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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP David Sampaio Barretto A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Sampaio... · Por fim, o trabalho aprofundou-se no estudo da imunidade tributária voltada ... ser em casos em que outros

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

David Sampaio Barretto

A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da

Constituição Federal de 1988

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

David Sampaio Barretto

A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da

Constituição Federal de 1988

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

David Sampaio Barretto

A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da

Constituição Federal de 1988

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

Aprovado em: _____________

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Renato Lopes Becho (orientador)

Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. (a) Dr.(a)____________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. (a) Dr.(a)____________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

À minha família, por tudo.

À Martina, com amor.

AGRADECIMENTOS

Uma guru espiritual com quem às vezes converso me disse certa vez que as

almas terrenas deveriam exercitar, em seu caminho, duas tarefas há muito tempo

desprestigiadas: agradecer e perdoar. Como me ensinou a querida senhora, ensaio aqui

as seguintes palavras.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Renato

Lopes Becho, por ser meu guru acadêmico. Apesar de nossa recente aproximação,

aprendi muito ao seu lado e, sob sua influência, busquei atingir rigor, precisão e

excelência. Professor, suas lições, muitas delas silenciosas e à distância, fizeram deste

texto algo muito melhor do que o projeto inicial. Obrigado!

Gostaria também de agradecer à Ana Maria Figueiredo Barbosa, competente

revisora da minuta que lhe enviei. Seus apontamentos foram maciçamente incorporados

ao texto. Obrigado!

Aos meus queridos amigos e sócios, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo

Santos, João Paulo Pessoa e Matheus de Abreu Chagas, agradeço pelas discussões,

livros, artigos, apoio e dicas. A ajuda dos três, cada um a seu modo, foi fundamental

para que eu me inscrevesse no mestrado, passasse pelo curso e desenvolvesse minha

dissertação. Obrigado!

Também devo agradecer às minhas amigas de escritório. Sem vocês, Mariana

Del Santi Vespero e Bárbara Damian Antignani, a me ajudarem durante meu retiro, este

trabalho não teria sido possível. Obrigado!

Agradeço, ainda, aos funcionários da Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação

em Direito, Rui de Oliveira Domingos e Rafael de Araújo Santos, pela eficiência com que

sempre atenderam aos meus pedidos e pela paciência em me explicar o que fosse

preciso durante o andamento do curso. Obrigado!

Por fim, gostaria de agradecer ao meu amigo Fábio Pallaretti Calcini, pelo envio

da obra Direito tributário e educação, de sua coordenação. Os artigos nele contidos

foram essenciais para meu estudo. Obrigado!

Aos demais, a quem não expressamente agradeci, me perdoem. O intuito era

mencionar apenas aqueles que, mais de perto, contribuíram com a elaboração deste

trabalho. Vocês sabem que meu coração lhes é sinceramente grato. Obrigado!

RESUMO

O presente trabalho tem por intuito, em um primeiro momento, identificar quais as

razões históricas e políticas que levaram as necessidades sociais do povo brasileiro

a ser tão mal tuteladas pelo Poder Público, necessitando que a sociedade

interviesse, ajudando ao Estado no patrocínio de atividades de relevante interesse

público, dentre elas a educação.

Passada essa fase, o trabalho volta-se ao estudo das entidades do terceiro setor

consignadas no ordenamento jurídico brasileiro, detectando o conjunto de normas

que asseguram seu nascimento, desenvolvimento e estímulo, com especial

destaque à questão tributária.

Daí, em capítulo próprio, o texto passou a mostrar a imunidade tributária,

modalidade de exoneração fiscal de status constitucional que consubstancia um

verdadeiro instrumento assecuratório de direitos fundamentais. O tema, apesar de

clássico no direito tributário, permanece suscitando dúvidas.

Por fim, o trabalho aprofundou-se no estudo da imunidade tributária voltada

especificamente às instituições de educação sem fins lucrativos, mostrando grande

parte das discussões a respeito do tema.

O trabalho traz o substrato teórico das matérias que se propôs a analisar, sem,

contudo, deixar à margem a visão prática e o entendimento dos tribunais sobre a

imunidade tributária destinada a estas entidades educacionais.

A conclusão do trabalho é no sentido de que a Constituição de 1988 dedica prestígio

à tutela de seus valores fundamentais, estimulando, mediante exoneração fiscal, o

surgimento e a proliferação de instituições que ajudem o Poder Público a manter

atendidas as necessidades sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Estado. Terceiro setor. Direitos fundamentais. Imunidade

tributária. instituições de educação.

ABSTRACT

This study primarily aims to identify the historical and political reasons that led the

social needs of Brazilian people to be so badly assisted by the Government, requiring

society to step in and support the State in sponsoring activities of significant public

interest such as education, to name one.

After this stage, this paper focus on the study of third sector entities set out in the

Brazilian legal system, identifying the set of standards that made it possible their

beginning, development and stimulation, highlighting the tax issue.

Then, in a separate chapter, this work went on to show the tax immunity, a type of

tax exemption that enjoys a constitutional status which substantiates a true assured

instrument of fundamental rights. The topic, though being classic in tax law, is still

subject to questioning.

Finally, this work has gone further in the examination of tax immunity specifically

targeting nonprofit educational institutions, revealing much of the discussions on the

subject.

This paper presents the theoretical framework of the matters which were subject to

investigation, without, however, failing to leave behind both a practical overview as

well as the court understanding over the tax immunity granted to those educational

entities.

The conclusion was that the 1988 Constitution prioritizes the protection of its core

values, encouraging, through tax exemption, the advent and proliferation of

institutions that would help the Government to meet social needs.

Keywords: State. Third sector. Fundamental rights. Tax immunity. Educational

institutions.

INTRODUÇÃO ..................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.0

01. ESTADO, TRIBUTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POPULAR ..... .................................. 13

1.1. DO ESTADO ABSOLUTISTA AO ESTADO SUBSIDIÁRIO .................................................... 13 1.1.1. Surgimento da concepção de Estado, origem da tributação e sociedade: Antiguidade, Idade Média e Absolutismo ................................................................. 13 1.1.2. O Estado liberal de direito .............................................................................. 16

1.1.2.1. Decorrência do projeto liberal .................................................................. 17 1.1.3. O Estado social de direito .............................................................................. 18 1.1.4. O Estado subsidiário ...................................................................................... 19

1.1.4.1. Princípio da subsidiariedade .................................................................... 21 1.2. PANORAMA BRASILEIRO ........................................................................................... 23

1.2.1. Chamamento da sociedade brasileira ............................................................ 24 1.3. TERCEIRO SETOR .................................................................................................... 26

1.3.1. Associações ................................................................................................... 28 1.3.2. Fundações ..................................................................................................... 29

02. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA .......................... ............................................................. 31

2.1. FUNDAMENTOS GENÉRICOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA................................................ 32 2.1.1. Analiticidade constitucional ............................................................................ 34 2.1.2. Rigidez constitucional e cláusula pétrea ........................................................ 35 2.1.3. Preservação de valores relevantes para a sociedade .................................... 38

2.1.3.1. Imunidade tributária e direitos fundamentais ........................................... 41 2.1.3.2. Imunidade tributária e princípios constitucionais ..................................... 45

2.1.3.2.1. Imunidade tributária e o princípio da su premacia do interesse público sobre o particular .............................................................................. 48 2.1.3.2.2. Imunidade tributária e o princípio da is onomia ............................ 49 2.1.3.2.3. Imunidade tributária e o princípio da ca pacidade contributiva ... 51

2.2. PODER, COMPETÊNCIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ........................................................ 54 2.3. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E NORMAS DE ESTRUTURA ...................................................... 58 2.4. ACEPÇÕES DO TERMO E CONCEITOS DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ................................... 59

2.4.1. Imunidade tributária como uma limitação constitucional às competências tributárias ................................................................................................................. 64 2.4.2. Imunidade tributária como exclusão ou supressão da competência tributária66 2.4.3. Imunidade tributária como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada................................................................................................................ 67 2.4.4. Imunidade tributária como exoneração exclusivamente aplicável a impostos 69 2.4.5. Imunidade tributária: instituto jurídico amplo e indivisível ............................... 70 2.4.6. Imunidade tributária como princípio constitucional ......................................... 71 2.4.7. Imunidade tributária como categoria referida a circunstâncias extrajurídicas 72 2.4.8. Os conceitos de imunidade tributária de Paulo de Barros Carvalho, Misabel Abreu Machado Derzi e Regina Helena Costa ........................................................ 73

2.5. CLASSIFICAÇÃO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS........................................................... 74 2.5.1. Imunidades tributárias genéricas e específicas .............................................. 75 2.5.2. Imunidades tributárias subjetivas, objetivas e mistas ..................................... 76 2.5.3. Imunidades tributárias ontológicas e políticas ................................................ 79

2.5.4. Imunidades tributárias incondicionadas e condicionadas ............................... 80 2.6. PARALELO ENTRE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ISENÇÃO E NÃO INCIDÊNCIA .......................... 81 2.7. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ............ 86 2.8. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA: UM FENÔMENO TIPICAMENTE BRASILEIRO ................................ 87

2.8.1. Imunidade tributária: histórico deste instituto ................................................. 88

03. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇ ÃO ......................... 91

3.1. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES

BRASILEIRAS .................................................................................................................. 91 3.2. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E EDUCAÇÃO ......................................................................... 94

3.2.1. O direito à educação nas Constituições brasileiras ........................................ 95 3.2.2. O uso das imunidades tributárias como meio de se promover a educação . 101

3.3. INSTITUIÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS ....................................................................... 104 3.4. IMUNIDADE A TRIBUTOS OU A IMPOSTOS? ................................................................. 119 3.5. ABRANGÊNCIA DOS TERMOS PATRIMÔNIO, RENDA E SERVIÇOS ................................... 120

3.5.1. Impostos sobre o patrimônio ........................................................................ 123 3.5.2. Impostos sobre a renda ............................................................................... 126 3.5.3. Impostos sobre serviços .............................................................................. 129 3.5.4. Impostos incidentes na aquisição de bens ................................................... 130 3.5.5. Impostos incidentes na venda de bens ........................................................ 135

3.6. COMO INTERPRETAR A CLÁUSULA “RELACIONADOS COM AS FINALIDADES ESSENCIAIS DAS

ENTIDADES NELA MENCIONADOS” CONTIDA NO § 4O DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL? ................................................................................................................... 137 3.7. IMUNIDADES CONDICIONADAS : “ATENDIDOS OS REQUISITOS DA LEI” ............................ 143

3.7.1. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais ................................... 143 3.7.2. Lei complementar ou lei ordinária? .............................................................. 145 3.7.3. Limites da regulação .................................................................................... 153 3.7.4. Requisitos do Código Tributário Nacional .................................................... 154

3.7.4.1. Não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título ..................................................................................................... 156 3.7.4.2. Aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais ............................................................................... 160 3.7.4.3. Manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão .............................................. 164 3.7.4.4. Suspenção da imunidade tributária ....................................................... 166 3.7.4.5. Serviços diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades ............................................................................................................ 170

3.8. A LEI FEDERAL Nº 9.532/97 ................................................................................... 171

CONCLUSÃO ......................................... ..................................................................... 179

REFERÊNCIAS………………………………………………………..................................188

10

INTRODUÇÃO

O Brasil encontra-se organizado em torno dos desígnios trazidos pela

Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 3o, prescreve que constituem

objetivos fundamentais da nossa República federativa a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, o patrocínio do desenvolvimento nacional, a

erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e

regionais, bem como a promoção do bem de todos.

Efetivar tais interesses, no entanto, possui um alto custo. Disso decorre a

fundamental importância da atividade tributária na atual concepção de Estado

brasileiro. Nessa toada, as atribuições da Secretaria da Receita Federal do Brasil

constituem um autêntico direito/dever, já que sua atuação possibilita a obtenção dos

recursos necessários ao desempenho das atividades a cargo da Administração

Pública.

Se a prestação de serviços públicos e a manutenção do patrimônio coletivo

implicam elevados gastos, não pode o Estado prescindir de exigir de seus

administrados as prestações de caráter compulsório denominadas de tributos, a não

ser em casos em que outros interesses estejam em jogo.

Por outro lado, com o amadurecimento do Estado social e democrático de

direito, a participação popular em atividades não exclusivas do Poder Público

cresceu em importância, de modo que se mostrou necessário o uso de artifícios para

atrair os particulares a prestarem serviços de interesse comum.

Como decorrência desse processo, surge a imunidade tributária destinada às

instituições de educação sem fins lucrativos, objeto de nosso amplo estudo no

presente trabalho.

Nossa primeira aproximação com o tema das imunidades tributárias voltada

ao setor educacional decorreu de curiosidade pessoal. No entanto, com o passar

dos anos, tornou-se uma preocupação acadêmica e profissional.

Os dados que levaram nossa atenção inicial ao assunto foram estampados

em uma capa de jornal já há algum tempo. Apesar de não recordarmos qual era o

teor exato da notícia e a data, os números alarmavam.

11

A triste notícia é que, segundo nos parece, se anos atrás a situação não era

favorável à educação brasileira, os números continuam alarmantes, apesar de ter

mudado alguma coisa ao longo da última década.

Por que dizemos isso? Porque, de acordo com o Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica – IDEB, indicador que mede a qualidade da educação

brasileira, a pontuação, de 0 a 10, atribuída, no Brasil de 2011, aos primeiros anos

do ensino fundamental foi de 5,0; ao anos finais do ensino fundamental, de 4,1; e ao

ensino médio, de 3,7.

Paralelamente, o investimento público direto em educação básica, em termos

percentuais do Produto Interno Bruto – PIB, no Brasil de 2010, foi de apenas 1,6 %

aos primeiros anos do ensino fundamental; de 1,5% aos anos finais do ensino

fundamental e de 0,8% ao ensino médio.

A conclusão não poderia ser mais nefasta: de um lado, as notas da educação

brasileira continuam baixas e, de outro, o investimento de capital no setor continua

aquém do razoável.

Ninguém ousaria discordar, entretanto, que a educação consubstancia a

principal janela de oportunidade existente na sociedade moderna. Nesse sentido,

quanto maior e melhor for o sistema educacional de um dado país democrático,

maior será a igualdade de oportunidade de seus cidadãos e, por conseguinte,

maiores as chances de desenvolvimento pleno das potencialidade de cada um.

Além disso, a educação é, em verdade, um direito coletivo essencial à

promoção da cidadania, da democracia e do modelo republicano de Estado,

apresentando um visível impacto positivo nas condições gerais de vida da

população, o que a torna imprescindível para a inserção social plena.

O que estamos a dizer é que o Estado brasileiro só se desenvolverá de modo

a atingir os desideratos estabelecidos no artigo 3o da Constituição Federal de 1988

quando, finalmente, estabelecer como principal preocupação a efetivação do

sagrado direito à educação de qualidade. Essa, no entanto, não parece ser a opção

política de nossos governantes.

Diante desse quadro negro, conhecendo as notas vermelhas constantes no

boletim do Ministério da Educação, cresceu nosso interesse pelas medidas

12

tributárias voltadas ao setor da educação, tais como as imunidades do artigo 150, VI,

“c” da Constituição Federal.

Queríamos entender como o setor privado, tradicionalmente mais apegado

aos conceitos de eficiência e resultado, poderia contribuir ativamente para a solução

do problema educacional, abandonando a também tradicional postura inerte diante

das mazelas brasileiras.

Muito mais do que exigir atuações do poder público, cabe à sociedade

participar da atividade educacional. Até porque é isso o que comanda o artigo 205

da Constituição Federal ao aduzir que “A educação, direito de todos e dever do

Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.

Este trabalho, inicialmente uma pesquisa particular, virou projeto de

dissertação. E, com a ajuda de inúmeros autores, professores, colegas de sala e de

trabalho, tornou-se uma dissertação de mestrado.

Queríamos que sua leitura fosse agradável e com a menor quantidade

possível de interrupções; queríamos que fosse palatável e fluída. Por isso optamos

por fazer as citações na modalidade autor-data, incorporando as lições dos autores

ao corpo do nosso texto.

A fim de conhecermos melhor o ponto de toque que existe entre a

participação popular em atividades de interesse público, a concreção de valores e a

modalidade de exoneração fiscal conhecida como imunidade tributária,

analisaremos, inicialmente, a evolução histórica pela qual passou o Estado

ocidental, anotando a ligação entre seus modelos, o papel da tributação e a

participação social em determinadas atividades.

Em outro momento, após ampla investigação sobre as normas gerais

destinadas às imunidades tributárias, discorrendo sobre os pontos que achamos

essenciais à sua compreensão, faremos uma completa análise sobre a imunidade

referente às instituições de educação, oportunidade em que serão apontados

inúmeros julgados a respeito do tema.

Por fim, a fim de arrematar a análise da exoneração fiscal destinada aos

entes educacionais, apresentaremos, de modo sucinto, a conclusão de cada tópico,

bem como a nossa impressão geral sobre o objeto que tanto nos interessa e sobre o

qual queríamos expor algumas ideias.

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01. ESTADO, TRIBUTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POPULAR

No decorrer da história das sociedades, a estrutura e os papéis do Estado

mudaram significativamente. Norberto Bobbio (1999, p. 178), ao abordar as funções

mínimas do Estado, enumerou três delas como indispensáveis à sua existência: (i) a

função de resolver conflitos; (ii) a de valer-se da força para resolvê-los; e (iii) a de

impor tributos, sem os quais o Estado não pode desenvolver nenhuma das funções

anteriores.

Nesse sentido, todas as demais funções que o Estado moderno se tem

atribuído, como proporcionar ensino e assistência social aos cidadãos, caracterizam-

se, em verdade, como funções públicas epidérmicas e, portanto, não essenciais ao

conceito de Estado enquanto tal.

Essa passagem de Bobbio (1999, p. 178) é ilustrativa por diversos fatores,

dentre os quais, porque indica a importância da tributação para a existência do

Estado e, também, por demonstrar de maneira explícita que a educação é atividade

prestada apenas por certos modelos de Estados, que a promove das mais variadas

formas.

Como primeiro passo, no intuito de analisarmos as diversas mudanças pelas

quais passou o Estado moderno ocidental, bem como para entender o porquê de

certas transformações, traçaremos uma linha do tempo demonstrando a evolução

histórica da ligação existente entre Estado, tributação e participação popular em

atividades de interesse público.

1.1. Do Estado absolutista ao Estado subsidiário

1.1.1. Surgimento da concepção de Estado, origem da tributação e sociedade:

Antiguidade, Idade Média e Absolutismo

No Estado da Antiguidade, o centro de poder de onde irradiam todas as

manifestações de força é a cidade. Segundo Paulo Bonavides (2012, p. 34), por

conta da riqueza dos grandes centros urbanos antigos é que se formaram os

14

grandes impérios e hegemonias. Foi assim, por exemplo, na Babilônia, em Atenas e

em Roma.

Numa perspectiva tributária, pode-se verificar a existência de contribuições

desde tempos remotos. As mais primitivas formas de organização social já contavam

com alguma espécie de cobrança para fazer frente aos gastos coletivos. Segundo

aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 15), os dízimos cobrados no século XIII a.C.

sobre frutos, carnes e mel são bons exemplos disso.

Na Antiguidade, os tributos não eram destinados aos homens livres. O

cidadão, porque livre e participativo na coletividade, não se sujeitava às imposições

fiscais, cumprindo sua quota de serviço social ao exercer suas atividades

corriqueiras. Trabalhar em prol da comunidade, longe de ser uma restrição à sua

liberdade era a própria exteriorização desta.

Daqueles que tivessem a liberdade ceifada, ao contrário, exigia-se tributos

(SCHOUERI, 2011, p. 17). Na Grécia, sobretudo em Atenas, contribuições eram

exigidas dos povos escravizados e dos estrangeiros, na forma de um imposto de

capitação.

Na Roma republicana, do mesmo jeito, aos povos vencidos eram infligidos o

direito de pilhagem e o de tomada de terras. Apenas em casos emergenciais, como

em guerras, exigia-se do cidadão romano um empréstimo a ser devolvido com o

valor dos espólios.

Após o colapso do Império Romano, a Idade Média cristã viu florescer, ainda

que palidamente, a concepção atual de Estado, no sentido de entidade coercitiva

apta a padronizar o sistema normativo e dar-lhe eficácia.

Dizemos palidamente, pois, como nos lembra Paulo Bonavides (2012, p. 34-

35), a concentração de poder mantinha-se fragmentada pela autoridade temporal

dos imperadores franco-germânicos, de um lado, e da autoridade espiritual dos

papas, do outro.

Nesse período, a tributação assume outra dimensão. Reinando o cristianismo,

não havia mais espaço para a escravidão. Surge, assim, a figura do servo, detentor

de direitos e obrigações perante seu senhor, contra quem eram exigidos, em caráter

contratual, o cumprimento de deveres, alguns deles de caráter pecuniário.

15

Na base social, verificamos a predominância da relação servil, marcada pela

miséria. Nesse sentido, os camponeses permaneciam presos ao serviço nas glebas

a eles conferidas e, em troca, garantiam o mínimo necessário à subsistência de suas

famílias.

Com o declínio do período feudal, os laços de suserania e vassalagem

começam a minguar. A vida eminentemente campestre cede espaço às pequenas

fortificações dos senhorios. Nesse modelo de sociedade, o senhor, proprietário de

terras e provedor da segurança pública, cobra pelo uso destas, assim como pelos

serviços que oferece.

O incipiente Estado absolutista, já com traços de soberania, a fim de fazer

frente às suas despesas, principalmente aquelas decorrentes de guerras, principia a

cobrar certas “taxas” da população. Ajudado pelo clero e pela nobreza na

fiscalização das novas exigências, o soberano começa a traçar o que viria a ser a

principal fonte de renda estatal.

Sobre a época, Ricardo Lobo Torres (1991, p. 14) explica que o tributo ainda

não pode ser considerado um instituto propriamente público, eis que nessa

modelagem de Estado o público e o privado misturam-se indiscriminadamente,

sendo o cofre público indissociável do cofre real1.

Socialmente falando, justifica-se toda e qualquer atuação do monarca. Com

efeito, o contrato existente entre o povo e o Estado, tal qual preconizado por Thomas

Hobbes (1588-1679) em seu clássico o Leviatã, confere ao rei o uso de poderes

ilimitados em troca da conservação da vida social.

Segundo essa lógica, o homem, em seu estado natural, desfruta de liberdade

absoluta, no entanto esta não lhe é favorável. Do aguçado instinto de sobrevivência

humano, decorreria guerra, violência e terror, não sendo possível ao homem, nesse

estado de coisas, enxergar sua natureza agregativa e as boas consequências da

vida em conjunto. Daí abrir-se mão da liberdade em troca da conservação.

1 Em suas palavras (TORRES, 1991, p. 14): “[...] o tributo ainda não ingressava plenamente na esfera da publicidade, sendo apropriado de forma privada [...]. No Estado Patrimonial se confundem o público e o privado, o imperium e o dominium, a fazenda do príncipe e a fazenda pública. Por outro lado, nele ainda há resíduos do feudalismo [...] com a persistência de certas formas de fiscalidade em mãos do senhorio e da Igreja, eis que apenas na fase final do absolutismo ocorre a centralização dos tributos nas mãos do rei, com a diluição dos poderes periféricos.”

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Tal realidade, entretanto, mudou substancialmente com o fortalecimento da

burguesia, a queda do Absolutismo e o surgimento do Estado liberal de direito.

1.1.2. O Estado liberal de direito

A ideia de limitação do poder afirma-se com o advento do Estado liberal e sua

evolução, que se desenvolveu na Inglaterra a partir do século XVII, consolidando-se

progressivamente na Europa depois da Revolução Francesa de 1789 e, nos Estados

Unidos, a partir de sua Guerra de Independência, começada em 1776.

A intenção central que dominava o período era circunscrever o poder absoluto

desenvolvido nos séculos anteriores, limitando, de todas as formas e por todos os

meios, os poderes do soberano. Erigia-se, pois, um sistema de garantias que

pudesse confrontar o poder político até então dominante.

Difundiu-se, a partir desse período, por todo mundo ocidental, os ideais de

liberdade, igualdade e fraternidade, estimulando a divisão de poder, o protecionismo

aos direitos individuais e o império da lei.

Segundo John Locke (1632-1704), o homem só aceitou associar-se para

garantir o direito permanente de propriedade, sem o qual não se sentia livre. Nessa

medida, cabia ao governo, precipuamente, tutelar e garantir o direito de propriedade.

Nada mais.

Para José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p. 93), o Estado de direito é um

Estado essencialmente liberal, em que as ordens econômica e social são relegadas

aos indivíduos, cabendo ao Poder Público apenas garantir a ordem e a segurança

pública2.

Nesse solo fértil nasce, assim como concebemos hoje, o direito tributário,

pois, como sabiamente aponta José Souto Maior Borges (2007, p. 25), “No Estado

2 Para o autor (CANOTILHO, 1998, p. 93): “O Estado de Direito é um Estado Liberal de Direito. Contra a idéia de um Estado de Polícia que tudo regula e que assume como tarefa própria a prossecução da felicidade dos súditos, o Estado de Direito é um Estado liberal no seu verdadeiro sentido. Limita-se à defesa da ordem e segurança pública (Estado polícia, Estado gendarme, Estado guarda-nocturno), remetendo-se aos domínios econômicos e sociais para mecanismos da liberdade individual e da liberdade de concorrência. Neste contexto, os direitos fundamentais liberais decorriam não tanto de uma declaração revolucionária de direitos mas do respeito de uma esfera de liberdade individual.”

17

constitucional moderno, o poder tributário deixa de ser um poder de fato, mera

relação tributária de força para converter-se num poder jurídico que se exerce

através de normas”.

Diante desse quadro, em que o tesouro do príncipe não existia mais, coube à

sociedade, financiar os gastos públicos, de modo que o aparelho de arrecadação

estatal ganhou prestígio, ainda que as demandas públicas, pelo menos em tese, não

fossem requerer tanto capital3.

A tributação do período, claramente influenciada pelo liberalismo, possuía um

caráter minimalista: ao Estado não incumbia intervir na economia, nem diretamente,

nem por meio de tributos.

No entanto, como aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 24-25), se o

Estado de direito passa à iniciativa privada os fatores de produção, garantidas as

liberdades de propriedade e de exercício de profissão, renuncia, pois, sua atuação

empresarial. Precisa financiar-se de outra maneira e a receita tributária passa,

então, a ser o mecanismo de financiamento estatal por excelência.

1.1.2.1. Decorrência do projeto liberal

O novo Estado surge sob a égide de doutrina altamente individualista,

segundo a qual cumpria à Administração Pública manter a ordem, a paz e a

segurança pública, interferindo o mínimo possível na vida dos cidadãos e na

economia.

Com o passar do tempo, no entanto, a sociedade, antes embebida em uma

consciência anticoletivista, antiestado, viu-se carente de certos serviços. A Igreja,

com a perda de benefícios fiscais, já não prestava mais assistência social, tampouco

o Estado. Os indivíduos passaram a necessitar, entre tantos outros benefícios, de

educação, saúde e trabalho.

3 No Estado liberal de direito as funções do Poder Público são, a rigor, diminutas, de modo que, pelo menos no projeto, não há necessidade de grande coleta tributária.

18

Após o final da Primeira Grande Guerra, acelera-se o processo de

desmoronamento do liberalismo. O laissez faire4 já não se sustentava mais diante

das crescentes necessidades do povo. A miséria, a fome e a desigualdade social

chegaram a níveis alarmantes.

Em face dessa nova realidade, não se aceitava mais um Estado inerte frente

às crises sociais. De acordo Marcelo Figueiredo (2003, p. 11), o Estado liberal,

caracterizado pelo individualismo, deveria ser repensado a fim de conter as enormes

desigualdades sociais. Nesse contexto, a atuação estatal se mostrava indispensável,

garantindo aos cidadãos não apenas as liberdades conquistadas, mas ampliando-as

de poucos para muitos.

O absenteísmo do Estado, tão pregado pelo modelo liberal, entrou em franco

declínio, sendo prontamente substituído pelo intervencionismo.

1.1.3. O Estado social de direito

A fim de responder às necessidades sociais provocadas pelo fracasso do

liberalismo econômico, o Estado social nasceu intervindo na economia e na

sociedade com o intuito de promover o bem-estar do povo.

Como aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 25), a liberdade ganha nova

feição, passando a ser coletiva. Já não mais se pode considerar o cidadão livre, se

ao seu redor, há desigualdade por todo lado. O conceito de liberdade corrente se

considera atingido, realizado, quando toda sociedade tem acesso a ela. E, para

tanto, a atuação da Administração Pública é fundamental.

Carlos Ari Sunfeld (2000, p. 55) explica-nos que, em um primeiro plano,

aparecem os chamados direitos sociais, sendo franqueada ao indivíduo a

possibilidade de exigir certas prestações positivas do Estado.

Por outro lado, o Poder Público passa a atuar como agente econômico,

substituindo os particulares e tomando para si a tarefa de desenvolver atividades

reputadas importantes ao crescimento da nação.

4 Parte da expressão em língua francesa "laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même”, de Vicent Gournay (1712-1759), que significa, em livre tradução, deixai fazer, deixai passar, o mundo vai por si só.

19

Suas atribuições, nesse diapasão, aumentam sobremaneira, sendo ele,

agora, responsável por participar ativamente na economia do país, principalmente

em setores estratégicos, tais como telecomunicações, transporte e infraestrutura.

Ocorre que, com o incremento populacional ocorrido no século XX, o Estado

social não mais consegue cumprir suas obrigações de maneira satisfatória.

Os gastos públicos crescem exponencialmente, tornando-se altos demais. A

arrecadação fiscal, principal fonte de custeio do governo, por sua vez, não

acompanha o mesmo ritmo, de modo que os recursos necessários ao desempenho

das atividades estatais se mostram insuficientes.

Tal modelo de Estado produtor, prestador de serviços, interventor e

burocrático tornou-se, assim, ineficiente.

1.1.4. O Estado subsidiário

A figura do Estado que concentrava em si mesmo as funções de intervir,

fomentar e participar ativamente na economia mostrou-se insustentável.

No Estado do século XXI, apesar de a sociedade continuar identificando a

inclusão social como uma prerrogativa de liberdade, desaparece a crença de que

cabe unicamente ao Estado resgatar as camadas menos favorecidas.

Nem individualista, como na sociedade burguesa do século XIX, nem

anestesiada pelo manto paternalista do Estado do século XX, a sociedade agora

toma para si a responsabilidade de participar de atividades em que reconhece seus

interesses, reivindicando o espaço antes ocupado pela Administração Pública.

Com a bancarrota da onipresença estatal, a questão tributária entra em

cheque. Afinal, contribui-se para que o Estado mantenha os interesses públicos

tutelados. Com a retomada da participação popular em atividades de fins sociais,

parte desse pagamento perde a razão de ser.

Na atual roupagem de Estado, a tributação excessiva torna-se um empecilho,

já que implica a diminuição dos recursos que a própria coletividade necessita para

manter seus interesses atendidos. Como aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p.

20

27), “revelando-se o Estado incapaz de suprir certas demandas sociais, não se

legitima o aumento desmedido de tributos, em ciclo crescente e interminável”.

Diante dessa lógica, as chamadas “limitações constitucionais ao poder de

tributar” revestem-se de especial importância, conferindo à sociedade zonas de

intributabilidade, desde que esta atue em favor do bem comum. São exemplos

desses limites, a não tributação do mínimo vital, o princípio da capacidade

contributiva e as imunidades tributárias.

Especial atenção merecem as imunidades concedidas às instituições de

educação sem fins lucrativos já que indicam, de modo expresso, a intenção de o

constituinte em não desviar, por meio de tributos, os recursos necessários para que

a sociedade civil atue em setores prioritários.

Na redefinição do Estado contemporâneo, o papel do Poder Público passa a

ser, então, o de promover e regular o desenvolvimento econômico e social do país,

fomentando e direcionando a atuação da iniciativa privada.

Segundo Fernando Borges Mânica (2008, p. 39), as atividades econômicas,

antes desenvolvidas pelo Estado, passaram a sofrer maior regulação. Legislações

específicas tornaram-se a regra, especialmente com o escopo de garantir, em cada

setor, a concretização dos princípios que regem a ordem econômica.

Nessa vereda, criam-se as agências reguladoras setoriais, que nada mais são

do que autarquias, de certo modo independentes, incumbidas de fiscalizar o

cumprimento das normas que definem a disciplina jurídica própria de cada área da

economia. Tudo isso com vistas à defesa do interesse público.

Assim, como o Estado deixou de exercer atividades econômicas e sociais por

meio de seus próprios mecanismos, necessário se fez provocar a prestação dessas

atividades por particulares.

Tornou-se imprescindível, nesse sentido, a participação de entidades do

terceiro setor na realização de serviços essenciais à comunidade, passando o

Estado a agir de maneira subsidiária.

21

1.1.4.1. Princípio da subsidiariedade

O Estado social e democrático de direito impõe a participação dos cidadãos

tanto no processo político, quanto nas atividades de relevante interesse social. Seu

intuito é o de proteger e, sobretudo, efetivar o interesse dos cidadãos.

As atividade estatais passam a ser empreendidas de maneira subsidiária.

Silvio Luiz Ferreira da Rocha (2006, p. 16-17), ao tratar do assunto, fala que o

princípio da subsidiariedade foi idealizado para proteger a autonomia dos indivíduos

e da coletividade contra toda atuação pública injustificada.

Do cotejo entre o absenteísmo e o intervencionismo estatal, nasceu o

princípio da subsidiariedade, valor em perfeita consonância com o modelo de Estado

contemporâneo.

Em termos etimológicos, subsidiariedade vem do latim subsidium afferre, que

significa prestar ajuda, oferecer proteção. Como reza Thais Novaes Cavalcanti

(2009, p. 258), sua origem filosófica remonta à questão aristotélica de como

governar homens livres. Já sua concepção moderna, advém da doutrina social da

Igreja Católica Apostólica Romana, que a definiu como princípio de filosofia social

frente ao autoritarismo italiano5.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o princípio da subsidiariedade

obriga que o Estado atue de maneira equilibrada na sociedade e as suas multifaces

– pessoa, família, associações – de modo a não arrogar para si todas as funções,

sejam elas políticas, econômicas ou sociais, nem as deixe unicamente sob os

cuidados dos cidadãos e de suas formas de agrupamento.

5 Segundo a autora (CAVALCANTI, 2009, p. 258): “O conceito foi explicitado pela primeira vez, da forma como é utilizado hoje, em 1931 na Encíclica Quadragesimo anno, escrita pelo Papa Pio XI, que propunha o princípio da subsidiariedade como forma de resistência à ameaça iminente do fascismo na Itália: ‘Como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e capacidade, para confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que as sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los. Deixe, pois, a autoridade pública ao cuidado das associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiadamente; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a necessidade requeiram. Persuadam-se todos os que governam: quanto mais perfeita ordem hierárquica reinar entre as várias agremiações, segundo este princípio da função subsidiária dos poderes públicos, tanto maior influência e autoridade terão estes, tanto mais feliz e lisonjeiro será o estado da Nação’”.

22

Segundo a autora (CAVALCANTI, 2009, p. 258), diferentemente de

intervenções estatais totalitárias e centralizadoras, a subsidiariedade abre espaço

para as políticas públicas abertas a pessoa, assegurando a tomada de decisão mais

próxima ao cidadão e ao caso concreto. Não como retórica ou ideologia para

manutenção do poder, mas como princípio de eficiência e valorização dessas

pessoas, protagonistas do desenvolvimento.

Podemos visualizar a manifestação do princípio da subsidiariedade sob dois

prismas: o vertical e o horizontal.

A subsidiariedade vertical vincula-se às relações entre os Municípios,

organismos menores, com os Estados-membros e a União Federal, organismos

maiores, reivindicando maior liberdade de atuação aos entes municipais em

homenagem à gestão dos interesses locais.

Já a subsidiariedade horizontal liga-se à relação entre o Estado e a iniciativa

privada, favorecendo a atuação de pessoas, entidades e empresas em serviços

socialmente relevantes, de modo a superar o dualismo público-privado, tornando

mais eficaz o papel do Estado.

O modelo federativo e a organização político-administrativa da União,

Estados, Municípios e Distrito Federal trazido pela Constituição Federal de 19886

são, segundo cremos, manifestações claras do princípio da subsidiariedade em seu

prisma vertical.

Por outro lado, ao enunciar que “A educação, direito de todos e dever do

Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,

visando ao pleno desenvolvimento da pessoa [...]”, o artigo 205 do Texto Magno não

deixa dúvidas ao impor a observância do princípio da subsidiariedade em sua

vertente horizontal.

O autor português Fausto de Quadros (1995, p. 18), em importante obra

sobre o princípio da subsidiariedade, afirma que este é um conceito de destacada

importância na concepção do Estado social de direito, na medida em que permite a

participação dos indivíduos e dos corpos sociais na realização do interesse coletivo.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que este princípio impõe a participação popular 6 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

23

na busca desses interesses, recusa o monopólio do Poder Público quanto à

matéria7.

Considerando a inegável presença do princípio da subsidiariedade no

ordenamento constitucional brasileiro, seja através das normas estruturais do

federalismo, seja através da valorização da participação popular em serviços de

interesse público, a influência desse princípio explica, pelo menos em parte, quais

foram os motivos e os anseios que levaram o constituinte originário a escrever o

artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 19888.

1.2. Panorama brasileiro

O Estado brasileiro, apesar de influenciado pelos Estados Unidos, não adotou

propriamente, em sua primeira República, o modelo liberalista então difundido no

mundo. O que se observa, por aqui, no início do século XX, são períodos realmente

liberais entremeados em profundas crises econômico-sociais.

Conforme Regina Andrea Accorsi Lunardelli (2006, p. 34), a introdução de um

pensamento direcionado ao social fez-se, no Brasil, sob a égide de um período

autoritário. Assim, muito embora pairasse em solo pátrio crises e golpes de Estado,

com o advento da Constituição de 1934, inaugurou-se uma fase constitucional que

priorizava os direitos dos cidadãos.

7 Em suas palavras, o autor (QUADROS, 1995, p. 18) aduz que o princípio da subsidiariedade: “[...] é um princípio fundamental na ordem jurídica do moderno Estado Social de Direito, na medida em que conduz à aceitação da persecução do interesse público pelo indivíduo e por corpos sociais intermédios, situados entre ele e o Estado: família, as autarquias locais, as comunidades religiosas, os sindicatos e as associações empresariais, os partidos políticos, as Universidades etc. A subsidiariedade recusa, portanto, o monopólio da Administração na persecução do interesse público e leva à concretização do princípio da participação, que consiste numa manifestação da idéia de Democracia.” 8 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI - instituir impostos sobre: [...] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; [...] § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

24

Segundo Paulo Bonavides (2013, p. 381), o Estado que surge, fortemente

influenciado pelo constitucionalismo de Weimar, inova ao subordinar o direito de

propriedade ao interesse social, ao instituir a justiça do trabalho e ao regulamentar o

salário mínimo e as férias anuais do trabalhador; inova, ademais, ao amparar a

maternidade e a infância, ao instituir o socorro às famílias de prole numerosa e ao

colocar a família, a educação e a cultura debaixo de proteção especial do Estado.

De 1934 em diante, as Cartas Políticas, umas mais outras menos, tutelaram

os interesses sociais, sobretudo no período entre 1946 e 1964 e após a ditadura

militar brasileira.

Eis que surge, então, a Magna Carta de 1988. Tal norma, como aponta o

autor (BONAVIDES, 2013, p. 386), estabelece como objetivos primeiros da

República o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a redução das

desigualdades sociais e regionais. De mais a mais, enuncia, em capítulo próprio, os

direitos sociais, abrangendo a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos

desempregados.

Vê-se, assim, que o Estado social e democrático de direito adotado pela

Constituição de 1988, além de representar a positivação dos direitos conquistados

na época liberal, prescreve cuidado aos diversos direitos sociais, exigindo que as

políticas socioeconômicas do Estado visem sempre ao ideal maior da justiça social.

Tudo isso, sob o manto de mecanismos aptos a garantir a democracia participativa

e, consequentemente, a atuação da sociedade.

1.2.1. Chamamento da sociedade brasileira

As consequências negativas produzidas pelo inchado Estado social exigiram

que o novo modelo de Estado seguisse linha diversa. Criou-se, nesse tempo, o

consenso sobre a necessidade de redução das atribuições estatais, transferindo-as

para a iniciativa privada.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma nova ordem social

instalou-se no Brasil. A fim de romper definitivamente com o Estado totalitário que o

25

procedeu, o Estado social e democrático de direito brasileiro estabeleceu que a

sociedade deveria participar não só do processo político e das decisões de governo,

mas também das atividades de relevante interesse público.

Quanto ao interesse público, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 25)

afirma que este passa a revestir-se de um aspecto ideológico, sendo agora

confundido com a ideia de bem comum. Segundo a autora (DI PIETRO, 2002, p. 25),

a Constituição de 1988 procurou substituir a ideia de Estado legal, puramente

formalista, por um Estado de direito, vinculado aos ideais de justiça; procurou, ainda

mais, submeter o Estado ao direito e não apenas à lei em sentido formal. Daí falar-

se em Estado democrático de direito.

A partir de então desenvolve-se, no Brasil, a ideia de partilhar, entre o Poder

Público e a iniciativa privada, a proteção ao interesse comum, posto que essa

proteção não constitui mais uma prerrogativa somente do Estado.

Diante do acelerado crescimento populacional e do aumento das demandas

sociais, multiplicam-se os interesses a serem tutelados. O Estado já não tem

condições de assumir sozinho as novas atividades de interesse geral. Dentro desse

contexto, as entidades que desenvolvem serviços não exclusivos do Estado e de

reconhecido interesse social, tais como a educação, a saúde e o assistencialismo

social, destacam-se.

Como consequência, cresce a técnica do fomento, caracterizada pelo

incentivo do Estado aos particulares por meio dos mais diversos mecanismos, sejam

eles jurídicos ou econômicos, como a outorga de exonerações fiscais, auxílios,

subvenções ou financiamentos.

Como afirma Luiz Carlos Bresser Pereira (1996, p. 17), a atividade de

organizações não estatais, tais como escolas, museus e hospitais, abre espaço para

a atuação de um Estado social-liberal que garante a tutela do interesse público

mediante o uso de técnicas de financiamento desses organismos, como as

imunidades tributárias9.

9 Em seus ensinamentos, Luiz Carlos Bresser Pereira (1996, p. 17) alega que: “Por meio do reforço das organizações não-estatais produtoras de serviços sociais, como escolas, universidades, centros de pesquisa, hospitais, museus, orquestras sinfônicas, abre-se uma oportunidade para a mudança no perfil do Estado: em vez de um Estado social-burocrático que contrata diretamente professores, médicos e assistentes sociais para realizar de forma monopolista e ineficiente os serviços sociais e científicos, ou de um Estado neoliberal que se pretende mínimo e renuncia suas responsabilidades

26

Em razão da impossibilidade fática de o Estado atender aos novos anseios do

povo, o chamamento da sociedade a participar de atividades relacionadas à tutela

do bem comum mostrou-se imperiosa. Em contrapartida, os particulares que assim

agirem, ganham, mediante o atendimento de certos pressupostos, incentivos do

Poder Público, entre eles a imunidade das instituições de educação sem fins

lucrativos, foco do presente trabalho.

1.3. Terceiro setor

Como falamos, importantes transformações sociopolíticas ocorreram a partir

das últimas décadas do século XX. À antiga ordem, antes dividida em dois setores, o

público e o privado10, agregou-se um novo: o terceiro setor.

Tal termo passou, então, a designar, genericamente, o grupo formado por

organizações da sociedade civil que, unidas pelo direito de livre associação, e não

possuindo finalidade lucrativa, tem como escopo tutelar o bem comum11.

A despeito da importância do conceito, a legislação pátria não trata

especificamente sobre a matéria, sendo a regulação de cada integrante desse setor

realizada de maneira própria, como é o caso das instituições de educação sem fins

lucrativos.

Ademais, como aponta Luis Eduardo Patrone Regules (2006, p. 46), além da

ausência de definição legal quanto ao tema, os estudiosos12 apontam uma certa

fluidez, ou mesmo, provisoriedade da significação de terceiro setor.

Sem adentrarmos a fundo no assunto, para o presente trabalho, cabe apenas

demonstrarmos, em linhas gerais, quem são as instituições do terceiro setor que nos

interessam, como elas colaboram com o Estado e através de que meio a

Administração Pública pode estimulá-las de maneira eficiente. sociais, um Estado social-liberal – que por sua vez proteja os direitos sociais ao financiar as organizações públicas não-estatais – que defendem direito ou prestam serviços de educação, saúde, cultura, assistência social – e seja mais eficiente ao introduzir a competição e a flexibilização na provisão desses serviços.” 10 O primeiro setor é o público e o segundo, o privado. 11 Segundo Tarso Cabral Violin (2010, p. 138-140), o IV Encontro Ibero-Americano do terceiro setor definiu como organizações pertencentes a esta nomenclatura aquelas que são privadas, não governamentais, sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária. 12 Por todos, Tarso Cabral Violin (2010).

27

Nesse caminho, indicadas são as palavras de José Eduardo Sabo Paes

(2001, p. 68), que vê o terceiro setor como o conjunto de entidades que, possuindo

organização própria, apresentam como objetivo principal atuar junto à sociedade civil

visando ao seu aprimoramento13.

Mas, especificamente, quem são esses organismos? Sob que forma do direito

privado eles se constituem? A resposta a essa questão encontra-se na leitura

conjunta de preceitos constitucionais e civis.

Sobre o tema, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5o, XVII a XX,

aponta que:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

De outra parte, o Código Civil afirma que:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações;

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

Neste estudo, não nos importam as sociedades, que, por natureza, possuem

fins lucrativos, nem as organizações religiosas e partidos políticos, posto que estão

fora do nosso objeto.

