79
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL HALINA CAVALCANTI GOUVEIA MARIA JACKELINE SANTOS A VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA: POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM RECIFE RECIFE 2009

Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

Citation preview

Page 1: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

HALINA CAVALCANTI GOUVEIAMARIA JACKELINE SANTOS

A VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA:POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM

RECIFE

RECIFE2009

Page 2: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

HALINA CAVALCANTI GOUVEIAMARIA JACKELINE SANTOS

A VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA:POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM

RECIFE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Rosineide Cordeiro

RECIFE2009

Page 3: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

HALINA CAVALCANTI GOUVEIAMARIA JACKELINE SANTOS

SUA VIDA RECOMEÇA QUANDO A VIOLÊNCIA TERMINA:POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM

RECIFE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Rosineide Cordeiro

Aprovada em ____/____/____

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________Profª Dra. Rosineide Cordeiro – Orientadora

_______________________________________________

Nome do Professor (a) de Monografia

_______________________________________________Nome do Professor (a) de Monografia

_______________________________________________

Nome do Professor (a) Convidado (a)

Page 4: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

Às mulheres.

Page 5: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

“A banalização do mal passa por várias fases intermediárias, cada uma das quais depende de uma construção humana. Em outras palavras, não se trata de uma lógica incoercível, mas de um processo que implica responsabilidades. Portanto esse processo pode ser interrompido, controlado, contrabalançado ou dominado por decisões humanas que, evidentemente, também implicariam responsabilidades. A aceleração ou a freagem desse processo depende de nossa vontade e de nossa liberdade. Nosso poder de controle sobre o processo pode pois ser aumentado pelo conhecimento de seu funcionamento.”

(Christophe Dejours)

Page 6: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

RESUMO A partir da década de 1980, o movimento de mulheres no Brasil politiza a histórica violência contra as mulheres ao pressionar a incorporação desta temática na agenda pública. Desde então, essa tem sido uma bandeira levantada pelas mulheres em todos os espaços de discussão e deliberação para a construção de políticas públicas. Já durante o período de redemocratização do país, são implementadas as primeiras políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Apenas em 2001 foi criado um órgão responsável por propor e executar políticas para mulheres em Recife. Objetivou-se com esse estudo a análise da construção e implementação das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres em Recife. Além da pesquisa bibliográfica, foram realizadas entrevista e análise de documentos. Apesar do avanço nos serviços prestados e ações executadas com o surgimento da Coordenadoria da Mulher de Recife, foi observado que o município ainda precisa criar um sistema próprio de monitoramento de dados, efetivar ações de (re)educação para os/as agressores/as, ampliar seus serviços de forma que seja atendida a multiplicidade da demanda e potencializar articulações com outros órgãos municipais, para que políticas universalizantes construídas com a perspectiva de gênero sejam, de fato, implementadas no município, de modo a estabelecer uma outra forma de sociabilidade entre homens e mulheres. Palavras-chave: Violência contra Mulheres. Movimentos Sociais. Políticas públicas sociais.

Page 7: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

ABSTRACT

From the 1980s, the women's movement in Brazil's politicized historic violence against women by pressing the incorporation of this issue on the public agenda. Since then, this has been a banner raised by women in all areas for discussion and deliberation for the construction of public policies. During the country’s re-democratization period, are implemented the first policies to address violence against women. Only in 2001 was created an agency responsible for proposing and executing policies for women in Recife. The objective of this study was the analysis of the construction and implementation of policies to address violence against women in Recife. In addition to the bibliographical research, were carried out interviews and document analysis. Despite the improvement in the services provided and actions performed with the appearance of the Coordination of Women Recife, it was noted that the city still need to create a system data monitoring itself, effect of actions (re) education for male and female aggressors, expand its services so that you attended the multiplicity of demands and strengthen links with other public organizations so that policies universalizing built with a gender perspective are in fact implemented in the municipality in order to establish an alternative form for social relations between men and women Keywords: Violence against women. Social Movements. Social Public Policies.

Page 8: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

LISTA DE SIGLAS

RITLA: Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana

CNT: Confederação Nacional do Transporte

UNIFEM: Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher

NEVUSP: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo

PAISM: Assistência Integral à Saúde da Mulher

CNDM: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

COJE: Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher

DDM: Delegacia de Defesa da Mulher

JECRIM: Juizados Especiais Cíveis e Criminais

SEDIM: Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher

SPM: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres

CIDH: Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CLADEM: Comitê Latino-Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher

CEJIL: Centro pela Justiça e o Direito Internacional

CPP: Código de Processo Penal

PPA: Plano Plurianual

CRAS: Centro de Referência de Assistência Social

VIVA: Vigilância de Violências e Acidentes

SDS: Secretaria de Defesa Social

DPMUL: Delegacia de Polícia da Mulher

Page 9: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO 10

2- A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL 13

2.1- RETRATO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL 13

2.2- TIPOS DE VIOLÊNCIA 16

2.3- DIFERENCIANDO AS VIOLÊNCIAS 18

2.4- O DEBATE TEÓRICO SOBRE VIOLÊNCIA NO BRASIL 23

2.4.1- Gênero e Patriarcado 25

3- POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES 30

3.1- POLÍTICAS PÚBLICAS E GÊNERO 30

3.2- MULHERES EM MOVIMENTO NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA 33

3.3- POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA

AS MULHERES 37

3.3.1- As Delegacias de Defesa da Mulher 37

3.3.2- Os Juizados Especiais Criminais 41

3.3.3- A Lei Maria da Penha 42

3.4- POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A

MULHER 48

3.5- II PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES 49

3.6- PACTO NACIONAL PELO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A

MULHER 51

4- POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

EM RECIFE 53

4.1- CRIAÇÃO DA COORDENADORIA DA MULHER DO RECIFE 53

4.2- COMO A VIOLÊNCIA É ENTENDIDA PELA GESTÃO 55

4.3- COMO A VIOLÊNCIA SE MANIFESTA EM RECIFE 56

4.4- SERVIÇOS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS

Page 10: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

MULHERES 58

4.4.1- Na Área da Prevenção 58

4.4.2- Na Área da Proteção 59

4.4.3- Na Área da Assistência 61

4.5- MONITORAMENTO DE DADOS 61

4.6- ARTICULAÇÃO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS 62

4.7- CONSELHO DE DIREITO DA MULHER 63

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS 66

REFERÊNCIAS 70

ANEXOS 74

Page 11: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

10

1- INTRODUÇÃO

A violência contra as mulheres foi definida, no âmbito da Convenção para

Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – aprovada em 1994 pela

Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, e ratificada pelo Estado

Brasileiro em 1995 -, “como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que

cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público

como no privado”. O ciclo dessa violência, que também, se denomina violência de

gênero, estende-se da privação, humilhação, maus-tratos à morte, passando pelo

estupro e pelo tráfico de seres humanos.

A violência contra as mulheres se configura como uma problemática que

atinge a população independente de raça/etnia, classe social, orientação sexual.

Valores advindos do sistema patriarcal se (re)produzem e se reconfiguram de

acordo com a dinâmica da sociedade e do momento histórico em que está inserida,

resultando também em novas formas de violência.

A temática da violência contra mulher alcançou espaço na sociedade e na

agenda pública impulsionada por forte pressão, principalmente, do movimento de

mulheres. Um forte movimento internacional também foi de fundamental importância.

E, nesse sentido, ressaltam-se os vários tratados e acordos em defesa dos direitos

das mulheres, ao qual o Estado brasileiro aderiu e/ou ratificou. A partir da década de

1980, observa-se o início da construção de políticas que visavam o enfrentamento a

essa problemática no Brasil.

Apesar dos primeiros serviços de enfrentamento a esse tipo de violência

terem começado a surgir durante a redemocratização, apenas em fins da década de

1990 se iniciam a criação de órgãos públicos responsáveis, especificamente, pelas

políticas para mulheres no país, assim como o primeiro Plano Nacional de Políticas

para Mulheres, que foi construído apenas em 2004.

A Coordenadoria da Mulher do Recife foi o primeiro órgão do município

criado para propor e executar política para as mulheres, surgindo apenas em

2001. É nesse sentido que o presente estudo tem como objetivo central analisar as

políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres desenvolvidas em Recife-

PE.

A violência contra as mulheres, enquanto problema hoje reconhecido

Page 12: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

11

publicamente como tal, é objeto de diversos estudos e políticas públicas. No entanto,

essa discussão não pode ser esgotada, pois uma vez que se trata de uma questão

cultural não será resolvida de imediato. Atualmente, mulheres ainda são mortas e

violentadas de diversas maneiras.

O interesse pela temática surgiu primeiramente por entendermos que,

enquanto mulheres, estamos inseridas na dinâmica de uma sociedade que constrói

relações desiguais de gênero e que fortalece valores que resultam em diversos tipos

de violência. Também partiu do reconhecimento das pesquisadoras como sujeitos

do processo de enfrentamento a essa realidade, na construção de uma outra forma

de sociabilidade entre homens e mulheres, em que as diferenças existentes entre

esses/as não sejam utilizadas como base para as desigualdades. Ainda foi de

fundamental importância a aproximação com alguns movimentos de mulheres e a

participação em espaços de discussões e leituras referentes à temática.

Para a realização desse trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica sobre a

temática para embasamento, comparação e fortalecimento de argumentos. Optou-

se pela realização de uma entrevista semi-estruturada com a Coordenadora Geral

da Coordenadoria da Mulher de Recife para melhor identificação das políticas

implementadas no município e para apreensão de elementos que fundamentassem

as análises sobre estas. Também foi feita uma análise de documentos, tais como o

Plano Nacional de Políticas para Mulheres, o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à

Violência contra a Mulher (assim como seu Balanço de Ações referente ao período

de 2005-2007) e o Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

Contra as Mulheres do Estado de Pernambuco.

O trabalho foi divido em três capítulos:

§No primeiro capítulo, buscou-se compreender o fenômeno da violência

contra a mulher: conceito, tipos, diversas expressões. Nesse momento,

apresentou-se também, de forma breve, o debate teórico acerca dessa

temática.

§No segundo, foram abordadas a incorporação do tema pelos movimentos

de mulheres bem como a luta pela construção de políticas. Nesse ponto

também foram tratadas as políticas de enfrentamento implementadas no

Brasil a partir da década de 1980 até hoje, assim como o debate acerca

das políticas sociais e a incorporação do debate de gênero por essas.

Page 13: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

12

§Por último, foi realizada uma análise das políticas de enfrentamento à

violência contra as mulheres em Recife. Enfatizou-se o órgão que as

executa e como este tem trabalhado com as demandas apresentadas.

Page 14: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

13

2- A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL

É preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas, para que o corpo se levante e se disponha a lutar. (Rubem Alves)

As mudanças no panorama econômico e cultural ocorridas no Brasil, desde

o século XIX até depois da Primeira Guerra Mundial, foram responsáveis também

pela alteração entre a forma de se relacionar entre homens e mulheres. Muitas

dessas alterações se confrontavam com os costumes patriarcais e resultaram em

questionamentos em relação ao casamento e o excesso de poder dos homens sobre

suas esposas. Blay (2003) afirma que a primeira vez no Brasil em que foi publicizada

a violência contra as mulheres foi entre a década de 1920 e 1930, quando os

chamados crimes passionais já eram alarmantes.

Um forte movimento pela defesa da vida das mulheres e pela punição dos

agressores voltou a ocorrer na década de 1970 em torno do lema: “quem ama não

mata”. Pela segunda vez na história brasileira, repudiava-se publicamente que

o amor justificasse o crime. A partir de então, a violência contra as mulheres se

configurou em uma das principais bandeiras dos diversos movimentos de mulheres

(BLAY, 2003).

Esse primeiro capítulo foi dividido em duas partes, essenciais para o estudo

e compreensão do fenômeno da violência contra a mulher. Na primeira, abordou-

se seu conceito, tipos e suas diversas expressões. Na segunda, foi feita uma breve

exposição do debate teórico sobre violência contra a mulher, utilizando como

principal referência a autora Heleieth Saffioti.

2.1- RETRATO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL

O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008, divulgado pela Rede

de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA) e pelo governo, mostra

que, embora o índice de assassinatos no Brasil ainda seja alto, houve queda nos

números de 2004 a 2006. Segundo a pesquisa, foram mortas 50.980 pessoas em

2003. Em 2004, o número caiu para 48.374, indo para 47.578 em 2005 e 46.660 em

Page 15: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

14

2006. O estudo mostra ainda que 556 cidades - ou cerca 10% do total de municípios

brasileiros - concentraram 73,3% dos assassinatos no Brasil em 2006. As cidades

com as mais altas taxas médias de homicídios do país, levando-se em conta o

número de mortes e o tamanho da população, foram, respectivamente, Coronel

Sapucaia (MS), Colniza (MT), Itanhangá (MT) e Serra (ES). Recife está em nono

lugar (90,5) e é a primeira capital da lista.

Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte

(CNT) em 2007, para nove em cada dez brasileiros a violência aumentou no Brasil

nos últimos anos. Dos 2 mil entrevistados, 90,9% consideram que a violência

aumentou no país, enquanto 5,2% disseram que não aumentou. A pesquisa

ouviu moradores de 136 municípios de 24 estados.

Observando a realidade vivenciada diariamente pelos(as) brasileiros(as)

a partir desses dados e entendendo a violência como ruptura de qualquer forma

de integridade da vítima – física, psíquica, sexual e moral –, não nos resta dúvida

de que vivemos numa sociedade marcada pela violência de diversas naturezas e

praticada por distintos atores, considerando, para isso, as diversas modalidades de

violação de direitos.

Entre tantas, tem-se a histórica e milenar violência cometida contra as

mulheres, presente desde a formação das mais antigas organizações societárias

até hoje, e que tem se reproduzido e perpetuado, ganhando características e

especificidades a cada momento histórico e diferentes culturas. Importante perceber

que atinge as mulheres, independente de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade,

orientação social ou classe social.

A violência contra mulher encontra “justificativa” em normas sociais

baseadas nas relações desiguais de gênero que reforçam uma valorização

diferenciada para as representações do masculino e do feminino. Essas normas

têm se sustentado com o apoio de diversas instituições como o Estado, a mídia, a

religião, a escola, a família. O que muda de país para país são as razões alegadas

para aprovar esse tipo de violência.

Diversos estudos realizados na década de 90 revelaram, por exemplo, que

no Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Venezuela, Israel e Cingapura é comum

que a violência seja aprovada quando ocorre a infidelidade feminina; já no Egito,

Nicarágua e Nova Zelândia, a mulher deve ser punida quando não cuida da casa e

Page 16: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

15

dos filhos; a recusa da mulher em ter relações sexuais é motivo de violência nesses

países e também em Gana e Israel. Por fim, a desobediência de uma mulher ao seu

marido justifica a violência em países como Egito, Índia e Israel.1

É preciso perceber que essas justificativas se referem àqueles valores

mais enraizados e aceitos em determinada cultura. A violência cometida contra as

mulheres tem sido realizada de diversas maneiras e justificada por razões inúmeras.

Pesquisa realizada pela Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações

Unidas para a Mulher) em 1999 mostrou que em algum momento de suas vidas,

metade das latino-americanas é vítima de alguma violência. Alguns dados e

números, e expressões dessa violência na América Latina podem ser vistos no

Anexo A.

É inegável a diferença que existe entre homens e mulheres. No entanto,

toda diferença deve ser encarada como enriquecedora pela oportunidade de

compartilhar vivências diversificadas, de conhecer a natureza sobre diferentes

aspectos e pela oportunidade de ver e sentir o mundo e as relações nele inseridas,

por meio das mais variadas perspectivas.

Mas há aspectos que precisam ser mais bem analisados. Um deles é a

tendência de justificar a desigualdade com as diferenças. Confunde-se a diferença,

que é conceito de natureza filosófica e biológica, à igualdade, que é político. Para

Saffioti (2004), habitualmente à diferença contrapõe-se a igualdade, quando na

verdade ‘o par’ desta é a desigualdade. A autora ainda ressalta que as diferenças,

assim como as identidades, são primordiais numa sociedade multicultural e

essenciais para a construção de uma sociedade democrática de fato. Queiroz (2008)

concorda com a autora, e (re)afirma:

As diferenças transformadas em desigualdades, constituem a causa das várias expressões do poder dos homens sobre as mulheres, sendo, ao nosso ver, a violência exercida contra as mulheres, a expressão mais cruel deste poder (QUEIROZ, 2008, p. 33).

Outro aspecto consiste na reflexão a partir dos seguintes pontos: quem

define a diferença? Quem é considerada diferente? O que significa ser diferente?

Esses questionamentos são fundamentais para se perceber a lógica patriarcal que

tenta transformar em natural as mais diversas construções sociais que sustentam

1 Fonte: Dossiê Violência contra a Mulher, 2001.

Page 17: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

16

esse sistema de dominação e a partir de que instrumentos isso é viabilizado.

Daí, ganham importância significativa os diversos mecanismos normatizadores e

padronizadores da nossa cultura.

