344
PETROBRÁS SERVIÇO DE COMUNICAÇAo SOCIAL MEMÓRIA DA PETROBRÁS FUNDAÇAo GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL Antonio Seabra Moggi (depoimento) 1988

PETROBRÁS SERVIÇO DE COMUNICAÇAo SOCIAL MEMÓRIA DA

Embed Size (px)

Citation preview

  • PETROBRS

    SERVIO DE COMUNICAAo SOCIAL

    MEMRIA DA PETROBRS

    FUNDAAo GETLIO VARGAS

    CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAO

    DE HISTRIA CONTEMPORNEA DO BRASIL

    Antonio Seabra Moggi

    (depoimento)

    1988

  • ficha tcnica

    tipo de entrevista: temtica

    entrevistadores: Jos~ Luciano de Mattos Dias e Margareth

    Guimares Martins

    levantamento bibliogrfico e roteiro: Jos~ Luciano de Mat-

    tos Dias e Margareth Guimares Martins

    conferncia da transcrio: Jos Luciano de Mattos Dias e

    Margareth Guimares Martins

    sumrio: Jos Luciano de Mattos Dias

    texto: Maria Izabel Penna Buarque de Almeida

    1 e i tJ.!..Y a._fiJ.!.

  • SUMRIO

    l Entrevista: Nascimento na Itlia durante a viagem de npcias dos pais; origem e casamento dospais; a vida do Rio de Janeiro na dcada de 30; aescola pblica na Ilha do; Governador; o ginsio noColgio so Bento; o interesse pela qumica; o curso preparatrio no Colgio Universitrio e o ves-tibular; a entrada para a Escola Nacional de Qu-mica em 1941; a estrutura do curso e os professo-res, a precariedade das instalaes da escola; ocurso voltado para o estudo de tecnologias; trmi-no do curso em 1944 e ida para os Estados Unidos:curso de engenharia qumica na Vanderbil t Univer-sity; colegas de turma na Escola de Qumica: KurtPolitzer, Carlos Eduardo Paes Barreto, Gabriel Frana etc.; percepo da indstria brasileira po-ca: incipincia, carncia de capitais e de tecno-logia; morte dos avs maternos, proprietrios' daAmrica Fabril e da Fbrica Bangu: com a heranarecebida o entrevistado monta uma indstria de ar-tefatos de concreto; problemas com a indstria:crise de combustvel e de matria-prima no finalda guerra; o ambiente poltico: recordaes da Revoluo de 30 e do golpe de. 37; avaliao positivadas transformaes trazidas por Getlio Vargas, importncia da legislao trabalhista; a repressodurante o Esta?o Novo: participao no diretrioda Escola de Qumica e no Diretrio Central. dosEstudantes; relacionamento com Gustavo Capanema:colegas de diretrio: Paes Barreto, Joo Nader, H-lio de Almeida: manifestaes pela democracia econtra a ditadura varguista: a queda de Getlio em1945; impresses da campanha pela entrada do Bra-sil na Segunda Guerra Mundial e atividades no CPOR;lembranas da guerra; as restries de combustvelna poca da guerra: o estado da explorao do pe-trleo poca, as alternativas utilizadas, o gasog~nio; as experincias com leos vegetais na Esco~la de Qumica; as experincias com o lcool, a si-tuao atual do Programa do lcool: a viagem paraos Estados Unid.os em dezembro de 1944; impressesda sociedade americana: tica, estmulo indepen-dncia e criatividade; o problema do racismo nosEstados Unidos; a situao racial brasileira: o ambiente de liberdade; a mudana do padro educacio-nal no Brasil do francs para o americano; o cursode engenharia qumica nos Estados Unidos: a passa-gem pelo MIT para estudo de administrao de enge-nharia e negcios; o estudo intensivo e a experincia com o ensino de organizao e mtodos no MIT;a volta para o Brasil e as decepes do entrevis-tado com sua indstria de artefatos de cimento; oconvite de Carlos Eduardo Paes Barreto e LeopoldoMiguez de Mello para o CNP; a ida pa~a o CNP em1947: oficial-de-gabinete do presidente dQ CNl? 9:.neral Joo Carlos Barreto; participao na Comis-so de Constituio da Refinaria Nacional de Petrleo S .A.; a licitao para a compra da refinaria;estrutura'e funcionamento do CNP; os componentesda Comisso: Mrio Leo Ludolf, coronel MiltonArajo e Plnio.Cantanhede; o funcionamento da Co-misso; a escolha da The M. W. Kellogg para a cons-

  • truo da refinaria; os problemas da construo; adiretriz de nacionalizao de equipamentos e asdificuldades para sua implementao; o acompanha-mento do trabalho dos tcnicos americanos feitopor brasileiros, a preocupao em apreender a novatecnologia; o estgio da mo-de-obra local na Ba-hia; os problemas com as obras de engenharia civilrealizadas pela empresa brasileira; o trabalho dequalificao da mo-de-obra; as dificuldades de administrao das obras em virtude das normas anti-gas do servio pblico; as possibilidades de fle-xibilidade; a pol~rnica em torno do carter da ad-ministrao da Refinaria Nacional de Petrleo S.A.;estrutura e o funcionamento do CNP; a necessidadede flexibilidade para a administrao da indstriado petrleo; os problemas com a interferncia doDepartamento Administrativo do Servio Pblico(DASP); a importncia da concepo definida porHlio Beltro; a descentralizao e as subsidi-rias: o imperativo da responsabilidade; a influ~ncia das administra5es reali~adas por militares: aproteo contra o clientelismo poltico e o desvirtuamento nas no5es descentralizadoras originais;os presidentes da empresa: civis" e militares; operodo ps- 64 .. ". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 55

    2 Entrevista: Funcionamento do CNP em 1947: ple-nrio, p.r e s i.d nc i.a e divises; a deciso da cons-truo de Mataripe; o poder decisrio da presid"n-cia do CNP; os planos para a expanso de Mataripe;a ~rganizao para a construo da refinaria: ascomisses especiais; a Comisso de Consti tuioda Refinaria Nacional de Petrleo: Mrio Leo Lu-dolf, Plnio Cantanhede e o coronel Mlton Arajo;participao do entrevistado como secretrio daComisso; os projetos para a refinaria' e a escolhada The M. W~ Kellogg;o tipo de contrato firmado coma Kellogg: o compromisso com o treinamento dos tc-nicos brasileiros; as dificuldades com as especifica5es do projeto; a escolha da firma nacional pa-ra as obras de engenharia civil; o emprego de equipamentos nacionais na construo da refinaria; apresso poltica sobre o CNP poca do Estatutodo Petrleo; a diviso existente no CNP quanto poltica do petrleo; a repercusso da campanha do"O petrleo nosso" dentro do CNP e a posiodo corpo tcnico; os assessores norte-americanosdo CNP: a atuao de Wal ter Link; a formao e apersonalidade do gelogo de petrleo, o incio doscursos de geologia de petrleo no Brasil; a rela-o com a Universidade para a implantao .dos cur-sos; o ap9io exterior: professores americanos,franceses e canadenses selecionados com a ajuda dodeo da Universidade de Stanford; o incio doscursos na Universidade da Bahia; geologia e enge-nharia de petrleo, na Universidade do Brasil, noRio de Janeiro: curso de refinao de petrleo; atransferncia de tecnologia nas fases iniciais deconstruo e operao de Mataripe, a importnciados cursos neste processo; a necessidade de a L te-rao dos horrios de trabalho e das formas de re-

  • munerao: maior flexibilidade na operao doscursos e dos processos industriais; as resistn-cias da burocracia do servio pblico; a sele-o dos candidatos para os cursos instalados; aestrutura dos cursos; os problemas com a evasodos formados para a iniciativa privada; a continuao do aperfeioamento no estrangeiro, nasuniver-sidades e nas indstrias; a ,colaborao das empre-sas estrangeiras para a formao e treinamento dostecnicos; os problemas com a transferncia de tec-nologia; a mensagem da estrutura para a pesquisa 80

    3 Entrevista: Entrada no CNP em julho de 1947 como oficial-de-gabinete do presidente do Conselho;participao no projeto preliminar do Oleoduto Santos-so Paulo; descrio dos problemas da constru-o do oleoduto, o trabalho dos projetistas; a contratao das firmas estrangeiras para o projetofinal e construo; a vinculao com a Estrada deFerro Santos-Jundia: a incapacidade do setor p-blico de administrar um empreendimento industrial;secretrio-executivo da Comisso de Constituioda Refinaria Nacional de Petrleo; o porqu das comisses especiais para a administrao dos proje-tos industriais; perfil do general Joo Carlos Barreto; a capacipade tcnica como requisito para otrabalho administrativo; participao na elabora-o do primeiro estudo para a instalao de umaunidade de produo de amnia; os problemas do pIanejamento da produo no Brasil; o papel de Leopoldo Miguez de Mello na concepo da indstria pe-troqumica brasileira; a atuao das multinacio-nais no processo de constituio da indstria pe-troqumica brasileira; a luta contra os entravesburocrticos: o problema da administrao; os con-troles excessivos ou ineficazes; o incio do tra-balho corno membro do setor de plane jamento da Co-mi~so de Construo da Refinaria de Cubato; ademisso de Joo Carlos Barreto e a nomeao dePlnio Cantanhede para a presidncia do CNP; o ge-neral Albuquerque Lima na chefia da Comisso deConstruo da Refinaria de Cubato; o trabalho deanlise dos projetos de construo; a escolha daHydrocarbon para a realizao dos projetos; a es-colha dos fornecedores de equipamentos; a demorada 'construo da refinaria; a realizao do proje-to pela Hydrocarbon; o desligamento da Comissode Construo da Refinaria de Cuba to para a cria-o do Setor de Superviso de Aperfeioamento Tc-nico; o trabalho em conjunto com Atos da SilveiraRamos, Kurt Politzer, Leopoldo Miguez de Mello eCristvo Cardoso; o problema da formao do pes-soal de nvel superior; a transferncia dos conhe-cimentos tecnolgicos; a estrutura de administra-o da construo da Refinaria de Cubato; os p~oblemas de adaptao dos tcnicos brasileiros osnovos procedimentos industriais; a necessidade doscursos especializados organizados pelo CNP;os acordos firmados com 'as universidades para a realiza-o dos cursos; a criao da Petrobrs e a trans-formao do Setor de Superviso de Aperfeioamento

  • ,/

    Tcnico em Cenap; perfil de Plnio Cantanhede esua atuao corno presidente do CNP; viso de Pl-nio Cantanhede sobre a Petrobrs; transferncia debens, servios e pessoal do CNP para a Petrobrs;o pedido de demisso de Hlio Beltro e os motivosda permanncia do entrevistado na empresa; a pre-sidncia Arthur Levy na Petrobrs; as conseqn-cias das administraes de militares na Petrobrs:os problemas de desempenho empresarial provocadospela centralizao excessiva; o s problemas decor-rentes da centralizao para a operao no exte-rior; a necessidade da formao de gerentes; atransformao dos melhores tcnicos nos gerentesda empresa; a criao de um novo rgo para a for-mao de gerentes: o Setor de Desenvolvimento deRecursos Humanos (Sedes); as ampliaes domonop-lio para a atuao gerencial; Hlio Beltro napresidncia da empresa na Nova Rep~blica: os es-foros para restabelecer a descentralizao quepretndeu implantar quando diretor em 1954; as in-terferncias polticas e a desistncia de HlioBeltro; a resistncia das diretorias descentra-lizao: os problemas de coordenao da decorren-tes; a repetio dos problemas ns subsidirias; adeciso de constituir um centro de pesquisas; oapoio dos diretores ao projeto: Hlio Beltro eLeopoldo Miguez de Mello; a criao do Cenpes apartir do Cenap; os problemas da organizao doCenpes; a relao com a Universidade Federal doRio de Janeiro; as tendncias futuras para o Cen-pes; explorao, tecnologia industrial e petroqu-mica; o juzo pessimista sobre a Universidade e oestmulo da Petrobrs 124

