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Primeira Parte. Fundamentos Capítulo 1. A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia Panorama • ODireitoPenaltemespecíficosinteressesdeaplicaçãoparaconhecimentos criminológicos. Já no final do século 19 surgiu a demanda por soluções científicas para problemas sociais. A crítica da brutalidade e da ineficácia do sistema de Direito Penal absolutista foi precursora do pensamento criminológico. Desde o início, os interesses jurídico-penais ditaram dois postulados fundamentais, os quais a Criminologia devia seguir: o princípio da individualização, que supõe liberdade de vontade do indivíduo, e o princípio da diferenciação, que representa o criminoso como não pessoa moral. No curso da compreensão científica das relações sociais, o Direito Penal propõe para a Criminologia as questões da racionalidade, da efetividade e da fundamentação de medidas de combate da criminalidade. Com esta orientação a Criminologia estava, claramente, em serviço da ordem do Estado e tinha de oferecer diretrizes práticas de combate da criminalidade. Com a influência das Ciências sociais e a fixação no pensamento preventivo, o Direito Penal ampliou o interesse de pesquisa criminológica para o autor, a vítima e as instâncias de controle social. Uma assim armada Criminologia sócio- científica tinha de oferecer ao Direito Penal estratégias de domínio em relação à criminalidade como problema individual e social: análises de causas, propostas de intervenção, pesquisas sobre eficácia do Direito Penal e sobre a legitimação do conjunto do Sistema de Justiça Criminal estavam na lista de pedidos do Direito Penal. Uma Criminologia que se entendia crítica separava-se, claramente, da posição de auxílio para o Direito Penal. Não queria mais ser “fornecedora” do Direito Penal, mas queria desmascarar o Direito Penal como instrumento de dominação. A criminalidade não foi mais valorada como propriedade da pessoa, mas apenas como atribuição por parte do conjunto do Sistema de Justiça Criminal (§ 2). • O interesse do Direito Penal por causas da criminalidade desafiou a Ciência social para formação de teorias abrangentes. O comportamento

Primeira Parte Criminologia

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Primeira Parte. Fundamentos

Capítulo 1. A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia

Panorama

• ODireitoPenaltemespecíficosinteressesdeaplicaçãoparaconhecimentoscriminológicos.Jánofinaldoséculo19surgiuademandaporsoluçõescientíficasparaproblemassociais.AcríticadabrutalidadeedaineficáciadosistemadeDireitoPenalabsolutista foiprecursoradopensamentocriminológico. Desde o início, os interesses jurídico-penais ditaramdois postulados fundamentais, os quais a Criminologia devia seguir:oprincípio da individualização,quesupõe liberdadedevontadedoindivíduo,eoprincípio da diferenciação,querepresentaocriminosocomo não pessoa moral. No curso da compreensão científica dasrelaçõessociais,oDireitoPenalpropõeparaaCriminologiaasquestõesda racionalidade, da efetividade e da fundamentação de medidas decombate da criminalidade. Com esta orientação a Criminologiaestava,claramente,emserviço da ordem do Estadoetinhadeoferecerdiretrizespráticasdecombatedacriminalidade.ComainfluênciadasCiênciassociaiseafixaçãonopensamentopreventivo,oDireitoPenalampliouointeressedepesquisacriminológicaparaoautor,avítimaeasinstânciasdecontrolesocial.UmaassimarmadaCriminologiasócio-científicatinhadeofereceraoDireitoPenalestratégiasdedomínioemrelaçãoàcriminalidadecomoproblemaindividualesocial:análisesdecausas, propostas de intervenção, pesquisas sobre eficácia do DireitoPenalesobrealegitimaçãodoconjuntodoSistemadeJustiçaCriminalestavamna listadepedidosdoDireitoPenal.UmaCriminologiaqueseentendiacríticaseparava-se,claramente,daposiçãodeauxílioparaoDireitoPenal.Nãoqueriamaisser“fornecedora”doDireitoPenal,masqueriadesmascararoDireitoPenalcomoinstrumentodedominação.Acriminalidadenãofoimaisvaloradacomopropriedadedapessoa,masapenas comoatribuiçãoporpartedo conjuntodoSistemade JustiçaCriminal(§2).

• O interesse doDireito Penal por causas da criminalidade desafiou aCiênciasocialparaformaçãodeteoriasabrangentes.Ocomportamento

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individualesocialdeveriaserexplicadocientificamente,entretantoestáàdisposiçãoumaquantidadequaseinfinitadeteorias da criminalidade.Nesta tentativa de explicação das Ciências sociais e humanas, asistemática se desenvolveu demodomais paradigmático, ou seja, deprincípios científicos contraditóriosmetódica e substancialmente.Porumlado,princípioscondicionantesqueremexplicarocomportamentoindividual,oqueencontraomaiorinteressenocontextodeaplicaçãojurídico-penal:deficitscerebraispatológicosoucondicionadospordroga–istooDireitoPenalcompreende(ainda).Poroutrolado,princípiosdeimputaçãoqueremdemonstraroprocessodeprejuízosocialatravésde seleção negativa: furtos por necessidade econômica condicionadosporcontradiçõesdasociedadedeclasses–asCiênciassociaiscríticasdasociedadeaclamamestasvinculações.ODireitoPenalprecisasesituarnosextremosdesteespectrodeteorias,oquelheéimpossíveldealcançar(§3).