2.2- TIPOS DE VIOLÊNCIA

Em pesquisa realizada em 2001, pelo Núcleo de Opinião Pública da

Fundação Perseu Abramo, intitulada A mulher brasileira nos espaços público e

privado, observou-se que a cada 15 segundos uma mulher é espancada por um

homem no Brasil e que uma em cada cinco brasileiras declara espontaneamente já

ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem. O Núcleo de Estudos da

Violência da Universidade de São Paulo (NEVUSP-2007) informa que Pernambuco

está classificado entre os cinco estados de maior incidência no número de

homicídios de mulheres.

A violência contra as mulheres foi definida, no âmbito da Convenção para

Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – aprovada em 1994 pela

Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, e ratificada pelo Estado

Brasileiro em 1995 -, “como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que

cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público

como no privado”, que abrange a violência tanto ocorrida no âmbito da família ou

unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quanto a ocorrida na

comunidade e cometida por qualquer pessoa, até a perpetrada ou tolerada pelo

Estado ou seus agentes.

Na tentativa de dar conta da complexidade e das múltiplas expressões da

violência sofrida pelas mulheres, a Lei 11.340/06, a conhecida Lei Maria da Penha,

define, dessa forma, as distintas formas de violência praticada contra as mulheres:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Page 18: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

17

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006, Capitulo II, Artigo 7)

Ainda podemos acrescentar a essa tipificação a violência institucional,

fruto das desigualdades predominantes em uma determinada sociedade, que se

incorpora à cultura hegemônica em instituições como os serviços públicos, a mídia

e empresas privadas (REDE NACIONAL FEMINISTA..., 2001) e é muitas vezes

materializada justamente nesses já citados tipos de violência.

Deve-se chamar atenção também à violência que é cometida diariamente, a

partir da nossa linguagem. A linguagem é uma das mediações entre o indivíduo e a

sociedade, por meio da qual este se expressa, se relaciona, se posiciona e mostra

o que pensa para o coletivo, refletindo, dessa forma, representações, ideologias,

valores, crenças (FIORIN, 2003). Ela tem sido praticada não só pela mídia, como

muito já se tem denunciado, mas a partir de nossas escritas, músicas, conversas,

representações, de forma muito sutil, como se pode observar em definições

retiradas do dicionário:

Mulher = 1. Ser humano do sexo feminino. 2. Esse mesmo ser após a puberdade. 3.Esposa

Homem = 1. Qualquer indivíduo da espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva; o ser humano. 2. A espécie humana; a humanidade. 3. Ser humano do sexo masculino; varão 4. O homem na idade adulta. 5.Adolescente que atingiu a virilidade. (FERREIRA, 2000)

A ilustração acima dos conteúdos do dicionário da língua portuguesa

aparentemente não demonstra nenhuma questão a ser discutida. Se pensarmos

no significado das palavras homem e mulher utilizado no cotidiano da população

Page 19: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

18

brasileira, esse de forma alguma contrasta ao posto pelo autor no referido dicionário.

No entanto, uma análise mais atenta pode suscitar questionamentos em relação

aos termos utilizados nas definições, considerando que os significados fazem

parte e são concretizados nas relações sociais. Pode-se perceber que para os

homens são utilizados sinônimos que os colocam autônomos e em posição de

prestígio, visto que, termos como viril e varão são definidos pelo próprio autor como

enérgico, vigoroso, homem adulto ou respeitável respectivamente. Opondo-se a

tais significados, a definição de mulher, bem menos criteriosa por sinal, apresenta a

mesma como esposa, ou seja, papel que desempenha quando casada. Tal acepção

deixa evidente a instalação da mulher em status não autônomo, já que a definição

de esposa, segundo o mesmo autor, revela a mulher em relação ao homem.

O exemplo citado deixa explicito que as mulheres ficam aquém dos homens,

inclusive nas esferas oficiais. As idéias sobre o ser mulher e o ser homem, criadas

socialmente e defendidas pelo dicionário e engendradas2 na sociedade em geral,

resultam em uma série de desigualdades entre os sexos.

2.3- DIFERENCIANDO AS VIOLÊNCIAS

Saffioti (2004) ressalta que há ainda grande confusão entre violência de

gênero e violência contra a mulher, sendo utilizadas muitas vezes como sinônimos.

Confundidos também são os conceitos de violência doméstica e intrafamiliar. Apesar

de aqui se fazer uma tentativa de mostrar as particularidades de cada prática, tendo

em vista que é de extrema importância para se ter clareza do objeto em discussão,

é importante ter ciência de que muitas vezes um tipo de violência pode estar

acompanhado do outro, como muitas vezes está, e que apesar de apresentarem

características específicas, circulam num emaranhado de práticas discriminatórias e

sexistas.

Enquanto a violência contra as mulheres consiste numa prática muito antiga

como expressão e fruto de um sistema de dominação, que tem muito claro a quem

se destina sua prática, a violência de gênero pode ser vista como a categoria mais

geral. Para melhor compreensão, é preciso considerar gênero independente de

2 O vocábulo gendrado, oriundo de gender (palavra inglesa para gênero), tem sido utilizado por feministas, na falta de um adjetivo correspondente ao substantivo gênero. Trata-se de um neologismo ainda não dicionarizado. Pode-se falar em corpo gendrado para designar o corpo formatado segundo as normas do ser homem ou do ser mulher.

Page 20: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

19

a quem pertença a primazia: aos homens ou às mulheres, ou seja, ampliar este

conceito para as relações homem-homem e mulher-mulher. “A disputa por uma

fêmea/um macho pode levar dois homens à violência, e o mesmo pode ocorrer entre

duas mulheres, e como se trata de relações regidas pela gramática sexual, devem

ser vistas como violência de gênero” (SAFFIOTI, 2004, p. 70-71).

Nas relações entre homens e entre mulheres, a desigualdade de gênero não é dada, mas pode ser construída, e o é, com freqüência. O fato, porém, de não ser dada previamente ao estabelecimento da relação a diferencia da relação homem-mulher. Isto não significa que uma relação de violência entre dois homens ou entre duas mulheres não possa figurar sob a rubrica de violência de gênero. (SAFFIOTI, 2004, p. 71).

A violência familiar, como indica o nome, é a que envolve membros de

uma mesma família3 extensa ou nuclear, levando-se em conta a consaguinidade

e a afinidade. Já a violência doméstica atinge não só as pessoas que pertencem à

família, mas àquelas também que vivem parcialmente ou integralmente no domicílio

do agressor:

Estabelecido o domínio de um território, o chefe, via de regra um homem, passa a reinar quase incondicionalmente sobre seus demais ocupantes. O processo de territorialização do domínio não é puramente geográfico, mas também simbólico (SAFFIOTI, 2004, p. 72).

Também se faz importante refletir que a violência não se restringe

unicamente ao uso da força física, como meio para se chegar a um fim, mas também

a possibilidade ou ameaça de usá-la, o que nos remete ao conceito de poder,

quando se observa a tentativa de imposição de controle, vontade, desejo ou projeto

de um sujeito sobre o outro.

Entendendo que as relações sociais, sejam elas da natureza que for, estão

permeadas por uma rede de poderes, e que a grande parte dos agressores são

pessoas ligadas afetivamente às vítimas, se podem destacar ainda dois aspectos

essenciais para a compreensão da violência contra as mulheres. O primeiro deles

consiste em observar mais uma característica da violência, que é o que Bourdieu

(1999) denomina de violência simbólica e que é por ele definida como:

Violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento,

3Compreendida aqui como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, de acordo com Artigo 5º, II e Parágrafo único da Lei 11.340/2006.

Page 21: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

20

do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento (BOURDIEU,1999,p. 7-8).

É a partir desse tipo de ação “sutil” que tantas situações ditas como

intoleráveis são tidas como aceitáveis; quando não, naturalizadas e perpetuadas a

milhares de anos, ou seja, é a partir desse tipo de violência que grande parte das

mulheres ainda sente dificuldade em se sentirem violentadas ou acreditam que ‘é

assim que sempre foi e assim deve ser’ e aceitam viver em relações permeadas

pelos mais diversos tipos de violência, tendo diversos direitos negados, inclusive, e

não raro, o direito à vida.

O outro aspecto, que está fortemente ligado ao anterior, está vinculado à

relação afetiva com agressor. Os dados e pesquisas têm apontado para a violência

doméstica e intrafamiliar como as mais frequentes modalidades de violência contra

as mulheres. Segundo a Secretaria de Defesa Social do Governo de Pernambuco,

215 mulheres foram assassinadas até 24 de setembro de 2007 e desse universo,

cerca de 95% dos crimes foram praticados por homens. Dentre esses, 50%

eram maridos, namorados, ex-namorados, companheiros e ex-companheiros. O

sentimento que liga o agressor à vítima faz com que muitas vezes esta, apesar de

se reconhecer como tal, não queira se separar ou ver aquela pessoa punida de

alguma forma, e/ou ainda acredita que ele ‘mudará’.

É nesse sentido que hoje se pode identificar o chamado ciclo da violência

doméstica, que ajuda a melhor compreender como as mulheres tornam-se

vitimizadas, como caem no desamparo e porque se torna difícil escapar da violência,

ou não raro, querer sair dela. Soares (2005) assim o explica:

1º FASE: A Construção da Tensão no Relacionamento

Nessa fase podem ocorrer incidentes menores, como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objetos etc. Nesse período de duração indefinida, a mulher geralmente tenta acalmar seu agressor, mostrando-se dócil, prestativa, capaz de antecipar cada um de seus caprichos ou buscando sair do seu caminho. Ela acredita que pode fazer algo para impedir que a raiva dele se torne cada vez maior. Sente-se responsável pelos atos do marido ou companheiro e pensa que se fizer as coisas corretamente os incidentes podem terminar. Se ele explode, ela assume a culpa. Ela nega sua própria raiva e tenta se convencer de que “... talvez ele esteja mesmo cansado ou bebendo demais”.

2º FASE: A Explosão da Violência – Descontrole e Destruição

A segunda fase é marcada por agressões agudas, quando a tensão atinge seu ponto máximo e acontecem os ataques mais graves. A relação se

Page 22: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

21

torna inadministrável e tudo se transforma em descontrole e destruição. Algumas vezes a mulher percebe a aproximação da segunda fase e acaba provocando os incidentes violentos, por não suportar mais o medo, a raiva e a ansiedade. A experiência já lhe ensinou, por outro lado, que essa é a fase mais curta e que será seguida pela fase 3, da lua-de-mel.

3º FASE: A Lua-de-Mel – Arrependimento do(a) Agressor(a)

Terminado o período da violência física, o agressor demonstra remorso e medo de perder a companheira. Ele pode prometer qualquer coisa, implorar por perdão, comprar presentes para a parceira e demonstrar efusivamente sua culpa e sua paixão. Jura que jamais voltará a agir de forma violenta. Ele será novamente o homem por quem um dia ela se apaixonou. (SOARES, 2005,p. 23-25)

Soma-se ainda a essa complexa relação que envolve afeto e violência,

que resulta muitas vezes na não-denúncia e aceitação, a dicotomia criada entre

o público e o privado, que aprisionou durante muitos anos (apesar de não sem

resistência), e ainda tem aprisionado as mulheres no âmbito doméstico-privado,

vivendo em função de sua família, enquanto os homens transitam livremente

entre as duas. A significativa dependência econômica das mulheres em relação a

seus companheiros, advinda desse tipo de relação, também tem se configurado

como grande impedimento à denúncia. Deve-se acrescentar, ainda, o ideal do

amor romântico disseminado no século XIX, que pressupõe uma divisão sexual de

afetos e emoções, cabendo à mulher o papel de manter afetivamente o casamento

(QUEIROZ, 2008).

Assim, quando se adere a esse modelo explicativo, torna-se muito difícil para as mulheres decidirem consciente e livremente por uma separação, que é vivida em muitos casos como um erro individual e mais do que isto, como uma falha que atinge a própria identidade de gênero, pois culturalmente, cabe à mulher, manter emocionalmente a família em qualquer situação. (QUEIROZ, 2008, p. 42).

Apesar das muitas transformações ocorridas nas relações sociais a partir

da reorganização do mundo do trabalho e das intensas lutas feministas e sociais

resultarem em significativas conquistas para as mulheres (tanto no âmbito das

mudanças culturais quanto legais), muitos valores típicos de uma sociedade

patriarcal insistem em persistir, acompanhados, dessa forma, de diversas formas de

violência contra as mulheres e violação de seus direitos.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, realizada em 2004,

mostrou que um terço das mulheres (33%) admite já ter sido vítima, em algum

momento de sua vida, de alguma forma de violência física (24% de ameaças com

Page 23: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

22

armas ao cerceamento do direito de ir e vir, de 22% de agressões propriamente

ditas e 13% de estupro conjugal ou abuso), 27% sofreram violências psíquicas e

11% afirmam já ter sofrido assédio sexual. Mas ainda um pouco mais da metade das

mulheres brasileiras declara nunca ter sofrido qualquer tipo de violência por parte de

algum homem (57%).

Observa-se a partir daí a própria dificuldade das mulheres em se

perceberem violentadas. Podem ser apontados como elementos que impedem

uma emancipação desses sujeitos, a ‘sutileza’ e a ‘não-materialidade’ imediata de

muitas das violências e ainda o persistente e contínuo processo de naturalização

da inferioridade feminina que são reforçados cotidianamente. Com esse elemento,

para Saffioti (2006) torna-se inviável o uso apenas do conceito de violência como

ruptura da integridade da vítima, pois esta se dá na avaliação da vítima, situando-se

no terreno da individualidade. A não-identificação da violência cometida vai implicar

diretamente na ausência de denúncias, que inviabiliza a apreensão da abrangência

real do fenômeno da violência contra as mulheres e suas características, que, por

sua vez, prejudica a construção de políticas específicas para essa população, assim

como a realização de uma ação de caráter não só punitivo, mas também educativo

para os agressores.

Diante disso, Saffioti (2006) propõe a mudança da definição de violência

como ruptura de integridades, considerando a subjetividade que envolve a

percepção da vítima sobre a violência sofrida, para a concepção de violação dos

direitos humanos:

Isto equivale a dizer que a violência, entendida desta forma, não encontra lugar ontológico (se não existe uma percepção unânime da violência, cada socius definindo-a como ruptura de integridades, uma vez que não há ciência do individual). Fundamentalmente por esta razão, prefere-se trabalhar com o conceito de direitos humanos, entendo-se por violência todo agenciamento capaz de violá-los. (SAFFIOTI, 2004, p.75-76)

A violência contra mulher, enquanto problemática que não se explica por

si mesma, possui alicerces em normas e valores socioculturais que se reproduzem

nas relações diárias entre os sexos. Dessa forma, sendo expressão de uma

ordem patriarcal de gênero, considera-se imprescindível que seja abordada nesse

momento uma discussão em torno dos conceitos gênero e patriarcado, para a

devida fundamentação dos argumentos já elencados.

Page 24: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

23

2.4- O DEBATE TEÓRICO SOBRE VIOLÊNCIA NO BRASIL

A partir da década de 1970, com a denúncia das feministas norte-

americanas a respeito das violências sexuais, foi publicizada a questão específica

da violência histórica sofrida pelas mulheres. Dankwort (1988)4, após intensa

pesquisa, identificou quatro correntes que norteavam esses debates. A primeira

delas é identificada como corrente psicanalítica da agressão que centra seus

estudos nos problemas psicológicos dos agressores. A segunda, a teoria da

aprendizagem social e dos papéis do sexo, afirma que a violência masculina não é

um fator de natureza biológica, mas produto da aprendizagem masculina que produz

stress e uma imagem negativa de si mesmo. A terceira, chamada de perspectiva

sociocultural considera a violência como um sintoma de disfunção das interações

de um sistema, mas não critica o sistema de desigualdade que permeia as relações

sociais nem leva em conta o sexo social da pessoa violenta (QUEIROZ, 2008). A

última, em que se inclui esse trabalho, a perspectiva feminista:

A análise feminista insiste sobre o fato de que, em nossa sociedade sexista e patriarcal, as mulheres são as vítimas preferenciais da violência conjugal e que os homens são os seus autores. Criticam as teorias que enfatizam as mulheres como sedutoras e provocantes e reafirmam a opressão de sexo relacionando-as com as de classe e raça. Essa perspectiva critica as análises centradas sobre a vitimização das mulheres e sobre a patologia do comportamento masculino, reforçando o patriarcado como eixo explicativo de todas as formas de subordinação do gênero feminino. (QUEIROZ, 2008, p. 28).

Sobre as diversas perspectivas, Saffioti (2002) afirma que realmente existe

uma feminista, construída ao longo das lutas das mulheres por uma sociedade

menos injusta. No entanto, a mesma é traduzida por diversos modelos e essa

compreensão é de fundamental importância para não homogeneizar uma realidade

diferenciada.

A perspectiva feminista toma o gênero como categoria histórica, portanto substantiva, e também como categoria analítica, por conseguinte, adjetiva. Não existe um modelo de análise feminista. Rigorosamente, o único consenso existente sobre o conceito de gênero reside no fato de que se trata de uma modelagem social, estatisticamente, mas não necessariamente, referida ao sexo. Vale dizer que o gênero pode ser

4 Autor que se autoqualifica de “pro-feminista” e que desenvolve um trabalho de tratamento e ajuda aos homens violentos na periferia de Montreal, no Canadá.