    4 Entrevista: A experincia de construo da Re-finaria de Cubato, o trabalho em conjunto com Plnio Cantanhede, Leopoldo Miguez de Mello e o coro-nel Imbiriba Guerreiro; problemas com as especifi-caes de materiais e equipamentos ; atritos entreArthur Levy e o general Stnio Caio de AlbuquerqueLima: a passagem do Oleoduto Santos-So Paulo pelocanteiro de obras da Refinaria de Cubato; proble-mas decorrentes da administrao militar da cons-truo; sada do entrevistado da Comisso de Cons-truo pouco antes do incio da operao da refi-naria para a constituio do Setor de Supervisode Aperfeioamento Tcnico; objetivos do setor;cursos iniciais; a criao do Cenap e o sucesso deseu desempenho na formao de tcnicos e adminis-tradores; a seleo dos alunos; o convite aos pro-fessores estrangeiros; o carter pragmtico doscursos; a soluo do problema de escassez de recursos do CNP com a criao da Petrobrs; o esforode convencer a diretoria da import~ncia da inicia-tiva; o sucesso comprovado da iniciativa; a pro-gressiva centralizao e seus aspectos negativos;as tentaiivas de formao de pessoal de nvel m-dio e seus problemas; a nacionalizao dos equipa-mentos na construo da Refinaaria de Cubato; aprioridade dada constituio do parque de refi-no; o impacto sobre a produo industrial; a neces

  • sidade de ampliao e modernizao do parque derefino logo aps sua constituio: processamentodos diversos tipos de leo, sofisticao do cra-queamento; o processo de politizao da empresano incio dos anos 60; os problemas administrati-vos, as conseqncias da organizao verticaliza-da; a demisso do entrevistado no perodo da pre-sidncia de Francisco Mangabeira; volta ao CNP co-mo adido Diviso Tcnica; a caracterizao da empresa estatal: seu duplo papel e sua importnciapara o desenvolvimento regional e para a segurananacional; os controles da Unio sobre a empresaestatal; os excessivos controles no presente; aprogressiva burocratizao da Petrobrs; o funcio-namento em regime de monoplio; a diversidade deeficincia nos diferentes setores da empresa e nassubsidirias; a atuao prejudicial do governona determinao de polticas s empresas estatais;a ausncia de uma poltica industrial clara e suasrepercusses; os prejuzos da Petrobrs com as in-definies do governo; a formulao das metas eobjetivos pela prpria empresa: a experincia doplanejamento no campo da refinao, da perfuraoe produo de petrleo, e do desenvolvimento derecursos humanos; os problemas adicionais trazidospela transio poltica e pela crise econmica 151

    5 Entrevista: Posio cont r r .a ao estatismo: oEstado mau empresrio; origem das empresas esta-tais: tentativa de fugir burocratizao das en-tidades pblicas; sua funo: suprir a incapacida-de do setor privado em desenvolver um setor consi-derado importante pelo governo; duas reas priori-trias: desenvolvimento regional e segurana na-cipnal; a estatizao indevida das empresas em d-bito com o governo e com dificuldades de operao:atuao do BNDE~ a intromisso indevida do governonas estatais de sucesso: Vale do Rio Doce, Petro-brs, Eletrobrs; os limites da operao estatal,a anlise de cada caso~ na distribuio, na petro-qumica; a questo da eficincia da empresa esta-tal: o aspecto decisivo dos recursos humanos; asvrias "ilhas" de ineficincia da Petrobrs, oexemplo do desenvolvimento de recursos humanos narea gerencial: a soluo do problema; as possibi-lidades de comparao entre as empresas privadas epblicas na questo da eficincia; a Petrobrs co-mo sistema de empresas e a necessidade de descen-tralizao: a clareza das metas de planejamento, ocontrole pelos resultados e a eficincia gerencial;a origem das metas para a empresa; os problemas doplanejamento interno frente situao econmicae s influncias polticas: o Programa do lcool;a empresa estatal deve propor metas definidas parasua opera~o e coordena~o com as metas estratg~~cas governamentais; a falta de coerncia no desem~penha do governo e os prejuzos causados s empre-sas estatais; a entrada do entrevistado na Petro-brs a convite de Hlio Beltro: continuar na em-presa a atividade de formao de profissionais es-pecializados levada a cabo no mbito do CNP; a de-

  • misso de Hlio Beltro com a eleio de Jusceli-no; caracterizao de Jnio Quadros e Joo Gou-lart; o processo de politizao da empresa; a sa-da do entrevistado durante a presidncia de Fran-cisco Mangabeira; viso geral da evoluo da em-presa a partir de 1954; a iridicao do entrevista-do, feita pelo .Ln s t i, tuto Brasileiro . de Petrleo(IBP), para cursar a Escola Superior de Guerra(ESG); os primeiros problemas com a administraoFrancisco Mangabeira; o prosseguimento dos desman-dos; a assinatura de um abaixo-assinado internocontra a administrao de Mangabeira e a volta aoCNP como punio; atritos com o presidente do CNP,Carlos Meirelles, quanto ao problema do teto deproduo das refinarias privadas; a demisso doentrevistado; a seqncia dos presidentes da Pe-trobrs aps a sada de Mangabeira; o retorno doentrevistado Petrobrs a pedido do general Ar-thur Levy aps 1964; os problemas que encontrou noCenap em seu retorno; as comisses de inqurito internas aps o movimento militar de 64, a importan-te atuao dogeneral Ademar de Queiroz para a so-brevivncia da empresai novas consideraes sobreo Cenap: :0 retorno dos professores estrangeiros aseus pases, os problemas com a formao excessi-vamente teric~ dos cursos universitrios; a estrutura do Cenap; a regionalizao dos centros detreinamento; os primeiros passos para a centrali-zao da pesquisp na Petrobrs; a necessidade deorganizao para o desenvolvimento tecnolgico; aconcepo do Cenpes...................................... 191

    6 Entrevista: Caracterizao do curso da ESG; objetivos e organizao do curso; composio e nme-ro de integrantes das turmas; assuntos estudados:os campos poltico, militar, social e cientfico-tecnolgico; o estudo da conjuntura da Escola, asviagens e visitas durante o curso; o tratamento doproblema tecnolgico durante o curso, suas rela-es com o problema educacional; a discuss~ doaperfeioamento gerencial; a criao e os objeti-vos do IBP; a criao do Cenpes e a extino doCenap 211

    7 Entrevista: A experincia de pesquisa no momegto da criao do Cenpes; o estudo realizado sobreas organizaes de pesquisa internacionais; a ne-cessidade de se levar em conta as condies pr-prias do Brasil; a nfase do Cenpes nos processosindustriais e, em menor escala, no campo da pesquisa e explorao de petrleo; o trabalho de conven-cer a diretoria da Petrobrs da viabilidade do pr~jeto de instalao do Cerrpe s : as condies indis-pensveis para o funcionamento de um centro de pesquisas; o apoio do diretor Leopoldo Miguez de Me-llo; a contratao de uma empresa norte-americanade consultoria para estudar as possibilidades deinstalao do Cenpes; a deciso tomada; o problemada localizao; a vinculao inicial do Cenpes como Departamento Industrial e o insucesso dessa vin-culao; a vinculao do Cenpes Diretoria Execu-

  • tiva logo depois; o acordo com a UFRJ e a locali-zao definitiva na Ilha do Fundo; a idia de uma.diviso do trabalho com a Universidade: pesquisatecnolgica no Cenpes e pesquisa bsica a cargo daUniversidade; a concepo de funcionamento do Cen-pes; a organizao matricial com nfase nos gru-pos-t arefas; a adaptao do projeto arquitetnicos concepes de funcionamento do Cenpes; o imperativo da gerao prpria de tecnologia; a comprados processos industriais e equipamentos como pon-to de partida para o desenvolvimento prprio; aevoluo da estrutura organizacional do Cenpes; aimportncia da criao da Diviso de EngenhariaBsica e a relao com as empresas de engenharianacionais na rea de projetos; o contato com asempresas nacionais privadas; o recrutamento dostcnicos no setor de engenharia bsica e nos seto-res industrial e de explorao; os processos doCenpes na elaborao de novos processos tecnol-gicos; a relao com os institutos de pesquisa daUniversidade; os problemas enfrentados nesta rela-o com a Universidade; a ampliao~da rea de atuao do Cenpes em meados da dcada de 70, a melho-ra dos contatos com os departamentos da Petrobrs;os estudos de viabilidade econmica dos projetoselaborados; o con~ato do Cenpes com as institui-es de pesquisa.estrangeiras; a evoluo da qualificao do pessoal tcnico e cientfico do Cen-pe s r os projetos de ampliao desenvolvidos atual-mente; a criao de centros de pesquisa regionais;os recursos disposio do Cenpes, oramentriose especiais; as pesquisas contratadas pelas subsi-dirias e pelo setor privado; os critrios de se-leo dos projetos desenvolvidos; a rea dos ser-vios tcnicos; a decisiva importncia dos recur-sos humanos; uma avaliao do desempenho do entre-vistado como superintendente do Cenpes; a formaode um esprito de corpo; as resistncias iniciaisao trabalho do Cenpes nas unidades industriais e asuperao dessas resistncias; as caractersticasprprias da administrao de pesquisa, o relacionamentocom os pesquisadores; os importantes progreBsos na rea da engenharia bsica, das refinariass plataformas de explorao; o problema do conhe-cimento e da informao na compra de tecnologia eservios: OS progressos possibilitados pelo Cen-pes; os problemas de desempenho recente da Petro-brs; o relacionamento com o setor privado: o pa-pel do Servio de Material (Sermat); o esforo denacionalizao: os contatos com a rea da siderur-gia e com os fabricantes de equipamentos; os obs-tculos ao processo de nacionalizao, o curso dainiciativa; a contribuio do Cenpes no campo docontrole de qualidade dos equipamentos produzidosno pas; a qualificao do problema dos custos da~nacionalizao; o fator decisivo da economia deescala; a questo da reserva de mercado; a atuaoda empresa como grande compradora de equipamentose materiais: o poder do monoplio, o aspecto fun-damental do planejamento na definio dessa atua-o; os obstculos enfrentados na elaborao desse

  • planejamen~o, a interfer~ncia politica indevida; oplanejamento na rea tecnolgica no conjunto doPlano Estratgico da Petrobrs; a definio dainstalao de uma nova refinaria de petrleo, asinterfer~ncias politicas e a ~.acionalidade econ8-mica; a resist~ncia s interfer~ncias politicas: anecessidade do trabalho de lobby e da autonomiaempresarial para a Petrobrs na nova conjuntura

    1, .

    po a t .ca .

    8 Entrevista: Diferentes estgios tecnolgicosnos setores de refinao e de explorao de petr-leo; a evoluo de ambos os setores no Brasil, asdificuldades enfrentadas; a importncia do volumede investimentos necessrios para o desenvolvimen-to tecnolgico em cada setor; o contrato firmadocom o CTA para o fabrico de PBLH, o desenvolvimen-to do processo industrial; a criao dos cursos degeologia no Brasil e a estratgia de formao depessoal especializado; os custos da explorao eas dificuldades de obteno dos recursos de capi-tal; a operao da Braspetro, sua estratgia dedesenvolvimento tecnolgico .

    9 Entrevista: A criao do Setor de Documentaodo Cenpes, objetivos e problemas; relacionamentodo Cenpes com as empresas subsidirias; o desen-volvimento do processo de produo de PBLH; o de-senvolvimento tecnolgico no setor petroquimico:eteno a partir do lcool, polietileno de alta den-sidade, fertilizantes; o papel do Cenpes no setor .

