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    REFLEXES SOBRE O PARADIGMA HOLSTICO EHOLISMO E SADE

    Elizabeth Teixeira*

    TEIXEI RA , E. Ref lex e s sob re o par adi gm a ho l s ti co e ho li smo e sade .R ev .Esc.En f.U SP, v.3 0,n.2, p. 286-90, ago. 1996.

    Trata-se da reflexo sobre o paradigma holst ico e sua consti tuio no mbitodas cincias. Apresenta seus princpios fundamentais e discute sua insero na sade.H o l i s m o e s a d e s u r g e c o m o d e s a f i o p a r a o n o v o m i l n i o . D e s t a c a o s e v e n t o simpor t an t e s que apon tam o pa rad igma como novo rumo pa ra a human idade . Faz

    uma reflexo sobre suas bases, pressupostos e conceitos gerais.

    UNITERMOS: Paradigma holstico, holismo e sade.

    SURGE UM NOVO PARADIGMA

    O paradigma holstico emerge de uma crise da cincia, de uma crise doparadigma cartesiano-newtoniano, que postula a racionalidade, a objetividade e a

    quantificao como nicos meios de se chegar ao conhecimento. Esse paradigmabusca uma nova viso, que dever ser responsvel em dissolver toda espcie dereducionismo. A holstica fora um novo debate no mbito das diversas cincias epromove novas construes e atitudes.

    ( ) planeta terra est doente, seus habitantes enfermos e seu habitat poludo econtaminado. Urge uma nova atitude, novos habitantes e novos modelos deser/fazer cincia.

    As cincias da sade no podem estar alheias a este movimento nacional einternacional. CAPRA (1986), prope novos rumos para a sade e aponta para o

    paradigma holstico. Ao propor novos caminhos para a sade, ressalta que h quese rever os atuais modelos de servios, de instituies de ensino e de pesquisas emsade. A transio para o novo modelo, alerta-nos o autor, h que ser efetuada lentae cuidadosamente, por causa do enorme poder simblico da terapiabiomdica em nossa cultura ocidental.

    * Livre Docente em Enfermagem pela UNIRIO, Professor Adjunto do Departamento deFilosofia e Cincias Sociais da Universidade do Estado do Par (UEPA), Docente doCurso de Mestrado em Enfermagem da UFPA.

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    O n o v o p a r a d i g m a f o r a u m a v i s o s i s t m i c a e u m a p o s t u r atransdisciplinar. O modelo sistmico atende ao conceito de interdependnciadas partes. Postula que tudo interdependente, que os fenmenos apenas podemser compreendidos com a observao do contexto em que ocorre. Postula tambmque a vida relao.

    A postura transdisciplinar uma atitude de encontro entre cincia etradio, entre cincia e sabedoria. A transdisciplinaridade reata a ligao entre osramos da cincia com os caminhos vivos de espiritualidade. O novo profissional deverser cientista e filsofo e o pesquisador dever ser afoito, aberto e inclusivo,basicamente distinto do tipo clssico. CREMA (1989).

    O precursor do paradigma holstico foi Jan Smuts (1870-1950). Foi o criador dotermo Holsmo, quando divulgou seu livro em 1926. 0 filsofo sustentou aexistncia de uma continuidade evolutiva entre matria, vida e mente. Seuconceito avana para uma viso sinttica do universo e prope a totalidade emoposio fragmentao.

    Em 1967, Arthur Koestler desenvolve o conceito de Hlon, levando emconsiderao a dinmica todo-e-partes. O antroplogo Teilhard de Chardin discute alei da complexidade-conscincia, propondo novas unies entre partes epartculas rumo ao todo-um. 0 psiclogo Carl Rogers e a sua tendncia realizadorado ser humano tambm esto em busca de um novo rumo e de um diferentemodelo explicativo.

    Todas as construes ocidentais, porm, no oriente, j so antigas e estodescritas em diversos tratados tradicionais de vrias das tendncias orientais.

    Percebe-se, assim, que urge uma aproximao com tais culturas, pois estas tmbases hol s t icas e podem nos apontar novos rumos e novos mundos.(CREMA,1989).