Page 25: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

24

construído independentemente do sexo. O consenso, entretanto, termina aí. (SAFFIOTTI, 2002, p.15)

No Brasil, segundo Suárez e Bandeira (2002), já na fase final do regime

militar os movimentos de mulheres integraram o espaço público onde se realizavam

críticas ao totalitarismo e onde se articulavam as propostas democráticas. O

discurso feminista e de outros movimentos de mulheres baseava-se na crítica à

violência contra mulher, sem deixar de enfatizar a violência estatal. Denunciava a

violência sofrida pelas mulheres em seus lares e em outros espaços públicos. Após

o declínio da ditadura, continuou a marcar a política feminista a denúncia das formas

de violência, que ganhava visibilidade se tornando assunto incluído no diálogo

entre os diversos setores da sociedade e as diversas instituições do Estado. De

acordo com as autoras, a politização da temática também influenciou as ciências

humanas e estimulou a crítica teórica às explicações socioestruturais clássicas e

uma reflexão sobre a violência, gestada nos conflitos interpessoais e enraizada na

sociedade. As pesquisas se orientaram no sentido de perceber a violência como

fenômeno substantivo e plural, sendo suas diversas expressões nomeadas de

acordo com seus vários usos, como: violência contra mulher, violência de gênero,

violência doméstica, violência sexual, violência conjugal, violência familiar, violência

no trabalho, violência nos serviços públicos, violência verbal e simbólica, entre

outras. Nomeando as violências, o pensamento feminista objetivou a disseminação

da temática nos mais diversos espaços sociais e também desfazer sua invisibilidade

(SUÁREZ; BANDEIRA, 2002).

Discorrendo sobre as diversas correntes que se constituíram como

referências aos estudos realizados no Brasil sobre essa temática, a partir da

década de 1980, Santos e Izumino (2005) identificam três: a primeira corrente

teórica identificada pelas autoras corresponde ao famoso artigo de Marilena

Chauí, intitulado "Participando do Debate sobre Mulher e Violência". Para elas,

Chauí concebe violência contra as mulheres como resultado de uma ideologia de

dominação masculina que é produzida e reproduzida tanto por homens como por

mulheres. Argumenta ainda que as mulheres são cúmplices da violência, mas que

esta não se baseia em uma escolha ou vontade, já que a subjetividade feminina

passa a ser destituída de autonomia. A segunda é representada principalmente pela

socióloga Heleieth Saffioti por meio da perspectiva de patriarcado:

Page 26: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

25

o patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno econômico. (SAFFIOTI, 1985, p. 50).

Diferente de Chauí, para a autora, as mulheres se submetem à violência

não porque consintam, elas são forçadas a ceder porque não têm poder suficiente

para consentir. Já a terceira corrente teórica relativiza a perspectiva dominação-

vitimização. O principal trabalho que exemplifica essa corrente é de Maria Filomena

Gregori, publicado no início dos anos 1990 sob o título Cenas e Queixas. Esta

autora entende que a perspectiva da dominação não oferece uma alternativa para

a vitimização da mulher e procura analisar o fenômeno da violência conjugal como

uma forma de comunicação em que homens e mulheres conferem significado às

suas práticas. Trata, dessa forma, a violência conjugal mais como um jogo relacional

do que de uma luta de poder.

Nesse trabalho, será adotada a segunda perspectiva apontada pelas

autoras. Essa perspectiva, denominada de patriarcal, considera a violência contra

as mulheres resultante de uma relação de dominação-exploração das mulheres

pelos homens. É importante destacar ainda que apesar dessa linha teórica ser

fundamentada no conceito de patriarcado, ela não desconsidera as relações de

gênero como constitutivas de relações desiguais entre mulheres e homens que

resultam, muitas vezes, em violência. A seguir, uma breve exposição dos conceitos

que fundamentam essa perspectiva.

2.4.1- Gênero e Patriarcado

Segundo Saffioti (2004), cada feminista enfatiza determinado aspecto

do gênero havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a

construção social do masculino e do feminino. A elaboração social do sexo não deve

gerar a dicotomia entre sexo e gênero, um situado na biologia, outro na cultura, uma

vez que não existe uma sexualidade biológica independente do contexto social em

que é exercida.

Page 27: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

26

A saber:

O conceito de gênero não explicita necessariamente desigualdades entre homens e mulheres. Muitas vezes, a hierarquia é apenas presumida. Há, porém feministas que vêem a referida hierarquia, independente do período histórico com o qual lidam. Aí reside o grande problema teórico, impedindo uma interlocução adequada e esclarecedora entre as adeptas do conceito de patriarcado, as fanáticas pelo de gênero e as que trabalham, considerando a história como processo. (SAFFIOTI, 2004, p. 45).

Dessa forma, a autora admite a utilização do conceito de gênero para toda a

história como categoria geral, e o conceito de patriarcado como categoria específica

de determinado período, ou seja, para os seis ou sete milênios mais recentes da

história da humanidade. Ao discorrer sobre a interpretação do caráter relacional

do gênero, a socióloga indaga que essa vertente deixa a desejar, pois ao entender

gênero como exclusivamente social inevitavelmente cai no essencialismo social

(SAFFIOTI, 1989). O ser humano, enquanto ser uno e indivisível, deve ser visto

como uma totalidade, logo, dever ser considerada a função do corpo. Um exemplo

são as mulheres que nunca sofreram violência física ou sexual, mas que tiveram

roupas e objetos pessoais inutilizados, manifestando posteriormente no corpo às

feridas da alma.

Sobre patriarcado, de acordo com Queiroz (2008), desde a década de 70

diversas feministas vem produzindo conhecimentos nos estudos sobre mulher,

utilizando esse conceito. Etimologicamente, esse termo vem da combinação das

palavras gregas pater (pai) e archie (comando) e designa uma formação social onde

os homens detêm o poder. O patriarcado, em sua explicação mais breve, consiste

no regime de dominação-exploração das mulheres pelos homens, e tradicionalmente

justificou a ausência de poder das mulheres por suas diferenças anatômicas e

fisiológicas.

Como vimos no início do texto o conceito de gênero é amplo e não inclui

desigualdades e poder como necessários. Sendo assim, gênero deixa aberta a

possibilidade do vetor da dominação-exploração. Partindo desses pressupostos,

entende-se a importância da utilização do conceito de patriarcado concomitante ao

de gênero, para que se marque a presença da dominação masculina na correlação

de forças entre os gêneros. Desta forma, o patriarcado é um caso específico de

relações de gênero (SAFFIOTI, 2004).

Para Queiroz (2008), o poder patriarcal apresenta duas expressões: a da

Page 28: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

27

potência e a da impotência. A primeira diz respeito às mulheres, visto que, desde

crianças, são geralmente socializadas para conviverem com a fraqueza; os homens,

ao contrário, são preparados para o poder e a vida pública e são sempre vinculados

à força. Nesse sentido, como fica expresso em muitas atitudes, os homens mantêm

relação de conflito com a impotência. Algumas pesquisadoras que trabalham

com violência sustentam a hipótese de que é na vivência com a impotência que

alguns homens praticam violência (Comissão Parlamentar..., 1990). Ainda nesta

direção, outra hipótese pode ser formulada: que a violência doméstica aumenta

em função do desemprego. Deve-se salientar que este não é o causador, e, sim, a

sociabilidade diferenciada entre homens e mulheres. Mas a falta de emprego pode

potencializar tais práticas, visto que o papel de provedor da família ainda é uma

característica que define o “ser homem” em nossa sociedade. Ao perder o status

de provedores podem sentir sua virilidade fragilizada sendo subvertida a lógica

hierárquica, doméstica e cultural (QUEIROZ, 2008).

Nesse sentido, podemos considerar o patriarcado como uma estrutura de

poder que se institucionaliza na família, sendo reforçado na sociedade e legitimado

pelo Estado. Assim, por meio da violência de gênero a autoridade dos homens é

conservada perpetrando, dessa forma, o controle das mulheres.

Assim como o termo gênero, patriarcado também incita debates e

divergências nas produções sobre mulheres. De acordo com Queiroz (2008), as

feministas francesas levantam objeções em relação ao termo, e questionam a

sua generalidade, situam o tempo e a localização do uso do termo patriarcado,

afirmando que este não é um conceito proveitoso na contemporaneidade. Em

contraponto a essa visão, Saffioti (2004) enfatiza que é indispensável o reforço da

dimensão histórica da dominação masculina, para que se compreenda o patriarcado,

isso porque na base da ideia de a-historicidade do patriarcado mora a negação

da historicidade do fato social. Levando em consideração essa questão, explica

ainda que não se possa aceitar a hipótese de sociedades matriarcais, nem prévias

às patriarcas nem a estas posteriores, por falta de comprovação histórica. Há

evidências, sobretudo arqueológicas, de que existiu outra ordem de gênero, distinta

da mantida pela dominação masculina. A socióloga define que no sistema patriarcal,

as mulheres são reprodutoras de herdeiro, de novas reprodutoras, de força de

trabalho e objeto de satisfação sexual dos homens. Diferente dos homens, enquanto

Page 29: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

28

categoria social, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação

de serviços sexuais a seus dominadores. A soma e mistura dessa dominação e

exploração é entendida como opressão. Saffioti (2004) reitera que a base material

do patriarcado não foi destruída, como defende algumas feministas. Se na Roma

antiga o patriarca tinha direito de vida e morte sobre sua mulher, hoje o homicídio

é considerado crime no Código Penal Brasileiro. Mesmo assim, vários assassinos

continuam impunes, enquanto as estatísticas mostram um número absurdo de

mulheres assassinadas. Mesmo reconhecendo os avanços na área profissional, na

representação nos parlamentos e demais postos políticos, a exploração chega a

ponto de os salários médios das trabalhadoras brasileiras serem cerca de 64% dos

rendimentos médios dos trabalhadores brasileiros (IBGE, 2002). Sendo assim, a

dominação–exploração constitui um único fenômeno apresentando duas faces, ou

seja:

[...]a base econômica do patriarcado não consiste apenas na intensa discriminação salarial das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua marginalização de importantes papéis econômicos e político-deliberativos, mas também no controle de sua sexualidade e, por conseguinte, de sua capacidade reprodutiva. Seja para induzir as mulheres a ter grande números de filhos, seja para convencê-las a controlar a quantidade de nascimentos e o espaço de tempo entre os filhos, o controle está sempre em mãos masculinas, embora elementos femininos possam intermediar e mesmo implementar estes projetos (SAFFIOTI, 2004, p. 106).

Diante do exposto, e com a preocupação de que as discussões sobre as

relações de gênero e o sistema patriarcal não se tornem fundamentos para reforçar

a pretensa inexistência de autonomia por parte das mesmas, é importante salientar

que o fato de o patriarcado ser um pacto entre os homens, não significa que a ele

as mulheres não oponham resistência. “Sempre que há relações de dominação-

exploração, há resistência, há luta, há conflitos, que se expressam pela vingança,

pela sabotagem, pelo boicote ou pela luta de classes” (SAFFIOTI, 2004).

Muito se trabalhou em relação às diversas construções sobre os conceitos

de gênero e patriarcado. Entende-se que é de fundamental importância diferenciar

tais conceitos para compreendermos melhor os fenômenos materializados nas

relações sociais. Apesar de seus significados muitas vezes se cruzarem, vê-se que

possuem representações distintas na dinâmica da sociedade.

A utilização do conceito de gênero é bastante significativa para as

discussões em torno das diversas manifestações de poder entre homens e mulheres

Page 30: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

29

e para desconstrução dos modelos socialmente instituídos para os sexos. No

entanto, sabemos que este não abarca a real complexidade que envolve a história

de dominação das mulheres pelos homens. Por isso, compreende-se que o debate

da violência contra mulher não deve ser substituído pela violência de gênero,

visto que este vem encobrir e relativizar a natureza da violência que permeia essa

relação. Sabe-se que os ideais do ser homem e ser mulher limitam a construção de

subjetividades, singularidades e cerceiam a liberdade de todos os seres humanos.

No entanto, é evidente que historicamente as relações sociais foram baseadas em

um sistema guiado por valores machistas que se de início contava só com a força,

hoje conta com aparatos simbólicos e legais que perpetuam a violência contra

mulheres.

É necessário, ainda, que se esclareça que não se trata de nenhum processo

de vitimização das mulheres. Pelo contrário, trata-se de desmistificar a naturalização

da pretensa superioridade masculina e contribuir para percepção das mulheres

enquanto sujeitos históricos e autônomos em busca de uma nova sociabilidade

baseada na igualdade entre homens e mulheres.

Page 31: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

30

3- POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES

As leis não bastam... os lírios não nascem das leis. (Carlos Drummond de Andrade)

Diante das diversas violências cometidas contra mulheres, já expostas no

capítulo anterior, o movimento de mulheres, no processo de redemocratização do

país, passa a reivindicar a intervenção do Estado no que se refere ao enfrentamento

dessa problemática.

Nesse capítulo, abordar-se-ão a forma como se deram as reivindicações

e o processo de construção de tais políticas que estão sendo implementadas pelo

Estado brasileiro desde a década de 1980. Para essa discussão serão referendadas

as seguintes autoras: Cecília MacDowell Santos, Marta F. S. Farah, Mireya Suárez ,

Lourdes Bandeira, Simone G. Diniz, Eva Blay.

3.1- POLÍTICAS PÚBLICAS E GÊNERO

Desde o final dos anos 1970, ocorreram importantes transformações nas

relações entre Estado e sociedade no Brasil, sob impacto de dois condicionantes

principais: a democratização e a crise fiscal. Farah (2004) aponta que na evolução

da agenda de reforma do Estado brasileiro, que vem se processando e que foi

construída com a participação de diversos atores a partir da década de 1970, podem

ser identificados dois momentos principais. No primeiro, observa-se a necessidade

de democratizar e ampliar a participação dos sujeitos envolvidos, assim como

das informações acerca dos processos decisórios e dos resultados das políticas

públicas, ao mesmo tempo em que se buscava a ampliação dos/as beneficiários/as

das políticas públicas. Assim, as propostas se centravam, basicamente, em torno da

descentralização e da participação da sociedade civil.

Já nesse primeiro momento, as mulheres e a temática do gênero estiveram

presentes. Inicialmente, pela própria presença expressiva das mulheres nos

movimentos sociais urbanos e em torno da (re)democratização, que enquanto

denunciavam as desigualdades de classe, também levantavam questões específicas

Page 32: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

31

à condição da mulher (violência contra as mulheres, creche, sexualidade e

contracepção, etc.). A temática também se fez presente mediante o movimento

feminista (diferente de um movimento com participação de mulheres), que apontava

as desigualdades de gênero como uma questão específica a ser superada por um

regime democrático.

E a partir da pressão desses movimentos, surgiram na década de 1980 as

primeiras políticas com recorte de gênero. Em 1983, são criados o Programa de

Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) ligado ao Ministério da Saúde, que

contemplava o planejamento familiar, a sexualidade e o aborto em casos de estupro

e risco de vida; e o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina no estado

de São Paulo. Neste estado, também foi criada a primeira Delegacia de Polícia de

Defesa da Mulher, em 1985.

No governo de José Sarney (PMDB, 1985-1989), foi criado em 1985, o

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), primeiro órgão do Estado

Brasileiro (ligado ao Ministério da Justiça) a tratar especificamente dos direitos

das mulheres. A exemplo dos conselhos estaduais, o CNDM era uma instância

de participação, cabendo-lhe formular propostas de políticas para as mulheres.

Este teve um papel importante na promoção de políticas para mulheres e no lobby

feminista conhecido como “lobby do batom”, organizadas em torno da bandeira

Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher, o qual conseguiu incluir 80 %

das reivindicações feministas na nova Constituição de 1988 (SANTOS, 2008) e que

foram apresentadas ao Congresso sob o título Carta das Mulheres Brasileiras.5

Suárez e Bandeira (2002) chamam à atenção o fato de que o

estabelecimento dessas novas instituições repercute positivamente no plano dos

direitos democráticos e da cidadania, já que sinalizam a expressividade política que

o movimento de mulheres adquiriu para interagir com as instituições do Estado e

incluir suas demandas nas agendas governamentais.

O segundo momento, apontado por Farah (2004), foi marcado pelo impacto

5Santos (2008) assinala que, no âmbito federal, o CNDM perdeu o seu vigor inicial a partir do governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992), que minou o acesso das feministas à administração. Em 1990, Collor nomeou para integrar o CNDM mulheres que não tinham qualquer representatividade feminista. Decretou o fim da autonomia administrativa e financeira do CNDM, reduzindo os seus 159 funcionários a uma direção executiva de uma funcionária e uma assistente. Os conselhos estaduais dos direitos das mulheres chegaram inclusive a declarar publicamente o seu rompimento com o CNDM (Santos, 2005: 225). Os governos seguintes de Itamar Franco (PMDB, 1992-1993) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-2002) não se empenharam em revigorar o CNDM e não promoveram políticas públicas significativas para a promoção dos direitos das mulheres.