Traçados esses contornos, analisaremos a seguir os conceitos de

associações e fundações.

13 Segundo o autor (PAES, 2001, p. 68): “O conjunto de organismos, organizações ou instituições de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto a sociedade civil visando seu aperfeiçoamento [...]. [...] Caracterizam-se de acordo com a finalidade das organizações que o compõem, sempre entendendo que essas instituições, conseqüências de novos grupos da sociedade civil e dos movimentos sociais, são, além de interlocutores, instrumentos para a consecução de uma nova dinâmica social e democrática, onde as relações são orientadas pelos laços de solidariedade entre os indivíduos, o espírito de voluntariado e o consenso na busca do bem comum.”

28

1.3.1. Associações

De acordo com o artigo 53 da Lei Civil:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

As associações, trazidas no Código Civil entre os artigos 53 e 61, são

pessoas jurídicas de direito privado constituídas pelo agrupamento de indivíduos que

reúnem seus esforços para a realização de fins não econômicos (universitas

personarum).

Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocas, nem a intenção

de dividir resultados, sendo seus objetivos, como afirma Carlos Roberto Gonçalves

(2013, p. 234), “[...] altruísticos, científicos, artísticos, beneficentes, religiosos,

educativos, culturais, políticos, esportivos ou recreativos”.

A circunstância de uma associação realizar negócios para manter ou

aumentar o seu patrimônio, não a desnatura. É comum, por exemplo, a existência de

entidades educacionais que cobram pelos serviços que prestam ou de sociedades

esportivas que vendem aos torcedores seus uniformes.

É facultada às associações a finalidade econômica, mas não a lucrativa. Com

isso, estamos a dizer que a redação do retrotranscrito artigo 53 do Código Civil, ao

referir-se a “fins não econômicos”, é infeliz. A observância de superávits em suas

contas é juridicamente aceita; diríamos até que é juridicamente desejável. O que lhe

é defeso é distribuição de lucro aos seus membros. Apenas isso.

Dissolvida, a associação, os bens remanescentes serão destinados à

entidade similar designada em seu estatuto ou, na omissão deste, à instituição

municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes, como prescreve o

artigo 61 do Código Civil14.

14 Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. [...]

29

Podem os associados, todavia, antes dessa distribuição de bens

remanescentes, por força do § 1º, do artigo 61 da Lei Civil15, receber em restituição

as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação, desde que haja

cláusula no estatuto para tanto ou que assim tenha sido previamente deliberado.

1.3.2. Fundações

Quanto às fundações, pode-se dizer que estas constituem um acervo de

bens, disposto por uma pessoa física ou jurídica, que recebe personalidade própria

para a realização de determinados fins, lícitos e de interesse público, em caráter

perene (universitatis bonorum).

De acordo com o artigo 62 do Código Civil:

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.

As fundações decorrem da vontade do instituidor e podem ter, como objetivos

institucionais imutáveis, atividades de natureza religiosa, moral, cultural ou

assistencial.

Podem ser privadas ou públicas. Estas instituídas pelo Estado, pertencendo

seus bens ao patrimônio público e regidas segundo os especiais ditames do direito

administrativo. Aquelas, as particulares, são regradas pelos preceitos do Código

Civil, que, dos artigos 62 ao 69, dispõe sobre o assunto.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 240), a fundação compõe-se de

dois elementos: (i) o patrimônio e (ii) o fim. Este é escolhido pelo instituidor, não

podendo ter caráter lucrativo, mas social.

A numeração aparentemente restritiva dos fins que podem carregar a

fundação é, por certo, exemplificativa, admitindo-se que possa ela prestar outras

§ 2o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União. 15 § 1o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

30

finalidades, como a educacional e a científica, desde que ausente o escopo

lucrativo. Exatamente nesse sentido são os Enunciados nº 8 e 9, aprovados na I

Jornada de Direito Civil, realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho

de Justiça Federal16, in verbis:

8 – Art. 62, parágrafo único: a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, art. 62, parágrafo único.

9 – Art. 62, parágrafo único: o art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações com fins lucrativos.

Com a extinção da fundação, nos termos do artigo 69 do Código Civil17, seu

patrimônio será transferido, salvo disposição em contrário no seu ato constitutivo ou

estatuto, a outra fundação designada pelo Poder Judiciário que se proponha a fim

igual ou semelhante. Na falta desta, afirma Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 247)

que os bens serão declarados vagos e passarão ao município de sua circunscrição

ou ao Distrito Federal.

De todo o visto, temos que, como requisitos essenciais, as entidades do

terceiro setor que nos interessa devem: (i) ser constituídas sob a forma de

associação ou fundação; (ii) não distribuir rendas e patrimônio aos seus fundadores

ou associados, é dizer, não possuir finalidade lucrativa; e, (iii) ter como objeto

institucional a satisfação de interesses sociais.

Podemos dizer, então, com tranquilidade, que fazem parte do terceiro setor as

associações e fundações que têm como fim prestar serviços educacionais, posto

seu relevante interesse público.

Como o Estado, mediante fomento de cunho constitucional, incentiva a vida

dessas entidades, será o ponto abordado no capítulo que se segue.

16 Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2013. 17 Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

31

02. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Ultrapassada a etapa em que delineamos a evolução histórica da sociedade

ocidental que nos conduziu ao Estado subsidiário, adentrado em uma de suas

características fundamentais, qual seja, a participação popular, através de entidades

do terceiro setor, em atividades não exclusivas do Estado, passaremos à análise de

temas relacionados à imunidade tributária.

A fim de antever qual é a ideia básica que gira em torno desse instituto

jurídico, fundamental passarmos os olhos na lição de Ives Gandra da Silva Martins

(1998, p. 32-35), que nos serviu de inspiração para o início dos estudos. Segundo o

autor (MARTINS, 1998, p. 32-35):

Na imunidade, portanto, há um interesse nacional superior a retirar, do campo da tributação, pessoas, situações, fatos considerados de relevo, enquanto nas demais formas desonerativas há apenas a veiculação de uma política transitória, de índole tributária definida pelo próprio Poder Público, em sua esfera de atuação.

E por que, na imunidade, há esta vedação absoluta ao poder de tributar? Por que o constituinte coloca um muro à imposição de forma insuperável, a não ser por emenda constitucional?

É que a imunidade, nas hipóteses constitucionais, constitui o instrumento que o constituinte considerou fundamental para, de um lado, manter a democracia, a liberdade de expressão e a ação dos cidadãos e, por outro lado, atrair cidadãos a colaborarem com o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes, o próprio Estado atua mal ou insuficientemente, como na educação, na assistência social etc.

[...] Por outro lado, as imunidades relativas as entidades de educação e assistência social objetivam atrair cidadãos a suprir as ineficiências do Poder Público, decorrentes, na maior parte das vezes, da incompetência administrativa, dos desperdícios, da corrupção e da luta sem ética pelo poder. No Brasil, mais do que nunca, a triste constatação de Lord Acton é presente, pois o Poder corrompe, e o Poder Absoluto corrompe absolutamente. Por esta razão, sabiamente, o constituinte, conhecendo a natureza humana dos detentores do poder, na história brasileira, estimula o cidadão, através das imunidades tributárias, a que faça o que o Estado deveria fazer e não faz, como ocorre nas áreas da Educação e da Saúde, em que o sistema privado é incomensuravelmente superior ao público, principalmente no ensino de primeiro e segundo grau ou nos hospitais particulares.

As imunidades tributárias, neste caso, ao contrário do que apregoam os detentores do poder, não são uma renúncia fiscal, um “favor” que o Poder Público presta à sociedade, mas, ao contrário, um “favor” que a sociedade presta ao Estado em aceitá-las, pois, ao deixarem apenas de pagar impostos, tais entidades, que gastam muito mais do que recebem em desonerações fiscais, fazem pelo Poder Público e para o povo o que é obrigação do Estado fazer e que não faz.

Nas imunidades, não há renuncia fiscal, mas sim renúncia dos cidadãos que, ao se dedicarem a atividades sociais e educacionais, deixam de atuar

32

em áreas lucrativas e onde poderiam legitimamente ganhar e se enriquecer. Aqueles que se dedicam a cuidar da saúde da população e prestar assistência social, a ensinar etc., pensam no país mais do que os detentores do poder e fazem pela educação, pela saúde e pela assistência social, tranquilamente, muito mais do que os políticos que entram pobres na política e dela saem sempre com polpudo patrimônio, nos dias atuais.

É fundamental para que se apreenda o fenômeno das imunidades tributárias que tais elementos pré-jurídicos, em uma visão tridimensional do Direito, exteriorizando fatos relevantes, mereçam a devida valoração, para que se entenda a densidade da norma desonerativa de força constitucional, pois à luz de sua importância é que se poderá interpretar as diversas questões formuladas.

De fato, os mais diversos escopos estão entremeados na exoneração fiscal

conhecida como imunidade tributária. Para o nosso estudo, entretanto, importa

salientar os mais genéricos e essenciais deles: a concretização de direitos

fundamentais e a efetividade na realização do interesse público.

À análise do instituto.

2.1. Fundamentos genéricos da imunidade tributária

Não podemos olvidar que o sistema tributário nacional, apesar de sua

importância na configuração do Estado social e democrático de direito, é apenas um

dos sistemas que integram a complexa rede de interações que caracterizam a

sociedade.

É por isso que Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 13), ao falar da pretensa

separação entre o direito tributário e os demais ramos do direito, propugna pela

inadmissibilidade da autonomia da matéria, arrebatando que “mesmo em obséquio a

finalidades didáticas, não deixaria a cisão de ser a cisão do incindível, a seção do

inseccionável.”

Da mesma opinião é Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p. 30), para quem

o direito é uno e interligado. Nesse sentido, autonomias científicas são tolices

apenas toleráveis pela funcionalidade e didática que promovem, nada mais.

Daí a importância da supremacia constitucional no ordenamento jurídico

brasileiro ao rechaçar qualquer tentativa de compreensão do direito com lentes que

não sejam as suas.

33

Diante da necessidade precípua de observação constitucional para a

construção dos diversos institutos presentes no sistema jurídico, a denominada

“interpretação conforme”, tão prestigiada por nossa Corte Constitucional, pode ser

entendida como um instrumento de concretização dos valores consagrados no Texto

Constitucional.

Segundo Felipe Faria de Oliveira (2010, p. 51), essa construção de significado

com olhos na nossa Constituição é um importante instrumento não apenas de

democracia, mas também de atualização de textos legislativos elaborados em

períodos históricos distantes do atual, como, por exemplo, o Código Tributário

Nacional, que foi editado em 1966.

E, como sabemos, a Constituição Federal de 1988 é a norma capital do

ordenamento jurídico brasileiro. Como decorrência lógica, também nela se apoia o

sistema tributário nacional, ramo do direito com alto grau de constitucionalização.

A imunidade tributária, como o próprio nome sugere, é, portanto, um daqueles

tópicos que deve ser analisado segundo os preceitos tributários. Logo, e como não

poderia deixar de ser, imunidade tributária também é tema eminentemente

constitucional.

Não é outro o entendimento de Roque Antonio Carrazza (2013, p. 814-815),

para quem as normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam das

imunidades tributárias, fixam a incompetência dos entes tributantes para onerar, com

exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque

coligadas a determinados fatos, bens ou situações18.

Sendo assim, algumas características da Constituição de 1988 são de

relevante importância no estudo da imunidade tributária, notadamente no que tange

aos fundamentos elementares desse instituto.

Nesse diapasão, analisaremos, a seguir, três características da nossa

Constituição: (i) sua analiticidade; (ii) sua rigidez; e (iii) a preservação de valores que

encerra.

18 Nas palavras do autor (CARRAZZA, 2013, p. 815): “Ora justamente por ter assento constitucional, o tema reclama análise sob a exclusiva óptica da Carta Magna. Deveras, o alcance das imunidades tributárias não deve ser construído com base na normatividade infraconstitucional (v.g., no Código Tributário Nacional), mas apenas com apoio na própria Constituição Federal, que há de ser entendida e aplicada de acordo com os princípios e valores que consagra.”

34

Vejamos cada uma delas.

2.1.1. Analiticidade constitucional

O primeiro fundamento genérico da imunidade tributária que poderíamos

apontar é a hipertrofia constitucional brasileira. Mas o que vem a ser tal

característica?

Segundo a conceituação clássica, Constituições analíticas, também

denominadas prolixas, extensas ou regulamentares, são aquelas que trazem em seu

bojo assuntos de natureza não constitucional; são aquelas que disciplinam matérias

que, a rigor, não seriam abordadas no Texto Constitucional, mas em veículo

legislativo diferente.

De acordo com Regina Helena Costa (2006, p. 65), o aumento do tamanho

das Constituições se dá, ordinariamente, pelo descontentamento e a insegurança do

povo, tanto em relação àqueles que costumeiramente elaboram as leis, quanto

àqueles que as aplicam.

Entendemos a preocupação do constituinte originário. Realmente, diante dos

históricos abusos de poder que o Estado brasileiro infligiu à sociedade, com mandos

e desmandos de toda sorte, é medida preventiva razoável aquela tendente a

engessar a atuação dos Três Poderes, elencando uma série de princípios de

observância obrigatória.

Como já apontamos, essa é, por sinal, a intenção predominante do Texto de

1998: romper com antigo Estado autoritário, instituindo um novo, amordaçado pelo

direito e atento aos modernos anseios populares. Um Estado, enfim, que fosse de

fato democrático e social de direito, digno do nome e não apenas retórico19.

19 Geraldo Ataliba (2011, p. 16), a respeito do Estado democrático de direito, alega que é traição ao povo e, pois, negação da democracia, consagrar apenas retoricamente os princípios popularmente fixados e, depois, estabelecer regras que os esvaziem ou contravenham. Em suas palavras (ATALIBA, 2011, p.16), “Todas as normas constitucionais devem dispor de modo a dar plena e cabal garantia de eficácia aos princípios.”

35

Eis que, o redator primeiro, reflexo do povo brasileiro20, optou pela

prolixidade, disciplinando, amiúde, matérias de natureza não constitucional,

principalmente aquelas que prescrevem as garantias do cidadão pelo Estado.

E tem sido tal prolixidade a característica das Constituições brasileiras. Se

observarmos, em todas elas, da de 1824 até a atual, de 198821, verifica-se a extensa

preocupação do legislador constituinte originário em tratar, o máximo possível, dos

mais variados assuntos.

Em matéria tributária, por exemplo, podemos identificar, na Constituição de

1988, quatro principais temas: (i) a classificação dos tributos; (ii) a previsão de suas

regras-matrizes de incidência tributária; (iii) a rígida discriminação de competências

legislativas tributárias; e (iv) as limitações ao exercício dessas competências.

Essa Constituição Federal, ao tratar acerca da competência legislativa

tributária das pessoas políticas, de como se daria seu exercício e quais seriam seus

freios, trouxe as imunidades tributárias como uma das formas de exoneração fiscal.

E mais: não só as trouxe, como também as colocou em local de destaque, como

veremos a seguir.

2.1.2. Rigidez constitucional e cláusula pétrea

Outro fundamento genérico das imunidades tributárias reside no fato delas

terem por alicerce uma Constituição rígida, ou seja, de difícil ou nenhuma

modificação a depender do grau de importância da matéria trazida em cada preceito.

Segundo José Afonso da Silva (2007, p. 45), a rigidez constitucional deriva da

maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas

do ordenamento jurídico. Dessa rigidez emana o princípio da supremacia

constitucional. Daí dizer-se que a Constituição brasileira está disposta no vértice do

20 Falando sobre a origem do poder estatal, Geraldo Ataliba (2011, p. 15) afirma: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Como o povo não pode apresentar-se na função de governo, os seus escolhidos o representam. Governam em seu nome, no seu lugar, expressando sua vontade. No intenso e vivo diálogo político que precedeu à reunião da convenção constituinte, o povo fixou os grandes rumos, as diretrizes de governo que quis ver concretizadas. Estabeleceu o conteúdo substancial do mandato que conferiu aos constituintes.” 21 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, EC n. 1/69, 1988.

36

sistema jurídico do país, conferindo validade às demais normas e cobrando delas fiel

respeito e observância22.

Nossa Constituição é rígida. E por ser a norma soberana do Estado, deve

todos os entes políticos, bem como suas leis, a ela se amoldarem. Qualquer norma

só será válida perante a ordenação jurídica nacional se conformada à Lei das Leis.

Esta é a regra de ouro.

Temos assim que, diante da rigidez constitucional brasileira, qualquer preceito

nela contido está mais protegido do que estaria se trazido por legislação

infraconstitucional.

Como ensina Regina Helena Costa (2006, p. 67), se uma Constituição for

flexível, irrelevante se diretrizes fundamentais são trazidas no plano constitucional

ou abaixo dele, posto ser essa Constituição modificável mediante o mesmo processo

pelo qual se altera as leis infraconstitucionais.

Se, por exemplo, a Constituição brasileira fosse flexível seria inútil

diferenciarmos as imunidades das isenções, pois não se poderia afirmar que as

imunidades tributárias, já que prestigiadas pelo Texto Constitucional, guardariam,

com perenidade, valores socialmente relevantes. Ou seja, tanto as imunidades,

dispostas na Constituição Federal, quanto as isenções, fruto de normas

infraconstitucionais, poderiam ser erradicadas do sistema jurídico sem maiores

dificuldades.

Despiciendo seria, pois, o uso da imunidade tributária, bastando que toda e

qualquer exoneração fiscal se desse mediante isenção. Caso necessário extirpá-la

do ordenamento jurídico, desde que atendidas as garantias mínimas dos

contribuintes, revogar-se-ia a norma que a instituiu e o benefício seria extinto.

22 Segundo o autor (SILVA, 2007, p. 45): “A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial consequência, o princípio da supremacia da Constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, ‘é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito politico’. Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.”

37

O que se está a dizer é: quando, escrevendo a Constituição de 1988, de

modo analítico e rígido, o constituinte primeiro decidiu criar o instituto jurídico da

imunidade tributária, assim o fez para que ele fosse respeitado e durasse no tempo.

Quanto tempo? Segundo pensamos, até a confecção de outra Constituição.

Isso porque, no que tange às imunidades tributárias, a rigidez constitucional

brasileira atinge seu clímax, tornando-as cláusulas pétreas, autênticas garantias de

eternidade.

Conforme o § 4o, IV do artigo 60 do Texto Constitucional, “não será objeto de

deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias

individuais.”

E o que é a imunidade tributária, senão garantia do cidadão em não ser

alcançado pelo Fisco em determinadas circunstâncias, em razão de determinados

fatos?

Não pode, desse modo, o poder constituinte derivado, posto que poder

constituído e, portanto, limitado, diminuir ou invalidar o âmbito de eficácia das

imunidades tributárias, verdadeiras garantias individuais. Como afirma Regina

Helena Costa (2006, p. 68), “A imunidade fiscal é, assim, direito não suprimível por

emenda constitucional.”

Clélio Chiesa (2013, p. 79) parece não pensar exatamente dessa maneira.

Por quê? Porque segundo seu entendimento as imunidades tributárias poderão ser

tocadas ou alteradas mediante emendas constitucionais naquilo que a Constituição

Federal permitir. Significa dizer que algumas imunidades poderão ser tolhidas e

outras não.

Esse modo de enxergar as imunidades tributárias, contudo, não nos parece

correto. Ora, de uma forma ou de outra o instituto, em qualquer de suas

modalidades, protege direitos e garantias individuais, de modo que a aplicação do

acima exposto artigo 60, VI, § 4º mostra-se cogente.

A propósito do assunto, o Supremo Tribunal Federal, argumentando que não

cabe ao constituinte derivado tocar na vontade do constituinte originário, mostra que

partilha do entendimento segundo o qual não cabe a emendas constitucionais alterar

os preceitos imunizantes trazidos no Texto de 1988. Vejamos a seguinte ementa:

38

Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributária reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4.,inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

(ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)

Entendemos, portanto, que todas as imunidades tributárias não são possíveis

de ser atacadas mediante o uso de emendas constitucionais, seja para suprimi-las,

alterar-lhes o significado ou restringi-las.

2.1.3. Preservação de valores relevantes para a soc iedade

Podemos, ainda, enxergar um terceiro fundamento genérico para as

imunidades tributárias, este de natureza eminentemente valorativa. Isso porque,

como afirma Jorge Miranda (1988, p. 198), não podemos conceber o direito como

um somatório de regras avulsas, mero produto de atos de vontade ou concatenação

de fórmulas articuladas entre si. O direito é ordenamento, é coerência ou, talvez,

39

mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, e é, acima de tudo, valor

incorporado em regra23.

Segundo a teoria tridimensional do direito, como exposta por Miguel Reale

(2010, p. 550-555), o direito fundamenta-se em três pilares básicos: fato, valor e

norma. Para que se dê o seu surgimento a um conjunto de fatos devem ser

atribuídos certos valores mediante a atividade de normas.

O primeiro dos elementos que compõe a estrutura do direito é, pois, o fato,

reconhecido como acontecimento do mundo fenomênico de caráter social, político,

econômico, religioso ou qualquer outro.

A esse fato é atribuído um valor, tomando-se por base a percepção que a

sociedade tem em relação a ele naquele local e momento histórico. Ou seja,

determinado fato, porque ocorrido naquele ambiente e época, carrega em si certo

conteúdo axiológico.

O valor atribuído ao fato é, então, inserido no ordenamento jurídico por meio

de uma norma; norma esta prevista e consagrada no sistema. Tais elementos, como

indica André Ramos Tavares (2011, p. 607) “coexistem e integram-se, dinâmica e

dialeticamente, e seu legado é a própria estrutura do Direito.”

Deveras, a proteção a valores é tema que se faz presente em qualquer

ordenamento jurídico. No brasileiro, por exemplo, pode-se facilmente visualizar tal

afirmação. Para tanto, basta verificar o preâmbulo da Constituição Federal de

198824, segundo o qual são valores supremos da sociedade brasileira o exercício

dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

23 Geraldo Ataliba (2011, p. 17), falando sobre o caráter sistemático do direito, alega: “Sendo o Direito um sistema, torna-se mais fácil apreender o conteúdo, sentido e alcance de seus institutos e normas em função das exigências postuladas por esses princípios. Olvidar o cunho sistemático do Direito é admitir que suas formas de expressão mais salientes, as normas, formam um amontoado caótico, sem nexo, nem harmonia, em que cada preceito ou instituto pode ser arbitrária e aleatoriamente entendido e aplicado, grosseiramente indiferente aos valores jurídicos básicos resultantes da decisão popular.” 24 Segundo o referido preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

40

Na seara tributária, os valores trazidos no Texto de 1988 que amparam as

normas imunizantes demonstram, sem sobra de dúvidas, quais eram os anseios e

preocupações da sociedade brasileira à época da Constituinte.

Sendo a instituição de tributos nítida exceção aos direitos de liberdade e de

propriedade do cidadão, ainda que constitucionalmente consentida, é explicável que

o redator constituinte, querendo efetivar determinados valores, tenha criado zonas

de não tributação concernentes a certas pessoas, bens e situações.

Nesse passo, as imunidades tributárias constituem verdadeiras normas

voltadas à concretização de valores socialmente relevantes inseridos na

Constituição Federal 1988, dentre eles o do bem comum e o da isonomia tributária.

O bem comum, ou interesse público primário, é a pedra de toque de qualquer

Estado que se diga social e democrático de direito. Dentre os ordenamentos que

partilham desse ideal, não conseguimos identificar um exemplo sequer em que o

bem-estar social não fosse o principal desígnio a ser perseguido e ampliado.

O primado da isonomia, por outro lado, efetiva-se na medida em que se trata

desigualmente quem assim merece ser tratado. E as previsões de intributabilidade

trazidas pela Constituição Federal vivificam esse princípio, já que destinam

tratamento especial a entidades, bens e situações que merecem tratamento

diferenciado em razão da importante função social que representam.

Ao ente imune cabe o dever de desenvolver políticas de alto impacto social,

de buscar o bem comum e tutelar os sagrados interesses do povo. Em contrapartida,

pelo papel que exerce, a ele é destinado a exoneração fiscal em atenção ao

princípio da isonomia.

Em decorrência das imunidades tributárias, atividades importantes à

sociedade, tais como as das instituições de educação, podem ser desenvolvidas

sem empecilhos de ordem fiscal25, beneficiando o acesso à cultura e o incremento

da educação.

25 Tratando dos valores consagrados pelas imunidades tributárias, Regina Helena Costa (2006, p. 71) afirma que: “Por tal razão, as imunidades tributárias exsurgem como normas voltadas ao asseguramento da plena produção de efeitos das normas que contemplam a liberdade de expressão, o direito de acesso à cultura e à liberdade de culto, por exemplo. E, ainda, para que atividades de instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, entidades sindicais dos trabalhadores, partidos políticos e suas fundações possam ser desenvolvidas sem empeços de ordem tributária.”

41

2.1.3.1. Imunidade tributária e direitos fundamenta is

Se acreditamos demonstrada a importância da análise do conteúdo

constitucional quando do estudo do sistema tributário nacional, resta cristalina a

percepção da especial importância dos direitos fundamentais na análise das

imunidades tributárias.

Representantes do núcleo duro constitucional, os direitos fundamentais são

matrizes de todos os demais. Propagam-se, pois, por todo o corpo de regras que

compõem o sistema do direito atual direcionando sua interpretação.

Aludindo a essa irradiação Felipe Faria de Oliveira (2010, p. 52) afirma que

não há possibilidade de seccionar a hermenêutica constitucional, em especial os

direitos fundamentais, da hermenêutica infraconstitucional, de modo que não há

como entender e aplicar o direito tributário ignorando o conteúdo desses direitos.

Mas o que são e quais são os direitos fundamentais? O início da resposta,

segundo pensamos, decorre do que são direitos humanos. Cabe, agora, a segunda

pergunta: o que são os direitos humanos?

A despeito de outras definições, podemos dizer, de maneira muito própria,

que direitos humanos são aquelas cláusulas básicas e superiores que todo indivíduo

possui na sociedade em que está inserido; são, por outro giro, disposições oriundas

de reivindicações morais e políticas que todo ser humano almeja para se fazer valer

perante a sociedade e o Estado.

Após positivados no sistema normativo, tornam-se verdadeiros direitos

públicos subjetivos dos indivíduos, oponíveis contra todos aqueles que, de modo

direto ou indireto, tentem profanar as exigências mínimas de dignidade, igualdade e

liberdade inerentes aos seres humanos26.

26 Renato Lopes Becho (2009, p. 261-263), a título de conclusões de capítulo, sobre os direitos humanos, afirma: “1. Os direitos humanos colocam o homem no centro do direito. Este deixa de ser visto como um conjunto de normas ou de relações jurídicas. Ou, sob outro giro verbal, conjugando a definição humanista com a juspositivista (direito como conjunto de normas jurídicas), temos que, para os direitos humanos, o direito é o conjunto de normas que visam, primordialmente, à proteção universal do homem. Esta é, também, a finalidade do direito. 2. Os direitos humanos sintetizam o direito natural e o direito positivo, unindo-os e aproveitando o que cada doutrina ou escola tem de melhor: busca o valor no direito natural e a técnica no direito positivo. Os princípios jurídicos explícitos ou implícitos veiculam, no âmbito do direito positivado, os valores mais elevados desde o direito natural. Os princípios jurídicos são, pois, textos normativos que integram os valores ao sistema jurídico.

42

A fim de limitar o poder político estatal, os direitos humanos são incorporados

aos textos constitucionais, constituindo-se em verdadeiras declarações de direitos

do homem, que juntamente com outros direitos públicos subjetivos, tais como as

imunidades tributárias, formam os chamados direitos fundamentais.

Direitos fundamentais são, pois, aqueles núcleos de proteção jurídica

mínimos e imprescindíveis à vida do homem no seio da sociedade; são, nas

palavras de Alexandre de Moraes (1998, p. 39), o conjunto institucionalizado de

direitos e garantias do ser humano que têm por finalidade básica o respeito à sua

dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o

estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade

humana.

Estes são, portanto, os dois sustentáculos primordiais dos direitos

fundamentais: (i) a dignidade da pessoa humana; e (ii) a limitação ao agir do Estado.

Já a principal característica destes direitos é a sua noção de

fundamentalidade, de essencialidade, dentro do ordenamento jurídico, podendo esta

ser enfocada sob o prisma material e o formal.

A fundamentalidade formal nasce em decorrência de sua inserção no principal

texto jurídico positivado no Brasil: a Constituição Federal. Daí decorrendo sua

supremacia no ordenamento jurídico; já a noção de fundamentalidade material

decorre do conteúdo normativo dos direitos fundamentais, fazendo parte do trecho

material da Constituição.

Com efeito, pelo teor que carregam em seus conteúdos, tais direitos mostram-

se essenciais ao ordenamento jurídico não apenas pelo fato de estarem

regulamentados na Constituição de 1988, mas pela relevância do que prescrevem.

Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 82), ao conceituar os direitos fundamentais,

alega que estes são todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas,

que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e

[...] 3. Os direitos humanos estão profundamente ligados à teoria do neoconstitucionalismo, visto como uma técnica jurídica de garantia e de realização dos direitos humanos. O neoconstitucionalismo não apenas coloca a Constituição em posição de superioridade com relação às demais leis, protege o Texto Constitucional das alterações comuns havidas na legislação, como também preenche a Constituição com textos indeterminados e que visam a um objetivo maior: a posição sobranceira dos direitos humanos.”

43

importância, integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de

disponibilidade dos poderes constituídos.

O elenco dos direitos fundamentais tem a sua mais conhecida versão na

Declaração Universal dos Direitos do Homem de 194827, que, em seu artigo XXV,

item 1, proclama:

Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

No ordenamento jurídico nacional, o artigo 5o da Constituição Federal de

1988, além de dispor, em seus incisos, de aclamado e extenso rol de garantias, reza

no § 1o que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata”. O artigo 60, § 4 o, IV do mesmo Texto, por sua vez, reza que:

“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] os

direitos e garantias individuais.”

Desde o primeiro contato com a Constituição Federal, percebe-se o grau de

zelo que foi deferido aos direitos fundamentais, intocáveis por cláusula pétrea,

aplicáveis tão logo se façam necessários.

Falando, ainda, em direitos fundamentais e trazendo-os para o campo

tributário, surge imediatamente a pergunta: como compatibilizar os institutos, sendo

ambos tão diferentes?

Nesse sentido, não deixa de ser curioso observar que, sendo atribuições

estatais, os direitos fundamentais, de certo modo, ensejam o recolhimento de

tributos. Mas, por outro lado, manifestam-se como nítido limites a estes.

Quanto a esse ponto, temos a impressão de que a doutrina tributária

brasileira28, dotada de uma visão um tanto quanto maniqueísta da relação

Estado/contribuinte, coloca os direitos fundamentais como o principal freio ao

“poder” da Administração Pública em recolher tributos, todavia se esquece de que a

27 Há, pelo menos, outros três instrumentos de notória importância para a reafirmação dos direitos fundamentais, que são: (i) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia das Nações Unidas em 16.12.1966; (ii) o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966; e (iii) a Convenção Americana sobre direitos humanos – Pacto de San José de Costa Rica, de 22.11.1969. 28 Por todos, Ives Gandra da Silva Martins (1998).

44

renda proveniente da arrecadação tributária fornece o caixa necessário para que

seja possível a tutela dos interesses sociais e, dentre eles, os direitos fundamentais.

Não se busca aqui, por óbvio, por em cheque o argumento segundo o qual os

direitos fundamentais possuem um dimensão negativa, impedidora, que põe brida na

execução da tarefa tributária. No entanto, achamos importante consignar que, ao

contrário do mencionado “poder” estatal de exigir tributos, há um “direito/dever”, sem

o qual não seria possível o exercício, pelo Poder Público, de suas obrigações.

Como destaca Felipe Faria de Oliveira (2010, p. 54), a efetivação dos direitos

constitucionais abrange um plexo muito mais amplo do que meras garantias a fim de

beneficiar os contribuintes frente a um Estado autoritário. Ao Fisco, também são

garantidos alguns direitos que visam assegurar a arrecadação tributária.

Exatamente nesse sentido é o trabalho de José Casalta Nabais (2004, p.399),

que, traçando um paralelo entre direitos fundamentais e deveres fundamentais,

ressalta a obrigação constitucional do contribuinte em pagar tributos com vistas à

efetivação do interesse público.

Se, por um lado, os direitos fundamentais constituem um dos grandes motivos

da arrecadação tributária, por outro esta arrecadação atinge, obrigatoriamente, dois

deles: (i) o de propriedade; e (ii) o de liberdade.

O primeiro de modo direto, porquanto tributo nada mais é do que prestação

pecuniária compulsória, devida por força de lei, implicando a sua satisfação na

redução do patrimônio de alguém29; o segundo, de modo transverso, ao influenciar

ou coibir a conduta dos contribuintes por meio de mecanismos tributários.

Considerando esse contexto, essa gangorra entre direitos fundamentais e os

tributos é que Regina Helena Costa (2006, p. 79) vê, abrigado em nosso

ordenamento, o princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por

via da tributação. Trata-se de comando que impõe a convivência, na medida do

possível harmônica, entre os direitos fundamentais e a necessidade arrecadatória do

Estado.

29 Segundo o artigo 3º do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

45

Nas palavras da autora (COSTA, 2006, p. 79), se o Texto Constitucional

assegura o exercício de determinados direitos, que qualifica como fundamentais,

não se pode tolerar que a tributação, também constitucionalmente disciplinada, seja

desempenhada em desapreço a esses mesmos direitos.

A educação30, por exemplo, direito fundamental de todos e dever do Estado,

não pode ser obstada e nem sequer dificultada por conta do recolhimento de

tributos.

Nesse diapasão, a imunidade tributária conferida àquelas instituições de

educação sem fins lucrativos, ao desonerar os realizadores de importante valor

social constitucionalmente contemplado, revela-se como respeitável instrumento de

proteção a direitos fundamentais.

Do ponto de vista conceitual, a imunidade tributária é, pois, verdadeira norma

jurídica que instrumentaliza direitos fundamentais31.

2.1.3.2. Imunidade tributária e princípios constitu cionais

Antes de adentramos neste assunto, qual seja, a relação existente entre as

imunidades tributárias e os princípios constitucionais, vale a ressalva: não

entendemos a imunidade como um princípio jurídico, mas como a manifestação de

um ou de vários deles, conforme o caso.

Apesar da similitude entre os institutos jurídicos, por interferirem, cada um a

sua maneira, na competência tributária das pessoas políticas, a imunidade e os

princípios não podem ser classificados como iguais. Há relacionamento entre

ambos, pontos de toque, fundamentos comuns, mas não identidade.

Por hora, para justificar o que dissemos, basta assinalar que a generalidade

imanente aos princípios jurídicos contraria a especificidade inerente à norma

imunizante; ademais, enquanto as imunidades denegam, recusam ou diminuem o 30 Segundo o artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” 31 Regina Helena Costa (2006, p. 82) entende as imunidades tributárias como direitos fundamentais já que a elas são destinadas o mesmo regime jurídico destes, qual seja: status de cláusulas pétreas e aplicabilidade direta e imediata.

46

alcance da competência tributária, os princípios orientam, balizam ou demarcam o

adequado exercício desta.

Com efeito, os princípios constitucionais tributários são importantes

ferramentas a favor dos contribuintes. E a Constituição Federal contém copiosa

quantidade deles, que servem para orientar a ação estatal de exigir tributos.

Tais princípios não só assinalam os fatos que podem ser tributados, como

também estabelecem os limites e condições dessa tributação, restringindo o campo

de atuação do legislador da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do

Distrito Federal.

De acordo com Ricardo Lobo Torres (2005, p. 47), os princípios, ao

informarem a criação e a interpretação do direito, situam-se em região entre os

valores jurídicos, abstratos por natureza, e as regras do ordenamento positivo,

atributivas de direitos e deveres ou distribuidoras de competência. Os valores

positivam-se nos princípios jurídicos e por meio destes se espalham pelo sistema

jurídico sob a forma de regras32.

Renato Lopes Becho (2011, p. 345), tratando da relação entre norma,

princípio e regra, ensina que a norma traz, em seu bojo, um dos modais deônticos:

obrigatório, permitido ou proibido. Dentro de tais comandos, estão imersos princípios

e regras, normalmente diluídos dentro do campo de significação.

Concluindo seu raciocínio, o autor (BECHO, 2011, p. 345) aduz que, segundo

esses parâmetros, princípios e regras não são normas, mas partes integrantes

destas. Às vezes os princípios estarão escritos em textos legais, outras vezes não,

pelo que serão apreendidos a partir do conhecimento do sistema jurídico, por não

estarem expressos.

Tantos os princípios expressos quanto os implícitos são de utilização

compulsória pelo intérprete para que se possa chegar até a norma, até o comando

que o sistema jurídico quer imprimir à sociedade. Em suas palavras (BECHO, 2011,

32 Ronald Myles Dworkin (1980, p. 25-27), sobre a fenomenologia da aplicação de princípios e regras, faz as seguintes distinções entre ambos: (i) a regra é aplicada segundo o critério do tudo ou nada, ou seja, admitindo-se sua validade, ela atinge o fato nela previsto, a não ser nas exceções por ela mesma admitidas, enquanto o princípio é entidade genérica aplicável, ou não, a um número indeterminado de casos; (ii) o princípio admite que seja sopesado frente à dada situação, aplicando-se o de maior valor ao caso concreto, ao passo que a regra não possui tal dimensão, pois a diferente importância que possua não conduz que a resolução do conflito entre elas se dê pelo peso relativo de cada uma.

47

p. 345), “A norma é o todo, os textos legais são o primeiro suporte sobre os quais o

intérprete se debruçará. Esses textos podem ser classificados como princípios ou

como regras.”

Ambas as visões, a de Ricardo Lobo Torres (2005) e a de Renato Lopes

Becho (2011), não se excluem, mas, ao contrário, complementam-se. Segundo

pensam os autores, no que estamos de pleno acordo, os princípios são os vetores

pelos quais os valores se inserem no ordenamento jurídico nacional.

Assim sendo, os princípios constitucionais tributários, no Brasil, ao

representarem a síntese dos valores abrigados pelo ordenamento, possuem

aplicabilidade direta e imediata, é dizer, juridicidade, superando a crença que

possuem uma dimensão puramente axiológica.

Quanto à aplicação desses, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do

Recurso Extraordinário nº 346.084, deixou patenteado que:

O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores – que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais e coletivos – introduz, de um lado, um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, de outro, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente desiguais, entre indivíduos e Poder.

Os princípios constitucionais, no sistema jurídico nacional, são, portanto, de

aplicação compulsória. Há aqueles gerais, que se aplicam à tributação, dentre eles o

da segurança jurídica, o da propriedade e o da igualdade; há também outros mais

específicos, aplicados notadamente a ramos do direito público, como o direito

tributário e o penal, entre eles o da estrita legalidade, o da irretroatividade e o da

anterioridade; e há, outrossim, aqueles especificamente tributários, como o da

capacidade contributiva.

Dentre os princípios constitucionais, avultam, pela direta projeção ao campo

da imunidade tributária destinada às instituições de educação sem fins lucrativos, os

da supremacia do interesse público, da isonomia e o da capacidade contributiva.

Para fins deste estudo serão avaliados, então, apenas estes três, posto que

mais imbricados com o tema em análise.

48

2.1.3.2.1. Imunidade tributária e o princípio da su premacia do interesse público

sobre o particular

Como já apontamos, as imunidades constituem instrumentos persecutórios de

objetivos constitucionalmente eleitos. Daí sua vinculação ao princípio da supremacia

do interesse público sobre o particular, pressuposto lógico de convívio social.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p. 99), tal princípio, estendendo-

se a todo direito, é essencial a qualquer sociedade, eis que condição própria de sua

existência. Segundo o autor (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 99), apesar de ele

não se radicar em dispositivo específico da Constituição Federal, ainda assim

diversos outros princípios decorrem de suas manifestações concretas.

Desta característica da vida em sociedade, qual seja, o posicionamento do

interesse público acima do particular, decorre uma interessante possibilidade

levantada por Regina Helena Costa (2006, p. 121), que é a de se adicionar

imunidades tributárias por meio de emendas constitucionais.

Se, como afirmamos, a imunidade tributária é resguardada por cláusula

pétrea, não podendo ser abolida ou sequer tocada por emenda constitucional, a

recíproca não parece ser verdadeira.

A introdução de norma imunizante por meio desse veículo legislativo não nos

parece vedada, desde que presente o interesse público que o justifique. É dizer:

emenda constitucional pode tratar sobre imunidade tributária, desde que atenta a

dois requisitos: (i) a ampliação desta; e (ii) que exista interesse geral a balizar tal

ampliação.

Na esteira do que tem sido dito, tributar ou instituir exonerações fiscais

dependem exclusivamente dos interesses sociais contemplados na Constituição

Federal. Assim, aumentar ou diminuir a arrecadação tributária não são, em si,

atitudes boas ou más. Tudo está a depender de quais são os anseios do povo e

como eles são melhores efetivados.

49

2.1.3.2.2. Imunidade tributária e o princípio da is onomia

O princípio da isonomia, como quase todos os demais princípios

constitucionais, é consequência lógica do princípio republicano, que o fecunda e lhe

dá substância.

Como afirma Geraldo Ataliba (2011, p. 158), não teria sentido que a

sociedade se reunisse em república, criasse um Estado e outorgasse a si uma

Constituição, segundo os moldes republicanos, para, em seguida, consagrar

situações que tolerassem a violação da igualdade fundamental, postulado básico da

ereção do regime.

Diante do princípio republicano é, pois, proibida a concessão de vantagens

tributárias fundadas em privilégios pessoais ou de classe se essa discriminação não

tiver um motivo constitucionalmente consagrado. No Brasil, todos são iguais perante

a lei, devendo os tributos ser instituídos e arrecadados de acordo com o critério da

generalidade.

Segundo o artigo 150, inciso II da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[…]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Todos devem, portanto, sujeitar-se à tributação em pé de igualdade. Nesse

diapasão, o ônus tributário que determinado contribuinte suporta deve ser idêntico

ao daqueles outros que se acham na mesma situação jurídica. Segundo Roque

Antonio Carrazza (2013, p. 87), “o princípio republicano leva à igualdade da

tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se.”

Como, em essência, a ação do Estado reduz-se a editar normas e dar-lhes

aplicação, o cerne da questão jurídica postulada pela isonomia substancia-se na

necessidade de que as leis sejam igualitárias e que sua interpretação, pelo

50

Executivo ou pelo Judiciário, leve tais postulados até as últimas consequências no

plano concreto da aplicação (ATALIBA, 2011, p. 157)33.

Nesse sentido, a captação do conteúdo jurídico da isonomia exige do

intérprete adequada consideração sistemática de inúmeros outros princípios

constitucionais, dentre eles o republicano, já que lógica e cronologicamente anterior

a este.

Partindo-se da premissa de que pessoas iguais devem cumprir as mesmas

obrigações tributárias, desde que abarcadas pela mesma situação jurídica, também

se pode chegar à conclusão de que aos desiguais pode ser imposta obrigação

diversa ou, ainda, nenhuma obrigação.

Com efeito, ao contrário do que possa inicialmente parecer, a isonomia

tributária impõe a distinção de tratamento entre contribuintes relacionados a fatos

tributários distintos. Nesse sentido, a lição de Renato Lopes Becho (2011, p. 398),

para quem “O princípio da isonomia tributária sofreu evolução no seu entendimento

para passar a determinar que a lei deve dar tratamento igual aos iguais, mas

desigual aos desiguais.”

O fator de descriminação no qual se sustenta a imunidade tributária das

instituições de educação consiste no importante papel que desempenham perante a

sociedade, fornecendo, ao lado do Poder Público, serviços de interesse de todos

veiculados pelo Texto Constitucional.

Diante desse contexto, é justo que a essas entidades seja permitido não

contribuir com o erário público mediante cobrança de impostos, desde que, em

contrapartida, elas invistam seu tempo e dinheiro promovendo a educação nacional

33 Tratando sobre o postulado da isonomia, Geraldo Ataliba (2011, p. 157-158) assim manifesta-se: “Aqui, também, as características da lei confundem-se e harmonizam-se. Ela é abstrata (isto é, abstrai dos casos concretos, para evitar o arbítrio, traduzido no favorecimento de pessoas determinadas ou no detrimento de outras pessoas também determinadas), porque deve ser impessoal; sendo impessoal, abrange gêneros de situações, categorias de pessoas e não casos isolados, ‘é geral quando apanha uma classe de sujeitos’ (Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo Jurídico do princípio da .igualdade, 3. ed., 18. tir., p. 26 e ss); sendo igualitária (isonômica), não pode discriminar arbitrariamente, mas suas discriminações têm que observar o requisito constitucional de correlação lógica concreta entre o favor de discrímen e a diferenciação consequente. Só isso autoriza abstrair a inserção das pessoas discriminadas em categorias gerais e impessoais. Sendo abstrata, a lei é necessariamente genérica, cobrindo os gêneros em todas as medidas descritas; sendo genérica, não pode excepcionar, salvo a presença de fatores objetivos, amparados por preceitos constitucionais inequívocos.”

51

ou, pelo menos, assistindo o Estado nesse desiderato. Falta-lhes, como veremos no

tópico seguinte, capacidade contributiva para tanto.

2.1.3.2.3. Imunidade tributária e o princípio da ca pacidade contributiva

Em locução bastante sintética, o princípio da capacidade contributiva

demanda que apenas sejam exigidos tributos daqueles contribuintes que possam

arcá-los sem que tal operação implique em sacrifícios desmesurados na

manutenção de sua existência.

Apoiada no princípio da solidariedade, que, no Texto Constitucional, veio

esculpido no artigo 3º, I34, a capacidade contributiva exige que cada qual contribua

tributariamente com o que puder para o bem de todos.

A capacidade contributiva decorre, ainda, do princípio da isonomia, o que,

obviamente, não implica que deixe de se relacionar com outros princípios, como o

republicano ou o da justiça, por exemplo.