    PRINCPIOS DO PARADIGMA HOLSTICO

    Para o fsico Brian Swimme so os seguintes os princpios do novoparadigma:

    'lodos os elementos no possuem real identidade e existncia fora do seuentorno total, eles interagem no universo, se envolvem e se superpem numdinamismo de energia. Nossos conhecimentos so provenientes de uma participao e de umainterao no processo atravs de uma dimenso qualitativa da conscincia. A anlise e a sntese so fundamentais na compreenso do mundo. Para seconhecer algo h que se saber sua origem e finalidade. O universo uma realidade auto-organizante, total e inteligente.

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    Para Pierre Weil a abordagem holstica como ondas a procura do mar. Oautor aponta uma holologia, para tratar da dimenso do saber, e uma holoprxis,destinada a dar conta da dimenso do ser.

    O parapsiclogo Stanley Krippner aponta quatro princpios bsicos doparadigma holstico:

    A conscincia ordinria compreende apenas uma parte pequena daatividade total do esprito humano. A mente humana estende-se no tempo e espao, existindo em unidade com omundo que ela observa. C) potencial de criatividade e intuio so mais vastos do queordinariamente se assume; e A transcendncia valiosa e importante na experincia humana eprecisa ser abrangida na comunidade or ientada pelo conhecimento.(CREMA, 1989).

    HOLISMO E SADE

    A abordagem holstica em sade convoca uma aproximao entre saberoficial e saber popular e os estudos transculturais tero enorme valia naconstruo de novas formas integrativas de sade. Os modelos msticos e diversasculturas tradicionais precisam ser conhecidos, estudados e integrados ao modeloholstico de sade que se quer.

    Ao longo do tempo os sistemas de sade oscilaram entre modelosreducionistas e modelos holsticos. Dois grandes modelos vm influenciando opensar, fazer e viver sade e doena. So os modelos xamansticos e os modelosseculares.

    O modelo xamanstico tem suas origens nas culturas sem escrita. Nestemodelo, toda doena conseqncia de alguma desarmonia em relao ordemcsmica. A principal preocupao do xamanismo est relacionada com o contextoscio-cultural em que a enfermidade ocorre.

    Os modelos seculares tem sua origem nos sistemas mdicos que foramorganizados a partir de um conjunto de tcnicas transmitidas atravs de textosescritos. Dois antigos sistemas mdicos, um ocidental e um oriental, ilustramtais modelos. O primeiro o sistema ocidental Hipocrtico, que emergiu de umatradio grega de cura. No mago da medicina hipocrtica as doenas soconsideradas fenmenos naturais, que podem cientificamente ser estudados einfluenciados por procedimentos teraputicos e pela judiciosa conduta oudisciplina de vida de cada indivduo.

    Em oposio ao pensamento grego, os chineses no estavam muito

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    interessados em relaes causais, mas nos modelos sincrnicos de coisas e eventos.Esse pensamento do tipo correlativo e dinmico. A concepo do corpo comoum sistema est bem prxima da atual abordagem holstica.

    A sade para ser holstica precisa ser estudada como um grande sistema,como um fenmeno multidimensional, que envolve aspectos fsicos, psicolgicos,sociais e culturais, todos interdependentes e no arrumados numa seqncia depassos e medidas isoladas para atender cada uma das dimenses apontadas.

    preciso um novo conceito de sade, que a considere como equilbriodinmico. H que se rever o papel do paciente. Ser preciso mostrar ao indivduosua possibilidade de autocura. A manuteno da sade dever passar a estar emlugar de destaque no novo modelo. A assistncia dever ser tanto individualcomo social.

    Os profissionais de sade devero redimensionar suas prticas e relaescom suas clientelas, devendo assumir a responsabilidade do equilbrio deindivduos e sociedades. Surge deste redimensionamento um novo assistir. Arelao entre profissional de sade e paciente ser uma nova relao, cujaprincipal finalidade ser educar o paciente acerca da natureza e do significadoda enfermidade e das possibilidades de mudana do tipo de vida que o levaram doena. (CAPRA, 1986).

    Holismo e sade provocam uma aproximao com as abordagens no-ortodoxas da sade. H que se encontrar as pontes necessrias para unir taissaberes. As diversas terapias e saberes reconhecem a interdependnciafundamental das manifestaes biolgicas, fsicas, mentais e emocionais do

    organismo, sendo, portanto, coerentes. Na valorizao do corpo como um sistema,as abordagens bioenergticas so bons exemplos.

