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Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
HALINA CAVALCANTI GOUVEIAMARIA JACKELINE SANTOS
A VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA:POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM
RECIFE
RECIFE2009
HALINA CAVALCANTI GOUVEIAMARIA JACKELINE SANTOS
A VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA:POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM
RECIFE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Rosineide Cordeiro
RECIFE2009
HALINA CAVALCANTI GOUVEIAMARIA JACKELINE SANTOS
SUA VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA:POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM
RECIFE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Rosineide Cordeiro
Aprovada em ____/____/____
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________Profª Dra. Rosineide Cordeiro – Orientadora
_______________________________________________
Nome do Professor (a) de Monografia
_______________________________________________Nome do Professor (a) de Monografia
_______________________________________________
Nome do Professor (a) Convidado (a)
Às mulheres.
“A banalização do mal passa por várias fases intermediárias, cada uma das quais depende de uma construção humana. Em outras palavras, não se trata de uma lógica incoercível, mas de um processo que implica responsabilidades. Portanto esse processo pode ser interrompido, controlado, contrabalançado ou dominado por decisões humanas que, evidentemente, também implicariam responsabilidades. A aceleração ou a freagem desse processo depende de nossa vontade e de nossa liberdade. Nosso poder de controle sobre o processo pode pois ser aumentado pelo conhecimento de seu funcionamento.”
(Christophe Dejours)
RESUMO A partir da década de 1980, o movimento de mulheres no Brasil politiza a histórica violência contra as mulheres ao pressionar a incorporação desta temática na agenda pública. Desde então, essa tem sido uma bandeira levantada pelas mulheres em todos os espaços de discussão e deliberação para a construção de políticas públicas. Já durante o período de redemocratização do país, são implementadas as primeiras políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Apenas em 2001 foi criado um órgão responsável por propor e executar políticas para mulheres em Recife. Objetivou-se com esse estudo a análise da construção e implementação das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres em Recife. Além da pesquisa bibliográfica, foram realizadas entrevista e análise de documentos. Apesar do avanço nos serviços prestados e ações executadas com o surgimento da Coordenadoria da Mulher de Recife, foi observado que o município ainda precisa criar um sistema próprio de monitoramento de dados, efetivar ações de (re)educação para os/as agressores/as, ampliar seus serviços de forma que seja atendida a multiplicidade da demanda e potencializar articulações com outros órgãos municipais, para que políticas universalizantes construídas com a perspectiva de gênero sejam, de fato, implementadas no município, de modo a estabelecer uma outra forma de sociabilidade entre homens e mulheres. Palavras-chave: Violência contra Mulheres. Movimentos Sociais. Políticas públicas sociais.
ABSTRACT
From the 1980s, the women's movement in Brazil's politicized historic violence against women by pressing the incorporation of this issue on the public agenda. Since then, this has been a banner raised by women in all areas for discussion and deliberation for the construction of public policies. During the country’s re-democratization period, are implemented the first policies to address violence against women. Only in 2001 was created an agency responsible for proposing and executing policies for women in Recife. The objective of this study was the analysis of the construction and implementation of policies to address violence against women in Recife. In addition to the bibliographical research, were carried out interviews and document analysis. Despite the improvement in the services provided and actions performed with the appearance of the Coordination of Women Recife, it was noted that the city still need to create a system data monitoring itself, effect of actions (re) education for male and female aggressors, expand its services so that you attended the multiplicity of demands and strengthen links with other public organizations so that policies universalizing built with a gender perspective are in fact implemented in the municipality in order to establish an alternative form for social relations between men and women Keywords: Violence against women. Social Movements. Social Public Policies.
LISTA DE SIGLAS
RITLA: Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana
CNT: Confederação Nacional do Transporte
UNIFEM: Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
NEVUSP: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
PAISM: Assistência Integral à Saúde da Mulher
CNDM: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
COJE: Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher
DDM: Delegacia de Defesa da Mulher
JECRIM: Juizados Especiais Cíveis e Criminais
SEDIM: Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher
SPM: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres
CIDH: Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CLADEM: Comitê Latino-Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher
CEJIL: Centro pela Justiça e o Direito Internacional
CPP: Código de Processo Penal
PPA: Plano Plurianual
CRAS: Centro de Referência de Assistência Social
VIVA: Vigilância de Violências e Acidentes
SDS: Secretaria de Defesa Social
DPMUL: Delegacia de Polícia da Mulher
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO 10
2- A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL 13
2.1- RETRATO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL 13
2.2- TIPOS DE VIOLÊNCIA 16
2.3- DIFERENCIANDO AS VIOLÊNCIAS 18
2.4- O DEBATE TEÓRICO SOBRE VIOLÊNCIA NO BRASIL 23
2.4.1- Gênero e Patriarcado 25
3- POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES 30
3.1- POLÍTICAS PÚBLICAS E GÊNERO 30
3.2- MULHERES EM MOVIMENTO NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA 33
3.3- POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA
AS MULHERES 37
3.3.1- As Delegacias de Defesa da Mulher 37
3.3.2- Os Juizados Especiais Criminais 41
3.3.3- A Lei Maria da Penha 42
3.4- POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER 48
3.5- II PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES 49
3.6- PACTO NACIONAL PELO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER 51
4- POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
EM RECIFE 53
4.1- CRIAÇÃO DA COORDENADORIA DA MULHER DO RECIFE 53
4.2- COMO A VIOLÊNCIA É ENTENDIDA PELA GESTÃO 55
4.3- COMO A VIOLÊNCIA SE MANIFESTA EM RECIFE 56
4.4- SERVIÇOS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS
MULHERES 58
4.4.1- Na Área da Prevenção 58
4.4.2- Na Área da Proteção 59
4.4.3- Na Área da Assistência 61
4.5- MONITORAMENTO DE DADOS 61
4.6- ARTICULAÇÃO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS 62
4.7- CONSELHO DE DIREITO DA MULHER 63
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS 66
REFERÊNCIAS 70
ANEXOS 74
10
1- INTRODUÇÃO
A violência contra as mulheres foi definida, no âmbito da Convenção para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – aprovada em 1994 pela
Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, e ratificada pelo Estado
Brasileiro em 1995 -, “como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que
cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público
como no privado”. O ciclo dessa violência, que também, se denomina violência de
gênero, estende-se da privação, humilhação, maus-tratos à morte, passando pelo
estupro e pelo tráfico de seres humanos.
A violência contra as mulheres se configura como uma problemática que
atinge a população independente de raça/etnia, classe social, orientação sexual.
Valores advindos do sistema patriarcal se (re)produzem e se reconfiguram de
acordo com a dinâmica da sociedade e do momento histórico em que está inserida,
resultando também em novas formas de violência.
A temática da violência contra mulher alcançou espaço na sociedade e na
agenda pública impulsionada por forte pressão, principalmente, do movimento de
mulheres. Um forte movimento internacional também foi de fundamental importância.
E, nesse sentido, ressaltam-se os vários tratados e acordos em defesa dos direitos
das mulheres, ao qual o Estado brasileiro aderiu e/ou ratificou. A partir da década de
1980, observa-se o início da construção de políticas que visavam o enfrentamento a
essa problemática no Brasil.
Apesar dos primeiros serviços de enfrentamento a esse tipo de violência
terem começado a surgir durante a redemocratização, apenas em fins da década de
1990 se iniciam a criação de órgãos públicos responsáveis, especificamente, pelas
políticas para mulheres no país, assim como o primeiro Plano Nacional de Políticas
para Mulheres, que foi construído apenas em 2004.
A Coordenadoria da Mulher do Recife foi o primeiro órgão do município
criado para propor e executar política para as mulheres, surgindo apenas em
2001. É nesse sentido que o presente estudo tem como objetivo central analisar as
políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres desenvolvidas em Recife-
PE.
A violência contra as mulheres, enquanto problema hoje reconhecido
11
publicamente como tal, é objeto de diversos estudos e políticas públicas. No entanto,
essa discussão não pode ser esgotada, pois uma vez que se trata de uma questão
cultural não será resolvida de imediato. Atualmente, mulheres ainda são mortas e
violentadas de diversas maneiras.
O interesse pela temática surgiu primeiramente por entendermos que,
enquanto mulheres, estamos inseridas na dinâmica de uma sociedade que constrói
relações desiguais de gênero e que fortalece valores que resultam em diversos tipos
de violência. Também partiu do reconhecimento das pesquisadoras como sujeitos
do processo de enfrentamento a essa realidade, na construção de uma outra forma
de sociabilidade entre homens e mulheres, em que as diferenças existentes entre
esses/as não sejam utilizadas como base para as desigualdades. Ainda foi de
fundamental importância a aproximação com alguns movimentos de mulheres e a
participação em espaços de discussões e leituras referentes à temática.
Para a realização desse trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica sobre a
temática para embasamento, comparação e fortalecimento de argumentos. Optou-
se pela realização de uma entrevista semi-estruturada com a Coordenadora Geral
da Coordenadoria da Mulher de Recife para melhor identificação das políticas
implementadas no município e para apreensão de elementos que fundamentassem
as análises sobre estas. Também foi feita uma análise de documentos, tais como o
Plano Nacional de Políticas para Mulheres, o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
Violência contra a Mulher (assim como seu Balanço de Ações referente ao período
de 2005-2007) e o Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra as Mulheres do Estado de Pernambuco.
O trabalho foi divido em três capítulos:
§No primeiro capítulo, buscou-se compreender o fenômeno da violência
contra a mulher: conceito, tipos, diversas expressões. Nesse momento,
apresentou-se também, de forma breve, o debate teórico acerca dessa
temática.
§No segundo, foram abordadas a incorporação do tema pelos movimentos
de mulheres bem como a luta pela construção de políticas. Nesse ponto
também foram tratadas as políticas de enfrentamento implementadas no
Brasil a partir da década de 1980 até hoje, assim como o debate acerca
das políticas sociais e a incorporação do debate de gênero por essas.
12
§Por último, foi realizada uma análise das políticas de enfrentamento à
violência contra as mulheres em Recife. Enfatizou-se o órgão que as
executa e como este tem trabalhado com as demandas apresentadas.
13
2- A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL
É preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas, para que o corpo se levante e se disponha a lutar. (Rubem Alves)
As mudanças no panorama econômico e cultural ocorridas no Brasil, desde
o século XIX até depois da Primeira Guerra Mundial, foram responsáveis também
pela alteração entre a forma de se relacionar entre homens e mulheres. Muitas
dessas alterações se confrontavam com os costumes patriarcais e resultaram em
questionamentos em relação ao casamento e o excesso de poder dos homens sobre
suas esposas. Blay (2003) afirma que a primeira vez no Brasil em que foi publicizada
a violência contra as mulheres foi entre a década de 1920 e 1930, quando os
chamados crimes passionais já eram alarmantes.
Um forte movimento pela defesa da vida das mulheres e pela punição dos
agressores voltou a ocorrer na década de 1970 em torno do lema: “quem ama não
mata”. Pela segunda vez na história brasileira, repudiava-se publicamente que
o amor justificasse o crime. A partir de então, a violência contra as mulheres se
configurou em uma das principais bandeiras dos diversos movimentos de mulheres
(BLAY, 2003).
Esse primeiro capítulo foi dividido em duas partes, essenciais para o estudo
e compreensão do fenômeno da violência contra a mulher. Na primeira, abordou-
se seu conceito, tipos e suas diversas expressões. Na segunda, foi feita uma breve
exposição do debate teórico sobre violência contra a mulher, utilizando como
principal referência a autora Heleieth Saffioti.
2.1- RETRATO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL
O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008, divulgado pela Rede
de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA) e pelo governo, mostra
que, embora o índice de assassinatos no Brasil ainda seja alto, houve queda nos
números de 2004 a 2006. Segundo a pesquisa, foram mortas 50.980 pessoas em
2003. Em 2004, o número caiu para 48.374, indo para 47.578 em 2005 e 46.660 em
14
2006. O estudo mostra ainda que 556 cidades - ou cerca 10% do total de municípios
brasileiros - concentraram 73,3% dos assassinatos no Brasil em 2006. As cidades
com as mais altas taxas médias de homicídios do país, levando-se em conta o
número de mortes e o tamanho da população, foram, respectivamente, Coronel
Sapucaia (MS), Colniza (MT), Itanhangá (MT) e Serra (ES). Recife está em nono
lugar (90,5) e é a primeira capital da lista.
Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte
(CNT) em 2007, para nove em cada dez brasileiros a violência aumentou no Brasil
nos últimos anos. Dos 2 mil entrevistados, 90,9% consideram que a violência
aumentou no país, enquanto 5,2% disseram que não aumentou. A pesquisa
ouviu moradores de 136 municípios de 24 estados.
Observando a realidade vivenciada diariamente pelos(as) brasileiros(as)
a partir desses dados e entendendo a violência como ruptura de qualquer forma
de integridade da vítima – física, psíquica, sexual e moral –, não nos resta dúvida
de que vivemos numa sociedade marcada pela violência de diversas naturezas e
praticada por distintos atores, considerando, para isso, as diversas modalidades de
violação de direitos.
Entre tantas, tem-se a histórica e milenar violência cometida contra as
mulheres, presente desde a formação das mais antigas organizações societárias
até hoje, e que tem se reproduzido e perpetuado, ganhando características e
especificidades a cada momento histórico e diferentes culturas. Importante perceber
que atinge as mulheres, independente de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade,
orientação social ou classe social.
A violência contra mulher encontra “justificativa” em normas sociais
baseadas nas relações desiguais de gênero que reforçam uma valorização
diferenciada para as representações do masculino e do feminino. Essas normas
têm se sustentado com o apoio de diversas instituições como o Estado, a mídia, a
religião, a escola, a família. O que muda de país para país são as razões alegadas
para aprovar esse tipo de violência.
Diversos estudos realizados na década de 90 revelaram, por exemplo, que
no Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Venezuela, Israel e Cingapura é comum
que a violência seja aprovada quando ocorre a infidelidade feminina; já no Egito,
Nicarágua e Nova Zelândia, a mulher deve ser punida quando não cuida da casa e
15
dos filhos; a recusa da mulher em ter relações sexuais é motivo de violência nesses
países e também em Gana e Israel. Por fim, a desobediência de uma mulher ao seu
marido justifica a violência em países como Egito, Índia e Israel.1
É preciso perceber que essas justificativas se referem àqueles valores
mais enraizados e aceitos em determinada cultura. A violência cometida contra as
mulheres tem sido realizada de diversas maneiras e justificada por razões inúmeras.
Pesquisa realizada pela Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações
Unidas para a Mulher) em 1999 mostrou que em algum momento de suas vidas,
metade das latino-americanas é vítima de alguma violência. Alguns dados e
números, e expressões dessa violência na América Latina podem ser vistos no
Anexo A.
É inegável a diferença que existe entre homens e mulheres. No entanto,
toda diferença deve ser encarada como enriquecedora pela oportunidade de
compartilhar vivências diversificadas, de conhecer a natureza sobre diferentes
aspectos e pela oportunidade de ver e sentir o mundo e as relações nele inseridas,
por meio das mais variadas perspectivas.
Mas há aspectos que precisam ser mais bem analisados. Um deles é a
tendência de justificar a desigualdade com as diferenças. Confunde-se a diferença,
que é conceito de natureza filosófica e biológica, à igualdade, que é político. Para
Saffioti (2004), habitualmente à diferença contrapõe-se a igualdade, quando na
verdade ‘o par’ desta é a desigualdade. A autora ainda ressalta que as diferenças,
assim como as identidades, são primordiais numa sociedade multicultural e
essenciais para a construção de uma sociedade democrática de fato. Queiroz (2008)
concorda com a autora, e (re)afirma:
As diferenças transformadas em desigualdades, constituem a causa das várias expressões do poder dos homens sobre as mulheres, sendo, ao nosso ver, a violência exercida contra as mulheres, a expressão mais cruel deste poder (QUEIROZ, 2008, p. 33).
Outro aspecto consiste na reflexão a partir dos seguintes pontos: quem
define a diferença? Quem é considerada diferente? O que significa ser diferente?
Esses questionamentos são fundamentais para se perceber a lógica patriarcal que
tenta transformar em natural as mais diversas construções sociais que sustentam
1 Fonte: Dossiê Violência contra a Mulher, 2001.
16
esse sistema de dominação e a partir de que instrumentos isso é viabilizado.