    243

    263

    274

    10 Entrevista: Reorganizao do Cenpes e criaodo setor de Engenharia Bsica; as empresas de en-genharia brasileiras e as dificuldades no desen-volvimento de engenharia bsica no Brasil; distin-o entre engenharia bsica e de detalhe; a deci-so da Petrobrs quanto ao problema; a negociaodos contratos de transfer~ncia de tecnologia, a situao de mercado; mais detalhes sobre a reorgani-zao do Cenpes; balano final sobre a experi~ncia frente do Cenpes, as novas perspectivas: especializao regional, flexibilizao organizacional,aprimoramento gerencial 288

    ll Entrevista: Transferncia de tecnologia e alei brasileira sobre propriedade industrial, a criao do INPI; o subdimensionamento do INPI; a negQciao interburocrtica; a situao das patentes;a politica do Cenpes no setor; os problemas dalegislao; a especificidade de cada setor de pes-quisa; o desenvolvimento tecnolgico da exploraooff-shore; consideraes finais sobre a questaotecnolgica: indstria farmac~utica, participaodo Estado; a nomeao do entrevistado para o es-critrio de Nova York, as atividades do escritrioe a necessidade de autonomia gerencial; as ativid~des iinanceiras do escritrio de Nova York; a in-ternacionalizao da Petrobrs e a administraoShigeaki Ueki . 305

  • l2 Entrevista: Internacionalizao da Petrobrs,as subsidirias operando no exterior; Interbrs;Braspetro: Majnoon, Angola, Equador; a competiono mercado internaciona 1 e a situao da Petro-brs; as negociaes com a Noruega; a tentativa decriao da Petrobrs Overseas: os problemas pol-ticos enfrentados e a deciso do Ministrio deMinas e Energia; a holding Petrobrs: situao at~aI e necessidades futuras; as difceis relaescom o governo; o calote das entidades governamen-tais; a nomeao para a vice-presidncia da B'ra a-:petro, o retorno ao Rio de Janeiro; a concorrn-cia do Mar da China; consideraes finais do entrQvistado; relaes com o governo, dificuldades daempresa, burocratizao excessiva, elaborao doPASP, reduo de investimentos, a indeciso dosrumos polticos do pais....... 334

  • 1 Entrevista: 19.01.1988

    M.M. Dr. Moggi, onde e quando o senhor nasceu?

    [riso]A.M. - Isso um pouco vexatrio. Eu sou filho de

    pai italiano e me brasileir? Naquela,epoca, no segundo

    decnio desse sculo, nao havia linhas internacionais de

    aviao. Meu pai fez uma viagem de lua-de-mel mui to longa

    Itlia. Visitou todos os 'parentes que,

    nos tnhamos em

    Roma e Florena e depois foi conhecer Milo. Quando ele

    chegou Turim, minha. ,

    estava gestao bas-em mae Ja com uma

    tante avanada e estvamos no hotel - eu ainda l dentro.

    [risos] Meu pai foi perguntar mdico,

    estavaao como e que a

    situao, se dava tempo de regressar ao Brasil ou nao. E o

    mdico disse: "Olha, nao vai dar tempo, porque o seu fi-

    lho tem uma probabilidade muito alta de nascer no mar."

    Em 20 de dezembro'de .1920, nasci num hotel em.

    Turim, onde fazia um frio "cachorro", com neve a 1 m de al-

    tura, e meu pai teve que trazer a parteira nas costas, por-

    que nao encontrou mdico. Trouxe-a a p, porque no havia

    circulao de veculos, no havia nada, t6do o trfego es-

    tava interrompido por uma nevasca muito grande. Meu pai

    teve que caminhar, carregando no cangote a parteira. Isso

    significa que j dei trabalho desde o incio. Desde que na~

    ci j vim dando trabalho. [risos]

    M.M. Como era o nome de. seu pai?

    A.M. - Meu pai chama-se Renato Moggi. A minha mae chamava-

    se Beja, porque meu av materno era um portugus de quatro

    costados e deu-lhe o nome de uma cidade de Portugal.G.

    J.D. - Seu pai era engenheiro, era industrial ou era comer-

    ciante?

    A.M. - No. Meu pai comeou como bersagliere: aqueles ita-

  • 02

    lianos com uma pluma preta na cabea, que correm o temp6

    todo. Na Primeira Grande Guerra, uma granada explodiu

    prximo dele, cortando os tendes de sua perna, que ficou

    por trs porque ele devia estar

    com um defeito. Eu disse a ele que a granada explodiu

    fugindo do negcio. ~isos]

    Depois, meu pai resolveu que la ser tenor. Ele

    tinha uma voz muito bonita e foi aluno do maestro que en-

    sinou o Beniamino Grilli, o Tito Schipa e grandes cantores.

    Mas quando o maestro lhe disse que ele tinha que parar de

    fumar e de beber e nada de mulheres, ele disse: 11Acabou a

    minha profisso artstica. Eu no vou mais estudar. 11 [ri-

    sos] Ele era um cancioneiro, tinha urna voz muito bonita,

    mas ...

    A, meu pai foi correr mundo. Foi imediato de

    bordo de um navio, que velO parar aqui no Rio de Janeiro.

    Ele saltou, achou a cidade muito bonita, quis saber da

    comida, pediu macarro, viu urna terrina de madeira em cima

    de urna mesa, pegou aquele negcio - queijo parmesao - bo-

    tou ... E no era. Era farinha de mandioca! [risos] A

    ele comeou a conhecer o Brasil e resolveu trabalhar num

    banco aqui, o Banco Francs e Italiano.

    a vida, corno bancrio, paulatinamente.

    E assim comeou

    Depois, meu pai conheceu minha, .

    negoclooutra histria. Foi durante o carnaval,

    mae.

    naquele

    ,e uma

    de passar cartozinho de visita, jogar serpentina. Aquela

    era urna ~poca rom~ntica. Meu av materno, que tinha pre-

    tenses de que minha mae s se casasse com um banqueiro e

    nao com um bancrio, foi contra o casamento. Perseguiu

    muito meu pai, mas eles acabaram se casando, sob os prote

    tos do meu av, que conseguiu que meu pai fosse dispensado

  • 03

    do banco. Foi uma persegui~o bastante portuguesa .... Meu

    av era muito autoritrio.

    Meu pai abraou uma outra profiss~o: foi ser ven-

    dedor dos produtos farmac~uticos Le Petit, de'Mil~o, que

    era e ainda um grande laboratrio da Itlia. Meu pai ven

    dia os produtos de farmcia em farmcia. Naquela poca, o

    Rio de Janeiro era uma coisa pequena. Talvez a popula~o

    do Brasil andasse a por uns 15 a 20 milhes de habitantes,

    coisa dessa ordem de grandeza. Por volta de 1930/1940, ns

    estvamos com 45 milhes de habitantes. O Brasil estava no

    s tinha residncias, n~o tinha arranha-cus.

    take-off. O Rio de Janeiro era uma cidade ... Copacabana

    Ipanema e

    Leblon eram um areal terrvel. Meu av comprou terras l

    por vinte ris o metro quadrado.

    vinte ris em moeda corrente.

    Eu nem sei como traduzir

    J.D. Certamente nao exist~.

    A.M. - N~o existe mais esse negcio. Mas, enfim, era real-

    mente um valor muito reduzido.

    burro at Copacabana e voltavam.

    Os bondes eram puxados a

    A eletricidade era ainda

    uma quimera. Depois, fui vendo surgir tudo isso, quando eu

    fui tomando conscincia.

    Em 1925, perdi minha mae. Houve uma epidemia de

    tifo l em Copacabana. Eu morava na rua Figueiredo de Ma-

    galh~es, numa casa que me marcou muito, porque tinha uma

    lacraia dentro do relgio do gs. [:isos] A lacraia me

    mordeu. Tudo era muito precrio, mas o Rio era uma cidade

    civilizada, no sentido de que as pessoas deixavam as por-

    tas da casa abertas. Havia o vigia noturno. Hvia a VN,

    uma plaquinha que se botava nas casas para indicar o vigia

    noturno. Era uma outra menta1idad~. N~o havia esse sis-

  • 04

    terna de gangsterismo, de Chicago, que ns ternos hoje: ata-

    ques a banco... Havia ladro de gal inha, coisas T!1U.l to ...

    M.M. - E era urna vida tranqila. O ritmo, as pessoas ...

    A.M. - A vida era muito tranqila, o ritmo muito menor. O

    sol tambm era inclemente assim. [:isos] As mulheres usa-

    vam urna touquinha para cair n'gua, um mai toqo fechado,

    de mangas compridas, com urna cala trs-quartos, pelas ca-

    nelas. Eu tenho urnas fotografias dessa poca que so cari-

    caturais. Enfim, esse era o ambiente que se vivia.

    Comecei a estudar ... Quando perdi minha me, meu

    pai foi morar no Andara. Eu tinha como companheiras o

    dia inteiro, enquanto ele"andava nas ruas vendendo produtos

    farmacuticos, eu tinha uma cabra vadia para brincar comigo,

    e a empregada que ficava na casa. Era urna vida mui to sim-

    pIes, no meio do quintal, com muitos tamarindos, mangueiras

    etc.

    M.M. - O senhor filho nico?

    A.M. - Sim, filho nico de pai vivo. Eu pedi muito que

    ele me arrumasse uns irmos ... Acabamos indo morar na Ilha

    do Governador, onde eu ...

    J.D. - Claro que tem.

    No sei se isso tem interesse ...

    A.M. - Eu estou dizendo isso muito naturalment~, porque ...

    Fui parar na Ilha do Governador porque eu tinha tido pneu-

    monia dupla e o mdico disse para meu pai: "Seu filho pode

    pegar urna tuberculose, est fraco. E aqul no Rio de Ja-

    neiro, o melhor clima na Ilha do Governador, que fica

    em frente entrada da baa, mais ventilado etc." Ento,""

    fornos morar na Ilha do Governador, numa casa estranha,

    enorme - subia morro acima - na praia das Bandeiras. Fica-

  • va a um quarteiro da prala propriamente dita.

    05

    Diziam que

    essa casa era mal-assombrada, porque a dona tinha assassi-

    nado o marido l ou sei l por qu.

    bala. na parede.

    Havia os buracos de

    M.M. o senhor chegou a ver algum fantasma? [Fiso]

    A.M. - Eu ouvia umas risadas noite. Aquilo me deixou

    muito inquieto. Eu acordei meu pai, que tinha uma carabina

    Winchester. Mas descobrimos que aquilo era uma coruja, que

    ria aquela risada de coruja. A casa no era mal-assombra-

    da. Tinha morcegos, essas coisas que davam naquela,epoca.

    Tinha carambola tambm, caju, o diabo l.

    Fui estudar numa escola pblica, chamada Cuba

    nao sei se ainda existe na praia de Cocot. Eu pegava o

    bondinho e la para l.

    de terra batida ...

    ,Naquela epoca, as ruas eram todas

    J.D. Escola secundria?

    A.M. - No. Era uma escola pblica primria, muito boa,

    por sinal. Mas, para a r para a escola, s havia o bonde.

    ,Eu ficava vendo quando e que o bonde chegava. o bonde pas-

    sava de hora em hora. Eu colocava o ouvido no poste de ma-

    deira para ouvir o iaum ... iaum. .. iaum ... "0 bonde est

    vindo a!

    escola.

    Corre l! Chama no sei quem!" E,a amo s para a

    Essa foi minha primeira apresentao ao en's Lno . D..

    pois, a situao financeira de meu pai melhorou e viemos

    morar numa pensa0 na rua Benjamim Constant, na Glria. E

    ele, com muito sacrifcio - muito sacrifcio mesmo - conse-

    guiu me colocar no ginsio so Bento, naI,

    rua Dom- Gerardo,

    perto da praa Mau. Era uma escola extradordinria naque-

    la poca. A escola dos Beneditinos. Ainda agora,A

    no mes

  • 06

    de dezembro, fui comemorar, com meus colegas de turma - to-

    dos velhinhos - 50 anos de formado no so Bento: urna bele-

    za. Eu me formei em 1937. Fiz o final do primrio e o se-

    cundrio e sa de l ... Fiquei semi-interno. Foi um gran-

    de esforo~ mas tive grandes mestres. Grandes mestres.

    M.M. - Era isso que eu queria perguntar:

    gio?

    corno era o col-

    J.D. - Corno era a estrutura do curso? Havia urna educao

    cientfica ou era apenas urna educao humanista?