• Enfim,aoDireitoPenalnãorestaalternativa,senãoconstruirteoriasparaocontroledacriminalidade,asassimchamadasteoriaspenais(teorias de criminalização). Teorias de retribuição, teorias de intimidação emelhoria do autor, de intimidação da coletividade e afirmação geralda norma, até as “teorias unificadas” produzidas pela Jurisprudência,oferecemmodelosde justificaçãoparaoDireitoPenal,queabrangemdesdeaproteçãodeinteressesindividuaisatéaproteçãodecomplexosfuncionais.Semdúvida–comoasCiênciassociaistrocistasatéautônomasobservam–,emgeral, semqualquerprovaempírica.ODireitoPenalcontinuaprofissãodefé–foradelegitimaçãoempírica(§4).

§ 2. Interesses de Aplicação jurídico-penal

Literatura: Albrecht, P.-A., Das Strafrecht auf demWeg vom liberalen Rechtsstaat zumsozialen Interventionsstaat: Entwicklungstendenzen des materiellen Strafrechts, KritV1988,182 s.;Beccaria, C.,ÜberVerbrechenundStrafen,1988 (1ed. ital.:1764);Beck, U.,Risikogesellschaft:Auf demWeg in eine andereModerne, 2001;Bettmer, F.; Kreissl, R.; Voss, M.,DieKohortenforschungals symbolischeOrdnungsmacht,KrimJ1988,191s.;Birkmeyer, K.,Waslässtv.LisztvomStrafrechtübrig:eineWarnungvordermodernenRichtung imStrafrecht,1907;Eisenberg, U.,Kriminologie,5ed,2000;Farrington, D.P.;

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Ohlin, L.E.; Wilson, J. Q.,UnderstandingandControllingCrime:TowardsaNewResearchStrategy, 1986; Ferri, E., Das Verbrechen als soziale Erscheinung, 1896; Garland, D.,PunishmentandWelfare:Ahistoryofpenalstrategies,1987;Göppinger, H.,DerTäterinseinensozialenBezügen,1983;Göppinger, H.,AngewandteKriminologie:EinLeitfadenfürdiePraxis,1985;Göppinger, H.,Kriminologie,5ed,1997;Gross, H.,DieAntrittsvorlesungdesProf.Dr.v.LisztinBerlin,in:ArchivfürKriminalanthropologieundKriminalistik,3,1899,114s.;Habermas, J.,TechnikundWissenschaftals“Ideologie”,1974;Hassemer, W.,Strafziele im sozialwissenschaftlich orientierten Strafrecht, in: Hassemer,W.; Lüderssen,K.; Naucke, W. (editores), Fortschritte im Strafrecht durch die Sozialwissenschaften?,1983;Hassemer, W.,KriminologieundStrafrecht, in:Kaiser,G.;Kerner,H.-J.; Sack,F.;Schellhoss,H.(editores),KleinesKriminologischesWörterbuch,3.ed,1993,312s.;Hess, H.;Scheerer,S.,WasistKriminalität?,KrimJ1997,83s.;Jakobs, G.,KriminalisierungimVorfeldeinerRechtsgutsverletzung,ZStW1985,751s.;Kaiser, G.,WieistbeimMorddiepräventiveWirkungder lebenslangenFreiheitsstrafe einzuschätzen?, in: Jescheck,H.-H.;Triffterer,O.(editores),IstdielebenslangeFreiheitsstrafeverfassungswidrig?,1987,115s.;Kaiser, G.,Kriminologie,2ed,1988e3ed.1996;Kerner, H.-J.,Pönologie,in:Kaiser,G.;Kerner,H.-J.; Sack, F.; Schellhoss,H. (editores),KleinesKriminologischesWörterbuch,1985, 338 s.; Kreissl, R., Soziologie und soziale Kontrolle: Die Verwissenschaftlichungdes Kriminaljustizsystems, 1986; Kürzinger, J., Kriminologie, 2 ed., 1996; Lamott, F.,Die Kriminologie und das Andere, KrimJ 1988, 168 s.; Lautmann, R., Justiz die stilleGewalt,1972;Leferenz, H.,DieneuereKriminalpolitikaufkriminologischerGrundlage,in: Festschrift für Karl Lackner, 1987, 1009 s.; Lombroso, C., Der Verbrecher inanthropologischer,ärztlicherundjuristischerBeziehung,VolumeI,1894(1edital.:1876);Lombroso, C.,NeueVerbrecherstudien,1907;Lüderssen, K.,Kriminologie:Einführungindie Probleme, 1984; Matza, D., Abweichendes Verhalten: Untersuchungen zur GeneseabweichenderIdentität,1973;Moser, T.,RepressiveKriminalpsychiatrie:VomElendeinerWissenschaft, 2 ed, 1971; Müller-Tuckfeld, J.-C., Krise der kritischen Kriminologie?,KrimJ 1998, 109 s.; Naucke, W., Die Modernisierung des Strafrechts durch Beccaria,in: Deimling, G. (editor), Cesare Beccaria: Die Anfänge moderner Strafrechtspflege inEuropa,1989,37s.;Perrow, Ch.,NormaleKatastrophen:dieunvermeidbarenRisikenderGrosstechnik, 2 ed, 1992;Sack, F., Probleme derKriminalsoziologie, in:Handbuch derempirischenSozialforschung,2ed,VolumeXII,1978;Sack, F.,Kriminalität,GesellschaftundGeschichte:BerührungsängstederdeutschenKriminologie,KrimJ1987,241s.;Sack, F.,Stichwort“KritischeKriminologie”, in:Kaiser,G.;Kerner,H.-J.;Sack,F.;Schellhoss,H. (editor),KleinesKriminologischesWörterbuch,3ed,1993,329s.;Scheerer, S.,VomPraktischwerden,KrimJ1989,30s.;Schneider, H.-J.,Kriminologie,1987;Taylor, I.; Walton, P.; Young, J.,TheNewCriminology: for a SocialTheory ofDeviance, 4 ed, 1977; van der Loo, H.; van Reijen, W.,Modernisierung,1992;Weber, M.,WissenschaftalsBeruf,in:Mommsen,W.;Schluchter,W.(editores),GesamtausgabeMaxWeber,Volume17,1992.