Page 33: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

32

da crise do Estado e de sua capacidade de investimento, em fins da década

de 1980, em uma conjuntura marcada pela globalização e pela reestruturação

produtiva. A partir daí, elementos como eficiência, eficácia e efetividade da ação

estatal são acrescentadas à já citada agenda de reformas e esta passa a se

estruturar a partir de quatro elementos:

a) descentralização, vista como uma estratégia de democratização, mas também como forma de garantir o uso mais eficiente de recursos públicos;

b) estabelecimento de prioridades de ação (focalização ou seletividade), devido às urgentes demandas associadas à crise e ao processo de ajuste;

c) novas formas de articulação entre Estado e sociedade civil, incluindo a democratização dos processos decisórios, mas também a participação de organizações da sociedade civil e do setor privado na provisão de serviços públicos;

d) novas formas de gestão das políticas públicas e instituições governamentais, de forma a garantir maior eficiência e efetividade à ação estatal. (FARAH, 2004, pg. 52)

Nesse momento, se observa uma grande tensão entre a ‘eficiência’ e

a ‘democratização dos processos decisórios e do acesso aos serviços públicos’.

Faz-se importante observar que não havia se tornado mais complexa apenas

a ‘agenda de reformas,’ e sim as relações sociais como um todo, e, dessa forma,

as relações entre a sociedade civil (e assim os movimentos sociais) e o Estado.

Começa a ser observada uma divergência interna entre os movimentos, dentre

os quais o de mulheres e o feminista não se eximiram: enquanto alguns grupos

entendiam que era preciso ocupar espaços governamentais, outros acreditavam

que a autonomia do movimento deveria ser preservada. Este último ‘grupo’,

em geral, acabou se transformando em organizações não-governamentais e,

progressivamente, muitas acabaram dialogando com o Estado, propondo diretrizes

para a construção de políticas públicas.

Farah (2004, p. 54-56) aponta que, mais recentemente, “fortaleceu-se a

tendência de formulação de propostas de políticas públicas, passando esse espaço

a se constituir em espaço privilegiado na luta pela superação da desigualdade

entre homens e mulheres na sociedade brasileira”. E em meio a essas propostas,

encontram-se não só a demanda pela inclusão das mulheres como beneficiárias

das políticas, mas também a reivindicação pela sua inclusão entre os atores que as

formulam, implementam e controlam.

Page 34: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

33

A mesma ainda aponta a necessidade de se dar maior atenção à questão

da focalização das políticas que, segundo ela, incide diretamente sobre a questão

de gênero. Isso porque se identifica uma tendência de considerar as mulheres,

e mais especificamente as mulheres pobres, como um dos segmentos mais

vulneráveis da população, a partir do ‘fenômeno da feminização da pobreza’, que

tem sido objeto de diversos estudos recentes, justificada, assim, a promoção de

políticas ‘focalizadas’.

A proposta de focalização (targeting women) baseia-se no argumento de que esta garantirá maior eficiência às políticas de combate à pobreza: a atenção privilegiada às mulheres – seja por seu papel na família, seja por sua presença decisiva nos assuntos ligados à moradia e ao bairro, seja ainda pela presença significativa de mulheres entre a população pobre – terá impacto na sociedade como um todo6. (FARAH, 2004, p. 55).

Farah (2004) alerta, ainda, que em princípio, se na construção da política

ou do programa, se dedica atenção privilegiada às mulheres ou, ainda, se as

têm como público específico, ocorre focalização. Mas é preciso diferenciar as

propostas que têm como princípio a eficiência do gasto, como a proposta pelo Banco

Mundial, das elaboradas pelos movimentos de mulheres no Brasil. Nesta, enfatiza-

se a necessidade de inclusão de um grupo que até então parecia invisível nos

espaços de cidadania, o que pede, pelo menos num primeiro momento, políticas

específicas para esse grupo ou que dê atenção especial quando se tratar de uma

política mais abrangente. Ou seja, observa-se, então, uma divergência no que

trata do foco das mulheres nas políticas públicas: de um lado, a mulher vista com

a ‘função’ potencializadora e instrumento de desenvolvimento, e de outro, a ênfase

na constituição da mulher como sujeito de direitos (FARAH, 2004).

3.2- MULHERES EM MOVIMENTO NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

No Brasil, o assassinato de mulheres era legítimo antes da República. O

Código Criminal de 1830 abrandava o homicídio quando havia a prática de adultério.

Em 1916, o Código Civil foi alterado e o adultério foi considerado razão de desquite

para ambos os cônjuges. No entanto, a alteração da lei não modificou o costume de

matar a esposa ou companheira (BLAY, 2003).

6 Ver documento publicado pelo Banco Mundial intitulado Toward Gender Equality (THE WORLD BANK, 1997).

Page 35: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

34

Depois da Primeira Guerra Mundial, o cenário econômico e cultural do

Brasil mudou. Com a industrialização e a urbanização, o cotidiano, principalmente,

das mulheres foi alterado. Elas passaram gradativamente a ocupar espaços

públicos, trabalhando fora de casa, estudando. Tais mudanças trouxeram

posturas diferenciadas por parte das mesmas que, ao entrarem em contato com

comportamentos e valores de outros países, passaram a confrontá-los com os

costumes patriarcais vigentes. Já em meados das décadas de 1920/1930, o

casamento foi bastante questionado e discutido no Brasil. As mulheres de classe

média e alta, com acesso ao trabalho remunerado e à educação, passaram a

protestar contra a “tirania dos homens” no matrimônio. Os chamados crimes

passionais constituíam grave problema para algumas feministas, que, juntamente

a alguns Promotores Públicos, estes objetivando a defesa da família e não

exatamente das mulheres, pretendiam coibir tais crimes tolerados pela sociedade e

justiça (BLAY, 2003).

Na década de 1970, os movimentos pela defesa da vida das mulheres e

punição dos assassinos foram potencializados, em 1976, quando Ângela Diniz foi

assassinada pelo seu companheiro Doca Street, de quem desejava se separar.

Sua libertação fortaleceu um forte movimento das mulheres que se organizaram

utilizando o lema “Quem ama não mata”.

Diniz (2006) declara que na passagem da década de 19

rentamento ............................................................................XXXXXXXXX70 para a

1980, as mulheres, em alguns movimentos em São Paulo como o Nós Mulheres,

Brasil Mulher, e 8 de março, participavam de passeatas e protestavam contra o

homicídio de mulheres. A reunião de esforços entre os movimentos resultou na

criação do SOS Mulher em São Paulo, Centro de Defesa da Mulher em Campinas e

no Rio de Janeiro. Essas entidades eram autônomas e objetivavam atender as

mulheres vítimas de violência com serviços voluntários que incluíam psicólogas e

advogadas, grupos de reflexão sobre violência e promoviam o debate nos meios de

comunicação, utilizando o slogan “Quem ama não mata”. Dessa forma, as

feministas, ainda no contexto da ditadura militar, acreditavam que deviam atender as

mulheres vítimas de violência e promover reflexão sobre a condição feminina, de

início sem incorporação pelo Estado. Segundo a mesma autora, nessa época os

principais questionamentos feministas eram o fato de a violência conjugal ser um

Page 36: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

35

assunto das mulheres (e homens) pobres, negras ou ignorantes, de

famílias “desestruturadas”. Para desconstruir tal pensamento as mesmas

enfatizavam casos de violência como o de um conhecido professor universitário

contra a esposa. Outro ponto de crítica e reflexão por parte do movimento foi o da

absolvição dos assassinos de mulheres sob alegação de que teriam agido em

legítima defesa da honra.

Ainda de acordo com Diniz (2006), o movimento de mulheres no Brasil

elegeu duas estratégias. Primeiro, adotou a ação direta, e em seguida, a

reivindicação de políticas públicas. Como exemplo de movimentos que partiram

da ação direta nos casos de violência, a autora cita o SOS de SP e Campinas e

o Fórum de Mulheres de Pernambuco. Para ela, o atendimento individual ou em

grupo, a afirmação do direito de viver sem violência, o trabalho interdisciplinar e em

redes de serviços, a democratização das informações ditas técnicas como, legais,

assistenciais, médicas, entre outras, foram inovações dos grupos de mulheres

posteriormente incorporados pelos governos e academia. Muitos desses projetos

foram potencializados por meio de parcerias com a academia e serviços, como

é o caso do CEPIA, no RJ, do SOS Corpo, em Recife, e do Coletivo Feminista

Sexualidade e Saúde, em SP.

O tema da violência como objeto de políticas públicas esteve presente

nos documentos do movimento de mulheres em importantes momentos da

política no país. Na década de 1990, o movimento de mulheres contra a violência

se reestruturou, o que trouxe a necessidade de uma articulação nacional e

internacional. Surge então, nessa mesma década, a Rede Feminista Latino-

Americana e do Caribe Contra a Violência Doméstica e Sexual. A Rede foi criada

no Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em San Bernado, Argentina.

Em 1992, aconteceu em Olinda (PE) o primeiro encontro da Rede. No evento, as

divergências do movimento foram explicitadas, como o posicionamento da rede em

relação à violência racial (DINIZ, 2006).

Diniz (2006) acrescenta que esse ponto, assim como outros, resultaram

em uma divisão entre as participantes, tendo as brasileiras defendido o combate ao

racismo como central na luta contra a violência, posição que não predominou, mas

que ficou como um marco do compromisso do movimento brasileiro ao enfrentar o

tema do racismo. Fato também importante na mesma época foi a criação da Rede

Page 37: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

36

Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Essa Rede cresceu em articulação e se

institucionalizou ganhando espaço junto à mídia, Estado e outros setores. Destaca-

se nesse contexto, também, as ações das ONG, que atuavam na área de saúde da

mulher e alcançaram bastante interlocução como movimento feminista.

No entanto, a rede de violência não prosperou por divergências internas.

Apesar disso, a violência continuou na agenda feminista no Brasil. A década

de 1990 ainda se caracterizou por apresentar um amplo movimento global de

mulheres, que influenciou acordos institucionais. Tais acordos tinham como objetivo

o compromisso com a igualdade social e de gênero. Dentre eles, destacam-se as

Conferências de Viena, Cairo e Pequim, a Convenção do Pará, e outros.

Quando as primeiras propostas de respostas à violência foram articuladas,

houve esforços do movimento para substituir a idéia inicial de ação direta por

políticas públicas e por leis, com o objetivo de incutir no Estado e instituições os

saberes instituídos na academia e espaços de formação feminista.

O resultado das políticas será sempre um embate entre o que foi proposto e o que é possível. A lista de criações nesse embate é extensa e mostra uma grande capacidade de interlocução feminista com o Estado – tensa, instável, menos ou mais produtiva. Inclui delegacias, abrigos, centros de referência, redes de serviços, programas de treinamento, mudanças na legislação e no judiciário, etc., além de compromissos políticos os mais diversos. (DINIZ, 2006, p.25-26)

Para a mesma autora, o papel do movimento, no entanto, não era só o de

propor políticas, mas também o de fazer avançar os limites conceituais e práticos

para a implementação das mesmas, sendo coerentes com as reais necessidades

das mulheres.

Percebe-se, então, que o movimento de mulheres feminista no Brasil

historicamente vem adotando práticas diferenciadas para o enfrentamento da

violência contra mulher. De início, acreditando nas ações diretas, tais movimentos

construíram modelos de atenção às mulheres, posteriormente adotados pelos

governos. A reivindicação mediante formas de expressões diferenciadas, a

luta por políticas públicas de combate à violência foram imprescindíveis para o

reconhecimento, por parte do Estado, da problemática como questão pública e

não de ordem privada, como foi sustentado por muito tempo no país. Sendo assim,

destaca-se a indispensável contribuição dos movimentos de mulheres para que as

ações públicas de enfrentamento à violência continuem a existir, coerentes com

Page 38: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

37

as necessidades das mulheres que diariamente sentem no corpo e na alma as

consequências da dominação masculina que perpassa as relações entre os sexos.

3.3- POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS

MULHERES

Como já foi assinalado ao longo do trabalho, a partir da década de 1980

o movimento de mulheres no Brasil se organizou mais fortemente em torno da

questão da violência cometida contra às mulheres. Gera-se, a partir daí, uma

politização não só desse eixo de luta, mas também das diversas temáticas relativas

às mulheres. Essa movimentação gerou respostas do Estado, que passava pela

redemocratização e buscava criar novas instituições para afirmar a construção

de um Estado de Direito democrático, a partir dessa mesma década, e mais

profundamente a partir da década de 1990, quando se observou uma absorção

maior do discurso feminista em toda a América Latina.

Santos (2008) identifica três momentos7 relativos às respostas dadas pelo

Estado Brasileiro em relação ao enfrentamento à violência contra as mulheres.

Esses momentos também serão utilizados aqui como parâmetro de análise para

o processo de institucionalização das demandas feministas nesta área. São eles:

a criação das delegacias da mulher, em meados dos anos 1980; em seguida, o

surgimento dos Juizados Especiais Criminais, em meados dos anos 1990; e por

último, a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha.

3.3.1- As Delegacias de Defesa da Mulher

O governo de Franco Montoro (1982 a1985 – MDB), em São Paulo, foi

pioneiro na criação da primeira instituição de atendimento às mulheres em situação

de violência, como o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher

(COJE), em 1983. E em 1985, foi responsável também pela primeira Delegacia de

7 A autora destaca que a noção de momentos utilizada por ela é a mesma proposta por Antônio Gramsci, que indica a convergência de diversas forças políticas, econômicas e ideológicas que tornam possível a emergência de determinadas práticas sociais e políticas; e que, dessa forma, sinalizam processos de ondas, quebras e ritmos dos fluxos e refluxos das políticas públicas.

Page 39: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

38

Defesa da Mulher (DDM)8 do Brasil.

Embora a mídia e os próprios funcionários do Estado acreditassem que a

ideia de sua criação fosse fruto de pressão do movimento de mulheres, e apesar

da sua participação na construção do decreto que a criava, a proposta foi de Michel

Temer, então Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que afirmou

que a ideia surgiu a partir de denúncias de feministas sobre o funcionamento das

delegacias comuns, em relação ao machismo, e da possibilidade de existir um

plantão social específico para esse público e, também a partir do surgimento de

outras delegacias especializadas que haviam sido criadas no governo de Montoro

desde 1984 (SANTOS, 2008). Vale salientar que essa versão acerca do surgimento

das DDM não é a única, e que autoras como Camargo (1998) defendem que elas

surgem a partir de demandas do movimento de mulheres.

No que diz respeito às atribuições da primeira DDM, caberia a esta

investigar “delitos contra a pessoa do sexo feminino”. A competência desta nova

delegacia restringia-se aos crimes definidos na Parte Especial do Código Penal

brasileiro que incluíam, dentre outros, lesão corporal, constrangimento ilegal,

ameaça, estupro e atentado violento ao pudor. Homicídio e dano não faziam parte

da competência das delegacias da mulher até 1996 – alegava-se que já havia

uma delegacia especializada nesse tipo de crime. Em 1989, ampliou-se também a

competência das DDM, com a inclusão dos crimes contra a honra, tais como calúnia,

injúria e difamação, e o crime de abandono material (SANTOS, 2008).

Essa primeira delegacia atendeu de imediato um grande número de

mulheres, o que confirmou que o problema, de fato, existia. Após a criação da

primeira, outros movimentos de outros estados começaram a reivindicar em seus

respectivos locais de atuação, a criação de DDM como parte integrante de uma

política pública específica de enfrentamento à violência contra as mulheres. E logo

após esta experiência, novas DDM foram criadas tanto no estado de São Paulo,

quanto em todo o Brasil (SANTOS; IZUMINO, 2008).

Segundo Santos (2008, p.10), o processo de negociação mostra que

o Estado de fato absorveu parcialmente as propostas feministas e traduziu-as

8 A denominação das delegacias da mulher não é uniforme em todo o país. No Rio de Janeiro, por exemplo, são denominadas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher. No Rio Grande do Norte, são chamadas de Delegacias Especializadas em Defesa da Mulher. Ver Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (2001).

Page 40: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

39

em uma política pública na área da justiça criminal. Mas essa tradução também

significou “uma traição”, na medida em que restringiu à criminalização a abordagem

feminista que sempre exigiu integralidade dos serviços de atendimento às mulheres

em situação de violência e que exigia a institucionalização da capacitação das

funcionárias da DDM a partir da perspectiva feminista ou de gênero, já que era

consenso entre o movimento que só o fato de ser mulher não faria com que as

delegadas tratassem com respeito e solidariedade as mulheres em situação de

violência.

As lutas feministas defrontam-se, assim, com o grande desafio de não permitir tal restrição do tratamento de um problema que as próprias feministas demonstraram ser complexo e multidimensional. Ao mesmo tempo, as feministas vêem-se forçadas a enfatizar a criminalização como um recurso discursivo simbólico de ameaça e de conscientização social para evitar a trivialização de um problema que só recentemente passou a ser reconhecido como um verdadeiro problema social, político e jurídico. (SANTOS, 2008, pg. 3)

Por outro lado, Suárez e Bandeira (2002) apontam que a criação dessas

delegacias representou não só um ganho político, mas também uma possibilidade

de conscientização de cidadania, tendo papel destacado na luta das mulheres por

sua emancipação, direito e cidadania.