Daí, ganham importância significativa os diversos mecanismos normatizadores e
padronizadores da nossa cultura.
2.2- TIPOS DE VIOLÊNCIA
Em pesquisa realizada em 2001, pelo Núcleo de Opinião Pública da
Fundação Perseu Abramo, intitulada A mulher brasileira nos espaços público e
privado, observou-se que a cada 15 segundos uma mulher é espancada por um
homem no Brasil e que uma em cada cinco brasileiras declara espontaneamente já
ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem. O Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo (NEVUSP-2007) informa que Pernambuco
está classificado entre os cinco estados de maior incidência no número de
homicídios de mulheres.
A violência contra as mulheres foi definida, no âmbito da Convenção para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – aprovada em 1994 pela
Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, e ratificada pelo Estado
Brasileiro em 1995 -, “como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que
cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público
como no privado”, que abrange a violência tanto ocorrida no âmbito da família ou
unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quanto a ocorrida na
comunidade e cometida por qualquer pessoa, até a perpetrada ou tolerada pelo
Estado ou seus agentes.
Na tentativa de dar conta da complexidade e das múltiplas expressões da
violência sofrida pelas mulheres, a Lei 11.340/06, a conhecida Lei Maria da Penha,
define, dessa forma, as distintas formas de violência praticada contra as mulheres:
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
17
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006, Capitulo II, Artigo 7)
Ainda podemos acrescentar a essa tipificação a violência institucional,
fruto das desigualdades predominantes em uma determinada sociedade, que se
incorpora à cultura hegemônica em instituições como os serviços públicos, a mídia
e empresas privadas (REDE NACIONAL FEMINISTA..., 2001) e é muitas vezes
materializada justamente nesses já citados tipos de violência.
Deve-se chamar atenção também à violência que é cometida diariamente, a
partir da nossa linguagem. A linguagem é uma das mediações entre o indivíduo e a
sociedade, por meio da qual este se expressa, se relaciona, se posiciona e mostra
o que pensa para o coletivo, refletindo, dessa forma, representações, ideologias,
valores, crenças (FIORIN, 2003). Ela tem sido praticada não só pela mídia, como
muito já se tem denunciado, mas a partir de nossas escritas, músicas, conversas,
representações, de forma muito sutil, como se pode observar em definições
retiradas do dicionário:
Mulher = 1. Ser humano do sexo feminino. 2. Esse mesmo ser após a puberdade. 3.Esposa
Homem = 1. Qualquer indivíduo da espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva; o ser humano. 2. A espécie humana; a humanidade. 3. Ser humano do sexo masculino; varão 4. O homem na idade adulta. 5.Adolescente que atingiu a virilidade. (FERREIRA, 2000)
A ilustração acima dos conteúdos do dicionário da língua portuguesa
aparentemente não demonstra nenhuma questão a ser discutida. Se pensarmos
no significado das palavras homem e mulher utilizado no cotidiano da população
18
brasileira, esse de forma alguma contrasta ao posto pelo autor no referido dicionário.
No entanto, uma análise mais atenta pode suscitar questionamentos em relação
aos termos utilizados nas definições, considerando que os significados fazem
parte e são concretizados nas relações sociais. Pode-se perceber que para os
homens são utilizados sinônimos que os colocam autônomos e em posição de
prestígio, visto que, termos como viril e varão são definidos pelo próprio autor como
enérgico, vigoroso, homem adulto ou respeitável respectivamente. Opondo-se a
tais significados, a definição de mulher, bem menos criteriosa por sinal, apresenta a
mesma como esposa, ou seja, papel que desempenha quando casada. Tal acepção
deixa evidente a instalação da mulher em status não autônomo, já que a definição
de esposa, segundo o mesmo autor, revela a mulher em relação ao homem.
O exemplo citado deixa explicito que as mulheres ficam aquém dos homens,
inclusive nas esferas oficiais. As idéias sobre o ser mulher e o ser homem, criadas
socialmente e defendidas pelo dicionário e engendradas2 na sociedade em geral,
resultam em uma série de desigualdades entre os sexos.
2.3- DIFERENCIANDO AS VIOLÊNCIAS
Saffioti (2004) ressalta que há ainda grande confusão entre violência de
gênero e violência contra a mulher, sendo utilizadas muitas vezes como sinônimos.
Confundidos também são os conceitos de violência doméstica e intrafamiliar. Apesar
de aqui se fazer uma tentativa de mostrar as particularidades de cada prática, tendo
em vista que é de extrema importância para se ter clareza do objeto em discussão,
é importante ter ciência de que muitas vezes um tipo de violência pode estar
acompanhado do outro, como muitas vezes está, e que apesar de apresentarem
características específicas, circulam num emaranhado de práticas discriminatórias e
sexistas.
Enquanto a violência contra as mulheres consiste numa prática muito antiga
como expressão e fruto de um sistema de dominação, que tem muito claro a quem
se destina sua prática, a violência de gênero pode ser vista como a categoria mais
geral. Para melhor compreensão, é preciso considerar gênero independente de
2 O vocábulo gendrado, oriundo de gender (palavra inglesa para gênero), tem sido utilizado por feministas, na falta de um adjetivo correspondente ao substantivo gênero. Trata-se de um neologismo ainda não dicionarizado. Pode-se falar em corpo gendrado para designar o corpo formatado segundo as normas do ser homem ou do ser mulher.
19
a quem pertença a primazia: aos homens ou às mulheres, ou seja, ampliar este
conceito para as relações homem-homem e mulher-mulher. “A disputa por uma
fêmea/um macho pode levar dois homens à violência, e o mesmo pode ocorrer entre
duas mulheres, e como se trata de relações regidas pela gramática sexual, devem
ser vistas como violência de gênero” (SAFFIOTI, 2004, p. 70-71).
Nas relações entre homens e entre mulheres, a desigualdade de gênero não é dada, mas pode ser construída, e o é, com freqüência. O fato, porém, de não ser dada previamente ao estabelecimento da relação a diferencia da relação homem-mulher. Isto não significa que uma relação de violência entre dois homens ou entre duas mulheres não possa figurar sob a rubrica de violência de gênero. (SAFFIOTI, 2004, p. 71).
A violência familiar, como indica o nome, é a que envolve membros de
uma mesma família3 extensa ou nuclear, levando-se em conta a consaguinidade
e a afinidade. Já a violência doméstica atinge não só as pessoas que pertencem à
família, mas àquelas também que vivem parcialmente ou integralmente no domicílio
do agressor:
Estabelecido o domínio de um território, o chefe, via de regra um homem, passa a reinar quase incondicionalmente sobre seus demais ocupantes. O processo de territorialização do domínio não é puramente geográfico, mas também simbólico (SAFFIOTI, 2004, p. 72).
Também se faz importante refletir que a violência não se restringe
unicamente ao uso da força física, como meio para se chegar a um fim, mas também
a possibilidade ou ameaça de usá-la, o que nos remete ao conceito de poder,
quando se observa a tentativa de imposição de controle, vontade, desejo ou projeto
de um sujeito sobre o outro.
Entendendo que as relações sociais, sejam elas da natureza que for, estão
permeadas por uma rede de poderes, e que a grande parte dos agressores são
pessoas ligadas afetivamente às vítimas, se podem destacar ainda dois aspectos
essenciais para a compreensão da violência contra as mulheres. O primeiro deles
consiste em observar mais uma característica da violência, que é o que Bourdieu
(1999) denomina de violência simbólica e que é por ele definida como:
Violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento,
3Compreendida aqui como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, de acordo com Artigo 5º, II e Parágrafo único da Lei 11.340/2006.
20
do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento (BOURDIEU,1999,p. 7-8).
É a partir desse tipo de ação “sutil” que tantas situações ditas como
intoleráveis são tidas como aceitáveis; quando não, naturalizadas e perpetuadas a
milhares de anos, ou seja, é a partir desse tipo de violência que grande parte das
mulheres ainda sente dificuldade em se sentirem violentadas ou acreditam que ‘é
assim que sempre foi e assim deve ser’ e aceitam viver em relações permeadas
pelos mais diversos tipos de violência, tendo diversos direitos negados, inclusive, e
não raro, o direito à vida.
O outro aspecto, que está fortemente ligado ao anterior, está vinculado à
relação afetiva com agressor. Os dados e pesquisas têm apontado para a violência
doméstica e intrafamiliar como as mais frequentes modalidades de violência contra
as mulheres. Segundo a Secretaria de Defesa Social do Governo de Pernambuco,
215 mulheres foram assassinadas até 24 de setembro de 2007 e desse universo,
cerca de 95% dos crimes foram praticados por homens. Dentre esses, 50%
eram maridos, namorados, ex-namorados, companheiros e ex-companheiros. O
sentimento que liga o agressor à vítima faz com que muitas vezes esta, apesar de
se reconhecer como tal, não queira se separar ou ver aquela pessoa punida de
alguma forma, e/ou ainda acredita que ele ‘mudará’.
É nesse sentido que hoje se pode identificar o chamado ciclo da violência
doméstica, que ajuda a melhor compreender como as mulheres tornam-se
vitimizadas, como caem no desamparo e porque se torna difícil escapar da violência,
ou não raro, querer sair dela. Soares (2005) assim o explica:
1º FASE: A Construção da Tensão no Relacionamento
Nessa fase podem ocorrer incidentes menores, como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objetos etc. Nesse período de duração indefinida, a mulher geralmente tenta acalmar seu agressor, mostrando-se dócil, prestativa, capaz de antecipar cada um de seus caprichos ou buscando sair do seu caminho. Ela acredita que pode fazer algo para impedir que a raiva dele se torne cada vez maior. Sente-se responsável pelos atos do marido ou companheiro e pensa que se fizer as coisas corretamente os incidentes podem terminar. Se ele explode, ela assume a culpa. Ela nega sua própria raiva e tenta se convencer de que “... talvez ele esteja mesmo cansado ou bebendo demais”.
2º FASE: A Explosão da Violência – Descontrole e Destruição
A segunda fase é marcada por agressões agudas, quando a tensão atinge seu ponto máximo e acontecem os ataques mais graves. A relação se
21
torna inadministrável e tudo se transforma em descontrole e destruição. Algumas vezes a mulher percebe a aproximação da segunda fase e acaba provocando os incidentes violentos, por não suportar mais o medo, a raiva e a ansiedade. A experiência já lhe ensinou, por outro lado, que essa é a fase mais curta e que será seguida pela fase 3, da lua-de-mel.
3º FASE: A Lua-de-Mel – Arrependimento do(a) Agressor(a)
Terminado o período da violência física, o agressor demonstra remorso e medo de perder a companheira. Ele pode prometer qualquer coisa, implorar por perdão, comprar presentes para a parceira e demonstrar efusivamente sua culpa e sua paixão. Jura que jamais voltará a agir de forma violenta. Ele será novamente o homem por quem um dia ela se apaixonou. (SOARES, 2005,p. 23-25)
Soma-se ainda a essa complexa relação que envolve afeto e violência,
que resulta muitas vezes na não-denúncia e aceitação, a dicotomia criada entre
o público e o privado, que aprisionou durante muitos anos (apesar de não sem
resistência), e ainda tem aprisionado as mulheres no âmbito doméstico-privado,
vivendo em função de sua família, enquanto os homens transitam livremente
entre as duas. A significativa dependência econômica das mulheres em relação a
seus companheiros, advinda desse tipo de relação, também tem se configurado
como grande impedimento à denúncia. Deve-se acrescentar, ainda, o ideal do
amor romântico disseminado no século XIX, que pressupõe uma divisão sexual de
afetos e emoções, cabendo à mulher o papel de manter afetivamente o casamento
(QUEIROZ, 2008).
Assim, quando se adere a esse modelo explicativo, torna-se muito difícil para as mulheres decidirem consciente e livremente por uma separação, que é vivida em muitos casos como um erro individual e mais do que isto, como uma falha que atinge a própria identidade de gênero, pois culturalmente, cabe à mulher, manter emocionalmente a família em qualquer situação. (QUEIROZ, 2008, p. 42).
Apesar das muitas transformações ocorridas nas relações sociais a partir
da reorganização do mundo do trabalho e das intensas lutas feministas e sociais
resultarem em significativas conquistas para as mulheres (tanto no âmbito das
mudanças culturais quanto legais), muitos valores típicos de uma sociedade
patriarcal insistem em persistir, acompanhados, dessa forma, de diversas formas de
violência contra as mulheres e violação de seus direitos.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, realizada em 2004,
mostrou que um terço das mulheres (33%) admite já ter sido vítima, em algum
momento de sua vida, de alguma forma de violência física (24% de ameaças com
22
armas ao cerceamento do direito de ir e vir, de 22% de agressões propriamente
ditas e 13% de estupro conjugal ou abuso), 27% sofreram violências psíquicas e
11% afirmam já ter sofrido assédio sexual. Mas ainda um pouco mais da metade das
mulheres brasileiras declara nunca ter sofrido qualquer tipo de violência por parte de
algum homem (57%).
Observa-se a partir daí a própria dificuldade das mulheres em se
perceberem violentadas. Podem ser apontados como elementos que impedem
uma emancipação desses sujeitos, a ‘sutileza’ e a ‘não-materialidade’ imediata de
muitas das violências e ainda o persistente e contínuo processo de naturalização
da inferioridade feminina que são reforçados cotidianamente. Com esse elemento,
para Saffioti (2006) torna-se inviável o uso apenas do conceito de violência como
ruptura da integridade da vítima, pois esta se dá na avaliação da vítima, situando-se
no terreno da individualidade. A não-identificação da violência cometida vai implicar
diretamente na ausência de denúncias, que inviabiliza a apreensão da abrangência
real do fenômeno da violência contra as mulheres e suas características, que, por
sua vez, prejudica a construção de políticas específicas para essa população, assim
como a realização de uma ação de caráter não só punitivo, mas também educativo
para os agressores.
Diante disso, Saffioti (2006) propõe a mudança da definição de violência
como ruptura de integridades, considerando a subjetividade que envolve a
percepção da vítima sobre a violência sofrida, para a concepção de violação dos
direitos humanos:
Isto equivale a dizer que a violência, entendida desta forma, não encontra lugar ontológico (se não existe uma percepção unânime da violência, cada socius definindo-a como ruptura de integridades, uma vez que não há ciência do individual). Fundamentalmente por esta razão, prefere-se trabalhar com o conceito de direitos humanos, entendo-se por violência todo agenciamento capaz de violá-los. (SAFFIOTI, 2004, p.75-76)
A violência contra mulher, enquanto problemática que não se explica por
si mesma, possui alicerces em normas e valores socioculturais que se reproduzem
nas relações diárias entre os sexos. Dessa forma, sendo expressão de uma
ordem patriarcal de gênero, considera-se imprescindível que seja abordada nesse
momento uma discussão em torno dos conceitos gênero e patriarcado, para a
devida fundamentação dos argumentos já elencados.
23
2.4- O DEBATE TEÓRICO SOBRE VIOLÊNCIA NO BRASIL
A partir da década de 1970, com a denúncia das feministas norte-
americanas a respeito das violências sexuais, foi publicizada a questão específica
da violência histórica sofrida pelas mulheres. Dankwort (1988)4, após intensa
pesquisa, identificou quatro correntes que norteavam esses debates. A primeira
delas é identificada como corrente psicanalítica da agressão que centra seus
estudos nos problemas psicológicos dos agressores. A segunda, a teoria da
aprendizagem social e dos papéis do sexo, afirma que a violência masculina não é
um fator de natureza biológica, mas produto da aprendizagem masculina que produz
stress e uma imagem negativa de si mesmo. A terceira, chamada de perspectiva
sociocultural considera a violência como um sintoma de disfunção das interações
de um sistema, mas não critica o sistema de desigualdade que permeia as relações
sociais nem leva em conta o sexo social da pessoa violenta (QUEIROZ, 2008). A
última, em que se inclui esse trabalho, a perspectiva feminista:
A análise feminista insiste sobre o fato de que, em nossa sociedade sexista e patriarcal, as mulheres são as vítimas preferenciais da violência conjugal e que os homens são os seus autores. Criticam as teorias que enfatizam as mulheres como sedutoras e provocantes e reafirmam a opressão de sexo relacionando-as com as de classe e raça. Essa perspectiva critica as análises centradas sobre a vitimização das mulheres e sobre a patologia do comportamento masculino, reforçando o patriarcado como eixo explicativo de todas as formas de subordinação do gênero feminino. (QUEIROZ, 2008, p. 28).