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A. O nascimento da Criminologia como controle da criminalidade orientado pela ciência

I. O apelo a soluções científicas para problemas sociais

Omomento de nascimentodaCriminologiacomociênciaempíricaestánofinaldoséculo 19.Éotempoemqueaciênciatornapossívelo“progressotécnico”eopromovecadavezmaisrápido.Racionalidadetécnico-científicasubstitui a orientação por valores tradicionais.Verdade é procurada, nãocrença. Conhecimentos científicos transformados em produtos técnicosproporcionam a dominação da natureza, aumentam a produtividade dotrabalho,prolongamavidaefornecemconfortoàvidacotidiana.Trabalhoevidasãosubordinadoscadavezmaisfortementeaoprincípiodofimracional(van der Loo/van Reijen,1992,125).Tambémdecisõespolíticasaparecem,agora, como consequência de imposições fáticas, como expressão de umigualmenteregularcursodoprogresso.Dominaçãotorna-seadministraçãodotecnicamentenecessário(Habermas,1974,48s.).

Na esteira de crescentes intervenções estatais para produção de umainfraestruturaeconômicaesocial,nasegundametadedoséculo19,tambémna área do bem-estar social, é demandada intervenção cientificamentedirigida (Weber, 1992, 86 ss). Se, com osmeios da ascendente ciênciaempírica,parecemasforçasdanaturezacontroláveiseasdoençascuráveis,entãoonascimentodeumadisciplinacientíficaquequerpesquisarocrimeeeliminaroproblemadacriminalidadenãoémaismotivodeespanto.Istovale,sobretudodepois,quandocresceanecessidadedecontrolenascrisessociais da revolução industrial e o problema do desvio é transformado,pelaprimeira vez, comos instrumentosda estatística central-estatal, dofenômenoindividualdofatocriminosonoabstratofenômenodemassada“criminalidade”ecomotalépercebidopublicamente(Scheerer,1989,38).

II. Crítica da brutalidade e da ineficiência do sistema de Direito Penal absolutista, como precursora do pensamento criminológico (Beccaria)

Maisdoqueumséculoantes,olibelodojuristaitalianoCesareBeccaria(1738-1794) “Dei delitti e delle pene” (Dos Delitos e das Penas) –

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contempladocomgrandeetambéminternacionalatençãopública–fezapropagandadosprincípiosdeEstadodeDireitodoProcessopenal.Porumlado,mediantesuacríticamassivadasimponderabilidadesdoDireitoPenalabsolutista,dasmáximasdoprocessoinquisitório,comodatortura,dacoaçãoparainterrogatóriosjuramentadosdosacusadosoudasacusações“secretas”edapenademorte,trouxeBeccariaointeressedoIluminismoparadentrodoDireitoPenal.Poroutro lado,comsuarepresentaçãodeumaculturadoDireitoPenalracional,comprometidacomponderaçõesdeutilidadesocial,elenivelouocaminhoparaumaCriminologiaorientadapela ciência empírica, que se sabe comprometida com o programa deprevenção criminal. As sanções, nas propostas político-criminais deBeccaria,jáerampensadasconformefins(intimidação,prevençãogeral),endereçadas,nos seusefeitos formadoresdemotivos,àvontade livredoser humano, para impedir condutas criminosas (Beccaria, 1988, 83 s.).Estesprimórdiosdeumateoriapenal relativa foram,depois, elaboradosno sentidodeprevençãogeralporAnselmv.FeuerbachedeprevençãoespecialporFranzv.Liszt.