Apesar de suas imperfeições, as Deams são instituições governamentais resultantes da constituição de um espaço público, onde se articulou o discurso relativo aos direitos das mulheres de receberem um tratamento eqüitativo quando se encontram em situações de violências denunciadas. Diferentemente das outras delegacias, as Deams, evitam empregar métodos de condutas violentas, promovendo a negociação das partes em conflito. A grande particularidade dessas instituições policiais é admitirem a mediação como um recurso eficaz e legítimo. Nesse sentido, não é demais lembrar que a prática da mediação é crescentemente considerada um recurso valioso na administração dos conflitos interpessoais, na medida em que diminui o risco de os conflitos administrados terem desdobramentos violentos (SUÁREZ; BANDEIRA, 2002).

A importância dada pelas autoras à mediação na resolução de conflitos

no caso de violência contra as mulheres será, posteriormente, bastante discutida

pelo movimento que exigirá ações e penalizações mais severas diante das ‘penas

brandas ou leves’ sentenciadas pelos Juizados Especiais. Durante muito tempo

as delegacias serão as únicas políticas públicas para coibir a violência contra

as mulheres, configurando-se num local onde deve e pode ser denunciada.

Salienta-se que muitas dificuldades são enfrentadas, como a resistência de muitas

policiais em trabalhar nestas e a falta de uma capacitação sistemática, e de acordo

Page 41: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

40

com a complexidade e a especificidade do ‘objeto em questão’ para as que lá

trabalhassem, ou seja, a presença de “recursos humanos precários, destreinados ou

desinteressados em relação ao entendimento da dimensão cultural e do significado

simbólico dos conflitos interpessoais” (SUÁREZ; BANDEIRA, 2002), somadas ao

falta de uma infraestrutura adequada.

A década de 1990 é apontada como marco do ‘desencantamento’ do

movimento de mulheres com as delegacias. A insistência na capacitação das

policiais foi sempre recebida com muita resistência por parte dos governos

estaduais9, e, assim, sua atenção começa a ser deslocada para outros serviços não-

criminais no atendimento às mulheres em situação de violência, como as casas-

abrigo (SANTOS; IZUMINO, 2008).

Apesar dessas dificuldades apontadas, tendo ciência de que muitas outras

permeiam o funcionamento e a efetividade dessa política, Suárez e Bandeira (2002)

apontam que essas “vêm cumprindo um papel fundamental na ritualística jurídico-

legal”. Santos (2008) acrescenta que apesar de toda precariedade, as delegacias se

multiplicam em todo o país desde 1985 e que seu número ainda é superior aos

outros serviços, posteriormente criados, de atendimento a mulheres em situação de

violência, constituindo-se ainda como a principal política de enfrentamento à

violência contra as mulheres.

Pesquisa realizada por Santos e Izumino (2008) demonstrou que em 1993

existiam 125 delegacias da mulher. Em 2001, o CNDM mencionava 307 unidades, e

sete anos depois foram contabilizadas 403 delegacias da mulher. Relatam ainda que

em todas as capitais e o Distrito Federal possuem pelo menos uma unidade dessas

delegacias, mas que sua distribuição é bastante desigual no território nacional.

Menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacia da mulher; 11% estão

situadas nas capitais; 49% estão situadas na região Sudeste (que concentra 43% da

população feminina); 32% estão localizadas no estado de São Paulo (que concentra

22% da população feminina).

3.3.2- Os Juizados Especiais Criminais

9 As delegacias da mulher, assim como as outras delegacias, são subordinadas à Delegacia Geral de Civil de cada estado, ou órgão semelhante, responsável pela administração de toda a corporação, o que inclui a distribuição de recursos material, humano e financeiro. Seu funcionamento e Polícia organização são feitos através de leis e decretos estaduais que definem sua infra-estrutura, recursos humanos e atribuições. Apenas três estados (São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) possuem um órgão especial de assessoria e coordenação das delegacias da mulher.

Page 42: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

41

Em 26 de setembro de 1995 foram criados, por lei federal, os Juizados

Especiais Cíveis e Criminais (JECRIM), com o objetivo de informalizar a justiça

e torná-la mais célere e eficiente: “O processo orientar-se-á pelos critérios da

oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando,

sempre que possível, a conciliação ou a transação.” (BRASIL, 1995, Art. 2º).

Os JECRIM foram também idealizados para substituir penas repressivas

por penas alternativas no caso de “infrações de menor potencial ofensivo”. Embora

não tenham sido pensados para lidar com o problema da violência contra as

mulheres especificamente, sua criação trouxe uma série de consequências para o

funcionamento das DDM, que perderam o papel de investigação e de mediação de

conflitos que compõe a grande maioria das queixas.

A Lei 9.099/95 recebeu várias críticas por parte de militantes feministas,

pesquisadores e policiais. Campos (2001)10, por exemplo, examina os JECRIM

como um espaço de resignificação das penas, onde ocorre uma “recriminalização”

da violência contra mulheres, com efeitos de trivialização do problema. Melo (2000)11

e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher12 apontam que, no JECRIM, os juízes

em geral são do sexo masculino e não recebem treinamento especializado para lidar

com a problemática específica da violência contra mulheres. A conciliação é utilizada

como um fim, não como um meio de solução do litígio (SANTOS, 2008).

Santos (2008) acrescenta que autoras/es como Debert (2006)13 consideram

que o modelo dos JECRIM promove a “judicialização da família e a despolitização

da justiça”, e embora critiquem também as ações assistenciais conciliatórias

correntes na DDM, afirmam que nestas, apesar de não conter uma ideário feminista,

incorporaram a ideia das mulheres como sujeitos de direito, enquanto que nos

JECRIM é a defesa da família que norteia a conciliação, (re)transformando uma

questão política em assunto privado. A autora ainda ressalta que, mediante a

10 Ver: Campos, Carmen H. de (2001), Violência doméstica no espaço da lei, in Cristina Bruschini; Céli Regina Pinto (org.), Tempos e lugares de gênero. São Paulo: Editora 34 e Fundação Carlos Chagas, 301-322.11Melo, Mônica de (2000), Juizado especial criminal e o acesso à justiça. São Paulo: Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (Mimeo). 12 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (2001). Pesquisa nacional sobre as condições de funcionamento das delegacias especializadas no atendimento às mulheres: Relatório final. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.13 Debert, Guita Grin (2006), As Delegacias de Defesa da Mulher: Judicialização das relações sociais ou politização da justiça?, in Mariza Corrêa; Érica Renata de Souza (org.). Vida em família:Uma perspectiva comparativa sobre “crimes de honra”. Campinas, SP: Pagu-Núcleo de Estudos de Gênero/Universidade Estadual de Campinas, 16-38.

Page 43: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

42

promoção de um acordo com renúncia do direito de representação, ou da aplicação

de penas alternativas, tal violência passa a ser banalizada e a justiça se torna

questionável.

Existe ainda uma perspectiva que defende a implantação desses Juizados,

e que nega a ‘descriminalização e a re-privatização da violência contra as

mulheres’ dos quais foram durante muito tempo acusados. Defende-se que tanto

as delegacias quanto os juizados se constituíram como espaços de fortalecimento

e empoderamento das mulheres em situação de violência, e defende a negociação

entre as partes como uma alternativa à criminalização dos conflitos.14

Nesse sentido, propõem-se alguns questionamentos:

Em primeiro lugar, o aumento no número de registros nas DDM não sugere necessariamente que as DDM e os JECRIM se constituíram em espaços de “fortalecimento” das mulheres que prestam queixas. Este aumento pode estar relacionado com diversos fatores, como o aumento no número das DDM, a ampliação das suas atribuições, a divulgação de seu trabalho pela mídia, o possível aumento da violência conjugal, entre outros. Além disso, a justiça conciliatória, como qualquer tipo de justiça, precisa garantir condições iguais de negociação às partes em conflito. Exercitar o poder de decidir ou de manifestar a vontade não apaga as desigualdades de poder que caracterizam as relações de gênero no Brasil. As condições extrajudiciais em que as mulheres negociam as queixas e manifestam a sua vontade precisam ser investigadas. Do contrário, cai-se em uma abordagem individualista e voluntarista dos conflitos sociais e da administração judicial dos conflitos (SANTOS, 2008, pg. 20).

3.3.3- A Lei Maria da Penha

Na década de 1990, o governo brasileiro assinou diversos tratados

e convenções que o comprometiam com a defesa dos ‘direitos humanos das

mulheres’ e com a construção de políticas públicas que defendessem tais direitos.

Em 1994, retirou as reservas que mantivera quando da assinatura e ratificação, em

meados dos anos 1980, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Organização das Nações Unidas

em 1979. Em 1992, ratificou a Convenção Americana dos Direitos Humanos, o que

incentivou as organizações não-governamentais e as vítimas a encaminharem à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos um maior número de denúncias

de violação de direitos humanos, incluindo casos de violência doméstica contra as

14 Ver: Izumino, Wânia Pasinato (2003), Justiça para todos: Os Juizados Especiais Criminais e a violência de gênero. Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanos, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo.

Page 44: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

43

mulheres. Em 1995, também ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de

Belém do Pará”, adotada pela Organização dos Estados Americanos em 1994.

O Brasil também assinou, em 1995, a Plataforma de Ação da IV Conferência

Mundial sobre as Mulheres, adotada pela ONU no mesmo ano. Em 2001, o governo

brasileiro assinou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotado pela ONU em 1999 e

ratificado pelo Congresso Nacional em 2002 (SANTOS, 2008) (Ver ANEXO B).

A adoção desses instrumentos internacionais de proteção foi de extrema

importância para a visibilização da causa e para dar prosseguimento às exigências

das mulheres por políticas públicas. Mas, como dito anteriormente, o governo de

Fernando Henrique Cardoso, deu pouca atenção às demandas feministas e só no

fim do seu mandado criou a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher – SEDIM.

No governo de Lula, podem ser observados maiores avanços como a aprovação

da Lei 10.886/2004 que alterou o Código Penal e introduziu o crime de ‘violência

doméstica’, com pena de detenção de seis meses a um ano, a Maria da Penha, e a

Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) com estatuto ministerial.

Para Santos (2008), o recurso das feministas a instâncias supranacionais

de proteção dos direitos humanos foi de extrema importância por mostrar,

internacionalmente, que o governo brasileiro não estava cumprindo as suas

obrigações de defesa dos direitos humanos. Face à impunidade em casos

de assassinato de mulheres, algumas juristas feministas e organizações não-

governamentais feministas recorreram a instâncias internacionais de proteção

de direitos humanos. Na segunda metade da década de 1990, dois casos foram

encaminhados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): o caso

Márcia Leopoldi, que se refere ao assassinato de Leopoldi por seu ex-namorado,

tendo sido encaminhado à CIDH em 1996; e o caso Maria da Penha, referente à

dupla tentativa de assassinado de Maria da Penha por parte de seu marido, tendo

sido encaminhado à CIDH em 1998.

Em maio e junho de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de

duas tentativas de assassinato por parte do seu marido, Marco Antônio Heredia

Viveros, ficando paraplégica em função da primeira agressão. No primeiro

julgamento, ocorrido nove anos depois do crime, Viveros foi condenado a uma

Page 45: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

44

pena de 15 anos de reclusão, reduzida a 10 anos por se tratar de réu primário. Em

1996, a decisão do júri foi anulada e o réu, sendo submetido a novo julgamento,

foi condenado a 10 anos e 6 meses de reclusão. Recorrendo da sentença diversas

vezes e valendo-se, inclusive, de práticas de corrupção, Viveros permaneceu em

liberdade por dezenove anos, sendo preso em outubro de 2002, pouco antes de o

crime prescrever. Pode-se afirmar que a conclusão do processo judicial e a prisão

do réu só ocorreram graças às pressões da Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH), que recebera o caso, em 1998, das organizações Comitê Latino-

Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM - Brasil e

Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, juntamente com a vítima, Maria

da Penha.

Para a CIDH, esta violação constituíra um padrão de discriminação

evidenciado pela aceitação da violência contra as mulheres no Brasil por meio

da ineficácia do Judiciário. A CIDH fez as seguintes recomendações ao Estado

brasileiro: que o Estado conduzisse uma investigação séria, imparcial e exaustiva

com vistas ao estabelecimento da responsabilidade do agressor pela tentativa de

assassinato sofrida por Maria da Penha; que identificasse as práticas dos agentes

do Estado que teriam impedido o andamento célere e eficiente da ação judicial

contra o agressor; que o Estado providenciasse de imediato a devida reparação

pecuniária à vítima; que adotasse medidas no âmbito nacional visando à eliminação

da tolerância dos agentes do Estado face à violência contra as mulheres.15

O caso Maria da Penha ganhou mais visibilidade, e foi o primeiro caso em

que um organismo internacional de direitos humanos aplicou a Convenção de Belém

do Pará, publicando uma decisão inédita em que um país foi declarado responsável

pela violência doméstica praticada por um particular. Ficou clara, com esse caso, a

violência sistemática a que mulheres a milhares de anos são vítimas e a ineficácia

do sistema judicial brasileiro frente a essa demanda (SANTOS, 2008).

A primeira resposta do Estado brasileiro só aconteceu após a criação da

SEDIM, quando Solange Bentes, a então secretária enviou esforços para que o

Tribunal Superior de Justiça apreciasse o último recurso que fora apresentado

em 2000 pelos advogados do agressor. Após isso, só houve uma movimentação

por parte do governo em 2004, quando a SPM decidiu tomar providências no

sentido de dar cumprimento às recomendações da CIDH, e em março desse

15 Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatório nº 54/01, Caso nº 12.051..

Page 46: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

45

mesmo ano o Presidente Lula criou um Grupo de Trabalho Interministerial para

elaborar um projeto de lei versando sobre mecanismos de combate e prevenção à

violência doméstica contra as mulheres (Decreto 5.030, de 31 de março de 2004).

Coordenado pela SPM, sob a presidência da Ministra Nilcéa Freire, este Grupo

de Trabalho Interministerial recebeu subsídios de um Consórcio de Organizações

Não-Governamentais Feministas, formado por ADVOCACY, AGENDE, THEMIS,

CLADEM/IPÊ, CEPIA e CFEMEA, que preparou uma proposta de anteprojeto de lei.

Após consultar representantes da sociedade civil, por meio de debates e seminários

por todo o país, a SPM encaminhou ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao

Presidente da República o Projeto de Lei 4.559/2004, posteriormente transformado

na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, a Lei “Maria da Penha (SANTOS, 2008).

§ Mecanismos e inovações da nova lei:

Já no 1º artigo, a lei manifesta que sua criação vem não só para coibir, mas

também para prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, criando os

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterando artigos

do Código Penal Brasileiro, mas também estabelecendo medidas de assistência

e proteção às mulheres em situação de violência. Dessa forma, responde a essa

demanda com a incorporação do discurso dos movimentos de mulheres, que apesar

da forte bandeira da criminalização, sempre exigiram serviços integrais.

Em seus artigos 5º e 7º, define as formas de violência como física,

psicológica, sexual, patrimonial e moral, que podem ocorrer tanto na unidade

doméstica como no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto. E,

neste caso, explicitam em parágrafo único: “As relações pessoais enunciadas neste

artigo independem de orientação sexual”.

No que trata da prevenção, o artigo 8º traz uma série de diretrizes que

devem nortear a construção de políticas que visam enfrentar a violência doméstica

e familiar contra a mulher mediante um conjunto articulado das ações da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como das Organizações não-

governamentais. São elas:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações

Page 47: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

46

relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Como se observa, a lei é bastante abrangente nesse sentido, trazendo

ações das mais variadas formas e que devem ser realizadas por e para diferentes

sujeitos, visando à transformação das relações sociais permeadas em diversos

âmbitos por valores discriminatórios e sexistas. Nesse sentido, a lei também avança

prevendo a criação e promoção de centros de atendimento integral e multidisciplinar

para as mulheres e respectivos dependentes; de casas-abrigos; de delegacias,

núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal

especializados; programa e campanhas de enfrentamento a estes tipos de violência

e ainda centro de educação e reabilitação para os agressores(as) (Art. 35).

Entendendo as inúmeras dificuldades de diversas naturezas às quais as

mulheres em situação de violência estão submetidas e que se tornam impedimentos

para que elas procurem assistência e denunciem os(as) agressores(as), é que é

Page 48: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

47

estabelecido um conjunto de garantias para as mulheres vítimas de violência,como:

§ O Art. 22, fixa uma série de medidas de urgência que podem ser

aplicadas pelo/a juiz/a ao(a) agressor(a) quando for constatada a prática

de violência doméstica: suspensão da posse ou restrição do porte de

armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a

ofendida;proibição de condutas como aproximação e/ou contato com a

ofendida e até proibição de freqüentar determinados lugares e restrição

ou suspensão de visitas aos(as) dependentes menores.

§ Alteração do Código de Processo Penal (CPP) para possibilitar ao(a)

Juiz(a) a decretação da prisão preventiva em qualquer fase do inquérito

policial (Art. 20)

§ O Art. 21 traz: “A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais

relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à

saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do

defensor público”.

§ No que trata da assistência judiciária, o Art. 27 determina que a

mulher deverá estar acompanhada de advogado(a) em todos os atos

processuais, com ressalvas ao requerimento das medidas protetivas de

urgência (Art.19).