No ordenamento jurídico brasileiro, impregnado que é por diversos valores, os

princípios jurídicos relacionam-se uns com os outros sob os mais variados aspectos,

imantando as normas tributárias e direcionando-lhes a aplicação.

Observado em todo o sistema tributário nacional, sua expressão mais

explícita se dá no § 1o, do artigo 145 da nossa Constituição, de acordo com o qual:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O comando é direcionado aos legisladores ordinários e ao complementar, já

que a estes foi conferida a aptidão de criar tributos in abstracto. Entretanto, também

volta-se aos intérpretes e aplicadores das normas jurídicas, principalmente ao Poder

Judiciário, eis que lhe cabe proceder à verificação da constitucionalidade de normas,

bem como solucionar casos concretos postos sob sua apreciação.

34 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

52

À sombra de Renato Lopes Becho (2011, p. 405), acreditamos que o princípio

da capacidade contributiva deva ser entendido como um limite imposto pela

igualdade tributária, que está a demonstrar qual é o espaço que o legislador tem

para tributar sem que isso implique em inconstitucionalidade de sua parte, por

invadir o mínimo existencial ou atribuir características de confisco ao agir tributário.

A tributação segundo a capacidade contributiva pode assumir duas

aparências: a absoluta e a relativa. Do ponto de vista relativo, também chamado de

subjetivo, o principio aplica-se a todos os tributos; do ponto de vista absoluto,

também conhecido como objetivo, ele será utilizado como critério para distinguir

quem será o contribuinte.

A primeira face refere-se à situação econômica dos contribuintes, levando-se

em consideração a realidade de suas posses e de sua capacidade em contribuir; a

última face refere-se aos signos presuntivos de riqueza, tais como auferir renda, ser

proprietário de bens móveis ou imóveis, etc.

Quando encarada a capacidade contributiva sob o enfoque relativo, quer-se

conhecer as condições pessoais do contribuinte, se ele pode ou não suportar a

carga tributária. Segundo Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 313), a questão resume-

se em saber se há um ponto abaixo ou acima do qual descabe, em cada caso

concreto, a incidência de um tributo em observância aos ditames da subsistência e

do confisco.

Sob essa perspectiva, podemos visualizar alguém que, apesar de ostentar

capacidade econômica, não possui capacidade contributiva. Ou seja, alguém que

aufere renda, mas não o suficiente para contribuir com os gastos coletivos mediante

o pagamento de impostos.

Raciocínio diverso aplica-se à capacidade contributiva sob o enfoque

absoluto. Quanto a ela, não se pergunta mais se determinado contribuinte pode ou

não pagar tributo. Sob essa perspectiva, o legislador, atento à generalidade da

tributação, visando concretizar a igualdade, afirma que todos aqueles que se

encontram na mesma situação devem pagar o mesmo tributo.

Assim, ser proprietário de imóvel indica, objetivamente, ter capacidade

contributiva; ser proprietário de automóvel indica, objetivamente, ter capacidade

53

contributiva e aí por diante. Não importa se o contribuinte, na realidade, tem ou não

condições de pagar o tributo devido. Ele tem que pagar.

Obviamente, é possível alguém ganhar um automóvel e não ter a capacidade

contributiva para arcar com as consequências dessa situação. É o caso do mendigo

que achou um bilhete premiado onde se lia: vale um carro (SCHOUERI, 2011, p.

314). Das duas, uma, ou ele paga o imposto e mantém seu bem ou vende o carro e

livra-se da imposição fiscal.

Segundo Renato Lopes Becho (2011, p. 410), caso não existisse essa

vertente do princípio da capacidade contributiva, poderíamos ver exemplos extremos

em que um sujeito afirmando não ter capacidade contributiva por ser um devedor

contumaz, deixaria de honrar seus compromissos tributários. Este possuiria um

automóvel de luxo, pagando-o a duras prestações; moraria em uma boa residência,

mas financiada.

Trazendo tal princípio para o campo de nosso estudo, é de se dizer que a

capacidade contributiva é levada em conta quando da outorga das imunidades

tributárias aos seus beneficiários.

Ora, definindo-se esta, a capacidade contributiva, como a aptidão do sujeito

passivo para arcar com tributos sem que isso lhe cause grande embaraço em suas

atividades, infere-se que gozar de disponibilidade econômica não é critério suficiente

para chamar uma instituição de educação sem fins lucrativos a responder por

impostos. Ela pode ter a capacidade econômica para tanto, mas não a contributiva.

É que toda sua renda será obrigatoriamente destinada à consecução de suas

finalidades essenciais, que coincidem com o interesse público, com as finalidades

precípuas do Estado e estão consagrados na Constituição Federal.

Desse modo, não pagar impostos mediante a aplicação de normas

imunizantes é, em última análise, interesse da sociedade, beneficiária mediata das

imunidades, pois usufrui de seus efeitos, como a melhor realização das atividades

de educação, por exemplo.

Segundo Regina Helena Costa (2006, p. 87), por reconhecer a presença da

capacidade econômica das instituições de educação sem fins lucrativos é que a

54

Constituição Federal as mantém intocáveis, para que elas possam atingir suas

finalidades, que são de absoluta essencialidade35.

Com efeito, a desconsideração da capacidade contributiva de determinadas

pessoas, para conferir-lhes o direito público subjetivo à não tributação é um

mecanismo de extrafiscalidade operada no âmbito constitucional (COSTA, 2006, p.

88).

Pensamos que as imunidades tributárias são, portanto, os mais significativos

exemplos de situações de existência de capacidade econômica, mas de ausência de

capacidade contributiva. Nesse sentido, não obstante a possibilidade das instituições

de educação poderem, em tese, pagar impostos, já que possuem capacidade

econômica, essa tributação cede ante a opção constitucional de preservação de

outros valores sociais.

2.2. Poder, competência e imunidade tributária

Forçosa se faz, a princípio, a distinção entre poder e competência tributária.

Isso porque, enquanto o primeiro conceito está relacionado à soberania do Estado,

capacitada a criar toda e qualquer imposição fiscal, o segundo é o delineamento

dessa capacidade.

O poder tributário é um dos aspectos do poder político, absoluto e

incontrastável, caracterizando-se como a parcela da soberania estatal relacionada à

instituição de exações, ao passo que competência tributária é a delimitação desse

poder e sua repartição entre as pessoas políticas.

Roque Antonio Carrazza (2013, p. 574) alerta-nos que, a rigor, é incorreto

afirmar que os entes federativos possuem poder tributário, eis que este pertence ao

35 Nas palavras da autora (COSTA, 2006, p. 87): “Em verdade, a imunidade pressupõe a existência de capacidade econômica. Com efeito, ausente tal capacidade, despindo-se o fato em foco de conteúdo econômico, a situação seria de mera não-incidência, na dicção da doutrina tradicional; ou, como preferimos, de irrelevância para o Direito Tributário. Em outras palavras, tal situação traduzir-se-ia em “atipicidade”, e não haveria sentido na instituição da imunidade. Não estaria presente, nesse contexto, a capacidade contributiva, em seu sentido objetivo.”

55

povo36 e foi exercido quando da Assembleia Constituinte. Após esta, o que restaram

foram apenas emanações desse poder que, devidamente amarradas ao sistema

jurídico, receberam o nome de competências tributárias.

Não se pode negar que o poder tributário é um dos aspectos essenciais do

Estado moderno, sem o qual se pode cogitar a sua existência. Mas, como afirma

Fernando Sáinz de Bujanda (1964, p. 28-29), na atual concepção de Estado esse

poder deixou de ser uma força para se converter em poder jurídico.

No sistema jurídico nacional, o mecanismo apto a distribuir competências

tributárias é a Constituição Federal de 1988. Tal sistemática é especialmente

relevante em um Estado constituído sob o modelo federativo, em que há o convívio

de três ordens jurídicas: a federal, a estadual e a municipal (COSTA, 2006, p. 55).

Em razão da autonomia de que gozam, a Constituição Federal brasileira

garantiu a cada uma das pessoas políticas campos autônomos e exclusivos de

tributação. Assegurou, assim, a isonomia entre União, Estados, Municípios e Distrito

Federal, garantindo-lhes a autonomia financeira e, graças a ela, as autonomias

política, administrativa e legislativa.

Nessa toada, a Constituição Federal adotou a técnica de indicar, de modo

exaustivo, as áreas dentro das quais as pessoas políticas podem levar a efeito a

tributação. Forjou, portanto, um rígido esquema de delimitação e distribuição de

competências tributárias (CARRAZZA, 2010, p. 38).

No Brasil, a distribuição de competência tributária é, pois, tema

exclusivamente constitucional. As leis que, porventura, tratarem do tema apenas

explicitarão o que já está implícito na Constituição Federal. Nada pode ser agregado

ou subtraído.

Logo, pessoa política que, por meio de norma legal ou infralegal, vier a dilatar

as raias de sua competência, das três, uma: (i) invadirá área imune à tributação; (ii)

atropelará direitos fundamentais dos contribuintes; ou (iii) atacará campos tributários

reservados a outras pessoas políticas. E, em qualquer dos casos, será

inconstitucional (CARRAZZA, 2010, p. 42).

36 Segundo o artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

56

Mas o que é competência tributária afinal? É, em poucas palavras, a aptidão

das pessoas políticas de direito constitucional interno para instituir tributos,

descrevendo, através de lei, por força do princípio da estrita legalidade tributária,

suas regras-matrizes de incidência e os deveres instrumentais a eles atinentes.

Assim, para instituírem, com higidez, o tributo, devem as pessoas políticas

descrever, mediante a lei competente37, os elementos essenciais da norma jurídica

tributária, quais sejam, os critérios material, espacial, temporal, pessoal38 e

quantitativo39 do tributo, assim como os mecanismos para sua fiscalização e

arrecadamento.

Segundo Tácio Lacerda Gama (2011, p. 226-227), competência tributária é a

capacidade, juridicamente modalizada como permitida ou obrigatória, que alguém

detém perante os demais, para modificar o ordenamento jurídico, mediante a

introdução de novas normas que, direta ou indiretamente, disponham sobre matéria

tributária.

Competência tributária é, como afirma Paulo de Barros Carvalho (2013, p.

240), uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes das quais são portadoras

a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, consubstanciada

na faculdade de editar leis para a produção de normas jurídicas que versam, de

algum modo, sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.

Após delineada constitucionalmente, a competência tributária torna-se uma

prerrogativa privativa da pessoa política e não uma imposição. Ou seja, o titular da

competência, posto sua facultatividade, pode não exercê-la ou, ainda, exercê-la

parcialmente; lhe é defeso, contudo, alterá-la, renunciá-la ou aliená-la40.Isso porque,

37 Tal lei é, na maioria do casos, ordinária. Entretanto, demandam lei complementar, para serem validamente instituídos, os empréstimos compulsórios (artigo 148 da Constituição Federal), os impostos residuais (artigo 154, I, da Constituição Federal) e as contribuições sociais que criam novas fontes de custeio para a seguridade social (artigo 195, § 4º, da Constituição Federal). 38 Sujeitos ativo e passivo. 39 Base de cálculo e alíquota. 40 Quanto às características da competência tributária, Regina Helena Costa (2006, p. 56-57), com a costumeira minudência e analiticidade, ensina que: “A competência tributária, como competência legislativa que é, possui as seguintes características: 1) privatividade ou exclusividade para a criação de impostos, taxas e contribuições de melhoria, bem como para empréstimos compulsórios e contribuições sociais, a significar que, em cada caso, somente uma pessoa está legitimada a instituir o tributo correspondente; 2) indelegabilidade, uma vez que a atribuição para a instituição de tributo não pode ser transferida a outrem; 3) incaducabilidade ou imprescritibilidade, visto que o seu não-exercício, ainda que por longo tempo, não acarreta a extinção do direito; 4) inalterabilidade, pois a competência tributária não pode ser alterada pela própria pessoa política que a detém, já que esta a retira do texto constitucional; 5) irrenunciabilidade, visto que a pessoa titular da competência dela não

57

como meros delegados de poderes constitucionais, não foi conferida aos entes

tributantes a capacidade de alterar a essência de suas prerrogativas tributárias.

Segundo Roque Antonio Carrazza (2013, p. 577), quem pode tributar pode,

do mesmo modo, desde que atendidos os regramentos constitucionais atinentes à

matéria, modificar as circunstâncias relativas a essa tributação, aumentando o

quantum do tributo, condicionando deveres para sua instrumentalização, perdoando

infrações fiscais, etc. Não pode, contudo, modificar, renunciar ou alienar sua

competência tributária41.

Diante do que restou assentado em relação às competências tributárias das

pessoas políticas, mesmo que ainda não tenhamos adentrado na conceituação de

imunidade tributária, podemos traçar uma relação entre os institutos.

Se a imunidade tributária, com o fito de retirar certas pessoas, bens ou

situações do campo de incidência fiscal, limita, em tal proceder, a sede do Estado

em arrecadar tributos, lógica é a conclusão de que ela está intimamente relacionada

com a demarcação das competências tributárias.

Se estas, as competências tributárias, como observadas na Constituição

Federal, já se encontram privadas no que tange aos campos imunes, podemos

defini-la, em locução sintética, como a aptidão para legislar acerca de tributos,

diminuídas certas áreas que, protegidas pelo constituinte originário, não podem ser

tocadas.

Logo, norma instituidora de imunidade tributária é norma constitucional

demarcadora de competência tributária. Parafraseando José Souto Maior Borges

(2007, p. 30), na delegação de competência tributária se contém a demarcação de

zonas de intributabilidade, como o verso e reverso de uma mesma medalha.

pode abrir mão; 6) facultatividade, inerente à própria competência legislativa, significando que a pessoa política decide sobre a oportunidade do exercício da competência tributária.” 41 De acordo com o autor (CARRAZZA, 2011, p. 535): “O que queremos significar é que quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar o tributo, minorá-lo, parcelar seu pagamento, isentá-lo, no todo e ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou, até, não tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pela própria entidade tributante. Temos, pois, que o titular da competência tributária não pode nem substancialmente modificá-la, nem aliená-la, nem renunciá-la. Admite-se, todavia, que a deixe de exercitar, que a exercite apenas em parte ou que, após exercitá-la, venha a perdoar o débito tributário nascido ou a permitir que ele seja saldado em prestações sucessivas. Tudo com base em lei”.

58

2.3. Imunidade tributária e normas de estrutura

A partir da ideia de que o ordenamento jurídico é composto por um sistema

complexo de normas jurídicas, em que umas disciplinam a conduta dos indivíduos

em suas relações e outras, os meios e procedimentos necessários para garantir o

surgimento, a modificação e a expulsão do primeiro tipo de norma, a teoria geral do

direito passou a dividir essas normas em dois grupos: de um lado, as normas de

conduta e, de outro, as normas de estrutura.

As normas de conduta, como o próprio nome sugere, regula o comportamento

dos sujeitos de direito em uma das três únicas possibilidades do dever-ser, quais

sejam, o permitido, o obrigatório ou o proibido.

As normas de estrutura, por sua vez, são normas de normas; são, para

empregarmos o termo preciso, a metalinguagem do direito, usada para descrever

como se dá a criação, a vida e o perecimento das demais normas do sistema

jurídico.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 154), as normas de

comportamento são voltadas, de maneira direta, para a conduta das pessoas, nas

relações de intersubjetividade; as de estrutura ou de organização, por sua vez,

também dirigem-se às condutas interpessoais, contudo, têm por objeto os

comportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas42.

As normas jurídicas que delimitam competência tributária, como é o caso das

hipóteses de imunidades tributárias, estão inseridas no seio da Constituição Federal

e dirigem-se aos legisladores da União, Estados, Municípios e Distrito Federal,

determinando que tais legisladores se abstenham de instituir tributos sobre

determinadas pessoas, bens e situações. São normas, portanto, de estrutura, já que

regulam a feitura de outras normas.

42 Segundo o autor (CARVALHO, 2007, p. 154): “Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura. As primeiras estão diretamente voltadas para a conduta das pessoas, nas relações de intersubjetividade; as de estrutura ou de organização dirigem-se igualmente para as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, os comportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas, motivo pelo qual dispõem sobre órgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema.”

59

Como indica Paulo de Barros (2013, p. 375-376), as imunidades tributárias se

incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que

colaboram para delinear a área de competência das pessoas políticas,

mencionando-lhes os limites materiais e formais de sua atividade legiferante.

Assim, a instituição de tributos, por quem detiver a competência para tanto,

mediante o correto veículo legislativo, há que atentar sempre para as regras de

estrutura contidas nos preceitos imunizantes, posto que estes delimitam o campo de

abrangência das normas atributivas de competência tributária.

2.4. Acepções do termo e conceitos de imunidade tri butária

Segundo comentamos, o sistema constitucional pátrio é caracterizado pela

rigidez e exaustividade no que toca ao tratamento destinado às normas que

demarcam o campo impositivo de cada pessoa política de direito público interno.

A Constituição Federal, preocupada em frear a atuação desses entes

políticos, destinou aos cidadãos uma série de garantias, tais como o direito à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

No âmbito dessas garantias, a imunidade tributária figura como importante

proteção constitucional, uma vez que, escolhendo determinadas pessoas, bens e

situações para restarem fora do alcance impositivo da União, dos Estados-membros,

dos Municípios e do Distrito Federal, prescreve verdadeira delimitação de

competência tributária.

Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto (1998, p. 155) afirmam que a

competência tributária das pessoas políticas, no exemplo brasileiro, tem o seu

exercício disciplinado inteiramente pela Constituição Federal. Isso significa que o

próprio Texto, ao conferir competências, impôs delimitações precisas, dentre elas as

imunidades tributárias, que consistem, exatamente, na exclusão da competência

tributária em relação a certos bens, pessoas e fatos43.

43 No dizer dos autores (BARRETO; BARRETO, 1998, p. 09): “O poder tributário – enquanto atributo da soberania de que dotado o Estado – tem, no Brasil, o seu exercício disciplinado inteira e rigidamente pela Constituição. As pessoas político-constitucionais (União, Estado, Distrito Federal e Municípios) receberam, da Constituição, faixas circunscritas de competência tributária (isto é, competência legislativa para instituir tributos).

60

O conceito de imunidade tributária, como tantos outros, admite inúmeras

significações. Mas a falta de especificação do sentido em que o termo equívoco está

sendo usado embaraça a cientificidade do discurso jurídico.

Dessa maneira, atentos ao aviso de Alfredo Augusto Becker (1963, p. 36),

para quem a cautela na terminologia empregada não é exigência de estilo, mas

reivindicação fundamental para construir qualquer ciência, examinaremos, daqui em

diante, quais são os significados atribuídos à palavra imunidade tributária, opinando,

ao final, qual é a opção que achamos mais feliz para delimitar o termo.

Logo de início, há, de acordo com Roque Antonio Carrazza (2013, p. 827),

duas significações encobertas pelo mesmo termo, uma ampla, que significa a

incompetência de ente federativo para tributar: (i) pessoas que realizam fatos fora de

seu alcance tributário; (ii) em inobservância aos princípios constitucionais tributários;

(iii) com efeito de confisco; (iv) de modo a estabelecer embaraços ao tráfego de

pessoas ou bens; (v) em descompasso com o princípio da uniformidade geográfica;

e (vi) fazendo pouco caso do princípio da não discriminação tributária em razão da

origem ou do destino dos bens.

E, outra significação de imunidade tributária, mais restrita, aplicável às

normas constitucionais que, expressamente, declaram ser vedado às pessoas

politicas tributar determinadas pessoas, fatos e bens.

Na significação ampla, situam-se todas as normas tributárias que, de um

modo ou de outro, limitam a faculdade de tributar; na significação estrita, por seu

turno, estão as imunidades tributárias propriamente ditas, ou seja, aquelas normas

que delimitam a competência tributária das pessoas políticas em situações

específicas e constitucionalmente caracterizadas.

Se classificar é distribuir conceitos idênticos ou similares em categorias

segundo critérios de conveniência ou utilidade, essa divisão das imunidades em

amplas e estritas pouco nos informa sobre o objeto em estudo.

Isso significa que o âmbito da competência tributária, constitucionalmente outorgada é demarcado pelas balizas postas pela própria Constituição. Dentre elas, estão as chamadas ‘imunidades tributárias’, que consistem, exatamente, na exclusão da competência tributária em relação a certos bens, pessoas e fatos. Quer dizer: a própria Constituição, ao traçar a competência tributária, proíbe o seu exercício em relação a eles.”

61

Sem embargos em relação a quem a propôs, a separação em imunidades

amplas e restritas cria dois grupos de normas. O primeiro deles, seguindo a

qualidade do nome – amplo – é demasiadamente genérico, albergando normas de

absoluta heterogeneidade; o segundo, por seu turno, contém todas normas

imunizantes, sem qualquer distinção de suas peculiaridades.

A propósito das acepções do termo imunidade tributária, Renato Lopes Becho

(2011, p. 471-472) afirma que a imunidade em sentido amplo, como trazida por

Carrazza, refere-se a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, exceto

as próprias imunidades, pouco contribuindo ao estudo desse tema. Segundo o autor

(BECHO, 2011, p. 471-472), dizer que todos os contribuintes são imunes à cobrança

do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU por parte da

União é apenas uma maneira indireta de dizer que à União é defeso cobrar esse

imposto pela sua absoluta incompetência tributária44.

Também Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 341) se posicionou sobre a

questão ao alegar que, apesar de toda atribuição de competência ser disposta em

termos positivos e categóricos, em verdade, ela importa em uma limitação. Nem por

isso, todavia, estaríamos autorizados a falar em imunidade tributária para as

situações de intributabilidade além das fronteiras de competência dos entes

federativos. Se tal empreitada fosse possível, poderíamos declarar-nos imunes à

tributação de nossas rendas pelo Município, uma vez que tal iniciativa se encontra

permitida apenas à União Federal, pelo que prescreve a Constituição de 198845.

44 Em suas palavras (BECHO, 2011, p. 471-472): “Se eu digo que todos os contribuintes são imunes à cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana por parte da União, estou apenas jogando com as palavras e mascarando uma questão de competência por parte do ente federativo central. Melhor dizer diretamente que à União falece a competência para instituir e cobrar o IPTU. [...] O mesmo acontece com os outros elementos da imunidade genérica. Quando digo que os contribuintes estão imunes a uma tributação confiscatória, há um improviso, uma imperfeição nesta frase. Melhor seria dizer que os entes tributantes não podem recolher tributo através de prática confiscatória. A diferença pode ser sutil em alguns momentos, mas é relevante.” 45 Também Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 341) se posicionou sobre o assunto: “Mas é curioso refletir que toda atribuição de competência, ainda que versada em termos positivos e categóricos, importa uma limitação. Entretanto, nem por isso estaríamos autorizados a falar em imunidade, para os casos que ultrapassem os limites conferidos. Se assim fosse, poderíamos declarar-nos imunes à tributação de nossas rendas e proventos de qualquer natureza pelo Município, uma vez que tal iniciativa se encontra inequivocamente defesa, nos dizeres da Constituição. Nesse mesmo rumo, todos os administradores estariam imunes a exigências tributárias não determinadas por lei, em virtude de existir princípio lapidar que consagra o cânone da estrita legalidade. E, assim por diante, cada investida do Fisco, violadora dos primados da igualdade, da anterioridade, da universalidade da jurisdição e de todo o amplo catálogo de direitos e garantias que o Estatuto Maior prevê, suscitaria a

62

Feitas as devidas ressalvas em relação ao uso da classificação em comento,

analisaremos, a seguir, as definições que a doutrina traz a respeito das imunidades

tributárias em sentido restrito, como quer Carrazza (2013, p. 827).

Nesse passo, tratar de imunidade neste sentido é, como já apontamos, tratar

acerca de normas de estrutura que indicam a incompetência das pessoas políticas

para legislarem sobre determinados fatos tributariamente interessantes, sob pena de

incorrerem em inconstitucionalidade.

Em outros termos, falar de imunidade tributária é o mesmo que comentar

sobre normas suficientemente caracterizadas pela Constituição Federal que retiram

do campo da tributação algumas pessoas, bens e situações, por estes abrigarem

valores sociais juridicamente relevantes, tais como a proteção à educação.

Dois são os enfoques sob o mesmo termo. Um da perspectiva dos

destinatários da norma, que são inquestionavelmente as pessoas políticas, cujos

campos de competência legislativo tributário restaram tolhidos. E o outro com

relação à perspectiva dos objetos, ou seja, daquelas pessoas que, por

características próprias, ou por se relacionarem com bens e fatos, tangenciam o alvo

fiscal.

Logo, dentre as várias acepções do termo imunidade tributária que a doutrina

traz, temos imunidade como: (i) norma constitucional demarcatória de competência

tributária; e (ii) como direito público subjetivo conferido àquelas pessoas por ela

albergadas. Podemos, então, conceber tal instituto sob dois enfoques, o formal e o

material.

Quanto ao ângulo formal, podemos dizer que a imunidade tributária ajuda na

delimitação do campo tributário, demarcando, no sentido negativo, de redução, de

subtração, as competências tributárias das pessoas políticas nas situações

abarcadas constitucionalmente.

Sob esse enfoque, Regina Helena Costa (2009, p. 79) nos ensina que a

imunidade tributária é norma que nitidamente excepciona o princípio da

generalidade da tributação, segundo o qual todos aqueles que realizam a mesma

invocação do versátil instituto da imunidade. Forçando mais o raciocínio, não seria desatino reduzir o Capítulo I do Título VI da Constituição a uma tábua de limitações, que passaríamos a denominar ‘Imunidades Tributárias’”.

63

situação de fato, à qual a lei atrela o dever de pagar tributo, estão a ele obrigados,

sem distinção.

Sob o aspecto material, de outra sorte, a imunidade consiste no direito público

subjetivo de certas pessoas não serem alcançadas pelo Fisco em decorrência de

regra constitucional. É dizer: caso venham a ser tributariamente atingidas, fora dos

parâmetros constitucionais, essas pessoas podem se socorrer do Poder Judiciário

para extirpar a notória inconstitucionalidade.

Sintetizando o assunto, José Wilson Ferreira Sobrinho (1996, p. 102-103)

alega que a norma imunizante não tem apenas o condão de demarcar a

competência tributária, mas também de conferir ao imune o direito público subjetivo

de não sofrer a ação tributária do Estado.

Tendo em mente as acepções que o termo imunidade tributária pode tomar,

passemos ao seu conceito, questão largamente discutida na doutrina nacional, como

veremos a seguir.

Aliomar Baleeiro (2010, p. 1-3), pioneiro ao tratar do tema no Brasil, vê a

imunidade como uma exclusão da competência de tributar, proveniente da

Constituição, aconselhando em sua interpretação, o uso de conceitos oriundos da

ciência das finanças.

Pontes de Miranda (2012, p. 1880), por sua vez, qualifica a imunidade

tributária como direito fundamental, definindo-a como a limitação constitucional à

competência de editar regras jurídicas de imposição.

Bernardo Ribeiro de Moraes (1973, p. 467) entende a imunidade tributária

como um princípio que impõe limitação constitucional às competências tributárias

das pessoas políticas, consubstanciando hipótese de não incidência qualificada na

Constituição Federal.

Ruy Barbosa Nogueira (1991, p. 224), ao seu modo, a enxerga como uma

limitação ao poder impositivo expressa por meio de proibições ou exclusões da

competência das pessoas políticas.

Amílcar de Araújo Falcão (1994, p. 117) considera a imunidade como uma

forma especial de não incidência, constitucionalmente prevista, por supressão da

64

competência impositiva ou do poder de tributar, desde que configurados certos

pressupostos, situações ou circunstâncias.

Há, ainda, aqueles, como Fábio Leopoldo de Oliveira (1976, p. 50) e Roque

Antonio Carrazza (2013, p. 821), que a entendem como instituto elas amplo e

indivisível, não se admitindo temperamentos.

Por fim, existem tantos outros, como Tácio Lacerda Gama (2011, p. 253-254)

que alegam ser as imunidades tributárias idênticas aos princípios constitucionais,

não se podendo diferenciar os conceitos.

A despeito dos vários trabalhos sobre as imunidades tributárias, Paulo de

Barros Carvalho (2013, p. 337) assegura que “o estudo científico das imunidades

jurídico-tributárias não encontrou ainda uma elaboração teórica metodologicamente

adequada ao conhecimento de sua fenomenologia.”

Segundo este autor (CARVALHO, 2013, p. 339), se nos dispusermos a

analisar os elementos que mais chamam a atenção dos estudiosos, procurando um

denominador comum, teremos a imunidade como uma barreira posta pelo

constituinte originário, limitadora da competência outorgada às pessoas políticas,

excludente do respectivo poder tributário, aplicável aos impostos, que protege de

maneira cabal as pessoas, fatos e situações mencionados nos dispositivo.

Após um exame mais detido de cada uma dessas afirmações, pensamos que

as concepções de imunidade tributária até então trazidas realmente não refletem o

que o instituto ostenta em sua intimidade.

Analisaremos, portanto, cada uma das assertivas classicamente atribuídas às

imunidades, verificando se elas resistem a uma averiguação mais atenta ou caem

por terra.

2.4.1. Imunidade tributária como uma limitação cons titucional às competências

tributárias

A imunidade tributária não pode ser entendida como uma limitação

constitucional às competências tributárias, tal como preceituado por Bernardo

Ribeiro de Moraes (1973, p. 467) basicamente por dois motivos.

65

O primeiro deles relaciona-se com o fato de não ser lógico o legislador

constituinte outorgar essa parcela de poder às pessoas políticas de direito

constitucional interno, para, em momento posterior, retirar-lhe a força original

mediante comando imunizante.

O segundo motivo diz respeito ao fato de a imunidade tributária ser uma das

formas de demarcação do exercício de competência tributária e não a única.

Sobre tal demarcação, Paulo de Barros de Carvalho (2013, p. 340), em

pequena passagem, aduz que inexiste cronologia que justifique a outorga de

competência ao legislador infraconstitucional, para, em período subsequente, ser

mutilada ou limitada pela regra da imunidade.

Ademais, segundo o autor (CARVALHO, 2013, p. 340), a norma que imuniza

é apenas uma das múltiplas formas de demarcação de competência, congregando-

se com as demais para produzir a área dentro da qual as pessoas políticas haverão

de exercer sua prerrogativa tributária, legislando sobre a matéria.

Não há dúvidas que balizar a competência legislativa fiscal seja um dos

efeitos da norma imunizante, mas qualificá-la apenas como uma “limitação

constitucional da competência tributária” é defini-la de modo amplo demais, juntando

categorias jurídicas que possuem pontos em comum, mas que não são

equivalentes.

A limitação constitucional da competência tributária é o cabedal de regras

atinentes ao exercício da competência tributária; é, em outros termos, todos os

expedientes que ajudam a compor as atribuições entregues às pessoas políticas.

E o primeiro deles é a própria repartição de competências tributárias entre a

União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal trazida, em minúcias, pela

Carta Magna, eis que, ao atribuir competência impositiva a determinado ente

político, exclui os demais da mesma possibilidade, consagrando o caráter privativo

dessa distribuição.

Igualmente os princípios constitucionais, dentre eles os da legalidade,

anterioridade e irretroatividade da lei tributária, estandartes do sistema tributário

brasileiro, ao orientarem as competências tributárias, constituem verdadeiras

limitações ao seu exercício.

66

Do encontro das várias modalidades de limitações constitucionais tributárias,

entre elas as repartições, as imunidades e os princípios, nasce a competência dos

entes tributantes para legislar, em caráter único, acerca das regras-matrizes de

incidência tributária.

A imunidade tributária deve, portanto, ser entendida apenas como uma das

limitações constitucionais dirigidas ao exercício das competências tributárias. Juntá-

la aos demais conceitos que delimitam o campo impositivo das pessoas políticas é

expediente que não lhe delimita os contornos com a propriedade necessária aos

conceitos jurídicos.

2.4.2. Imunidade tributária como exclusão ou supres são da competência

tributária

Imunidade, por outro lado, também não deve ser vista como exclusão ou

supressão de competência tributária, como quer Ruy Barbosa Nogueira (1991, p.

224). Essa ideia traz consigo juízo similar ao do tópico anterior, apenas colocado de

maneira mais absurda.

Como afirma Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 342-343), os vocábulos

excluir e suprimir derivam de excludere e supprimere, verbos de origem latina, cujos

significados são, respectivamente, pôr à parte, expulsar, excetuar, afastar, tirar da

lista e extinguir, fazer desaparecer, eliminar, anular, cortar, deixar de fora.

Excluir ou suprimir, nesse sentido, pressupõe a existência de algo que, em

momento futuro, será colocado de lado, expulso, eliminado, deixado de fora.

Cuidando-se a competência tributária de disposição traçada pelo legislador original,

obviamente seu nascimento já se dá diminuídas as zonas de intributabilidade.

Falar que imunidade tributária é exclusão ou supressão de competência

legislativa tributária é equivalente a afirmar que o direito comporta normas mais

velozes dos que outras. Uma propagaria seus efeitos primeiro, atingindo certa

realidade fática e, em momento posterior, apareceria outra, mais lenta, e recortaria

um pedaço do âmbito de validade daquela.

67

No entanto, as normas atributivas de competência e as imunizantes são

sincrônicas, contemporâneas, logo é inadequado falar-se na sucessão cronológica

de uma em relação a outras. Como afirma Regina Helena Costa (2006, p. 43), a

norma imunizante atua em simultaneidade com as demais normas de estrutura que

balizam a competência tributária. Logo, não a que se falar em supressão da

competência tributária, eis que não existem normas com velocidades de atuação

diferentes.

Ou seja, a imunidade tributária não exclui nem suprime as competências

legislativas das pessoas políticas, já que estas, quando nascem, já são o produto

acabado dos diversos choques entre as regras atributivas e as renegadoras de

competência. A competência para instituir tributo, quando aparece no mundo

jurídico, já vem tolhida por todos os preceitos constitucionais a ela destinados.

2.4.3. Imunidade tributária como hipótese de não incidênci a

constitucionalmente qualificada

Tampouco a imunidade tributária pode ser vista como providência de índole

constitucional que impede a incidência tributária ou, por outro giro, hipótese de não

incidência constitucionalmente qualificada como parece ser a conclusão de Hugo de

Brito Machado (2013, p. 234). E ao menos dois motivos justificam tal afirmação.

A um, porque, como veremos detalhadamente adiante, não incidência é uma

categoria, por natureza, extrajurídica e, portanto, não condizente com a imunidade

ou com qualquer outro instituto do direito.

Se incidência é o efeito jurídico produzido pela norma frente ao

reconhecimento da ocorrência, no mundo fenomênico, do fato apontado em seu

antecedente normativo, não incidência é justamente o contrário: é o não

aparecimento, no mundo dos fatos, daqueles eventos tributariamente relevantes

descritos na hipótese.

Vale dizer: aconteceu, no mundo, um evento qualquer que, por não ser

passível de oneração fiscal, não foi apreendido pelas normas tributárias, de modo

que seu ocorrer se mostra absolutamente indiferente ao direito. Inexistindo o fato

68

descrito na hipótese, não se instala, via de consequência, o vínculo obrigacional

tributário.

De mais a mais, também não se pode conceber que uma norma

constitucional, sendo válida, eficaz e em plena vigência, não incida sobre os fatos

que nasceu para regular. Asseverar isso, como nos mostra Paulo de Barros

Carvalho (2013, p. 347), equivale a negar-lhe tom de juridicidade, marca universal

das unidades jurídico-normativas. Norma que não possui tal característica passa ao

largo do direito ou não foi produzida segundo os ditames do ordenamento jurídico

em vigor.

A dois, porque, como sabemos, a incidência e a não incidência de norma

jurídica tributária são preceitos que se dão no plano infraconstitucional, se o fato

descrito no antecedente da norma vier a ocorrer no mundo do ser ou não, fazendo

nascer ou não, inexoravelmente, uma obrigação de caráter tributário.

As normas de imunidade, como vimos, são de estrutura. Seu objeto é o

relacionamento entre normas. As normas que tratam da incidência tributária, por

outro lado, são de comportamento. Aquelas têm como função ajudar no desenho

das competências tributárias, ao passo que estas lidam de perto com a persecução

do gravame, incidindo sobre fatos jurídicos.

Enquanto normas atributivas de competência e as negadoras desta, entre

elas as de imunidade, atuam no plano constitucional, a hipótese de incidência vai se

dar em nível infraconstitucional, por ocasião do exercício, por quaisquer das pessoas

políticas, de suas competências tributárias.

Assim, entender imunidade como uma hipótese de não incidência

constitucionalmente qualificada é expediente que nada diz, impróprio ao

conhecimento, não devendo ser tomada a sério no estudo científico do direito.

69

2.4.4. Imunidade tributária como exoneração exclusi vamente aplicável a

impostos

A imunidade tributária, outrossim, não é aplicável tão somente aos impostos,

tributos não vinculados. Essa é uma informação inverídica proveniente,

provavelmente, da falta de leitura sistemática do Texto Constitucional.

Em verdade, tradicionalmente, as imunidades tributárias são destinadas aos

impostos, no entanto, por serem obra do constituinte originário, nada impedia este

que estendesse o manto para os tributos que quisesse, como de fato o fez,

preconizando típicos casos de imunidade em relação às taxas e às contribuições.

Basta, por exemplo, verificarmos o que está dito nos artigos 5o, XXXIV, “a” e

“b”46, LXXIII47, LXXIV48, LXXVI, “a” e “b”49, 195, § 7º50; LXXVII51; 203, caput52; 208,

I53; 226, § 1o54; 230, § 2o55 da Constituição Federal, todos casos de imunidade

apesar dos deslizes conceituais do legislador.

46 XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; 47 LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; 48 LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; 49 LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito; 50 § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. Cabe, aqui, uma ressalva: o Legislador Originário, em tropeço redacional, utilizou o vocábulo “isentas” ao invés de “imunes”. 51 LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. 52 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: 53 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; 54 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. 55 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. […] § 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

70

Segundo Roque Antonio Carrazza (2013, p. 827) a expressão imunidade

tributária alcança quaisquer tributos, sejam eles impostos, taxas ou contribuições de

melhoria. Ao propagar tal afirmação o autor (CARRAZZA, 2013, p. 827),

demonstrando que mudar de opinião é um atributo da pessoa que estuda, está a

abandonar a tese que defendeu com fervor nas edições mais antigas do seu Curso

de direito constitucional tributário, qual seja, a que as imunidades tributárias atingiam

tão somente os impostos56.

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado (2013, p. 288), na obra intitulada

Curso de direito tributário, afirma que pensava as imunidades tributárias somente

voltadas aos impostos. Atualmente, porém, abandonou esse entender. Em suas

palavras (MACHADO, 2013, p. 288): “A imunidade, para ser efetiva, para cumprir

suas finalidades, deve ser abrangente. Nenhum tributo pode ficar de fora de seu

alcance.”

Realmente, tratando-se da vontade do ente que criou a Constituição Federal

de 1988, não há qualquer empecilho jurídico que proíba o Texto de criar zonas de

intributabilidade relativas a qualquer das exações, sejam impostos, taxas ou

contribuições de melhoria.

2.4.5. Imunidade tributária: instituto jurídico amp lo e indivisível

Há, ainda, aqueles, que a entendem como instituto amplo e indivisível, não

se admitindo temperamentos.

Em nosso caminho, somos obrigados ainda a dizer que a imunidade não é

sempre ampla e indivisível, protegendo de maneira absoluta bens, pessoas e

situações por ela tocados, como afirmam Fábio Leopoldo de Oliveira (1976, p. 50) e

Roque Antonio Carrazza (2013, p. 821).

56 Nas palavras do autor (CARRAZZA, 2013, p. 827): “Neste ponto estávamos influenciados pela doutrina, que, de modo apriorístico, sustenta que as imunidades foram feitas sob medida para os impostos e os tributos que guardam esta característica (como, por exemplo, as contribuições patronais para a seguridade social). Não tínhamos ainda percebido algo óbvio, ou seja, que nada impede que a Constituição de um país disponha de modo contrário às diretrizes doutrinárias.”

71

Na cola de Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 352), “não trepidaríamos em

inscrever nessa pauta de proposições levianas mais aquela que identifica a presente

rubrica”.

O artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal57 confirma essa afirmação. Ao

condicionar a fruição da imunidade a determinados requisitos, o Texto Constitucional

derruba por terra essa ideia de amplitude e indivisibilidade.

2.4.6. Imunidade tributária como princípio constitu cional

Outra aproximação que se vê na doutrina é a que compara a imunidade

tributária com os princípios constitucionais. Esse é o entendimento de Tácio Lacerda

Gama (2011, p. 253-254), por exemplo, ao declarar que as imunidades tributárias

são proposições que compõem a norma de competência tributária restringindo um

ou mais aspectos de sua materialidade, não podendo ser objetivamente

diferenciadas dos princípios.

Não obstante a inegável proximidade entre os institutos, alegar ser a

imunidade tributária um princípio é o mesmo que qualificá-la por um dos seus

fundamentos, o mesmo que designar o todo pela parte.

Os princípios constitucionais, ao lado das imunidades e das normas de

competência tributária, delimitam o poder fiscal do Estado. Apesar de tal realidade,

os meios pelos quais essas espécies normativas atuam no interior do sistema

jurídico se dão de maneiras diversas.

Os princípios constitucionais são diretrizes positivas, mostrando os caminhos

que os entes tributantes, no exercício de suas competências tributárias, devem

percorrer. Eles têm um caráter genérico, amplo, que se volta a fixar parâmetros para

57 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] VI - instituir impostos sobre: […] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

72

a instituição e cobrança dos tributos, definindo circunstâncias que a podem tornar

inconstitucional.

As imunidades, em oposição, constituem verdadeiros comandos negativos,

balizando a competência tributária, impedindo seu exercício em relação a

determinadas pessoas, bens e situações.

Marco Aurélio Greco (1998, p. 710), ao proceder à diferenciação entre os

princípios e as limitações à competência tributária, alega que ambos possuem por

objeto o poder de tributar, dispondo sobre seu exercício. Entretanto, apesar de

possuírem o mesmo alvo, cada um toca a matéria de modo diametralmente oposto.

Assim, os princípios transmitem diretrizes positivas a serem atendidas no exercício

do poder de tributar, enquanto as limitações têm como função condicionar o

exercício do poder de tributar, impondo-lhe obstáculos58.

É verdade que as imunidades tributárias se apoiam e protegem valores, mas

isso não traz qualquer semelhança aos institutos. Um constitui fundamento do outro,

apenas isso. Assim, é válida a afirmação segundo a qual imunidades tributárias

concretizam princípios jurídicos; dizer que são conceitos similares, não.

2.4.7. Imunidade tributária como categoria referida a circunstâncias

extrajurídicas

Por se fundamentarem em valores socialmente relevantes, o observador mais

relaxado poderia supor que as imunidades tributárias decorrem de circunstâncias

extrajurídicas.

58 O autor (GRECO, 1998, p. 710), ao tratar da distinção entre princípios e limitações à competência tributária, assim se manifesta: “Mais que uma simples distinção de taxionomia, existe uma diferença substancial entre princípios e limitações. Ambos têm por objeto o poder de tributar e ambos dispõem sobre seu exercício. Embora o objeto de ambos seja o mesmo (= poder de tributar), dispõem sobre ele de modo diametralmente oposto. Os princípios veiculam diretrizes positivas a serem atendidas no exercício do poder de tributar, indicando um caminho a ser seguido pelo legislador ou pelo aplicador do Direito. Como diretrizes positivas, apontam algo desejado pelo ordenamento e que o constituinte quer ver alcançado. As limitações (como seu próprio nome diz) têm função negativa, condicionando o exercício do poder de tributar, e correspondem a barreiras que não podem ser ultrapassadas pelo legislador infraconstitucional; ou seja, apontam para algo que o constituinte quer ver não atingido ou protegido. Em suma, enquanto os princípios indicam um caminho a seguir, as limitações nos dizem para onde não seguir.”

73

Todavia, como nos ensina Regina Helena Costa (2006, p. 43-44), essa é uma

assertiva equivocada. Isso porque, na medida que o direito positivo absorve valores,

juridicizando-os, não há que se falar em valores fora do direito para se referir

àqueles valores constitucionalmente consagrados pela Constituição Federal.

Se as imunidades tributárias se fundamentam, homenageiam e, sobretudo,

concretizam princípios constitucionais, tais como o acesso à educação e à cultura,

localizados nos artigos 20559 e 21560 da Constituição, o faz em relação a valores

judicialmente positivados.

2.4.8. Os conceitos de imunidade tributária de Paul o de Barros Carvalho,

Misabel Abreu Machado Derzi e Regina Helena Costa

Passada a etapa em que submetemos a testes as ideias mais comuns

relativas ao conceito das imunidades tributárias, é hora de expormos os três

conceitos que entendemos mais afinados com a intimidade do instituto jurídico.

Nesse diapasão, terminada sua averiguação, recortados os elementos

jurídicos alheios à composição da imunidade tributária, Paulo de Barros Carvalho

(2013, p. 370) a apresenta como:

[...] a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

59 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 60 Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV democratização do acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional.

74

Em linha um tanto diversa, mas também dotada do mais absoluto rigor

técnico, Misabel Abreu Machado Derzi (2010, p. 374) vê a imunidade tributária

como:

[...] regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-incompetência das pessoas políticas da Federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário.

Por fim, compatibilizando as duas definições acima trazidas, Regina Helena

Costa (2006, p. 52) afirma que:

A imunidade tributária, então, pode ser definida como a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação.

Segundo pensamos, imunidade tributária é, pois, norma constitucional

demarcatória, no sentido negativo, de competência tributária ao mesmo tempo em

que é direito público subjetivo conferido àquelas pessoas por ela albergadas.

Ademais, pode ser deduzida de normas constitucionais explícitas ou implícitas, já

que decorre de princípios fundamentais, como o da isonomia e o da capacidade

contributiva.