ODireitoPenalorientadopelofimfundadoporBeccaria, encontrasuajustificação,naverdade,nãoprimariamentenaliberdadedocidadãoouemideaisdeliberdadeedehumanidade.Aocontrário,éaoEstadoforte que Beccaria oferece um instrumentário muito mais eficienteparacombateaodesviodoquepodiadisporosistemadeDireitoPenalabsolutista (compare Naucke, 1989, 37 s.). Isto torna-se claro pelosargumentos queBeccaria propõe contra a pena demorte.Em relaçãoaos efeitosmeramente pontuais da pena demorte, ele atribui à penaprivativade liberdadeperpétua– vinculada com trabalho forçado–omaiorefeitointimidante.Nãoéahumanidade,quesempreeemgeralcontradiz a pena demorte,mas a insuficiente eficácia de intimidaçãoque, na regra da criminalidade, permite transparecer a penademortecomoinadequada.Noâmbitodacriminalidadepolítica,mesmoassim,sustentaBeccariaaimprescindibilidadedapenademorte(1988,124).Comisto,osprincípiosdoEstadodeDireitosãoabertosàdisposiçãodeponderaçõesestataisutilitáriaseépostoemaçãoumdesenvolvimentopolítico-criminalque,atéhoje,nãocessou.

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III. Individualização e diferenciação

Olocal de nascimentodaCriminologiaéaprisão.Éainstituiçãodereferência para aCriminologia, assim como a escola possui essa funçãopara apedagogia,ouohospitalpara amedicina.Oferece aosprimeiroscriminólogosocampoparaaobservaçãoe“medição”delongoprazodosdelinquentes,assimcomoparaaexperimentaçãodemedidasterapêuticas.

1. Primeiros acessos científico-empíricos

a) LombrosoOmédico-legistaCesare Lombroso(1835-1909)encontrouemhospícios

eeminstituiçõespenaisascobaiasdesuaspesquisassobreascaracterísticasde“L’UomoDelinquente”,dohomemcriminoso(1876).Impressionadopelaforçaexplicativadasciênciasnaturaisexatas,eletentou,comajudadeestudosantropológico-criminais,desvendaraformaorigináriadocrime.

aa) Por meio de comparativas pesquisas antropométricas (mediçãodoserhumano)deprisioneiros,doentesmentaisegruposdapopulaçãonormal (por exemplo, soldados), acreditou Lombroso ter comprovado adiferenciaçãodocriminoso.

Através de medições próprias e por avaliação de inúmeros trabalhossimilaresdecolegas,nasegundaediçãodesuaobraprincipal(1894),pôdeLombroso comparar os dados de 3839 criminosos com as característicasobserváveisdegrandesamostrasdapopulaçãonormal.Considerandoumgrandenúmerodedados,Lombrosodemonstroudesviosdos criminososemrelaçãoavaloresmédiosdapopulação.Medições sobre tamanhodocorpo,peso,circunferênciadocrâniooualturadatesta,atécaracterísticasda expressão fisionômica, como orelhas salientes ou fronte fugidiacomprovavam, na visão do criminólogo precursor, sua tese dos fatoresnatosdesencadeadoresdadelinquência,queseriamcomparáveiscomumadoençacrônica(1894,252):“Osladrõespossuem,emgeral,traçosfaciaisemãosmuitovivazes;seuolhoépequeno,inquieto,muitasvezesestrábico;assobrancelhassãocaídaseseconfinam;onarizétortoouchato,abarba

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rala,ocabeloraramentedenso,afrontequasesemprepequenaefugidia,aorelhafrequentementesalienteemformadeasa.(...)Osassassinostêmumolhartransparente,gelado,fixo,seuolhoé,àsvezes,vermelhodesangue.Onarizégrande,muitasvezesumnarizdeáguia,ouantes,aquilino;oqueixo fortemente ossudo, as orelhas compridas, os pômulos largos, oscabelosencaracolados,cheioseescuros,abarbamuitasvezesrala;oslábiosfinos,oscaninosgrandes”(Lombroso,1894,229s.).

Figura 1:tiposfisionômicos(fonte: Lombroso,1907,103)

As anomalias encontradas nos criminosos, em quantidade superiorà média, Lombroso interpretou como indícios de uma inibição dedesenvolvimento,como“atavismo”,umtipohumanoespecialcriadopela

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natureza (1894, 248). Esta é a interpretação “do criminoso como umselvagemcaídononossomundocivilizado(...)”(Ferri,1896,27).

bb)OméritodeLombrosodeveservistodestemodo,queeleseesforçou,mesmo que de forma limitada, para um acesso científico-empírico àcriminalidade. Ele encerra, com isto, uma longa fase de consideraçõesespeculativas da delinquência (visão geral sobre a história primitiva daCriminologia, em Göppinger, 1997, 6 s.). A críticametódica que deveser feita a Lombroso não consiste no fato de ter observado ou medidoerrado.Aocontrário,elenãopercebeuoefeitodeseleçãoaoqualospresospesquisados,daquantidadetotaldeautorespuníveis,estavamsubmetidos.Lombrosoequiparouacriminalidadecomoqueeleencontrounasprisões.Muitasdas característicasqueeleverificounospresos eque interpretoucomocausasdacriminalidade,dopontodevistaatual,seriamvistascomoasconsequênciasdosprocessosdeseleção,queocorremdesdeaPolíciaatéaJustiçapenalenoatodemediçãodapena(compareadiante§3BIIIs.).