    A.M. - Era urna educao humanista. No havia esse negcio

    de - no segundo grau - a r para a parte clssica ou cient-

    fica. Era tudo uma coisa s. Eram cinco anos. o curso

    secundrio era de cinco anos.

    J.D. - Os professores eram todos religiosos?

    A.M. - No. Raramente eram. Naturalmente, os de apolo-

    gtica eram religiosos. Mas o professor de geografia, Ab-

    dias Silva, no era relig{oso. Depois, ele foi um famoso

    integralista .... Depois tivemos o Gouveia -, o Werneck - que

    era um comandante da Marinha~de-Guerra-

    combe ...

    J.D. - Amrico Jacobina?

    tivemos o La-

    A.M. - . Amrico Jacobina foi meu professor de histria

    da civilizao. Tivemos o Antnio Mrio Barreto'- filho do

    famoso Mrio Barreto -, que conhece profundamente o portu-

    A

    gues. Tivemos vrios excelentes professores. O professor

    de matemtica foi muito bom tambm.

    E eu fui andando, at que, em 1937, tive um e xc e>

    lente professor de qumica, Henrique Liberali, famoso tam-

    bm. Ele j morreu.

  • 07

    Eu tinha muita tendncia para as cincias, sobre-

    tudo para a zoologia, a botnica etc. Eu, provavelmente,

    seria mdico. Estudei todo o meu perodo universitrio con

    vivendo, em penses, com alunos de escolas de medicina.

    Ento, estudava medicina com eles tambm, fazia perguntas ...

    Mas nesse ano de 37, eu e um colega de turma - Fernando Sou

    sa Reis - escrevemos um trabalho - que est

    intitulado Algumas noes sobre isotopia.

    at hoje

    Esse trabalho

    marcou poca, porque discutia os istopos, os 'primrdios do

    espectrometrode massa - que era ainda muito rudimentar

    um instrumento que consegue separar, num mesmo elemento, isto-

    pos diferentes, ou seja, tomos de diferentes pesos. Da surgiu,depois

    com os estudos posteriores, a bomba atmica.

    J.D. - Mas onde, precisamente, est a origem desse seu tra-

    balho? Em que estudo?

    A.M. - Honestamente, meu trabalho foi 90% compilatrio e

    10% de lavra prpria. Ns ficamos muito entusiasmados em

    saber que havia um micromundo dos tomos e que o espao en-

    tre as partculas atmicas era imenso. Se aquilo pudesse

    ser congregado, os espaos iriam diminuir imensamente. Des-

    sa diminuio do espao, sei l o que poderia acontecer. Pe

    la repulso, a energia se desprenderia. Era um pensamento

    ainda muito, eu diria, filosfico. No tinha muita base

    cientfica. Mas foi da que os pais da bomba atmica, com

    um laboratrio muito mais sofisticado e medindo todos es-

    ses eltrons e prtons e nutrons - todas essas partculas

    que existem dentro do tomo - foram levados a concluir que

    a radioatividade poderia ter um tratamento separado, pode-I;. . ,

    ria provocar uma liberao sbita de energia, e surg~u da~

    a bomba atmica.

    M.M. - Mas a motivao para escrever esse trabalho foi s a

  • 08

    curiosidade dos senhores?

    A.M. - No. Eu lia muitas revistas e esse professor me en-

    tregou muitos livros tamb~m, muito material para escolher

    sobre o que eu queria escrever. o Fernando Sousa Reis va-

    le dizer, era o primeiro aluno da turma, um estudioso tre-

    mendo. Eu no era primeiro aluno; estava no primeiro tero

    da turma. Tambm era estudioso, mas longe dele. Mas eu

    era mais entusiasta. Eu provocava muito o Fernando, que

    era metdico. Ele est vivo at~ hoje, tem muito sucesso

    l em so Paulo.

    Desse estudo nosso, surgiu esse trabalho, que re-

    cebeu o primeiro prmio. Eu ganhei um livro em ingls, o

    que me obrigou a estudar mais ainda essa lngua, para po-

    der entender o livro sobre qumica. A, fiquei entusiasma-

    do com a qumica, achei que ela era um romance, sobretudo a

    qumica orgnica, os compostos de qumica orgnica.

    Fui estudar qumica. Fiz exame para a Escola de

    Qumica, em vez de ser para a de Medicina. E o interessan-

    te ~ que levei um vastssimo trote na Escola de Medicina,

    porque fui fazer a matrcula da Escola de Qumica, que era

    na Escola de Medicina, e me tomaram como calouro de medi-

    cina, me deram o trote, me mandaram medir, com um palito,

    toda a sala de entrada do p r ed i o . [risos} No sei quantos

    milhares de palitos havia naquela sala. ~iso~ Um neg-

    cio incrvel, no~? A medicina me persegue at~ nisso! [ri

    sos] E na qumica no me deram o trote. [risos]

    M.M.

    mica?

    Havia muitos candidatos interessados em cursar qu-

    A.M. - Eu diria que havia por volta de trezentas ou quinhen

    tas pessoas que queriam estudar a qumica industrial. No

  • havia engenharia qumica naquela poca.

    09

    Havia os cursos de

    engenharia industrial, modalidade qumica, na Escola Poli-

    tcnica da Universidade do Brasil. Mas engenharia, .

    qUlml-

    ca, no conceito que tinha, diferente de, .

    qUlmlca indus -

    trial. A qumica industrial prepara o aluno para entender

    e fazer operar instalaes qumicas, processos qumicos, en

    quanto a engenharia qumica prepara-o nao,

    so para operar,

    mas para projetar urna nova instalao ou modificar urna ins-

    talao existente. urna coisa mui, to mais ambiciosa, mua-:

    to mais profunda, porque implica clculo de material, en-

    fim, toda urna base de projeto.

    Eu lastimava no haver engenharia qumica no Bra-

    silo Ento, fiz qumica industrial. Antes disso, corno o

    curso secundrio era de cinco anos, fornos fazer o que o

    o governo nos obrigava na poca, que era o Colgio Univer-

    sitrio, f ei, to em dois anos. Era naquele asilo de loucos

    que existe em frente ao Iate Clube e que hoje a Universi-

    dade do Brasil. No sei se h menos loucos, mas... G-isos]

    J.D. Os loucos continuam.

    A~M. ~ E ali h outra universidade, a ...

    J.D. - UniRio.

    M.M. - Do lado.

    A.M. UniRio. Mas, enfim, ali era o Colgio Universit-

    rio, ao lado do Instituto dos Cegos. Fui bom aluno no Co-

    lgio Universitrio. O vestibular, naquela poca, era mui-

    to amplo. Tinha exames escritos e orais, - ,e nao esse nego-cio de mltipla escolha, no. Voc~ tinha que mOstrar co-

    nhecimento mesmo, alm de demonstrar capacidade ~de trans-

    mitir esse conhecimento. E o que era pedido no exame ves-

    tibular era urna enormidade. A cadeira de ci~ncias cobria

  • 10

    botnica, astronomia, geologia, zoologia, cosmografia ... Era

    o diabo! Tudo isso era uma prova. Depois havia a prova de

    desenho tcnico, que demorava nove horas. No final da pro-

    va eu nao enxergava mais nada. A descobri que estava pre-

    cisando de culos. Eu no me tinha dado conta disso. E ha-

    via as provas de qumica, que era muito puxada, de fsica,

    que era profunda. Havia at sociologia, sei l paraA

    que,

    mas havia. Eu consegui passar em todas as cadeiras, mas

    nao alcancei a mdia mnima global. Havia esse negcio de

    mdia mnima globai, tambm. Ento, eu tive que repetir o

    vestibular.

    bular.

    Fiquei "danado da vida", de repetir o vesti-

    M.M. - O senhor fez dois anos no COlgio .. : Era assim:dois

    anos no Colgio Universitrio e a se faziam os exames?

    A.M. - Eram dois anos no Colgio Universitrio, de Dnde sa

    e fiz logo o vestibular. Eu deveria estar bem preparado pa

    ra isso, mas o que o Colgio Universitrio pedia nao era o

    que pedia o exame vestibular de cada escola. O vestibular

    nao era unificado, cada escola fazia o seu. Havia os mace-

    tes de cada escola. Ento, eu disse: "Eu nao sei desses

    macetes" e entrei em um curso preparatrio para o vestibu-

    lar, um pr-vestibular da escola, com os professores que

    faziam o vestibular. Estudei como um louco e nessa segunda

    leva eu passei em stimo lugar. Foi uma boa colocao,

    pois havia um mundo de candidatos. Antes, eu tinha estuda-

    do numa direo que nao era a correta, no era especfica

    para o que era pedido. Ento, entrei na Escola.

    M.M. - Em que ano o senhor entrou na Escola

    Qumica?

    Nacional de

    A.M. - No incio de 1941. O curso de qumica industrial era

  • feito em quatro anos: 1941-44.

    achando que o curso era falho.

    M.M. - Por qu?

    Em 44, eu,

    sa~

    11

    da Escola,

    J.D. Ns gostaramos que o senhor falasse sobre a estru-

    tura do curso, sobre os professores. Como era o curso?

    A.M. Os professores eram bastante rgidos. O diretor da

    Escola chamava-se Porto Carrero, uma famlia famosa do co-

    ronel Porto Carrero. Era irmo 'ou primo do pai da Tnia

    Carrero e tambm era professor extremamente exigente de

    qumica inorgnica. O Ramalho era o professor de matem-

    tica. Havia o Mrio Saraiva, que era o professor de

    mica orgnica, que tinha PhD na Alemanha. Havia o Otto

    Rot, que era o professor de tecnologia orgnica. Ensinava

    a preparar couros, corantes vegetais, tecidos, toda a gama

    que se dizia qumica industrial na poca.

    Era um curso de uma escola extremamente pobre. Os

    alunos se cotizavam para comprar as unidades-piloto de que

    a escola precisava. Ns botamos dinheiro numa destilaria-

    zinha de lcool para a escola. Os alunos, pagavam uma bo-

    bagem - hoje seria o qu? 180, duzentos cruzados por ano,

    uma coisa dessa ordem de grandeza -, mas, alm disso, gas-

    tavam muito mais com o curso propriamente dito. ramos to-

    dos muito abnegados. Ns que montvamos os laboratrios.

    Fazamos tudo ali. E quando quisemos fazer esporte, nos co

    tizamos e fizemos um campo de vlei. Eu dei a iluminao,

    outro deu outra coisa ...

    a escola.

    Cada um dava alguma coisa para

    Era um grupo muito unido, porque o cuso era todo

    com a mesma turma.

    ano saa no ltimo.

    A mesma turma que entrava no primeiro

    Agora no mais assim, com o siste-

  • 12

    ma de institutos voc faz as cadeiras bsicas do primeiro e

    do segundo ano com alunos de outras origens, depois se

    separa daquele grupo e vai fazer as cadeiras j mais avan-

    adas, de tecnologia, em outra escola. A turma muda no

    meio do curso, no tem a mesma solidariedade, nao se cria o

    esprit de corps, o esprito de corpo. Ns, nao. ramos

    muito unidos. A nossa turma marcou poca, porque conseguiu

    viagens de experimentao, vAagens a vrias indstrias no

    Rio Grande do Sul e viagens de prazer, tambm. Eu acabei ...

    J.D. - A nfase do curso era para a cincia ou era voltada

    especialmente para processos tecnolgicos e para a situao

    da indstria do Brasil?

    ,A.M. - Ela era muito voltada a tecnologia, mas de cunho emi

    "'--.

    nentemente prtico. No se ganhava o embasamento terico

    para saber o que estava ocorrendo. Aquele era mais um cur-

    so de como fazer. No se aprendia como modificar aquilo

    que se estava fazendo. Por exemplo: "Os alemes fazem

    dessa forma corantes substantivos ou adjetivos para teci-

    dos vegetais ou tecidos animais (o bicho-da-seda etc.) ."

    "Por que isso? Como se modifica isso?"

    dia.

    Ls s o no se apren

    O paraninfo da minha turma foi o professor Atos

    da Silveira Ramos, que ainda est vivo. Em 44 eu acabei o

    curso e acho que nem fui festa de formatura, pois em 7 de

    dezembro estava viajando para os Estados Unidos. Fui fazer

    o curso de engenharia qumica na Vanderbilt University. A

    j era um curso mais aprofundado.