Com efeito, diminuídos foram os campos dos legisladores de cada pessoa

política para que certas pessoas, bens ou situações fossem deixados à margem da

tributação. Tudo isso para abraçar e, sobretudo, concretizar valores que foram

constitucionalmente e, portanto, juridicamente consagrados.

Se a União, os Estados-membros, os Municípios ou o Distrito Federal resolver

tocar em área constitucionalmente abrangida pelo manto da imunidade tributária,

devem as pessoas portadoras do direito público subjetivo ingressarem em juízo a fim

de ver afastada tal agressão.

2.5. Classificação das imunidades tributárias

O homem divide e classifica a natureza para melhor compreendê-la. Assim o

faz, também, para conhecer melhor o fenômeno jurídico.

75

A divisão e a classificação do direito demandam o emprego de métodos

apropriados. Reclamam, por exemplo, a adoção de critérios seguros de

discriminação, para o alcance de resultados que possam ser demonstrados com

elevado grau de precisão.

Entre os vários métodos possíveis, pensamos que, para separar as

imunidades tributárias, é de bom alvitre levar em conta algumas ordens de

circunstâncias, entre elas: (i) a quem são destinadas; (ii) quais e quantos são os

tributos que abarcam; (iii) se derivam imediatamente de princípios constitucionais ou

não; e, ainda, (iv) se podem sofrer ou não influência do legislador infraconstitucional.

Com base nesses pressupostos, distinguimos quatro espécies de imunidades

tributárias relevantes à análise do tema proposto. É o que veremos a seguir.

2.5.1. Imunidades tributárias genéricas e específic as

A primeira distinção que podemos fazer é aquela que diferencia as

imunidades tributárias entre genéricas e específicas, a depender da quantidade de

destinatários da norma e do número de tributos abarcados.

As gerais ou genéricas estão inseridas no artigo 150, VI da Constituição

Federal61 e dirigem-se a todas as pessoas políticas, bem como a todo e qualquer

imposto que recaia sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos beneficiados.

Visam proteger ou, como temos dito, promover valores constitucionais de alto relevo,

tais como a liberdade religiosa e política, o acesso à informação e à cultura, à

educação e à assistência social.

As imunidades específicas ou tópicas, por outro lado, destinam-se a uma

única pessoa política, assim como a um único tributo, que pode ser um imposto, taxa

61 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

76

ou contribuição de melhoria. É o caso, a título de exemplo, da imunidade do Imposto

sobre Produtos Industrializados – IPI das operações com produtos destinados ao

exterior exposta no artigo 153, § 3o, III da Constituição Federal62.

2.5.2. Imunidades tributárias subjetivas, objetivas e mistas

De acordo com essa modalidade de classificação, podemos categorizá-la em

subjetivas, objetivas ou, ainda, em mistas, consoante o destinatário a que se

referem, se pessoas, coisas, ou ambas.

Antes, contudo, de explicarmos cada uma delas, é proveitoso atentarmos ao

aviso de Roque Antonio Carrazza (2013, p. 817), para quem as imunidades

tributárias beneficiam, em última análise, pessoas. Assim, não obstante a

classificação segundo a qual elas podem ser subjetivas, objetivas e mistas,

conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas, ser útil, em termos rigorosamente

técnicos, a imunidade é sempre subjetiva, já que invariavelmente beneficia pessoas,

quer pela qualidade que ostentam, quer pela relação que guardam com

determinadas circunstâncias ou bens.

Faz sentido a advertência do autor (CARRAZZA, 2013, p. 817), já que o

direito existe e tem razão de ser pelas pessoas. Se algum bem ou situação jurídica é

resguardada pelo ordenamento jurídico, o é por esse objeto ou circunstância possuir

valor para as pessoas.

Voltando ao assunto do ponto propriamente dito, temos que as imunidades

subjetivas ou pessoais são aquelas outorgadas em razão dos atributos de

determinadas pessoas, seja pela sua natureza jurídica, seja pelo importante papel

social que desempenham. É o caso, por exemplo, da imunidade recíproca das

pessoas políticas, das suas autarquias e fundações, bem como a das instituições de

62 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: […] § 3º - O imposto previsto no inciso IV: […] III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.

77

educação e de assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei,

contidas no artigo 150, VI, “a”, e “c”, §§ 2o - 4o da Constituição Federal63.

Sendo o Brasil constituído como Estado federativo, não seria razoável a

cobrança de tributos por parte de um ente público sobre outro, sob pena de se

descaracterizar a independência recíproca entre estes, base de todo sistema

jurídico.

Do mesmo modo, descabido onerar através de impostos as entidades sociais

que, livremente, decidiram buscar o bem comum mediante atividades educacionais

ou de assistência, já que tal proceder implicaria o desvio de recursos dessas para

outras finalidades do Estado.

Como alega Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 393-394), se fosse possível

exigir impostos das entidades de educação e de assistência social, a pessoa jurídica

de direito público apenas retiraria recursos voltados para essas duas finalidades,

para reinvesti-los nas mesmas áreas, o que caracterizaria evidente desperdício, ou a

soma seria aportada em outros setores, caracterizando desvio.

O ponto em comum entre as pessoas agraciadas com esse tipo de imunidade

tributária resume-se ao fato de que nenhuma delas possui capacidade contributiva

para arcar com os impostos relativos às operações que realizam sem que tivessem

prejudicadas suas atividades.

63 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; […] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; […] § 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. § 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

78

As imunidades objetivas ou reais, por sua vez, são aquelas concedidas em

função de determinados bens ou situações e não pelas características das pessoas

envolvidas na operação. O maior exemplo delas é a imunidade que recai sobre

livros, jornais e periódicos, a ao papel destinado à sua impressão contida no artigo

150, VI, “d” da Constituição Federal64.

Se prestarmos atenção a essa modalidade de imunidade tributária, facilmente

perceberemos que ela não é concedida em função da pessoa que edita, imprime ou

comercializa os livros e periódicos, mas sim pelo objeto propriamente dito e o valor

que ele carrega. Assim, tal imunidade abrange tão somente os impostos incidentes

sobre a importação, produção e circulação de tais mercadorias e não os impostos

relativos aos serviços, à renda e ao patrimônio das editoras ou dos mercadores de

livros.

Há, ainda, a imunidade tributária mista, vista desse modo por alcançar

pessoas ligadas a determinado bens ou fatos. Tais imunidades carregam um

aspecto objetivo, porque conferidas em razão de uma realidade de fato, além de um

aspecto subjetivo, posto que abrangem os serviços, a renda e o patrimônio de

pessoas ligadas a tais realidades.

Pensamos ser o exemplo mais característico a imunidade dos templos,

localizada no artigo 150, VI, “b”, e § 4o da Constituição Federal de 198865. Decorre, a

presente imunidade da liberdade religiosa e igualdade entre crenças apregoada no

artigo 5º, VI, da Constituição66.

64 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI - instituir impostos sobre: [...] d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. 65 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] VI - instituir impostos sobre: […] b) templos de qualquer culto; […] § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. 66 VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

79

A despeito da redação constitucional mencionar templos de qualquer culto, o

comando dirige-se à entidade responsável por sua manutenção. Assim, como afirma

Roque Antonio Carrazza (2013, p. 856) a propósito do tema, “vale salientar que a

expressão ‘templos de qualquer culto’ há de receber interpretação abrangente, de

modo que, no contexto constitucional, deve ser tomada no sentido de Igrejas, em

suas várias formas organizacionais”.

Nessa esteira, além do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial

Urbana – IPTU, relativo ao templo, não incidiria o Imposto sobre Serviços de

qualquer natureza – ISS, sobre os serviços religiosos, o imposto sobre a renda e

proventos de qualquer natureza – IR, sobre as esmolas e dízimos, o imposto sobre a

transmissão intervivos – ITBI, sobre a aquisição de imóvel destinado às finalidades

essenciais da entidade religiosa, e assim por diante.

Ou seja, a imunidade tributária dos templos de qualquer culto reclama que,

tanto o templo, quanto os serviços, renda e patrimônio daqueles que tocam o culto

sejam afastados da incidência tributária, desde que toda a renda proveniente dessas

atividades estejam relacionadas com a finalidade religiosa.

2.5.3. Imunidades tributárias ontológicas e polític as

As imunidades tributárias de cunho subjetivo ou misto comportam, ainda, uma

subdivisão, por serem ou não decorrência necessária de um princípio. Existem,

assim, as imunidades ontológicas e as políticas.

As imunidades ontológicas são reconhecidas de jure, como consequência de

um princípio constitucional. E, diante do tema em análise, o princípio que impõe o

reconhecimento dessas é o da isonomia, em suas diversas manifestações.

Segundo Regina Helena Costa (2006, p. 128), seja mediante o princípio da

capacidade contributiva, uma das expressões da igualdade tributária, seja por

intermédio do princípio da autonomia das pessoas políticas, produto da igualdade

existente entre elas na Federação Brasileira, é a isonomia que impõe a identificação

das imunidades de natureza ontológica.

80

Nesse sentido, a imunidade tributária conferida às instituições de educação

sem fins lucrativos é de caráter ontológico, já que patente a falta de capacidade

contributiva delas.

Do mesmo modo que ocorre com as pessoas políticas, tais instituições,

apesar de possuírem capacidade econômica, não detêm aptidão para contribuir,

pois seus recursos, no mais das vezes, escassos, destinam-se às suas atividades

institucionais.

O primado da igualdade resta, então, consagrado com essa imunidade

tributária, posto que através dela destina-se tratamento diferenciado àqueles que, ao

exercerem funções precipuamente do Estado, gastam toda sua renda na busca de

tais fins, não restando aptidão econômica para contribuir com impostos.

As imunidades políticas, por outro lado, sem constituírem consequência

imediata de um princípio, são outorgadas para prestigiar outros valores

constitucionais, tais como a democracia, pluralidade política e sindicalização dos que

exercem funções economicamente mais modestas. São dessa espécie, portanto,

as imunidades dos partidos políticos e das entidades sindicais de trabalhadores.

2.5.4. Imunidades tributárias incondicionadas e con dicionadas

Por fim, acreditamos útil uma outra classificação, qual seja, aquela que divide

as imunidades entre incondicionadas e condicionadas, a depender do tipo de norma

constitucional em que se sustenta.

Segundo José Afonso da Silva (2003, p. 86), as normas constitucionais

podem ser divididas entre (i) normas de eficácia plena e aplicabilidade direta,

imediata e integral; (ii) normas de eficácia contida e aplicabilidade direta, imediata,

mas possivelmente não integral; e (iii) normas de eficácia limitada, que se

subdividem em (iii.1) declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e (iii.2)

declaratórias de princípio programático.

Resumindo-se as lições do autor, podemos dizer que as normas de eficácia

plena são aquelas que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua

81

incidência imediata, não necessitando de providência legislativa ulterior para a

propagação total de seus efeitos.

As normas de eficácia contida, por sua vez, são aquelas que também

receberam normatividade capaz de irradiar seus comandos, porém podem ter sua

eficácia e aplicabilidade condicionadas pelo legislador infraconstitucional.

E, por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não

receberam do constituinte a normatividade necessária para sua aplicação,

necessitando da atuação do legislador ordinário para que produza algum efeito.

Se percebemos uma imunidade sedimentada em norma constitucional de

eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata, estamos diante do modelo

incondicionada, já que esta independe de outro comando para produzir seus efeitos

de maneira total e absoluta. É o caso da imunidade mútua das pessoas políticas.

Se, diversamente, a norma constitucional acolhedora da imunidade qualificar-

se como de eficácia contida e aplicabilidade imediata, estamos frente à imunidade

tributária condicionada.

A rigor, devemos dizer condicionável e não condicionada, porquanto a norma

constitucional que a fundamenta é de eficácia contida e não limitada, assim como

sua aplicabilidade é imediata, não obstante tal norma ser passível de restrição se/e

quando o legislador infraconstitucional atuar67.

Como exemplo, podemos citar a imunidade das instituições de educação

exposta no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, já que seu gozo se dá

mediante o cumprimento de certos requisitos de lei.

2.6. Paralelo entre imunidade tributária, isenção e não incidência

Em razão da relativa fama deste tema, outro assunto que merece comentários

é a comparação entre os conceitos de imunidade e isenção e a relação destes com

67 Sobre o uso da palavra “condicionada”, Regina Helena Costa (2006, p. 131-132) afirma que: “[...] parece-me incorreto falar-se em imunidade condicionada, já que, cuidando-se de uma norma de eficácia contida, o condicionamento para a fruição do benefício poderá ou não ser estatuído pelo legislador complementar. Em decorrência desse raciocínio, a eventual hipótese de omissão legislativa não implicará a inviabilização da fruição da exoneração fiscal.”

82

a não incidência tributária. É corrente entre os estudiosos de direito tal equiparação,

nem que seja para desmistificar a similitude entre os institutos.

Historicamente, segundo pensamos, o equívoco se dá devido ao fato de,

tanto a imunidade quanto a isenção serem conceituadas como hipóteses de não

incidência tributária; a primeira mediante comando constitucional e a segunda, por

meio de lei. Como o resultado prático dos três conceitos é a inexistência do dever

prestacional tributário, justificar-se-ia o paralelo.

Conforme já deixamos entrever, todavia, não incidência é um conceito que

não deve ser propriamente aplicado à imunidade, a não ser em locução relaxada e

atécnica. Do mesmo modo ocorre no que tange à isenção: os preceitos não se

misturam. Isso porque, a rigor, não incidência relaciona-se com a não subsunção do

de determinado evento à norma. Em outras palavras, a não incidência tem vez

quando o fato ocorrido no mundo fenomênico não guardar identidade com o

desenho normativo trazido no antecedente da regra-matriz de incidência tributária.

Ora, se esta norma, a regra-matriz, descreve situação de fato que, se e

quando realizada, faz nascer a obrigação jurídico tributária, tudo o que não esteja

abrangido por tal descrição constitui hipótese de não incidência tributária.

De maneira muito simples, Hugo de Brito Machado (2013, p. 233) afirma que

todas as atividades que estão fora da hipótese de incidência tributária é,

naturalmente, hipótese de não incidência tributária. Assim, seu objeto são todos os

fatos que não estejam compreendidos na definição legal da hipótese de incidência.

Logo, se não observados, no mundo do ser, real, físico, segundo a linguagem

que o direito exige, os elementos prescritos na hipótese de incidência tributária, não

veremos o encaixe do consequente a esses fatos jurídicos e a inexorável irradiação

de seus efeitos.

Regina Helena Costa (2006, p. 40), refletindo sobre a aproximação da não

incidência com a imunidade tributária, afirma lhe causar estranheza que o direito

tributário trabalhe com o impróprio conceito de não incidência, enquanto os outros

ramos do direito público, como o direito penal e o administrativo, com mais acuidade,

falem em atipicidade ou ilegalidade68.

68 Este é o trecho em que a autora (COSTA, 2006, p. 40) expõe suas ideias: “Em verdade, causa perplexidade a constatação de que mesmo em outros ramos do Direito Público – âmbito no qual a

83

Atípica é a conduta do agente que não se amolda ao descrito na lei penal;

ilegal é o proceder do ente público que agiu fora dos contornos da lei que regula sua

conduta.

Estes dois conceitos, atipicidade e ilegalidade, aplicar-se-iam perfeitamente

ao sistema normativo tributário, emprestando-lhe tecnicidade. Entretanto, ao que

parece, por razões históricas, os tributaristas preferiram trabalhar e retrabalhar com

o termo não incidência. Má escolha.

De volta à comparação, podemos dizer que imunidade tributária é norma de

estrutura, delimitadora do campo de competência legislativa tributária das pessoas

políticas, fixada pelo constituinte originário, que determina o não alcance de certas

pessoas pelo Fisco, por características próprias suas ou por estarem relacionadas a

determinados bens ou situações jurídicas, visto que protegem e concretizam

finalidades constitucionalmente relevantes.

Já a fenomenologia da isenção tributária se dá, sempre, pelo encontro de

duas regras de direito, sendo uma a regra-matriz de incidência tributária e outra, a

de isenção, com seu caráter parcialmente supressor da área de abrangência de

qualquer dos critérios da hipótese ou da consequência daquela.

Do confronto entre a regra-matriz e a lei isentiva69, nasce, conformada, a

norma jurídico tributária, com o alcance menor, mais delimitado, do que ocorreria se

inexistisse o preceito isentivo.

Identificando os pontos em comum entre imunidade e isenção tributárias,

Regina Helena Costa (2006, p. 105) afirma que ambas: (i) são regras de estrutura

que estabelecem a inaptidão para tributar; (ii) são regras parciais de exceção, que aplicação do princípio da legalidade e o desenvolvimento da noção de tipicidade encontram seara mais fértil –, como o Direito Penal e o Administrativo, por exemplo, não se cogite da identificação da ‘não-incidência’. Tanto para o Direito Penal quanto o Direito Administrativo contemplam regras de conduta, mas, ao invés de incidência, fala-se em legalidade e tipicidade – e, desse modo, a noção de não-incidência corresponde aos conceitos de ilegalidade ou atipicidade. Assim, a não-adequação da conduta realizada pelo agente à norma penal resume-se em atipicidade e, consequentemente, na ausência de produção de seus efeitos diante daquele fato. No Direito Administrativo, por seu turno, tipicidade é a previsão, pela lei, de modelos de condutas aptas a produzir determinados resultados. Se o agente público realiza conduta inamoldável ao permissivo legal, configura-se atipicidade e, portanto, ilegalidade. Sua inobservância é sancionável com a invalidade do ato praticado. A não-observância da norma pertinente equivale, desse modo, à violação da mesma.” 69 A rigor, as isenções tributárias, no nosso ordenamento jurídico, podem ser concedidas por: (i) por lei ordinária; (ii) por lei complementar; (iii) por tratado internacional devidamente aprovado, ratificado e promulgado e; (iv) por decreto legislativo estadual ou do Distrito Federal, em matéria de ICMS.

84

só fazem sentido em combinação com a norma atributiva de competência tributária,

no caso da imunidade, e da hipótese de incidência tributária, no caso da isenção; (iii)

tem por escopo quaisquer espécies tributárias; (iv) são justificadas pela proteção de

valores constitucionais.

Ou seja, isenção tributária também é tema constitucional. Como bem disse

José Souto Maior Borges (2007, p. 30), “No poder de tributar se contém o poder de

eximir, como o verso e reverso de uma medalha”.

Com efeito, ao atribuir competência para tributar, o Texto Constituição não

apenas permite, como também programa a abstenção desse exercício em situações

excepcionais via isenções. Quer, em tal proceder, proteger determinadas situações,

tais como as contidas nos artigos 150, § 6º70 e 155, XII “e” e “g”71 da Constituição

Federal de 1988.

Como consequência lógica, às isenções estão destinados muitos dos

ensinamentos direcionados às imunidades. Sendo ambos os conceitos pertencentes

ao direito tributário, inequívoco que há toda sorte de regras destinadas igualmente

aos dois, sobretudo os princípios constitucionais tributários.

Qualificar os institutos como similares, entretanto, não é expediente de bom

tom. Como salienta Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 376), comparação desse

jaez não está de acordo com a compreensão do papel sistemático que as normas de

imunidade e de isenção desempenham na fenomenologia jurídico-tributária

brasileira72.

70 § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. 71 XII - cabe à lei complementar: [...] e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a" [...] g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. 72 Nas palavras do autor (CARVALHO, 2013, p. 376): “Visão dessa ordem não se coaduna com a devida compreensão do papel sistemático que a norma de imunidade e a de isenção desempenham na fenomenologia jurídico-tributária em nosso país. O paralelo não se justifica. São proposições normativas de tal modo diferentes na composição do ordenamento positivo que pouquíssimas são as regiões de contato. Poderíamos sublinhar tão-somente três sinais comuns: a circunstância de serem normas jurídicas válidas no sistema; integrarem a classe das regras de estrutura; e de tratarem de

85

Vistos, em síntese, os pontos em comum, passemos agora às notórias

diferenças entre imunidade e isenção tributárias.

O primeiro marco distintivo é a fonte formal de onde nascem. De acordo com

o que vimos, a imunidade consiste na delimitação dos contornos da competência

tributária. Está localizada, portanto, em nível constitucional.

E, por ser regra desse tipo, é elaborada para durar no tempo, podendo ser

modificada tão somente, segundo cremos, por um poder absoluto, decorrente de

revolução vitoriosa, qual seja, a elaboração de outra Constituição Federal pelo poder

constituinte originário, por força do artigo 60, § 4o, IV da Constituição Federal73.

Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe

um encontro normativo, em que ela, regra isentiva, funciona como um mecanismo

redutor do alcance da regra-matriz tributária.

Ou seja, a primeira diferença entre imunidade e isenção tributária está no fato

de a imunidade colaborar no desenho da competência legislativa tributária de cada

pessoa política, ao passo que a isenção opera no plano do exercício dessa

competência74.

Outra diferença que há entre a imunidade e a isenção tributárias reside no

tipo de norma constitucional a que cada qual está vinculada, se de eficácia plena ou

contida, para as imunidades, ou limitada, no caso de isenções.

Nessa toada, não serão exemplo de imunidade aqueles casos em relação aos

quais a Constituição Federal não exaure o desenho característico do evento,

remetendo a tarefa ao legislador infraconstitucional. Não trazem imunidade,

portanto, e sim de isenções, as normas constitucionais de eficácia limitada, já que

matéria tributária. Quanto ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades normativas.” 73 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e garantias individuais. 74 Sintetizando a diferença no plano de atuação da imunidade e da isenção, Regina Helena Costa (2009, p. 278) afirma: “[...] na imunidade não ocorre o fato jurídico tributário por não existir a possibilidade de formulação da hipótese de incidência; na isenção não ocorre o fato imponível porque o legislador competente, mediante norma diversa, impediu a atuação da hipótese de incidência em relação a uns ou alguns de seus aspectos.”

86

demandam, impreterivelmente, atividade de outro legislador para que possam atuar

no mundo jurídico75.

Por outro lado, se o recorte de competência legislativa tributária tiver por base

um preceito constitucional de eficácia plena ou contida, estaremos diante de uma

imunidade tributária.

Por fim, mais uma nota distintiva entre os institutos merece algumas

considerações. Trata-se das consequências jurídicas de suas eliminações do

ordenamento jurídico.

Uma vez revogada a isenção, a regra-matriz de incidência tributária

restabelece sua plena força, temporariamente afastada pela lei isentiva, desde que

observados os preceitos constitucionais pertinentes76. Já a imunidade, conforme

expusemos, não pode ser retirada do Texto Constitucional a não ser pelo exercício

do poder constituinte primeiro, a teor de seu artigo 60, § 4o, IV.

2.7. Imunidade tributária e a jurisprudência do Sup remo Tribunal Federal

A essa altura já não é mais novidade que as regras de imunidade tributária

decorrem da Constituição Federal. Esse ponto foi passado e repassado à exaustão.

Nesse sentido, não estaríamos incorrendo em erro ao afirmar que a fonte primeira

das imunidades é o Texto de 1988.

E se a fonte primária é o Texto Constitucional a segunda e derradeira é o

Poder Judiciário, intérprete e aplicador da Constituição. Isso porque, segundo

75 De acordo com Regina Helena Costa (2006, p. 108), as normas constitucionais de eficácia limitada, em verdade, versam sobre hipóteses de isenção heterônoma, aquelas outorgadas por pessoa política distinta daquela competente para a instituição do tributo. 76 Existem as isenções tributárias incondicionais com prazo indeterminado. Esta é a que mais vemos e sua revogação não traz discussões maiores. Como não poderia deixar de ser, aliás. Ora, sendo essa modalidade de isenção concedida graciosamente, sem corresponder a qualquer prestação por parte do beneficiário, pode ser revogada, a qualquer tempo, pelo poder concedente. Entretanto, há as isenções tributárias condicionais com prazo certo. Estas, segundo pensamos, se modificadas ou revogadas antes de transcorrido seu termo, geram aos contribuintes prejudicados o direito subjetivo de continuarem desfrutando de menor exação até o final do prazo assinalado legalmente. Nesse diapasão, aqueles que atenderam às condições impostas pela lei isentiva, incorporam ao seu patrimônio as vantagens da isenção transitória condicionada até que, como colocamos, findo o espaço de tempo preestabelecido. E se assim não fosse, restaria desatendido o direito adquirido do contribuinte, pedra angular do ordenamento jurídico nacional, insculpido no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.

87

Renato Lopes Becho (2011, p. 473), quanto às imunidades tributárias, não há

espaço para o desenvolvimento legislativo, já que o desenho do instituto principia e

termina em ditames de ordem constitucional.

Cabe, pois, à atividade judicante, em especial a do Supremo Tribunal Federal,

definir qual é a abrangência e os limites das imunidades tributárias, quais são os

valores que se sobressaem em cada caso concreto e, sobretudo, atualizar os

conceitos relativos à matéria encerrados no Texto Constitucional.

Daí a importância de demonstrarmos, com jurisprudências, a evolução no

entendimento das imunidades tributárias e para onde apontam as próximas

decisões, empreitada que faremos no capítulo seguinte.

2.8. Imunidade tributária: um fenômeno tipicamente brasileiro

Por último, a fim de arrematar os contornos gerais sobre imunidade tributária,

antes de adentrarmos no objeto do trabalho propriamente dito, insta colocarmos um

pouco da história desse instituto jurídico.

Devemos esclarecer, logo a princípio, que o fenômeno da imunidade tributária

é tipicamente brasileiro. Ou seja, regra constitucional proibindo as pessoas políticas

de direito constitucional interno de expedirem normas instituidoras de tributos em

situações específicas, só é vista em solo pátrio.

Sobre a temática, aponta Regina Helena Costa (2006, p. 22) que a imunidade

tributária, como a conhecemos, outorgada em função de determinadas pessoas,

situações e bens, é instituto característico do direito brasileiro. Nesse diapasão, em

vão procuraremos semelhanças no direito comparado.

Em verdade, ao examinarmos as Constituições estrangeiras, verificamos que

estas dedicam poucos ou mesmo nenhum tratamento à matéria tributária, o que nos

faz concluir que a exoneração fiscal, se/e quando cabível, é assunto delegado ao

legislador infraconstitucional, sob a forma de isenção.

88

2.8.1. Imunidade tributária: histórico deste instit uto

Se imunidade tributária é fenômeno que só ocorre no Brasil, resta

demonstrarmos, em linhas gerais, os primórdios de seu surgimento, bem como o

tratamento atual da matéria.

Iniciaremos nosso percurso falando sobre a extinção dos privilégios odiosos

com o surgimento da Constituição de 1824, a qual, em seu artigo 179, XVI77,

determinou a abolição de prerrogativas que não fossem essenciais e inteiramente

ligadas aos cargos de utilidade pública. A partir desse momento, nobres e clero,

salvo em casos de isenções, passaram a sofrer imposições fiscais.

Não havia, contudo, nessa Carta, previsão de imunidade. Tal conceito surgiu

em 1891, com a Constituição da República. Nela, quando da distribuição de

competências tributárias, o legislador original delimitou áreas de intributabilidade,

como, por exemplo, a imunidade recíproca e a religiosa, conforme salientam os

artigos 10 e 11, 1º e 2º78.

A Constituição Federal de 1934, além de também albergar a imunidade a

cultos religiosos, estendeu a imunidade recíproca aos municípios, ex vi os artigos

17, II e IX79.

Após a Constituição de 1937, que pouco fez em matéria tributária, o Magno

Texto de 1946 trouxe importantes inovações: manteve a imunidade recíproca,

ampliou a imunidade religiosa aos templos de qualquer culto e estabeleceu a

imunidade de partidos políticos e de instituições de educação e assistência social,

77 XVI. Ficam abolidos todos os privilegios, que não forem essenciais, e inteiramente ligados aos Cargos, por utilidade pública. 78 Art 10 - É proibido aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente. Art 11 - É vedado aos Estados, como à União: 1 º ) criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os transportarem; 2 º ) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; 79 Art 17 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; [...] IX - cobrar, sob qualquer denominação, impostos interestaduais, intermunicipais de viação ou de transporte, ou quaisquer tributos que, no território nacional, gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou pessoas e dos veículos que os transportarem;

89

bem como criou a imunidade referente ao papel destinado à impressão de jornais,

periódicos e livros, no artigo 31, V, “a”, “b” e “c”80.

Com a Emenda Constitucional nº 18/65, à imunidade das instituições de

educação e assistência social foi agregada a cláusula “observados os requisitos

fixados em lei complementar”, posteriormente suprimida em 1967.

A Emenda nº 01/69 repetiu o que estava estipulado em 1967, de modo que

chegamos à Carta Constitucional de 1988. Vejamos alguns exemplos de imunidades

tributárias desse Texto: (i) é imunidade o preceito gravado no artigo 153, § 3º, III da

Constituição Federal81, segundo o qual o Imposto sobre Produtos Industrializados –

IPI não incidirá sobre os produtos destinados ao exterior; (ii) é imunidade, ademais,

a hipótese mencionada no artigo 155, § 2º, X, “a” da Constituição Federal82,

envolvendo o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias – ICMS, no que concerne

às operações que destinem mercadorias para o exterior e aos serviços prestados a

destinatários situados fora do território nacional; (iii) por outro lado, são operações

imunes aquelas previstas no § 5º do artigo 184 do Texto Constitucional83, a despeito

de o legislador constituinte ter empregado o termo “isentas”; (iv) há, ainda, inúmeras

80 Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: [...] V - lançar impostos sobre: a) bens, rendas e serviços uns dos outros, sem prejuízo da tributação dos serviços públicos concedidos, observado o disposto no parágrafo único deste artigo; b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins; c) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros. 81 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] IV - produtos industrializados; [...] § 3º - O imposto previsto no inciso IV: [...] III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. 82 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] X - não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; 83 § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

90

imunidades referentes a taxas, como, por exemplo, aquela contida no artigo 5º,

inciso LXXVI, “a” e “b” da Constituição Federal84 que se destina aos

reconhecidamente pobres na emissão de registro civil de casamento e de certidão

de óbito; (v) outrossim, não podemos esquecer a imunidade prevista no artigo 195, §

7º do Texto Constitucional de acordo com a qual “São isentas de contribuição para a

seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às

exigências estabelecidas em lei.”

Entretanto, para o nosso trabalho, a imunidade realmente importante de

demonstrarmos é a do artigo 150, VI da Constituição Federal de 1988,

especialmente a prevista na alínea “c”:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

[...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Demonstradas algumas normas constitucionais que versam sobre imunidades

tributárias, podemos direcionar nossa atenção ao âmago do trabalho. Passaremos,

no tópico que vem, a tratar especificamente sobre a imunidade tributária das

instituições de educação. 84 LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito;

91

03. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇ ÃO

Vimos, em nosso caminho, alguns aspectos da transformação do Estado e da

crescente importância da sociedade civil na prestação de serviços de interesse

comum. Vimos também que tais serviços são prestados por associações e

fundações sem fins lucrativos, partes integrantes do denominado terceiro setor.

Mais à frente, aduzimos que o Estado, mediante as imunidades tributárias,

incentiva a participação popular em serviços sociais. Assim, sendo a educação

qualificada como uma atividade de relevante interesse público, mais do que

justificada é a razão da outorga dessa imunidade às instituições por ela

beneficiadas.

Por ajudarem a suprir as deficiências da atuação estatal em áreas que o

constituinte originário classificou como importantes, são as instituições de ensino

recompensadas com a vedação constitucional que demanda não lhe sejam exigidos

tributos.

A fim de conhecer melhor esse instituto jurídico, veremos, agora, como a

imunidade das entidades de educação é manejada em nosso ordenamento jurídico e

quais são as peculiaridades que as envolve.

3.1. A imunidade tributária das instituições de edu cação nas Constituições

brasileiras

A imunidade tributária direcionada às instituições de educação apareceu, em

nosso ordenamento jurídico, com a democrática Constituição Federal de 1946, onde

se lia, no artigo 31, V, “b”, que:

Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

V - lançar impostos sobre:

b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins; (grifo nosso)

92

A imunidade em questão abraçava todos os impostos suportados pelas

instituições educacionais, não importando se estas tinham ou não fins lucrativos,

desde que direcionassem suas receitas aos objetivos pelos quais foram criadas e

aplicassem, integralmente, seu capital no Brasil.

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 18/65, o sistema

constitucional tributário foi significativamente reformado, de modo que o conjunto de

normas ligadas às imunidades alterou-se bastante. Agora apenas os impostos

incidentes sobre o patrimônio, a renda ou os serviços das entidades de educação

eram atingidos pela regra imunizante, cabendo à lei complementar dispor sobre a

fixação desse gozo. Eis o Texto:

Art. 2º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

IV - cobrar impostos sôbre:

[...]

c) o patrimônio, a renda ou serviços de Partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei complementar; (grifo nosso)

A Constituição de 1967 manteve praticamente intacta a redação anterior

acerca da imunidade tributária das entidades educacionais, afirmando apenas que

os requisitos agora seriam previstos por lei e não mais por lei complementar, senão

vejamos:

Art 20 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - criar imposto sobre:

[...]

c) o patrimônio, a, renda ou os serviços de Partidos Políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei; (grifo nosso)

A Emenda Constitucional nº 01/69, apesar da grande quantidade de

modificações que promoveu na Constituição de 1967, praticamente não tocou na

imunidade em comento, alterando apenas um termo ou outro e o número do artigo,

que passou a ser o 19º, ex vi:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - instituir impôsto sôbre:

[...]

93

c) o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei; (grifo nosso)

Chegamos, então, à Constituição Federal de 1988, que assim dispôs sobre o

assunto:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:

[...]

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

[...]

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. (grifo nosso)

Do atual Texto, depreende-se que novas cercanias passaram a balizar a

imunidade das entidades educacionais, notadamente a parte que restringe o alcance

do instituto aos impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda e os serviços

relacionados diretamente às finalidades essenciais dessas instituições.

Inovou, ainda, a Constituição de 1988 ao prever, em seu artigo 195, § 7º, que

as entidades beneficentes de assistência social são isentas de contribuir para o

custeio da seguridade social, desde que atendidas as exigências legais. Eis o fala o

mencionado comando:

Art. 195. [...]

[...]

§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. (grifo nosso)

Diante desse breve panorama constitucional, percebe-se que a imunidade

destinada às instituições de educação, desde 1946, caminha em direção ao

amadurecimento, sendo, a partir de 1988, possível identificar no próprio Texto

Constitucional quais são seus pressupostos, limites e destinatários.

No que tange à imunidade voltada às instituições educacionais, sobre as

quais discorreremos daqui em diante com maiores detalhes, ressalvamos que, pelo

corte metodológico escolhido, apesar de o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal

referir-se a outras pessoas jurídicas, como os partidos políticos, suas fundações e

94

entidades sindicais de trabalhadores, é nossa intenção nos ater apenas à referida

imunidade. Vamos a elas.

3.2. Imunidade tributária e educação

Educação é um termo que admite vários significados. Desde aprimoramento

das faculdades físicas, intelectuais e morais do ser humano até formação de novas

gerações segundo os ideais de um povo, múltiplas são as possibilidades de seu uso,

a depender da mensagem que o emissor deseje transmitir. Contudo, seja qual for o

significado pretendido, todos são de extrema importância para a formação do ser

humano e do Estado.

De maneira objetiva, podemos dizer que educação é a jornada pela qual

passa o indivíduo ao longo de sua vida, ou seja, a ferramenta que o ajuda a explorar

suas capacidades; é, nesse sentido, seu contínuo processo de formação física e

psíquica que, em síntese, visa tornar possível sua existência e coexistência,

possibilitando-lhe um convívio saudável consigo mesmo, com os demais seres vivos

e com as múltiplas faces da sociedade e do mundo em que se insere.

De acordo com Maria Garcia (1998, p. 59), a finalidade da educação é formar

o ser humano para a liberdade adquirida através do conhecimento e, assim,

possibilitar a ele a consciência de si mesmo, da vida que o cerca, do seu papel na

sociedade e das suas possibilidades de escolha.

Por ser imprescindível ao desenvolvimento do ser humano, já que afeta vários

aspectos de sua vida, a educação mereceu proteção especial do direito. Em razão

da relevância que tem para o Estado social democrático de direito, passou a ser

tutelada como direito fundamental85.

Com efeito, cidadão é o indivíduo que participa ativamente dos destinos da

sociedade em que vive. Ser cidadão em um mundo globalizado, como aponta Sergio

Alves Gomes (2005, p. 53), não é mais como sê-lo na polis, encerrada em seus

muros. Atualmente, a pessoa tem que desenvolver uma consciência que envolva o

conhecimento e os destinos do planeta em que vive. Nesse sentido, as pessoas 85 De acordo com José Afonso da Silva (2007, p. 312), a combinação entre os artigos 6o e 205 da Constituição Federal eleva a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem.

95

devem possuir uma noção básica das conexões e interdependência existentes entre

elas e o complexo ambiente de que fazem parte. .

A experiência da democracia impõe a efetiva participação de todos em prol

dos valores que compõem o ideário democrático. Isso pressupõe que o povo seja

suficientemente esclarecido a respeito de seu papel político, tanto nos casos

previstos no artigo 14 I, II e III da Constituição Federal86, quanto através dos

representantes que elege. E a educação é o único caminho para se alcançar tais

desideratos.

A lição de Antônio de Sampaio Dória (1960, p. 765-785) acerca da diferença

entre autocracia e democracia ajuda-nos a entender a relação entre educação e a

forma de governo de certo país, eis que, ou o poder está a serviço dos governantes

e é imposto aos governados, ou o poder é a vontade dos governados conferida aos

governantes para que o exerça em nome deles. Ou autocracia ou democracia.

Tendo o Brasil optado pelo regime democrático, como reza o artigo 1º da

Constituição Federal de 198887, cumpre colocarmos a educação como prioridade na

agenda nacional.

Ciente da relevância do assunto para o indivíduo e para a própria viabilidade

da democracia, o Estado brasileiro formulou comandos jurídicos destinados ao tema

desde seu primeiro Texto Constitucional. Vejamos, assim, a evolução e as principais

características históricas da educação brasileira.

3.2.1. O direito à educação nas Constituições brasi leiras

Não há como compreendermos bem a evolução da educação no Estado

brasileiro sem fazermos uma digressão histórica pelos Textos Constitucionais

outrora vigentes.

86 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. 87 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

96

Em verdade, devemos consignar que a evolução educacional brasileira

ocorreu, embora os esforços até agora empreendidos não tenham sido suficientes

para colocá-la num patamar de excelência. Veremos o porquê de tal característica.

Como ponto de partida, vejamos a Constituição de 1824. Para analisá-la, é

necessário entender o contexto histórico da época em que foi outorgada, qual seja, a

ascensão do liberalismo no ideário político, econômico e jurídico. No campo

educacional, percebe-se um compromisso, especialmente por parte do imperador

Dom Pedro I, em proporcionar instrução pública ao povo.

Nesse diapasão, o Texto Constitucional da época disciplinou o tema no artigo

179, XXXII e XXXIII, estabelecendo a garantia do ensino primário a todos os

cidadãos e sua realização, preferencialmente, pela família e pela Igreja.

Durante o período de vigência da Constituição de 1824 não existiu, sob o

aspecto constitucional, uma atribuição precisa de competências entre as pessoas

políticas para o desenvolvimento da educação, sendo a matéria relegada à

legislação ordinária, o que implicou a descentralização da regulação do tema e o

consequente embaraço do progresso educacional no país

Com a Proclamação da República, iniciou-se uma nova fase para o direito

constitucional brasileiro, já que o país adotou uma nova forma de governo e de

Estado, tornando-se uma República Federativa.

Segundo Bruno Fraga Pistinizi (2010, p. 63), a maioria das alterações

constatadas no contexto pós-Constituição de 1891 foi decorrência direta da

influência progressista, ou seja, dos adeptos do constitucionalismo norte-americano,

caracterizado pela delimitação de competências legislativas em matéria educacional.

O direito à educação foi disciplinado nos artigos 35 e 72 da Constituição de

1891. O tratamento dado à matéria foi modificado, principalmente no que se refere à

concentração das atividades educacionais da União e dos Estados, cabendo ao

Congresso estabelecer medidas para o desenvolvimento das letras, artes e ciências,

bem como para a criação de estabelecimento de ensino superior e secundário nos

Estados. Estabeleceu-se, outrossim, a separação entre Estado e Igreja, passando a

ser laico o ensino ministrado nos estabelecimentos oficiais.

97

A Constituinte que deu origem à Carta de 1934 se afastou do movimento

liberal e se filiou aos princípios das Constituições mexicana de 1917 e alemã de

1919, que continham diversas disposições relativas a direitos sociais

O governo de Getúlio Vargas promoveu sensíveis transformações na seara

educacional, dentre as quais a implementação do Ministério da Educação e Saúde

Pública e do Conselho Nacional de Educação, órgão responsável pela elaboração

do plano nacional de educação.

A Constituição de 1934 disciplinou o direito à educação nos artigos 5O, XIV e

do artigo 148 ao 158, aduzindo, no artigo 149, que ela era direito de todos e deveria

ser ministrada pela família e pelos poderes públicos. Dentre os significativos

avanços trazidos pelo novo Texto Constitucional, um dos principais é a vinculação

dos recursos orçamentários das pessoas políticas para sua implementação.

A Constituição do Estado Novo, de 1937, disciplinou a educação nos artigos

15, IX, 16, XXIV, e do artigo 124 ao 134. Dentre os comandos voltados ao tema,

estabeleceu como competência privativa da União fixar as diretrizes, bases e

quadros da educação nacional, manteve a gratuidade do ensino primário,

considerou obrigatória a educação física, o ensino cívico, os trabalhos manuais e

tornou facultativo o ensino religioso.

A Constituição, promulgada em setembro de 1946, o direito à educação foi

disciplinado nos artigos 5, XV, “d”, e do artigo 166 ao 175. Assim como na

Constituição de 1934, a educação continuou caracterizada como direito público

subjetivo. A União manteve a competência para legislar sobre as diretrizes da

educação nacional, facultando aos Estados legislarem em caráter complementar.

A Carta de 1946 estabeleceu, no artigo 168, os princípios que deveriam ser

obedecidos pela legislação: ensino primário obrigatório e em língua nacional; o

ensino oficial para aqueles que provassem insuficiência de recursos; e manutenção

de ensino primário pelas empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de

cem trabalhadores.

A elaboração da Constituição de 1967 teve como pano de fundo um momento

político brasileiro de comando ditatorial, capaz de desfigurar o conteúdo da

democrática Constituição de 1946. Esse período foi marcado pela restrição de

direitos individuais, assim como pela adoção de medidas fortalecedoras da

98

supremacia do poder do Estado em todas as esferas de atuação, inclusive no direito

à educação.

A Constituição de 1967 disciplinou o tema nos artigos 8, XVI, XVII, “q” e § 2o,

e 167, § 4o, e do artigo 168 ao 172. O artigo 168 estabeleceu os princípios da

educação e da legislação de ensino, enfatizando a unidade nacional e a

solidariedade humana. Não foram fixados percentuais da receita tributária para

aplicação obrigatória na educação e estabeleceu-se, ainda, que a gratuidade do

ensino ulterior ao primário seria substituída, sempre que possível, pela concessão

de bolsas de estudo, cujo reembolso seria exigido no caso do ensino superior.

Fruto do agravamento da situação de exceção política vivida pelo país, a

Emenda Constitucional n° 1, de 1969, alterou profun damente as disposições

relativas ao direito à educação. Merece destaque a criação de lei para tutelar o

direito à educação de excepcionais trazido pelo artigo 175, § 4º, além da instituição

do salário-educação, acompanhado da destinação de 20% (vinte por cento) da

receita municipal para o custeio do ensino primário de qualidade, conforme o artigo

15, § 3.º, “f”.

Com a restauração da democracia, após o término do regime militar, iniciou-

se um forte e constante apelo social pela promulgação de uma nova Constituição.

Com este escopo, convocou-se, mediante emenda constitucional, a Assembleia

Nacional Constituinte.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988

e atualmente em vigência, é a mais pródiga de nossas Constituições no que se

refere ao reconhecimento de direitos fundamentais e garantias para seu exercício.

A educação está relacionada entre os direitos sociais, no caput do artigo 6o88.

Sobre o tema, sabemos que o critério topográfico não indica qualquer hierarquia das

normas constitucionais. Entretanto, não podemos deixar de reparar, assim como

Pedro Augustin Adamy (2011, p. 101), que a educação é o primeiro dos direitos

sociais garantidos no mencionado dispositivo. Dentre as preocupações do

constituinte, esse tema obviamente ocupou lugar de destaque. Tanto é que foi

88 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

99

alçado a um dos objetivos primordiais do Estado brasileiro e elencado como o

primeiro direito social do cidadão

Para além disso, a disciplina específica acerca da educação encontra-se no

título relativo à Ordem Social. Nos artigos 205 ao 214, encontramos as diretrizes que

capitaneiam o sistema educacional brasileiro.

O artigo 205 do Texto Constitucional afirma que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Tal comando prescreve que a educação deverá ser tutelada pelo Estado e

pela família, com a ajuda de toda a sociedade, sendo um direito de todos e,

portanto, informada pelo princípio da universalidade89. Como objetivos básicos da

educação, temos o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício

da cidadania e sua qualificação para o mercado de trabalho.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é rica em decisões que

conferem ao direito à educação a chancela de direito de todos e dever do Estado,

implicando maior espaço de concretização e realização da garantia fundamental. É,

por exemplo, o que restou assentado no RE nº 594.018:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E 211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental[...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.

89 De acordo com José Afonso da Silva (2007, p. 312): “[…] aí se afirma que a educação é direito de todos, com o que esse direito é informado pelo princípio da universalidade.”

100

(RE 594018 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-11 PP-02360 RTJ VOL-00211- PP-00564 RMP n. 43, 2012, p. 217-225)

Os artigos 206 e seguintes da Constituição Federal, disciplinam a forma como

deve ser ministrada a educação, estabelecendo que esta deve ser pautada pelos

princípios da igualdade e da liberdade, obrigando entidades públicas e privadas a

manterem boa qualidade de ensino.

