desta patologia.

    De igual interesse a observao de que a Urocortina 1 (Ucn1), um outro peptdeo da

    famlia das corticotropinas, pode modular a ingesto e preferncia pelo lcool. Por exemplo,

    tem sido mostrado que este sistema peptidrgico, primariamente sintetizado no ncleo

    Edinger-Westphal, superexpressado em camundongos e ratos com inata alta preferncia por

    etanol e sua ingesto. Alm disso, tem sido mostrado que exposio ao lcool, mas no

    sacarina em camundongos induz aumento da expresso da protena Fos neste ncleo. Por fim,

    leses eletrolticas do ncleo Edinger-Westphal bloqueiam preferncia pelo lcool em

    camundongos treinados a beber excessivamente, considerando que a microinjeo de Ucn1 no

    septo lateral seletivamente atenua auto-administrao do lcool.

  • Resultados de experimentos com Neuropeptideo Y (NPY), um neuropeptdeo

    ansioltico endgeno tambm envolvido na adaptao comportamental a estressores,

    mostraram que quando dado intra-crebro-ventricularmente, reduz ingesto de lcool em

    ratos ps-dependentes, mas no em no-dependentes. Quando um vetor viral usado para

    superexpressar o NPY na amgdala, foram observados diminuio da ingesto de lcool e

    efeitos ansiolticos leves em ratos com histrico de dependncia. Em contraste, em animais

    com histria de exposio ao etanol, administrao de um antagonista ao receptor Y2 pr-

    sinptico, o qual teoricamente aumentou a disponibilidade de NPY na fenda sinptica, tambm

    diminuiu a ingesto de etanol.

    Os resultados tambm apontam para o sistema de Nociceptina/Orfanina FQ (N/OFQ)

    como outro neuromodulador importante em comportamentos relacionados ao estresse e

    abuso de lcool. Por exemplo, os dados mostram que a ativao de receptores de nociceptina

    (NOP) pelo N/OFQ reduz home cage ethanol drinking e auto-administrao operante de etanol

    em ratos. N/OFQ tambm reduz reinstalao da procura ao etanol condicionada e induzida por

    estresse em ratos. Apesar destes efeitos estarem bem documentados em ratos msP, em ratos

    Wistars, N/OFQ no alterou o consumo de lcool. Estudos neuroqumicos e moleculares

    demonstraram que as diferenas na funo hiperregulada do N/OFQ de ratos msP em relao

    aos ratos Wistar, se deve ao ncleo central da amgdala (CeA, sigla em ingls). Nesta rea, o

    sistema hipofuncional devido ao no acoplamento do receptor de NOP a partir da

    transduo do sinal mediado por protena G. digno de nota que a estimulao de receptores

    de NOP no CeA pela administrao ligantes exgenos potencialmente e seletivamente reduz

    auto-administrao em ratos msP.

    Um exemplo de pesquisa translacional de sucesso vem do estudo do sistema de

    neurocininas NK1. De fato, partindo de evidncias pr-clnicas indicando que receptores NK1

    so altamente expressos em reas cerebrais envolvidas nas respostas ao estresse e na

    recompensa pela droga e de achados mostrando que a deleo gentica destes receptores em

    ratos marcadamente diminui o consumo voluntrio de lcool e aumenta a sensibilidade

    substncia, o novo antagonista de receptor NK1, LY686017, foi testado em alcolicos

    recentemente desintoxicados. Os resultados mostraram que nestes pacientes a droga

    significantemente suprimiu a fissura espontnea pelo lcool e melhorou o bem-estar geral. O

    LY686017 tambm anulou a fissura induzida pela combinao de estresse social e fatores

    determinantes do uso da substncia.

    Em resumo, estes estudos demonstram que vrios sistemas peptidrgicos ligados

    regulao do estresse tambm podem modular comportamento lcool-dependente em

    animais de laboratrio e em humanos. O estudo destes sistemas pode prover novas hipteses

    sobre a neurobiologia da adico alcolica. Alm disso, drogas com alvo nestes sistemas pode

    ter potencial significante para o tratamento do alcoolismo.

    Novas medicaes

    Demais alternativas promissoras no tratamento da dependncia alcolica envolvem

    agonistas parciais de receptores colinrgicos, antagonistas de receptores canabinides CB1 e

    novos antipsicticos, como aripiprazol (sendo este ultimo com alguns resultados

    controversos), assim como algumas medicaes elaboradas a partir de princpios ativos

  • extrados de plantas, da classe dos fitoterpicos, destacando-se, neste sentido, o Quercus

    Glandium (ainda carente de evidncias cientificamente comprobatrias).

    Consideraes finais

    As medicaes classicamente utilizadas no tratamento do alcoolismo, o dissulfiram, a

    naltrexona e o acamprosato, tm atuao comprovada no tratamento do alcoolismo com boas

    evidncias de eficcia clnica. Adicionalmente, novas investigaes proverm alguns insights

    interessantes sobre a correlao entre abuso de lcool, efeitos negatives do estresse e

    ansiedade e a funo de diferentes sistemas peptidrgicos. De particular interesse so os

    dados mostrando que a progresso da dependncia ao etanol pode ser facilitada por alta

    sensibilidade inata ao estresse pelo recrutamento de mecanismo de estresse pelo histrico de

    intoxicao por etanol.

    Como foi enfatizado neste trabalho, enquanto estratgia teraputica, tais medicaes,

    a partir da experincia no tratamento de dependentes qumicos, no podem ser utilizadas

    como nica alternativa, mas em conjuno com outras abordagens que englobem a

    perspectiva psicolgica e a social, partindo da perspectiva biopsicossocial de entendimento das

    desordens do comportamento. A utilizao exclusiva de medicao, seja ela aloptica ou

    fitoterpica, no suficiente para afetar a origem do problema, ou seja, remitir os sintomas

    em sua fonte. A medicao torna-se um coadjuvante imprescindvel nos casos de dependncia

    alcolica, na medida em que tem uma atuao significante na reduo dos sintomas de

    abstinncia e parece colaborar no controle da fissura. Desse modo, o terapeuta tem mais

    facilidade para explorar e trabalhar os contedos referentes ao processo teraputico,

    permitindo maior adeso ao tratamento em busca da abstinncia.

    Levando-se em considerao que o lcool, certamente, contribui fortemente na

    etiologia e manuteno de vrios problemas sociais, econmicos e de sade, torna-se

    premente a realizao de estudos epidemiolgicos sistemticos no que se refere ao uso e/ou

    abuso de substncia psicoativas e seu tratamento, em direo a uma conscientizao

    crescente das autoridades pblicas que levem a uma mobilizao de esforos para atenuar os

    prejuzos associados conjuntura atual, em parceria com os profissionais clnicos e

    pesquisadores do campo da Sade.

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