    J.D. Certo. Mas antes do senhor falar dos Estados Uni-

    dos, queramos voltar a dois outros pontos: seus colegas

    de turma e o ambiente poltico na universidade, justamente

  • 13

    no final do Estado Novo.

    A.M. - Minha turma deu muito bons elementos. Grande parte

    deles hoje est vitoriosa. ~or exemplo: Carlos Eduardo

    Paes Barreto, que montou as Refinarias de Mataripe e Ca-

    puava; Kurt Po1itzer, que foi um excepcional elemento, tam

    bm vitorioso na indstria, hoje meu associado numa inds-

    tria particular; o professor Custdio Daniel Moura~ o pro-

    fessor Gabriel Frana, que hoje titular na Escola de Qu-

    mica l na Ilha do Fundo etc.

    tes no curso.

    Houve pessoas muito emlnen-

    Era um grupo relativamente pequeno. No,eramos

    mais que uns trinta.

    curso.

    Uns setenta devem ter terminado o

    M.M. - Na,epoca, a freqncia era obrigatria na Es-

    cola de Qumica?

    A.M. - Eu acredito que sim, pelo menos nas aulas prticas.

    Nas aulas tericas, no me lembro de ter visto chamada.

    Mas nas aulas prticas, o professor dava o trabalho prti-

    co e voc tinha que fazer, mostrar. Eu queimei muito as

    maos l, fazendo uma porao de coisas. Tambm queimei os

    olhos, com bromo. Havia certas reaes de oxidao. Apren-

    damos de uma maneira eminentemente prtica com o profes-

    sor, inclusive como fazer usque na banheira de casa. [ri-sos]

    M.M. Depois ns pedimos a frmula.~ -

    A.M. - Jogar um calicezinho de vinho do Porto, para fingir

    que o usque guardado em barril de carvalho ... E ns be-

  • 14

    bamos aquele usque. O"diabo" do usque tinha um gosto

    de iodo que Deus me livre!

    di a fazer cerveja ...

    [risos] Mas era usque. Apren

    Era um curso eminentemente prtico, mas muita coi-

    sa se aprendeu. E ns vibrvamos. amos visitar muitas in

    dstrias. Corramos a indstria toda e os professores ti-

    nham intimidade com os capites de indstria, com os donos

    dos estabelecimentos, que iam Escola, vo Lta e meia, fa-

    zer confer~ncias sobre como a indstria deles funcionava e

    por que funcionava assim. Mas ns no mergulhvamos no

    como projetar essas coisas ou como operar a parte cont-

    bil, na parte administrativa.

    o de administrao.

    Ns no tnhamos nenhuma no-

    J.D. - Certo. E como a indstria nacional era percebida

    por voc~s? Atrasada?

    A.M. - Era uma indstria incipiente, muito rudimentar, onde

    as empresas internacionais - no se chamavam ainda multina-

    cionais na poca, eram internacionais - tinham predominn-

    cia. Quase tudo aqui era filial de empresas estrangeiras.

    Havia poucos laboratrios brasileiros propriamente ditos:

    uns poucos esforos a, mas ns estvamos muito mngua de

    conhecimentos, de tecnologia e de capitis. De capitais

    ainda continuamos mngua, mas,,

    naquela epoca,,

    careCla-

    mos sobretudo de conhecimento. E quem se prezasse um pou-

    co tinha que fazer um curso no exterior para ganhar mais ex

    peri~ncia. Eu no fugi regra. Por isso, aproveitando

    um contato do professor Atos com a Vanderbilt University,

    onde ele havia recebido uma bolsa de estudos para l, re~

    solvi. tambm ...

    J.D. - A bolsa era fornecida pela prpria universidade ou

  • 15

    pelo governo brasileiro?

    A.M. - No. Foi um arranjo, acho que do Ponto 4.,

    Na epo-

    ca, havia o Ponto 4, que/era do governo brasileiro da

    CAPES* - e conseguiu uma bolsa da Vanderbilt University pa-

    ra os professores daqui. Eu no ganhei a bolsa, fui com

    esforo prp~io. Meu padrinho, que era rico, era filho da-

    quele av tenebroso, cheio do dinheiro ...

    lia dominava os tecidos no Rio de Janeiro:

    [risos] A fam-

    a Amrica Fa-

    bril e a Bangu eram as duas lderes de fabricao de teci-

    dos. A Amrica Fabril tinha urnas cinco ou seis fbricas.

    Na rua Pacheco Leo, toda aquela rea onde est o complexo

    de O Globo - a TV Globo - era urna vastssima fbrica de te-

    cidos, no meio da cidade ... Meu av ...

    M.M.

    A.M.

    Era muito iriteressante. Havia unidades isoladas.'

    Isso. Havia urna em Andara, outra na Raiz da Ser-

    ra. E minha famlia queria muito que eu engrenasse pelos

    tecidos tambm. Mas eu era muito rebelde: "No vou estu-

    dar tecido. Vou estudar engenharia qumica e vou ... No

    sei ainda o que vou fazer." Entq, nesse nterim 1941-

    1942 - morreram meu av e minha av e eu herdei um dinhei-

    ro e montei com meu pai uma indstria de fabricao de ar-

    tefatos de cimento. Mas era uma poca terrvel, porque era

    o final da guerra.

    J.D. Havia crise de combustvel.

    A.M. - Crise de combustvel, crise de ... Eu peguei o ra-

    cionamento. E havia tambm crise de matria-prima.

    brica de cimento ...

    [FINAL DA FITA l-A]

    A f-

    * Deve existir urna impreciso aqui, a CAPES s foi criadana dcada de 50.

  • 16

    A.M. - Em dezembro de 1944, fui para os Estados Unidos, pa-

    ra a Vanderbilt University, fazer os cursos de engenharia

    , .qUlmlca.

    Mas eu queria voltar um pouco atr~s e analisar

    corno era o ambiente universit~rio e corno ele se colocava na

    situao poltica de ento.

    Antes disso, antes mesmo de eu fazer o curso se-

    cundrio, l~ pelos anos 20, 30, eu morava numa pensa0 na

    rua Mem de S~. Era um lugar bastante modesto, que ficava

    perto do que veio a ser a praa. Joo Pessoa: rua Mem de

    s com avenida Gomes Freire. Eu fiquei abismado, porque,

    nos anos 30, houve ali uma grande reunio, um meeting tre-

    mendo, com v~rias pe~soas discursando sobre' Joo Pessoa,

    que era um paraibano de sete costados. Joo Pessoa se re-

    voltou contra o governo central, onde Washington Lus, que

    era o presldente da Rep~blica - paulista de corao, embora

    carloca de nascimento - teria protegido o candidato da Sl-

    tuao, J~lio Prestes,' contra o candidato da oposio, Ge-

    t~lio Vargas, nas eleies que tinham sido feitas. As elei-

    es eram ditas corruptas etc.

    se fala em eleio corrupta.

    Realmente, j~ de longa data

    [risos] E esse grupo, que sur

    ---.

    giu no Nordeste, na Paraba, era de revoltosos

    estado de coisas.

    com esse

    No Rio Grande do Sul, o gacho, para nao fug ir ao

    hbito, tambm se revoltou e a surgiu a Revoluo de 30,

    capitaneada pelo Get~lio Vargas, uma personalidade muito

    rara, ao mesmo tempo adorada e detestada. Ele tinha gran-

    des qualidades e grandes defeitos, que derivavam do fato

    dele ser muito autocr~tico. Ele surgiu como presidente da

    Rep~blica, num Congresso com figuras famos~s, um pouco

  • etruscas e formais demais, mas pouco prticas:

    17

    polticos

    mineiros de grande renome, mas que nao levavam a coisa al-

    guma. Ento o Congresso comeou ... o Congresso era aqui

    no Rio de Janeiro: havia o Senado Federal no Palcio Mon-

    roe, que j no existe mais, pois foi derrubado. Enfim,

    nesse Congresso havia muito discurso e pouca aao. E o Ge-

    tlio resolveu dar um golpe.

    Estado Novo.

    Em 37, ele imps o chamado

    M.M. - Antes disso, o senhor tem alguma lembrana o se-

    nhor era criana, devia ter uns dez anos - da Revoluo de

    30 aqui no Rio? Como que foi o clima na rua, o coment -

    rio em casa?

    A.M. - Da Revoluo de 30, o que eu me lembro muito pouca

    coisa. Era u~ clima de quebra-qu~bra de jornais. Vrios

    jornais foram quebrados. Os gachos surgiram aqui vestidos

    naquela gauchada toda, com, aquele chapu grande, de espo-

    ra ...

    J.D. Leno vermelho ...

    A.M. - ... amarraram os cavalos no Obelisco e comearam a

    fazer alguns despautrios. Sobretudo uma parte da famlia

    do prprio Getlio, que era muito extremada e pouco lci-

    da. O Bejo Vargas, irmo dele, tinha rompantes terrveis,

    tiradas de gauchadas, de tirar' revlver a trs por dois,

    resolver tudo na fora. Ele falava: "Sabe com quem est

    falando?" Era um negcio terrvel. E foi assim at o fim

    da vida. J, no fim da vida, uma das bobagens que o Get-

    lio fez foi coloc-lo como chefe de polcia.

    foi o desastre total.

    A

    Mas o Getlio, a despeito de criar o DIP - o De-

    partamento de Imprensa, que amordaava os jornais,

    e as ra-

  • 18

    dias -, instituiu coisas muito boas. o Collor deve ser

    av desse Fernand.o Collor que est a - fez uma lei tra-

    balhista, que foi a primeira lei no mundo a dar mais a-

    teno ao operrio, criando algumas protees para os

    "os trabalhadores do Brasil", como dizia Getlio nos seus

    discursos. E o Brasil, realmente, comeou a mudar. Come-

    ou a haver mais distribuio de renda pelo pessoal mais

    pobre. Alguma coisa o Getlio comeou a fazer, como a

    implantao da Companhia Siderrgica Nacional.

    Mas ele tamb~m fazia um regime de opressao muito

    grande, de boca calada. A liberdade de imprensa, de voz,

    nao havia, no. E o estudante ~ por natureza um revolta-

    do. um pouco utpico, quer ver o Brasil . caminhar com

    passo de sete l~guas, quer que a gente se transforme na

    maior naao do mundo logo no dia seguinte. Eu no fugi ~

    regra: era t.ambm desse tipo. Eu me meti no diretrio

    da Escola de Qumica, primeiro, como tesoureiro, e acabei

    dando com os costados no Diretrio Central dos Estudan-

    tes, que era vizinho da UNE, Unio Nacional dos Estudantes.

    M.M. - Corno eram essas eleies, esse clima entre os es-

    tudantes?

    J.D. - Em pleno Estado Novo ... ~isosJ

    A.M. - O Capanema era um ministro da Educao muito medro-

    so. Era muito capaz - mineiro e tal -, muito inteligen-

    te, mas muito medroso. Ele tinha um respeito tremendo pe-

    los estudantes. Todo aquele que era presidente do Dire-

    trio Central dos Estudantes acabava no gabinete do Ca-

    panema, corno oficial de gabinete ou chefe de gabinete ou o

    que fosse. Chefe de gabinete foi, por um tempo, o Drum

    mond de Andrade. Mas esse era uma figura totalmente di-

  • 19

    ferente, e os oficiais de gabinete que ag1am mesmo. Havia

    no gabinete do Capanema um ex-presidente do diretrio, o

    Ratinho - no me lembro mais do nome dele havia Joo

    Nader, que tambm tinha sido presidente do diretrio, e as-

    sim por diante.

    o Paes Barreto - meu colega de turma - foi presi-

    dente do Diretrio Central dos Estudantes e me puxou para

    l. Nessa poca, o Hlio de Almeida, que depois veio a

    ser ministro dos Transportes do Joo Goulart, era o presi-

    dente da UNE, Unio Nacional dos Estudantes. Ele fazia di..

    cursos muito inflamados. Ns ramos contra a opressao de

    uma maneira geral. Mas havia aqui um grupo do Coriolano

    de Gis e do Hidelbrando de Gis (um era da Cexim, do Banco

    do Brasil, o outro era chefe de policia). Ns quase :eo-

    mos presos por eles l em so Paulo, porque fizemos uma pa..

    seata contra o Getlio.

    dantis que fazamos.