Segundo o artigo 209 do Texto Constitucional:

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

A educação é, pois, direito de todos, podendo ser prestada por entes públicos

ou privados. A colaboração da sociedade não deve, assim, se restringir apenas à

fiscalização pelo Estado do cumprimento das prestações educacionais.

Cabe à iniciativa privada, atendidos os limites normativos, prestar o serviço

educacional, carecendo de autorização estatal para tanto. Ademais, as entidades

educacionais privadas devem cumprir as normas gerais do setor, cabendo ao Poder

Público avaliar o cumprimento desses requisitos e a qualidade do ensino ministrado.

Resta claro, portanto, que a Constituição é riquíssima na definição de

garantias à educação, bem como na eleição dos meios para que esse direito seja

concretizado por meio de ações públicas ou privadas.

A regulamentação das normas constitucionais referentes ao direito à

educação ocorre mediante atos legislativos ordinários. De acordo com o artigo 22,

XXIV da Constituição Federal90, compete à União legislar sobre diretrizes e bases da

educação nacional.

Nesse sentido, foi editada a Lei Federal n° 9.394/9 6, conhecida como Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela qual foram estabelecidas as

condições para o desenvolvimento da educação brasileira. Essa norma explicita, em

seu artigo 1º, caput, que:

90 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: […] XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

101

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

E, no artigo 2º, dispõe:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O direito à educação recebeu tratamento específico e diferenciado por parte

do constituinte, baseado na absoluta essencialidade do tema para a erradicação das

diferenças sociais e para a construção de um Estado democrático sólido, igualitário

e, consequentemente, mais justo.

3.2.2. O uso das imunidades tributárias como meio d e se promover a educação

No Brasil, a noção de Estado liberal nasceu em paralelo ao regime

monárquico e à escravidão. Tratava-se de um Estado que, hegemonizado pelas

oligarquias exportadoras, governava em nome do conjunto dessas oligarquias.

De uma maneira geral, a República Velha é fruto dessa mistura de

influências. Constata-se a ínfima intervenção do Estado nas atividades econômicas

do período, já que a economia era basicamente agrária e as fazendas, unidades

econômicas autônomas, dependiam pouco da atuação do governo para a

manutenção de suas atividades.

Quanto aos serviços públicos, segundo Luiz Gustavo Bambini de Assis (2011,

p. 129), tímida foi a atuação estatal. Pouquíssimos investimentos eram realizados

nas áreas sociais, haja vista ser a sociedade basicamente agrária, com pouca

instrução cultural. As cidades brasileiras ainda cresciam a um ritmo lento e não

demandavam do Estado políticas de saneamento, saúde e educação.

Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, entra em voga a questão social.

Nessa lógica e rompendo com a estrutura liberal anterior, o ataque ao câmbio livre

combinado com uma política protecionista passou a ser a característica marcante do

período, obrigando que o Brasil se industrializasse.

102

De acordo com Bambini de Assis (2011, p. 129), o Estado pós-Revolução de

30 pode ser considerado, todavia, contraditório. Isto porque, embora tenha se

apresentado como social, não conseguiu firmar-se como um Estado de bem-estar, já

que avançado em determinados setores da economia, mas tradicional e repressor

em boa parte das questões sociais, o que demonstrava a flagrante preferência do

governo pela industrialização em detrimento das políticas sociais.

A partir da década de 19 60 as reformas de base, alicerçadas na justiça social

e no desenvolvimento econômico, voltaram a ter destaque político. Durante esse

processo desenvolvimentista, questões relacionadas ao crônico problema da

distribuição da renda brasileira voltam a ser discutidas. O ex-presidente Juscelino

Kubitschek, por exemplo, elaborou o Plano de Metas, no qual foram previstos

investimentos públicos em áreas de relevância social.

A alimentação e a educação, assim como a saúde, eram partes integrantes

desse processo de desenvolvimento. Ocorre que o governo de Juscelino, não

obstante ter obtido várias conquistas, não conseguiu implementar seu plano por

completo, uma vez que priorizou aspectos relacionados à industrialização e à

geração de empregos, além da mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para

Brasília.

Mais uma vez, portanto, as questões sociais haviam sido deixadas à margem

do processo de desenvolvimento à medida em que o serviço público concentrava

esforços nas áreas de infraestrutura e desenvolvimento industrial.

Durante o período militar, diversas transformações no modelo de

desenvolvimento brasileiro aconteceram. Políticas regionais passaram a ser

pensadas, muito embora, como adverte Luiz Gustavo Bambini de Assis (2011, p.

129), estivessem completamente dissociadas de reformas sociais e da diminuição

de desigualdades.

A atuação estatal direcionou-se para a solução de problemas econômicos,

exatamente como tinham feito todos os governos anteriores. É sintomática a frase

do então ministro de Estado da Fazenda, Delfim Neto, alegando ser necessário

primeiro crescer o bolo para, posteriormente, reparti-lo.

Após o período ditatorial, a sociedade brasileira reconquistou os direitos

políticos e a possibilidade de participação. Passou a votar em presidentes,

103

governadores e prefeitos em eleição direta, justamente no momento em que a

atuação estatal e a capacidade de promoção de direitos sociais estava debilitada

pelos graves problemas financeiros do país.

O início do governo Collor foi marcado pela ratificação da política de ajuste do

Estado brasileiro e, em paralelo, pela adoção de medidas direcionadas ao

crescimento econômico, essencial para o fim da recessão vivida na década de 19

80.

O modelo estatal implementado por Fernando Collor de Melo e aprofundado

pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, muito embora tivesse por meta o

crescimento do país, era absolutamente descompromissado com a promoção de

diversos direitos sociais, dentre eles e com mais agudeza, a educação.

Atualmente a implementação dos direitos sociais continua encontrando

obstáculos ante a opção do governo PT em investir nas mais variadas questões, em

especial, as relacionadas ao tema da infraestrutura.

Diante desse breve panorama, resta evidente que o investimento público em

questões sociais é um mero reflexo da política econômica, passando ao largo de ser

a meta prioritária do país. Logo, não estaríamos exagerando em dizer que todas as

políticas públicas brasileiras de desenvolvimento social verificadas até então nada

passam de consequências marginais do processo de intervenção governamental no

campo econômico.

Devido à omissão do Poder Executivo em implementar políticas públicas

voltadas ao desenvolvimento dos direitos sociais, dentre os quais se insere o direito

à educação, mostra-se cogente a participação da sociedade para, exercitando

tarefas essencialmente públicas, agir onde o Estado deveria e não o fez.

O curioso é que, segundo a perspectiva moderna, ninguém ousa negar a

importância da educação para o desenvolvimento de qualquer sociedade. De acordo

com Hugo de Brito Machado (2013, p. 33), a afirmação de que a educação é

essencial constitui uma unanimidade em qualquer lugar do mundo atual.

Ainda assim, porém, o Estado brasileiro não tem dedicado à atividade

educacional a atenção necessária. O discurso dos governantes, assim como os

preceitos de nossos ordenamento jurídico, infelizmente, não são postos em prática.

104

Nesse intricado contexto, as imunidades tributárias relacionadas ao tema da

educação crescem em importância, visto que, historicamente, a educação, apesar

de direito prestigiado em todas as Constituições brasileiras, não é, de fato, tratada

com o devido respeito.

Tendo em vista o desleixo com um tema tão relevante, cabe à iniciativa

privada colaborar com a sociedade nessa questão, razão pela qual as imunidades

tributárias evidenciam importante fonte de incentivo ao investimento privado

educacional.

3.3. Instituições sem fins lucrativos

Antes de passarmos aos temas propriamente tributários da imunidade relativa

às instituições de educação, cabe uma breve análise do significado do termo

instituição, afinal, embora seja corrente entre os estudiosos que ele se refere à

entidade dotada de personalidade jurídica, discute-se acerca de seu sentido na

Constituição Federal, se técnico-jurídico ou genérico.

Isso porque, ao longo de muitos anos e sob a vigência das Constituições de

1946, 1967, 1969 e 1988, o Supremo Tribunal Federal tem sido instigado a se

pronunciar sobre o assunto, demarcando quais são as fronteiras ligadas ao conceito

de instituição educacional.

E, contrariamente ao que se poderia imaginar, a existência de um grande

número de julgados sobre o tema91 não resultou na definição de um padrão

jurisprudencial das características de tais instituições.

No entanto, as decisões, apesar de díspares, partem quase que

exclusivamente da teoria de Leopoldo Braga, que em sua obra Do conceito jurídico

de instituições de educação e assistência social (1960), mostrou-se um ferrenho

defensor da ideia segundo a qual o vocábulo instituição, tal como trazido na

91 Como exemplo, podem ser citados os seguintes julgados: (AI 26174, Relator(a): Min. ANTONIO VILLAS BOAS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/08/1961, ADJ DATA 16-11-1962 PP-00661 DJ 18-10-1962 PP-03007 EMENT VOL-00518-02 PP-00529 RTJ VOL-00023-01 PP-00165); (RE 106378, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 08/10/1985, DJ 14-03-1986 PP-03391 EMENT VOL-01411-04 PP-00731); (RE 136332, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 24/11/1992, DJ 25-06-1993 PP-12641 EMENT VOL-01709-03 PP-00493 RTJ VOL-00150-02 PP-00597)

105

Constituição Federal de 1946, distingue e qualifica uma certa e especial categoria de

sujeitos de direito que, por seus fins institucionais de interesse social, constituem

verdadeiros órgãos auxiliares do Poder Público (BRAGA, 1960, p. 10).

Segundo defende o autor (BRAGA, 1960, p. 13-14), o Texto de 1946 utilizou o

termo instituições com propositada justeza terminológica para se reportar a certa e

determinada espécie de entes reconhecidos por ter vocação altruísta e

eminentemente desinteressada, visando, em última análise, ao bem público, à

utilidade coletiva e à satisfação de necessidades gerais da sociedade.

Nesse sentido, seriam autênticas instituições somente aquelas que, não

possuindo finalidade de atender ao interesse de seus fundadores, membros,

associados ou administradores: (i) dirigissem seus esforços a interesses públicos, (ii)

fossem gratuitas e sem intuito lucrativo e (iii) abrissem suas portas à sociedade em

geral, seja na prestação de serviços, seja na distribuição de utilidades e benefícios

(BRAGA, 1960, p. 97)92.

O texto de Leopoldo Braga, consistente e detalhista, de fato impressionou os

tribunais superiores e, ao longo de quatro décadas, de 1960 a 1990, o Supremo

Tribunal Federal decidiu sobre a imunidade das instituições de educação utilizando-

se dos três parâmetros por ele trazidos, de modo que muitos de seus acórdãos se

sustentaram no cumprimento ou não dos requisitos da finalidade pública, da

gratuidade e da generalidade dos beneficiários.

O melhor exemplo disso está no voto do ministro Oscar Corrêa, no bojo do

RE 100.81693, do qual se extrai a seguinte passagem:

92 Leopoldo Braga (1960, p. 49) também procura justificar a conclusão de que o termo "instituições", na Constituição de 1946, tem o sentido da doutrina europeia, da seguinte maneira: "Ora, ao ser elaborada a vigente Constituição de 1946, já doutrina universal havia conferido um acepção técnica especial à palavra 'instituição', na teoria das pessoas jurídicas, quando vinculada ao particular sentido de ente, instituto, obra ou organização com fins beneficentes (que é o que condiz com o tema objetivado no texto da alínea b do inc. V ao art. 31), e, mais ainda, às locuções 'instituição de beneficência' e 'instituição de assistência social.'" Tal raciocínio vem complementado pelo seguinte (BRAGA, 1960, p. 48): "Porque é também princípio básico de hermenêutica jurídica o de que, se ao tempo da elaboração é uma constituição ou de lei comum, certa palavra de conteúdo científico, empregada pelo legislador, possuía já uma acepção técnica especial, ou usualmente adotada em leis anteriores, ou pela doutrina corrente, relacionada com a peculiar natureza da matéria regulada no texto, essa acepção, que não outra, é, presumivelmente, a que corresponde ao pensamento da lei posteriormente elaborada ( mens legi) e indica o sentido que a tal palavra deve ser atribuído pelo intérprete." 93 SINDICATO - IMUNIDADE FISCAL PARA O NÃO PAGAMENTO DOS IMPOSTOS PREDIAIS E TERRITORIAIS. O ARTIGO 19, III, C, E O ARTIGO 14 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL NÃO AUTORIZAM A EXTENSÃO DA IMUNIDADE, SE NÃO E A ASSISTÊNCIA SOCIAL OBJETIVO INSTITUCIONAL DA ENTIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

106

A doutrina brasileira, não obstante os inumeráveis estudos a respeito, não fixou, em termos definitivos, os limites de compreensão do texto constitucional.

Tudo isto agravado pela dificuldade da própria conceituação de instituições e os interesses que se mesclam ao cuidar de fixá-la.

Dos estudos que pudemos compulsar, o de Leopoldo Braga é o mais completo, na amplitude e penetração com que discute, excelentemente, buscando a lição da doutrina nacional e alienígena e incursionando no exame de outras legislações. Não há como, neste voto, resumir-lhe as conclusões que extraímos, apenas, as que tocam mais de perto a hipótese e que podem espalhar-se nestas três condições que devem ser preenchidas pelas instituições para os efeitos da imunidade tributária (Leopoldo Braga publicou o seu estudo - "Do Conceito Jurídico de Instituições de Educação e Assistência Social" em 1960, no regime da Constituição de 1946):

A) Fim público institucional, exclusivo, ou, ao menos, principal;

B) Gratuidade e ausência de intuito lucrativo;

C) Generalidade na prestação de serviços ou na distribuição de utilidade e benefícios.

Em que pese a excepcional acolhida do sentido técnico-jurídico do termo

instituições, as ideias de Leopoldo Braga foram rebatidas por alguns doutrinadores94,

dentre eles, e mais contundentemente, Odim Brandão Ferreira.

Segundo afirma o autor (FERREIRA, 1995, p. 144), as proposições de

Leopoldo Braga, quando tomadas em bloco, impressionam. Todavia, o exame

isolado de cada uma delas revela que todas, sem exceção, podem ser solidamente

contestadas.

De acordo com Odim Brandão Ferreira (1995, p. 144), o maior problema da

teoria de Braga não está em saber se as três características por ele citadas dizem

respeito às instituições segundo os preceitos europeus e canônicos, pois isso é

certo. O que lhe faltou foi comprovar que as Constituições brasileiras vêm

empregando o termo dentro dessa perspectiva95.

Quanto à teoria de Leopoldo Braga, pensamos que ao menos duas perguntas

devem ser feitas: a Constituição de 1946 realmente utilizou a palavra instituição no

(RE 100816, Relator(a): Min. OSCAR CORREA, Primeira Turma, julgado em 17/02/1984, DJ 09-03-1984 PP-03060 EMENT VOL-01327-03 PP-00640 RTJ VOL-00108-02 PP-00914) 94 Por todos, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012). 95 Segundo o autor (FERREIRA, 1995, p. 144): “Uma vez admitida a preponderância dessa acepção, surge naturalmente a conclusão de que as entidades imunes são aquelas que atendam aos requisitos da finalidade pública, generalidade e gratuidade. Claro, essas três características constituem os marcos com que a própria doutrina européia assinala as ditas pessoas jurídicas. Portanto, a chave para a compreensão do raciocínio de Leopoldo Braga está no seguinte: a instituição imune deve ter as três citadas marcas, pois elas pertencem ao arquétipo ‘instituição’, dado pela doutrina citada anteriormente. Logo, tinha-se que provar que a Constituição de 1946 empregou o termo com esse significado específico. O mesmo que vale para a Constituição de 1988, se se quiser continuar a admitir a tese do autor citado.”

107

sentido técnico-jurídico ou na acepção comum? A conclusão desse autor se impõe

perante a Constituição de 1988?

A resposta às duas indagações é única: não. E a negativa decorre,

basicamente, de duas causas. De um lado, porque a obra analisada não se propôs a

perquirir, com firmeza, se o termo instituição, no contexto de 1946, é realmente

carregado de um único sentido técnico. De outro, porque as conclusões nela

retratadas não podem ser transpostas para o modelo da Constituição de 1988.

Ora, Leopoldo Braga não pôs sua teoria à prova perante a Constituição de

1946. Se o tivesse feito, teria constatado a divergência entre o seu preconceito e a

norma que interpretava.

Como afirma Odim Brandão Ferreira (1995, p. 57), além do artigo 31, V, “b”,

que deferia imunidade às instituições de educação e assistência social, a

Constituição de 1946 usou a palavra instituição, no plural ou no singular, em outras

cinco passagens, todas com significações diferentes96.

Em face dessa realidade, como é possível, como quer Leopoldo Braga,

afirmar que a Constituição de 1946 se valeu da palavra “instituição", unicamente

para se referir àquelas entidades sem fins lucrativos, constituídas por uma vontade

superior, destinadas a fazer o bem indistintamente?

Como afirmar, por exemplo, a ausência de finalidade lucrativa com relação a

instituições de crédito mencionadas no artigo 5°, X V, “k” da Constituição de 194697?

Se, nem diante do Texto de 1946 as conclusões de Leopoldo Braga se

impunham, resta agora verificarmos ligeiramente se estas alcançam a sistemática de

96 Nas palavras do autor (FERREIRA, 1995, p. 57): “No art. 5.°, XV, k, a Constituição citada determinava competir à União ‘legislar sobre (...) instituições de crédito’; no art. 108, § 1.º, admitia a extensão da competência constitucional da Justiça Militar de modo a abarcar também ‘a repressão de crimes contra as instituições militares’; no art. 176 definia as Forças Armadas como sendo ‘instituições nacionais permanentes; no art. 207 estabelecia que, durante o estado de sítio, a lei ‘especificará (...) os casos em que os crimes contra a segurança das (...) instituições políticas e sociais devam ficar sujeitos à jurisdição e à legislação militar’; em último lugar, a Constituição de 1946 declarava que a imunidade dos parlamentares subsistiria mesmo durante o estado de sítio, exceto quando cada uma das Casas do Congresso Nacional decidisse o contrário, por entender que a imunidade de certos Deputados ou Senadores havia se tornado ‘manifestamente incompatível com (...) a segurança das instituições políticas ou sociais.’” 97 Art 5º - Compete à União: [...] XV - legislar sobre: [...] k) comércio exterior e interestadual; instituições de crédito, câmbio e transferência de valores para fora do País;

108

1988.

A título de resposta, é de se ressaltar que não existe a menor possibilidade.

De fato, não há a mais remota base para a suposição de que o constituinte de 1988

tenha empregado o termo em uma única acepção técnico-jurídica.

Segundo Odim Brandão Ferreira (1995, p. 57), “O que predomina é a mais

indisciplinada escolha do termo, para exprimir as mais diversas idéias”.

Isso porque, são basicamente três os significados da palavra instituição na

Constituição brasileira de 1988: (i) de órgão estatal, como o Ministério Público, a

Advocacia-Geral da União e a Defensoria Pública; (ii) de normas estruturantes do

Estado, que dizem respeito ao modo do exercício democrático do poder político; e,

por fim, (iii) de qualquer pessoa jurídica98.

Como continuar a concordar com Leopoldo Braga? Percebemos que nem a

Constituição de 1946, nem a de 1988 utilizaram o termo instituições como sinônimo

de pessoa jurídica de finalidade pública, que presta serviços caritativos de âmbito

geral e de modo gratuito?

Não há como persistir na defesa do sentido técnico das instituições contidas

no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988. As análises gramatical e

sistemática do Texto Superior demonstram, inexoravelmente, que, ao redigi-la, o

constituinte originário ignorou os pormenores da nomenclatura canônica das

pessoas jurídicas.

Ademais, acreditar, por exemplo, que uma Constituição escrita, por ser

redigida por homens especialmente eleitos para essa função, adota linguagem em

exímio rigor técnico, escolhendo, palavras com precisão (BRAGA, 1960, p. 46), se

não é ingenuidade, é, ao menos, destacado otimismo.

Basta analisarmos as condições do órgão elaborador da Constituição de

1988. Como apontamos em capítulos anteriores, causas históricas compeliram o

Congresso Nacional Constituinte a empreender uma corrida contra o tempo, para

98 Quanto à última acepção da palavra instituição, Odim Brandão Ferreira (1995, p. 57) afirma: “Aqui há um tiroteio lingüístico: instituição serve para designar os bancos - e quantas vezes a Constituição de 1988 fala das instituições financeiras! -, pessoas jurídicas que se ocupam da prestação de serviços ligados à saúde, educação, planejamento familiar, recuperação dos viciados e, enfim, rigorosamente toda e qualquer pessoa jurídica, sem distinção. Quanto a este último significado amplíssimo, basta ver os termos do art. 63 do ADCT, que abre, à participação de todas as pessoas jurídicas interessadas, as comemorações dos cem anos de República.”

109

pôr em vigência uma nova Constituição, visando à redemocratização nacional.

Os redatores da Constituição de 1988 usaram, pois, sem qualquer critério

técnico, a palavra instituição para designar uma série de coisas, entre órgãos do

aparelho estatal, normas ou pessoas jurídicas.

Especificamente no que tange ao artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal,

instituições, a nosso ver, foi utilizado, na acepção de pessoas jurídicas criadas com

o fito de servir ao bem comum. Apenas isso.

Até porque os critérios das instituições, tal como dispostos por Leopoldo

Braga (1960), quais sejam o do interesse público, o da generalidade e o da

gratuidade, não se sustentam mais. Pelo não em parâmetros rígidos.

Destes três critérios, o menos controvertido é a que obriga as instituições de

educação a prestarem serviços de finalidade pública para que reste configurada a

imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal.

Todavia, apesar do atendimento ao interesse público ser a base elementar da

exoneração fiscal, as discussões, tal como levadas até o Supremo Tribunal Federal,

não focalizam o problema sob esse aspecto, de modo que a jurisprudência que

encontramos sobre o tema é imprecisa. No entanto, alguns julgados merecem

registro. É o caso do RE n. 52.461, que assim dispôs:

A IMUNIDADE ESTABELECIDA NA ALINEA B, DO INC. V, DO ART. 31, DA CARTA POLITICA DE 1946, ABRANGE AS INSTITUIÇÕES DE ASSISTENCIA SOCIAL, ENTIDADES QUE COLABORAM COM O PODER PÚBLICO EM ATIVIDADES ESPECIFICAS; JAMAIS A ENTIDADE QUE SE PREOCUPA, APENAS, COM INTERESSES PARTICULARES DOS SEUS SOCIOS.

(RE 52461, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/02/1968, DJ 04-10-1968 PP-*****)

Para negar o benefício fiscal, o ministro Djaci Falcão ponderou que a vedação

alcançava as instituições de educação e de assistência social e não simples

associações. Segundo o relator, o constituinte quis se referir a entidades que

cooperam com o Poder Público em determinadas atividades e não com aquelas

entidades que se preocupam, em caráter exclusivo, com os interesses de seus

próprios sócios.

110

Apesar do escorrego ao dizer que a imunidade não alcançava “simples

associações”, eis que à época99 alcançava, como ainda hoje alcança, a ratio essendi

do julgado é auspiciosa: não se deve conferir o benefício fiscal àqueles que tenham

por finalidade o atendimento de interesses meramente egoísticos.

Já saber o que, de fato, são esses interesses egoísticos é outra questão a ser

elucidada. Isso porque o próprio Supremo Tribunal Federal não possui entendimento

consolidado quanto ao tema. Em verdade, cremos que essa nem chega a ser uma

das suas preocupações ao julgar casos relacionados à matéria das imunidades

tributárias das instituições de educação. Para confirmar tal afirmação, basta

fazermos o cotejo da ementa acima transcrita com a que segue:

IMUNIDADE TRIBUTARIA. INSTITUIÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL QUE PRESTA BENEFÍCIOS EXCLUSIVAMENTE A SEUS ASSOCIADOS E DEPENDENTES. APLICAÇÃO DO ARTIGO 19, III, C DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 88512, Relator(a): Min. LEITAO DE ABREU, Segunda Turma, julgado em 03/04/1979, DJ 18-05-1979 PP-03866 EMENT VOL-01132-02 PP-00611)

No bojo dos autos, o ministro Leitão de Abreu afirmou que: "consoante a

orientação predominante neste Tribunal, não arreda a imunidade o fato de prestar a

entidade assistência exclusivamente a seus associados e dependentes".

Ao menos dois fatores devem ser ressaltados quanto a este pequeno trecho.

O primeiro deles é o fato das associações também serem vistas como instituições. E

o segundo é o fato delas poderem prestar serviços exclusivamente aos seus

associados.

Estamos, pois, diante de um nítido exemplo em que o conceito de interesse

público foi, ao menos, abrandado. Ora, em termos rigorosos, ou o interesse é

realmente público, relativo a todos, ou é privado, restrito a uma parcela do povo.

O que se nota, quanto à verificação do interesse público das instituições de

educação é que o Tribunal optou por se valer de um método tipicamente casuístico,

dizendo, caso a caso, se a interessada pode, ou não, ser enquadrada na categoria

mencionada.

De todo o modo, o ponto de vista que nos parece mais acertado à abordagem

do tema é o exposto no RE n. 108.796, segundo o qual:

99

À época: Constituição de 1946 e Código Civil de 1916; Atualmente: Constiuição de 1988 e Código Civil de 2002.

111

IMUNIDADE TRIBUTARIA. FUNDAÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL. NÃO SENDO MANTIDA COM A CONTRIBUIÇÃO DOS BENEFICIARIOS, NEM TENDO FINALIDADE LUCRATIVA, A FUNDAÇÃO TEM A CARACTERISTICA DE INSTITUIÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL, DESTINADA A PROPICIAR BEM ESTAR AO GRUPO DE PESSOAS VINCULADAS AS EMPRESAS PATROCINADORAS. A NATUREZA PÚBLICA DA INSTITUIÇÃO NÃO PROVEM DA GENERALIDADE DE SEUS PARTICIPANTES E BENEFICIARIOS, MAS DOS FINS SOCIAIS A QUE ATENDE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 108796, Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA, Segunda Turma, julgado em 30/06/1986, DJ 12-09-1986 PP-16426 EMENT VOL-01432-02 PP-00502)

Segundo o ministro Carlos Madeira, a natureza pública das instituições sem

fins lucrativos não está na generalidade do público sujeito à prestação de seus

serviços, mas nos fins sociais destes. E se assim é, anda bem as instituições

educacionais, já que seu ofício é de notório e reconhecido interesse social, conforme

já expusemos.

Quanto ao critério da generalidade, se fizermos um balanço do que entendeu

o Supremo Tribunal Federal até hoje sobre o assunto, podemos identificar a

existência de três fases bem marcadas.

A primeira delas coloca a generalidade de modo absoluto como requisito para

o reconhecimento da imunidade. A instituição deve atender toda e qualquer pessoa

que a procure, ex vi o que restou assentado no RE nº 52.461:

A IMUNIDADE ESTABELECIDA NA ALINEA B, DO INC. V, DO ART. 31, DA CARTA POLITICA DE 1946, ABRANGE AS INSTITUIÇÕES DE ASSISTENCIA SOCIAL, ENTIDADES QUE COLABORAM COM O PODER PÚBLICO EM ATIVIDADES ESPECIFICAS; JAMAIS A ENTIDADE QUE SE PREOCUPA, APENAS, COM INTERESSES PARTICULARES DOS SEUS SOCIOS. (RE 52461, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/02/1968, DJ 04-10-1968 PP-*****)

Em um segundo momento, a jurisprudência da Corte Constitucional amainou

um pouco esse requisito, aduzindo agora que a generalidade estaria satisfeita

mesmo quando o conjunto de pessoas atendidas fosse constituído por um número

restrito, desde que existisse algum vínculo entre o grupo e a instituição, como

trabalhar em uma empresa ou pertencer a certa categoria. Cremos que o maior

exemplo do que estamos a dizer é o RE nº 70.834, que, ao tratar sobre a Fundação

Ruben Berta, aduz que:

FUNDAÇÃO, COM A FINALIDADE DE ASSISTENCIA SOCIAL. NEGATIVA DE VIGENCIA DO ART. 19, III, LETRA C, DA CARTA FEDERAL VIGENTE. DISSIDIO JURISPRUDENCIAL PERTINENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 70834, Relator(a): Min. ADALÍCIO NOGUEIRA, SEGUNDA TURMA,

112

julgado em 25/10/1971, DJ 21-12-1971 PP-07320 EMENT VOL-00860-02 PP-00475 RTJ VOL-00065-01 PP-00145)

E, por fim, em um terceiro período, abandonando de vez o critério da

generalidade para fins de concessão da imunidade tributária das entidades sem fins

lucrativos, o Supremo Tribunal Federal, a partir do RE nº 108.796, em que figurava

como parte a Fundação Duratex, exarou o seguinte entendimento:

IMUNIDADE TRIBUTARIA. FUNDAÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL. NÃO SENDO MANTIDA COM A CONTRIBUIÇÃO DOS BENEFICIARIOS, NEM TENDO FINALIDADE LUCRATIVA, A FUNDAÇÃO TEM A CARACTERISTICA DE INSTITUIÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL, DESTINADA A PROPICIAR BEM ESTAR AO GRUPO DE PESSOAS VINCULADAS AS EMPRESAS PATROCINADORAS. A NATUREZA PÚBLICA DA INSTITUIÇÃO NÃO PROVEM DA GENERALIDADE DE SEUS PARTICIPANTES E BENEFICIARIOS, MAS DOS FINS SOCIAIS A QUE ATENDE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 108796, Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA, Segunda Turma, julgado em 30/06/1986, DJ 12-09-1986 PP-16426 EMENT VOL-01432-02 PP-00502)

O termo generalidade serve para designar a qualidade do que é geral, total,

aberto a todos ou, pelo menos, ao maior número possível de pessoas. O Supremo

Tribunal Federal, apesar de já ter pensado exatamente dessa maneira, mudou de

posicionamento, relativizando o conceito e, com isso, terminou por dispensá-lo.

O fez, no entanto, querendo estender as imunidades tributárias a entidades

que não destinavam suas atividades ao público em geral, mas a parcela deste.

Segundo pensamos, procedeu muito bem a Corte Constitucional ao mitigar o

conceito de generalidade, eis que através de tal expediente, vivificou a Constituição

Federal, abraçando situações anteriormente desconsideradas do campo imune.

Em resumo, portanto, tem-se que, no atual estágio da jurisprudência dessa

Corte, o critério da generalidade do atendimento proporcionado pela instituição

imune para o reconhecimento de sua imunidade fiscal, a rigor, não é mais exigido.

Por fim, devemos aduzir que a realização de um balanço acerca do critério da

gratuidade perante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não constitui tarefa

simples. Os acórdãos, às vezes separados por curto espaço de tempo, apontam em

direções diametralmente opostas, de modo que não se pode indicar, com

segurança, se o Tribunal Constitucional exigi tal critério ou não.

O acórdão mais antigo que pudemos localizar sobre a gratuidade das

instituições de educação e de assistência social é o RE nº 58.691, relatado pelo

Ministro Evandro Lins e Silva e ementado da seguinte forma:

113

IMPOSTO. PARA GOZAR DA IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 31, V, LETRA B, DA CONSTITUIÇÃO, NÃO E NECESSARIO QUE A SOCIEDADE DE OBJETIVO EDUCACIONAL MINISTRE O ENSINO GRATUITO TOTALMENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 58691, Relator(a): Min. EVANDRO LINS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/05/1966, EMENT VOL-00666-04 PP-01304 RTJ VOL-00038-01 PP-00182)

Segundo o voto condutor do acórdão, não procede a argumentação de que a

expressão instituição de educação esteja empregada, no Texto Constitucional, no

sentido de prestação de serviços sempre gratuitos, sem o recebimento de quaisquer

rendas para a sua manutenção. Nesse sentido, a instituição poderia ter rendas ou

receber pela prestação de seus serviços. Segundo o relator, “Se a lei fala em

aplicação de renda no país, é porque admite a existência destas, e,

conseqüentemente, o ensino retribuído”.

Em sentido diverso, decidiu o Supremo Tribunal Federal ao indicar que a

cobrança de joias e contribuições mensais dos associados retiraria o caráter

assistencial das instituições em tela. É o que se observa da seguinte ementa:

IMUNIDADE TRIBUTARIA. DECISÃO QUE NÃO CONSIDERA INSTITUIÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL, PARA O EFEITO DA IMUNIDADE ASSEGURADA NO ART. 31, V, B, DA CONSTITUIÇÃO DE 1946, SOCIEDADE DE FINS BENEFICENTES, QUE PRESTA BENEFÍCIOS EXCLUSIVAMENTE AOS ASSOCIADOS, OBRIGADOS AO PAGAMENTO DE JOIA E CONTRIBUIÇÕES MENSAIS. NÃO CONHECIMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO, INTERPOSTO COM FUNDAMENTO NA LETRA A. (RE 63411, Relator(a): Min. ELOY DA ROCHA, Segunda Turma, julgado em 11/06/1973, DJ 29-06-1973 PP-04731 EMENT VOL-00915-02 PP-00410)

Voltando a alegar ser inexistente a condicionante da gratuidade para a

fruição da imunidade tributária, o RE nº 93.463 afirma que:

IMUNIDADE TRIBUTARIA DOS ESTABELECIMENTOS DE EDUCAÇÃO. NÃO A PERDEM AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PELA REMUNERAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS, DESDE QUE OBSERVEM OS PRESSUPOSTOS DOS INCISOS I, II E III DO ART-14 DO CTN. NA EXPRESSAO "INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO" SE INCLUEM OS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO, QUE NÃO PROPORCIONEM PERCENTAGENS, PARTICIPAÇÃO EM LUCROS OU COMISSÕES A DIRETORES E ADMINISTRADORES. RE NÃO CONHECIDO. (RE 93463, Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 16/04/1982, DJ 14-05-1982 PP-04568 EMENT VOL-01254-02 PP-00380 RTJ VOL-00101-02 PP-00769)

Valendo-se do já mencionado RE nº 58.691, o relator afirma não contestar

que a recorrida é uma sociedade civil de fins educativos, que não distribui vantagens

114

aos seus sócios e, ainda, que atende as suas finalidades essenciais. Em suas

palavras:

O que impressionou ao fisco foi que a sociedade recorrida é próspera, aufere larga renda dos seus alunos, pela remuneração que cobra, e não concede senão insignificantes bolsas gratuitas.

Entretanto, nem por isso deixa de ser uma instituição de educação, pouco filantrópica que seja.

Penso que, na Constituição, se concedeu a imunidade, para promover o ensino, e, não, apenas o ensino gratuito.

Sem dúvida, o douto Leopoldo Braga, sustenta com o brilho que lhe é próprio, o conceito d'établissement d'utilité publique, mas, a meu ver, a Constituição Federal ao limitar a imunidade as instituições de educação não lhe deu essa interpretação restrita, mas genérica, abrangente dos estabelecimentos de ensino, ainda que remunerado.

Penso que, se pretendesse o contrário, faria menção expressa as instituições de ensino e assistência social não remuneradas de qualquer modo em seus serviços.

No entanto, mais uma vez em sentido contrário ao que vinha decidindo,

posicionou-se o Supremo Tribunal Federal pela necessidade da gratuidade ao

determinar que:

IMUNIDADE TRIBUTARIA (ISS). INSTITUIÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL. ART. 19, III, 'C', DA C.F. C/C ARTS. 9., IV, 'C', E 14, III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NÃO BASTA, PARA ESSE EFEITO, QUE A ENTIDADE PREENCHA OS REQUISITOS DO ART. 14 E SEUS INCISOS DO C.T.N. E PRECISO, ALÉM DISSO E EM PRIMEIRO LUGAR, QUE SE TRATE, DE INSTITUIÇÃO DE ASSISTENCIA SOCIAL. HIPÓTESE NÃO CARACTERIZADA, POIS A RECORRENTE, CONFORME OS ESTATUTOS, SÓ PRESTA SERVIÇOS DE ASSISTENCIA ONEROSA A SEUS ASSOCIADOS, MEDIANTE CONTRA-PRESTAÇÃO MENSAL, COMO ENTIDADE DE PREVIDENCIA PRIVADA OU DE AUXILIO MUTUO, SEM REALIZAR ATENDIMENTO DE CARÁTER ESTRITAMENTE SOCIAL, COMO O DE ASSISTENCIA GRATUITA A PESSOAS CARENTES. (RE 108120, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 08/03/1988, DJ 08-04-1988 PP-07476 EMENT VOL-01496-04 PP-00642)

Dada à indecisão do Supremo Tribunal quanto critério da gratuidade, é

interessante verificarmos se instituições de educação sem fins lucrativos são

somente aquelas que não cobram pelos seus serviços, aquelas que oferecem suas

atividades à comunidade gratuitamente ou não.

Por exemplo, uma instituição de educação que cobra mensalidade de seus

alunos passa a ter finalidade lucrativa, deixando de fruir da imunidade do artigo 150,

VI, “c”, da Constituição Federal?

Ricardo Lobo Torres (2005, p. 276) alega que, para o cabimento da

imunidade fiscal, é necessário que a atividade educacional seja exercida

115

desinteressadamente, de maneira gratuita. Já que a educação pública deve ser

gratuita, como manda os artigos 206, IV100 e 208, I e II101 da Constituição Federal,

este critério deve ser observado também pela entidade imune, verdadeira

substitutiva estatal.

Reconhece, contudo, o autor (TORRES, 2005, p. 276) que essa gratuidade

não pode ser interpretada em termos absolutos, devendo abarcar todas as

prestações da entidade imune, mas uma parcela substancial delas, a fim de que não

seja negada a ação educacional por impossibilidade de pagamento.

Com devido respeito, este não deve ser o entendimento da matéria. Na

esteira de Regina Helena Costa (2006, p. 183), parece-nos que a própria

relativização do autor, ao falar que podem uns serviços serem cobrados e outros

não, está a demonstrar o exagero em falar-se na gratuidade dos serviços prestados

pela instituição de ensino como requisito para o reconhecimento da imunidade fiscal.

As entidades de educação públicas são imunes por força da imunidade

recíproca, objeto do artigo 150, VI, “a”, da Constituição102. Já seus serviços devem

ser gratuitos, pelo disposto nos comandos constitucionais contidos nos artigos 206,

IV e 208, I e II do Texto, como vimos.

Nada estar a impedir, todavia, que as instituições de ensino privadas, para

gozarem da imunidade do artigo 150, VI, “c” da Constituição, cobrem mensalidades

de seus alunos, desde que o importe obtido seja revertido aos seus fins

institucionais.

Como afirma Elizabeth Nazar Carrazza (1978, p. 170), a não gratuidade na

prestação de serviço é irrelevante para fins de reconhecimento da imunidade. O que

100

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (…) IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; 101

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; 102

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

116

importa é o atendimento do fim público educacional e não a distribuição dos lucros,

se e quando existentes.

De mais a mais, se a entidade privada de educação, para ser qualificada

como sem fins lucrativos, não pudesse exigir contraprestação pecuniária pelos seus

serviços, patente seria sua incapacidade econômica e, em decorrência, sua

capacidade contributiva, tornando despiciendo o dispositivo imunizatório.

Como o nosso sistema, por força do princípio da capacidade contributiva,

somente admite a tributação por meio de impostos de fatos reveladores de

capacidade econômica, não enxergamos nenhuma utilidade na instituição de

imunidade em relação a fatos que já não podem ser tributados. Seria um bis in idem

negativo de tributação.

Só isso, já nos leva a crer que a locução sem fins lucrativos não foi utilizado

para se referir a instituições educacionais privadas que não cobram pelos seus

serviços. No entanto, ainda há o que falar.

Pois bem, se instituição sem fins lucrativos pode cobrar pelos seus serviços,

como diferenciá-las das consideradas com fins lucrativos?

Logo de início, devemos dizer que a nomenclatura instituições com fins

lucrativos é, a rigor, equivocada. Se tem fins lucrativos não é instituição, mas

sociedade ou, como comumente falamos, empresa.

E o principal marco distintivo entre empresas e instituições reside no fato de

que nas primeiras, suas atividades são desenvolvidas com o objetivo de auferir lucro

e distribuí-lo aos seus sócios, enquanto nas instituições o propósito é obter superávit

para aplica-lo nas suas finalidades institucionais.

Em relação ao tema, Hugo de Brito Machado (1998, p. 88-89) fala que

instituição sem fins lucrativos é aquela que não se presta a distribuir lucro para seus

instituidores ou dirigentes. A instituição pode e deve lucrar. Lucrar para aumentar

seu patrimônio e assim prestar melhores serviços aos cidadãos. O que não pode é

distribuir lucros, tendo que investir os que obtiver na execução de seus objetivos

institucionais.

117

Entidade sem fins lucrativos é, portanto, associação ou fundação que, como

demanda a lei civil, não tem por objetivo distribuir os seus resultados, mas investi-los

na consecução de suas finalidades originais.

Mas ainda há uma outra preocupação: a qualificação de uma entidade como

sendo “sem fins lucrativos” exige o atendimento a outro pressuposto, qual seja, a

não reversão de seu patrimônio às pessoas que a criaram, caso se dê seu

fechamento.

Como ensina Clélio Chiesa (2013, p. 87), as instituições sem fins lucrativos

não têm proprietários ou sócios. Uma vez criadas, mediante o uso ou não de um

patrimônio, desligam-se, em termos de vínculo de propriedade, de seus criadores e

passam a ter independência, regendo-se daí em diante conforme seus atos

constitutivos. Em caso de encerramento de suas atividades, seu patrimônio não

retorna aos que a criaram, mas deve ser entregado a instituições congêneres.

Se assim não fosse, certamente presenciaríamos um sem número de

instituições educacionais sem fins lucrativos serem abertas, desfrutando da benesse

da imunidade tributária a elas destinadas e, após certo tempo, fechadas, com o

retorno do patrimônio amealhado aos seus fundadores. Tal mecanismo, obviamente,

fere de morte o propósito constitucional desejado com a instituição das imunidades.

Nesse sentido, a lição de Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto (1998, p. 23)

para quem “É instituição sem fins lucrativos toda a entidade que não tenha por

objetivo distribuir seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio às

pessoas que a instituírem”.

Não é a ausência de lucro que caracteriza uma entidade sem fins lucrativos.

Lucro é relevante, desejável e, sobremodo, necessário para que a entidade possa

desenvolver mais e melhor sua atividade educacional. O que está

constitucionalmente vedado é sua utilização como instrumento de geração de

riqueza para seus constituidores, dirigentes ou terceiros.

Nesse sentido, a instituição deve limitar-se a gerar caixa para reinvista-las nos

seus propósitos institucionais. Trata-se, nas palavras de Chiesa (2013, p. 87) de

uma regra de autofagia do superávit, em que eventuais sobras só poderão ser

consumidas pela própria instituição na consecução de seus fins maiores.

118

Conclui-se, portanto, que a expressão sem fins lucrativos, no contexto aqui

analisado, não impõe a gratuidade dos serviços educacionais, mas tão somente a

destinação dos rendimentos auferidos com essa atividade na realização dos fins

institucionais da entidade.

Outrossim, como indica Ricardo Lobo Torres (2005, p. 269), o conceito de

instituição é amplo, abrangendo assim as entidades que se instituem, tais como as

fundações, como as que se constituem e aparecem sob outras configurações, entre

elas as associações, sociedades civis sem fins lucrativos, etc. O que as caracteriza

é menos o aspecto formal do que a sua vocação ao fim público.

Amplo também é o conceito de educação que qualifica as instituições imunes.

Compreende assim a educação formal aprovada pelo governo federal, como a

educação extracurricular ou informal, tais como os cursos de idiomas, de

aperfeiçoamento e de extensão universitária.

Sobre o tema, Roque Antonio Carrazza (2013, p. 887) afirma que a educação

que cogita o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, longe de se circunscrever à

convencional transmissão de conhecimentos, mediante aulas expositivas, abarca as

demais formas de acesso à cultura e à ciência. Abrange, assim, as instituições

culturais, que não se proponham precipuamente a fornecer instrução, como os

museus, as bibliotecas, os teatros, etc.

Esse, por sinal, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto ao

tema, senão vejamos:

Associação de cultura Franco-Brasileira. Reconhecida instituição de educação, que preenche os requisitos do art. 14 do CTN, incensurável a decisão que lhe assegurou a imunidade prevista no art. 1º, III, c, da Constituição Federal. Agravo regimental improvido. (AI 76422 AgR, Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 21/08/1979, DJ 10-09-1979 PP-06678 EMENT VOL-01143-02 PP-00414 RTJ VOL-00091-02 PP-00489)

Não obstante, a Secretaria da Receita Federal do Brasil parece não partilhar

desse entendimento. Dizemos isso porque, de acordo com o previsto nos artigos 1o

e 2o da Instrução Normativa SRF n. 113, de 21 de dezembro de 1998:

Art. 1° As instituições que prestem serviços de ens ino pré-escolar, fundamental, médio e superior, atendidas condições referidas nesta Instrução Normativa, poderão usufruir da imunidade relativa a seu patrimônio, renda e serviços, assegurada pelo art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, não se lhes aplicando a hipótese de isenção.

119

Art. 2° Considera-se imune a instituição de educaçã o que preste os serviços, referidos no artigo anterior, à população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

Tais disposições, contudo, batem de frente com a Constituição Federal,

padecendo, portanto, de vícios insuperáveis. O conceito de educação corresponde à

ideia de formação integral da personalidade do homem. Deve, portanto, ser

amplamente amparada pelo Estado. Logo, pensamos que a todas as instituições

formadas com o propósito de servir a esse desiderato, auxiliando o Estado ao suprir

suas deficiências, devem ser dirigidas as imunidades tributárias.

3.4. Imunidade a tributos ou a impostos?

Uma primeira pergunta a se fazer refere-se a abrangência da imunidade

destinada às entidades educacionais. Ela alcança todos os tributos ou apenas os

impostos?