Em contrapartida à prática conciliatória e de determinações de penas leves

dos JECRIM, com a Maria da Penha passa a ser “vedada a aplicação, nos casos

de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou

outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o

pagamento isolado de multa.” (Art. 17). A pena do crime de violência doméstica

e familiar passa a ser de três meses a três anos, podendo ser aumentada de um

terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência (Art. 44). Ainda

há alteração na Lei de Execuções Penais permitindo que o(a) juiz(a) determine

o comparecimento obrigatório do(a) agressor(a) a programas de recuperação

e reeducação (Art. 45). O Art. 16 ainda traz que, após feita a denúncia, só será

admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente

designada com tal finalidade.

3.4- POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A

MULHER

Page 49: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

48

Até 2002, a base do Programa Nacional de Combate à Violência contra a

Mulher, sob gerência da SEDIM, do Governo Federal, era o apoio à construção de

Casas Abrigos e DEAM. Em 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas

para Mulheres, algumas ações mudaram seu foco e teve início a formulação da

Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Essa Política

incorporou ações destinadas à prevenção, à assistência e à garantia dos direitos

da mulher em diferentes campos. O conceito central da Política é a integração dos

serviços nas áreas de saúde, segurança, educação, assistência social, cultura

e justiça, de forma a permitir às mulheres romperem com o ciclo da violência. A

necessidade e a importância dessa política foram reafirmadas na I Conferência

Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004, e no Plano Nacional de

Políticas para as Mulheres, que estabeleceu como um de seus eixos estruturantes o

enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres.

Segundo a SPM (BRASIL, 2007), o Plano Plurianual (PPA) – instrumento de

planejamento do Governo Federal que estabelece diretrizes, objetivos e metas da

administração pública federal, para a implementação de programas e ações – sofreu

modificações nos últimos anos, para acompanhar a mudança de foco das políticas

voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres.

Nos quatro anos do primeiro PPA (PPA 2000-2003), foram alocados

recursos da ordem de R$ 14,4 milhões no programa de violência. Entre os anos

de 2004 e 2006, com a ampliação do conceito de enfrentamento e o início da

implementação dos serviços da Rede de Atendimento às Mulheres em situação de

Violência, a execução orçamentária alcançou, somente nos três primeiros anos do

PPA 2004-2007, R$ 23,6 milhões. O atual PPA (2008-2011), por sua vez, prevê

a utilização de aproximadamente, R$ 117 milhões. As ações previstas podem ser

vistas no ANEXO E.

Page 50: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

49

3.5- II PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES

Após a II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, realizada em

agosto de 2007, foi construído mais um Plano de Governo (referente ao período

de 2008 a 2011) em relação às políticas públicas para as mulheres. Esse plano é

fruto da mobilização e participação de quase 200 mil brasileiras que participaram

das Conferências Estaduais e Municipais e que elegeram 2.700 delegadas para a

Nacional.

O primeiro Plano estava organizado em cinco eixos estratégicos que

representam temas prioritários, e em seu processo de revisão, durante II

Conferência, foram acrescentados seis novos. Dessa forma, o II Plano encontra-se

organizado em 11 eixos, e para cada um destes há objetivos, metas e prioridades

que se concretizam nas 394 ações propostas.

Apesar de se entender que violência pode ser vista como violação de

qualquer direito, o que levaria as autoras a trabalhar todas as ações propostas

pelo já citado Plano, será apresentado aqui apenas o que concerne ao item

IV, denominado de ‘Enfrentamento de Todas as Formas de Violência contra as

Mulheres’, por tratar da violência especifica que foi definida na Convenção de Belém

do Pará e sobre a qual todo trabalho tem se baseado.

Neste item, o Plano apresenta como objetivo geral reduzir os índices de

violência contra as mulheres por meio da consolidação da Política Nacional de

Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da implementação do Pacto Nacional

pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres e do Plano Nacional de

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Seus objetivos específicos são:

I- Proporcionar às mulheres em situação de violência um atendimento

humanizado, integral e qualificado nos serviços especializados e na rede

de atendimento;

I- Desconstruir estereótipos e representações de gênero, além de mitos e

preconceitos em relação à violência contra a mulher;

III- Promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes

igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades e de

valorização da paz;

Page 51: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

50

IV- Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência,

considerando as questões étnico-raciais, geracionais, de orientação

sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional;

V- Ampliar e garantir o acesso à justiça e à assistência jurídica gratuita às

mulheres em situação de violência;

VI- Assegurar atendimento especializado às mulheres do campo e da

floresta em situação de violência;

VII- Promover a integração e articulação dos serviços e instituições

de atendimento às mulheres em situação de violência, por meio da

implantação e fortalecimento da Rede de Atendimento às Mulheres em

situação de violência.

Foram apresentados como prioridades:

§Ampliar e aperfeiçoar a Rede de Atendimento às mulheres em situação de

violência;

§Garantir a implementação da Lei Maria da Penha e demais normas

jurídicas nacionais e internacionais;

§Promover ações de prevenção a todas as formas de violência contra as

mulheres nos espaços público e privado;

§Promover a atenção à saúde das mulheres em situação de violência com

atendimento qualificado ou específico;

§Garantir o enfrentamento da violência contra as mulheres, jovens e

meninas vítimas do tráfico e da exploração sexual e que exercem a

atividade da prostituição;

§Promover os direitos humanos das mulheres encarceradas.

As metas a serem atingidas até 2011 foram assim delimitadas:

§Construir/reformar/reaparelhar 764 serviços especializados de atendimento

às mulheres em situação de violência;

§Capacitar 170.000 profissionais das áreas de segurança pública,

saúde, educação, assistência social, justiça e demais áreas da rede de

atendimento;

§Realizar 1.000.000 de atendimentos válidos no Ligue 180;

Page 52: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

51

§Consolidar o Observatório da Lei Maria da Penha;

§Qualificar 100% dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e

CREAS para atendimento às mulheres vítimas de violência;

§Implementar a notificação compulsória em 100% dos municípios dos

estados prioritários do Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência

contra as Mulheres;

§Qualificar 100% dos Centros de Referência para atendimento às mulheres

vítimas de tráfico;

§Ampliar em 100% a rede de atenção integral à saúde de mulheres e

adolescentes em situação de violência;

§Implantar a Vigilância de Violências e Acidentes – VIVA em todas as

capitais e 18 municípios dos estados prioritários do Pacto Nacional pelo

Enfrentamento da Violência contra as Mulheres;

§Assegurar a existência de estabelecimentos penais femininos dentro de

padrões físicos e funcionais que assegurem a dignidade das detentas, nas

27 unidades da federação;

§Assegurar a existência de pelo menos um Centro de Referência de

Assistência Social (CRAS) em todos os municípios brasileiros;

§Habilitar 100% dos estados para a Atenção Integral à Saúde das

presidiárias e adolescentes em conflito com a lei.

3.6- PACTO NACIONAL PELO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A

MULHER

O Pacto Nacional foi formulado pelo Governo Federal em 2007 com o

objetivo de prevenir e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. A

coordenação do Pacto é de responsabilidade da Secretaria Especial de Mulheres,

da Presidência da República. O documento reúne um conjunto de ações com

proposta de serem realizadas entre os anos de 2008 a 2011, com recursos da

ordem de um bilhão para os quatro anos.

Segundo o Pacto, serão desenvolvidas políticas públicas amplas e

articuladas, com prioridade para as mulheres rurais, negras e indígenas em

situação de violência. A especificidade foi priorizada em função da dupla ou tripla

Page 53: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

52

discriminação e da vulnerabilidade social a que estão submetidas. Tem como áreas

estruturantes a consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência

contra as Mulheres, incluindo: a implementação da Lei Maria da Penha; Combate

á exploração sexual e ao tráfico de mulheres; Promoção dos direitos humanos das

mulheres em situação de prisão; Promoção dos direitos sexuais e reprodutivos e

enfrentamento à feminização da Aids.

O Pacto Nacional se configura em uma parceria entre o Conjunto de

Ministérios e Secretarias especiais, considerando como aliados estados e

municípios. Ao Governo Federal caberá estabelecer as diretrizes e as normas

para execução das ações e financiá-las com a devida contrapartida dos estados

e municípios. O monitoramento e execução (nos casos que envolverem justiça

e segurança pública) são responsabilidades dos estados e os municípios devem

implementar ações nas áreas de educação, saúde e assistência social.

Page 54: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

53

4- POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

EM RECIFE

Só a crítica que se converte em práxis escapa da ilusão. (Jesus Palácios)

Nesse capítulo, trata-se especificamente das políticas de enfrentamento à

violência contras as mulheres em Recife. Aborda-se principalmente o órgão que as

executa e como tem trabalhado com as demandas apresentadas e com os diversos

sujeitos envolvidos na proposição dessas. Serão elucidadas as ações e serviços

disponíveis no município.

A principal fonte utilizada na construção do capítulo foi a entrevista realizada

com a Coordenadora geral da Coordenadoria da Mulher, Juliana César, realizada

em 11/09/2009. Suas falas serão encontradas, devidamente sinalizadas, durante

todo o texto de forma a (re)afirmar ou acrescentar o conteúdo apresentado. Também

foram de extrema importância para a sua elaboração o Plano Estadual para

Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres, a Norma Técnica de

Uniformização – Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de

Violência da Secretaria Especial de Mulheres do Governo Federal e o Caderno de

Diretrizes das propostas da IV Conferência Municipal da Mulher do Recife.

4.1- CRIAÇÃO DA COORDENADORIA DA MULHER DO RECIFE

A Coordenadoria foi criada em 2001, com o objetivo de acompanhar as

políticas públicas do município direcionadas às mulheres, além de executar e

acompanhar ações de gênero. Sua criação era uma demanda antiga das mulheres e

dos movimentos de mulheres, “já que o município não tinha nenhum organismo que

fosse destinado a pensar, propor e executar políticas específicas para as mulheres”

(Juliana César). Durante campanha eleitoral, o ex-prefeito João Paulo (2001-2008

-PT) assumiu esse compromisso e uma vez vitorioso, a criou. Em 14 de setembro

Page 55: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

54

do ano corrente, a Câmara dos Vereadores do Recife aprovou por unanimidade o

projeto de lei (PL nº 11/2009) de ajuste da estrutura administrativa da Prefeitura do

Recife. Entre as mudanças previstas estão a elevação do status para secretaria

tanto da Coordenadoria da Mulher, atualmente ainda ligada ao Gabinete do Prefeito,

quanto da Gerência de Juventude, atualmente ligada à Secretaria de Direitos

Humanos e Segurança Cidadã.

Isso é uma conquista para as mulheres do Recife, que representam mais de 50% da população, e que necessitam de políticas públicas cada vez mais direcionadas ao segmento. Por isso, quanto maior for a estrutura municipal, destinada a criar, articular e executar essas políticas, será importante para o nosso momento atual. (AJUSTE, 2009, Juliana César)

A coordenadoria é estruturada em uma coordenação geral, uma temática,

uma regional e seis gerências. Abaixo (dentro de um organograma) da coordenação

geral, existem uma coordenação temática e uma regional. A primeira fica

encarregada de pensar as seis principais temáticas trabalhadas, a saber: educação

não-sexista, não-homofóbica, não-lesbofóbica, antirracista e laica; enfrentamento à

violência; gênero, trabalho e renda; gênero e igualdade racial; equidade de gênero

na saúde; participação e controle social. A segunda, como o nome indica, fica

responsável pelas políticas da cidade enquanto divisão geográfica. A divisão é feita

apenas para facilitar o planejamento do órgão e as duas trabalham de maneira

extremamente articulada para que todas as temáticas cheguem a todas as regiões,

assim como todas as regiões devem ser integradas às temáticas.

Seguindo essas coordenações, encontram-se as gerências, que têm a cada

uma atribuída tanto um tema quanto uma região. Acoplado ainda à Coordenadoria

encontram-se, sob supervisão da gerente responsável pelo enfrentamento à

violência, os serviços de atendimento à violência contra as mulheres em situação de

violência: o Centro de Referência Clarice Lispector e a Casa Abrigo Sempre Viva

Apesar de não ser um órgão e nem estar subordinado à coordenadoria, o

Conselho Municipal da Mulher, em nível administrativo e de manutenção do espaço

físico também está ligado a esta.

Sobre os recursos utilizados pela Coordenadoria, Juliana C. informa que

eles vêm do Tesouro Municipal, juntamente com o destinado ao Gabinete do

Prefeito já que ela está inserida nessa estrutura. Mas salienta ainda que há uma

divisão interna desse recurso que assegura a autonomia da Coordenadoria sobre

Page 56: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

55

uma parte deste valor.

4.2- COMO A VIOLÊNCIA É ENTENDIDA PELA GESTÃO

Como foi visto no primeiro capítulo, o fenômeno da violência pode ser

entendido por meio de diversas perspectivas. A forma como se faz a leitura

da realidade está diretamente ligada à escolha dos instrumentos que darão

enfrentamento a um problema. Dessa maneira, acredita-se ser de fundamental

importância apreender de que forma a violência contra mulher é trabalhada

nesse órgão e a partir de que elementos é vista como demanda do movimento de

mulheres.

Citando e afirmando a configuração de violência contra a mulher, definida

na Convenção de Belém do Pará (já apresentada no capítulo anterior), Juliana

C. afirma que a Coordenadoria vê essa expressão da violência como “qualquer

violação, transtorno para saúde e/ou para o bem-estar da mulher, de uma maneira

ampla, e que impeça a ela de conseguir alcançar ou cumprir com todos os seus

objetivos de vida”.

Durante entrevista, compreendeu-se também que essa violência é

trabalhada com, o que por ela é chamado de, a “verdade da mulher”, ou seja, a

mulher em situação de violência atendida pelos serviços municipais não precisará

provar o que está sendo relatado. Somado à importância desse posicionamento

assumido pela equipe que realiza os atendimentos para que cesse uma situação

de violência, que apresenta muito mais marcas do que as possíveis utilizadas como

provas em seu corpo, é um indicativo de que os serviços do Recife já estão de

acordo com os princípios apresentados pela Norma Técnica de Padronização dos

Centros de Referência de Atendimento à Mulher, construído pela SPM e lançado

em 2006. Com o objetivo de “cessar a situação de violência vivenciada pela mulher

atendida sem ferir o seu direito à autodeterminação, mas promovendo meios para

que ela fortaleça sua auto-estima e tome decisões relativas à situação de violência

por ela vivenciada” (Secretaria Especial de ..., 2006), os serviços prestados devem

seguir princípios de intervenção, onde entre tantos, encontram-se: 2- Defesa dos Direitos das Mulheres e Responsabilização do agressor e

Page 57: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

56

dos serviços;

- Agir contra a violência implica adotar uma posição clara de que não há justificativa para a violência e condenar todos os tipos de violência contra as mulheres, uma vez que adotar uma postura de neutralidade perpetua a violência.

- As mulheres não têm que provar a situação de violência a que foram submetidas. Os profissionais devem ouvi-la, acreditar no seu relato e tratá-las sem preconceito.

- O Centro de Referência deve promover a responsabilização do agressor, por meio de encaminhamento - e monitoramento - do caso para o sistema de segurança pública e de justiça e acompanhamento da mulher em situação de violência nos contatos com esses equipamentos. (Secretaria Especial de ..., 2006, p.16)

4.3- COMO A VIOLÊNCIA SE MANIFESTA EM RECIFE

Os dados do Disque Orientação do Centro de Referência Clarice Lispector

(Recife), referentes ao período de dezembro de 2002 a dezembro de 2005,

informam o recebimento de 20.744 denúncias de violências não letais. No mesmo

intervalo, a Casa Abrigo Sempre Viva acolheu 49 mulheres vítimas de violência e 99

crianças e adolescentes envolvidas em conflito familiar (PERNAMBUCO, 2008).

Diante do quadro acima apresentado, parece natural a resposta dada pela

coordenadora diante do questionamento em relação às formas de manifestação

da violência contra as mulheres em Recife: “de todas as maneiras, infelizmente”.

Segundo ela, têm-se apresentado mulheres com o mais comum, o mais pensado

que é a agressão física, mas também a violência psicológica, a tortura, o cárcere

privado, a privação de liberdade (das mais diversas formas), a violência patrimonial.

A desigualdade entre homens e mulheres também se manifesta do ponto de vista de

classe e raça e a questão econômica, da dependência, da dificuldade de se manter

e reproduzir sua existência e força de trabalho tem refletido muito na manutenção e

perpetuação desse tipo de violência ou mesmo a volta a ele:

Porque a gente sabe que muitas conseguem romper com esse ciclo, mas as condições econômicas, a falta de perspectiva de renda faz com que ela volte pra aquele agressor ou se ligue a um novo agressor. E isso é uma situação muito complicada de trabalhar, porque envolve não só o atendimento direto com a mulher em situação de violência, mas o contexto que é muito mais difícil de ser assegurado. E é aí que a gente acredita na integração dos diversos poderes, não só no municipal, mas estadual e federal, que vai garantir que a gente possa fazer políticas mais afirmativas pra conseguir transformar essa realidade (Juliana César - entrevista).