    Isso foi uma dessas tiradas estu-

    Ns ramos comparados ao Lavoisier: "Olha a! L,

    vai -o Lavoisier, o quimico." E quando se perguntava "Por

    que Lavoisier?", vinha a resposta: "Porque ele. sabe como

    que se faz explosivo." (3isos} Ns diziamos: "Vamos bo-

    tar explosivo no trilho do bonde ... " Ns misturvamos a-

    car com clorato de potssio, enxofre e botvamos aquele sa-

    co no trilho do bonde. Quando o bonde passava ... bum! E

    dizamos: "Contra a ditadura! ... " Era uma bobajada mui to

    grande. [risos] No matava ningum, mas assustava. Enfim,

    era uma situao de revolta contra a opresso.

    o Getlio, hbil poltico, sabia destro~ar uma por

    ao de gente, jogando uns contra os outros. Ele sempre se

    resguardava. No entanto, comeou a usar uma tcnica erra-

    --------------

  • 20

    da, montando um sistema de guarda-costas, dos quais o prin-

    cipal foi o famoso Gregrio, um sujeito de aspecto terr-

    velo Nem sei se ele era bondoso ou no. Mas seu aspecto

    era d um troglodita: um sujeito grando, violento. Come-

    ou-se a atribuir a ele vrios acidentes - digamos assim

    que ocorreram com polticos:

    tipo.

    assassinatos e coisas desse

    Nessa poca, surgiram vrias pessoas que ora eram

    adeptas do Getlio, ora no eram. O Neves da Fontoura, por

    exemplo, foi um grande orador, grande sujeito, foi minis-

    tro do Exterior e depois se voltou contra o Getlio. Escre-

    veu Eu acuso. Batista Luzardo que era pr-Getlio, virou-

    se contra ele. E assim foi uma sequencia ~rande de gen-

    te, a ditadura comeou a enfraquecer e surgiu o ministro

    da Guerra - o Dutra - que tambm foi um pouco responsvel

    pela queda do Getlio, porque fez umas coisas, uns desman-

    dos, acabou ...

    J.D. - Mas nessa altura o senhor nao estava mais no Brasil.

    A.M. - Eu nao estava aqui. O que eu ...

    J.D. - Sobre esse perodo, que impresses ficaram no se-

    nhor da Segunda Guerra Mundial e da campanha pela entrada

    na Guerra?

    A.M. A Segunda Guerra Mundial ... Em 40 e 41, eu fiz

    CPOR e fui parar na cavalaria. Sei l por que, pois devia

    ter ido para a engenharia. Na ocasio, dizia-se que a ca-

    valaria monta, mas nao pensa; a engenharia pensa, mas nao

    monta; [risos] a artilharia pensa que monta e a infan-

    taria nem monta nem pensa. A pior de todas a infantaria.

    [risos] Ento, eu fui para aquela que monta, mas nao pen-

    sa: a cavalaria. E fui aluno do depois ministro da Guer-

  • 21

    ra - Slvio Frota - do Eli de Menezes - que foi um gran-

    de cavalariano -, do general Paquet, do general Oscar, en-

    fim, de elementos que eram bons de montaria

    tambm.

    e de cabea

    Fiz um CPOR brilhante, porque o pessoal puxava

    muito.

    horas ...

    Emagreci como o diabo. Tinha que estar,as seis

    M.M. O senhor fazia CPOR e continuava na Escola.

    A.M. - E estudava. . Porque o CPOR, na,epoca, era feito

    das 6:00 h s 8:30 h da manh, todos os dias, com exceao

    das quartas-feiras. Aos sbados e domingos era quase o

    dia inteiro. A era fogo. Eu ia para l,as seis da ma-

    nh e saa s duas e meia, trs horas da tarde, arrastando

    ,os peso E havia um perodo que era de manobras. A, .. Avoce

    endurecia mesmo. Eu me lembro de duas manobras em que fo-

    mos parar em Monte Alegre, na Vila Militar, e fizemos um

    acampamento em cima de um formigueiro. Chegamos l noi-

    - , .te, nao sab~amos o que era, nossa barraca ficou em cima de

    um formigueiro. Foi urna noite de cao que,

    nos passamos. Um

    dos meus colegas enfiou o p na bota e dentro tinha uma co-

    bra. [risos] Pulou a cobra l de dentro, foi um,

    nego-

    cio ... risos Mas o pessoal ... E ns comemos um ... To-

    mar banho, nem pensar: era assim uma vez por semana ... [ri-

    sos] Ns comemos um feijo que tinha gosto de querosene,

    porque a lata de querosene tinha cado em cima do feijo.

    [risos] Isso foi o que salvou o peloto, porque, mais adi-

    ante, na infantaria nao tinha havido esse derrame de quero-

    sene e o feijo estava podre. Foi uma de s Lnt.e r .a' geral no, .

    regimento todo. [risos] Ns nos salvamos porque o quero-

    sene desinfetou o nosso feijo. [risos] Enfim, o CPOR era

  • 22

    cheio de coisas caricatas e ao mesmo tempo de endurecimento.

    Eu sofria, na ocasio, de uma colite

    meu pai, como era amigo de vrios oficiais,

    ~ .cronlca.

    capites

    E

    de

    cavalaria, subornava um pretinho para lr me levar uma mar

    mita trmica com comida de dieta. Eu ficava danado da vi-

    da com aquilo. Eu nao queria um tratamento distinto dos

    demais, ento rachava minha dieta por todo o meu peloto.

    At que o comandante descobriu - era o Cobra Fumante, um

    pequenino terrvel - e fez um escndalo e me mandou preso

    na barraca da frente: "Mas eu es-tou preso por qu? Eu

    no estou comendo comida especial, estou distribuindo com

    os demais", perguntei. E ele respondeu: "No. 'T' pre-

    SOe 'Esteje' preso." Deu uma encrenca, e's e e negcio.

    espada.

    Mas, enfim, eu terminei o curso e ganhei at uma

    Nesse ano, dois ganharam a espada, que geralmen-

    te dada ao primeiro aluno da turma. Mas veio transferi-

    do do Rio Grande do Sul um aluno que era melhor cavaleiro

    do que eu. E ele veio com notas altas. Pagavam bem a

    nota, l no Rio Grande, e ele ficou acima do meu lugar.

    Mas o Slvio Frota, o Paquet e mais uns outros acharam que

    aquilo era uma usurpaao, que o primeiro aluno tinha que

    ser do Rio, e resolveram me dar a espada. Eu recebi a

    espada do comandante do CPOR. Nesse dia, estava l o Ge-

    tlio Vargas, para a distribuio da espada. Era uma oca-

    sio especial ver o presidente: baixinho, andava sempre

    com a mo na barriga, parecendo um Napoleo e falava muito

    macio. Mas era um homem mui-to duro nas suas formulaes.

    E dona Darcy, a esposa dele, era uma mulher fantstica:

    dedicada aos pobres, ela lhes deu assistncia mdica e so-

    cial. Realmente ela deu um impulso muito grande,

    alo En-

    fim, o goverrio de Getlio marcado por coisas extremadas:

  • 23

    muito boas e muito ruins tambm.

    J.D. - . Mas quais eram suas lembranas da guerra?

    A.M. Sa do CPOR e fui fazer o estgio para segundo-tenen

    te. Eu era aspirante quando sa, e esse estgio foi nos

    Drages da Independncia, que era um regimento de elite, na

    rua Pedro Ivo, perto da avenida Francisco Bicalho e do

    CPOR. A rua Pedro Ivo aquela que vai dar na entrada da

    Quinta da Boa Vista onde h um reservatrio de gs da CEG,

    hoje em dia. Ali h um grande regimento tambm. Acho que

    o regimento dos Drages da Independncia foi transferido

    para Braslia.

    J.D. Ah, sim! Claro!

    A~M. ~Depois que Braslia foi criada, ele foi para l. Mas

    ali foi um estgio muito bom, trs ou quatro meses de vida

    dura, de manh cedo~ acordando cedo, dormindo l, dando

    servio de turno como oficial de dia, limpando cavalo ... En

    fim ...

    A o Brasil entrou na guerra. Nossos navios foram

    bombardeados e os nossos avies conseguiram perseguir e ati

    rar bombas num submarino alemo. As bombas eram pratica-

    mente atirdas mo, [risos] por cima da carlinga. A

    primeira vez em que o Melo Maluco bombardeou so Paulo

    isso na Revoluo de 32 ele foi sozinho para l e o avi-

    a0 nao era bombardeiro: ele pegava a bomba e jogava pela

    carlinga, pela janela. [risos] Era um negcio cmico. No

    havia essa ~oisa de calcular, no. Era no olhmetro, para

    ver se dava. E havia ainda um grande despreparo.

    Mas o Brasil comeou a tornar forma e houve, ento,

    a formao do corpo de expedicionrios. Nessa ocasio, eu

    j tinha licena do ministro da Guerra para estudar no ex-

  • 24

    terior. Ento, nao fui para o campo de batalha l na It-

    lia. Mas muitos amigos meus foram.

    M.M. - Qual era a expectativa dos jovens, podendo lr para

    guerra? Corno era esse sentimento?

    A.M. - As mes choravam muito, com o filho saindo da

    baa, de navio-transporte. Eu me lembro dos Leite Gar-

    cia acenando com o leno e chorando. E a mocidade ia en-

    tusiasmada, porque no sabia o que ia ver, achava que era

    um novo mundo e tal. Os jovens eram um pouco aventurei-

    ros e um pouco utpicos tambm. Achavam que a guerra nao

    mataria ningum, era mais urna experincia. Mas a guerra"--',

    foi muito dura. Foi dura. A guerra na It~lia foi bastan-

    te sofrida. A Fora Expedicion~ria perdeu gente. Foi urna

    luta difcil, contra os alemes muito bem colocados, em

    terreno mais elevado, com vantagem ttica e estratgica so

    bre a Fora Expedicionria. Mas a capacidade de fogo dos

    aliados era enorme. Aquilo foi de roldo ... En-to, a no-

    tcia que ns tnhamos da guerra era de que nao se sabia

    bem o que iria acontecer. Depois, a Alemanha se aliou ao

    Japo, parecia urna fora indestrutvel, com as Panzer Di-

    vision e a guerra de improviso, a guerra-relmpago,

    chamvamos.

    J.D. - Blitzkrieg.

    corno

    A.M. A Blitzkrieg levava de roldo qualquer um. Os ale-

    maes dominaram a Frana, que era sua principal opositora e

    tinha criado a linha Maginot, que parecia intransponvel.

    Eles simplesmente contornaram a linha., .

    Aquele negoclo to-

    do foi um gasto intil. A linha era urna guerra ainda ba-'

    seada em posies est~ticas e o alemo criou uma guerra

    muito dinmica.

  • 25

    A capacidade gerencial alem era muito grande. Ho-

    je est provado que foi ela que ganhou essas posies to-

    da~. Se nao fosse a capacidade gerencial do outro lado,

    sobretudo dos Estados Unidos, que no estavam preparados

    para uma guerra e de repente improvisaram: quem fabricava

    mquina de escrever, passou a fazer metralhadora, quem fa-

    bricava panela e penico, passou a fazer capacete de campa-

    nha, ou seja, coisas desse tipo ... Realmente foi uma ca-

    pacidade de transformao: os navios passaram a ser pro-

    duzidos no mais por rebitagem, mas sim por solda. O Kai-

    ser inaugurou um sistema novo de produzir navios.

    Houve uma vasta transformao em toda a indstria

    americana e por simbiose, por cpia, tambm os aliados pas-

    saram a tentar a mesma coisa, embora arrasados. A Inglater

    ra, pgr exemplo, foi um dos pases que mais sofreu com os

    bombardeiros alemes e as b9mbas ...