Lombroso desencadeou, com sua ‘descoberta’ do “criminoso nato”,acaloradas discussões sobre a justificação da pena, que continuam aténossosdias.Cometeumserhumano–determinadopor suadisposição– um fato punível, então nenhuma reprovação de culpabilidade dever-lhe-ia ser feita: segundo amáxima própria doDireito Penal, nenhumapena semculpabilidade (assim, jáFerri,1896,246 s.).Esta constelaçãomotivouumadversáriodaModernaEscoladeDireitoPenal,maistarde,aumaexclamaçãoliteráriaque,tambémporjuristascontemporâneos,demodomaisoumenossemelhante,foidirigidaaLombroso:oquesobroudoDireitoPenaldepoisdev. Liszt?(Birkmeyer,1907).

b) Ferri O jurista Enrico Ferri, um discípulo de Lombroso, completou e

diferenciouemtrabalhosposterioresahipótesedadeterminaçãobiológicadadelinquência.Eleindicou,emespecial,anegligênciadosfatorespsíquicosesociaisnasexplicaçõesdacriminalidadedeLombroso(Ferri,1896,24s.).

Emparticular,Ferridiferenciouosfatores antropológicosintrínsecosàpessoadodelinquente,queelesubdividiuemconstituiçãoorgânica(porexemplo,anomaliasdocrânio)epsíquica(inteligência,anomaliasdesentimento),assimcomooscaracteres

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pessoais(raça,idade,sexo,profissão,origemdeclasseetc.)docriminoso.Nosegundogrupoencontram-sefatores físicosdadelinquência,comoclima,períodosdodiaouestaçõesdoano.Os fatores sociaisdiferenciadosnoterceirogrupocompreendemdesdeadensidadedapopulação,avidafamiliar,asrelaçõeseconômicasepolíticas,atéoestadodalegislaçãopenal,daPolíciaeJustiça–umacompreensãoextremamentemoderna(Ferri,1896,125ss).Ferriesforçou-se,também,enfim,paraasoluçãodoproblemadaculpabilidade.Atravésdanegaçãodaliberdadedevontade,na“EscolaPositivista”fundadaporLombroso,aimputaçãojurídico-penalprecisouserdenovofundada.Ferrisubstituiuahipótesetradicionaldaresponsabilidademoral(liberdadedevontade)pela ideiade responsabilidade social:por todaaçãopunível,quepeloautor“éexecutada(...)emumprocessopsico-fisiológicoaelepertencente”(nolugarcitado, 274ss), este é responsável jurídico-penalmente “apenas porque e enquantoele vive em sociedade” (no lugar citado, 297). Estas reflexões foram, mais tarde,desenvolvidasnachamadateoriada“Defesasocial”.

2. Hipóteses fundamentais da Criminologia

Aprisão,daqualpartiramasprimeiraspesquisascriminológicasempíricas,incorporaemediatizadoisconceitosfundamentaisdaCriminologia,queatéhojedeterminamopensamentocriminológico,asaber• oprincípiodaindividualização(a)e• oprincípiodadiferenciação(b).

a) O princípio da individualizaçãoEmboraaCriminologia,comociênciaempírica,abandonaaimputação

jurídico-penalda liberdadedevontade individual, emfavordahipótesedadeterminaçãopessoalousocialdaação,oindivíduopermaneceafonteessencialdocrimeeopontode referênciada intervenção.Oprincípiocriminológicoda individualizaçãopermanece,comisto,tantonoquadroda lógica de imputação jurídico-penal da culpabilidade, como também[noquadro]daideologiaburguesadaresponsabilidadeedodesempenhopessoal. A cela da prisão simboliza este princípio, que coloca limitesenérgicosaodiagnósticocriminológicoeàrecomendaçãodeintervençãocriminológica.

b) O princípio da diferençaNoquadrodeinvestigaçãodasprimeiraspesquisascriminológicas,como

no estudo empírico de Lombroso sobre o “homem criminoso” (1876),

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omurodaprisãomarcaa linhadeseparaçãoentreogrupodepesquisados presos e o grupo de controle, os homens de fora. O interesse deconhecimentoéadiferençadocriminosoemrelaçãoaos[homens]normais.Para os primeiros criminólogos a prisão realiza não somente a exclusãosocialdocriminoso,mastambémlhesatribui, igualmente,um statusdediferenciaçãonatural.Oprincípio da diferença,aobservaçãoisoladado“mundo da criminalidade”, como também a intervenção criminológicadirigidaparaapessoa,sãoprópriastambémdaCriminologiatradicionalcontemporânea – e são lamentadas como contradição à autonomia daciência(Sack,1987,247s.).

IV. A Psiquiatria como precursora da Criminologia

APsiquiatria,teoriadostranstornospsíquicospatológicos,éconsideradacomo parteira da Criminologia. A jovem ciência criminológica extraidela sua imagemquasemédica, a aparênciadeumadisciplinamoderna(aos olhos dos contemporâneos) e os primeiros conceitos explicativosdacriminalidade.Ela forneceomodeloparaconceitosdeterministasdeação–açãonãodeterminadapelalivrevontade–eteoriasde“anomalias”biológicasparaexplicaçãoda“personalidadecriminosa”.Acooperaçãoentreestasespecialidadesprospera,nãoporúltimo,porqueaPsiquiatriadescobreumnovocampodeatuaçãoeprofissionalizaçãonaáreadaJustiçapenal(Garland,1987,81s;Lamott,1988,179s.).AtéhojeaCriminologianãoalcançouoprestígiodaPsiquiatrianaJustiçapenal(compareMoser,1971).Períciaspsiquiátricassãorequisitadascomoauxíliodeexplicação,mesmolá onde é evidente a necessidade de especial informação criminológica(compareBGHStV1994,252ss).