    CONSTRUINDO PONTES

    A fsica do sculo XX revolucionou as bases da fsica clssica e trouxe umanova viso de mundo ou cosmoviso. Fsica e mstica se unem neste novo momentoda humanidade. Ocidente e oriente se convergem em nome do holismo que sequer, que vivo, dinmico, interligado e sistmico. O saber cientfico se aproximado saber popular e abre-se espao tambm para a sabedoria.

    Em maro de 1986, em Veneza, ocorreu um encontro de grandes cientistasde diversas reas do saber e todos debateram a cincia face aos confins doconhecimento e os novos rumos para o terceiro milnio. Do evento surgiu aDeclarao de Veneza, que aponta o momento de crise da cincia e indica anecessidade de reconhecermos a urgncia de novos estudos e pesquisas, numaperspectiva transdisciplinar em intercmbio dinmico entre as cincias exatas,as cincias humanas, a arte e a tradio. O grande desafio o compromissosocial dos pesquisadores e profissionais.

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    Em 1987, em Brasilia, de 26 a 29 de maro, ocorreu o I Congresso HolsticoInternacional e I Congresso Holistico Brasileiro. Deste evento emerge a Carta deBraslia, que reafirma a relao entre o homem e o universo, entre a parte e ot o d o , e e n f a t i z a m a s c o n s e q n c i a s c o n c r e t a s d a d e s c o b e r t a d acomplementaridade entre cincias e Tradies de sabedoria. (CREMA,1989).

    Surgem no Brasil a Fundao Cidade da Paz e a Universidade HolisticaInternacional de Braslia, para atuarem na construo de pontes entre as diversascincias e as diversas experincias.

    O movimento holstico nacional e internacional. Visa ampliar todas ascomunicaes entre cientistas, pesquisadores e demais interessados. AUniversidade Holstica de Paris, fundada em 1980, pela psicloga Monique-

    Thoenig foi um marco decisivo no avano do debate sobre o paradigma holstico.Na busca de pontes, emerge a holoepistemologia, para sustentar uma

    evoluo do saber, compatvel com a do ser. Nesta nova epistemologia, h espaopara o subjetivo e o transpessoal. Pierre Weil resumiu um enunciado da modernapsicologia transpessoal na seguinte frmula: VR = f (EC), significando que aVivncia da Realidade (VR) funo (f) do Estado de Conscincia (EC) no qual apessoa se encontra no momento da observao. (CREMA,1989).

    O paradigma holstico prope um reencontro universal entre as cincias eentre estas e as Tradies de sabedoria. Com base numa viso sistmica e numaatitude transdisciplinar, o novo paradigma comea a provocar reflexes nasdiversas reas do saber cientfico. No d mais para conviver com concepesrgidas e imutveis. Com um p no antigo, avanaremos para criar o novo,redescobrindo e resgatando o contedo da caixa preta de pandora do universo, a

    filosofia perene, e novamente acatando os ensinamentos do velho sbio cujoarqutipo vive em cada um de ns. (SCHABBEL, 1994).

    TEIXEIRA. E. A refl ect ion about the hol ist ic paradigm and hol ist ic and health.Rev.Esc.Enf.USP, v.30, n.2, p. 286-90, aug. 1996.

    This art icle is a reflect ion about the holist ic paradigm and their consti tut ionin the sc ience compass . Presents the i rs fundamenta l pr inc ip les and debates the i rinsertion in the health. Holistic and health appear how challenge for this new period.Presents this imnportants events what indicate this paradigm how new course for this

    humanity. Presents reflection about theirs general es concepts.UNITERMS: Holistic paradigm, holistic and health.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutao. So Paulo, Cultrix, 1986.

    2. CREMA, Roberto. Introduo viso holfstica. "2 ed." So Paulo, Summus, 1989.

    3. SCHABBEL, Corina. Redescobrindo... a holfstica. So Paulo, Iglu, 1994.

    290 Rev.Esc.EnfUSP, v.30, n.2, p.286 -90, ago. 1996.