    J . D. - VI e V2.

    A.M. - Sobre~udo a V2, que era terrvel. Era supers8nica

    e no dava tempo de ser detectada. Os bombardeiros "co-

    ventrizaram". Coventry foi uma cidade que saiu do mapa.

    Quer dizer, a realmente se tem o panorama terrvel da

    guerra.

    Mas houve o erro do Ribbentrop e, enfim, do Hi-

    tler, em cutucar com vara curta o urso sovitico, abrindo a

    outra frente na Unio. sovitica. Eles no estudaram hist-

    ria, porque passaram pelos mesmos desgastes de Napoleo.

    Foram vencidos pelo general "Inverno" l, naquela frente de

    Leningrado. O povo russo lutou estoicamente nquela oca-

    sio. Eles tiveram muitas baixas. Mas aquilo enfraqueceu

    demais o exrcito alemo, que tinha uma vantagem terrvel

  • 26

    sobre os outros exrcitos, porque os alemes tinham con~

    trudo toda uma rede de transportes por ferrovias e por ro-

    dovias - as autobahns - com objetivo de guerra. Aquilo

    permitia movimentar as tropas de uma direo a outra numa

    velocidade tremenda. Isso significava triplicar a capa-

    cidade militar, porque a fora que estava de um lado de-

    pois podia ser deslocada para o outro, o que dava uma agi-

    lidade fantstica. E os Messerschmitt eram avies bombar-

    deiros de mergulho fantsticos tambm, at~ que comearam a

    surgir os primeiros avies a jato, fabricados pela Fiat

    italiana, que no tinha capacidade de produzir na veloci-

    dade e na proporao que os americanos podiam.

    Enfim, a guerra foi se desenvolvendo. O general

    Cordeiro de Farias - pequenininho assim era um homem de

    muito boa"cuca" e conseguiu trazer vrias idias interes-

    santes sobre formao militar para o Brasil. Mas o Brasil

    tambm exportou muita coisa e fe~ um saldo positivo na

    Europa, que lhe permitiu depois converter isso em planos

    de rpido desenvolvimento. Surgiu o tal famoso Plano

    Salte - Sade, Alimentao, Transporte e Energia que

    era do Bittencourt Sampaio... No. Era do Paulo Bi tten-

    court ...

    J.D. - Era do Mrio Bittencourt Sampaio.

    A.M. - Mrio Bittencourt Sampaio, que era do DASP. Compra-

    mos locomotivas novas e comeamos a encomendar refinarias.

    Surgiu a refinaria de Cubato, cuja encomenda foi feita a

    grupos da Frana: Fives-Lille e outros. Grande parte da ...

    M.M. - Como o senhor j tinha essa autorizao, o senhor~

    nao pensava em ser mandado para a guerra, no ?

    A.M. Eu tinha pensado, sim. Era uma idia que me atraa

  • 27

    muito. Meu pai tinha horror a isso, porque ele tinha fei-

    to a guerra - tinha levado aquele tiro na perna. [risos]

    Era uma guerra muito mais sofrida, porque era inclusive,

    de fome e sede, em que o soldado s vezes bebia a,

    pro-

    pria urina,,agua estagnada, aquelas coisas ....

    M.G. - Como era o clima aqui? Naquela poca, o Brasil im-

    portava muita coisa.

    Como que era?

    o pas chegou a sofrer restries?

    A.M. - Ah, sim! Ns tnhamos restries muito, .

    serlas: de

    alimentos e, sobretudo, de combustvel. o Brasil estava

    parando por falta de combustvel. Havia uma refinaria,

    feita com uma caldeira de locomotiva, em um daqueles cam-

    pos de Aratu, l na Bahia, que era um negcio superprimi-

    tivo. E ns chamvamos aquilo de refinaria, mas era rnes-

    rn o urna cozinha.

    J.D. - Uma destilaria, um alambique. [risos]

    A.M. - Uma destilaria. exatamente o que era: separava

    as fraes de petrleo - aquilo que o petrleo tivesse

    mas no tinha' nenhuma concepo de projeto, nenhum apro-

    vei tamento melhor, atravs de qualquer processamento qu-

    mico, trmico nem de coisa alguma. Estvamos ainda nos

    primrdios. Eu tinha at umas fotografias ridculas que

    eu tirei: parecamos um gigante e a destilaria era peque-

    nininha. E isso produziu o qu? Acho que duzentos ou

    quando estava no auge.

    trezentos barris de produtos de petrleo por dia, e isso

    [risos] Era um brinquedo e a to-

    da hora parava, tendo que trocar peas. Era pior. do que

    usina de acar e de lcool: muito primitiva une smo o

    Conselho Nacional do Petrleo foi que lanou o racionamen-

    to. E a quem no tem cao caa com gato: passou-se a

  • 28

    usar muito o carv~o, os famosos gasog~nios, queimava-se car

    vao. Tinha-se que esperar uns dez ou 15 minutos para

    acender o c a r vo , jogando um fsforo l dentro, com a ven-

    toinha puxando e um maarico especial, que custava caro.

    Se o maarico fundia, o carro parava. Havia filtros de

    seda para esses gases, que eram sobretudo de monxido de

    carbono. E esses filtros eram caros. Tudo era caro nes-

    se negcio, para se chegar a um combustvel supervagabundo

    no motor. Imediatamente, a pot~ncia do motor era diminu-

    da a 1/4 ou 1/5 do que deveria ser. Evidentemente, tambm,

    tnhamos l um tanque de gasolina escondido, para as arran-

    cadas, quando mais se precisava de pot~ncia...

    M.M. - O senhor andou fazendo urnas experi~ncias, que nos

    contou anteriormente.

    A.M. - . Fiz urnas experi~ncias. Ainda na Escola de Qu-

    mica, nos ltimos anos, eu, Kurt, esse professor - Atos da

    Silveira Ramos - andamos hidrogenando vrios leos vege-

    tais: de babau, marmelo, gergelim ... Isso tudo nuns aparelhinhos,

    numas retortas, nuns reatores muito pquenos. A hidro-

    genaao era descontnua, por batelada: coisa muito primi-

    tiva. E eu consegul convencer um primo meu, Arnaldo Sea-

    bra, a me emprestar a motocicleta dele, dizendo que eu la

    faz~-lo andar com combustvel e que nao ia pagar nada pelo

    combustvel.

    te ...

    E a motocicleta andou. Mas parou logo adian-

    J.D. - Para sempre. [riso]

    A.M. - ... toda coqueada. Formou-se um depsito de coque

    nos cilindros, aqui16 ficou ... Era preciso quebrar a mar!..

    telo, desmontar aquele negcio todo. Foi urna trapalhada.

    Quer dizer, o nosso estudo era realmente muito pri

  • mitivo.

    29

    ,Depois e que comeamos a mexer nisso com mais CU1-

    dado, j no laboratrio do Centro de Pesquisa da Petrobrs,

    para verificar a possibilidade tecnolgica desses leos

    tods, hidrogenados ou no. E realmente sao excelentes

    combustveis, s que nao sao econmicos. SeA

    voce usar os

    leos vegetais e essenciais para substituir o diesel, que

    o nosso n grdio, o nosso gargalo em termos de combus-

    tvel no Brasil ... Esse foi um estudo feito por volta de

    1978: se cessasse o uso de leos vegetais para fins alimen-

    tcios, no se cozinhasse mais com leo algum nem se puses-

    se leo na salada, nem nada, e se todos esses leos fossem

    carreados para serem hidrogenados e servir corno combust-

    veis, voc substituiria apenas 10% do consumo de leo

    diesel. Isso demonstra que a vantagem insignificante.

    voc precisaria ...

    J.D.,

    ... de urna area plant~da gigantesca.

    A. M. - de uma rea plantada enorme, que seria subtrada

    da produo de alimentos, para formar.~.

    J.D. - Sem falar em crdito, maquinaria.

    A.M. - Exatamente. Assim, naquela ocasio isso nao foi ju~

    gado econmico, no havia capitais para fazer urna coisa

    desse tipo. o resultado foi urna descontinuidade de esfor-

    os no sentido de se usar o leo vegetal como substituto

    do diesel.

    J.D. - E o lcool chegou a ser usado durante a guerra?

    A. M. - O lcool foi usado, sobretudo na regio l de Per-

    n ambtrc o , .. no Nordeste, onde estavam as grandes d e std la-i,

    rias. Aqui no Rio de Janeiro, ainda no havia nada disso.

    J.D. - Na poca, no houve nenhum estudo de viabilidade eco

    nrnica dessa ...

  • 30

    A.M. - No. Houve um estudo, Slm. Isso at foi anterior

    guerra, mas em pequena escala. Julgava-se que .0 l-

    cool pudesse substituir urna parte desses derivados, urna

    vez que se pudesse aumentar em grande parte a eficcia

    da plantao da cana e do processo de obteno de lcool,

    que, at ento, era por bateladas. 90% das usinas eram

    usinas de fundo de quintal: o de alambique de barro ou de

    cobre. At se dizia que a, aguardente meio-amarelada que

    era a boa, porque tinha resduos de sais de cobre, que sao

    altamente venenosos. [risoJ, ,

    Mas nlnguem sabia disso e

    achava que essa que era a boa cachaa. Mas, para fins

    combustveis, o lcool - o lcool de cana, no o lcool de

    milho ou de outros cereais - apresenta esta, caractersti-

    ca: o resduo que sobra no bagao, o bagao residual,,e

    um combustvel excelente para manter a usina funcionando.

    Ento, nao se precisaria de foras externas,

    [FINl\L Dl\ f'ITl\ l-B]

    energia ...

    A.M. - Esse esforo de produo de lcool exigiria, pri- ...._--

    meiro, uma plantao extensiva de cana. E at ento is-

    so no era possvel, porque a cana era plantada no cintu-

    ro verde do Nordeste e em alguns poucos locais de so

    Paulo. Era urna ind~stria centenria, da poca do Imprio,

    e j vinha se arrastando. Alm disso, era e ainda , em

    grande parte, sazonal. Na poca da produo da cana, vo-

    c produz o lcool, o a~car e tudo o mais, depois,

    para e

    praticamente reconstri a usina, porque os equipamentos

    so muito rudimentares, geralmente de ferro fundido, e sao

    corrodos ou as moendas quebram. Ento,,e p r e c i s o um re-

    paro muito grande. Passa-se quatro, cinco meses reparando

    'a usina de lcool e acar.

  • 31

    S ultimamente, quando comearam a surgir as usi-

    nas independentes, j no Pr-lcool, com os incentivos do

    governo, que as usinas passaram a ser construdas com

    material melhor e a ter um melhor instrumental e um contro-

    le mais cuidadoso do processo, cobrindo os mltiplos efei-

    tos e tudo o mais para poder ter de fato uma produtividade

    maior.

    tico.

    Mas o plantio, esse continua, a meu ver, problem-

    Nossa eficincia em matria de colheit~ est longe

    da do Hava, de Cuba e de outros pases e varia dentro do

    prprio Brasil: a agroindstria nordestina est muito in-

    ferior paulista, por exemplo, e do Paran. A eficin-

    cia - sei l se por adubagem de terra ou l o que seja

    varla muito de um local para outro. Fez-se um esforo para

    aproveitar plats do tipo de Braslia para plantar alguma

    coisa que tambm pudesse ser usada para o fabrico de l-

    cool. Da a idia do lcool de mandioca. Foram feitos

    vrios estudos de produo de lcool de mandioca, porque a

    poder-se-ia usar terrenos que no estariam sendo roubados

    ou subtrados do plantio de alimentos. Esse,e o grande

    problema: quando voc planta lcool,A

    voce deixa de plano;"

    tar alguma coisa malS.

    ao ...

    a principal crtica que se fez a

    J.D.

    A.M. - . Outro dia eu li um artigo mui to bem-escrito por

    esse engenheiro - agora me falha o nome dele que aponta

    que o que se perde de BTU ou de calorias no bagao e no

    lcool que evapora e tudo mais maior do que o que resta.