B. Interesse jurídico-penal na Criminologia

O Direito Penal consulta a Criminologia sobre avaliações de suaracionalidade, istoé, razoabilidadedocombateàcriminalidade,desuaefetividade, portanto, eficácia, e da fundamentação da intervençãojurídico-penal(questãodelegitimidade).

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§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 21

I. O produto científico da “criminalidade” como problema solucionável pela Justiça penal

1. A produção do problema social

O interesse do Direito Penal, ou seja, da Justiça penal na ciênciacriminológica,partedoproblemasocialqueécriadoedescritopornormasjurídico-penais.Semumanormajurídico-penalnãoexistecriminalidade:somenteapunibilidadedapossededrogacriaacriminalidadededrogas.Istopodeatingir,dependendodarealidadehistóricaepolítica,otabaco,oálcoolouohaxixe.Paratrabalharoproblemacriminalassim“produzido”são acionados normativamente Polícia, Justiça e Execução Penal: nessamedida,eles também“criam”acriminalidade.Esteé,decerta forma,omodelodo“problemasocial”moderno(compare,sobreisto,emdetalhes,oCapítulo12,abaixo).

2. A produção do problema moral

Porque o Estado, para proteção de bens jurídicos definidos jurídico-penalmente,empregasuaarmamaisaguda,aaplicaçãodeviolênciaestataledesançõespenais,oproblemasocialdacriminalidaderecebeumpostoespecial,destacadodentrodasequênciadeproblemassociais.Criminalidadetorna-seumproblemadominantedocotidianosocial.Aatençãopúblicaconcentra-senoproblemadacriminalidade.NotíciasdaJustiçaaumentama atenção pública. Produzem, em conjunto com os produtos de leie ordem da indústria damídia, “funções simbólicas doDireito Penal”,porexemplo,adesvalorizaçãomoraldacriminalidadeoudocriminoso,ou a representação da autoridade estatal, (compareHess/Scheerer, 1997,assim como § 6C, abaixo). Através da esquemática simplificação do Direito Penal–aseparaçãodoBemedoMal,deconformidadeedesvio–é simultaneamente traçadauma linha moral divisória, édestacadooinimigointernonasociedade,sobinclusãodeseuespaço-vitalculturaleseparadodosvaloresdominantes(sobreoconceitode“DireitoPenaldoinimigo”,compareJakobs,1985,753,756s.).

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia22

3. Aparente solução do problema pela aplicação do Direito Penal

Com a rotulação de uma situação de conflito, ou seja, de umacontecimento danoso como tipo penal, está vinculada, contudo, nãoapenas uma definição de problema estatal. Antes, é posto igualmentesob prova, que o problema é de ser tratado politicamente e que são(podemser)empreendidosesforçosenérgicosparacombateroproblema.Criminalidade, ou seja, o ato legislativo de criminalização atua, nesteponto,tambémcomoútilrecipientepolíticoparaosdefeitosestruturaisinsolúveis,noslimitesdosistemasocialconsiderado.

Um exemplo: a destruição das condições naturais de vida dos seres humanosé aceita como preço político do progresso econômico. Aqui, a instituição de umDireitoPenalambientaltransmiteaoscidadãosaimpressãodequealutacontraospoderesaparentementetãodifusosdadestruiçãoambientaléigualmentepossível,namedidaemqueculpadossãoapresentadosepunidos.Outrosacontecimentossociaiscausadoresdedanoouperigosocial,pense-senaexploraçãodeusinasnuclearesounoarmamentoatômico,quepermanecemsemindicaçãodeproblemajurídico-penal,aocontrário, integrama“natureza” social, as situaçõesde riscodacivilização,quesimplesmentedevemseraceitos(videBeck,2001;Perrow,1992).

4. A Criminologia como ciência de solução de problemas

Afirmaçõesessenciais,quesãoamplamenteaceitasefeitaspelaJustiçapenal aos ramos da ciência que estão reunidos sob a cobertura daCriminologia,são:• oproblema social construídopelasnormasdoDireitoPenal,• adesvalorização moraldarealidadeproblematizadae• averificaçãodequeoproblemadevesercombatidocomosmeios do

Direito Penal emumprocessonormativamenteemoldurado.

Hans Gross,umdospaisdaCriminologia,queemseutempotambémeracorretamentedenominadaCriminalística,mostrana seguinte formulação,com que solicitude a ciência-factual criminológico-positiva se coloca aserviço oficial do Estado:“ACriminalísticanãoqueroutracoisa,senãoprestar serviços auxiliares à ciência do Direito Penal, ela alcançou seuobjetivoquandopôdecarregarpedras,quea (...)Políticacriminalpode

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§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 23

precisarparaaquelaprimeiraobra,queajovemescolaalemãquerconstruirepelaqual,umdia,oshomensaabençoarão,poiselanãoémaisdedicadaaoconflitosobreoquefoiideadopeloserhumano,masaoconhecimentodarealidade”(Gross,1899,16).