A título de resposta podemos dizer que, não obstante o termo imunidades

tributárias referir-se a toda e qualquer espécie de tributo, sejam eles vinculados ou

não a uma atuação estatal, a imunidade prevista no artigo 150, VI, “c” da

Constituição Federal de 1988 é destinada tão-somente aos impostos. Diante da

nitidez do Texto, desnecessário despender inúmeros argumentos para explicar o

inequívoco. Vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:

[...]

c) patrimônio, renda ou serviços [...] das instituições de educação [...] sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (grifo nosso)

Esse entendimento, inclusive, já foi sufragado pelo Supremo Tribunal Federal

ao julgar a imunidade trazida pelo artigo 150, VI, “d” da Constituição de 1988,

inteligência plenamente aplicável ao preceito contido na alínea “c”, objeto de nosso

estudo, ex vi:

Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. COFINS. Imunidade. Livros. Art. 150, VI, d, da CF 3. É firme a jurisprudência de ambas as Turmas e do Pleno no sentido de que as imunidades vinculadas a "impostos" não se estendem às "contribuições". 4. Agravo regimental a que se nega

120

provimento (RE 332963 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23/05/2006, DJ 16-06-2006 PP-00024 EMENT VOL-02237-03 PP-00487)

Segundo cremos, não há qualquer engano ou deslize do legislador nesse

ponto. A intenção constitucional realmente foi a de afastar a espécie tributária em

que não há contrapartida tangível do Poder Público.

Nas demais espécies de tributos, cobradas em decorrência de uma efetiva

prestação estatal, seja por realização de serviços ou obras, seja em razão de taxa

de polícia, a instituição educacional imune deve arcar com a exação correspondente,

seja contribuição de melhoria ou taxa.

Como aponta Clélio Chiesa (2013, p. 81), tal cobrança tem razão de ser. Isso

porque, nas hipóteses em que o Estado promova uma contrapartida sensível aos

contribuintes, há dispêndio desde logo visto e quantificável de dinheiro público. Os

valores arrecadados mediante a cobrança de tributos vinculados servem, assim,

para neutralizar os gastos realizados.

No que tange à cobrança e à arrecadação de impostos, o objetivo estatal é

outro, qual seja, o abastecimento dos cofres públicos com o intuito de fazer frente às

despesas gerais; estas, a princípio, imensuráveis.

Logo, segundo cremos, a imunidade das instituições de educação abarca,

genericamente, todos os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda e os

serviços realizados por estas, mas não as taxas e as contribuições de melhoria.

3.5. Abrangência dos termos patrimônio , renda e serviços

Logo a princípio, quando lemos que é proibido cobrar impostos sobre o

patrimônio, a renda e os serviços das instituições de educação, nos vem à cabeça

que essas entidades seriam imunes às exações que incidem sobre:

(i) o patrimônio, quais sejam, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos

Automotores – IPVA, o Imposto sobre a Propriedade predial e Territorial Urbana –

IPTU, o Imposto sobre a propriedade Territorial Rural – ITR e o Imposto sobre a

Transmissão de Bens Imóveis e de direitos a eles relativos – ITBI, o Imposto de

Transmissão Causa Mortis – ITCMD; (ii) a renda, qual seja, o Imposto sobre a

121

Renda e proventos de qualquer natureza – IR; e (iii) os serviços, quais sejam, o

Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza – ISS e o Imposto sobre a Circulação

de Mercadorias – ICMS.

Nessa toada, restariam inalcançados pela norma imunizante os impostos

incidentes sobre as operações de crédito, câmbio e seguros – IOF, o Imposto sobre

operações com Produtos Industrializados – IPI, o imposto sobre a circulação de

mercadorias – ICMS e os impostos incidentes sobre o comércio exterior, que são,

respectivamente, os impostos sobre a importação – II, e a exportação – IE.

Francisco de Assis Alves (1998, p. 308), analisando os conceitos jurídicos de

patrimônio e de renda, assim como procedendo à distinção entre eles, defende essa

interpretação. Seus argumentos levam a crer que a abrangência da imunidade

tributária do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal pode ser demarcada por

classificação de impostos adotada por norma infraconstitucional. Isso porque o

Código Tributário Nacional distribui, em seu Livro Primeiro, Título III, os impostos

entre aqueles incidentes sobre o comércio exterior, no Capítulo II, o patrimônio e a

renda, no Capítulo III, a produção e a circulação, no Capítulo IV, e casos especiais,

no Capítulo V.

O Superior Tribunal de Justiça, perfilando-se com esse entendimento exarou

decisão na qual assentou que:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. IMUNIDADE. SÚMULA 7. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO.

1. Acórdão que, considerando os documentos apresentados pela entidade contribuinte, entendeu que não ficaram comprovadas as exigências do art. 14 do CTN para gozo da imunidade pretendida.

2. Inexistência de erro na valoração da prova. Impossibilidade do tema ser revisitado em sede de recurso especial. Súmula 7 do STJ.

3. Firmação, por outro lado, no acórdão, do entendimento de que o ICMS, por ser imposto que recai sobre a circulação de mercadorias, não incidindo sobre o patrimônio, renda ou serviços prestados, não está abrangido pela imunidade constitucional consagrada no art. 150, VI, "c", da CF.

4. "A imunidade das instituições de educação e assistência social as protege da incidência do IR, dos impostos sobre o patrimônio e dos impostos sobre serviços, não de outros, quer seja as instituições contribuintes de jure ou de facto. Desses outros, elas só se livrarão mediante isenção expressa, uma questão diversa" (Sacha Calmon Navarro Coelho, in "Comentários à Constituição/88 - Sistema Tributário", Forense, 1ª ed., p. 350).

5. O recurso especial não examina matéria de natureza constitucional.

122

6. Agravo regimental não-provido para se manter a decisão confirmatória da negativa de seguimento do recurso especial.

(AgRg no Ag 691.094/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 20/02/2006, p. 218)

Em sentido diametralmente oposto é a maior parte da doutrina nacional103,

para quem a questão não deve pautar-se na literalidade dos enunciados, mas na

proteção dos valores que pretende tutelar a imunidade tributárias das instituições de

educação. Assim, a abordagem do tema tem que ser analisado segundo os

preceitos que a Constituição Federal quis emprestar aos conceitos de patrimônio,

renda e serviços.

Tratando do assunto, Hugo de Brito Machado (1998, p. 68) alega que vincular

a imunidade em questão apenas aos impostos incidentes sobre o patrimônio, a

renda e os serviços das instituições educacionais é fazer tábula rasa da supremacia

constitucional, afinal todo gravame, a rigor, pesa sobre o patrimônio de determinada

pessoa ou sobre sua expressão dinâmica, a renda. Nesse sentido, a menção aos

serviços chega a ser supérflua.

Parece-nos que tem razão o autor, devendo a interpretação dos preceitos ser

a mais larga possível, de modo a eximir as instituições de educação a pagar todo e

qualquer imposto e não somente alguns deles, eis que direta ou indiretamente,

exações sempre acabam atingindo o patrimônio daqueles obrigados ao seu

pagamento.

Diante do consagrado valor que o constituinte originário quis proteger, o

acesso à educação, cremos que tal expressão deva ser entendida de modo amplo,

albergando a instituição imune contra qualquer imposto que afete sua capacidade

econômica.

Exatamente nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento

do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 197.940 quando colocado sob

sua análise o artigo 150, VI, “a”, aduzindo o ministro relator que descabe:

[...] partir para a interpretação literal do preceito, colocando em plano secundário a teleológica. A referência a patrimônio, renda e serviços, uns dos outros, contida na alínea em comento, tem o alcance de afastar a cobrança de todo e qualquer imposto.

(RE 197940 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 04/03/1997, DJ 25-04-1997 PP-15207 EMENT VOL-01866-06 PP-01126)

103 Por todos, Clélio Chiesa (2013).

123

Esse raciocínio não só pode, como também deve ser aplicado à alínea “c”,

objeto de nosso estudo, eis que a redação de ambas possui a mesma raiz,

utilizando-se, o legislador, das expressões patrimônio, renda e serviços para ambos

os casos.

Ademais, também é de entendimento da Corte Constitucional brasileira que

não se deve invocar, para fins de delimitação da imunidade em comento, quaisquer

critérios de classificação abraçados por normas infraconstitucional. Nesse sentido:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. C.F., art. 150, VI, c. I. - Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. - Precedentes do STF. III. - Agravo não provido.

(RE 225778 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 16/09/2003, DJ 10-10-2003 PP-00038 EMENT VOL-02127-02 PP-00251 RTJ VOL-00191-03 PP-01031)

3.5.1. Impostos sobre o patrimônio

O patrimônio das instituições de educação diretamente afetável à realização

de suas finalidades institucionais é, inquestionavelmente, fora do alcance tributário

pelo Poder Público. A propósito do tema, não há qualquer discussão.

A questão torna-se controversa quando, por outro lado, falamos acerca do

conjunto de bens de propriedade da entidade que não são utilizados para o

desenvolvimento de suas atividades sociais.

Segundo afirma Fernando Borges Mânica (2008, p. 261-266), conferir

imunidade a qualquer transação da instituição educacional, independente desta

vincular-se com as suas finalidades institucionais, é esquecer-se de, ao menos, dois

pontos.

O primeiro é a existência do princípio da generalidade da tributação, segundo

o qual todos têm a obrigação de fazer frente às despesas gerais do Estado mediante

o pagamento de impostos; e o segundo refere-se ao fato de que aplicar rendimento

124

decorrente de exploração econômica de determinado bem na finalidade essencial da

entidade não torna esse bem relacionado à finalidade.

Nesse sentido, a utilização de bem imóvel para o desenvolvimento de

atividades econômicas cujo resultado é investido nas finalidades da instituição torna

tal resultado relacionado com as finalidades essenciais, mas não a locação e muito

menos o imóvel no qual ela é realizada.

De acordo com o autor (MÂNICA, 2008, p. 265), todos os bens pertencentes à

entidade imune que não forem utilizados na consecução de suas finalidades

institucionais, devem sofrer a incidência de impostos.

No caso exposto, seria devido o imposto sobre a propriedade territorial urbana

– IPTU do imóvel, mas não o imposto sobre a renda e proventos de qualquer

natureza – IR decorrente do aluguel, já que esta foi aplicada nas finalidades da

instituição de educação.

Em verdade, o Supremo Tribunal Federal, em caso onde analisava a

destinação dada a um terreno baldio de propriedade do Instituto Nacional de

Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS, entendeu

que caberia a incidência do Imposto de Propriedade Territorial Urbana – IPTU,

conforme a seguinte ementa:

IMUNIDADE FISCAL. AUTARQUIAS. -A EXPRESSAO "VINCULADOS AS SUAS NECESSIDADES OU DELAS DECORRENTES", A QUAL SE ENCONTRA NO PARAGRAFO 1. DO ARTIGO 19 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ALCANCA NÃO SÓ OS "SERVIÇOS", MAS TAMBÉM O PATRIMÔNIO E A RENDA DAS AUTARQUIAS. -ASSIM, SÃO DEVIDOS TRIBUTOS MUNICIPAIS SOBRE TERRENO BALDIO DE PROPRIEDADE DE AUTARQUIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

(RE 98382, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 12/11/1982, DJ 18-03-1983 PP-02980 EMENT VOL-01287-02 PP-00612 RTJ VOL-00106-02 PP-00789)

É certo que as Fazendas Públicas interpretaram literalmente o disposto no

artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, quando ele condiciona a imunidade do

patrimônio, da renda e dos serviços das pessoas imunes ao atendimento das suas

atividades essenciais. Pretendem, assim, fazer incidir impostos sobre os bens

dessas instituições que não estiverem sendo usados de acordo com esses fins.

Contudo, esse não é o posicionamento predominante a respeito da matéria.

Ricardo Lobo Torres (2005, p. 287), por exemplo, anuncia que o imóvel dado em

125

locação pela entidade imune não poderá sofrer a incidência do Imposto sobre a

Propriedade Territoral Urbana – IPTU, ainda que haja a possibilidade jurídica de o

locador repassar para o locatário o ônus do tributo, tendo em vista que a

disponibilidade de recursos financeiros é fundamental a tais instituições..

Aliomar Baleeiro (2010, p. 504), a propósito do tema, aduz que a imunidade,

para atingir o desiderato da preservação, proteção e estímulo dos valores escolhidos

pelo constituinte, deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos,

desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação

das rendas aos objetivos específicos das instituições de educação, entidades

desinteressadas por natureza.

Com razão essa segunda corrente de ideias. Ora, tradando-se das ações

educacionais de direito fundamental do cidadão, pensamos que a interpretação dos

conceitos imunizatórios que concorrem para essa finalidade deva sempre ser

extensiva, não devendo as instituições que ministram ensino sem finalidade lucrativa

serem tocadas por qualquer imposto que atinja seu patrimônio ou renda, diminuindo

sua disponibilidade financeira e, consequentemente, embaraçando seus serviços.

A Constituição Federal, nesse ponto, nem sequer utilizou o termo vinculados,

como o fez no § 2o do artigo 150, VI, “a”104, mas relacionados, e esse já pode ser um

indicativo de seu propósito mais flexível e abrangente no que toca à imunidade das

entidades contidas nas alíneas “b” e “c”, como o caso das entidades agora em

análise.

Nesse diapasão, pensamos que devem mesmo as instituições de educação

ser imunes aos impostos que direta ou indiretamente toquem seu patrimônio. Da

mesma forma entende o Supremo Tribunal Federal, como se pode ver na seguinte

ementa:

EMENTA: - Recurso extraordinário. SENAC. Instituição de educação sem finalidade lucrativa. ITBI. Imunidade. - Falta de prequestionamento da questão relativa ao princípio constitucional da isonomia. - Esta Corte, por seu Plenário, ao julgar o RE 237.718, firmou o entendimento de que a imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência social (artigo 150, VI, "c", da Constituição) se aplica para afastar a incidência do IPTU sobre imóveis de propriedade dessas instituições, ainda quando alugados a terceiros, desde que os aluguéis sejam aplicados em suas finalidades institucionais. - Por identidade de razão, a mesma

104 § 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. (grifo nosso)

126

fundamentação em que se baseou esse precedente se aplica a instituições de educação, como a presente, sem fins lucrativos, para ver reconhecida, em seu favor, a imunidade relativamente ao ITBI referente à aquisição por ela de imóvel locado a terceiro, destinando-se os aluguéis a ser aplicados em suas finalidades institucionais. Recurso extraordinário não conhecido.

(RE 235737, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 17-05-2002 PP-00067 EMENT VOL-02069-03 PP-00527)

Raciocínio este, aliás, consolidado através da Súmula 724, desse Tribunal,

que assim dispôs:

AINDA QUANDO ALUGADO A TERCEIROS, PERMANECE IMUNE AO IPTU O IMÓVEL PERTENCENTE A QUALQUER DAS ENTIDADES REFERIDAS PELO ART. 150, VI, "C", DA CONSTITUIÇÃO, DESDE QUE O VALOR DOS ALUGUÉIS SEJA APLICADO NAS ATIVIDADES ESSENCIAIS DE TAIS ENTIDADES.

Em boa hora veio a referida súmula, eis que, através dela, o Tribunal

Constitucional do país prestigia, de modo expresso, as atividades que o constituinte

quis ver protegidas, já que de elevado interesse público e complementares à

atuação estatal.

Segundo Baleeiro (2010, p. 539), esta é uma tendência da nossa Corte

Suprema para alcançar com a imunidade outras atividades, não apenas a locação

de imóveis, como meio de financiamento da atividade primordial das instituições de

educação. De acordo com o autor (BALEEIRO, 2010, p. 539), “O importante é que

todos os frutos provenientes da atividade-meio sejam aplicados integralmente na

atividade-fim, protegida pela imunidade.”

É o que veremos nos tópicos a seguir.

3.5.2. Impostos sobre a renda

Entendida a renda, genericamente, como qualquer aquisição de

disponibilidade econômica, acréscimo patrimonial ou resultado financeiro, muito se

discute se as imunidades das instituições de educação abrangem ou não tal

conceito quando seus ganhos decorrem de atividades consideradas marginais em

relação àquelas previstas no estatuto social.

127

Existe uma corrente doutrinária105, à qual Marco Aurélio Greco (1998, p. 718)

pertence, que aduz só ser imune a renda gerada por atividades ligadas às

finalidades essenciais de tais entidades, de modo que qualquer ganho oriundo de

atividades paralelas são intocados pelo comando constitucional do artigo 150, inciso

VI, “c” do Texto de 1988.

De acordo com o entendimento do autor (GRECO, 1998, p. 718), o § 4o do

artigo 150 da Constituição preocupa-se em saber qual é a origem dessas rendas de

modo a poder categorizá-las e proceder à tributação de umas e enxergar a

imunidade em outras, independentemente do local em que serão aplicadas.

De outra sorte, uma grande parte da doutrina106, com quem concordamos,

alega que é indiferente a origem da renda, bastando que seu destino seja

identificável e não seja outro que aqueles determinados pelos objetivos institucionais

das entidades de educação.

Segundo Ricardo Lobo Torres (2005, p. 288-289), a renda das instituições

educacionais não pode ser tributada, seja qual for sua fonte, se mensalidades pagas

por alunos, aluguéis, aplicações financeiras, etc., sendo defesa a incidência do

Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza – IR e do Imposto sobre

Operações de crédito, câmbio e seguro ou sobre operações relativas a títulos ou

valores mobiliários – IOF, desde que a soma angariada com essas atividades volte-

se aos fins institucionais.

Seguindo o mesmo raciocínio, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal

para quem:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. IMPOSTO DE RENDA. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a imunidade tributária do art. 150, VI, c, da C.F., estende-se às entidades sem fins lucrativos relativamente ao IR. II. - Agravo improvido.

(RE 424507 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 28/09/2004, DJ 22-10-2004 PP-00034 EMENT VOL-02169-06 PP-01047)

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 150, VI, “C”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA REFERIDA IMUNIDADE ÀS APLICAÇÕES FINANCEIRAS.

105 Por todos, Helenilson Cunha Pontes (1998). 106 Por todos, Luciano Amaro (1998).

128

POSSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF alcança todos os bens das entidades assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional, além de suas aplicações financeiras. Precedentes: RE 183.216-AgR-ED, rel. min. Marco Aurélio, DJ de 02.06.2000; RE 232.080-AgR, rel. min. Nelson Jobim, DJ de 31.10.2001; RE 230.281-AgR, rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 01.08.2003; RE 424.507-AgR, rel. min. Carlos Velloso, DJ de 22.10.2004. 2. Este Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 1.802-MC, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 13.02.2004, suspendeu, até a decisão final da ação direta, a eficácia do § 1º do artigo 12 da Lei 9.532/97. 3. O presente tema não guarda identidade com o RE 611.510-RG, atualmente sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, cuja repercussão geral foi reconhecida por esta Corte, restando evidenciado o divórcio ideológico entre as razões do regimental e o que foi decidido no Tribunal a quo. Incidência da Súmula 284 do STF verbis: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – INSTITUIÇÃO DEDICADA À ASSISTÊNCIA SOCIAL - ARTIGO 150, VI, “C” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 14 DO CTN – LEI Nº 9532/1997 - EXCLUSÃO DA IMUNIDADE DOS RENDIMENTOS E GANHOS DE CAPITAL AUFERIDOS EM APLICAÇÕES FINANCEIRAS - VIGÊNCIA SUSPENSA. 1. A Constituição Federal assegura imunidade tributária às instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, no que se refere à instituição de impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou serviços relacionados às suas finalidades essenciais, desde que sejam cumpridos os requisitos contidos no art. 14 do CTN. 2. O parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição, ao determinar que a imunidade concerne apenas ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com suas finalidades essenciais, não exclui os rendimentos decorrentes das aplicações financeiras que são vertidos aos objetivos da própria entidade, como ocorre com a renda auferida a partir das suas atividades assistenciais, ou mesmo da comercialização de seus bens. 3. A imunidade não é restrita apenas à renda decorrente do objeto social da entidade, mas sim toda aquela auferida de forma regular visando resguardar o seu patrimônio dos efeitos corrosivos da inflação, como ocorre com as aplicações financeiras. 4. O art. 12, § 1º da Lei nº L. 9.532/97, lei ordinária, excluiu da imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável. 5. Ofensa ao art. 146, II, da Constituição Federal, que determina competir à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. 6. A imposição tributária também estaria tributando o patrimônio da entidade, o que é vedado pela Constituição Federal, porquanto as aplicações financeiras não têm a finalidade de auferir lucros, mas sim de resguardar o patrimônio dos efeitos corrosivos da inflação. 7. O dispositivo teve sua vigência suspensa por força de decisão proferida em Medida Cautelar na ADIN nº 1802.” 5. NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental. (AI 749009 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-064 DIVULG 28-03-2012 PUBLIC 29-03-2012)

Essa concepção tem razão de ser. Rendas relacionadas aos objetivos

primordiais das entidades em comento tanto são aquelas cuja origem decorrem da

prestação dos serviços de educação, quanto aquelas outras de origem diversa do

estatuto social, mas que serão empregadas para o atingimento das metas dessas

entidades.

129

3.5.3. Impostos sobre serviços

Ainda há aquela possibilidade em que a instituição de educação preste

serviços e, por eles, seja remunerada, momento em que se abre a mesma querela

do tópico anterior, já que os serviços podem fazer parte do objeto principal da

entidade ou não.

Sobre o tema, Fernando Borges Mânica (2008, p. 275), coerente em sua

forma de pensar, alega que deve haver incidência tributária em relação aos serviços

prestados fora da finalidade essencial da entidade, ao passo que não deve ser

tocado por impostos os serviços prestados em conformidade com tais finalidades.

Nesse sentido. já decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao exarar o seguinte

julgado:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ISS. ASSOCIAÇÃO HOSPITAL OSVALDO CRUZ. ESTACIONAMENTO EM ÁREA DO PRÉDIO DA EMBARGANTE. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. DESCABIMENTO. COISA JULGADA.

INOCORRÊNCIA.

I - A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CONFERIDA À FUNDAÇÃO HOSPITAL OSVALDO CRUZ COMPREENDE TÃO SOMENTE OS SERVIÇOS RELACIONADOS COM AS FINALIDADES ESSENCIAIS DA INSTITUIÇÃO, NÃO ALCANÇANDO ATIVIDADES DESENVOLVIDAS COM INTUITO DE LUCRO, COMO NO CASO DA EXPLORAÇÃO DE ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS, QUE SE CARACTERIZA COMO PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, SUJEITA À INCIDÊNCIA DO ISS.

II - "IN CASU", NÃO RESTOU CONFIGURADA A COISA JULGADA, PORQUANTO A SENTENÇA GARANTIU ISENÇÃO E NÃO IMUNIDADE, INSTITUTOS JURÍDICOS DE CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS.

III - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, SEM DISCREPÂNCIA.

(REsp 41.002/SP, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/10/1995, DJ 13/11/1995, p. 38641)

Não obstante o entendimento de Fernando Borges Mânica (2008, p. 275),

bastante razoável a imunidade tributária das instituições de educação, por

albergarem valores de alto quilate, sobretudo diante da realidade brasileira, deve se

estender à renda decorrente da prestação de seus serviços, sejam eles diretamente

relacionados com suas atividades-fim ou não, desde que essa renda seja revertida

para a consecução de suas finalidades primeiras.

Ricardo Lobo Torres (2005, p. 290) também partilha do entendimento

segundo o qual os serviços prestados por essas entidades são imunes, ao alegar

130

que “Não descaracteriza a imunidade a cobrança pela prestação de certos serviços

inessenciais, como sejam os ingressos de cinema ou o estacionamento de

automóveis”.

O Supremo Tribunal Federal, quanto ao tema, afirma que:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, INC. VI, ALÍNEA C, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279/STF. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A Súmula 279/STF dispõe in verbis: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. 2. É que o recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional. 3. In casu, o acórdão objeto do recurso extraordinário assentou: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO APELAÇÃO CÍVEL ITCMD AÇÃO DECLARATÓRIA DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL (SENAI) ART. 150, INC. VI, ALÍNEA C, § 4º, DA CONSTITUÇÃO FEDERAL IMUNIDADE ASSEGURADA PRECEDENTES DA CORTE RECURSO DESPROVIDO. Os Serviços Sociais Autônomos, gênero do qual é espécie o Senai Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, são entidades de educação e assistência social, sem fins lucrativos, não integrantes da Administração direta ou indireta, que se enquadram no conceito do art. 150, VI, c, da Carta Magna Federal e dos arts. 9º , IV, c e 14 do Código Tributário Nacional, assecuratório de imunidade tributária, pelo que mantida deve ser a sentença que a reconheceu no tocante à exigência do pagamento do Imposto Sobre Serviços- ISS. Ademais, ressalte-se que as entidades integrantes do cognominado Sistema S, como sói ser o caso do ora apelado, gozam de isenção tributária especial por expressa disposição dos arts. 12 e 13 da Lei n. 2.613/55 (AC n. 2011.027343-2, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 22.9.2011) 4. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO.

(ARE 739369 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 12-08-2013 PUBLIC 13-08-2013)

Passados os pontos em que tratamos dos impostos que, mais diretamente,

incidiriam sobre o patrimônio, a renda e os serviços das instituições de educação se

estas não fossem imunes, veremos adiante quais são as consequências tributárias

relacionadas à aquisição e à venda de bens por essas entidades.

3.5.4. Impostos incidentes na aquisição de bens

Outra questão a ser analisada é aquela na qual a instituição de educação

imune realiza operações de compra de bens sujeitas à tributação. Nesse ponto, a

polêmica gira em torno do alcance da imunidade em relação ao sujeito passivo, se

131

ela somente abarca o contribuinte de direito ou também o contribuinte de fato. Isto é,

tal benefício excepciona a tributação de impostos que, não tendo relação direta com

o patrimônio da entidade, acaba por atingi-lo de maneira transversa?

Que a instituição educacional sem fins lucrativos tem direito a não ser tocada

pelos impostos concernentes a suas operações quando figura como sujeito passivo

da obrigação tributária, não há dúvidas. Já dissemos e redissemos isso algumas

vezes.

A questão agora é saber se essas entidades também não arcarão com o

custo fiscal quando atingidas apenas indiretamente pelo imposto, é dizer,

economicamente, ou, como se diz, quando for o contribuinte de fato107.Por exemplo,

quando uma entidade educacional sem fins lucrativos adquire um veículo para ser

utilizado em suas atividades, ao pagar o valor cobrado está custeando indiretamente

os impostos que compõem seu preço. Ou seja, a instituição está suportando

economicamente o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias – ICMS e o Imposto

sobre Produtos Industrializados – IPI incidentes sobre as operações pelas quais

passou o bem comprado. Daí a pergunta: pelo que dispõe o artigo 150, VI, “c” da

Constituição Federal incidem os impostos ou não?

À guisa de resposta, devemos dizer que parte dos estudiosos afirmam que

não, que não devem incidir os impostos em comento, alegando que, desse modo,

restaria melhor atendida a regra do dispositivo constitucional.

O autor que mais contundentemente defendeu essa linha foi Aliomar Baleeiro

(2010, p. 461-469), para quem o contribuinte de fato não é estranho à relação

jurídica tributária. Justamente nesse sentido dispõe o artigo 166 do Código Tributário

Nacional108 e as Súmulas 71109 e 546110 do Supremo Tribunal Federal, ao

reconhecer a repercussão dos tributos na composição de preços de bens e serviços.

107 Marcelo Fortes de Cerqueira (2000, p. 391-392) assevera que, juridicamente, a repercussão econômica não pode ser utilizada como fator de discriminação para classificar os tributos em diretos e indiretos. Dita classificação é imprópria para o direito tributário porque não feita com base exclusiva na realidade tributária, é dizer, não levou em conta apenas normas jurídicas tributárias regentes da matéria. Portanto, devem ser rejeitadas as expressões contribuinte de fato e contribuinte de direito. 108 Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. 109 EMBORA PAGO INDEVIDAMENTE, NÃO CABE RESTITUIÇÃO DE TRIBUTO INDIRETO. 110 CABE A RESTITUIÇÃO DO TRIBUTO PAGO INDEVIDAMENTE, QUANDO RECONHECIDO POR DECISÃO, QUE O CONTRIBUINTE "DE JURE" NÃO RECUPEROU DO CONTRIBUINTE "DE FACTO" O "QUANTUM" RESPECTIVO.

132

Segundo Baleeiro (, 2010, p. 468), há de se perquirir, no presente caso, quem

efetivamente vai ter o patrimônio tolhido pelo imposto. E, na aquisição de bens pelas

entidades educacionais, certamente serão estas que arcaram com o custo financeiro

do tributo, devendo, portanto, entrar em cena a imunidade.

Misabel Abreu Machado Derzi (2010, p. 484), na mesma esteira, além de

realçar a importância de se saber quem irá suportar, de fato, a carga financeira do

tributo, alega que é falsa a questão de se colocar como alternativa excludente a

interpretação jurídica versus a econômica, já que, na aplicação do direito, somente o

jurídico interessa.

De acordo com seu raciocínio (DERZI, 2010, p. 485), a indagação que se

apresenta como verdadeira está em descobrir quais são os valores constitucionais

aplicáveis à interpretação das imunidades que melhor realizam a vontade do

constituinte. Daí conclui que a transferência econômica do custo fiscal, critério

jurídico, deve ser afastada, nesses casos, por melhor realizar os preceitos da

Constituição.

Essa posição, da repercussão econômica dos tributos, já teve força no

Supremo Tribunal Federal, capitaneada por seu defensor, o ministro Aliomar

Baleeiro, como podemos ver nesta passagem:

IMUNIDADE RECÍPROCA. CABE MANDADO DE SEGURANÇA OU OUTRO REMÉDIO JUDICIAL IDÔNEO, AS UNIDADES ADMINISTRATIVAS IMUNES E AS EMPRESAS BENEFICIADAS POR ISENÇÃO DE TODOS OS IMPOSTOS FEDERAIS, PARA DEFESA CONTRA IMPOSTO DE CONSUMO EXIGIDO DE FABRICANTES OU OUTROS CONTRIBUINTES DE IURE PELOS FORNECIMENTOS QUE LHE FAÇAM. MAS NÃO PODE IMPETRAR SEGURANÇA PARA ISSO, O CONTRIBUINTE DE IURE, O FABRICANTE.

(RE 68144, Relator(a): Min. ALIOMAR BALEEIRO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/11/1969, DJ 29-12-1969 PP-*****)

No entanto, segundo a doutrina (CARVALHO, 2013, p. 378) e a jurisprudência

predominantes hoje em dia, o adquirente de mercadorias e serviços, como

contribuinte de fato, é estranho à relação jurídica tributária, não sendo protegido sob

o manto da imunidade.

Ao tratar sobre a imunidade recíproca, mas cuja argumentação se encaixe

perfeitamente para o caso da imunidade tributária das instituições de educação,

Hugo de Brito Machado (2013, p. 290) afirma que o argumento, segundo o qual não

incidem os impostos sobre produtos industrializados – IPI, e sobre a circulação de

133

mercadorias – ICMS, nos itens vendidos a entidades imunes porque o ônus

financeiro respectivo recai sobre estas, não tem qualquer fundamento jurídico.

Segundo o raciocínio do autor (MACHADO, 2013, p. 290), a relação tributária

instaura-se entre o industrial/vendedor de bens e o Fisco. A relação existente entre

comprador e esse industrial/vendedor é de natureza jurídica absolutamente diversa,

de natureza contratual.

Assim, o comprador paga tão somente o preço da mercadoria adquirida e não

o tributo. Este pode estar incluído no preço ou não, como também pode estar

incluído o custo dos salários de tais agentes econômicos. E nem por isso se pode

dizer que há no caso pagamento de salários (MACHADO, 2013, p. 290).

Segundo pensamos, para o direito tributário existe apenas uma espécie de

contribuinte: aquele considerado como tal por determinação de normas jurídicas

tributárias. Assim, será contribuinte qualquer pessoa, física ou jurídica, que figure no

polo passivo da obrigação tributária. A pessoa que suporta o ônus econômico do

tributo não pode ser colocada como espécie do gênero contribuinte.

Como apontamos, o Supremo Tribunal Federal já pensou diferente, mas

reformulou sua posição. E o ministro Bilac Pinto foi o grande responsável pela virada

na jurisprudência, de modo que do paradigmático RE n. 69.483 até então,

predomina nesta corte o entendimento de que:

IMPOSTO DE CONSUMO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. AS CAIXAS ECONÔMICAS FEDERAIS ESTÃO SUJEITAS AO PAGAMENTO DESSES TRIBUTOS. A IMUNIDADE FISCAL RECÍPROCA NÃO PODE SER INVOCADA PARA ILIDIR A COBRANÇA DESSES IMPOSTOS. O CONTRIBUINTE DE IURE E O INDUSTRIAL OU PRODUTOR. NÃO SE PODE OPOR A FORMA JURÍDICA À REALIDADE ECONÔMICA. À FIGURA DO CONTRIBUINTE DE FATO É ESTRANHA A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTARIA. A UNIÃO E SUAS AUTARQUIAS SOMENTE PODEM INVOCAR A IMUNIDADE RECÍPROCA QUANDO SE TRATE DE IMPOSTOS ESTADUAIS OU MUNICIPAIS.

(RE 69483 embargos, Relator(a): Min. BILAC PINTO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 30/09/1970, DJ 27-11-1970 PP-*****)

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – IMUNIDADE – ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c”, do Diploma Maior, a impedir a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, está umbilicalmente ligada ao contribuinte de direito, não abarcando o contribuinte de fato.

134

(RE 491574 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012)

Nessa toada, entendemos que as hipóteses de imunidades contempladas na

Constituição Federal não alcançam o malfadado contribuinte de fato, posto ser essa

terceira pessoa não integrante da relação jurídica tributária. Assim, devem as

entidades educacionais arcar com o custo financeiro dos produtos que adquirem,

medida para lá de justa.

Na aquisição de bens importados, de modo diverso, não devem essas

entidades pagar o custo dos Impostos sobre Produto Industrializado – IPI, sobre a

Circulação de Mercadorias – ICMS e Imposto sobre a Importação – II. Por quê?

Porque nesse caso ela deixa de ser o tal contribuinte de fato, a bancar

apenas o ônus econômico, e passa, efetivamente, a ser o contribuinte de direito. Daí

sua dispensa.

Vejamos o que entende o Supremo Tribunal Federal quanto à matéria:

EMENTA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPORTAÇÃO DE "BOLSAS PARA COLETA DE SANGUE". A imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal, em favor das instituições de assistência social, abrange o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de seus serviços específicos. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso não conhecido.

(RE 243807, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 15/02/2000, DJ 28-04-2000 PP-00098 EMENT VOL-01988-08 PP-01529)

No caso do AI nº 535922, apesar da ementa estar equivocada, já que a

aquisição de mercadorias tenha se dado no mercado externo e não interno, como lá

disposto, a ministra Ellen Gracie, em seu voto, alega que:

Na linha destes precedentes, a ora agravada, entidade de assistência social sem fins lucrativos, goza de imunidade tributária quanto ao ICMS nas importações, independentemente de se tratar de patrimônio, renda ou serviços. O que importa indagar é se o bem adquirido integra o patrimônio dessas entidades.

Esses precedentes, segundo cremos, estão completamente imbuídos de

razão. Já que as mercadorias foram adquiridas no exterior, são as entidades

contribuintes. Então, para que não sejam afetadas tributariamente, exsurge a

imunidade do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal.

135

3.5.5. Impostos incidentes na venda de bens

O mesmo entendimento não se aplica à venda de bens sujeitas à tributação,

posto que, nestes casos, as instituições de educação são, de fato, contribuintes da

operação. Deve-se, destarte, aplicar a norma imunizante. A incidência do Imposto

sobre a circulação de Mercadorias – ICMS em uma operação de venda, por

exemplo, reduziria o patrimônio da entidade, diminuindo a eficiência dos seus

serviços.

No entanto, existem vozes que não compactuam com esse modo de pensar a

extensão das imunidades. Entre elas, Misabel Abreu Machado Derzi (2010, p. 470-

472), para quem as entidades devem arcar com os tributos incidentes sobre a venda

de mercadorias, uma vez que o reflexo financeiro recai nos adquirentes destas.

O Supremo Tribunal Federal também já simpatizou com essa tese, como

podemos perceber na seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO. ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ICMS. COMERCIALIZAÇÃO DO PRODUTO DE SUA ATIVIDADE AGRO-INDUSTRIAL. Exigência fiscal que, incidindo sobre bens produzidos e fabricados pela entidade assistencial, não ofende a imunidade tributária que lhe é assegurada na Constituição, visto repercutir o referido ônus, economicamente, no consumidor, vale dizer, no contribuinte de fato do tributo que se acha embutido no preço do bem adquirido. Recurso conhecido e provido.

(RE 164162, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 14/05/1996, DJ 13-09-1996 PP-33239 EMENT VOL-01841-03 PP-00403)

No entanto, sinaliza uma virada em seu entendimento. Este teve início com o

RE n. 210.251, em que o recorrente, a Instituição Beneficente Lar de Maria,

questionou a constitucionalidade da incidência do Imposto sobre a circulação de

Mercadorias – ICMS sobre a operação de vendas de seus pães.

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. C.F., art. 150, VI, "c". I. - Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. - Precedentes do STF. III. - R.E. não conhecido.

(RE 203755, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 17/09/1996, DJ 08-11-1996 PP-43221 EMENT VOL-01849-08 PP-01727)

136

Apesar da decisão não elucidar que a entidade recorrente era a vendedora de

bens e, portanto, a contribuinte, restringindo-se a discutir se a classificação

infraconstitucional poderia restringir ou não o teor da imunidade, é fato que garantiu

à instituição assistencial o não recolhimento do tributo, no que foi muito feliz.

Ou seja, quando a entidade educacional sem fim lucrativo sujeitar-se

passivamente à obrigação tributária na qualidade de contribuinte, vale dizer,, for

aquele que, segundo o artigo 121, paragrafo único, inciso I do Código Tributário

Nacional111, realiza a materialidade descrita na norma tributária, tem razão de ser a

imunidade.

Quando, por outro lado, contribuir apenas com as consequências econômicas

da tributação imposta a outro contribuinte, a imunidade não aparece, eis que imune

é a entidade e não quem comercializou o produto ou serviço.

A questão é de se saber quem é e quem não é imune e qual é a extensão da

exoneração fiscal ganha relevo diante da sujeição passiva indireta, na modalidade

substituição tributária.

Como se sabe, mediante os precisos termos da lei, pode ser criada a figura

do substituto tributário. Este é, como diz Renato Lopes Becho (2011, p. 127), aquela

pessoa vinculada à materialidade descrita na norma chamada a recolher o tributo

por fato passado112 ou por ato ainda não ocorrido113, conforme a modalidade de

substituição seja “para trás” ou “para frente”.

Na criação do substituto, todavia, não pode o legislador infraconstitucional

valer-se de toda sorte de disposições, devendo atender a requisitos. E o principal

deles exige que o regime jurídico aplicável à tributação seja o regime do substituído

e não o regime do substituto, já que este está respondendo por tributo alheio.

111 Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; 112 Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. 113 § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

137

Assim, se o substituído é entidade imune, por exemplo, cabe ao substituído

exercer os direitos correspondentes, não pagando os impostos relativos às

operações em que responde no lugar do imune.

3.6. Como interpretar a cláusula “relacionados com as finalidades essenciais

das entidades nela mencionados” contida no § 4 o do artigo 150 da

Constituição Federal?

Do cotejo entre o inciso VI, “c” com o § 4o do artigo 150 do Magno Texto,

extrai-se o entendimento que as entidades educacionais sem fins lucrativos somente

serão imunes quanto ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com suas

finalidades essenciais, senão vejamos:

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Diante do comando, cabe-nos tecer algumas considerações com o intuito de

precisar o que a Constituição quis dizer ao propor esse parágrafo, de modo que seja

possível demarcar quais são as operações que, realizadas pelas instituições de

educação sem fins lucrativos, sejam efetivamente tocadas pela imunidade tributária.

Em nossa caminhada, já vimos que as expressões patrimônio, renda e

serviços devem ser entendidas da maneira mais larga possível, alcançando todas as

materialidades que, genericamente, integram os bens da entidade imune. Resta

agora analisarmos quais são suas finalidades essenciais.

De pronto, podemos visualizar dois sentidos possíveis para a expressão: (i) o

primeiro, que sugere só ser admissível a imunidade tributária em relação às receitas

das atividades fins da instituição educacional; e (ii) o segundo, mais brando, que

também visualiza possibilidade de exoneração fiscal no que tange aos recursos

advindos de outras atividades, que não aquelas listadas como essenciais ao

funcionamento da entidade, desde que estes sejam aplicados nas consecução dos

fins institucionais.

138

Segundo o primeiro raciocínio, qualquer renda auferida com atividades que

não se enquadram nas atividades fins da entidade, ou seja, que não sejam

decorrentes de atividades educacionais ou culturais, poderiam ser tributadas.

Seriam atingidos pelo Fisco, por exemplo, o patrimônio, a renda e os serviços

de instituição de educação sem fins lucrativos que alugasse imóvel de sua

propriedade para garantir receita extra, ou que aplicasse suas sobras financeiras em

fundos de investimento, que prestasse outros serviços, que não estes mencionados

ou, ainda, que comercializasse bens de sua fabricação.

Consoante o segundo raciocínio, por outro lado, a instituição educacional sem

fins lucrativos poderia auferir qualquer uma dessas receitas, desde que estas

fossem reinvestidas em suas finalidades essenciais.

Sem faltar com respeito aos que concordam com a primeira exegese, entre

eles, Vittorio Cassone (1998, p. 260-264) e Yoshiaki Ichihara (1998, p. 330-333),

somos a favor da segunda.

Ora, obter receita extra, desde que seja, ela, derivada dos meios normais e,

portanto legais, tais como a locação de imóveis, a prestação de serviços ou, mesmo,

a comercialização de bens, é expediente corriqueiro e, segundo cremos, essencial

ao bom desempenho de qualquer pessoa jurídica, tenha ela caráter lucrativo ou não.

O que se impõe para que a imunidade tributária seja reconhecida é que o

capital extra, fruto de atividades outras das entidades educacionais, seja canalizado

para suas atividades fins. Pois bem: que se ganhe mais em atividades paralelas, que

esse mais seja perdoado da tributação e, sobretudo, que esse mais seja reinvestido

na educação.

Esse é o verdadeiro sentido do § 4o, do artigo 150, da Constituição Federal. A

seu modo, é o que fala Clélio Chiesa (2013, p. 89) ao aludir que pouco importa de

onde derivam os recursos, basta que sejam obtidos de maneira escorreita e

aplicados na busca dos fins para os quais essas entidades foram criadas, segundo

seus estatutos ou atos constitutivos.

De mais a mais, como afirma Luciano Amaro (1998, p. 149-151), seria um

contrassenso supor que rendas relacionadas com as finalidades essenciais

pudessem significar, apenas e tão somente, rendas produzidas pelo objeto social da

entidade sem fins lucrativos. Caso fosse esse o sentido almejado pelo legislador,

139

qualquer fonte de renda da entidade que não derivasse dos usuários de seus

serviços ficaria fora do alcance da imunidade.

Se a entidade não possui fins lucrativos, seu objeto social é, quase

obrigatoriamente, fonte de despesas e não de recursos. Caso assim não fosse, elas

deveriam ser chamadas de sociedades e não de entidades, e seu objetivo seria a

aferição e a distribuição de lucros e não o investimento na educação.

A obtenção de receitas pelas instituições de educação sem fins lucrativos por

meio de fonte que não seja a da sua atividade principal é, pois, mecanismo justo e

jurídico, já que não vedado pela Constituição Federal.

Interessa-nos, agora, verificar se existem limites para a atuação das

entidades educacionais sem fins lucrativos em outras searas, mantendo a imunidade

e, caso existam, quais seriam eles.

Quanto ao tema, em suas sempre ponderadas lições, Marco Aurélio Greco

(1998, p. 718-719) afirma que, conquanto entenda que a existência de aplicações

financeiras para a manutenção patrimonial seja uma das finalidades de qualquer

instituição, somente seria admitida a imunidade tributária em relação às aplicações

conservadoras, rejeitando aquelas em relação às de risco, já que colocariam em

perigo a vida da instituição.

Opinião oposta é a de Daniela Tadei Mailer (2012, p. 85-86), para quem,

segundo uma perspectiva mais flexível, seria possível que instituição de ensino que

goza da imunidade tributária investisse sobras de sua reserva anual em

investimentos do tipo private equity, sem que, com isso, infligisse normas

constitucionais ou infraconstitucionais.

No entendimento da matéria há todo tipo de argumento, dos mais

conservadores aos liberais. Pensamos, contudo, que radicalismos tanto para um

lado quanto para o outro não trazem benefícios à inteligência e ao gozo das

imunidades em questão. A solução do impasse, na maioria das vezes, encontra-se

no caminho do meio, naquele local situado entre um oposto e o outro.

O sistema jurídico nacional é uno, cumprindo ao aplicador do direito

harmonizar os diversos comandos prescritivos contemplados na Constituição. Nesse

sentido, pensamos caber ao Poder Judiciário resolver caso a caso, ponderando qual

140

valor deve ser mais prestigiado na demanda concreta, se tal conceito deve ser

alargado, atualizado, ou não, etc.

Voltando ao raciocínio em que estávamos, é de se dizer que não é pelo fato

de a entidade ter obtido a receita no mercado que, de imediato, tem sua imunidade

afastada. No entanto, também não coadunamos com a ideia de ver atividades

desenvolvidas por ente imune, especialmente a prestação de serviços ou a

comercialização de produtos, constituir embaraço ao princípio constitucional da livre

concorrência insculpido no artigo 170, IV da Constituição114, ou, mesmo, caracterizar

abuso de poder econômico, conforme o artigo 173, § 4o do mesmo Texto115.