Sobre as diversas perspectivas, Saffioti (2002) afirma que realmente existe
uma feminista, construída ao longo das lutas das mulheres por uma sociedade
menos injusta. No entanto, a mesma é traduzida por diversos modelos e essa
compreensão é de fundamental importância para não homogeneizar uma realidade
diferenciada.
A perspectiva feminista toma o gênero como categoria histórica, portanto substantiva, e também como categoria analítica, por conseguinte, adjetiva. Não existe um modelo de análise feminista. Rigorosamente, o único consenso existente sobre o conceito de gênero reside no fato de que se trata de uma modelagem social, estatisticamente, mas não necessariamente, referida ao sexo. Vale dizer que o gênero pode ser
4 Autor que se autoqualifica de “pro-feminista” e que desenvolve um trabalho de tratamento e ajuda aos homens violentos na periferia de Montreal, no Canadá.
24
construído independentemente do sexo. O consenso, entretanto, termina aí. (SAFFIOTTI, 2002, p.15)
No Brasil, segundo Suárez e Bandeira (2002), já na fase final do regime
militar os movimentos de mulheres integraram o espaço público onde se realizavam
críticas ao totalitarismo e onde se articulavam as propostas democráticas. O
discurso feminista e de outros movimentos de mulheres baseava-se na crítica à
violência contra mulher, sem deixar de enfatizar a violência estatal. Denunciava a
violência sofrida pelas mulheres em seus lares e em outros espaços públicos. Após
o declínio da ditadura, continuou a marcar a política feminista a denúncia das formas
de violência, que ganhava visibilidade se tornando assunto incluído no diálogo
entre os diversos setores da sociedade e as diversas instituições do Estado. De
acordo com as autoras, a politização da temática também influenciou as ciências
humanas e estimulou a crítica teórica às explicações socioestruturais clássicas e
uma reflexão sobre a violência, gestada nos conflitos interpessoais e enraizada na
sociedade. As pesquisas se orientaram no sentido de perceber a violência como
fenômeno substantivo e plural, sendo suas diversas expressões nomeadas de
acordo com seus vários usos, como: violência contra mulher, violência de gênero,
violência doméstica, violência sexual, violência conjugal, violência familiar, violência
no trabalho, violência nos serviços públicos, violência verbal e simbólica, entre
outras. Nomeando as violências, o pensamento feminista objetivou a disseminação
da temática nos mais diversos espaços sociais e também desfazer sua invisibilidade
(SUÁREZ; BANDEIRA, 2002).
Discorrendo sobre as diversas correntes que se constituíram como
referências aos estudos realizados no Brasil sobre essa temática, a partir da
década de 1980, Santos e Izumino (2005) identificam três: a primeira corrente
teórica identificada pelas autoras corresponde ao famoso artigo de Marilena
Chauí, intitulado "Participando do Debate sobre Mulher e Violência". Para elas,
Chauí concebe violência contra as mulheres como resultado de uma ideologia de
dominação masculina que é produzida e reproduzida tanto por homens como por
mulheres. Argumenta ainda que as mulheres são cúmplices da violência, mas que
esta não se baseia em uma escolha ou vontade, já que a subjetividade feminina
passa a ser destituída de autonomia. A segunda é representada principalmente pela
socióloga Heleieth Saffioti por meio da perspectiva de patriarcado:
25
o patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno econômico. (SAFFIOTI, 1985, p. 50).
Diferente de Chauí, para a autora, as mulheres se submetem à violência
não porque consintam, elas são forçadas a ceder porque não têm poder suficiente
para consentir. Já a terceira corrente teórica relativiza a perspectiva dominação-
vitimização. O principal trabalho que exemplifica essa corrente é de Maria Filomena
Gregori, publicado no início dos anos 1990 sob o título Cenas e Queixas. Esta
autora entende que a perspectiva da dominação não oferece uma alternativa para
a vitimização da mulher e procura analisar o fenômeno da violência conjugal como
uma forma de comunicação em que homens e mulheres conferem significado às
suas práticas. Trata, dessa forma, a violência conjugal mais como um jogo relacional
do que de uma luta de poder.
Nesse trabalho, será adotada a segunda perspectiva apontada pelas
autoras. Essa perspectiva, denominada de patriarcal, considera a violência contra
as mulheres resultante de uma relação de dominação-exploração das mulheres
pelos homens. É importante destacar ainda que apesar dessa linha teórica ser
fundamentada no conceito de patriarcado, ela não desconsidera as relações de
gênero como constitutivas de relações desiguais entre mulheres e homens que
resultam, muitas vezes, em violência. A seguir, uma breve exposição dos conceitos
que fundamentam essa perspectiva.
2.4.1- Gênero e Patriarcado
Segundo Saffioti (2004), cada feminista enfatiza determinado aspecto
do gênero havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a
construção social do masculino e do feminino. A elaboração social do sexo não deve
gerar a dicotomia entre sexo e gênero, um situado na biologia, outro na cultura, uma
vez que não existe uma sexualidade biológica independente do contexto social em
que é exercida.
26
A saber:
O conceito de gênero não explicita necessariamente desigualdades entre homens e mulheres. Muitas vezes, a hierarquia é apenas presumida. Há, porém feministas que vêem a referida hierarquia, independente do período histórico com o qual lidam. Aí reside o grande problema teórico, impedindo uma interlocução adequada e esclarecedora entre as adeptas do conceito de patriarcado, as fanáticas pelo de gênero e as que trabalham, considerando a história como processo. (SAFFIOTI, 2004, p. 45).
Dessa forma, a autora admite a utilização do conceito de gênero para toda a
história como categoria geral, e o conceito de patriarcado como categoria específica
de determinado período, ou seja, para os seis ou sete milênios mais recentes da
história da humanidade. Ao discorrer sobre a interpretação do caráter relacional
do gênero, a socióloga indaga que essa vertente deixa a desejar, pois ao entender
gênero como exclusivamente social inevitavelmente cai no essencialismo social
(SAFFIOTI, 1989). O ser humano, enquanto ser uno e indivisível, deve ser visto
como uma totalidade, logo, dever ser considerada a função do corpo. Um exemplo
são as mulheres que nunca sofreram violência física ou sexual, mas que tiveram
roupas e objetos pessoais inutilizados, manifestando posteriormente no corpo às
feridas da alma.
Sobre patriarcado, de acordo com Queiroz (2008), desde a década de 70
diversas feministas vem produzindo conhecimentos nos estudos sobre mulher,
utilizando esse conceito. Etimologicamente, esse termo vem da combinação das
palavras gregas pater (pai) e archie (comando) e designa uma formação social onde
os homens detêm o poder. O patriarcado, em sua explicação mais breve, consiste
no regime de dominação-exploração das mulheres pelos homens, e tradicionalmente
justificou a ausência de poder das mulheres por suas diferenças anatômicas e
fisiológicas.
Como vimos no início do texto o conceito de gênero é amplo e não inclui
desigualdades e poder como necessários. Sendo assim, gênero deixa aberta a
possibilidade do vetor da dominação-exploração. Partindo desses pressupostos,
entende-se a importância da utilização do conceito de patriarcado concomitante ao
de gênero, para que se marque a presença da dominação masculina na correlação
de forças entre os gêneros. Desta forma, o patriarcado é um caso específico de
relações de gênero (SAFFIOTI, 2004).
Para Queiroz (2008), o poder patriarcal apresenta duas expressões: a da
27
potência e a da impotência. A primeira diz respeito às mulheres, visto que, desde
crianças, são geralmente socializadas para conviverem com a fraqueza; os homens,
ao contrário, são preparados para o poder e a vida pública e são sempre vinculados
à força. Nesse sentido, como fica expresso em muitas atitudes, os homens mantêm
relação de conflito com a impotência. Algumas pesquisadoras que trabalham
com violência sustentam a hipótese de que é na vivência com a impotência que
alguns homens praticam violência (Comissão Parlamentar..., 1990). Ainda nesta
direção, outra hipótese pode ser formulada: que a violência doméstica aumenta
em função do desemprego. Deve-se salientar que este não é o causador, e, sim, a
sociabilidade diferenciada entre homens e mulheres. Mas a falta de emprego pode
potencializar tais práticas, visto que o papel de provedor da família ainda é uma
característica que define o “ser homem” em nossa sociedade. Ao perder o status
de provedores podem sentir sua virilidade fragilizada sendo subvertida a lógica
hierárquica, doméstica e cultural (QUEIROZ, 2008).
Nesse sentido, podemos considerar o patriarcado como uma estrutura de
poder que se institucionaliza na família, sendo reforçado na sociedade e legitimado
pelo Estado. Assim, por meio da violência de gênero a autoridade dos homens é
conservada perpetrando, dessa forma, o controle das mulheres.
Assim como o termo gênero, patriarcado também incita debates e
divergências nas produções sobre mulheres. De acordo com Queiroz (2008), as
feministas francesas levantam objeções em relação ao termo, e questionam a
sua generalidade, situam o tempo e a localização do uso do termo patriarcado,
afirmando que este não é um conceito proveitoso na contemporaneidade. Em
contraponto a essa visão, Saffioti (2004) enfatiza que é indispensável o reforço da
dimensão histórica da dominação masculina, para que se compreenda o patriarcado,
isso porque na base da ideia de a-historicidade do patriarcado mora a negação
da historicidade do fato social. Levando em consideração essa questão, explica
ainda que não se possa aceitar a hipótese de sociedades matriarcais, nem prévias
às patriarcas nem a estas posteriores, por falta de comprovação histórica. Há
evidências, sobretudo arqueológicas, de que existiu outra ordem de gênero, distinta
da mantida pela dominação masculina. A socióloga define que no sistema patriarcal,
as mulheres são reprodutoras de herdeiro, de novas reprodutoras, de força de
trabalho e objeto de satisfação sexual dos homens. Diferente dos homens, enquanto
28
categoria social, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação
de serviços sexuais a seus dominadores. A soma e mistura dessa dominação e
exploração é entendida como opressão. Saffioti (2004) reitera que a base material
do patriarcado não foi destruída, como defende algumas feministas. Se na Roma
antiga o patriarca tinha direito de vida e morte sobre sua mulher, hoje o homicídio
é considerado crime no Código Penal Brasileiro. Mesmo assim, vários assassinos
continuam impunes, enquanto as estatísticas mostram um número absurdo de
mulheres assassinadas. Mesmo reconhecendo os avanços na área profissional, na
representação nos parlamentos e demais postos políticos, a exploração chega a
ponto de os salários médios das trabalhadoras brasileiras serem cerca de 64% dos
rendimentos médios dos trabalhadores brasileiros (IBGE, 2002). Sendo assim, a
dominação–exploração constitui um único fenômeno apresentando duas faces, ou
seja:
[...]a base econômica do patriarcado não consiste apenas na intensa discriminação salarial das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua marginalização de importantes papéis econômicos e político-deliberativos, mas também no controle de sua sexualidade e, por conseguinte, de sua capacidade reprodutiva. Seja para induzir as mulheres a ter grande números de filhos, seja para convencê-las a controlar a quantidade de nascimentos e o espaço de tempo entre os filhos, o controle está sempre em mãos masculinas, embora elementos femininos possam intermediar e mesmo implementar estes projetos (SAFFIOTI, 2004, p. 106).
Diante do exposto, e com a preocupação de que as discussões sobre as
relações de gênero e o sistema patriarcal não se tornem fundamentos para reforçar
a pretensa inexistência de autonomia por parte das mesmas, é importante salientar
que o fato de o patriarcado ser um pacto entre os homens, não significa que a ele
as mulheres não oponham resistência. “Sempre que há relações de dominação-
exploração, há resistência, há luta, há conflitos, que se expressam pela vingança,
pela sabotagem, pelo boicote ou pela luta de classes” (SAFFIOTI, 2004).
Muito se trabalhou em relação às diversas construções sobre os conceitos
de gênero e patriarcado. Entende-se que é de fundamental importância diferenciar
tais conceitos para compreendermos melhor os fenômenos materializados nas
relações sociais. Apesar de seus significados muitas vezes se cruzarem, vê-se que
possuem representações distintas na dinâmica da sociedade.
A utilização do conceito de gênero é bastante significativa para as
discussões em torno das diversas manifestações de poder entre homens e mulheres
29
e para desconstrução dos modelos socialmente instituídos para os sexos. No
entanto, sabemos que este não abarca a real complexidade que envolve a história
de dominação das mulheres pelos homens. Por isso, compreende-se que o debate
da violência contra mulher não deve ser substituído pela violência de gênero,
visto que este vem encobrir e relativizar a natureza da violência que permeia essa
relação. Sabe-se que os ideais do ser homem e ser mulher limitam a construção de
subjetividades, singularidades e cerceiam a liberdade de todos os seres humanos.
No entanto, é evidente que historicamente as relações sociais foram baseadas em
um sistema guiado por valores machistas que se de início contava só com a força,
hoje conta com aparatos simbólicos e legais que perpetuam a violência contra
mulheres.
É necessário, ainda, que se esclareça que não se trata de nenhum processo
de vitimização das mulheres. Pelo contrário, trata-se de desmistificar a naturalização
da pretensa superioridade masculina e contribuir para percepção das mulheres
enquanto sujeitos históricos e autônomos em busca de uma nova sociabilidade
baseada na igualdade entre homens e mulheres.
30
3- POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES
As leis não bastam... os lírios não nascem das leis. (Carlos Drummond de Andrade)
Diante das diversas violências cometidas contra mulheres, já expostas no
capítulo anterior, o movimento de mulheres, no processo de redemocratização do
país, passa a reivindicar a intervenção do Estado no que se refere ao enfrentamento
dessa problemática.
Nesse capítulo, abordar-se-ão a forma como se deram as reivindicações
e o processo de construção de tais políticas que estão sendo implementadas pelo
Estado brasileiro desde a década de 1980. Para essa discussão serão referendadas
as seguintes autoras: Cecília MacDowell Santos, Marta F. S. Farah, Mireya Suárez ,
Lourdes Bandeira, Simone G. Diniz, Eva Blay.
3.1- POLÍTICAS PÚBLICAS E GÊNERO
Desde o final dos anos 1970, ocorreram importantes transformações nas
relações entre Estado e sociedade no Brasil, sob impacto de dois condicionantes
principais: a democratização e a crise fiscal. Farah (2004) aponta que na evolução
da agenda de reforma do Estado brasileiro, que vem se processando e que foi
construída com a participação de diversos atores a partir da década de 1970, podem
ser identificados dois momentos principais. No primeiro, observa-se a necessidade
de democratizar e ampliar a participação dos sujeitos envolvidos, assim como
das informações acerca dos processos decisórios e dos resultados das políticas
públicas, ao mesmo tempo em que se buscava a ampliação dos/as beneficiários/as
das políticas públicas. Assim, as propostas se centravam, basicamente, em torno da
descentralização e da participação da sociedade civil.
Já nesse primeiro momento, as mulheres e a temática do gênero estiveram
presentes. Inicialmente, pela própria presença expressiva das mulheres nos
movimentos sociais urbanos e em torno da (re)democratização, que enquanto
denunciavam as desigualdades de classe, também levantavam questões específicas
31
à condição da mulher (violência contra as mulheres, creche, sexualidade e
contracepção, etc.). A temática também se fez presente mediante o movimento
feminista (diferente de um movimento com participação de mulheres), que apontava
as desigualdades de gênero como uma questão específica a ser superada por um
regime democrático.
E a partir da pressão desses movimentos, surgiram na década de 1980 as
primeiras políticas com recorte de gênero. Em 1983, são criados o Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) ligado ao Ministério da Saúde, que
contemplava o planejamento familiar, a sexualidade e o aborto em casos de estupro
e risco de vida; e o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina no estado
de São Paulo. Neste estado, também foi criada a primeira Delegacia de Polícia de
Defesa da Mulher, em 1985.