II. Criminologia hoje: continuidade a serviço oficial do Estado

Considerando-seasdefiniçõesdaCriminologia,queseencontramnosnovosmanuaisedescriçõesdetarefasdaCriminologia,mostra-secompletacontinuidade em relação ao primitivo autoconceito de ciência auxiliar,mesmoseaconceituaçãoéhojemaisdiferenciada.

1. Criminologia como provedora de diretrizes práticas para o combate da criminalidade

A maior aproximação do âmbito do objeto jurídico-penalmentedeterminadoeparaofimdecombatedacriminalidadeencontra-se,porexemplo,noconhecidomanualdeCriminologiadeHans Göppinger:

“A Criminologia é uma ciência empírica independente. Ela ocupa-se com ascircunstânciasexistentesnoâmbitohumanoecomunitário,queserelacionamcomaexistência,acomissão,asconsequênciaseaprevençãodefatospuníveis,assimcomocomotratamentodedelinquentes.”(1997,1).MesmoseaCriminologia,segundoaverificaçãodeGöppinger,nãoestálimitada,nosobjetosesuapesquisa,aoconceitode crime jurídico-penal normatizado, assimmesmo vale: “Nessamedida, o crimedelimitadojuridicamenteépontodepartidadapesquisacriminológica,masnãooexclusivoobjetooumetadepesquisadacriminologia”(1997,4).NostrabalhosdepesquisadeGöppinger,comona“PesquisadojovemautordeTübingen”(Göppinger,1983),revela-seentãoumanítidaautocompreensãocientífica,naqualaCriminologiaédeterminadacomoprovedoradediretrizeseinstrumentospráticosdecombatedacriminalidade.Assim,daobservaçãocomparativadejovensadultoscriminososenãocriminosos,sãoinvestigadascaracterísticascriminógenasdapersonalidadeedesuascondiçõesdevidasocialetranspostasparaumesquemadeprognose.Destemodo,obtém-seumalistadecaracterísticaspessoaisesociaisparaoprotótipocriminal,cujotraçodistintivoconsistenodesprezomassivodasrepresentaçõesdevalor(pequeno)burguesasedoconceitodeordem.

De modo semelhante Heinz Leferenz – que, assim como Göppinger,deve ser incluído naCriminologia tradicional orientada para o autor –

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alocaadisciplina,quandoele,emumacríticacontribuição,discutecomamodernaCriminologiaque,segundoaopiniãodele,distanciou-sedemaisdeseusprecursoresedesuatarefaoriginária,“asaber,derealizaroefetivocombatedocrime(von Liszt),ouseja,docriminoso(Lombroso)”(1987,1009).

Para aCriminologia eoDireitoCriminal constataLeferenz “(...)que ambas asdisciplinastêmomesmofim,masqueoscaminhospelosquaisestaformadocontrolesocialdeve ser implementada, são inteiramentediferentes” (idem).Ele lamenta: o“caminho sociológico” que, neste ínterim, a disciplina tem seguido, conduziria aCriminologiaauma“teoriadocomportamentodesviante”enegligenciariaarelaçãocomoDireitoCriminal(1987,1012).AmodernaCriminologiateriasedistanciadodo objetivo de combate da criminalidade: “(...) assim, os beneficiários da novaPolíticacriminalsão,semdúvida,osdelinquentesatuaisepotenciais”(1987,1013).Em conclusão invertida, segue-se disto: “Muitomais questionável emnossa novaPolíticacriminalé,contudo,suafundamentalunilateralidadeemprejuízodasvítimaspotenciaisdocrime”(1987,1016).

Defato,asdescriçõesdetarefasdosmanuaisrestantessão,nestesentido,maiscontidas.Mas,tambémaqui,mostra-seaproximidadedascategoriascriminológicasanalíticasemrelaçãoàsfunçõesdedisciplinadaJustiçapenal.Apessoadoautoreascondiçõesdesuaaçãopermanecem,comoobjetivodeotimizaçãodaprevenção,umpontocentraldoconjuntoderesultados.Eaelevaçãodaeficiênciadocontrolesocialjurídico-penalpermaneceuminteresseessencialdapesquisade instâncias (Polícia,MinistérioPúblico,Justiça, Execução Penal). Aqui, a ampliação do âmbito do objeto daCriminologiaparaalgumasformasdecomportamentodesvianteexterioresaoDireitoCriminal(porexemplo,alcoolismoouprostituição),lamentadaporLeferenz,nãorepresentanenhumaquebradecontinuidade.

2. Interesse ampliado da pesquisa criminológica: autor, vítima e instâncias de controle social

Em diferente forma, contudo, encontram-se na sistemática de novoslivrosdeCriminologiatambémcapítulossobrequestõesdecriminalizaçãoe descriminalização, as condições e consequências do controle socialjurídico-penal. Aqui são indicados determinados questionamentos nãonormativos.Estescapítulosestão,nãoraramente,desvinculadosnoquadro

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dos já conhecidos interesses de conhecimento – sem se desprender dospreceitosnormativosdoDireitoPenal.