    Ento, a indstria seria deficitria em termos calric~s.. ,

    Mas isso uma grande discusso que a q e n t.e ainda nao vai

    terminar to cedo.

    J.D. - No. Mas o senhor viajou para os Estados Unidos

  • 32

    antes do final da guerra?

    A.M. - Eu viajei em dezembro de 44. A guerra, oficialmen-

    te, terminou em dezembro de 45. Acabou um pouco antes na

    Europa, mas terminou em dezembro de 45 com o bombardeio de

    Nagasaki e Hiroshima no Japo.

    J.D. - E que impress~es o senhor teve da sociedade amerlca-

    na na poca?

    ,A.M. - Eu cal numa cultura completamente diferente da minha

    e me senti um peixe fora d'gua. A noo de tica, de res-

    peito pelo ser humano, muito diferente l. uma socieda.r--,

    de com grande independ~ncia das pessoas, com mtodos de es-

    tmulo da criatividade e da independ~ncia do ser comple-

    tamente diferentes dos nossos. Enquanto aqui a famlia,e

    mantida durante todo o perodo de crescimento da criana

    o perodo escolar e tudo mais - l, as famlias mandam os

    filhos para as escolas que no estejam na mesma cidade on-

    de moram, para criar uma certa iniciativa na criana, para

    ela se virar mais cedo no mundo, um munoo malS agressivo,

    extremamente mais competitivo. A cultura era rica, r a c a

    de capitais e, naquela ocasio, com muitos

    ciais, com um preconceito racial serssimo.

    problemas ra- .--'... .

    Vou contar dois episdios. Um na Vanderbilt mesmo,

    em Nashville. Eu nunca dei bola para isso e entrei num

    6nibus com uma porao de gente em p e.lugar no fundo. Fui

    l sentar. Sentei no fundo do 6nibus, no banco detrs.

    Quando cheguei na Universidade, fui procurado por um amigo,

    John Savage, que disse: "Tony, voc~ foi visto hoje sentado

    no ltimo lugar do 6nibus." "E da?", perguntei. "Aquilo 13

    lugar reservado aos negros", ele explicou. E eu respondi:

    "No sei disso. Para mim lugar para qualquer um. Eu sen-

  • tei l porque achei que devia sentar." "Pois,e.

    33

    Mas se,.. , ,..

    eles acharem que voce e preto, voce nao poder continuar

    nessa universidade. voc ser expulso daqui e ter que ir

    par a uma outra universidade, s de pretos." Eu r e aqa ; "Mas

    que absurdo!"

    Sa dali danado da vida com aquele negcio e fui

    procurar o dean da universidade. Ele disse: "Mas isso a

    imposio dos Vanderbilt. A famlia Vanderbilt, que criou

    a universidade, disse que isso aqui s para brancos e

    est acabado.,..

    Se voce quer, tem a Kirk University,,

    que e

    para pretos." A, nas frias escolares dessa universidade,

    comecei rodar mundo. Fui Califrnia. Fui bater em Nova

    Orleans, capital da Louisiania, onde o preconceito racial

    tamb~m terrvel. Fui a um restaurante alinhadssimo, num

    hotel, com todos os garons de libr vermelho todos pre-

    tos - e veio um garon bran~o servir minha mesa. Como sou

    muito curioso e pergunto muito, chamei o matre: "Estranho,

    isso aqui. Vocs, num ambiente to cheio de preconceito

    racial, tm um garon branco servindo aqui mesa." "No

    senhor. Ele preto". "Mas como que ele preto? Eu estou

    vendo que ele branco." .:No. o senhor reconhece que ele

    va ...

    preto pela unha, por essa meia-lua da unha, pela gengi-

    Ele um preto com 7/8 de sangue branco." Aqui, eu

    no saberia fazer essa diferena. [risos]

    Ento, eu sa dali e peguei um nibus na Canal

    Street, que uma avenida mais larga que a nossa Presiden-

    te Vargas e onde os bondes correm pelo centro. Peguei um

    bonde, sentei, e um preto me bateu no ombro:

    perguntei: "Sim, o que que h?" E ele:

    "Hey,I,

    "Voc

    you!" Eu

    nao sabe

    ler?" No entendi: "Como assim?" Ele respondeu: "Voc

    no est vendo que dessa placa para trs, ,e so para os pre-

    ~~~--~~~~~...~-_..~~-_.-._-~~-_._...._._--

  • 34

    tos? Voc est no lugar dos pretos. Sai da! voc tem

    que ficar l na frente." Eu retruquei: "Mas nao tem lu-

    gar l!" E ele: "No quero saber. Aqui,

    nao e o seu lu-

    gar." o preconceito ao contrrio. [risos]

    Na estao de estrada de ferro tinha sala de espe

    ra para p r eto , sala de espera para branco, banheiro para

    preto e banheiro para branco. Havia cinema para preto e

    cinema para branco. E eu pensava: "Mas que absurdo isso

    aqui!" E havia a Ku-Klux-Klan, que era uma sociedade vin-

    gativa. Qualquer coisa que fosse feita contra os brancos

    l, ela matava logo uns dez pretos.

    crvel.

    Era um negcio ln-

    Isso tudo se modificou. Hoje em dia nao existe

    esse preconceito to gritante. Em Nova York existe um

    preconceito ao contrrio: o preto de Nova York,e terr-

    vel, mau, tem horror a branco, faz questo de dizer que a

    raa preta superior branca. um negcio esquisito.

    Mas voltando atrs, fui visitar Memphis, prxima

    a um estado vizinho ao Tennessee, no sei se Alabama, e

    me disseram: "Aqui h um jardim zoolgico fabuloso,,

    so..~- .... -

    perde para o do Bronx, em Nova York. Voc tem que ver."

    Eu fui numa quinta-feita. Fui barrado e perguntei: "Como

    assim? Eu quero entrar. No posso?" "Hoje dia s de

    preto. Branco no entra aqui, no! Es,t dito , escrito e

    acabado!" [risos] Como que as coisas conseguem chegar

    a esse extremo?

    Isso nao muda da noite para o dia. Veio o Supre-

    mo Tribunal ... Quem "faz" a constituio americana,e o

    Supremo Tribunal: ela de poucos par~grafos, mas sao as

    leis subseqentes, ou melhor, a interpretao das leis,

  • 35

    feita pelo Supremo Tribunal, que vai .atualizando e dandoas

    linhas mestras do pas, no seu comportamento global. E h

    grandes diferenas dentro dos Estados Unidos. No se pode

    dizer que o Estados Unidos so um pas. so , .varlOS ,pal-

    ses~ muito mais dspares do que o Brasil. A Califrnia,e

    um pas completamente diferente. Los Angeles tinha na-

    quela oportunidade, quinhentos mil latinos: mexicanos, etc.

    o sul do Texas foi roubado ao Mxico: ento, h uma quan-

    tidade terrvel de latinos l tambm. o norte do Maine,

    estado que fica acima de Massachusetts, tem uma influncia

    latino enorme dos franceses de Montreal, do Canad, que de~

    ceram ali. As meninas ~o moreninhas, coquetes, parecem

    umas francesinhas.

    No h uma unidade racial nos Estados Unidos. H

    uma disparidade muito grande. E ela mais acentuada em No

    va York, que no uma cidade tipicamente americana:,e tu-

    do, menos urna cidade americana. Alis, h muitos judeus

    em Nova York, de trs tipos diferentes: o judeu conserva-

    dor, o liberal e o ortodoxo. Os ortodoxos so aqueles que

    usam franjinha, chapu preto, capa preta at os ps,,

    e so

    casam entre eles. Ai de urna judia que se meta com um su-

    jeito que no da raa! uma coisa terrvel. Quando h

    um feriado israelita em Nova York, a cidade,

    para completa-

    mente. E em Nova York tambm h os porto-riquenhos, os ita

    lianos, os gregos ... Ento, o que tem muito pouco,e ame-

    ricano em Nova York: h tudo, menos americano. um potin,

    um caldeiro de raas terrvel, o que se tem l.

    Ento, corno definir os Estados Unidos? Depe~de do

    lugar em que se vive. O Sul muito ameno, muito amigo, as

    pessoas te recebem em casa.A

    No Norte, voce nao pene t.ra

    na casa de ningum. Em Nova York tambm: quandoA

    voce

  • 36

    vai na casa de um amigo,,e uma exceao; o amigo te convi-

    da para jantar num restaurante, nunca na prpria casa.

    Ningum costuma levar ningum para dentro de casa. Nin-

    gum tambm se importa com o que est acontecendo com o

    prximo. Nova York uma cidade extremamente rude nesse

    particular.' Mas h de tudo nos Estados Unidos. o pas

    tem uma oferta de lazer que "dose para leo." Voc nao

    tem como digerir aquele negcio todo. E tem oferta de es-

    tudo.A

    Se voce quiser estudar sexo dos anjos, Avoce vai

    descobrir uma escola que faa isso. Paralelamente a meu

    curso de engenharia qumica l, eu estudei apreciao musi

    cal. Era um curso sobre como entender os grandes autores

    sinf8nicos, de pera e tudo o mais, alm d~ poder compre-

    ener o pensamento deles, as vrias escolas etc. Eu co-

    mecei a me meter na msica. Era a minha veia italiana.

    M.M. - O pai, nao ? [riso]

    A.M. - Ento, h uma variedade muito grande nos Estados

    Unidos. Comparar essa sociedade,,

    que e to dspare - co-

    mo estou mostrando - com o Brasil difcil. O Brasil tem

    muito mais unidade. Embora se tenha l os cearenses di-

    ferentes dos gachos ... Embora haja diferenas de compor-

    tamento, de maneira geral ... Primeiro a gente fala uma

    lngua que una. Exceto pelos sotaques, uma lngua que

    d para entender. Certamente h algumas palavras mais

    locais - como frigideira, que na Bahia significa omelete,

    e outras palavras tpicas baianas -, mas d para um,

    gau-

    cho entender um cearense ou este entender um gacho. Na

    Itlia, por exemplo, isso no possvel. H 42 idiomas

    diferentes: o siciliano, o sardenho e o napolitano nao

    entendem nada do que o milans e aquela gente do norte

    falam. so lnguas completamente diferentes.

  • 37

    Nos Estados Unidos h, tambm coisas bastante di-

    ferentes. o ingls coloquial completamente diferente de

    um local para outro. E h as expressoes idiomticas, que

    tm urna caracterstica completamente diferente tambm. Ns

    ternos algumas expresses idiomticas. Eu, pelo menos,

    aprendo com ~eu filho cada coisa que antes nem sabia o que

    ele estava dizendo: "Fulano brega!" H expressoes do

    nosso coloquial que eu vou procurar entender.

    Mas nos Estados Unidos,A

    se voce nao conviver du-

    rante um certo tempo, no vai entender nada do que aquele

    sujeito daquela regio est dizendo. o texano fala urna

    lngua diferente do pessoal .de Nevada, do pessoal de Bos-

    ton ... Boston mais Nova Inglaterra, que so alguns esta-

    dos do Nordeste americano, onde h urna influncia britni-

    ca mui to grande, pois a invaso inglesa se deu por ali: o

    famoso "Tea Party" - o ch de Boston, que jogaram dentro

    do mar - aquela revolta toda. Na Nova Inglaterra se fala

    um ingls oxfordiano, " c ambridgeano". No comparvel ao

    sotaque do texano ou ainda do Arkansas. o sujeito do Ar-

    kansas fala. urna lngua que para entender difcil. No Sul

    se fala cantado: "Are vou going to town?" "Voc vai para

    cidade?" tudo assim, tudo meio mole. L, o clima mui-

    to trrido - um vero carioca -, diferente do do Norte, on-

    de faz um frio de rachar. Isso condiciona muito as pessoas.

    Mas eu, de maneira geral, acho que l h uma li-

    berdade de ao: mesmo que voc discorde da pessoa que es-

    t no poder, voc tem o direito de falar, de se pronunciar,

    voc pode formar sua equipe, seu partido poltico, qualquer\,

    que seja. Isso uma grande liberdade.,

    E e isso que atrai

    os que provm de pas