Ou seja, enquanto é justificável que a entidade imune, sem perder seu

privilégio fiscal, atue no domínio econômico, com o fito de obter recursos para suas

finalidades essenciais, por outro lado, não se pode aceitar que seu benefício destrua

a concorrência.

Nesse contexto, importa termos em mente que no domínio econômico

também atuam empresas não imunes, a quem é assegurado o direito a concorrer

livremente.

Conquanto, a princípio pareça inviável cogitar que uma instituição de

educação que preencha os requisitos para a fruição da exoneração tributária possa

vir a desenvolver atividade de tamanho vulto econômico, que chegue a macular os

princípios regentes da atividade econômica, isso pode acontecer.

Segundo Regina Helena Costa (2006, p. 186), se o intuito da entidade imune

não é a distribuição de lucro entre seus fundadores, dirigentes ou associados, mas a

geração de caixa para cumprir seus fins educacionais, parece improvável, se não

impossível, que tal entidade possa concorrer com as empresas às quais cabe

explorar o domínio econômico.

Como tudo é possível, deve-se deixar consignado que, se uma instituição

sem fins lucrativos, gozando perfeitamente de sua imunidade, vende produtos e

114 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] IV - livre concorrência; 115 § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

141

serviços a preços similares com os praticados no mercado, não há que se falar em

ofensa aos princípios do direito econômico.

Se, de outra sorte, essa instituição valer-se de seu privilégio, reduzindo seus

preços para conquistar espaço, estaremos diante de flagrante prática abusiva.

É o que nos diz Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 395), ao afirmar que, se uma

instituição, gozando da imunidade contida no artigo 150, VI, “c” da Constituição

Federal, vende seus serviços e produtos a preços comparáveis com os praticados

por outros agentes no mercado, então não se cogitará de ofensa à livre

concorrência.

Se tal instituição tiver custos comparáveis aos dos demais agentes, eventual

sobra será vertida em favor de suas finalidades, cumprindo-se o preceito

constitucional; ainda que as sobras sejam poucas, em virtude de sua menor

organização em relação às empresas, profissionais na atuação no domínio

econômico.

Quando, no entanto, a instituição imune, valendo-se do privilégio

constitucional, reduz seus preços e, com isso, conquista parte do mercado,

caracterizar-se-á prática de preço predatório vedado pelo princípio da livre

concorrência.

O que se está a dizer é que há limites à atuação das instituições sem fins

lucrativos, na qualidade de entidades imunes, no desempenho de atividades

rentáveis não relacionadas aos seus fins primeiros.

Como afirma Clélio Chiesa (2013, p. 90), é evidente que as referidas

instituições podem auferir rendas com atividades não propriamente relacionadas

com as suas atividades essenciais. Contudo, valendo-se do seu regime de imune,

não pode oferecer produtos e serviços similares aos oferecidos por outras empresas

com melhores preços, violando flagrantemente regras de cunho econômico.

Se a entidade resolve desenvolver atividades não relacionadas com seu

objetivo estatutário e isso vier a implicar uma concorrência desleal com outras

empresas do ramo devido aos benefícios proporcionados pela imunidade, tal

atuação não continuará albergada pelo manto da intributabilidade.

142

Entretanto, a suspensão do comando imunitório não se dará pelo que decorre

do § 4o, do artigo, 150 da Constituição Federal, mas da violação de outros valores,

também consagrados pelo sistema constitucional, como é o caso do princípio da

livre concorrência.

Todavia, a análise desses choques entre as imunidades tributárias e os

princípios que regem o domínio econômico é essencialmente casuística,

necessitando que adentremos no caso concreto para verificar se restou descumprido

algum comando constitucional.

Não é outro o entendimento da 7ª Câmara do Conselho de Contribuintes,

quando examinava determinado efeito concorrencial pelo uso de imunidade

tributária. No caso, o Fisco pleiteava a suspensão da exoneração fiscal do

contribuinte sob a alegação de que a atividade desenvolvida pela instituição ofendia

à livre concorrência.

Entendeu, no entanto, o Conselho, através do acórdão nº 107-07197, que:

Se a atividade desenvolvida tem por finalidade auxiliar a cobrir o déficit da atividade principal da entidade imune, não é correto retirar, pura e simplesmente, a imunidade somente com o argumento em tese de que estaria ferido o princípio da livre concorrência. A ofensa a este deve ser provada e não apenas alegada, sob pena de agredir-se a supremacia constitucional.

(Ac nº 107-07197, Rel. Octávio Campos Fischer, sessão de 11.06.2003)

É de se notar que a decisão não nega a possibilidade de limitação da

imunidade tributária dirigida à instituição por ofensa ao princípio da livre

concorrência. No entanto, esta deve ser efetivamente provada e não somente

alegada. Com toda razão: segundo pensamos, o embate entre valores

constitucionais deve sempre se fazer com base em análises concretas.

Conclui-se, desse modo, que a interpretação mais consentânea com o

sistema jurídico e, diga-se de passagem, com o entendimento Supremo Tribunal

Federal, como já fartamente vimos em tópico próprio, é a que entende que podem

as entidades educacionais abençoadas com a imunidade atuar no domínio

econômico.

Mas, ao assim procederem, devem reinvestir o numerário ganho na

realização de suas atividades estatutárias, bem como respeitar os limites impostos

pelos princípios do direito econômico ao não cobrar preços abaixo do mercado.

143

3.7. Imunidades condicionadas : “atendidos os requisitos da lei”

O gozo de imunidade tributária pelas instituições educacionais é condicionado

ao atendimento de certas condições. Nesse sentido, a cláusula atendidos os

requisitos da lei constante do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1998

será aqui analisada, revelando algumas de suas nuances.

3.7.1. Eficácia e aplicabilidade das normas constit ucionais

A primeira discussão acerca da cláusula em comento gira em torno de sua

eficácia e aplicabilidade. Isso porque, tendo como base a classificação trazida por

José Afonso da Silva, a doutrina diverge se a norma esculpida no artigo 150, VI, “c”

da Constituição Federal é de eficácia limitada ou contida.

Na prática, quer-se saber se a imunidade das entidades educacionais são

aplicáveis de imediato ou se é preciso que haja lei tratando sobre o assunto para

que se dê seu aperfeiçoamento no mundo jurídico.

Como já afirmamos, com base na classificação de José Afonso da Silva

(2003, p. 86), as normas constitucionais podem ser divididas entre (i) normas de

eficácia plena e aplicabilidade imediata; (ii) normas de eficácia contida e

aplicabilidade imediata, mas possivelmente não integral; e (iii) normas de eficácia

limitada.

Também como já assinalamos em capítulo anterior, as imunidades tributárias

podem ser classificadas em incondicionadas ou condicionadas, dependendo do tipo

de norma constitucional em que se sustentam.

E a imunidade tributária das instituições de educação sem fins lucrativos é

daquelas que, por serem classificadas como condicionadas, convidam o legislador

infraconstitucional a complementar seu sentido, fazendo valer a cláusula atendidos

os requisitos de lei enunciado no final do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal.

Segundo pensamos, esse é um nítido exemplo de norma constitucional de

aplicabilidade imediata, porém de eficácia contida. Ou, como diz Regina Helena

144

Costa (2006, p. 95-96), norma de eficácia plena até a edição do ato normativo

redutor de seu âmbito eficacial.

Mas nem todos partilham desse entendimento. Sacha Calmon Navarro

Coêlho (2012, p. 257-258), por exemplo, aponta a imunidade das instituições de

educação sem fins lucrativos como uma daquelas baseadas em norma

constitucional de eficácia limitada, concluindo, desse modo, que na ausência de lei

complementar, a norma restaria inaplicada em desfavor dos imunes116.

O próprio José Afonso da Silva (2003, p. 185-186), na obra em que

apresentou sua classificação das normas constitucionais, referiu-se à norma contida

no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal entre aquelas de eficácia limitada,

aludindo que esta é um típico exemplo de dispositivo por meio do qual o legislador

constituinte traçou esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos,

entidades ou institutos, cabendo ao legislador infraconstitucional terminar-lhe o

desenho.

Não podemos, com o devido respeito, acatar tal posicionamento, pois além de

desprestigiar as garantias fundamentais do contribuinte, implicaria subverter a

hierarquia normativa que conhecemos, deferindo ao legislador infraconstitucional o

poder de restringir ou até mesmo eliminar os comandos da norma imunizante,

posicionada em local de destaque no ordenamento jurídico nacional.

Imunidade tributária é preceito constitucional que delineia a competência

tributária das pessoas políticas, entregando aos seus destinatários o direito subjetivo

de não serem tributadas naquelas situações trazidas no Texto Maior.

Partindo-se dessa premissa, segundo a qual a norma imunizante ilustra

situação precisamente destacada pelo constituinte originário, forçoso concluir-se que

ela, necessariamente, contém aplicabilidade imediata.

Nossa opinião é que, assim como qualquer outra norma definidora de garantia

fundamental, a regra do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal possui

aplicabilidade imediata. Até porque, como diz o § 1º do artigo 5º da Constituição: “As

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

116 Nas palavras do autor (COÊLHO, 2012, p. 257): “A regra imunitória é, todavia, not self-enforcing ou not self-executing, como dizem os saxões, ou, ainda, não bastante em si, como diria Pontes de Miranda. Vale dizer, o dispositivo não é autoaplicável e carece de acréscimo normativo, pois a Constituição condiciona o gozo da imunidade a que sejam observados os requisitos de lei.”

145

Segundo Misabel Abreu Machado Derzi (2013, p. 223), a norma imunizante

em comento deve ser entendida como de eficácia imediata, mas contível, eis que

imunidades sempre terão eficácia imediata, apesar de algumas delas dependerem

da observância de requisitos dispostos em lei. Enquanto tal lei não regulamentar as

condições a serem cumpridas para o gozo e a manutenção da imunidade, ela será

plena, atendido o espírito da Constituição.

A propósito do tema, assim decidiu a Superior Tribunal de Justiça:

VEDAÇÃO AO PODER DE TRIBUTAR - INSTITUIÇÃO SOCIAL - CUMPRIMENTO - REQUISITOS LEGAIS.

A IMUNIDADE E INSTITUIDA PELA CF E TEM APLICABILIDADE IMEDIATA, INDEPENDENTEMENTE, DE REGULAMENTAÇÃO.

A QUESTÃO SE RESUME EM SE SABER SE A INSTITUIÇÃO SATISFAZ OS REQUISITOS DO ART. 14 DO CTN.

O JULGADOR MONOCRATICO BEM EXAMINOU A QUESTÃO E CONCLUIU PELA IMUNIDADE TRIBUTARIA EM RELAÇÃO AO PATRIMONIO, A RENDA E AOS SERVIÇOS DA AUTORA.

RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

(REsp 27261/MG, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/1992, DJ 07/12/1992, p. 23296)

Caso a norma exonerativa constitucional não tivesse eficácia imediata,

estaríamos diante de outro tipo de renúncia fiscal, qual seja, a isenção tributária,

instituto sedimentado em normas constitucionais de eficácia limitada e, portanto, de

aplicação deferida temporalmente até a intervenção do legislador infraconstitucional.

Que as normas imunizantes possuem aplicabilidade imediata, segundo

pensamos, não há dúvidas. E, no caso da imunidade das instituições de educação,

esta é norma de aplicabilidade imediata, porém de eficácia restringível pelo

competente instrumento legislativo.

Resta, então, averiguarmos qual é este.

3.7.2. Lei complementar ou lei ordinária?

Outro aspecto que enseja discussão doutrinária quanto à imunidade das

entidades educacionais fins lucrativos diz respeito à norma apta a definir os

requisitos necessários à fruição desse benefício. Seria esse veículo uma lei

complementar ou uma lei ordinária bastaria?

146

Os adeptos da corrente que defende a tese da lei ordinária se pegam à

locução trazida pelo Texto Magno, segundo a qual devem ser “atendidos os

requisitos da lei” e não os requisitos da lei complementar.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1983. p. 154) e Aliomar Baleeiro (2013, p.

222) são daqueles juristas que admitiam, à luz da Constituição de 1969, a edição de

lei ordinária para o estabelecimento dos requisitos necessários ao gozo da

imunidade tributária.

Sob a égide de 1988, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho (1998, p. 346-

353) e Carlos Valder do Nascimento (1998, p. 734-738) são do mesmo

entendimento. Cada um a sua maneira, os dois afirmam que a lei cogitada pelo

artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal é a lei ordinária nacional, pois, quando o

Texto Constitucional exige a prevalência de lei complementar, o faz

pormenorizadamente. Assim, como o mencionado artigo deferiu a lei, sem qualquer

adjetivação, a fixação dos requisitos a serem satisfeitos pelo contribuinte, essa lei só

pode ser do tipo ordinária.

Pensamos que essa, contudo, não é a melhor maneira de visualizar a

matéria. Cremos até na possibilidade de lei ordinária tocar no assunto, mas não a

título de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Nas pegadas de Misabel Abreu Machado Derzi (2013, p. 225-226),

entendemos que a referência, no artigo 150, VI, “c” da Constituição, aos requisitos

da lei, envolve a lei ordinária competente para regular a constituição e a

formalização das pessoas imunes. Apenas isso, jamais os requisitos para o gozo da

imunidade, como limitação ao poder de tributar.

Lei ordinária pode, portanto, dispor sobre a natureza jurídica e os

procedimentos formais e materiais adequados para a constituição das instituições de

educação, sendo o Código Civil, por exemplo, a norma apta a traçar esses requisitos

mínimos atinentes às fundações e associações, como já vimos.

Quanto às limitações da fruição das imunidades tributárias, o posicionamento

majoritário da doutrina117 é no sentido de só ser possível o disciplinamento de tais

requisitos mediante lei complementar.

117 Por todos, Roque Antonio Carrazza (2013).

147

Isso porque, na sistemática adotada pelo constituinte de 1988, as imunidades

tributárias são qualificadas como limitações constitucionais ao poder de tributar.

Se prestarmos atenção à localização do artigo 150, VI, “c” da Constituição

Federal, percebemos que ele está inserido no capítulo denominado “Sistema

Tributário Nacional”, na seção “Das Limitações do Poder de Tributar”.

Logo, apesar de o legislador não ter se referido, na alínea “c”, ao termo

“complementar”, não há a menor dúvida que o artigo 150, VI, “c” do Texto

Constitucional, é, no ordenamento jurídico nacional, nítida hipótese de limitação

constitucional ao poder de tributar.

Sendo assim, óbvia é a conclusão que o instrumento normativo apto a regular

a imunidade das entidades educacionais sem fins lucrativos é, inexoravelmente, a lei

complementar trazida pelo artigo 146, II da Constituição Federal, pois, de acordo

com este:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

José Augusto Delgado (1998, p. 62), em pequena passagem, afirma que o

gozo das instituições de educação mencionadas na letra “c” de não sofrerem

instituição de impostos sobre seu patrimônio, rendas e serviços está subordinado

aos requisitos fixados em lei. E essa lei, por determinação da Constituição Federal,

há de ter, obrigatoriamente, a natureza imposta pelo artigo 146, II, do Texto.

Em suas palavras (DELGADO, 1998, p. 63), o regulamento de tal limitação ao

poder de tributar é uma segurança tanto para o poder tributante, quanto para o

contribuinte. Este, desde que preencha os pressupostos fixados pela lei

complementar, fica amparado pela determinação constitucional imunizante.

A vinculação entre imunidade tributária e lei complementar é, pois, de

observância obrigatória, pois a norma imunizante, quando passível de

regulamentação, demanda que a intermediação legislativa ocorra por meio dessa

espécie legislativa por imposição da Constituição da Republica.

No Brasil, o constituinte reservou um importante papel para as leis

complementares, notadamente em matéria de tributos. Em linhas gerais, temos que:

(i) o quórum para aprovação dessas leis é qualificado, necessitando da metade mais

148

um dos membros de cada uma das Casas do Congresso Nacional118; (ii) seu

alcance será nacional, obrigando, portanto, todas as pessoas políticas, da União aos

Municípios; (iii) bem como seus objetos não poderão ser tocados por medidas

provisórias.

Sua diferenciação em relação à lei ordinária se dá por duas características: (i)

uma de ordem formal, traduzida no quórum qualificado para sua aprovação; (ii) e

outro, de ordem material, relativo aos objetos necessariamente por elas veiculadas.

Discordam os juristas quanto à existência de hierarquia entre a lei

complementar e a ordinária. Alguns119 sustentam que a primeira se posiciona entre a

emenda constitucional e a lei ordinária, por apego ao artigo 59 da Constituição120.

E outros121, diferentemente, entendem que não há que se falar em hierarquia,

já que ambas buscam seu fundamento de validade na Constituição Federal, não

restando vínculo de subordinação entre ambas.

Somos da opinião que Paulo de Barros Carvalho traz luz a questão,

distinguindo entre hierarquia formal e material. Segundo o autor (CARVALHO, 2007,

p. 229-231), a hierarquia formal dá-se quando a norma superior dita os pressupostos

de forma que a norma subordinada deve observar; a hierarquia material, por sua

vez, ocorre sempre que a regra subordinante preceituar os conteúdos de

significação da norma inferior.

Salienta, ainda, o autor que a Constituição de 1988 trouxe relevante novidade

ao estudo da lei complementar, ao prescrever que “lei complementar disporá sobre a

elaboração, redação, alteração e consolidação das leis” no parágrafo único do artigo

59122.

118 Art. 69 As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta. 119 Por todos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1995). 120 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. 121 Por todos, Michel Temer (2000). 122 Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

149

Em se tratando de hierarquia formal, por conseguinte, a lei complementar é

superior à ordinária. Quanto ao aspecto material, contudo, a lei complementar

poderá ou não ser hierarquicamente superior à lei ordinária, dependendo da

existência ou não de vinculação entre os conteúdos de ambas.

Mas há, ainda, um aspecto a se explorar quanto à relação entre a lei

complementar e o direito tributário: Qual seria sua função? Quais temas

constitucionais relativos à tributação podem ser regulados por tal espécie normativa?

Quanto ao alcance da norma inserida no artigo 146 da Constituição Federal,

muito se discute se a lei complementar deverá: (i) dispor acerca de conflitos de

competência; (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e (iii)

estabelecer normas gerais em matéria tributária

Ou se, de outra sorte, deverá estabelecer normas gerais em matéria tributária

a fim de: (i) dispor acerca de conflitos de competência; e (ii) regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Por trás desse jogo de palavras, reside uma das grandes cisões do direito

tributário nacional, aquela que divide os autores entre tricotômicos e dicotômicos.

Sintetizando os argumentos, podemos afirmar que, consoante à chamada

corrente tricotômica, da qual Ives Gandra da Silva Martins (1990) faz parte, a lei

complementar, ao lado de outras matérias, disporá sobre normas gerais de direito

tributário, regulará conflitos de competência entre os entes legislativos, bem como

regulará as limitações constitucionais ao poder tributário.

A vertente dicotômica, à sua vez, acredita caber à lei complementar tributária

veicular normas gerais que, obrigatoriamente, só poderiam alcançar dois temas: ou

o conflito de competência entre as pessoas políticas ou a regulação às limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Somos da opinião que cabe à lei complementar tributária, emitir normas

gerais e, portanto, nacionais, apenas em relação aos pretensos123 conflitos de

competência entre os entes políticos e às limitações ao poder de tributar. 123 Segundo Eduardo Arruda Alvim (1994, p. 47): Insista-se, todavia, que conflito de competência, propriamente dito, não pode haver. Rubens Gomes de Souza ensina que, se um tributo, de competência, por exemplo, constitucionalmente deferido ao Estado, é instituído pela União ou por um Município, há, em realidade, inconstitucionalidade do mesmo, por invasão de competência. Isto porque os impostos estabelecidos no art. 155 de CF são de competência privativa e indelegável do Estado. Portanto, ou são instituídos pelos Estados, ou não o são. Por mais ninguém.

150

Acreditamos, pois, assim como Roque Antonio Carrazza (2013), entre outros, na

corrente dicotômica, na força do princípio federativo e nas independências distrital e

municipal.

E não podia ser diferente. Como afirma Geraldo Ataliba (2011, p. 37-40),

avultam como os mais importantes princípios constitucionais o republicano e o

federativo. Isso por, pelo menos, dois motivos: (i) em razão de terem sido colocados

em local de destaque na Constituição Federal e, (ii) por serem “repetidos,

enfatizados, reforçados e assegurados, até as últimas consequências, por inúmeras

outras disposições constitucionais”, que lhes explicitam o conteúdo, sentido,

alcance, exigências e limites de eficácia (ATALIBA, 2011, p. 38)

Assim, não nos parece lógico que tenha, o legislador originário colocado em

pedestal o modelo federativo brasileiro, para, em momento posterior abandonar essa

bandeira, conferindo ao legislador complementar, a título de editar normas gerais de

caráter tributário, amplos poderes para, querendo, acutilar as competências das

pessoas políticas.

Segundo Eduardo Arruda Alvim (1994, p. 47), não se pode compreender o

alcance do artigo 146 da Constituição Federal, sem relacioná-lo aos artigos 153, 155

e 156, também do Texto, já que estes conferem competências impositivas

exclusivas às pessoas políticas, competências estas que não podem ser tocadas por

lei complementar.

Parece-nos absolutamente equivocado, nesse sentido, cogitar que normas

gerais de direito tributário possam, por exemplo, estabelecer os critérios da regra-

matriz tributária dos impostos municipais, restringindo a competência impositiva

municipal conferida pelo artigo 156 da Constituição Federal.

Logo e para não nos estendermos muito nesse assunto, pensamos que ao

artigo 146 da Constituição Federal é reservada apenas e tão somente uma função:

editar normas gerais de direito tributário124. Estas, por seu turno, poderão dispor

sobre conflitos de competência em matéria tributária e regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar.

124 Maria do Rosário Esteves (1997, p. 97) destaca que há uma impropriedade terminológica ao usarmos o termo dicotômico, visto que este nos induz a pensar que cabem duas finalidades à lei complementar. Mas, na verdade, há uma só: editar normas gerais de direito tributário. Estas, por sua vez, possuem duas finalidades.

151

Voltando ao tema central do tópico, é de se consignar que configura limite

formal ao estabelecimento de requisitos para o gozo da imunidade do artigo 150, VI,

“c” da Constituição Federal, a edição de lei complementar que trate das limitações

ao poder de tributar, sendo insuficiente a lei ordinária. É o que impõe o artigo 146, II,

da Constituição Federal.

Cabe às leis ordinárias somente estabelecer, formal e materialmente, a

constituição das instituições de educação. Ou ainda, como aponta Eduardo Bottallo

(1998, p. 58), a título de dar efetividade aos comandos constitucionais e da lei

complementar, veicular outras normas voltadas à preservação de interesses

fazendários, suscetíveis de serem prejudicados por ações ou omissões de entidades

imunes.

Nessa vereda, conquanto não se prestem a dar à imunidade tributária

configuração diversa daquela traçada pela Constituição e pela lei complementar,

referidas normas podem, perfeitamente, prever, como sanção, a perda ou a

suspensão do gozo da imunidade por pessoas cujo procedimento se desvie dos

caminhos do interesse público.

No estudo das imunidades das entidades educacionais sem fins lucrativos

percebe-se, portanto, duas relações de subordinação, a primeira entre a

Constituição Federal e Código de Tributos e uma segunda, como veremos adiante,

entre este código e uma lei ordinária.

Nessa trilha, cabe ao Código Tributário Nacional verdadeira lei de caráter

geral, a quem compete traçar as principais diretrizes da seara fiscal, regular a

imunidade trazida no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal. E foi justamente o

que fez em seu artigo 14.

Aliás, nessa direção apontam as decisões dos tribunais brasileiros ex vi:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE ASSISTENCIAL. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS - IOF. ART. 150, VI, "C", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ABRANGÊNCIA. I - Preliminares, reexaminadas por força da remessa oficial, rejeitadas. II - Para fazer jus à imunidade tributária prevista na Constituição Federal (artigo 150, VI, "c") o contribuinte deverá demonstrar a sua natureza de entidade assistencial e/ou educacional, bem como o cumprimento dos requisitos enumerados no artigo 14 do CTN e a relação do patrimônio, renda e serviço que se pretende imunizar com as suas finalidades essenciais. III - Demonstrado o cumprimento dos requisitos, de rigor a aplicação da norma imunizante para afastar a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O fato de haver recursos da entidade aplicados no

152

mercado financeiro não permite concluir que os valores daí advindos não se relacionam diretamente com as suas finalidades e que resta descaracterizada a sua condição de instituição assistencial e educacional, pois não se trata de atividade concorrencial e com fito de lucro, mas sim de preservação e aumento de seu patrimônio social, com vistas à implementação dos objetivos sociais e a resguardar seus ativos da desvalorização da moeda. IV - A imunidade não deve ser restrita aos impostos sobre patrimônio, renda ou serviços propriamente ditos, mas a toda imposição tributária, a título de impostos, que porventura os comprometa. Precedentes do STF. V - Sem honorários advocatícios (Súmulas nº 105 do STJ e 512 do STF). VI - Apelação da União desprovida, inclusive como conseqüência do reexame necessário.

AMS - APELAÇÃO CÍVEL – 304698; Processo: 0002931-24.1999.4.03.6100; UF: SP; Órgão Julgador: QUARTA TURMA; Data do Julgamento: 14/06/2012; Fonte: e-DJF3 Judicial; DATA:15/08/2013; Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA INCIDENTE SOBRE APLICAÇÕES FINANCEIRAS EM FUNDOS DE RENDA FIXA E VARIÁVEL DE INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, SEM FINS LUCRATIVOS.

INOBSERVÂNCIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ART. 150, VI C DA CF/88 E NO ART. 9o., IV C DO CTN. PREENCHIMENTO, PELA ENTIDADE, DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 14 DO CTN. EXIGÊNCIA DE GRATUIDADE E GENERALIDADE NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, PELO TRIBUNAL A QUO, QUE, ALÉM DE NÃO POSSUIR FUNDAMENTO LEGAL, DESATENDE À FINALIDADE DA NORMA IMUNIZANTE. BENEFÍCIO FISCAL QUE JÁ FOI OBJETO DE RECONHECIMENTO EM RECURSO ESPECIAL ANTERIOR (RESP. 495.207/CE, REL.

MIN. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 08/08/2005, P. 232).

INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE IMPLIQUE INVASÃO DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO STF OU A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126 DO STJ.

INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7 DO STJ E, NO MÉRITO, DA SÚMULA 730 DO STF. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Ao contrário do que sustenta a UNIÃO, a solução da quaestio iuris demanda, apenas, uma interpretação do art. 9o. IV, c/c art.

14 do CTN, que dispõem sobre os requisitos que devem ser preenchidos para que uma entidade seja qualificada como associação sem fins lucrativos e venha a ser, consequentemente, contemplada com as benesses tributárias.

2. O pedido da parte agravada, no Recurso Especial interposto, não enseja análise dos fatos e das provas analisadas pelo Tribunal a quo, mas apenas se a sua atividade assistencial, peremptoriamente delineada no Acórdão impugnado, a classifica como entidade de assistência social sem fins lucrativos, nos termos do art. 14 do CTN.

3. A CAMED visa à cobertura ou ressarcimento de despesas com promoção, proteção e recuperação da saúde, não se confundindo, portanto, com entidade de previdência privada.

153

4. A parte agravante deve infirmar os fundamentos da decisão impugnada, mostrando-se inadmissível o recurso que não se insurge contra todos eles. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1262407/CE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 02/08/2013)

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU E ISS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS EM LEI (ART. 9º, IV, “C”, C.C ART. 14 AMBOS DO CTN). MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. 2. Deveras, a controvérsia a respeito do preenchimento dos requisitos constitucionais para concessão da imunidade tributária, perpassa pelo disposto na norma infraconstitucional que regulamenta a espécie (art. 14 do CTN). Precedentes: AI 659.920-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe de 31.03.2011; AI 780.914-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 21.03.2011; AI 673.173-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. EROS GRAU, DJe de 07.12.2007. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA – FUNDAÇÃO PITÁGORAS – IMUNIDADE – ARTIGO 150, INCISO VI, ‘C’, CF. - Reconhece-se a imunidade tributária em favor de fundação, quando o acervo fático dos autos induz à conclusão de que o patrimônio, a renda e os seus serviços são aplicados na própria atividade por ela exercida, não distribuindo lucros.” 4. Agravo regimental desprovido. (AI 848942 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012)

Seja como for, os requisitos, trazidos pelo Código Tribunal Nacional, são os

únicos a reger as imunidades do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal. E eles

praticamente reproduzem os fundamentos essenciais dessa imunidade: (i) não

aproveitar a interesses privados, (ii) aplicar as rendas no país e (iii) manter os meios

adequados à comprovação do cumprimento dos dois primeiros requisitos. É o que

veremos adiante.

3.7.3. Limites da regulação

Como deixamos antever, cabe ao Código Tributário Nacional regular a

imunidade das entidades educacionais. Disso decorrem as seguintes perguntas:

Quais são os limites atribuídos à lei para essa regulação? O que pode a lei definir

como os requisitos hábeis a garantir a imunidade dessas associações e fundações?

154

Para responder a tal indagação devemos lembrar que imunidade tributária

possui assento constitucional. Assim, necessariamente, seu conteúdo não pode ser

modificado, aumentado ou restringido por norma que, a despeito de regular

comando do Texto Constitucional, acaba por alterar-lhe o conteúdo.

Não pode, pois, a lei complementar inovar a disciplina da imunidade tributária,

restando, de maneira absoluta, desautorizada a estabelecer requisitos que venham

a restringir o universo de entes educacionais que a Constituição Federal quer ver

alcançados pela exoneração tributária.

A função do Código Tributário Nacional é de explicar, explicitar, ilustrar o

Texto Constitucional, definindo os instrumentos aptos a garantir a eficácia da norma

imunizante.

Yoshiaki Ichihara (2000, p. 101), sobre a possibilidade de regulação das

imunidades tributárias por lei complementar, manifestou que estas já estão previstas

expressa ou implicitamente na própria Constituição Federal, competindo ao

legislador ordinário, por meio do veículo competente, a lei complementar, regular, no

sentido de explicitar, aclarar e tornar aplicáveis os limites, sem estreitar ou alargar os

conceitos constitucionais.

Nesses termos, podemos verificar a extrema relevância do estudo que

procedemos em tópico anterior, quando analisamos o conceito de instituições de

educação. Afinal, se cabe à lei complementar somente aclarar e tornar adequada a

aplicação do Texto Constitucional, de suma relevância é a perfeita compreensão do

significado dos termos por ele utilizados.

Logo, em matéria de regulamentação das hipóteses de imunidades

condicionadas contidas no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, a lei

complementar tem a função de normatizar o modo e a forma de gozo dos benefícios

conferidos pelas imunidades.

3.7.4. Requisitos do Código Tributário Nacional

Como já alegamos, as instituições de educação sem fins lucrativos possuem

o direito subjetivo constitucionalmente assegurado de não serem tributadas via

155

impostos. Contudo, também como apontamos, o artigo 150, VI, “c” da Constituição

Federal prescreve que o legislador infraconstitucional, mediante lei complementar,

condicione o usufruto de tal benefício.

Coube, então, ao Código Tributário Nacional, norma instituída pela Lei

Ordinária nº 5.172/66, porém recepcionada pelo Texto de 1988125 com eficácia de lei

complementar, a tarefa de disciplinar tal matéria.

Eis que, em seu artigo 9º, praticamente parafraseando a Constituição Federal,

o Código de Tributos afirma que:

Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

IV - cobrar imposto sobre:

[...]

c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;

[...]

§ 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.

Como manda a regra, seguindo para a Seção II, temos:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

125 Segundo o artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT: “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. [...] § 3º - Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto. § 4º - As leis editadas nos termos do parágrafo anterior produzirão efeitos a partir da entrada em vigor do sistema tributário nacional previsto na Constituição. § 5º - Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º.”

156

§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são, exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Temos, com isso, os únicos pré-requisitos que devem ser preenchidos pelas

instituições para usufruírem da imunidade tributária prevista na Constituição Federal.

Como veremos adiante, qualquer outro comando que extrapole o que foi dito

pelo Texto Constitucional e aclarado pelo Código Tributário Nacional deve ser

considerado incompatível com o sistema tributário nacional.

Vejamos, então, cada uma das condições de legitimação para o

reconhecimento do direito à imunidade tributária pelas instituições de educação.

3.7.4.1. Não distribuírem qualquer parcela de seu p atrimônio ou de suas

rendas, a qualquer título

A Constituição Federal de 1988 explicitou o que nos Textos de 1967 e 1969

estava subentendido: as imunidades tributárias se restringem às instituições de

educação sem fins lucrativos.

Como já apontamos, a interpretação da ausência de finalidade lucrativa não

pode ser literal, na medida em que isso impossibilitaria sua sobrevivência. Não há

dúvidas que, se a entidade não conseguisse registrar a entrada de divisas ou se

apenas apresentasse prejuízo, sua vida útil não seria longa.

Da ausência de finalidade lucrativa decorre a proibição de distribuição de

lucro. Daí o requisito apresentado no inciso I do artigo 14 do Código Tributário

Nacional, que, em uma primeira leitura, pode apresentar estranheza.

Isso porque para o desenvolvimento das entidades educacionais sem fins

lucrativos, ele pressupõe não só a vedação de distribuição de lucros aos sócios,

diretores, ou fundadores das instituições, mas, de modo amplo, que não se distribua

qualquer parcela do patrimônio, a qualquer título que seja.

Nem sempre foi assim. O inciso em comento foi alterado pela Lei

Complementar n. 104/01. Antes a redação era a seguinte: “não distribuírem qualquer

157

parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu

resultado”.

A redação anterior vedava a distribuição do patrimônio ou rendas a título de

lucro ou participação no resultado, o que é inerente a qualquer instituição sem fins

lucrativos, enquanto a nova redação veda a distribuição a qualquer título.

Segundo Misabel Abreu Machado Derzi (2013, p. 233), a redação original do

artigo 14 do Código Tributário Nacional vedava a distribuição de patrimônio ou

renda, sem prever que, por meio de uma série de artifícios, como o aumento artificial

de despesas ou altos pró-labores, o lucro fosse distribuído ao longo do exercício em

proveito de administradores e outros responsáveis pela gestão de instituições

imunes.

A Lei Complementar nº 104/01 mudou a redação para cobrir tais abusos. Em

termos práticos, pensamos que a alteração foi boa, uma vez que proporcionou

ganhos operacionais à Administração Pública. Agora, seus agentes podem autuar as

instituições que indiretamente distribuírem seus resultados mediante o oferecimento

de benesses aos seus criadores, gestores ou terceiros, sem ter que recorrer à

descaracterização destas.

No entanto, a nova redação também pode ensejar dificuldades. Assim, para

que se entenda com propriedade o que diz esse disposto legal, deve-se ter em

mente que distribuir uma parcela do patrimônio não é o mesmo que empregar

recursos na finalidade à qual se propôs a entidade.

A interpretação extrapolada do instituto levaria o exegeta a crer que a

entidade educacional só poderia arrecadar recursos, sem a possibilidade de gastá-

los em suas finalidades.

É evidente que a norma não proíbe que a entidade gaste seus recursos.

Segundo cremos, não distribui parcela do patrimônio a associação que concede

bolsas de estudos a pessoas carentes quando esse é um dos seus fins, por

exemplo. Tampouco é distribuição, a qualquer título, o pagamento de salários a seus

empregados. E, do mesmo jeito, não é distribuição o pagamento, pela entidade, de

tratamento médico hospitalar a um funcionário que necessite de intervenção médica

especial.

158

Nesses casos, há dispêndio de caixa pela entidade. No entanto, em todos

eles, o dinheiro está sendo investido em suas finalidades, ainda que não

diretamente.

“Distribuir” parcela do patrimônio, para efeitos desse dispositivo, é empregar

os recursos da instituição em finalidade diversa daquela à qual se propôs a

associação.

Ao analisar a questão, Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 398) faz uma

comparação interessante entre a não distribuição de lucros referente às entidades

educacionais sem fins lucrativos e a distribuição disfarçada de lucros prevista na

legislação do Imposto de Renda.

Segundo o autor (SCHOUERI, 2011, p. 398), tanto em um caso quanto o

outro, o que se está a averiguar é a distribuição equivocada decorrente de “ato

anormal de gestão”, teoria desenvolvida pelos franceses que se fundamenta na ideia

de que a atividade dos administradores de sociedades deve ser ditada pelos

interesses destas, não por mero interesse pessoal.

Em virtude da teoria do ato anormal de gestão, não se admite sejam

consideradas, na determinação do lucro tributável da empresa, as despesas que não

têm qualquer ligação com o interesse da empresa ou cujo valor seja fora dos

padrões normais.

Com razão o autor. Deveras, não é difícil transportar a teoria do ato anormal

de gestão para o tema das imunidades tributárias, de modo a concluir que a

entidade só distribui parcela de seu patrimônio quando se verifica a prática de ato

anormal de gestão.

Assim é que a entidade de educação, para que goze da imunidade tributária,

deve manter-se dentro do seu objeto social. Não pode distribuir lucro a seus sócios,

por óbvio, já que a Constituição Federal condiciona a imunidade aos fins não

lucrativos.

Outra questão a respeito da cláusula contida no artigo 14, I do Código

Tributário Nacional é aquela segundo a qual é defeso á associação ou fundação

remunerar seus administradores.

159

Esse não nos parece ser o entendimento correto do mencionado artigo. O

que se veda é a distribuição de uma parcela do patrimônio ou de suas rendas, a

qualquer titulo. Como apontado, a distribuição pressupõe um pagamento que se

desvia de suas finalidades, um ato anormal de gestão, como afirma Luís Eduardo

Schoueri (2011, p. 398).

Ora, considerando que as associações crescem geometricamente em

importância na sociedade brasileira, seria imaturo esperar que elas mantivessem

uma gestão amadora, composta apenas por voluntários. Se tal requisito pode ser

esperado de pequenas associações, hoje se identificam entidades de grande porte,

que cumprem papel importante na educação, cuja gestão exige a atuação

profissional.

Anormal seria que tais entidades, valendo-se de profissionais com dedicação

exclusiva à sua direção, não os remunerasse . Ora, a remuneração de tais

administradores, desde que baseada em critérios de mercado, não pode ser

considerada um ato atípico de gestão. Muito ao contrário. Atípico seria alguém

trabalhar sem ter a possibilidade de remuneração.

Por isso mesmo, o artigo 14 do Código Tributário não proíbe o pagamento do

trabalho de diretores, representantes e gerentes, já que não se pode conceber a

gratuidade de atividades regularmente prestadas, essenciais ao bom desempenho

das funções das pessoas imunes. O que se veda é a distribuição disfarçada de

lucro, contra trabalhos fictícios, não importando a denominação criada para o

pagamento.

Segundo Ricardo Lobo Torres (2005, p. 275), a vedação do artigo 14, I do

Código de Tributos não se estende ao pagamento de salários a cargos técnicos

exercidos pelos que trabalham na instituição educacional, desde que a preço de

mercado e sem benefícios indiretos. De modo diverso, atinge o recebimento, pelo

sócio que se retira, de sua cota acrescida da parcela correspondente a lucros.

Nessas pegadas, caminhou o entendimento do Supremo Tribunal Federal,

senão vejamos:

TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE ENTIDADE PRIVADA DE EDUCAÇÃO. HIPÓTESE EM QUE ELA NÃO SE CONFIGURA. EXIGÊNCIA DO ART. 14, I, DO CTN NÃO ATENDIDA. SE RESULTA DO ESTATUTO DA ENTIDADE EDUCACIONAL QUE O LUCRO OBTIDO, OU PARTE DELE, E, DE ALGUMA FORMA, DISTRIBUIÍDO AOS SÓCIOS, AO

160

INVÉS DE SER APLICADO EM BENEFÍCIO DA PRÓPRIA INSTITUIÇÃO E PARA ATENDIMENTO DE SUAS FINALIDADES, NÃO HÁ COMO TER SE COMO SATISFEITA A EXIGÊNCIA CONTIDA NO INCISO I E, POR VIA DE CONSEQUÊNCIA, NO INCISO II, AMBOS DO ART. 14 DO CTN. ASSIM, SE AO RETIRAR-SE, PODE O SÓCIO RECEBER A SUA COTA ACRESCIDA NÃO APENAS DO RESULTADO DA APLICAÇÃO MONETÁRIA, MAS TAMBÉM DE PARCELA CORRESPONDENTE A LUCROS, NÃO HÁ COMO RECONHECER A ENTIDADE O BENEFICIO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.

(RE 108737, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 25/10/1988, DJ 27-10-1989 PP-16392 EMENT VOL-01561-02 PP-00270)

Com toda razão esse arranjo. Os sócios só podem receber, em caso de

saída, o tanto que investiu mais a atualização monetária do período em que seu

capital não esteve ao seu dispor. Essa, inclusive, é a inteligência do já mencionado §

1º, do artigo 61 do Código Civil126.

3.7.4.2. Aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção

dos seus objetivos institucionais

Outro requisito estabelecido pelo artigo 14 do Código Tributário Nacional é

que vem no inciso II, exigindo que as instituições de educação imunes apliquem

integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos

institucionais.

O fim do referido afastamento é incentivar as instituições privadas a

auxiliarem o Estado na missão de proporcionar educação ao povo brasileiro ou

àqueles que aqui residam.

Logo, a princípio, não vislumbramos nessa exigência nenhuma irregularidade.

É legítimo que não se permita que os recursos sejam enviados para fora do país, até

porque isso acabaria dificultando a fiscalização da aplicação dos recursos em outros

países, colocando em risco os propósitos pretendidos com as imunidades tributárias.

Entretanto, em uma análise mais acurada, percebemos que a exigência

segundo a qual devem as entidades educacionais sem fins lucrativos,aplicar

exclusivamente no país seus recursos deve ser compreendida com algum cuidado.

126 § 1o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

161

Teria o legislador exigido que todos os gastos daquelas entidades se dessem

no país? E o que dizer de gastos com equipamentos adquiridos no exterior? Como

fica a instituição de ensino que paga um curso no exterior para o aperfeiçoamento

de seu quadro de pessoal? Ou, por exemplo, diante da exigência de tratamento

médico especial no exterior de um de seus funcionários, elas teriam sua imunidade

suspensa?

Parece-nos claro que mais adequado é o entendimento, segundo o qual se

espera que tais entidades apliquem os recursos no interesse do Brasil.

Segundo Aliomar Baleeiro (2010, p. 507), os fins educacionais é que se

devem realizar no país, aproveitando a este. Em suas palavras, “Não gozará da

imunidade (...) a associação voltada à prestação de socorros ou de recursos

educacionais à Abissínia”, por exemplo. O fim há de ser perseguido e realizado em

favor do Brasil.

Os fins, porém não os meios. Nesse diapasão, de acordo com o autor

(BALEEIRO, 2010, p. 508), não perde a imunidade a instituição que importa livros ou

que contrata um professor afamado para dar cursos em nosso país. Não se exclui,

outrossim, a bolsa concedida a estudante para seu aperfeiçoamento em país

estrangeiro.

Nesse sentido, ainda que os gastos tenham ocorrido efetivamente além das

fronteiras nacionais, desde que sejam eles voltados a atender uma necessidade da

instituição que, no país, desempenha importante função social, não há sentido em

suspender-lhe a imunidade tributária.

Não há que se questionar, portanto, a imunidade tributária de instituição que

invista em solo estrangeiro, mas busque objetivos nacionais, como também não a

que mantenha cursos ou pesquisa para brasileiros no exterior, nem a que, no Brasil,

eduque filhos de estrangeiros.

É o caso do RE n. 70.541 que, à luz da Constituição de 1967, cassou a

suspensão da imunidade da Escola Americana do Rio de Janeiro com o argumento

de que tal entidade cumpria perfeitamente aos requisitos do artigo 14 do Código

Tributário Nacional, ex vi:

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE QUE GOZAM AS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO. APLICAÇÃO DOS ARTS. 20, III, C, DA CONSTITUIÇÃO DE 1967, DO ART. 19, III, C, DA E.C. N. 1, DE 17.10.69, E DO ART. 14 DA LEI

162

N. 5.172/66 (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

(RE 70541, Relator(a): Min. BARROS MONTEIRO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/03/1971, DJ 07-05-1971 PP-*****)

Ainda sobre a matéria, Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 399) levanta

interessante questão, afirmando que devemos levar em conta que na época da

edição do Código Tributário Nacional, em 1966, não se cogitava ser interesse do

país a aplicação de recursos no exterior. Contudo, os últimos anos têm mostrado

uma atuação brasileira como sujeito de direito internacional, assumindo

responsabilidades por ações sociais, mesmo que além-fronteiras.

A pergunta que surge, então, é: Se o Estado brasileiro pode assim agir, não

haveria espaço para que o terceiro setor tomasse idêntico rumo, sem perder a

imunidade?

Segundo o autor (SCHOUERI, 2011, p. 399-400), a reposta parece estar no

tema do controle: enquanto aplicando seus recursos no país, tais entidades podem

ser controladas, de modo que se assegure não sejam suas ações uma forma

indireta de distribuir lucros, de modo diverso, com a ação se dando fora do país,

torna-se impossível tal fiscalização. Daí a conveniência de se limitar a imunidade a

ações no interesse do Brasil e aqui contabilizadas.

Outro tema interessante, este levantado por Daniela Tadei Mailer (2012, p.

84-86), diz respeito aos investimentos em private equity127. Tais investimentos,

relacionados ao tipo de capital empregado nos fundos, são constituídos, em sua

maioria, por acordos contratuais privados entre investidores e gestores, não sendo

oferecidos abertamente no mercado, mas mediante colocação privada, podendo ser

nacionais ou internacionais.

Tais investimentos são realizados via o aporte de capital nas empresas, pela

aquisição de ações ou título de dívida conversíveis em ações. Dessa forma, os

investidores tornam-se acionistas das companhias em que investem, podendo

participar ativamente da estratégia do negócio.