Page 58: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

57

Segundo a coordenadora, uma porcentagem significativa dos homicídios

contra mulheres apresenta ligação direta da vítima com o tráfico de drogas e com

crimes que se enquadram no perfil de violência urbana. Afirma ainda que essa

tem sido uma preocupação atual constante da Coordenadoria, diante do crescente

número de casos que se apresentam nos atendimentos e serviços em que a

situação de violência vem unida à chamada violência urbana. Na maioria dos casos,

trata-se de mulheres que estão ligadas ao tráfico de drogas ou ao crime organizado,

diretamente ou por meio de seus/uas companheiros/as ou alguém próximo/a ou de

sua família. Afirma ela que os serviços têm tido dificuldade de trabalhar esses casos,

pois esses estão estruturados apenas para a violência essencialmente doméstica,

em que a vítima sofre agressão em seu lar e que, diante de seu afastamento,

não existe procura por parte do agressor; e havendo esse risco, contam com

as casas abrigo. Mas o envolvimento com uma rede criminosa, que a procura

normalmente para ‘queima de arquivo’ (a eliminação de quem “sabe demais”, ou

seja, quando esses grupos objetivam assassinar a pessoa por acreditar que ela

possui informações que, se tornadas públicas poderão trazer problemas para a

organização e seu funcionamento), a coloca em situação de vulnerabilidade muito

maior, já que muitas vezes o afastamento da cidade ou do Estado não basta diante

da capilaridade e das diversas articulações existentes nas e entre redes criminosas.

Verificam-se, assim, elementos novos e novas configurações para a violência contra

a mulher, e para os quais não existem políticas organizadas hoje.

Outra demanda específica que tem preocupado a Coordenadoria são as

mulheres em situação de violência que possuem algum tipo de transtorno mental.

Juliana C. relata que essas mulheres demandam uma atenção ou um grau de

atendimento maior que as demais, e até de medicamentos que não são disponíveis

na rede pública de saúde e que inviabilizam seu atendimento, sua presença e

inclusive seu acolhimento em uma casa abrigo. E aí se deparam com o fato de

verificar a situação de risco de morte iminente, ou seja, caso em que seria dado

o encaminhamento a uma casa abrigo mas que, ao mesmo tempo, é verificado o

não enquadramento no perfil ‘das abrigadas’, de forma que ela fique em segurança

naquela casa e que não contribua para a vulnerabilização da segurança das outras

pessoas que estão na casa. Propõe-se, daí, um novo tipo de política: ou casas mais

completas, que possam atender a diversas demandas ou casas especializadas,

Page 59: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

58

destinada a esse público. Em Recife tem aparecido casos leves, para os quais

a Coordenadoria tem conseguido achar soluções ou confortá-las na casa em

segurança. Entretanto, Juliana C. alerta que precisam ser ampliados os diversos

mecanismos de proteção das mulheres e que as políticas precisam ser ampliadas, e

que, embora ainda não tenha acontecido nenhum caso grave, os serviços precisam

estar preparados para o dia em que venha a acontecer.

4.4- SERVIÇOS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

O Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as

Mulheres, elaborado pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, divide em cinco

dimensões as ações e serviços que devem integrar a rede de atendimento

e enfrentamento: prevenção, proteção, punição, assistência e produção de

conhecimento.

Com base no exposto, dividimos os serviços prestados pela Coordenadoria

da Mulher do Recife em três eixos, a serem analisados: prevenção, proteção e

assistência.

4.4.1- Na Área da Prevenção

Compreendem-se como prevenção aquelas ações estruturantes, de curto,

médio e longo prazo, capazes de incidir na transformação das mentalidades, a

partir da valorização das diversidades, da promoção da igualdade entre homens e

mulheres e do cultivo da paz, tendo como público principal a sociedade em geral

(PERNAMBUCO, 2007).

Segundo a titular da Coordenadoria, esse tipo de ação é uma das mais

importantes, já que tem como objetivo a própria transformação da sociedade, a

tomada de consciência de que existe o problema e o que pode ser feito diante

de determinadas situações. Ou seja, se a ação não consegue de fato evitar o

ato violento, ela tem o papel importante de instrumentalizar as mulheres para

que a violência seja identificada, como agir diante dela e que serviços procurar.

Nesse sentido, ela afirma que têm sido realizadas “ações de conscientização”,

ações educativas, palestras, seminários, eventos lúdicos como peças teatrais,

Page 60: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

59

vídeodebates: uma ‘teia’ de momentos para se discutir a violência utilizando diversas

linguagens e que informa também os serviços disponíveis. Enfatiza a importância

de se ter cuidado em como vai atrair a população para esse debate e como será

facilitada a discussão, pois trata-se de um tema muito evitado, ora porque já é

vivenciado ora por simplesmente não se tratar de um fenômeno agradável.

O município também conta com um Disque-orientação, um serviço que

funciona 24 horas por dia e que oferece serviço telefônico gratuito de orientação.

Observa-se a importância desse tipo de serviço, que permite que a mulher, em

situação de violência, tenha acesso à informação e serviços sem precisar ir ao

Centro de Referência, participar de um atendimento com equipe psicossocial e falar

sobre seu agressor – o que nem sempre parece agradável e confortável.

Uma das maiores ações da Coordenadoria nessa perspectiva é o Bloco

Carnavalesco Nem com uma flor. O Bloco saiu pela primeira vez há oito anos, com

menos de 50 pessoas circulando o prédio da Prefeitura, falando que não deveria

existir mais a violência contra as mulheres. Até 2007 reunia cerca de 1.500 pessoas,

o que já foi um acréscimo considerável. Em 2008, participaram do Bloco uma

média de 5.000 pessoas numa ação lúdica e que divulga intensamente os serviços

prestados, (re)lembrando todo ano durante o carnaval, momento em que as pessoas

procuram só pensar em alegrias, que esse tipo de violência existe, acontece durante

todo o ano, e que, dessa forma, precisa ser enfrentado.

Juliana César acredita que também se previne a violência quando se tem

à disposição das mulheres um Centro de Referência onde elas, necessitando de

informações, ou se sentindo agredidas ou conhecendo alguém que podem receber

essas informações e/ou atendimentos, possam procurar ajuda.

4.4.2- Na Área da Proteção

Como já foi dito, Recife possui esses dois tipos de serviços de atendimento

às mulheres em situação de violência: o Centro de Referência Clarice Lispector e a

Casa Abrigo Sempre Viva (Anexo C).

Segundo as normas técnicas da Secretaria Especial de Mulheres do

Governo Federal, os Centros de Referência são estruturas essenciais do programa

de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa

Page 61: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

60

promover a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por

meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social,

jurídico, de orientação e informação). Devem exercer o papel de articuladores

dos serviços organismos governamentais e não-governamentais que integram

a rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social, em

função da violência de gênero. Os serviços desses centros são guiados pelos

seguintes momentos não-lineares: aconselhamento em momentos de crise,

atendimento psicossocial, aconselhamento e acompanhamento jurídico, atividades

de prevenção, qualificação de profissionais, articulação da rede de atendimento local

e levantamento de dados locais sobre a situação da violência contra a mulher.

As Casas de Abrigos são estruturas de caráter provisório e excepcional,

voltadas para proteger as mulheres em risco de vida, oferecendo-lhes acolhimento,

segurança, moradia e atendimento psicossocial, assim como orientação e

informação. Elas devem funcionar em regime integral, de forma sigilosa, e ainda se

articular para garantir às mulheres os serviços básicos durante a sua permanência

(PERNAMBUCO, 2008).

Os casos de violência em que há identificação de uma situação em que

a mulher deve ser abrigada devem ser encaminhados ao Centro de Referência

que, como o nome diz, é o serviço de referência para realizar a triagem. No local,

há uma avaliação do caso e, confirmada a suspeita de que essa mulher deve ser

abrigada, que se enquadra no perfil e existindo a vontade da usuária (e disposição

para atender às regras do espaço, principalmente em relação ao sigilo e à restrição

de ir e vir), é realizado um encaminhamento para a Casa Abrigo, onde é feita mais

uma triagem – dessa vez pela equipe desta instituição. Observados e atendidos os

requisitos, a mulher é abrigada por um período-padrão de 120 dias:

a gente tem 4 meses pra tentar solucionar as demandas que essa mulher gera do ponto de vista jurídico, de segurança, psicossocial, tudo. A gente tenta buscar alternativas para ela, às vezes até em outro estado, se ela tiver uma perspectiva ou até porque não é seguro pra ela estar neste Estado (...) Então, a gente tenta resolver dentro desse período, e se não, fazer uma avaliação do que ainda pode ser feito, é apenas um referencial, é apenas uma medida dos prazos para agir (sic). (Juliana César – entrevista)

Da mesma maneira que entra a mulher, os filhos e filhas de até 12 anos

podem acompanhá-la, de acordo com a necessidade. Ressalta, porém, que a

avaliação é feita “caso-a-caso”, de forma que as regras não se sobreponham aos

Page 62: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

61

interesses de proteção e bem-estar da futura abrigada.

Até 2007, o Estado de Pernambuco possuía 3 Casas Abrigos criadas e

administradas pelos seus municípios (Recife, Floresta e Petrolina). Foi feita uma

avaliação contida no Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

Contra as Mulheres:

A municipalização das casas de abrigo apresenta dificuldades do ponto de vista estratégico e operacional, dentre os quais se destacam: tendência à universalização em contraposição ao principio de excepcionalidade que revestem essas estruturas; a ociosidade da capacidade instalada diante de uma limitada demanda por município, que fere o princípio da racionalidade e amplia o isolamento das mulheres; vulnerabilidade quanto ao sigilo; impossibilidade das mulheres encontrarem saídas em outros ambientes para um novo projeto de vida (PERNAMBUCO, 2008, p.21)

O Governo do Estado passou a construir novas estruturas como essas

sob sua responsabilidade, trabalhando para isso com o princípio da articulação e

colaboração entre as diversas esferas do governo. Encontra-se em anexo (Anexo

D) a rede de atendimento às mulheres vítimas de violência até fevereiro de 2007

em Pernambuco, onde também podem ser vista as esferas governamentais

responsáveis pelos respectivos serviços.

4.4.3- Na Área da Assistência

A Prefeitura de Recife conta, desde 2001, com o programa municipal

Nem com uma flor, que determina que toda Secretaria, todo órgão municipal deve

pensar suas ações de modo a contemplar uma maneira de diminuir a desigualdade

entre homens e mulheres. Ressalta-se que este não é da Coordenadoria. Dessa

maneira, podem ser utilizados alguns exemplos: a Secretaria de Saúde fortaleceu

uma gerência de atenção especial que cria unidades específicas de atendimento às

mulheres; a Secretaria de Educação criou um grupo específico para tratar de uma

educação não-discriminatória; a Secretaria de Habitação concede a titularidade da

casa prioritariamente às mulheres.

4.5- MONITORAMENTO DE DADOS

O levantamento de dados da Coordenadoria da Mulher do Recife parte

dos registros das mulheres atendidas no Centro de Referência Clarice Lispector.

Page 63: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

62

Tais dados são atualizados todo mês para se identificar o perfil das mesmas. Os

registros não existem ainda informatizados, e servem para tentar identificar se existe

modificação no perfil das usuárias do serviço, ter uma noção de como andam os

atendimentos, fluidez nos serviços psicossociais, e a diversidade dos mesmos. Tem

objetivo também de monitorar a presença das mulheres, que às vezes não têm

condições financeiras para se deslocar e comparecer aos atendimentos (o problema

é uma realidade na maioria dos casos atendidos no Centro). Outra fonte de dados

da Coordenadoria são os fornecidos pelo Observatório da violência do SOS Corpo

–Recife. No Observatório, são produzidos relatórios periódicos que às vezes são

construídos em diálogo com o poder público, como a Secretaria de Defesa Social

– PE (SDS), e a Delegacia de Polícia da Mulher – (DPMUL). Existe ainda o Comitê

de Enfrentamento e Prevenção da Violência, na esfera do governo estadual, que

congrega organismos de políticas para mulheres nas esferas municipais e estaduais,

com objetivo de traçar uma linha de ação de prevenção sobre como reduzir os casos

de violência e tentar melhorar a maneira como os dados são catalogados. O Comitê

também tenta contextualizar os dados existentes, para se ter um panorama melhor

da realidade, utilizando-se de planilhas, discriminando pela natureza da violência

que é atribuída ao caso, e realizando discussões sobre se realmente a classificação

atribuída é a mais adequada. Em termos de articulação, existe ainda no Estado um

grupo que realiza encontros periódicos para trocar experiências entre as gestoras

municipais, fóruns nacional, regional-Nordeste e estadual-PE.

4.6- ARTICULAÇÃO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS

A relação com os movimentos sociais é considerada pela gestora municipal

como bastante salutar. Atribui a criação da Coordenadoria ao movimento de

mulheres, assim como ao movimento de mulheres dentro da política partidária.

Segundo ela, existe uma intersecção dessas mulheres, que, no campo da esquerda,

independente de vinculação partidária, lutam por uma sociedade mais equânime e

democrática: “não vivemos em uma democracia. Um dos exemplos é a desigualdade

entre homens e mulheres”. Declarou também que o movimento de mulheres em

PE se destaca por saber demandar, ser criativo, inovador e aguerrido. Considera

as mulheres do movimento aliadas, companheiras de luta. Monitoram e apontam o

Page 64: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

63

norte a ser seguido. “O movimento de mulheres está sempre à frente da realidade

pública, supervisiona e sugere mudanças, dialoga para ver o melhor caminho”.

De acordo com a coordenadora, o movimento de mulheres e a

Coordenadoria constroem ações em conjunto, seminários, palestras, oficinas, para

se discutir como promover a mudança, com objetivo de proporcionar uma vida de

qualidade para as mulheres – “não importa o que você é, gestão ou não. O que

diferencia são as leis que regem.”.

Também destaca as dificuldades burocráticas para realizar ações na

prefeitura, e, nesse sentido, enfatiza a importância da pressão política dos

movimentos. “Temos um caminho a trilhar e o movimento monitora, supervisiona,

para que esses caminhos não fiquem muito longos, mais do que precise”.

Outro ponto também de preocupação para o órgão e que, segundo o

mesmo, precisa ser trabalhado é a imagem da mulher na mídia. Tal temática deve

ser discutida para se desnaturalizar a violência, a “objetificação” da mulher, ou

seja, deixar de pensar isso como questão privada, visto que existe uma concessão

pública e que tal coisa não traz contribuição nenhuma para a sociedade.

4.7- CONSELHO DE DIREITO DA MULHER

O Conselho Municipal da Mulher foi instituído em 2003, como demanda de

conferência. É vinculado à coordenadoria apenas do ponto de vista administrativo.

Não é subordinado, possuindo sua independência política. A coordenadoria participa

representando o governo na coordenação colegiada tripartite, e no funcionamento

tenta, da melhor maneira, estimular para que aconteçam as reuniões, e tentam

propor as pautas de discussão, de acordo com um calendário de eventos. O

conselho constrói pautas de discussão de temáticas como: mulher e mercado de

trabalho, violência, aborto, mulher negra. É composto por:

§Servidoras municipais;

§Sociedade Civil – Mulheres de bairro e mulheres dos movimentos

organizados – entidades gerais;

§Gestora.

Page 65: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

64

Cada esfera traz suas demandas e suas propostas de discussão. A

Coordenadoria se integra trazendo as perspectivas do poder municipal, das

ações, e dificuldades que surgem. Trazem demandas de casos que surgem nas

comunidades, da necessidade de aprimoramento e implementação de políticas

públicas, que, levadas ao Conselho, tentam identificar a causa, discutindo com as

representantes de outras secretarias uma solução, ou construindo um movimento

dentro da prefeitura para responder à demanda. A gestão tem posição minoritária,

e possui um bom diálogo com a sociedade civil: “se não houver um diálogo

transparente com a sociedade civil, na hora do voto o governo perde, se não houver

coerência favorável à sociedade, não adianta o embate, perdemos no debate.”

O conselho não possui um fundo municipal porque as mulheres, na época

de sua criação, decidiram não optar pelo fundo para obter financiamento. Tal

decisão foi tomada porque, geralmente quando existe um fundo específico, muitas

vezes toda discussão do Conselho volta-se para os projetos, acontecendo, segundo

Juliana, “uma ingerência de interesses”. Por isso, no Conselho de Direitos da Mulher

do Recife foi preservada a discussão de políticas públicas para as mulheres. A

Coordenadoria tem a função de executar o que o Conselho demanda. A gestão

está aquém de realizar tudo. Segundo a coordenadora, se têm poucos recursos

e as dificuldades são administrativas. O Conselho tem ainda a importante função

de realizar a Conferência Municipal da Mulher. Ele convoca e a Coordenadoria

executa do ponto de vista financeiro. O Conselho estabelece a quantidade de pré-

conferências, como vai se realizar e concebe o formato.