No governo de José Sarney (PMDB, 1985-1989), foi criado em 1985, o
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), primeiro órgão do Estado
Brasileiro (ligado ao Ministério da Justiça) a tratar especificamente dos direitos
das mulheres. A exemplo dos conselhos estaduais, o CNDM era uma instância
de participação, cabendo-lhe formular propostas de políticas para as mulheres.
Este teve um papel importante na promoção de políticas para mulheres e no lobby
feminista conhecido como “lobby do batom”, organizadas em torno da bandeira
Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher, o qual conseguiu incluir 80 %
das reivindicações feministas na nova Constituição de 1988 (SANTOS, 2008) e que
foram apresentadas ao Congresso sob o título Carta das Mulheres Brasileiras.5
Suárez e Bandeira (2002) chamam à atenção o fato de que o
estabelecimento dessas novas instituições repercute positivamente no plano dos
direitos democráticos e da cidadania, já que sinalizam a expressividade política que
o movimento de mulheres adquiriu para interagir com as instituições do Estado e
incluir suas demandas nas agendas governamentais.
O segundo momento, apontado por Farah (2004), foi marcado pelo impacto
5Santos (2008) assinala que, no âmbito federal, o CNDM perdeu o seu vigor inicial a partir do governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992), que minou o acesso das feministas à administração. Em 1990, Collor nomeou para integrar o CNDM mulheres que não tinham qualquer representatividade feminista. Decretou o fim da autonomia administrativa e financeira do CNDM, reduzindo os seus 159 funcionários a uma direção executiva de uma funcionária e uma assistente. Os conselhos estaduais dos direitos das mulheres chegaram inclusive a declarar publicamente o seu rompimento com o CNDM (Santos, 2005: 225). Os governos seguintes de Itamar Franco (PMDB, 1992-1993) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-2002) não se empenharam em revigorar o CNDM e não promoveram políticas públicas significativas para a promoção dos direitos das mulheres.
32
da crise do Estado e de sua capacidade de investimento, em fins da década
de 1980, em uma conjuntura marcada pela globalização e pela reestruturação
produtiva. A partir daí, elementos como eficiência, eficácia e efetividade da ação
estatal são acrescentadas à já citada agenda de reformas e esta passa a se
estruturar a partir de quatro elementos:
a) descentralização, vista como uma estratégia de democratização, mas também como forma de garantir o uso mais eficiente de recursos públicos;
b) estabelecimento de prioridades de ação (focalização ou seletividade), devido às urgentes demandas associadas à crise e ao processo de ajuste;
c) novas formas de articulação entre Estado e sociedade civil, incluindo a democratização dos processos decisórios, mas também a participação de organizações da sociedade civil e do setor privado na provisão de serviços públicos;
d) novas formas de gestão das políticas públicas e instituições governamentais, de forma a garantir maior eficiência e efetividade à ação estatal. (FARAH, 2004, pg. 52)
Nesse momento, se observa uma grande tensão entre a ‘eficiência’ e
a ‘democratização dos processos decisórios e do acesso aos serviços públicos’.
Faz-se importante observar que não havia se tornado mais complexa apenas
a ‘agenda de reformas,’ e sim as relações sociais como um todo, e, dessa forma,
as relações entre a sociedade civil (e assim os movimentos sociais) e o Estado.
Começa a ser observada uma divergência interna entre os movimentos, dentre
os quais o de mulheres e o feminista não se eximiram: enquanto alguns grupos
entendiam que era preciso ocupar espaços governamentais, outros acreditavam
que a autonomia do movimento deveria ser preservada. Este último ‘grupo’,
em geral, acabou se transformando em organizações não-governamentais e,
progressivamente, muitas acabaram dialogando com o Estado, propondo diretrizes
para a construção de políticas públicas.
Farah (2004, p. 54-56) aponta que, mais recentemente, “fortaleceu-se a
tendência de formulação de propostas de políticas públicas, passando esse espaço
a se constituir em espaço privilegiado na luta pela superação da desigualdade
entre homens e mulheres na sociedade brasileira”. E em meio a essas propostas,
encontram-se não só a demanda pela inclusão das mulheres como beneficiárias
das políticas, mas também a reivindicação pela sua inclusão entre os atores que as
formulam, implementam e controlam.
33
A mesma ainda aponta a necessidade de se dar maior atenção à questão
da focalização das políticas que, segundo ela, incide diretamente sobre a questão
de gênero. Isso porque se identifica uma tendência de considerar as mulheres,
e mais especificamente as mulheres pobres, como um dos segmentos mais
vulneráveis da população, a partir do ‘fenômeno da feminização da pobreza’, que
tem sido objeto de diversos estudos recentes, justificada, assim, a promoção de
políticas ‘focalizadas’.
A proposta de focalização (targeting women) baseia-se no argumento de que esta garantirá maior eficiência às políticas de combate à pobreza: a atenção privilegiada às mulheres – seja por seu papel na família, seja por sua presença decisiva nos assuntos ligados à moradia e ao bairro, seja ainda pela presença significativa de mulheres entre a população pobre – terá impacto na sociedade como um todo6. (FARAH, 2004, p. 55).
Farah (2004) alerta, ainda, que em princípio, se na construção da política
ou do programa, se dedica atenção privilegiada às mulheres ou, ainda, se as
têm como público específico, ocorre focalização. Mas é preciso diferenciar as
propostas que têm como princípio a eficiência do gasto, como a proposta pelo Banco
Mundial, das elaboradas pelos movimentos de mulheres no Brasil. Nesta, enfatiza-
se a necessidade de inclusão de um grupo que até então parecia invisível nos
espaços de cidadania, o que pede, pelo menos num primeiro momento, políticas
específicas para esse grupo ou que dê atenção especial quando se tratar de uma
política mais abrangente. Ou seja, observa-se, então, uma divergência no que
trata do foco das mulheres nas políticas públicas: de um lado, a mulher vista com
a ‘função’ potencializadora e instrumento de desenvolvimento, e de outro, a ênfase
na constituição da mulher como sujeito de direitos (FARAH, 2004).
3.2- MULHERES EM MOVIMENTO NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
No Brasil, o assassinato de mulheres era legítimo antes da República. O
Código Criminal de 1830 abrandava o homicídio quando havia a prática de adultério.
Em 1916, o Código Civil foi alterado e o adultério foi considerado razão de desquite
para ambos os cônjuges. No entanto, a alteração da lei não modificou o costume de
matar a esposa ou companheira (BLAY, 2003).
6 Ver documento publicado pelo Banco Mundial intitulado Toward Gender Equality (THE WORLD BANK, 1997).
34
Depois da Primeira Guerra Mundial, o cenário econômico e cultural do
Brasil mudou. Com a industrialização e a urbanização, o cotidiano, principalmente,
das mulheres foi alterado. Elas passaram gradativamente a ocupar espaços
públicos, trabalhando fora de casa, estudando. Tais mudanças trouxeram
posturas diferenciadas por parte das mesmas que, ao entrarem em contato com
comportamentos e valores de outros países, passaram a confrontá-los com os
costumes patriarcais vigentes. Já em meados das décadas de 1920/1930, o
casamento foi bastante questionado e discutido no Brasil. As mulheres de classe
média e alta, com acesso ao trabalho remunerado e à educação, passaram a
protestar contra a “tirania dos homens” no matrimônio. Os chamados crimes
passionais constituíam grave problema para algumas feministas, que, juntamente
a alguns Promotores Públicos, estes objetivando a defesa da família e não
exatamente das mulheres, pretendiam coibir tais crimes tolerados pela sociedade e
justiça (BLAY, 2003).
Na década de 1970, os movimentos pela defesa da vida das mulheres e
punição dos assassinos foram potencializados, em 1976, quando Ângela Diniz foi
assassinada pelo seu companheiro Doca Street, de quem desejava se separar.
Sua libertação fortaleceu um forte movimento das mulheres que se organizaram
utilizando o lema “Quem ama não mata”.
Diniz (2006) declara que na passagem da década de 19
rentamento ............................................................................XXXXXXXXX70 para a
1980, as mulheres, em alguns movimentos em São Paulo como o Nós Mulheres,
Brasil Mulher, e 8 de março, participavam de passeatas e protestavam contra o
homicídio de mulheres. A reunião de esforços entre os movimentos resultou na
criação do SOS Mulher em São Paulo, Centro de Defesa da Mulher em Campinas e
no Rio de Janeiro. Essas entidades eram autônomas e objetivavam atender as
mulheres vítimas de violência com serviços voluntários que incluíam psicólogas e
advogadas, grupos de reflexão sobre violência e promoviam o debate nos meios de
comunicação, utilizando o slogan “Quem ama não mata”. Dessa forma, as
feministas, ainda no contexto da ditadura militar, acreditavam que deviam atender as
mulheres vítimas de violência e promover reflexão sobre a condição feminina, de
início sem incorporação pelo Estado. Segundo a mesma autora, nessa época os
principais questionamentos feministas eram o fato de a violência conjugal ser um
35
assunto das mulheres (e homens) pobres, negras ou ignorantes, de
famílias “desestruturadas”. Para desconstruir tal pensamento as mesmas
enfatizavam casos de violência como o de um conhecido professor universitário
contra a esposa. Outro ponto de crítica e reflexão por parte do movimento foi o da
absolvição dos assassinos de mulheres sob alegação de que teriam agido em
legítima defesa da honra.
Ainda de acordo com Diniz (2006), o movimento de mulheres no Brasil
elegeu duas estratégias. Primeiro, adotou a ação direta, e em seguida, a
reivindicação de políticas públicas. Como exemplo de movimentos que partiram
da ação direta nos casos de violência, a autora cita o SOS de SP e Campinas e
o Fórum de Mulheres de Pernambuco. Para ela, o atendimento individual ou em
grupo, a afirmação do direito de viver sem violência, o trabalho interdisciplinar e em
redes de serviços, a democratização das informações ditas técnicas como, legais,
assistenciais, médicas, entre outras, foram inovações dos grupos de mulheres
posteriormente incorporados pelos governos e academia. Muitos desses projetos
foram potencializados por meio de parcerias com a academia e serviços, como
é o caso do CEPIA, no RJ, do SOS Corpo, em Recife, e do Coletivo Feminista
Sexualidade e Saúde, em SP.
O tema da violência como objeto de políticas públicas esteve presente
nos documentos do movimento de mulheres em importantes momentos da
política no país. Na década de 1990, o movimento de mulheres contra a violência
se reestruturou, o que trouxe a necessidade de uma articulação nacional e
internacional. Surge então, nessa mesma década, a Rede Feminista Latino-
Americana e do Caribe Contra a Violência Doméstica e Sexual. A Rede foi criada
no Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em San Bernado, Argentina.
Em 1992, aconteceu em Olinda (PE) o primeiro encontro da Rede. No evento, as
divergências do movimento foram explicitadas, como o posicionamento da rede em
relação à violência racial (DINIZ, 2006).
Diniz (2006) acrescenta que esse ponto, assim como outros, resultaram
em uma divisão entre as participantes, tendo as brasileiras defendido o combate ao
racismo como central na luta contra a violência, posição que não predominou, mas
que ficou como um marco do compromisso do movimento brasileiro ao enfrentar o
tema do racismo. Fato também importante na mesma época foi a criação da Rede
36
Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Essa Rede cresceu em articulação e se
institucionalizou ganhando espaço junto à mídia, Estado e outros setores. Destaca-
se nesse contexto, também, as ações das ONG, que atuavam na área de saúde da
mulher e alcançaram bastante interlocução como movimento feminista.
No entanto, a rede de violência não prosperou por divergências internas.
Apesar disso, a violência continuou na agenda feminista no Brasil. A década
de 1990 ainda se caracterizou por apresentar um amplo movimento global de
mulheres, que influenciou acordos institucionais. Tais acordos tinham como objetivo
o compromisso com a igualdade social e de gênero. Dentre eles, destacam-se as
Conferências de Viena, Cairo e Pequim, a Convenção do Pará, e outros.
Quando as primeiras propostas de respostas à violência foram articuladas,
houve esforços do movimento para substituir a idéia inicial de ação direta por
políticas públicas e por leis, com o objetivo de incutir no Estado e instituições os
saberes instituídos na academia e espaços de formação feminista.
O resultado das políticas será sempre um embate entre o que foi proposto e o que é possível. A lista de criações nesse embate é extensa e mostra uma grande capacidade de interlocução feminista com o Estado – tensa, instável, menos ou mais produtiva. Inclui delegacias, abrigos, centros de referência, redes de serviços, programas de treinamento, mudanças na legislação e no judiciário, etc., além de compromissos políticos os mais diversos. (DINIZ, 2006, p.25-26)
Para a mesma autora, o papel do movimento, no entanto, não era só o de
propor políticas, mas também o de fazer avançar os limites conceituais e práticos
para a implementação das mesmas, sendo coerentes com as reais necessidades
das mulheres.
Percebe-se, então, que o movimento de mulheres feminista no Brasil
historicamente vem adotando práticas diferenciadas para o enfrentamento da
violência contra mulher. De início, acreditando nas ações diretas, tais movimentos
construíram modelos de atenção às mulheres, posteriormente adotados pelos
governos. A reivindicação mediante formas de expressões diferenciadas, a
luta por políticas públicas de combate à violência foram imprescindíveis para o
reconhecimento, por parte do Estado, da problemática como questão pública e
não de ordem privada, como foi sustentado por muito tempo no país. Sendo assim,
destaca-se a indispensável contribuição dos movimentos de mulheres para que as
ações públicas de enfrentamento à violência continuem a existir, coerentes com
37
as necessidades das mulheres que diariamente sentem no corpo e na alma as
consequências da dominação masculina que perpassa as relações entre os sexos.
3.3- POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS
MULHERES
Como já foi assinalado ao longo do trabalho, a partir da década de 1980
o movimento de mulheres no Brasil se organizou mais fortemente em torno da
questão da violência cometida contra às mulheres. Gera-se, a partir daí, uma
politização não só desse eixo de luta, mas também das diversas temáticas relativas
às mulheres. Essa movimentação gerou respostas do Estado, que passava pela
redemocratização e buscava criar novas instituições para afirmar a construção
de um Estado de Direito democrático, a partir dessa mesma década, e mais
profundamente a partir da década de 1990, quando se observou uma absorção
maior do discurso feminista em toda a América Latina.
Santos (2008) identifica três momentos7 relativos às respostas dadas pelo
Estado Brasileiro em relação ao enfrentamento à violência contra as mulheres.
Esses momentos também serão utilizados aqui como parâmetro de análise para
o processo de institucionalização das demandas feministas nesta área. São eles:
a criação das delegacias da mulher, em meados dos anos 1980; em seguida, o
surgimento dos Juizados Especiais Criminais, em meados dos anos 1990; e por
último, a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha.
3.3.1- As Delegacias de Defesa da Mulher
O governo de Franco Montoro (1982 a1985 – MDB), em São Paulo, foi
pioneiro na criação da primeira instituição de atendimento às mulheres em situação
de violência, como o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher
(COJE), em 1983. E em 1985, foi responsável também pela primeira Delegacia de
7 A autora destaca que a noção de momentos utilizada por ela é a mesma proposta por Antônio Gramsci, que indica a convergência de diversas forças políticas, econômicas e ideológicas que tornam possível a emergência de determinadas práticas sociais e políticas; e que, dessa forma, sinalizam processos de ondas, quebras e ritmos dos fluxos e refluxos das políticas públicas.
38
Defesa da Mulher (DDM)8 do Brasil.
Embora a mídia e os próprios funcionários do Estado acreditassem que a
ideia de sua criação fosse fruto de pressão do movimento de mulheres, e apesar
da sua participação na construção do decreto que a criava, a proposta foi de Michel
Temer, então Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que afirmou
que a ideia surgiu a partir de denúncias de feministas sobre o funcionamento das
delegacias comuns, em relação ao machismo, e da possibilidade de existir um
plantão social específico para esse público e, também a partir do surgimento de
outras delegacias especializadas que haviam sido criadas no governo de Montoro
desde 1984 (SANTOS, 2008). Vale salientar que essa versão acerca do surgimento
das DDM não é a única, e que autoras como Camargo (1998) defendem que elas
surgem a partir de demandas do movimento de mulheres.