Segundo a autora (MAILER, 2012, p. 85), os investimentos em private equity

vêm ao encontro dos constantes esforços do mercado e governo em promover o 127 No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários é responsável pela regulamentação e fiscalização de tais fundos, bem como da atuação de seus gestores. É aplicável a Instrução CVM n. 391/03 (Fundos de Investimentos em Participações – aplicáveis aos veículos de venture capital e private equity). Seja qual for a formação do fundo, sua gestão fica a cargo de empresas especializadas.

163

aperfeiçoamento dos veículos de intermediação de recursos financeiros, tendo como

foco proporcionar aos empreendedores maior acesso ao capital e, assim, contribuir

para o crescimento econômico sustentável do país.

Ora, no cenário jurídico atual, tanto pessoas físicas quanto jurídicas estão

autorizadas a investir em aplicações financeiras no Brasil e no exterior, a fim de

rentabilizar cada vez mais seu capital.

Diante de tais assertivas, aplicando tais informações ao cenário tributário

brasileiro, Daniela Tadei Mailer (2012, p. 85) afirma que o Código Tributário

Nacional, à época de sua instituição, em 1966, não estava apto a prever tamanhas

transformações jurídicas, financeiras e tecnológicas; não poderia prever que o

mundo estaria tão globalizado, que o sistema financeiro possibilitaria a franca

transação entre países e que os contribuintes estariam cada vez mais preocupados

em maximizar suas receitas sem, contudo, afrontar os ditames legais.

De acordo com a lei tributária em vigor, se uma instituição de educação sem

fins lucrativos vier a realizar qualquer aplicação fora do Brasil, seria motivo suficiente

para a suspensão de sua imunidade tributária, a teor do artigo 14, II e § 1o do

Código de Tributos.

De acordo com Daniela Tadei Mailer (2012, p. 86), em uma interpretação

mais flexível, seria possível a uma instituição de ensino, sem fins lucrativos, aplicar o

superávit que tiver em investimentos de private equity, sem que, com tal medida,

perdesse o gozo da imunidade tributária que desfruta, já que os recursos são

originalmente investidos no Brasil, e os acréscimos financeiros decorrentes desses

investimentos serão destinados exclusivamente à consecução da atividade-fim do

ente imune.

A argumentação da autora é, por certo, sedutora. Mas existe um empecilho a

dificultar nossa concordância quanto à matéria. E ele diz com o tema do controle,

assim como Luís Eduardo Schoueri (2011) o fez no exemplo dado agora há pouco.

Apesar de concordar que o Código Tributário é antigo e, naquela época, não

se podia prever uma série de novidades, a aplicação dos recursos dessas entidades

em solo pátrio tem razão de ser por, pelo menos, dois motivos: manter o recurso

girando no Brasil e ser possível à Administração Tributária fiscalizar se as entidades

164

imunes estão realmente a merecer tal importante predicado ou se são apenas de

fachada.

As sobras de caixa verificadas ao longo do ano pelas instituições de ensino

deverão, pois, ser mantidas em fundos de investimento que investem em âmbito

nacional.

3.7.4.3. Manter escrituração de suas receitas e des pesas em livros revestidos

de formalidades capazes de assegurar sua exatidão

A terceira condição formulada pelo Código Tributário Nacional, constante do

artigo 14, III, é a de manterem as instituições educacionais a escrituração de suas

receitas e despesas em livros revestidos das formalidades capazes de assegurar

sua exatidão.

A reivindicação, conhecida como dever instrumental tributário, tem como fito

fornecer à Administração Pública os meios de verificar se os requisitos elencados

nos incisos I e II foram realmente obedecidos.

Sobre esse assunto, é necessário fazermos um parêntese para lembrarmos

que, no direito tributário podemos, verificar a ocorrência de duas espécies de relação

jurídica. É que, no contexto da atividade tributária brasileira, é imposta uma série de

deveres aos cidadãos, a fim de que seja possível à Administração tributária verificar

ou não a ocorrência dos fatos descritos na hipótese de incidência de determinado

tributo.

Como nos ensina José Souto Maior Borges (2007, p. 334-335), além da

obrigação tributária, conhecida como principal, a lei pode estabelecer obrigações

acessórias tendo por objeto prestações positivas ou negativas no interesse da

arrecadação e fiscalização de tributos.

Temos, assim, a relação obrigacional tributária propriamente dita, que é o

vínculo que desponta entre o contribuinte e o Fisco tão logo seja verificada a

imputação normativa tributária. Segundo esse vínculo, pode, o sujeito ativo, exigir

do sujeito passivo a prestação de cunho patrimonial, conhecida como tributo.

165

Como também temos uma segunda modalidade de relação jurídica tributária,

essa de cunho não obrigacional, mediante a qual o sujeito ativo pode exigir do

sujeito passivo, uma prestação consistente na realização de certos comportamentos

destinados a assegurar o cumprimento da obrigação tributária. São as chamadas

obrigações acessórias, como diz o artigo 113 do Código Tributário Nacional128 ou,

como prefere Roque Antonio Carrazza (2013) os deveres instrumentais tributários.

Ricardo Lobo Torres (2005, p. 97-99), ao enxergar a imunidade tributária

como uma limitação do poder de tributar fundada na liberdade absoluta, tendo por

origem os direitos morais e por fonte a Constituição, assevera que essa modalidade

de exoneração fiscal possui eficácia declaratória, é irrevogável e abrange tanto a

obrigação principal como a acessória.

Regina Helena Costa (2006, p. 48), de modo contrário, é da opinião que os

deveres de contorno permanecem exigíveis frente ao comando imunizatório.

Pensamos estar com razão a autora. Ora, na prática, as imunidades

condicionadas, como é o caso da destinadas às instituições de educação,

demandam a observância de deveres instrumentais para que o direito constitucional

possa ser utilizado.

Logo, somos da opinião que as normas imunizantes devam atingir tão

somente a relação jurídica obrigacional tributária, restando intactos os deveres

instrumentais tributários. Assim, o beneficiário da imunidade é sujeito passivo nas

relações não obrigacionais tributárias a ele pertinentes. Desse modo, o inciso III do

artigo 14 do Código Tributário Nacional contempla uma exigência muito importante a

ser feita aos que pretendem usufruir do amparo proporcionado pelo regime das

imunidades, consistente em manter escrituração em livros próprios das suas receitas

e despesas.

Trata-se de uma exigência que tem por finalidade primordial coibir que as

instituições sem fins lucrativos sejam utilizadas para a exploração econômica da

atividade educacional, o que é repudiado pelo sistema. 128 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

166

É importante que a Administração seja rigorosa no ato de verificar o

cumprimento desse requisito. Todavia, nunca pode perder de vista o seu fim

precípuo, que é fazer com que esses documentos sirvam para que a Administração

exerça o controle do desenvolvimento das atividades das instituições sem fins

lucrativos. Em outros termos, que sejam capazes de comprovar que tudo o que foi

arrecadado foi reinvestido na própria instituição.

Assim, entendemos que mesmo que os livros mantidos pela instituição não

estejam totalmente revestidos das exigências formais impostas pelo sistema, se os

documentos apresentados pela instituição são capazes de comprovar que não

ocorreram desvios de recursos, cumprida estará a exigência do inciso III do artigo 14

do Código de Tributos. Até porque o dispositivo não especifica quais são esses

livros. Não se pode, por apego à forma, desvirtuar o fim teleológico pretendido com a

exigência.

Nessa esteira, como afirma Clélio Chiesa (2013, p. 95), pode ser que

determinada instituição sem fins lucrativos não possua todos os livros exigidos pela

legislação ordinária, entretanto, se lograr êxito em demonstrar, com os que

possuem, que não ocorreram desvios na aplicação de recursos e malversação do

patrimônio, o seu direito à imunidade não pode ser suspenso com base no inciso III

do artigo 14 do Código Tributário Nacional.

3.7.4.4. Suspenção da imunidade tributária

Segundo o § 1º do artigo 14 do Código Tributário Nacional, na falta de

cumprimento dos requisitos dispostos nos incisos I, II e III129, assim como do § 1º do

129 Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

167

artigo 9º130, a autoridade competente pode suspender a aplicação da imunidade

tributária das entidades beneficiadas.

Como dissemos, as instituições de educação possuem o direito público

subjetivo de não verem tributadas a renda, o patrimônio e os serviços por elas

prestados, desde que atendidos os requisitos da lei. Tal norma tem eficácia

imediata, produzindo seus efeitos independentemente de manifestação estatal

acerca do cumprimento ou não das condições legais.

É possível, entretanto, que durante uma averiguação do Poder Público, reste

comprovado que algum requisito constante da lei complementar não está sendo

fielmente implementado. Diante dessa realidade, pode a autoridade suspender o

gozo de tal benefício, após competente processo administrativo fiscal.

Sacha Calmon Navarro Coêlho (1998, p. 231), em seus ensinamentos, alega

não poder as pessoas políticas instituir requisitos diversos daqueles previstos no

Código Tributário Nacional, que tem a tarefa de complementar o que está disposto

na Constituição Federal.

Ainda de acordo com o autor (COÊLHO, 1988, p. 231), tampouco depende o

gozo da imunidade de requerimento ou petição. Nessa vereda, a instituição imune

que se encaixe na previsão constitucional, observados os requisitos do Código de

Tributos, tem, desde logo, direito. Assim, não pagará imposto, prescindindo, para

tanto de qualquer autorização, licença ou alvará.

É irrefutável que o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988

contempla uma hipótese de imunidade condicionada em que as instituições de

educação devem preencher os requisitos do Código Tributário Nacional. Também é

indiscutível que compete à Fazenda Pública verificar se tais requisitos estão sendo

cumpridos e, para tanto, pode expedir ato administrativo visando reconhecer ou não

o atendimento a tais requisitos (CHIESA, 2013, p. 95).

Não obstante, não nos parece que a Administração possa exigir que as

instituições interessadas formulem requerimento para que tenham o direito à

imunidade reconhecido. Nesse sentido, não podem, por exemplo, estabelecer que

130 § 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.

168

somente terão direito à imunidade a partir da data do protocolo do pedido ou coisa

que o valha.

Ademais, nunca é demais lembrar que a competência para regulamentar as

imunidades tributárias é reservada ao Congresso Nacional, que deve fazer isso por

meio de lei complementar. Não compete às pessoas políticas dispor sobre o

procedimento que deve ser adotado para a fruição de determinada imunidade.

Como não há lei complementar editada pelo Congresso Nacional exigindo tal

providência para que a instituição de educação tenha direito à fruição da imunidade

contemplada no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988, não se pode

exigir dela que requeira, mediante petição, a observância da imunidade a si

destinada, sob pena de se violar o Código Tributário Nacional e a Constituição

Federal.

O que a lei assegura ao Fisco, faltando o implemento dos requisitos do artigos

9º, § 1º, 14, I, II, III, é o poder de suspender o benefício, desde que, em regular

processo administrativo, reste desconhecida qualquer das previsões inerentes à

utilização das imunidades tributárias.

E tão logo a instituição imune volte a cumpri os requisitos, retorna seu direito

subjetivo à imunidade. Com efeito, à autoridade administrativa é vedado cassar a

imunidade. Pode apenas suspendê-las naqueles casos previstos, mas não extingui-

la para sempre.

Disso decorre a seguinte indagação: O não cumprimento de quaisquer

deveres instrumentais criados pela pessoa política competente para tributar pode

levar à suspensão da fruição de determinada imunidade?

É incontestável que a União, os Estados, os Municípios e ao Distrito Federal

são competentes para instituir os deveres instrumentais que entenderem adequadas

à fiscalização dos tributos de suas respectivas competências.

O que não podem é pretender que o descumprimento de tais deveres

implique a suspensão ao gozo de certa imunidade, pois isso caracterizaria uma

invasão de competência.

Como afirma Clélio Chiesa (2013, p. 97), ao suspender a imunidade de

determinada instituição valendo-se do não cumprimento de obrigações acessórias

169

impostas por si aos contribuintes, a pessoa política estaria, em verdade, incluindo a

referida obrigação no rol das exigências do artigo 14 do Código Tributário, o que lhe

é vedado pelo sistema, posto ser a competência para regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar de caráter exclusivo do Congresso Nacional.

Não podem, por exemplo, os municípios estipularem que as instituições de

educação sem fins lucrativos devem expedir uma nota fiscal para cada mensalidade

cobrada alegando que, se descumprido tal requisito, sua imunidade tributária

restaria suspensa.

De acordo com esse raciocínio, na esteira do autor (CHIESA, 2013, p. 97-98),

podemos afirmar que às pessoas políticas é defesa a competência para suspender a

fruição de determinada imunidade em decorrência de infração a deveres

instrumentais por si criados. Poderão até imputar outras consequências, como

multas, mas não suspender.

Antes de passarmos ao próximo ponto, uma última pergunta ainda deve ser

feita: A não retenção de tributos pode levar à suspensão da imunidade?

Isso porque, muito embora as instituições educacionais sem fins lucrativos

não sejam obrigadas a bancar os próprios impostos, podem ser compelidas a

recolher tributos na condição de responsáveis tributárias. Não há qualquer

empecilho para tanto.

Se assim é, quais são as consequências que podem ser atribuídas à hipótese

de tal dever não ter sido ser adimplido? É saber: se uma instituição de educação

sem fins lucrativos deixar de pagar tributos de terceiros cuja responsabilidade pelo

recolhimento a ela foi imputada, terá o seu regime de imune suspenso e a partir de

então será obrigada a recolher também os seus impostos como se não fosse imune?

Pensamos que a resposta é negativa. E, de acordo com o que temos falado,

ao menos dois são os fundamentos.

Primeiro porque o artigo 14 do Código Tributário Nacional não contempla tal

exigência. E se não contempla, não se pode exigir do contribuinte o cumprimento de

pressupostos que não se encontram disciplinados em lei complementar.

170

Segundo porque, como já dissemos, as pessoas políticas de direito público

interno não têm competência para regulamentar a fruição das imunidades

condicionadas. Tal atribuição compete ao Congresso Nacional.

Pensamos que essa linha de argumentação se aplica a toda e qualquer

norma editada por uma das unidades federativas que imputar como consequência

pelo descumprimento de um dever por si criado a suspensão da fruição da

imunidade tributária trazida pelo artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988.

3.7.4.5. Serviços diretamente relacionados com os o bjetivos institucionais das

entidades

Adentrando nas palavras finais quanto à análise do Código Tributário

Nacional, dispõe seu artigo 14, § 2º que:

Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são,

exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das

entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos

constitutivos.

Este mandamento repete o que está previsto na Constituição Federal, de

maneira que devem as entidades educacionais sem fins lucrativos aplicar

integralmente seus recursos em seus objetivos institucionais, sob pena de virem a

imunidade a elas destinada suspensa.

Quando falamos, no item 3.6, de como deveríamos interpretar a cláusula

relacionada com as finalidades essenciais contidas no § 4o do artigo 150 da

Constituição Federal, desenvolvemos todos os pontos que consideramos essenciais

ao entendimento da matéria, de modo que pedimos licença para não fazermos de

novo aqui.

171

3.8. A Lei Federal nº 9.532/97

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 146, II, caber à lei

complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. O artigo

150, VI, “c”, por seu turno, assegurou a imunidade das instituições de educação,

desde que atendidos os requisitos da lei.

Desse modo, a imunidade das instituições de educação subordina-se hoje: (i)

aos requisitos de legitimação estabelecidos na lei complementar, qual seja, o Código

Tributário Nacional, mais especificamente em seus artigos 9º e 14; (ii) aos requisitos

da lei ordinária concernentes à configuração das instituições de educação imunes no

plano das relações privadas; (iii) e a leis, que, a teor de dar procedimentalidade às

diretrizes do Código Tributário Nacional, instituem outros deveres, conhecidos como

instrumentais.

A Lei n° 9.532/97 é um desses exemplos de lei que, regulamentado o Código

de Tributos, estabelece inúmeros requisitos para a fruição da imunidade tributária

das instituições de educação.

Logo de entrada cumpre esclarecer que, assim como somente cabe à lei

complementar explicitar o que está previsto no Texto Constitucional, não podendo

alterar-lhe o teor, a lei ordinária está adstrita a esclarecer o conteúdo da lei

complementar.

Traçado esse norte, deve a Lei Federal nº 9.532/97 complementar o disposto

no Código Tributário Nacional, disciplinando deveres instrumentais que facilitem a

investigação das entidades imunes pela Administração Pública, sem, contudo,

mitigar a dimensão do comando constitucional.

Tecidas essas considerações, examinemos a citada lei, fazendo os

apontamentos necessários:

Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

§ 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.

172

§ 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:

a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;

b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;

c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;

d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;

e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;

f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;

g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público.

h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo.

§ 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a qu e não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.

Em sua maioria, parece-nos que as condições trazidas pela Lei n° 9.532/97

ou são epidérmicas e, portanto, inócuas, ou eivadas de flagrante

inconstitucionalidade, a depender do caso. Há, no entanto, comandos úteis.

Diante do assentado, podemos ver que caput do artigo 12 prescreve que as

instituições educacionais coloquem seus serviços à disposição da população em

geral, em caráter complementar às atividades do Estado.

Tal exigência, a nosso ver, destoa do apregoado na Constituição Federal,

restringindo o usufruto da imunidade tributária àquelas entidades que se amoldam

ao comando infraconstitucional, colocando seus serviços à disposição de toda a

comunidade, sem restrições.

Segundo Regina Helena Costa (2006, p. 182), as atividades desenvolvidas

pelas instituições de educação sem fins lucrativos ajudam a suprir as deficiências do

próprio Estado. Este, por óbvio, tem de desenvolver as atividades direcionadas à

coletividade por força do princípio da supremacia do interesse público sobre o

particular. Tais entidades, no entanto, a isso não estão obrigadas.

173

Nas palavras da autora (COSTA, 2006, p. 182), as instituições de educação

podem exercer suas atividades de maneira setorizada, voltadas para um universo

específico de pessoas, pois ainda assim estarão a auxiliar a Administração Pública a

suprir suas deficiências no campo da prestação educacional.

Roque Antonio Carrazza (2013, p. 892), por sua vez, alega que a imunidade

tributária alcança apenas as entidades que, além de preencherem os requisitos

constitucionais e legais, visem à formação ou à instrução das pessoas em geral. No

entanto, adverte que o requisito da generalidade deve ser entendido em termos.

Nesse sentido, desnecessário, para que ele seja preenchido, que a escola esteja

aberta a toda a coletividade, bastando apenas que não faça discriminações

arbitrárias, restringindo demasiadamente o acesso a seus cursos.

De modo contrário, Ricardo Lobo Torres (2005, p. 283) crê que a

generalidade do atendimento prevista no artigo 12 da Lei nº 9.532/97 é decorrência

lógica da caracterização da pessoa imune.

Tomando como base o Código Tributário alemão, o autor (TORRES, 2005, p.

283) afirma que deixa de ocorrer promoção social quando o currículo de pessoas

beneficiadas é muito restrito, de modo que, para ser atingida pela norma imunizante,

torna-se necessário que a instituição de educação abra atendimento à população em

geral, sem qualquer tipo de discriminação.

Como já apontamos, concordamos com a posição de Regina Helena Costa

(2006) e Roque Antonio Carrazza (2013). Com efeito, a generalidade não deve ser

entendida em termos absolutos. Não devem as instituições sujeitas à imunidade do

artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal restringir o acesso aos seus serviços. No

entanto, podem trabalhar com um determinado segmento social. Nesse sentido, o

público seria limitado, mas, ainda assim, indeterminável.

O que importa é que as instituições de educação sejam impessoais, atingindo

gêneros de situações, categorias de pessoas e não casos isolados. Só assim o

desiderato constitucional estaria atingido.

Ademais, como vimos, no atual estágio da jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, o critério da generalidade do atendimento proporcionado pela

instituição para o reconhecimento de sua imunidade fiscal não é mais exigido.

O caput do artigo 12 da Lei n° 9.532/97 é, pois, inconstit ucional.

174

O § 1º do mencionado artigo, no mesmo norte, restringe o que está disposto

na Constituição Federal ao tentar excluir certos tipos de renda do manto imunizador,

o que nos autoriza a também considerá-lo inconstitucional.

Por sinal, este parágrafo, bem como a alínea “f” do § 2° tiveram a sua

vigência suspensa pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação

Direta de Inconstitucionalidade – ADIn n° 1.802, ex vi:

EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma vez adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinência temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada pela autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a ausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): "instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei": delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida - como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é necessária à decisão cautelar da ação direta. (ADI 1802 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998, DJ 13-02-2004 PP-00010 EMENT VOL-02139-01 PP-00064)

A alínea “a”, do § 2º, do artigo 12 da Lei n° 9.532 /1997, do mesmo modo, não

encontra guarida no Texto Constitucional. Como já mencionamos, a remuneração de

diretores e dirigentes das instituições imunes pelos serviços efetivamente prestados

não configura distribuição de patrimônio ou renda.

Em primeiro lugar, como afirma Misabel Abreu Machado Derzi (2013, p. 233),

é de se observar que a Lei n° 9.532/1997 é flagrant emente discriminatória, eis que

proíbe a remuneração dos dirigentes de instituições de educação, mas não a dos

175

dirigentes de sindicatos e partidos políticos. Por quê? As mesmas razões para o

desvio das finalidades essenciais são persistentes em relação a estes.

Na esteira da autora (DERZI, 2013, p. 234) somos da opinião que a alínea “a”,

do § 2°, do artigo 12, da Lei n° 9.532/1997, não me rece acolhida na ordem jurídica

nacional, eis que a Lei Complementar n° 104/01, ao modificar o artigo 14 do Código

Tributário Nacional, não colocou entre os requisitos para o gozo da imunidade do

artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal, a proibição de remunerar os diretores da

instituição imune.

E mais, sendo a Lei Complementar n° 104/2001 poster ior à Lei n° 9.532/97,

revogou-a implicitamente, em parte, pois ambos são específicos e disciplinam

expressamente os requisitos ao gozo da imunidade do mencionado artigo 150, VI,

“c” do Texto Constitucional.

Sobre a questão da remuneração dos dirigentes das instituições

educacionais, a Instrução Normativa SRF n. 113, de 21 de dezembro de 1998,

estabeleceu parâmetros para a aplicação da alínea “a”, do § 2°, da Lei n°

9.532/1997, atenuando seus efeitos.

Isso porque diferencia entre dirigente da entidade imune, que é aquele que

teria poderes de assumir obrigações em nome da instituição, a quem é vedado

remunerar, e gerente da mesma entidade imune, que é aquele que presta serviços

internos. Vejamos:

Art. 1° As instituições que prestem serviços de ser viço de ensino pré-escolar, fundamental, médico e superior, atendidas condições referidas nesta Instrução Normativa, poderão usufruir da imunidade relativa a sua patrimônio, renda e serviços, assegurada pelo art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição, não se lhes aplicando a hipótese de isenção.

[...]

Art. 4° Para gozo da imunidade, as instituições imu nes de que trata o art. 1° não podem remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados.

§ 1° Para efeito do disposto neste artigo, entende- se como dirigente a pessoa física que exerça função ou cargo de direção da pessoa jurídica, com competência para adquirir direitos e assumir obrigações em nome desta, interna ou externamente, ainda que em conjunto com outra pessoa, nos atos em que a instituição seja parte.

§ 2° Não se considera dirigente a pessoa física que exerça função ou cargo de gerência ou de chefia interna na pessoa jurídica.

§ 3° A instituição que atribuir remuneração, a qual quer título, a seus dirigentes, por qualquer espécie de serviços prestados, inclusive quando

176

não relacionados com a função ou o cargo de direção, infringe o disposto no caput, sujeitando-se à suspensão do gozo da imunidade.

§ 4° Às pessoas a que se refere o § 2° podem ser at ribuídas remunerações, tanto em relação à função ou cargo de gerência, quanto a outros serviços prestados à instituição.

Como se vê, apesar das restrições inconstitucionais derivadas da Lei n°

9.532/1997, as diferenciações feitas pela própria Secretaria da Receita Federal do

Brasil admitem uma interpretação menos rígida.

De todo modo, a citada alínea “a”, do § 2°, da Lei n° 9.532/1997 jamais foi

aceita pelo Conselho de Contribuintes, que somente se refere ao artigo 14 do

Código Tributário Nacional, em todas as suas decisões sobre a imunidade tributária

em questão. Eis alguns exemplos:

Instituições de educação. Suspensão da imunidade tributária. As instituições de educação podem ter a imunidade tributária suspensa nos precisos termos do § 1° do art. 14 do Código Tributário Naci onal, por descumprimento dos incisos I e II do mesmo artigo. Porém, o pagamento regular de salários e outros benefícios aos diretores não caracteriza a distribuição de lucros ou rendas a dirigentes ou participação nos resultados pelos seus administradores, por terem sido considerados excessivos.

(Ac. n° 101-93.916, de 21.08.2002).

IRPJ. Instituições de educação. Suspensão da imunidade tributária. As mantenedoras de estabelecimentos de ensino podem ter a imunidade tributária suspensa nos precisos termos do § 1° do art. 14 do Código Tributário Nacional, por descumprimento do inciso I do mesmo artigo. Porém, o pagamento regular de salários e outras rubricas trabalhistas, em retribuição de serviços prestados ao estabelecimento mantido, não caracteriza, por si só, desobediência ao comando legal, exceto quando a fiscalização provar que a situação assim apresentada configura distribuirão simulada de resultados, o que não foi sequer aventado nos autos.

CSLL. Suspensão da isenção. Não é suficiente para se considerar desatendido o disposto no § 2° do art. 12 da Lei n° 9.532/97 o regular pagamento de salários aos dirigentes da mantenedora em retribuição a serviços prestados na entidade mantida, quando fiscalização não provar que a situação apresentada configura distribuição simulada de resultados, o que não foi sequer aventado nos autos

(Ac. n° 107-07.340, de 15.10.03)

Recurso de oficio: instituição de educação. Imunidade. Suspensão. Improcedência. A suspensão de imunidade de Instituição de educação, para que seja eficaz, deve estar calcada em sólidas provas do desvio de finalidade de que trata o art. 14 do CTN, não se prestando como tais: (i) a acusação de insuficiência de recolhimento de IRF que, ao fim e ao cabo, quando dos lançamentos se seguiram, a constituição do crédito tributário, não foram tomados em consideração, (ii) despesas contabilizadas que, pela sua natureza, ainda que possam ser tomadas como indedutíveis, não representaram distribuição de qualquer parcela do patrimônio ou de rendas da entidade e (iii) o pagamento de remuneração a dirigentes ocupantes de

177

cargos executivos. Precedentes do Poder Judiciário e dos Conselhos de Contribuintes.

IRPJ/CSLL. Manutenção da imunidade. Improcedência. Mantida a imunidade da instituição no julgamento do processo decorrente de sua suspensão, não é cabível a manutenção dos lançamentos decorrentes da quebra então decretada pelo Delegado da Receita Federal

(Ac. nº 107-08.343, de 09.11.2005)

Com isso, verifica-se que o pagamento de salários e outras retribuições,

desde que possuam natureza trabalhista, não configuram desrespeito aos requisitos

do artigo 14 do Código Tributário Nacional.

As alíneas “b” e “c”, do §, do artigo 12, da Lei nº 9.532/97 apenas repetem o

que já foi dito pelo artigo 14, II e III, do Código Tributário Nacional, de maneira que a

existência delas é desnecessária.

A alínea “d”, do §2º, do artigo 12, da Lei nº 9.532/97, exige que a instituição

imune conserve, em boa ordem, pelo prazo de cinco anos os documentos que

comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim

a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua

situação patrimonial.

A regra decorre daquela que obriga a escrituração completa de receitas e

despesas e coincide com as normas gerais sobre deveres instrumentais aplicadas

aos pagadores de tributos, pelo que desnecessita ser veiculada por de lei

complementar.

A obrigatoriedade de declaração anual de rendimentos, contida no artigo 12, §

2°, “e”, da Lei 9.532/97), recaindo sobre o univers o dos contribuintes, segundo

pensamos, não constitui regra especial que possa prejudicar direitos fundamentais.

A alínea “f”, do § 2º, do artigo 12, da Lei nº 9.532/97, por força da já

mencionada ADIn nº 1802-3, teve sua eficácia suspensa. Sua inconstitucionalidade

deriva da criação de requisitos relativos à responsabilidade tributária das entidades

ora em comento não previstas na Constituição Federal nem no Código Tributário, o

que é vedado pelo sistema, como já vimos.

A alínea “g”, do § 2º, do artigo 12, da Lei nº 9.532/97, por outro lado, exige

que a instituição de educação assegure a destinação de seu patrimônio a outra

instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de

178

incorporações, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão

público.

Ora, quando tratamos das associações e fundações, vimos que esta é uma

exigência própria de tais pessoas jurídicas de direito privado, trazidas nos artigos 61

e 69 do Código Civil, de modo que não há qualquer problema com a repetição da

exigência. Pensamos apenas que ela é desnecessária.

A alínea “h”, do § 2º, do artigo 12, da Lei nº 9.532/97, por sua vez, é válida,

desde que não altere conceitos jurídicos trazidos pela Constituição Federal, bem

como pelo Código Tributário Nacional.

Por fim, o artigo 12, § 3°, da Lei nº 9.532/97, com a nova redação dada pelo

artigo 10 da Lei nº 9.732/98, considera sem fins lucrativos a entidade que não

apresente superávit em suas contas, ou, caso apresente, destine-o, integralmente, à

manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.

A nova redação veio para corrigir a exigência originária de que o superávit

fosse destinado ao incremento do ativo imobilizado da entidade imune, que,

compreendido em sua literalidade, inviabilizaria, de modo absoluto, as atividades

das instituições beneficentes.

Temos, pois, que mencionado § 3º, do artigo 12, da Lei nº 9.532/97,

concretiza o disposto no artigo 14, II do Código Tributário Nacional, de modo que é

válido.

179

CONCLUSÃO

1. Ao cabo de nossa jornada, em relação à evolução histórica pela qual

passou o Estado ocidental e quais foram as implicações deste processo perante os

tributos e a participação social em determinadas atividades de interesse público,

podemos concluir que:

1.1. As funções mínimas do Estado, indispensáveis à sua existência, são: (i) a

de resolver conflitos; (ii) a de valer-se da força para resolvê-los e (iii) a de impor

tributos, sem os quais não pode desenvolver nenhuma das funções anteriores;

1.2. No Estado da Antiguidade, o centro de poder de onde irradiavam todas

as manifestações de força é a cidade;

1.3. Na Antiguidade, os tributos não eram destinados aos homens livres, mas

somente àqueles que tivessem sua liberdade, de alguma maneira, tolhida;

1.4. Na base social do período feudal verificava-se a relação servil, marcada

pela miséria;

1.5. Do servo, detentor de direitos e obrigações perante seu senhor, eram

exigidos, em caráter contratual, o cumprimento de deveres, alguns deles de caráter

pecuniário;

1.6. Com o declínio do feudalismo, o incipiente Estado absolutista, a fim de

fazer frente às suas despesas, principia a cobrar certas “taxas” da população;

1.7. Socialmente falando, no período absolutista, justifica-se toda e qualquer

atuação do monarca;

1.8 A ideia de limitação do poder afirma-se com o advento do Estado liberal e

sua evolução. A intenção central que dominava o período era a de circunscrever o

poder absoluto desenvolvido nos séculos anteriores;

1.9. O Estado de direito é um Estado liberal de direito, em que as ordens

econômica e social são relegadas aos indivíduos, cabendo ao Poder Público garantir

apenas a ordem e a segurança pública;

180

1.10. Na modelagem de Estado em que o direito prevalece, o poder tributário

deixa de ser um poder de fato, mera relação tributária de força para converter-se

num poder jurídico, que se exerce através de normas;

1.11. A tributação do período liberal possuía um caráter minimalista: ao

Estado não incumbia intervir na economia, nem que fosse mediante o uso de

tributos;

1.12. A fim de responder às necessidades sociais provocadas pelo fracasso

do liberalismo econômico, o Estado social nasceu intervindo na economia e na

sociedade com o intuito de promover o bem-estar comum;

1.13. A figura do Estado que concentrava em si mesmo as funções de intervir,

fomentar e participar ativamente na economia tornou-se insustentável com o

crescimento populacional;

1.14. Nem individualista, nem anestesiada, a sociedade do Estado subsidiário

toma para si a responsabilidade de participar de atividades em que reconhece seus

interesses;

1.15. Com a retomada da participação popular em atividades de fins sociais, a

tributação excessiva entra em cheque;

1.16. Diante da lógica subsidiária, as chamadas limitações constitucionais ao

poder de tributar, dentre elas as imunidades concedidas às instituições de educação,

revestem-se de especial importância, conferindo à sociedade zonas de

intributabilidade, desde que esta atue em favor do bem comum;

1.17. O Estado social e democrático de direito impõe a participação dos

cidadãos, tanto no processo político quanto nas atividades de relevante interesse

social;

1.18. O princípio da subsidiariedade obriga que o Estado atue de maneira

equilibrada na sociedade, de modo a não arrogar para si todas as funções políticas,

econômicas e sociais, nem as deixe unicamente sob os cuidados dos cidadãos e de

suas formas de agrupamento;

1.19. O Estado social e democrático de direito que floresceu, no Brasil, com a

promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a sociedade deveria

181

participar não só do processo político e das decisões de governo, mas também das

atividades de relevante interesse público;

1.20. Em razão da impossibilidade fática do Estado brasileiro atender aos

novos anseios do povo, o chamamento da sociedade a participar de atividades

relacionadas à tutela do bem comum mostrou-se imperiosa;

1.21. Terceiro setor é o termo pelo qual se passou a designar, genericamente,

o grupo formado por organizações da sociedade civil que, unidas pelo direito de livre

associação, e não possuindo finalidade lucrativa, tem como escopo tutelar o bem

comum.

2. De nossa análise sobre o ordenamento jurídico nacional, com ênfase nos

preceitos constitucionais e tributários referentes às imunidades tributárias, podemos

concluir que:

2.1. A Constituição Federal de 1988 é a norma capital do ordenamento

jurídico brasileiro. Como decorrência lógica, também nela se apoia o sistema

tributário nacional e, consequentemente, as imunidades tributárias;

2.2. O primeiro fundamento genérico da imunidade tributária é a hipertrofia

constitucional brasileira;

2.3. O segundo fundamento genérico da imunidade tributária reside no fato de

ela ter por alicerce uma Constituição rígida. E, no que tange às imunidades, essa

rigidez constitucional brasileira atinge seu clímax, tornando-as cláusulas pétreas;

2.4. O terceiro e último fundamento genérico das imunidades tributárias é o

conjunto de valores que a Constituição Federal carreia. Nessa toada, as imunidades

constituem importantes promotores dos primados do interesse público primário e da

isonomia;

2.5. Representantes do núcleo duro constitucional, os direitos fundamentais

são matrizes de todos os demais direitos, propagando-se pelo corpo normativo que

compõe o sistema jurídico nacional;

2.6. É curioso observar que os direitos fundamentais, por constituírem

atribuições estatais, ensejam o recolhimento de tributos. No entanto, também se

manifestam como nítido limite à imposição destes;

182

2.7. A educação, direito fundamental de todos e dever do Estado, não pode

ser obstada por conta do recolhimento de tributos. Nesse diapasão, a imunidade

tributária conferida às instituições de educação sem fins lucrativos revela-se como

respeitável instrumento de proteção a direitos fundamentais;

2.8. Certamente os princípios constitucionais tributários são importantes

ferramentas a favor dos contribuintes. E a Constituição Federal de 1988 contém

copiosa quantidade deles, que servem para orientar a ação estatal de exigir tributos;

2.9. Dentre os princípios constitucionais, avultam, pela direta projeção ao

campo da imunidade tributária destinada às instituições de educação sem fins

lucrativos, os da supremacia do interesse público, da isonomia e o da capacidade

contributiva;

2.10. Definindo-se a capacidade contributiva como a aptidão do sujeito

passivo para arcar com tributos sem que isso lhe cause grande embaraço em suas

atividades, infere-se que gozar de disponibilidade econômica não é critério suficiente

para chamar uma instituição de educação sem fins lucrativos a responder por

impostos. Ela pode ter a capacidade econômica para tanto, mas não a contributiva;

2.11. A distinção entre poder tributário e competência é importante: enquanto

o primeiro está relacionado à soberania estatal, capacitada a criar toda e qualquer

imposição fiscal, o segundo é o delineamento dessa capacidade;

2.12. Se as competências tributárias, como observadas na Constituição

Federal, já se encontram privadas no que tange aos campos imunes, podemos

defini-la como a aptidão para legislar acerca de tributos, diminuídas certas áreas

que, protegidas pelo constituinte originário, não podem ser tocadas. Logo, norma

instituidora de imunidade tributária é norma de estrutura, de índole constitucional,

que tem por intuito demarcar competência tributária;

2.13. O conceito de imunidade tributária, como tantos outros, admite inúmeras

significações. Dentre as várias que a doutrina lhe reserva, temos imunidade como:

(i) norma constitucional demarcatória de competência tributária; e (ii) como direito

público subjetivo conferido àquelas pessoas por ela albergadas;

2.15. Após um exame detalhado das assertivas classicamente destinadas ao

tema das imunidades tributárias, veremos que estas não refletem o que o instituto

ostenta em sua intimidade;

183

2.16. A imunidade tributária não pode ser entendida como uma limitação

constitucional às competências tributárias;

2.17. A imunidade tributária também não deve ser vista como exclusão ou

supressão de competência tributária; falar que imunidade tributária é ( não seria e?)

exclusão ou supressão de competência legislativa tributária é equivalente a afirmar

que o direito comporta normas mais velozes dos que outras;

2.18. Tampouco a imunidade tributária pode ser vista como hipótese de não

incidência constitucionalmente qualificada;

2.19. A imunidade tributária, outrossim, não é aplicável somente aos

impostos;

2.20. A imunidade tributária não é sempre ampla e indivisível, protegendo de

maneira absoluta bens, pessoas e situações por ela tocados;

2.21. A imunidade tributária também não deve ser vista como um princípio

constitucional;

2.22. A imunidade tributária não decorre de circunstâncias extrajurídicas;

2.23. Por outro lado, a imunidade tributária pode ser vista como uma norma

constitucional demarcatória de competência tributária que confere direito público

subjetivo àqueles por ela albergados, sendo deduzida de normas constitucionais

explícitas ou implícitas, já que decorrem de princípios fundamentais, como o da

isonomia e o da capacidade contributiva;

2.23. Existem as imunidades tributárias genéricas, que são aquelas

destinadas a todas as pessoas políticas, bem como a todo e qualquer imposto que

recaia sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos abrigados pela norma

imunizante e existem as imunidades tributárias específicas, que se destinam a uma

única pessoa política e um único tributo;

2.24. Há, ainda, as imunidades tributárias subjetivas, que são aquelas

outorgadas em razão dos atributos de determinadas pessoas; as imunidades

tributárias objetivas são as concedidas em função de determinados bens ou

situações; e as imunidades tributárias mistas, vista desse modo por alcançar

pessoas ligadas a determinado bens ou fatos;

184

2.25. Podemos, também dividir as imunidades tributárias em ontológicas, se

decorrerem logicamente de um princípio constitucional ou políticas, se outorgadas

para prestigiar outros valores constitucionais não decorrentes imediatamente de

princípios;

2.26. Por fim, acreditamos útil a classificação que divide as imunidades

tributárias em: incondicionadas, se tiverem como suporte uma norma constitucional

de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata, e condicionadas, se sustentadas

em norma constitucional de eficácia contida e aplicabilidade imediata;

2.27. Não incidência é um conceito que não deve ser propriamente aplicado

às imunidades ou às isenções;

2.28. As regiões de contato entre as imunidades tributárias e as isenções

estão circunscritas a tão somente três sinais comuns: ambas são normas jurídicas

válidas no sistema, integram a classe das regras de estrutura e tratam de matéria

tributária. As diferenças, no entanto, são muitas;

2.29. A fonte primária das imunidades tributárias é o Texto Constitucional. Já

a segunda e última é o Poder Judiciário, intérprete e aplicador da Constituição;

2.30. O fenômeno da imunidade tributária é tipicamente brasileiro, tendo seu

surgimento no nosso ordenamento jurídico em 1891, com a Constituição da

República.

3. Por fim, em relação ao estudo que procedemos no que tange à imunidade

tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal,

podemos concluir que:

3.1. A imunidade tributária direcionada às instituições de educação surgiu em

nosso ordenamento jurídico com a Constituição de 1946, sofrendo poucas

alterações desde então;

3.2. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, VI, “c”, dispôs que,

sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o

patrimônio, a renda ou sobre os serviços relacionados com as finalidades essenciais

das instituições de educação, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos

da lei;

185

3.3. A educação é o contínuo processo de formação física e psíquica pelo

qual passa o indivíduo que visa tornar possível sua existência e, sobretudo, sua

coexistência com a sociedade que o rodeia;

3.4. Todas as Constituições brasileira, a de 1891 até a de 1988, tutelaram a

educação em seus dispositivos. Nesta última, segundo o artigo 205, ela é um direito

de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida com a colaboração

da sociedade;

3.5. Devido à omissão do Poder Executivo em implementar políticas voltadas

ao desenvolvimento dos direitos sociais, mostra-se cogente a participação da

sociedade para, exercitando tarefas essencialmente públicas, agir onde o Estado

deveria e não o fez, razão pela qual as imunidades tributárias evidenciam importante

fonte de incentivo ao investimento privado no setor educacional;

3.6. Especificamente no que tange ao artigo 150, VI, “c” da Constituição

Federal, o termo instituições foi utilizado na acepção de pessoas jurídicas criadas

com o fito de servir ao bem comum;

3.7. Não obstante o termo imunidades tributárias referir-se a toda espécie de

tributos, sejam eles vinculados ou não a uma prestação estatal, a imunidade prevista

no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 é destinada tão somente aos

impostos;

3.8. Vincular a imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos

apenas aos impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda e os serviços das

instituições educacionais é fazer tábula rasa do espírito constitucional, devendo

essas instituições não arcar com todo e qualquer imposto e não somente com

alguns deles, eis que exações sempre acabam atingindo o patrimônio daqueles

obrigados ao seu pagamento;

3.9. As hipóteses de imunidades contempladas na Constituição Federal não

alcançam o malfadado contribuinte de fato, posto ser essa terceira pessoa não

integrante da relação jurídica tributária. Assim, devem as entidades educacionais

arcar com o custo financeiro dos produtos que adquirem;

3.10. O que se impõe para que a imunidade tributária das instituições de

educação sem fins lucrativos seja reconhecida é que o capital extra, fruto de

186

atividades não previstas em seu estatuto social, seja canalizado para suas

atividades fins;

3.11. Não é pelo fato de a entidade ter obtido a receita no mercado que, de

imediato, tem sua imunidade afastada. No entanto, também não se pode aceitar

que, na prestação de serviços ou na comercialização de produtos, a instituição

imune valha-se de sua prerrogativa para afrontar ao princípio da livre concorrência;

3.12. Assim como qualquer outra norma definidora de garantia fundamental, a

regra do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal é de aplicação imediata, porém

de eficácia contível;

3.13. A referência, no artigo 150, VI, “c” da Constituição, aos requisitos da lei,

envolve: (i) a lei ordinária competente para regular a constituição e a formalização

das pessoas imunes; (ii) a lei complementar para regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar;

3.14. O Código Tributário Nacional, norma instituída pela Lei Ordinária nº

5.172/66, porém recepcionada pela Carta de 1988 com eficácia de lei complementar,

impõe que as instituições de educação: (i) não distribuam qualquer parcela do seu

patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (ii) apliquem, integralmente, no país,

os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; (iii) mantenham

escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades

capazes de assegurar sua exatidão;

3.15. Distribuir parcela do patrimônio, para efeitos do artigo 14, I do Código

Tributário Nacional, é empregar os recursos da instituição imune em finalidades

diversas daquelas às quais esta se propôs;

3.16. O entendimento mais adequado sobre o artigo 14, II do Código de

Tributos é aquele segundo o qual se espera que tais entidades apliquem os recursos

no interesse do país;

3.17. O inciso III do artigo 14 do Código Tributário Nacional contempla uma

exigência importante a ser feita aos que pretendem usufruir do amparo

proporcionado pela imunidade, já que tem por finalidade coibir o seu mau uso;

187

3.18. Na falta de cumprimento dos mandamentos do Código Tributário

Nacional, a Administração Pública pode suspender a imunidade das instituições de

educação, mas nunca revogar esta;

3.19. À Administração Pública é vedado exigir que as instituições

interessadas na imunidade formulem requerimento para que tenham seu direito

reconhecido;

3.20. Se uma instituição de educação sem fins lucrativos deixar de pagar

tributos de terceiros cuja responsabilidade pelo recolhimento a ela foi imputada,

pode a Administração Pública aplicar-lhe sanções, mas nunca suspender sua

imunidade tributária;

3.21. A Lei Federal nº 9.532/97, a pretexto de complementar o disposto no

Código Tributário Nacional, criou novas imposições em alguns de seus dispositivos,

pelo que devem, estes, ser considerados em atrito com o ordenamento jurídico

pátrio.

4. Nesses termos, além da série tópica acima exposta, insta ressaltarmos

que, apesar da Constituição Federal de 1988 dedicar elevada consideração à tutela

dos valores fundamentais que carrega, incentivando a proliferação de instituições de

educação que ajudem a Administração Pública a manter atendidas as necessidades

sociais, há, ainda, muito o que ser implementado. Com efeito, não existe harmonia

entre a disciplina constitucional, a legislação infraconstitucional, a doutrina e a

jurisprudência em relação à imunidade tributária destina a estas entidades, de modo

que é necessário um grande esforço por parte dos poderes executivo, legislativo e

judiciário, dos cidadãos e, especialmente, dos juristas em geral, para que todas as

incertezas referentes a estas imunidades sejam varridas. Tal empreitada,

certamente, aproveitaria a todos.

188

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