Em junho de 2008 foi realizada a IV Conferência Municipal em que foram

deliberadas ações que devem nortear a gestão até 2010. Essas deliberações estão

reunidas em um Caderno de Diretrizes que contém as propostas debatidas durante

a conferência, e são divididas em seis eixos temáticos. São eles: Educação não-

sexista, não-homofóbica/ não-lesbofóbica, antirracista e laica; Enfrentamento à

Violência contra a Mulher; Controle Social, Gestão e Participação das Mulheres;

Política de Gênero com Igualdade Racial; Gênero, Trabalho e Renda e Equidade de

Gênero na Saúde. As propostas relacionadas ao enfrentamento da violência são as

seguintes:

1- Assegurar em lei a continuidade dos serviços oferecidos pelo Centro Clarice Lispector e pela Casa Abrigo, instituindo concurso público para suas/seus técnicas(os) e mantendo-se a qualidade do atendimento.

Page 66: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

65

Fortalecer e ampliar o seu suporte jurídico cível da rede de referência para as mulheres em situação de violência e instalar em todas as RPA’s um Centro de Referência para o atendimento às mulheres em situação de violência, nos moldes do Clarice Lispector, priorizando as RPA’s com maior índice de violência.

2- Ampliar a divulgação permanente de todos os serviços existentes, incluindo os que não são municipais, por meio de campanhas sócio-educativas, nos meios de comunicação de massa e alternativos, nas comunidades e nos serviços públicos.

3- Propor convênio com agências de empregos oferecendo oportunidades às mulheres que sofrem violência, inclusive para àquelas que ainda não tiveram experiência profissional.

4- Ampliar a política de habitação para mulheres chefes de família, com prioridade na destinação de moradia às mulheres em situação de violência, garantindo-lhes a titularidade dos imóveis.

5- Assegurar acessibilidade e segurança aos locais de trabalho das servidoras da Administração Direta e Indireta, com iluminação adequada e presença da guarda municipal durante os turnos de trabalho.

6- Sensibilizar os(as) agentes das delegacias comuns para, em caso de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica, orientá-las e encaminhá-las a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher - DEAM.

7- Ampliar o atendimento às mulheres em situação de violência, garantindo sua inserção em programas de capacitação para desenvolvimento de projetos econômicos, programas de capacitação profissional e geração de trabalho e renda da Prefeitura do Recife, favorecendo oportunidades e acesso a linhas de crédito, inclusive as oferecidas pelo Banco do Povo e convênio com agências de emprego, contemplando também as que não têm experiência profissional, favorecendo assim sua autonomia e elevação da auto-estima.

Como já foi visto, um órgão que executasse políticas para mulheres em

Recife foi criado apenas em 2001. Desde então, foi ampliada de forma significativa

rede de serviços de atendimento às mulheres em situação de violência. com a

criação de um centro de atendimento especializado, uma casa abrigo, ações

educativas e de prevenção. Apesar da importância dessa ampliação, é importante

perceber que a rede ainda não consegue absorver toda a demanda e que as

políticas ainda enfrentam problemas no que concerne ao atendimento de mulheres

que não se enquadram no perfil de violência doméstica.

Sabendo que a formulação de políticas sociais têm como elemento

impulsionador a luta dos movimentos sociais, destaca-se a participação dos

movimentos de mulheres de Pernambuco no processo de reivindicação pela defesa

das mulheres. Durante entrevista, a gestora municipal afirmou manter diálogo

com esses e reconheceu a importância dessa parceria para implementação de

Page 67: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

66

tais políticas e, de uma forma geral, para a construção de uma nova forma de

sociabilidade entre homens e mulheres.

A criação da Secretaria Especial da Mulher de Pernambuco em 2007

também pode ser apontada como um avanço para a construção de políticas em todo

o estado. No âmbito da erradicação da violência, a Secretaria Especial conta com

uma Secretaria Executiva de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e elaborou

o Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se considerar que os objetivos propostos no estudo foram alcançados

ao possibilitar às autoras a apreensão acerca do processo de construção de

políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil, e em

especial em Recife. Pode-se acrescentar ainda a importância do estudo sobre os

elementos que configuram uma sociedade sexista. Esse processo de construção

de conhecimento, no decorrer do trabalho, proporcionou reflexões e novos

questionamentos sobre o tema abordado.

Mediante experiências prévias à elaboração do trabalho, em espaços de

debates dos movimentos de mulheres, foi percebida a participação desses na

discussão sobre as políticas a serem implementadas no município. Após realização

de pesquisa, foi percebida a indispensável atuação do movimento na reivindicação

por políticas públicas de enfrentamento à violência, essenciais também no processo

de reconhecimento do problema enquanto responsabilidade do Estado.

A importância dessas políticas afirmativas de enfrentamento à violência

contra as mulheres se justifica pela necessidade de intervenção numa realidade em

que se configuram problemáticas que demandam respostas imediatas como

espancamentos, torturas, assassinatos, abandono, etc. Apesar de nem todas as

suas expressões deixarem marcas físicas, são igualmente causadoras de dor e

sofrimento e, da mesma forma, impedem as mulheres, em situação de violência, de

terem uma vida saudável e feliz. No entanto, sabe-se que essas precisam ser

acompanhadas de políticas universalizantes, de forma que apresentem soluções

Page 68: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

67

efetivas que abarquem a complexidade que envolve o fenômeno. Ressalta-se o

papel das políticas de prevenção que objetivam a mudança de valores que

sustentam uma sociedade machista e reproduz uma cultura de violência.

As leis também representam mecanismos de viabilização de direitos.

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha pode ser vista como um grande avanço,

visto que ela traz consigo uma série de ações que visam, além da criminalização,

uma série de serviços integrados e medidas de proteção. Dessa forma tais ações,

se implementadas, podem potencializar o fortalecimento das mulheres para

que possam superar a situação de violência a que estão submetidas. Depois

de sancionada a lei, segundo Balanço de Ações 2005-2007 do Pacto Nacional

de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, até 2007 haviam sido criadas 15

Juizados de Violência Doméstica e Familiar e 32 Varas adaptadas, instrumentos de

defesa até então inexistentes.

Compreende-se que a violência se expressa de várias formas e

atinge diversos segmentos da sociedade: negros/as, índios/as, pessoas com

deficiência, idosos/as, jovens, homossexuais, pessoas em situação de pobreza

e miséria. Considerando que os seres humanos são múltiplos e constituídos de

especificidades, estão vulneráveis a diferentes discriminações. Sendo assim,

percebe-se a relevância do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra

a Mulher, que deve desenvolver políticas públicas direcionadas, prioritariamente,

às mulheres rurais, negras e indígenas em situação de violência, em função da

dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas e em virtude de sua maior

vulnerabilidade social.

Foi apontado pela própria Coordenadoria da Mulher do Recife que os

serviços de atendimento às mulheres não estão preparados para lidar com os

casos em que se observam a violência contra a mulher articulada com outros tipos

de violência, como a urbana, como no caso das mulheres que sofrem violência

doméstica e que estão, ao mesmo tempo, envolvidas de alguma forma com o tráfico

de drogas e/ou crime organizado. Como, da mesma forma, não estão preparados

para atender as mulheres com transtornos mentais. A política de enfrentamento à

violência contra as mulheres precisa ser pensada e executada, tendo como princípio

o atendimento universal às mulheres diante de toda a pluralidade que permeia

esse ‘todo’. O direito de viver sem violência precisa ser garantido e o Estado é

Page 69: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

68

responsável pela construção de políticas sociais e precisa estar preparado pra

responder a todo tipo de demandas que as situações de violência contra a mulher

podem causar.

Chamou a atenção das pesquisadoras os pactos e planos formulados no

governo atual se configurarem como política de governo e não de Estado, o que põe

em risco a continuidade da implementação dessas políticas. Ainda nesse sentido,

destaca-se que os recursos destinados à efetivação de tais políticas devem cumprir,

de fato, com sua finalidade.

Para que esse quadro de violência contra as mulheres seja revertido é

necessário que o movimento de resistência, que há muito tempo luta por outra

forma de sociabilidade entre homens e mulheres, continue e seja fortalecido. As

ações iniciadas devem ser monitoradas e avaliadas constantemente para que sejam

garantidas a efetividade e a abrangência das mesmas.

Sobre esse monitoramento, observa-se uma fragilidade na sua realização já

que sua fonte é apenas o Centro de Referência, e que não possui as informações

devidamente informatizadas e sistematizadas. Apesar de também ter acesso aos

dados pesquisados e produzidos por outras instituições, governamentais ou não,

não possui essa produção, sistematização e avaliação como eixo de trabalho da

Coordenadoria. Constata-se que essa deficiência está diretamente ligada aos

limitados recursos humanos e materiais disponíveis, mas, ainda assim, reafirma-

se sua importância, principalmente, para a avaliação sistemática, que deve ser

realizada, da política que está sendo implementada.

Para garantir que essas políticas atinjam seus reais objetivos, é necessário

que o movimento de mulheres continue também no monitoramento, de forma

que essas políticas sejam coerentes com as suas reais necessidades. Para

isso, também considera-se importante que os movimentos agreguem mulheres,

independente de sua organização em movimentos, associações, partidos políticos,

ou seja, impulsionar a participação das mulheres como um todo na discussão e no

enfrentamento à violência.

Apesar da Lei Maria da Penha já afirmar a importância de serviços que

trabalhem numa perspectiva educativa com os/as agressores/as, entende-se que

esses devem ser ampliados e, de fato, implementados, visto que eles/as também

são frutos de uma sociabilidade que normatiza o que é ser homem e o que é ser

Page 70: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

69

mulher e que hierarquiza as relações entre eles e elas.

Sem desconsiderar que o Nem com Uma Flor não pertence à

Coordenadoria, acredita-se que esta deve potencializar as ações previstas por

aquele programa, por prever a transversalidade da perspectiva de gênero em todas

as políticas implementadas na cidade e fortalecer a perspectiva de que todas as

políticas públicas devem considerar as especificidades dos homens e das mulheres.

As ações realizadas pelos outros órgãos ainda são muito incipientes e, muita vezes,

realizadas apenas por meio de projetos.

Ressalta-se ainda que tal reflexão proposta pelo estudo é de grande

relevância para o Serviço Social, pois o entendimento da dinâmica dos movimentos

sociais na luta pela construção de políticas públicas, assim como o planejamento,

execução e avaliação dessas, é pertinente para a formação profissional em

consonância com o Projeto ético-político do Serviço Social.

Para finalizar esse trabalho, destaca-se a produção de conhecimento

científico e o estímulo ao debate na academia sobre a temática como mais um

instrumento de enfrentamento à violência. Entretanto, deseja-se que o presente

estudo incite novos questionamentos, uma vez que este não esgota a complexidade

da problemática abordada.

Page 71: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

70

REFERÊNCIAS

AJUSTE Administrativo da PCR é aprovado na Câmara dos Vereadores. Prefeitura da Cidade do Recife. Recife, Setembro 2009. Disponível em:< http://www.recife.pe.gov.br/2009/09/14/ajuste_administrativo_da_pcr_e_aprovado_na_camara_dos_vereadores_168517.php > Acesso em 20 nov. 2009. BARBIERI, T. de. Sobre a categoria gênero: Uma introdução teórico-metodológica. Tradução Antonia Lewinsky. Revista Interamericana de Sociologia. Ano VI, n° 2-3, maio –dezembro/1992. BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1980. BLAY, E. A. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados [online], vol.17, n.49, pp. 87-98. 2003. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000300006&script=sci_abstract&tlng=en> Acesso em 30 nov.2009. BOURDIEU, P. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kuhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. BRASIL. Presidência da República. Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, 26 de setembro de 1995. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9099.htm>. Acesso em 30 nov.2009. BRASIL. Presidência da República. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providências. Brasília, 7 de agosto de 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em 30 nov. 2009. BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Enfrentamento à violência contra as mulheres – Balanço de ações 2006-2007. Brasília: SPM, 2007. _______. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Brasília: SPM, 2007. _______. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2004. BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2004. _______. Congresso Nacional. Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional sobre violência contra mulher, 1990.

Page 72: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

71

_______. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Norma Técnica de Uniformização – Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Brasília, 2006. CADERNO DE DIRETRIZES. IV Conferência Municipal da Mulher do Recife, 2008. CAMARGO, M. Novas políticas públicas de combate à violência. In Borba, Ângela; Faria, Nalu e Godinho, Tatau (Org.) . Mulher e Política: gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Editora Perseu Abramo, p. 121-135, 1998. CARLOTO, C. M. O conceito de gênero e sua importância para a análise das relações sociais. Serviço Social em Revista, Londrina-PR, v. 3, p. 201-214, 2002. CONSELHO Municipal da Mulher é empossado. Prefeitura da Cidade do Recife. Recife, julho/2008. Disponível em: <http://www.recife.pe.gov.br/2008/07/31/conselho_municipal_da_mulher_e_empossado_163299.php> Acesso em 20 nov. 2009 DINIZ, S. G. Violência contra a mulher: estratégias e respostas do movimento feminista no Brasil (1980-2005). In: Diniz, Simone; Mirim, Liz; Silveira, Lenira. (Org.). Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra a mulher. São Paulo: Ed. Coletivo Feminista,v.1, 2006. FARAH, M. F. S. F. Gênero e políticas públicas. Estudos Feministas, Florianópolis, 12(1): 360, janeiro-abril/ 2004.FERREIRA, A. B. de H. Minidicionário da língua portuguesa - Séc.XXI. Editora Nova Fronteira, 2000. FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. Ed. Ática. São Paulo, 2003. GOMES, R. A dimensão simbólica da violência de gênero: uma discussão introdutória. Athenea Digital - num. 14: 237-243, 2008. Disponível em:< http://psicologiasocial.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/viewDownloadInterstitial/520/442>. Acesso em 30 nov.2009. INSTITUTO PATRICIA GALVÃO. O que pensa a sociedade sobre a violência contra as mulheres. Pesquisa Ibope, 2004. GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres. Recife, 2007. QUEIROZ, F. M. de. Não se rima amor e dor: cenas cotidianas de violência contra a mulher. Mossoró, RN: UERN, 2008. RAGO, M. Descobrindo historicamente o gênero. In: http://www.pagu.unicamp.br/files/cadpagu/Cad11/pagu11.08.pdf REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAUDE E DIREITOS REPRODUTIVOS – Regional Pernambuco. Dossiê Violência Contra Mulher. 2001.

Page 73: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

72

SAFFIOTTI, H. I. B. Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade. Lutas Sociais, nº 2, PUC/SP, 1997, pp.59-79. _______. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cad. Pagu no.16 Campinas 2001. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332001000100007&script=sci_arttext&tlng=en> Acesso em: 30 nov.2009. _______. O poder do macho. São Paulo, Editora Moderna,1987. _______. A síndrome do pequeno poder. In: AZEVEDO, M. A., GUERRA, V. N. de A. (orgs.) Crianças Vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, p. 13-21, 1989. _______. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A. de O. e BRUSCHINI, C.(orgs.) Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, p. 183-215, 1992._______. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. _______. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Labrys, estudos feministas. Número 1-2, julho/ dezembro, 2002. SANTOS, C. M. Da Delegacia da Mulher à Lei Maria da Penha: Lutas Feministas e Políticas Públicas sobre Violência contra Mulheres no Brasil. Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra. Oficina do CES nº 301. Março de 2008. SANTOS, C. M.; IZUMINO, W. P. Violência contra as mulheres e violência de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil. Revista Estudios Interdisciplinários de America Latina y El Caribe. Israel: Universidade de Tel Aviv, VOL.16 – Nº 1, 2005, PAG.147-164.Disponível em:< http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=1074&Itemid=96> Acesso em: 30 nov. 2009. _______. Mapeamento das Delegacias da Mulher no Brasil. Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, Universidade Estadual de Campinas, 2008. SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Christian Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. New York: Columbia University Press, 1990. SOARES, B. M. Enfrentando a violência contra a mulher – Orientações Práticas para Profissionais e Voluntários(as). Brasília: Secretaria Especial de Política para Mulheres, 2005. SOIHET, R. Mulheres Pobres e Violência no Brasil Urbano. In: PRIORI, Mari Del (Org).História das Mulheres no Brasil. Editora Contexto. São Paulo, 2001.

Page 74: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

73

SUÁREZ, M.; BANDEIRA, L. A politização da violência contra a mulher e o fortalecimento da cidadania In: BRUSCHINI, Cristina e UNBEHAUM, Sandra (Orgs.) Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: FCC: Ed.34, 2002.

Page 75: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

74

ANEXOS

ANEXO A – Violência contra a mulher na América Latina e Caribe,

Page 76: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

75

ANEXO B – Instrumentos Internacionais de Defesa dos Direitos das Mulheres 1979-

2001.

Fonte: Cartilha As Mulheres e os Direitos Humanos. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres;

Page 77: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

76

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. BRASIL, 2008.

ANEXO C – Panfleto informativo distribuído pela Coordenadoria da Mulher de Recife

em 2007/2008.

Page 78: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

77

ANEXO D – Rede de Atendimento às mulheres vítimas de violência até fevereiro de

2007.

Fonte: Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres. Recife, 2007.

Page 79: Politicas de Enfrentamento Da_violencia de Gênero No Brasil

78

ANEXO E – Orçamento da SPM destinado ao Enfrentamento à Violência contra às

mulheres.

Fonte: Enfrentamento à violência contra as mulheres – Balanço de ações 2006-2007. Brasília: SPM,

2007.