No que diz respeito às atribuições da primeira DDM, caberia a esta
investigar “delitos contra a pessoa do sexo feminino”. A competência desta nova
delegacia restringia-se aos crimes definidos na Parte Especial do Código Penal
brasileiro que incluíam, dentre outros, lesão corporal, constrangimento ilegal,
ameaça, estupro e atentado violento ao pudor. Homicídio e dano não faziam parte
da competência das delegacias da mulher até 1996 – alegava-se que já havia
uma delegacia especializada nesse tipo de crime. Em 1989, ampliou-se também a
competência das DDM, com a inclusão dos crimes contra a honra, tais como calúnia,
injúria e difamação, e o crime de abandono material (SANTOS, 2008).
Essa primeira delegacia atendeu de imediato um grande número de
mulheres, o que confirmou que o problema, de fato, existia. Após a criação da
primeira, outros movimentos de outros estados começaram a reivindicar em seus
respectivos locais de atuação, a criação de DDM como parte integrante de uma
política pública específica de enfrentamento à violência contra as mulheres. E logo
após esta experiência, novas DDM foram criadas tanto no estado de São Paulo,
quanto em todo o Brasil (SANTOS; IZUMINO, 2008).
Segundo Santos (2008, p.10), o processo de negociação mostra que
o Estado de fato absorveu parcialmente as propostas feministas e traduziu-as
8 A denominação das delegacias da mulher não é uniforme em todo o país. No Rio de Janeiro, por exemplo, são denominadas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher. No Rio Grande do Norte, são chamadas de Delegacias Especializadas em Defesa da Mulher. Ver Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (2001).
39
em uma política pública na área da justiça criminal. Mas essa tradução também
significou “uma traição”, na medida em que restringiu à criminalização a abordagem
feminista que sempre exigiu integralidade dos serviços de atendimento às mulheres
em situação de violência e que exigia a institucionalização da capacitação das
funcionárias da DDM a partir da perspectiva feminista ou de gênero, já que era
consenso entre o movimento que só o fato de ser mulher não faria com que as
delegadas tratassem com respeito e solidariedade as mulheres em situação de
violência.
As lutas feministas defrontam-se, assim, com o grande desafio de não permitir tal restrição do tratamento de um problema que as próprias feministas demonstraram ser complexo e multidimensional. Ao mesmo tempo, as feministas vêem-se forçadas a enfatizar a criminalização como um recurso discursivo simbólico de ameaça e de conscientização social para evitar a trivialização de um problema que só recentemente passou a ser reconhecido como um verdadeiro problema social, político e jurídico. (SANTOS, 2008, pg. 3)
Por outro lado, Suárez e Bandeira (2002) apontam que a criação dessas
delegacias representou não só um ganho político, mas também uma possibilidade
de conscientização de cidadania, tendo papel destacado na luta das mulheres por
sua emancipação, direito e cidadania.
Apesar de suas imperfeições, as Deams são instituições governamentais resultantes da constituição de um espaço público, onde se articulou o discurso relativo aos direitos das mulheres de receberem um tratamento eqüitativo quando se encontram em situações de violências denunciadas. Diferentemente das outras delegacias, as Deams, evitam empregar métodos de condutas violentas, promovendo a negociação das partes em conflito. A grande particularidade dessas instituições policiais é admitirem a mediação como um recurso eficaz e legítimo. Nesse sentido, não é demais lembrar que a prática da mediação é crescentemente considerada um recurso valioso na administração dos conflitos interpessoais, na medida em que diminui o risco de os conflitos administrados terem desdobramentos violentos (SUÁREZ; BANDEIRA, 2002).
A importância dada pelas autoras à mediação na resolução de conflitos
no caso de violência contra as mulheres será, posteriormente, bastante discutida
pelo movimento que exigirá ações e penalizações mais severas diante das ‘penas
brandas ou leves’ sentenciadas pelos Juizados Especiais. Durante muito tempo
as delegacias serão as únicas políticas públicas para coibir a violência contra
as mulheres, configurando-se num local onde deve e pode ser denunciada.
Salienta-se que muitas dificuldades são enfrentadas, como a resistência de muitas
policiais em trabalhar nestas e a falta de uma capacitação sistemática, e de acordo
40
com a complexidade e a especificidade do ‘objeto em questão’ para as que lá
trabalhassem, ou seja, a presença de “recursos humanos precários, destreinados ou
desinteressados em relação ao entendimento da dimensão cultural e do significado
simbólico dos conflitos interpessoais” (SUÁREZ; BANDEIRA, 2002), somadas ao
falta de uma infraestrutura adequada.
A década de 1990 é apontada como marco do ‘desencantamento’ do
movimento de mulheres com as delegacias. A insistência na capacitação das
policiais foi sempre recebida com muita resistência por parte dos governos
estaduais9, e, assim, sua atenção começa a ser deslocada para outros serviços não-
criminais no atendimento às mulheres em situação de violência, como as casas-
abrigo (SANTOS; IZUMINO, 2008).
Apesar dessas dificuldades apontadas, tendo ciência de que muitas outras
permeiam o funcionamento e a efetividade dessa política, Suárez e Bandeira (2002)
apontam que essas “vêm cumprindo um papel fundamental na ritualística jurídico-
legal”. Santos (2008) acrescenta que apesar de toda precariedade, as delegacias se
multiplicam em todo o país desde 1985 e que seu número ainda é superior aos
outros serviços, posteriormente criados, de atendimento a mulheres em situação de
violência, constituindo-se ainda como a principal política de enfrentamento à
violência contra as mulheres.
Pesquisa realizada por Santos e Izumino (2008) demonstrou que em 1993
existiam 125 delegacias da mulher. Em 2001, o CNDM mencionava 307 unidades, e
sete anos depois foram contabilizadas 403 delegacias da mulher. Relatam ainda que
em todas as capitais e o Distrito Federal possuem pelo menos uma unidade dessas
delegacias, mas que sua distribuição é bastante desigual no território nacional.
Menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacia da mulher; 11% estão
situadas nas capitais; 49% estão situadas na região Sudeste (que concentra 43% da
população feminina); 32% estão localizadas no estado de São Paulo (que concentra
22% da população feminina).
3.3.2- Os Juizados Especiais Criminais
9 As delegacias da mulher, assim como as outras delegacias, são subordinadas à Delegacia Geral de Civil de cada estado, ou órgão semelhante, responsável pela administração de toda a corporação, o que inclui a distribuição de recursos material, humano e financeiro. Seu funcionamento e Polícia organização são feitos através de leis e decretos estaduais que definem sua infra-estrutura, recursos humanos e atribuições. Apenas três estados (São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) possuem um órgão especial de assessoria e coordenação das delegacias da mulher.
41
Em 26 de setembro de 1995 foram criados, por lei federal, os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais (JECRIM), com o objetivo de informalizar a justiça
e torná-la mais célere e eficiente: “O processo orientar-se-á pelos critérios da
oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando,
sempre que possível, a conciliação ou a transação.” (BRASIL, 1995, Art. 2º).
Os JECRIM foram também idealizados para substituir penas repressivas
por penas alternativas no caso de “infrações de menor potencial ofensivo”. Embora
não tenham sido pensados para lidar com o problema da violência contra as
mulheres especificamente, sua criação trouxe uma série de consequências para o
funcionamento das DDM, que perderam o papel de investigação e de mediação de
conflitos que compõe a grande maioria das queixas.
A Lei 9.099/95 recebeu várias críticas por parte de militantes feministas,
pesquisadores e policiais. Campos (2001)10, por exemplo, examina os JECRIM
como um espaço de resignificação das penas, onde ocorre uma “recriminalização”
da violência contra mulheres, com efeitos de trivialização do problema. Melo (2000)11
e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher12 apontam que, no JECRIM, os juízes
em geral são do sexo masculino e não recebem treinamento especializado para lidar
com a problemática específica da violência contra mulheres. A conciliação é utilizada
como um fim, não como um meio de solução do litígio (SANTOS, 2008).
Santos (2008) acrescenta que autoras/es como Debert (2006)13 consideram
que o modelo dos JECRIM promove a “judicialização da família e a despolitização
da justiça”, e embora critiquem também as ações assistenciais conciliatórias
correntes na DDM, afirmam que nestas, apesar de não conter uma ideário feminista,
incorporaram a ideia das mulheres como sujeitos de direito, enquanto que nos
JECRIM é a defesa da família que norteia a conciliação, (re)transformando uma
questão política em assunto privado. A autora ainda ressalta que, mediante a
10 Ver: Campos, Carmen H. de (2001), Violência doméstica no espaço da lei, in Cristina Bruschini; Céli Regina Pinto (org.), Tempos e lugares de gênero. São Paulo: Editora 34 e Fundação Carlos Chagas, 301-322.11Melo, Mônica de (2000), Juizado especial criminal e o acesso à justiça. São Paulo: Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (Mimeo). 12 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (2001). Pesquisa nacional sobre as condições de funcionamento das delegacias especializadas no atendimento às mulheres: Relatório final. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.13 Debert, Guita Grin (2006), As Delegacias de Defesa da Mulher: Judicialização das relações sociais ou politização da justiça?, in Mariza Corrêa; Érica Renata de Souza (org.). Vida em família:Uma perspectiva comparativa sobre “crimes de honra”. Campinas, SP: Pagu-Núcleo de Estudos de Gênero/Universidade Estadual de Campinas, 16-38.
42
promoção de um acordo com renúncia do direito de representação, ou da aplicação
de penas alternativas, tal violência passa a ser banalizada e a justiça se torna
questionável.
Existe ainda uma perspectiva que defende a implantação desses Juizados,
e que nega a ‘descriminalização e a re-privatização da violência contra as
mulheres’ dos quais foram durante muito tempo acusados. Defende-se que tanto
as delegacias quanto os juizados se constituíram como espaços de fortalecimento
e empoderamento das mulheres em situação de violência, e defende a negociação
entre as partes como uma alternativa à criminalização dos conflitos.14
Nesse sentido, propõem-se alguns questionamentos:
Em primeiro lugar, o aumento no número de registros nas DDM não sugere necessariamente que as DDM e os JECRIM se constituíram em espaços de “fortalecimento” das mulheres que prestam queixas. Este aumento pode estar relacionado com diversos fatores, como o aumento no número das DDM, a ampliação das suas atribuições, a divulgação de seu trabalho pela mídia, o possível aumento da violência conjugal, entre outros. Além disso, a justiça conciliatória, como qualquer tipo de justiça, precisa garantir condições iguais de negociação às partes em conflito. Exercitar o poder de decidir ou de manifestar a vontade não apaga as desigualdades de poder que caracterizam as relações de gênero no Brasil. As condições extrajudiciais em que as mulheres negociam as queixas e manifestam a sua vontade precisam ser investigadas. Do contrário, cai-se em uma abordagem individualista e voluntarista dos conflitos sociais e da administração judicial dos conflitos (SANTOS, 2008, pg. 20).
3.3.3- A Lei Maria da Penha
Na década de 1990, o governo brasileiro assinou diversos tratados
e convenções que o comprometiam com a defesa dos ‘direitos humanos das
mulheres’ e com a construção de políticas públicas que defendessem tais direitos.
Em 1994, retirou as reservas que mantivera quando da assinatura e ratificação, em
meados dos anos 1980, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Organização das Nações Unidas
em 1979. Em 1992, ratificou a Convenção Americana dos Direitos Humanos, o que
incentivou as organizações não-governamentais e as vítimas a encaminharem à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos um maior número de denúncias
de violação de direitos humanos, incluindo casos de violência doméstica contra as
14 Ver: Izumino, Wânia Pasinato (2003), Justiça para todos: Os Juizados Especiais Criminais e a violência de gênero. Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanos, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo.
43
mulheres. Em 1995, também ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de
Belém do Pará”, adotada pela Organização dos Estados Americanos em 1994.
O Brasil também assinou, em 1995, a Plataforma de Ação da IV Conferência
Mundial sobre as Mulheres, adotada pela ONU no mesmo ano. Em 2001, o governo
brasileiro assinou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotado pela ONU em 1999 e
ratificado pelo Congresso Nacional em 2002 (SANTOS, 2008) (Ver ANEXO B).
A adoção desses instrumentos internacionais de proteção foi de extrema
importância para a visibilização da causa e para dar prosseguimento às exigências
das mulheres por políticas públicas. Mas, como dito anteriormente, o governo de
Fernando Henrique Cardoso, deu pouca atenção às demandas feministas e só no
fim do seu mandado criou a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher – SEDIM.
No governo de Lula, podem ser observados maiores avanços como a aprovação
da Lei 10.886/2004 que alterou o Código Penal e introduziu o crime de ‘violência
doméstica’, com pena de detenção de seis meses a um ano, a Maria da Penha, e a
Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) com estatuto ministerial.
Para Santos (2008), o recurso das feministas a instâncias supranacionais
de proteção dos direitos humanos foi de extrema importância por mostrar,
internacionalmente, que o governo brasileiro não estava cumprindo as suas
obrigações de defesa dos direitos humanos. Face à impunidade em casos
de assassinato de mulheres, algumas juristas feministas e organizações não-
governamentais feministas recorreram a instâncias internacionais de proteção
de direitos humanos. Na segunda metade da década de 1990, dois casos foram
encaminhados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): o caso
Márcia Leopoldi, que se refere ao assassinato de Leopoldi por seu ex-namorado,
tendo sido encaminhado à CIDH em 1996; e o caso Maria da Penha, referente à
dupla tentativa de assassinado de Maria da Penha por parte de seu marido, tendo
sido encaminhado à CIDH em 1998.
Em maio e junho de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de
duas tentativas de assassinato por parte do seu marido, Marco Antônio Heredia
Viveros, ficando paraplégica em função da primeira agressão. No primeiro
julgamento, ocorrido nove anos depois do crime, Viveros foi condenado a uma
44
pena de 15 anos de reclusão, reduzida a 10 anos por se tratar de réu primário. Em
1996, a decisão do júri foi anulada e o réu, sendo submetido a novo julgamento,
foi condenado a 10 anos e 6 meses de reclusão. Recorrendo da sentença diversas
vezes e valendo-se, inclusive, de práticas de corrupção, Viveros permaneceu em
liberdade por dezenove anos, sendo preso em outubro de 2002, pouco antes de o
crime prescrever. Pode-se afirmar que a conclusão do processo judicial e a prisão
do réu só ocorreram graças às pressões da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), que recebera o caso, em 1998, das organizações Comitê Latino-
Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM - Brasil e
Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, juntamente com a vítima, Maria
da Penha.
Para a CIDH, esta violação constituíra um padrão de discriminação
evidenciado pela aceitação da violência contra as mulheres no Brasil por meio
da ineficácia do Judiciário. A CIDH fez as seguintes recomendações ao Estado
brasileiro: que o Estado conduzisse uma investigação séria, imparcial e exaustiva
com vistas ao estabelecimento da responsabilidade do agressor pela tentativa de
assassinato sofrida por Maria da Penha; que identificasse as práticas dos agentes
do Estado que teriam impedido o andamento célere e eficiente da ação judicial
contra o agressor; que o Estado providenciasse de imediato a devida reparação
pecuniária à vítima; que adotasse medidas no âmbito nacional visando à eliminação
da tolerância dos agentes do Estado face à violência contra as mulheres.15
O caso Maria da Penha ganhou mais visibilidade, e foi o primeiro caso em
que um organismo internacional de direitos humanos aplicou a Convenção de Belém
do Pará, publicando uma decisão inédita em que um país foi declarado responsável
pela violência doméstica praticada por um particular. Ficou clara, com esse caso, a
violência sistemática a que mulheres a milhares de anos são vítimas e a ineficácia
do sistema judicial brasileiro frente a essa demanda (SANTOS, 2008).
A primeira resposta do Estado brasileiro só aconteceu após a criação da
SEDIM, quando Solange Bentes, a então secretária enviou esforços para que o
Tribunal Superior de Justiça apreciasse o último recurso que fora apresentado
em 2000 pelos advogados do agressor. Após isso, só houve uma movimentação
por parte do governo em 2004, quando a SPM decidiu tomar providências no
sentido de dar cumprimento às recomendações da CIDH, e em março desse
15 Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório nº 54/01, Caso nº 12.051..
45
mesmo ano o Presidente Lula criou um Grupo de Trabalho Interministerial para
elaborar um projeto de lei versando sobre mecanismos de combate e prevenção à
violência doméstica contra as mulheres (Decreto 5.030, de 31 de março de 2004).
Coordenado pela SPM, sob a presidência da Ministra Nilcéa Freire, este Grupo
de Trabalho Interministerial recebeu subsídios de um Consórcio de Organizações
Não-Governamentais Feministas, formado por ADVOCACY, AGENDE, THEMIS,
CLADEM/IPÊ, CEPIA e CFEMEA, que preparou uma proposta de anteprojeto de lei.
Após consultar representantes da sociedade civil, por meio de debates e seminários
por todo o país, a SPM encaminhou ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao
Presidente da República o Projeto de Lei 4.559/2004, posteriormente transformado
na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, a Lei “Maria da Penha (SANTOS, 2008).
§ Mecanismos e inovações da nova lei:
Já no 1º artigo, a lei manifesta que sua criação vem não só para coibir, mas
também para prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, criando os
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterando artigos
do Código Penal Brasileiro, mas também estabelecendo medidas de assistência
e proteção às mulheres em situação de violência. Dessa forma, responde a essa
demanda com a incorporação do discurso dos movimentos de mulheres, que apesar
da forte bandeira da criminalização, sempre exigiram serviços integrais.
Em seus artigos 5º e 7º, define as formas de violência como física,
psicológica, sexual, patrimonial e moral, que podem ocorrer tanto na unidade
doméstica como no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto. E,
neste caso, explicitam em parágrafo único: “As relações pessoais enunciadas neste
artigo independem de orientação sexual”.
No que trata da prevenção, o artigo 8º traz uma série de diretrizes que
devem nortear a construção de políticas que visam enfrentar a violência doméstica
e familiar contra a mulher mediante um conjunto articulado das ações da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como das Organizações não-
governamentais. São elas:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações
46
relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Como se observa, a lei é bastante abrangente nesse sentido, trazendo
ações das mais variadas formas e que devem ser realizadas por e para diferentes
sujeitos, visando à transformação das relações sociais permeadas em diversos
âmbitos por valores discriminatórios e sexistas. Nesse sentido, a lei também avança
prevendo a criação e promoção de centros de atendimento integral e multidisciplinar
para as mulheres e respectivos dependentes; de casas-abrigos; de delegacias,
núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal
especializados; programa e campanhas de enfrentamento a estes tipos de violência
e ainda centro de educação e reabilitação para os agressores(as) (Art. 35).
Entendendo as inúmeras dificuldades de diversas naturezas às quais as
mulheres em situação de violência estão submetidas e que se tornam impedimentos
para que elas procurem assistência e denunciem os(as) agressores(as), é que é
47
estabelecido um conjunto de garantias para as mulheres vítimas de violência,como:
§ O Art. 22, fixa uma série de medidas de urgência que podem ser
aplicadas pelo/a juiz/a ao(a) agressor(a) quando for constatada a prática
de violência doméstica: suspensão da posse ou restrição do porte de
armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida;proibição de condutas como aproximação e/ou contato com a
ofendida e até proibição de freqüentar determinados lugares e restrição
ou suspensão de visitas aos(as) dependentes menores.
§ Alteração do Código de Processo Penal (CPP) para possibilitar ao(a)
Juiz(a) a decretação da prisão preventiva em qualquer fase do inquérito
policial (Art. 20)
§ O Art. 21 traz: “A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais
relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à
saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do
defensor público”.
§ No que trata da assistência judiciária, o Art. 27 determina que a
mulher deverá estar acompanhada de advogado(a) em todos os atos
processuais, com ressalvas ao requerimento das medidas protetivas de
urgência (Art.19).
Em contrapartida à prática conciliatória e de determinações de penas leves
dos JECRIM, com a Maria da Penha passa a ser “vedada a aplicação, nos casos
de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou
outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o
pagamento isolado de multa.” (Art. 17). A pena do crime de violência doméstica
e familiar passa a ser de três meses a três anos, podendo ser aumentada de um
terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência (Art. 44). Ainda
há alteração na Lei de Execuções Penais permitindo que o(a) juiz(a) determine
o comparecimento obrigatório do(a) agressor(a) a programas de recuperação
e reeducação (Art. 45). O Art. 16 ainda traz que, após feita a denúncia, só será
admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente
designada com tal finalidade.
3.4- POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER
48
Até 2002, a base do Programa Nacional de Combate à Violência contra a
Mulher, sob gerência da SEDIM, do Governo Federal, era o apoio à construção de
Casas Abrigos e DEAM. Em 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres, algumas ações mudaram seu foco e teve início a formulação da
Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Essa Política
incorporou ações destinadas à prevenção, à assistência e à garantia dos direitos
da mulher em diferentes campos. O conceito central da Política é a integração dos
serviços nas áreas de saúde, segurança, educação, assistência social, cultura
e justiça, de forma a permitir às mulheres romperem com o ciclo da violência. A
necessidade e a importância dessa política foram reafirmadas na I Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004, e no Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres, que estabeleceu como um de seus eixos estruturantes o
enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres.
Segundo a SPM (BRASIL, 2007), o Plano Plurianual (PPA) – instrumento de
planejamento do Governo Federal que estabelece diretrizes, objetivos e metas da
administração pública federal, para a implementação de programas e ações – sofreu
modificações nos últimos anos, para acompanhar a mudança de foco das políticas
voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres.
Nos quatro anos do primeiro PPA (PPA 2000-2003), foram alocados
recursos da ordem de R$ 14,4 milhões no programa de violência. Entre os anos
de 2004 e 2006, com a ampliação do conceito de enfrentamento e o início da
implementação dos serviços da Rede de Atendimento às Mulheres em situação de
Violência, a execução orçamentária alcançou, somente nos três primeiros anos do
PPA 2004-2007, R$ 23,6 milhões. O atual PPA (2008-2011), por sua vez, prevê
a utilização de aproximadamente, R$ 117 milhões. As ações previstas podem ser
vistas no ANEXO E.
49
3.5- II PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES
Após a II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, realizada em
agosto de 2007, foi construído mais um Plano de Governo (referente ao período
de 2008 a 2011) em relação às políticas públicas para as mulheres. Esse plano é
fruto da mobilização e participação de quase 200 mil brasileiras que participaram
das Conferências Estaduais e Municipais e que elegeram 2.700 delegadas para a
Nacional.
O primeiro Plano estava organizado em cinco eixos estratégicos que
representam temas prioritários, e em seu processo de revisão, durante II
Conferência, foram acrescentados seis novos. Dessa forma, o II Plano encontra-se
organizado em 11 eixos, e para cada um destes há objetivos, metas e prioridades
que se concretizam nas 394 ações propostas.
Apesar de se entender que violência pode ser vista como violação de
qualquer direito, o que levaria as autoras a trabalhar todas as ações propostas
pelo já citado Plano, será apresentado aqui apenas o que concerne ao item
IV, denominado de ‘Enfrentamento de Todas as Formas de Violência contra as
Mulheres’, por tratar da violência especifica que foi definida na Convenção de Belém
do Pará e sobre a qual todo trabalho tem se baseado.
Neste item, o Plano apresenta como objetivo geral reduzir os índices de
violência contra as mulheres por meio da consolidação da Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da implementação do Pacto Nacional
pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres e do Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Seus objetivos específicos são:
I- Proporcionar às mulheres em situação de violência um atendimento
humanizado, integral e qualificado nos serviços especializados e na rede
de atendimento;
I- Desconstruir estereótipos e representações de gênero, além de mitos e
preconceitos em relação à violência contra a mulher;
III- Promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes
igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades e de
valorização da paz;
50
IV- Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência,
considerando as questões étnico-raciais, geracionais, de orientação
sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional;
V- Ampliar e garantir o acesso à justiça e à assistência jurídica gratuita às
mulheres em situação de violência;
VI- Assegurar atendimento especializado às mulheres do campo e da
floresta em situação de violência;
VII- Promover a integração e articulação dos serviços e instituições
de atendimento às mulheres em situação de violência, por meio da
implantação e fortalecimento da Rede de Atendimento às Mulheres em
situação de violência.
Foram apresentados como prioridades:
§Ampliar e aperfeiçoar a Rede de Atendimento às mulheres em situação de
violência;
§Garantir a implementação da Lei Maria da Penha e demais normas
jurídicas nacionais e internacionais;
§Promover ações de prevenção a todas as formas de violência contra as
mulheres nos espaços público e privado;
§Promover a atenção à saúde das mulheres em situação de violência com
atendimento qualificado ou específico;
§Garantir o enfrentamento da violência contra as mulheres, jovens e
meninas vítimas do tráfico e da exploração sexual e que exercem a
atividade da prostituição;
§Promover os direitos humanos das mulheres encarceradas.
As metas a serem atingidas até 2011 foram assim delimitadas:
§Construir/reformar/reaparelhar 764 serviços especializados de atendimento
às mulheres em situação de violência;
§Capacitar 170.000 profissionais das áreas de segurança pública,
saúde, educação, assistência social, justiça e demais áreas da rede de
atendimento;
§Realizar 1.000.000 de atendimentos válidos no Ligue 180;
51
§Consolidar o Observatório da Lei Maria da Penha;
§Qualificar 100% dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e
CREAS para atendimento às mulheres vítimas de violência;
§Implementar a notificação compulsória em 100% dos municípios dos
estados prioritários do Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência
contra as Mulheres;
§Qualificar 100% dos Centros de Referência para atendimento às mulheres
vítimas de tráfico;
§Ampliar em 100% a rede de atenção integral à saúde de mulheres e
adolescentes em situação de violência;
§Implantar a Vigilância de Violências e Acidentes – VIVA em todas as
capitais e 18 municípios dos estados prioritários do Pacto Nacional pelo
Enfrentamento da Violência contra as Mulheres;
§Assegurar a existência de estabelecimentos penais femininos dentro de
padrões físicos e funcionais que assegurem a dignidade das detentas, nas
27 unidades da federação;
§Assegurar a existência de pelo menos um Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS) em todos os municípios brasileiros;
§Habilitar 100% dos estados para a Atenção Integral à Saúde das
presidiárias e adolescentes em conflito com a lei.
3.6- PACTO NACIONAL PELO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER
O Pacto Nacional foi formulado pelo Governo Federal em 2007 com o
objetivo de prevenir e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. A
coordenação do Pacto é de responsabilidade da Secretaria Especial de Mulheres,
da Presidência da República. O documento reúne um conjunto de ações com
proposta de serem realizadas entre os anos de 2008 a 2011, com recursos da
ordem de um bilhão para os quatro anos.
Segundo o Pacto, serão desenvolvidas políticas públicas amplas e
articuladas, com prioridade para as mulheres rurais, negras e indígenas em
situação de violência. A especificidade foi priorizada em função da dupla ou tripla
52
discriminação e da vulnerabilidade social a que estão submetidas. Tem como áreas
estruturantes a consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres, incluindo: a implementação da Lei Maria da Penha; Combate
á exploração sexual e ao tráfico de mulheres; Promoção dos direitos humanos das
mulheres em situação de prisão; Promoção dos direitos sexuais e reprodutivos e
enfrentamento à feminização da Aids.
O Pacto Nacional se configura em uma parceria entre o Conjunto de
Ministérios e Secretarias especiais, considerando como aliados estados e
municípios. Ao Governo Federal caberá estabelecer as diretrizes e as normas
para execução das ações e financiá-las com a devida contrapartida dos estados
e municípios. O monitoramento e execução (nos casos que envolverem justiça
e segurança pública) são responsabilidades dos estados e os municípios devem
implementar ações nas áreas de educação, saúde e assistência social.
53
4- POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
EM RECIFE
Só a crítica que se converte em práxis escapa da ilusão. (Jesus Palácios)
Nesse capítulo, trata-se especificamente das políticas de enfrentamento à
violência contras as mulheres em Recife. Aborda-se principalmente o órgão que as
executa e como tem trabalhado com as demandas apresentadas e com os diversos
sujeitos envolvidos na proposição dessas. Serão elucidadas as ações e serviços
disponíveis no município.
A principal fonte utilizada na construção do capítulo foi a entrevista realizada
com a Coordenadora geral da Coordenadoria da Mulher, Juliana César, realizada
em 11/09/2009. Suas falas serão encontradas, devidamente sinalizadas, durante
todo o texto de forma a (re)afirmar ou acrescentar o conteúdo apresentado. Também
foram de extrema importância para a sua elaboração o Plano Estadual para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres, a Norma Técnica de
Uniformização – Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de
Violência da Secretaria Especial de Mulheres do Governo Federal e o Caderno de
Diretrizes das propostas da IV Conferência Municipal da Mulher do Recife.
4.1- CRIAÇÃO DA COORDENADORIA DA MULHER DO RECIFE
A Coordenadoria foi criada em 2001, com o objetivo de acompanhar as
políticas públicas do município direcionadas às mulheres, além de executar e
acompanhar ações de gênero. Sua criação era uma demanda antiga das mulheres e
dos movimentos de mulheres, “já que o município não tinha nenhum organismo que
fosse destinado a pensar, propor e executar políticas específicas para as mulheres”
(Juliana César). Durante campanha eleitoral, o ex-prefeito João Paulo (2001-2008
-PT) assumiu esse compromisso e uma vez vitorioso, a criou. Em 14 de setembro
54
do ano corrente, a Câmara dos Vereadores do Recife aprovou por unanimidade o
projeto de lei (PL nº 11/2009) de ajuste da estrutura administrativa da Prefeitura do
Recife. Entre as mudanças previstas estão a elevação do status para secretaria
tanto da Coordenadoria da Mulher, atualmente ainda ligada ao Gabinete do Prefeito,
quanto da Gerência de Juventude, atualmente ligada à Secretaria de Direitos
Humanos e Segurança Cidadã.
Isso é uma conquista para as mulheres do Recife, que representam mais de 50% da população, e que necessitam de políticas públicas cada vez mais direcionadas ao segmento. Por isso, quanto maior for a estrutura municipal, destinada a criar, articular e executar essas políticas, será importante para o nosso momento atual. (AJUSTE, 2009, Juliana César)
A coordenadoria é estruturada em uma coordenação geral, uma temática,
uma regional e seis gerências. Abaixo (dentro de um organograma) da coordenação
geral, existem uma coordenação temática e uma regional. A primeira fica
encarregada de pensar as seis principais temáticas trabalhadas, a saber: educação
não-sexista, não-homofóbica, não-lesbofóbica, antirracista e laica; enfrentamento à
violência; gênero, trabalho e renda; gênero e igualdade racial; equidade de gênero
na saúde; participação e controle social. A segunda, como o nome indica, fica
responsável pelas políticas da cidade enquanto divisão geográfica. A divisão é feita
apenas para facilitar o planejamento do órgão e as duas trabalham de maneira
extremamente articulada para que todas as temáticas cheguem a todas as regiões,
assim como todas as regiões devem ser integradas às temáticas.
Seguindo essas coordenações, encontram-se as gerências, que têm a cada
uma atribuída tanto um tema quanto uma região. Acoplado ainda à Coordenadoria
encontram-se, sob supervisão da gerente responsável pelo enfrentamento à
violência, os serviços de atendimento à violência contra as mulheres em situação de
violência: o Centro de Referência Clarice Lispector e a Casa Abrigo Sempre Viva
Apesar de não ser um órgão e nem estar subordinado à coordenadoria, o
Conselho Municipal da Mulher, em nível administrativo e de manutenção do espaço
físico também está ligado a esta.
Sobre os recursos utilizados pela Coordenadoria, Juliana C. informa que
eles vêm do Tesouro Municipal, juntamente com o destinado ao Gabinete do
Prefeito já que ela está inserida nessa estrutura. Mas salienta ainda que há uma
divisão interna desse recurso que assegura a autonomia da Coordenadoria sobre
55
uma parte deste valor.
4.2- COMO A VIOLÊNCIA É ENTENDIDA PELA GESTÃO
Como foi visto no primeiro capítulo, o fenômeno da violência pode ser
entendido por meio de diversas perspectivas. A forma como se faz a leitura
da realidade está diretamente ligada à escolha dos instrumentos que darão
enfrentamento a um problema. Dessa maneira, acredita-se ser de fundamental
importância apreender de que forma a violência contra mulher é trabalhada
nesse órgão e a partir de que elementos é vista como demanda do movimento de
mulheres.
Citando e afirmando a configuração de violência contra a mulher, definida
na Convenção de Belém do Pará (já apresentada no capítulo anterior), Juliana
C. afirma que a Coordenadoria vê essa expressão da violência como “qualquer
violação, transtorno para saúde e/ou para o bem-estar da mulher, de uma maneira
ampla, e que impeça a ela de conseguir alcançar ou cumprir com todos os seus
objetivos de vida”.
Durante entrevista, compreendeu-se também que essa violência é
trabalhada com, o que por ela é chamado de, a “verdade da mulher”, ou seja, a
mulher em situação de violência atendida pelos serviços municipais não precisará
provar o que está sendo relatado. Somado à importância desse posicionamento
assumido pela equipe que realiza os atendimentos para que cesse uma situação
de violência, que apresenta muito mais marcas do que as possíveis utilizadas como
provas em seu corpo, é um indicativo de que os serviços do Recife já estão de
acordo com os princípios apresentados pela Norma Técnica de Padronização dos
Centros de Referência de Atendimento à Mulher, construído pela SPM e lançado
em 2006. Com o objetivo de “cessar a situação de violência vivenciada pela mulher
atendida sem ferir o seu direito à autodeterminação, mas promovendo meios para
que ela fortaleça sua auto-estima e tome decisões relativas à situação de violência
por ela vivenciada” (Secretaria Especial de ..., 2006), os serviços prestados devem
seguir princípios de intervenção, onde entre tantos, encontram-se: 2- Defesa dos Direitos das Mulheres e Responsabilização do agressor e
56
dos serviços;
- Agir contra a violência implica adotar uma posição clara de que não há justificativa para a violência e condenar todos os tipos de violência contra as mulheres, uma vez que adotar uma postura de neutralidade perpetua a violência.
- As mulheres não têm que provar a situação de violência a que foram submetidas. Os profissionais devem ouvi-la, acreditar no seu relato e tratá-las sem preconceito.
- O Centro de Referência deve promover a responsabilização do agressor, por meio de encaminhamento - e monitoramento - do caso para o sistema de segurança pública e de justiça e acompanhamento da mulher em situação de violência nos contatos com esses equipamentos. (Secretaria Especial de ..., 2006, p.16)
4.3- COMO A VIOLÊNCIA SE MANIFESTA EM RECIFE
Os dados do Disque Orientação do Centro de Referência Clarice Lispector
(Recife), referentes ao período de dezembro de 2002 a dezembro de 2005,
informam o recebimento de 20.744 denúncias de violências não letais. No mesmo
intervalo, a Casa Abrigo Sempre Viva acolheu 49 mulheres vítimas de violência e 99
crianças e adolescentes envolvidas em conflito familiar (PERNAMBUCO, 2008).
Diante do quadro acima apresentado, parece natural a resposta dada pela
coordenadora diante do questionamento em relação às formas de manifestação
da violência contra as mulheres em Recife: “de todas as maneiras, infelizmente”.
Segundo ela, têm-se apresentado mulheres com o mais comum, o mais pensado
que é a agressão física, mas também a violência psicológica, a tortura, o cárcere
privado, a privação de liberdade (das mais diversas formas), a violência patrimonial.
A desigualdade entre homens e mulheres também se manifesta do ponto de vista de
classe e raça e a questão econômica, da dependência, da dificuldade de se manter
e reproduzir sua existência e força de trabalho tem refletido muito na manutenção e
perpetuação desse tipo de violência ou mesmo a volta a ele:
Porque a gente sabe que muitas conseguem romper com esse ciclo, mas as condições econômicas, a falta de perspectiva de renda faz com que ela volte pra aquele agressor ou se ligue a um novo agressor. E isso é uma situação muito complicada de trabalhar, porque envolve não só o atendimento direto com a mulher em situação de violência, mas o contexto que é muito mais difícil de ser assegurado. E é aí que a gente acredita na integração dos diversos poderes, não só no municipal, mas estadual e federal, que vai garantir que a gente possa fazer políticas mais afirmativas pra conseguir transformar essa realidade (Juliana César - entrevista).
57
Segundo a coordenadora, uma porcentagem significativa dos homicídios
contra mulheres apresenta ligação direta da vítima com o tráfico de drogas e com
crimes que se enquadram no perfil de violência urbana. Afirma ainda que essa
tem sido uma preocupação atual constante da Coordenadoria, diante do crescente
número de casos que se apresentam nos atendimentos e serviços em que a
situação de violência vem unida à chamada violência urbana. Na maioria dos casos,
trata-se de mulheres que estão ligadas ao tráfico de drogas ou ao crime organizado,
diretamente ou por meio de seus/uas companheiros/as ou alguém próximo/a ou de
sua família. Afirma ela que os serviços têm tido dificuldade de trabalhar esses casos,
pois esses estão estruturados apenas para a violência essencialmente doméstica,
em que a vítima sofre agressão em seu lar e que, diante de seu afastamento,
não existe procura por parte do agressor; e havendo esse risco, contam com
as casas abrigo. Mas o envolvimento com uma rede criminosa, que a procura
normalmente para ‘queima de arquivo’ (a eliminação de quem “sabe demais”, ou
seja, quando esses grupos objetivam assassinar a pessoa por acreditar que ela
possui informações que, se tornadas públicas poderão trazer problemas para a
organização e seu funcionamento), a coloca em situação de vulnerabilidade muito
maior, já que muitas vezes o afastamento da cidade ou do Estado não basta diante
da capilaridade e das diversas articulações existentes nas e entre redes criminosas.
Verificam-se, assim, elementos novos e novas configurações para a violência contra
a mulher, e para os quais não existem políticas organizadas hoje.
Outra demanda específica que tem preocupado a Coordenadoria são as
mulheres em situação de violência que possuem algum tipo de transtorno mental.
Juliana C. relata que essas mulheres demandam uma atenção ou um grau de
atendimento maior que as demais, e até de medicamentos que não são disponíveis
na rede pública de saúde e que inviabilizam seu atendimento, sua presença e
inclusive seu acolhimento em uma casa abrigo. E aí se deparam com o fato de
verificar a situação de risco de morte iminente, ou seja, caso em que seria dado
o encaminhamento a uma casa abrigo mas que, ao mesmo tempo, é verificado o
não enquadramento no perfil ‘das abrigadas’, de forma que ela fique em segurança
naquela casa e que não contribua para a vulnerabilização da segurança das outras
pessoas que estão na casa. Propõe-se, daí, um novo tipo de política: ou casas mais
completas, que possam atender a diversas demandas ou casas especializadas,
58
destinada a esse público. Em Recife tem aparecido casos leves, para os quais
a Coordenadoria tem conseguido achar soluções ou confortá-las na casa em
segurança. Entretanto, Juliana C. alerta que precisam ser ampliados os diversos
mecanismos de proteção das mulheres e que as políticas precisam ser ampliadas, e
que, embora ainda não tenha acontecido nenhum caso grave, os serviços precisam
estar preparados para o dia em que venha a acontecer.
4.4- SERVIÇOS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
O Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as
Mulheres, elaborado pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, divide em cinco
dimensões as ações e serviços que devem integrar a rede de atendimento
e enfrentamento: prevenção, proteção, punição, assistência e produção de
conhecimento.
Com base no exposto, dividimos os serviços prestados pela Coordenadoria
da Mulher do Recife em três eixos, a serem analisados: prevenção, proteção e
assistência.
4.4.1- Na Área da Prevenção
Compreendem-se como prevenção aquelas ações estruturantes, de curto,
médio e longo prazo, capazes de incidir na transformação das mentalidades, a
partir da valorização das diversidades, da promoção da igualdade entre homens e
mulheres e do cultivo da paz, tendo como público principal a sociedade em geral
(PERNAMBUCO, 2007).
Segundo a titular da Coordenadoria, esse tipo de ação é uma das mais
importantes, já que tem como objetivo a própria transformação da sociedade, a
tomada de consciência de que existe o problema e o que pode ser feito diante
de determinadas situações. Ou seja, se a ação não consegue de fato evitar o
ato violento, ela tem o papel importante de instrumentalizar as mulheres para
que a violência seja identificada, como agir diante dela e que serviços procurar.
Nesse sentido, ela afirma que têm sido realizadas “ações de conscientização”,
ações educativas, palestras, seminários, eventos lúdicos como peças teatrais,
59
vídeodebates: uma ‘teia’ de momentos para se discutir a violência utilizando diversas
linguagens e que informa também os serviços disponíveis. Enfatiza a importância
de se ter cuidado em como vai atrair a população para esse debate e como será
facilitada a discussão, pois trata-se de um tema muito evitado, ora porque já é
vivenciado ora por simplesmente não se tratar de um fenômeno agradável.
O município também conta com um Disque-orientação, um serviço que
funciona 24 horas por dia e que oferece serviço telefônico gratuito de orientação.
Observa-se a importância desse tipo de serviço, que permite que a mulher, em
situação de violência, tenha acesso à informação e serviços sem precisar ir ao
Centro de Referência, participar de um atendimento com equipe psicossocial e falar
sobre seu agressor – o que nem sempre parece agradável e confortável.
Uma das maiores ações da Coordenadoria nessa perspectiva é o Bloco
Carnavalesco Nem com uma flor. O Bloco saiu pela primeira vez há oito anos, com
menos de 50 pessoas circulando o prédio da Prefeitura, falando que não deveria
existir mais a violência contra as mulheres. Até 2007 reunia cerca de 1.500 pessoas,
o que já foi um acréscimo considerável. Em 2008, participaram do Bloco uma
média de 5.000 pessoas numa ação lúdica e que divulga intensamente os serviços
prestados, (re)lembrando todo ano durante o carnaval, momento em que as pessoas
procuram só pensar em alegrias, que esse tipo de violência existe, acontece durante
todo o ano, e que, dessa forma, precisa ser enfrentado.
Juliana César acredita que também se previne a violência quando se tem
à disposição das mulheres um Centro de Referência onde elas, necessitando de
informações, ou se sentindo agredidas ou conhecendo alguém que podem receber
essas informações e/ou atendimentos, possam procurar ajuda.
4.4.2- Na Área da Proteção
Como já foi dito, Recife possui esses dois tipos de serviços de atendimento
às mulheres em situação de violência: o Centro de Referência Clarice Lispector e a
Casa Abrigo Sempre Viva (Anexo C).
Segundo as normas técnicas da Secretaria Especial de Mulheres do
Governo Federal, os Centros de Referência são estruturas essenciais do programa
de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa
60
promover a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por
meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social,
jurídico, de orientação e informação). Devem exercer o papel de articuladores
dos serviços organismos governamentais e não-governamentais que integram
a rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social, em
função da violência de gênero. Os serviços desses centros são guiados pelos
seguintes momentos não-lineares: aconselhamento em momentos de crise,
atendimento psicossocial, aconselhamento e acompanhamento jurídico, atividades
de prevenção, qualificação de profissionais, articulação da rede de atendimento local
e levantamento de dados locais sobre a situação da violência contra a mulher.
As Casas de Abrigos são estruturas de caráter provisório e excepcional,
voltadas para proteger as mulheres em risco de vida, oferecendo-lhes acolhimento,
segurança, moradia e atendimento psicossocial, assim como orientação e
informação. Elas devem funcionar em regime integral, de forma sigilosa, e ainda se
articular para garantir às mulheres os serviços básicos durante a sua permanência
(PERNAMBUCO, 2008).
Os casos de violência em que há identificação de uma situação em que
a mulher deve ser abrigada devem ser encaminhados ao Centro de Referência
que, como o nome diz, é o serviço de referência para realizar a triagem. No local,
há uma avaliação do caso e, confirmada a suspeita de que essa mulher deve ser
abrigada, que se enquadra no perfil e existindo a vontade da usuária (e disposição
para atender às regras do espaço, principalmente em relação ao sigilo e à restrição
de ir e vir), é realizado um encaminhamento para a Casa Abrigo, onde é feita mais
uma triagem – dessa vez pela equipe desta instituição. Observados e atendidos os
requisitos, a mulher é abrigada por um período-padrão de 120 dias:
a gente tem 4 meses pra tentar solucionar as demandas que essa mulher gera do ponto de vista jurídico, de segurança, psicossocial, tudo. A gente tenta buscar alternativas para ela, às vezes até em outro estado, se ela tiver uma perspectiva ou até porque não é seguro pra ela estar neste Estado (...) Então, a gente tenta resolver dentro desse período, e se não, fazer uma avaliação do que ainda pode ser feito, é apenas um referencial, é apenas uma medida dos prazos para agir (sic). (Juliana César – entrevista)
Da mesma maneira que entra a mulher, os filhos e filhas de até 12 anos
podem acompanhá-la, de acordo com a necessidade. Ressalta, porém, que a
avaliação é feita “caso-a-caso”, de forma que as regras não se sobreponham aos
61
interesses de proteção e bem-estar da futura abrigada.
Até 2007, o Estado de Pernambuco possuía 3 Casas Abrigos criadas e
administradas pelos seus municípios (Recife, Floresta e Petrolina). Foi feita uma
avaliação contida no Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra as Mulheres:
A municipalização das casas de abrigo apresenta dificuldades do ponto de vista estratégico e operacional, dentre os quais se destacam: tendência à universalização em contraposição ao principio de excepcionalidade que revestem essas estruturas; a ociosidade da capacidade instalada diante de uma limitada demanda por município, que fere o princípio da racionalidade e amplia o isolamento das mulheres; vulnerabilidade quanto ao sigilo; impossibilidade das mulheres encontrarem saídas em outros ambientes para um novo projeto de vida (PERNAMBUCO, 2008, p.21)
O Governo do Estado passou a construir novas estruturas como essas
sob sua responsabilidade, trabalhando para isso com o princípio da articulação e
colaboração entre as diversas esferas do governo. Encontra-se em anexo (Anexo
D) a rede de atendimento às mulheres vítimas de violência até fevereiro de 2007
em Pernambuco, onde também podem ser vista as esferas governamentais
responsáveis pelos respectivos serviços.
4.4.3- Na Área da Assistência
A Prefeitura de Recife conta, desde 2001, com o programa municipal
Nem com uma flor, que determina que toda Secretaria, todo órgão municipal deve
pensar suas ações de modo a contemplar uma maneira de diminuir a desigualdade
entre homens e mulheres. Ressalta-se que este não é da Coordenadoria. Dessa
maneira, podem ser utilizados alguns exemplos: a Secretaria de Saúde fortaleceu
uma gerência de atenção especial que cria unidades específicas de atendimento às
mulheres; a Secretaria de Educação criou um grupo específico para tratar de uma
educação não-discriminatória; a Secretaria de Habitação concede a titularidade da
casa prioritariamente às mulheres.
4.5- MONITORAMENTO DE DADOS
O levantamento de dados da Coordenadoria da Mulher do Recife parte
dos registros das mulheres atendidas no Centro de Referência Clarice Lispector.
62
Tais dados são atualizados todo mês para se identificar o perfil das mesmas. Os
registros não existem ainda informatizados, e servem para tentar identificar se existe
modificação no perfil das usuárias do serviço, ter uma noção de como andam os
atendimentos, fluidez nos serviços psicossociais, e a diversidade dos mesmos. Tem
objetivo também de monitorar a presença das mulheres, que às vezes não têm
condições financeiras para se deslocar e comparecer aos atendimentos (o problema
é uma realidade na maioria dos casos atendidos no Centro). Outra fonte de dados
da Coordenadoria são os fornecidos pelo Observatório da violência do SOS Corpo
–Recife. No Observatório, são produzidos relatórios periódicos que às vezes são
construídos em diálogo com o poder público, como a Secretaria de Defesa Social
– PE (SDS), e a Delegacia de Polícia da Mulher – (DPMUL). Existe ainda o Comitê
de Enfrentamento e Prevenção da Violência, na esfera do governo estadual, que
congrega organismos de políticas para mulheres nas esferas municipais e estaduais,
com objetivo de traçar uma linha de ação de prevenção sobre como reduzir os casos
de violência e tentar melhorar a maneira como os dados são catalogados. O Comitê
também tenta contextualizar os dados existentes, para se ter um panorama melhor
da realidade, utilizando-se de planilhas, discriminando pela natureza da violência
que é atribuída ao caso, e realizando discussões sobre se realmente a classificação
atribuída é a mais adequada. Em termos de articulação, existe ainda no Estado um
grupo que realiza encontros periódicos para trocar experiências entre as gestoras
municipais, fóruns nacional, regional-Nordeste e estadual-PE.
4.6- ARTICULAÇÃO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS
A relação com os movimentos sociais é considerada pela gestora municipal
como bastante salutar. Atribui a criação da Coordenadoria ao movimento de
mulheres, assim como ao movimento de mulheres dentro da política partidária.
Segundo ela, existe uma intersecção dessas mulheres, que, no campo da esquerda,
independente de vinculação partidária, lutam por uma sociedade mais equânime e
democrática: “não vivemos em uma democracia. Um dos exemplos é a desigualdade
entre homens e mulheres”. Declarou também que o movimento de mulheres em
PE se destaca por saber demandar, ser criativo, inovador e aguerrido. Considera
as mulheres do movimento aliadas, companheiras de luta. Monitoram e apontam o
63
norte a ser seguido. “O movimento de mulheres está sempre à frente da realidade
pública, supervisiona e sugere mudanças, dialoga para ver o melhor caminho”.
De acordo com a coordenadora, o movimento de mulheres e a
Coordenadoria constroem ações em conjunto, seminários, palestras, oficinas, para
se discutir como promover a mudança, com objetivo de proporcionar uma vida de
qualidade para as mulheres – “não importa o que você é, gestão ou não. O que
diferencia são as leis que regem.”.
Também destaca as dificuldades burocráticas para realizar ações na
prefeitura, e, nesse sentido, enfatiza a importância da pressão política dos
movimentos. “Temos um caminho a trilhar e o movimento monitora, supervisiona,
para que esses caminhos não fiquem muito longos, mais do que precise”.
Outro ponto também de preocupação para o órgão e que, segundo o
mesmo, precisa ser trabalhado é a imagem da mulher na mídia. Tal temática deve
ser discutida para se desnaturalizar a violência, a “objetificação” da mulher, ou
seja, deixar de pensar isso como questão privada, visto que existe uma concessão
pública e que tal coisa não traz contribuição nenhuma para a sociedade.
4.7- CONSELHO DE DIREITO DA MULHER
O Conselho Municipal da Mulher foi instituído em 2003, como demanda de
conferência. É vinculado à coordenadoria apenas do ponto de vista administrativo.
Não é subordinado, possuindo sua independência política. A coordenadoria participa
representando o governo na coordenação colegiada tripartite, e no funcionamento
tenta, da melhor maneira, estimular para que aconteçam as reuniões, e tentam
propor as pautas de discussão, de acordo com um calendário de eventos. O
conselho constrói pautas de discussão de temáticas como: mulher e mercado de
trabalho, violência, aborto, mulher negra. É composto por:
§Servidoras municipais;
§Sociedade Civil – Mulheres de bairro e mulheres dos movimentos
organizados – entidades gerais;
§Gestora.
64
Cada esfera traz suas demandas e suas propostas de discussão. A
Coordenadoria se integra trazendo as perspectivas do poder municipal, das
ações, e dificuldades que surgem. Trazem demandas de casos que surgem nas
comunidades, da necessidade de aprimoramento e implementação de políticas
públicas, que, levadas ao Conselho, tentam identificar a causa, discutindo com as
representantes de outras secretarias uma solução, ou construindo um movimento
dentro da prefeitura para responder à demanda. A gestão tem posição minoritária,
e possui um bom diálogo com a sociedade civil: “se não houver um diálogo
transparente com a sociedade civil, na hora do voto o governo perde, se não houver
coerência favorável à sociedade, não adianta o embate, perdemos no debate.”
O conselho não possui um fundo municipal porque as mulheres, na época
de sua criação, decidiram não optar pelo fundo para obter financiamento. Tal
decisão foi tomada porque, geralmente quando existe um fundo específico, muitas
vezes toda discussão do Conselho volta-se para os projetos, acontecendo, segundo
Juliana, “uma ingerência de interesses”. Por isso, no Conselho de Direitos da Mulher
do Recife foi preservada a discussão de políticas públicas para as mulheres. A
Coordenadoria tem a função de executar o que o Conselho demanda. A gestão
está aquém de realizar tudo. Segundo a coordenadora, se têm poucos recursos
e as dificuldades são administrativas. O Conselho tem ainda a importante função
de realizar a Conferência Municipal da Mulher. Ele convoca e a Coordenadoria
executa do ponto de vista financeiro. O Conselho estabelece a quantidade de pré-
conferências, como vai se realizar e concebe o formato.
Em junho de 2008 foi realizada a IV Conferência Municipal em que foram
deliberadas ações que devem nortear a gestão até 2010. Essas deliberações estão
reunidas em um Caderno de Diretrizes que contém as propostas debatidas durante
a conferência, e são divididas em seis eixos temáticos. São eles: Educação não-
sexista, não-homofóbica/ não-lesbofóbica, antirracista e laica; Enfrentamento à
Violência contra a Mulher; Controle Social, Gestão e Participação das Mulheres;
Política de Gênero com Igualdade Racial; Gênero, Trabalho e Renda e Equidade de
Gênero na Saúde. As propostas relacionadas ao enfrentamento da violência são as
seguintes:
1- Assegurar em lei a continuidade dos serviços oferecidos pelo Centro Clarice Lispector e pela Casa Abrigo, instituindo concurso público para suas/seus técnicas(os) e mantendo-se a qualidade do atendimento.
65
Fortalecer e ampliar o seu suporte jurídico cível da rede de referência para as mulheres em situação de violência e instalar em todas as RPA’s um Centro de Referência para o atendimento às mulheres em situação de violência, nos moldes do Clarice Lispector, priorizando as RPA’s com maior índice de violência.
2- Ampliar a divulgação permanente de todos os serviços existentes, incluindo os que não são municipais, por meio de campanhas sócio-educativas, nos meios de comunicação de massa e alternativos, nas comunidades e nos serviços públicos.
3- Propor convênio com agências de empregos oferecendo oportunidades às mulheres que sofrem violência, inclusive para àquelas que ainda não tiveram experiência profissional.
4- Ampliar a política de habitação para mulheres chefes de família, com prioridade na destinação de moradia às mulheres em situação de violência, garantindo-lhes a titularidade dos imóveis.
5- Assegurar acessibilidade e segurança aos locais de trabalho das servidoras da Administração Direta e Indireta, com iluminação adequada e presença da guarda municipal durante os turnos de trabalho.
6- Sensibilizar os(as) agentes das delegacias comuns para, em caso de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica, orientá-las e encaminhá-las a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher - DEAM.
7- Ampliar o atendimento às mulheres em situação de violência, garantindo sua inserção em programas de capacitação para desenvolvimento de projetos econômicos, programas de capacitação profissional e geração de trabalho e renda da Prefeitura do Recife, favorecendo oportunidades e acesso a linhas de crédito, inclusive as oferecidas pelo Banco do Povo e convênio com agências de emprego, contemplando também as que não têm experiência profissional, favorecendo assim sua autonomia e elevação da auto-estima.
Como já foi visto, um órgão que executasse políticas para mulheres em
Recife foi criado apenas em 2001. Desde então, foi ampliada de forma significativa
rede de serviços de atendimento às mulheres em situação de violência. com a
criação de um centro de atendimento especializado, uma casa abrigo, ações
educativas e de prevenção. Apesar da importância dessa ampliação, é importante
perceber que a rede ainda não consegue absorver toda a demanda e que as
políticas ainda enfrentam problemas no que concerne ao atendimento de mulheres
que não se enquadram no perfil de violência doméstica.
Sabendo que a formulação de políticas sociais têm como elemento
impulsionador a luta dos movimentos sociais, destaca-se a participação dos
movimentos de mulheres de Pernambuco no processo de reivindicação pela defesa
das mulheres. Durante entrevista, a gestora municipal afirmou manter diálogo
com esses e reconheceu a importância dessa parceria para implementação de
66
tais políticas e, de uma forma geral, para a construção de uma nova forma de
sociabilidade entre homens e mulheres.
A criação da Secretaria Especial da Mulher de Pernambuco em 2007
também pode ser apontada como um avanço para a construção de políticas em todo
o estado. No âmbito da erradicação da violência, a Secretaria Especial conta com
uma Secretaria Executiva de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e elaborou
o Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres.
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se considerar que os objetivos propostos no estudo foram alcançados
ao possibilitar às autoras a apreensão acerca do processo de construção de
políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil, e em
especial em Recife. Pode-se acrescentar ainda a importância do estudo sobre os
elementos que configuram uma sociedade sexista. Esse processo de construção
de conhecimento, no decorrer do trabalho, proporcionou reflexões e novos
questionamentos sobre o tema abordado.
Mediante experiências prévias à elaboração do trabalho, em espaços de
debates dos movimentos de mulheres, foi percebida a participação desses na
discussão sobre as políticas a serem implementadas no município. Após realização
de pesquisa, foi percebida a indispensável atuação do movimento na reivindicação
por políticas públicas de enfrentamento à violência, essenciais também no processo
de reconhecimento do problema enquanto responsabilidade do Estado.
A importância dessas políticas afirmativas de enfrentamento à violência
contra as mulheres se justifica pela necessidade de intervenção numa realidade em
que se configuram problemáticas que demandam respostas imediatas como
espancamentos, torturas, assassinatos, abandono, etc. Apesar de nem todas as
suas expressões deixarem marcas físicas, são igualmente causadoras de dor e
sofrimento e, da mesma forma, impedem as mulheres, em situação de violência, de
terem uma vida saudável e feliz. No entanto, sabe-se que essas precisam ser
acompanhadas de políticas universalizantes, de forma que apresentem soluções
67
efetivas que abarquem a complexidade que envolve o fenômeno. Ressalta-se o
papel das políticas de prevenção que objetivam a mudança de valores que
sustentam uma sociedade machista e reproduz uma cultura de violência.
As leis também representam mecanismos de viabilização de direitos.
Nesse sentido, a Lei Maria da Penha pode ser vista como um grande avanço,
visto que ela traz consigo uma série de ações que visam, além da criminalização,
uma série de serviços integrados e medidas de proteção. Dessa forma tais ações,
se implementadas, podem potencializar o fortalecimento das mulheres para
que possam superar a situação de violência a que estão submetidas. Depois
de sancionada a lei, segundo Balanço de Ações 2005-2007 do Pacto Nacional
de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, até 2007 haviam sido criadas 15
Juizados de Violência Doméstica e Familiar e 32 Varas adaptadas, instrumentos de
defesa até então inexistentes.
Compreende-se que a violência se expressa de várias formas e
atinge diversos segmentos da sociedade: negros/as, índios/as, pessoas com
deficiência, idosos/as, jovens, homossexuais, pessoas em situação de pobreza
e miséria. Considerando que os seres humanos são múltiplos e constituídos de
especificidades, estão vulneráveis a diferentes discriminações. Sendo assim,
percebe-se a relevância do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra
a Mulher, que deve desenvolver políticas públicas direcionadas, prioritariamente,
às mulheres rurais, negras e indígenas em situação de violência, em função da
dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas e em virtude de sua maior
vulnerabilidade social.
Foi apontado pela própria Coordenadoria da Mulher do Recife que os
serviços de atendimento às mulheres não estão preparados para lidar com os
casos em que se observam a violência contra a mulher articulada com outros tipos
de violência, como a urbana, como no caso das mulheres que sofrem violência
doméstica e que estão, ao mesmo tempo, envolvidas de alguma forma com o tráfico
de drogas e/ou crime organizado. Como, da mesma forma, não estão preparados
para atender as mulheres com transtornos mentais. A política de enfrentamento à
violência contra as mulheres precisa ser pensada e executada, tendo como princípio
o atendimento universal às mulheres diante de toda a pluralidade que permeia
esse ‘todo’. O direito de viver sem violência precisa ser garantido e o Estado é
68
responsável pela construção de políticas sociais e precisa estar preparado pra
responder a todo tipo de demandas que as situações de violência contra a mulher
podem causar.
Chamou a atenção das pesquisadoras os pactos e planos formulados no
governo atual se configurarem como política de governo e não de Estado, o que põe
em risco a continuidade da implementação dessas políticas. Ainda nesse sentido,
destaca-se que os recursos destinados à efetivação de tais políticas devem cumprir,
de fato, com sua finalidade.
Para que esse quadro de violência contra as mulheres seja revertido é
necessário que o movimento de resistência, que há muito tempo luta por outra
forma de sociabilidade entre homens e mulheres, continue e seja fortalecido. As
ações iniciadas devem ser monitoradas e avaliadas constantemente para que sejam
garantidas a efetividade e a abrangência das mesmas.
Sobre esse monitoramento, observa-se uma fragilidade na sua realização já
que sua fonte é apenas o Centro de Referência, e que não possui as informações
devidamente informatizadas e sistematizadas. Apesar de também ter acesso aos
dados pesquisados e produzidos por outras instituições, governamentais ou não,
não possui essa produção, sistematização e avaliação como eixo de trabalho da
Coordenadoria. Constata-se que essa deficiência está diretamente ligada aos
limitados recursos humanos e materiais disponíveis, mas, ainda assim, reafirma-
se sua importância, principalmente, para a avaliação sistemática, que deve ser
realizada, da política que está sendo implementada.
Para garantir que essas políticas atinjam seus reais objetivos, é necessário
que o movimento de mulheres continue também no monitoramento, de forma
que essas políticas sejam coerentes com as suas reais necessidades. Para
isso, também considera-se importante que os movimentos agreguem mulheres,
independente de sua organização em movimentos, associações, partidos políticos,
ou seja, impulsionar a participação das mulheres como um todo na discussão e no
enfrentamento à violência.
Apesar da Lei Maria da Penha já afirmar a importância de serviços que
trabalhem numa perspectiva educativa com os/as agressores/as, entende-se que
esses devem ser ampliados e, de fato, implementados, visto que eles/as também
são frutos de uma sociabilidade que normatiza o que é ser homem e o que é ser
69
mulher e que hierarquiza as relações entre eles e elas.
Sem desconsiderar que o Nem com Uma Flor não pertence à
Coordenadoria, acredita-se que esta deve potencializar as ações previstas por
aquele programa, por prever a transversalidade da perspectiva de gênero em todas
as políticas implementadas na cidade e fortalecer a perspectiva de que todas as
políticas públicas devem considerar as especificidades dos homens e das mulheres.
As ações realizadas pelos outros órgãos ainda são muito incipientes e, muita vezes,
realizadas apenas por meio de projetos.
Ressalta-se ainda que tal reflexão proposta pelo estudo é de grande
relevância para o Serviço Social, pois o entendimento da dinâmica dos movimentos
sociais na luta pela construção de políticas públicas, assim como o planejamento,
execução e avaliação dessas, é pertinente para a formação profissional em
consonância com o Projeto ético-político do Serviço Social.
Para finalizar esse trabalho, destaca-se a produção de conhecimento
científico e o estímulo ao debate na academia sobre a temática como mais um
instrumento de enfrentamento à violência. Entretanto, deseja-se que o presente
estudo incite novos questionamentos, uma vez que este não esgota a complexidade
da problemática abordada.
70
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74
ANEXOS
ANEXO A – Violência contra a mulher na América Latina e Caribe,
75
ANEXO B – Instrumentos Internacionais de Defesa dos Direitos das Mulheres 1979-
2001.
Fonte: Cartilha As Mulheres e os Direitos Humanos. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres;
76
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. BRASIL, 2008.
ANEXO C – Panfleto informativo distribuído pela Coordenadoria da Mulher de Recife
em 2007/2008.
77
ANEXO D – Rede de Atendimento às mulheres vítimas de violência até fevereiro de
2007.
Fonte: Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres. Recife, 2007.
78
ANEXO E – Orçamento da SPM destinado ao Enfrentamento à Violência contra às
mulheres.
Fonte: Enfrentamento à violência contra as mulheres – Balanço de ações 2006-2007. Brasília: SPM,
2007.