GüntherKaiserdefineadisciplinadaciênciacriminológicacomosegue:“Criminologiaéoconjuntoordenadodosaberempíricosobreocrime,ocriminoso,aanormalidadesocialnegativaesobreocontroledestaconduta”(1996,1).Apesardoaparentealargamentodadefinição,queKaiserassumeno âmbitodoobjetodaCriminologia, ele afirmaqueo “conceitogeraldecomportamentodesviante”(idem2)ultrapassaoslimitesdadisciplinaeque“ocrimedefinidojuridicamenterepresentaoestratégicopontodepartida da observação criminológica” (idem, 9). Embora Kaiser tenharejeitadoenergicamente(Kaiser,1988,19)areprovaçãode“subordinaçãoprática”dirigidaporSackcontraaCriminologiatradicional(Sack,1978,221),eleconstataresumidamente:“Segundoaconcepçãoaquidefendida,controledocrime,crime,criminosoevítimadocrimeestãonocentrodasistemáticacriminológica;nessecaso,atribui-seleveprioridadeaocontroledacriminalidade”(Kaiser,1996,30).

JosephKürzinger parte, em seumanual, das anteriores definições deCriminologiadeKaiser,mascompreendeoâmbitodoobjetodadisciplinadeformamaisampla,quandoescreve:“SeentendermoscomoobjetodaCriminologia,conformeaopiniãoamplamentedominante,nãosomenteocrime,mastodocomportamentodesviantesocialmentenegativo,entãonãosurgenenhumproblema,poisdeixam-secompreender,semesforço,então,todasasformasdecomportamentosocialanormalcomolegítimoobjetoda pesquisa criminológica” (1996, 20).Na verdade, tambémKürzingeratribui o “controle jurídico-penal do crime” (idem, 14) ao âmbito doobjetodaCriminologia,masnãoconfereaessetema,emseucompêndio,nenhumpesoespecial.AquidominaumaCriminologiaorientadaparaoautordedelitosparticulares.

SobreaclássicadeterminaçãodefunçõesdaCriminologia,nadescriçãodoobjetoedescriçãodastarefas(daCriminologia),osmanuaisdeEisenbergeSchneider,publicadosemváriasedições,vãoalém.

Na concepção de Ulrich Eisenberg, a “Criminologia [é] uma ciênciaempíricadasrelaçõestantodosjulgamentosjurídico-penaisdecursosdeacontecimentos,quantodoscursosdeacontecimentosjulgadosjurídico-penalmente”(2002,2).Demodocorrespondente,análisesdalegislaçãoe

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docontrolesocialrecebemalgumpesonomanual.DemodosemelhantesoaaposiçãocentralemHans-Joachim Schneider:“Criminologiaéaciênciahumana e social que pesquisa empiricamente os processos individuaise sociais de criminalização e de descriminalização e que transmite seusconhecimentos como recomendações ao Legislador e ao aplicador doDireito” (1987, 87). Além disso, Schneider inclui a legislação penal, ascondições de formação do comportamento desviante, reações formais einformaisàcriminalidadeeapersonalidadedoautoredavítimanoâmbitodoobjeto.Schneider desperdiça,contudo,oganhoexplicativodasteoriasda criminalização, através do seu contínuo alinhamento com teorias deexplicaçãodacriminalidade(causalmenteorientadas=etiológicas)(idem,560).Assim,aposiçãoconceitualcentraldesuaCriminologiapermanece,amplamente,semconsequências.

3. Princípios de uma Criminologia Crítica

Algunscriminólogos,quepesquisamoestadodaCriminologiaalemãdeumaperspectivacrítico-criminológica,atestamqueoquestionamentodesuaspesquisasseria“completamenteinternaàJustiçaeaoDireitoPenal”(Sack,1987,249).ACriminologiatradicional,segundoesteautor,“nãodesenvolvequestionamentosteóricospróprios,mastomaestesdohorizontedeproblemasdasinstituiçõeseinstânciaspróprias”(idem).

Outros autores daCriminologia crítica também insistemnisto, queumaciêncianãodeveriadeixarreduzirseuinteressedeconhecimentoporpreceitosnormativos.AreduçãodeperspectivadaCriminologiatradicionalencontra-sefundadanaperspectivadeprevençãoemprestadadoDireitoPenal.Sobreistoindicou,pelaprimeiravezocriminólogoamericanoMatza,quandoescreve:“Opontodevistadaprevençãoimpede,porcompleto,apreender corretamenteo fenômenodesviante,porque édeterminadoemotivadopeloobjetivodeeliminá-lo” (1973,22).Enquantooobjetivodeprevençãodirigeaatençãocientíficaaoautorcriminosoeseuambientesocial, a pesquisa crítico-criminológica é dirigida prioritariamente aoEstado,aoDireitoeaosórgãos de persecução penal.Estesobjetosdepesquisacorrespondemaoreconhecimentodequeacriminalidade,comofenômenosocial,éativamenteproduzidapelapersecuçãopenalestatal–ao

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contráriodashipótesesdaCriminologiatradicional,nasquaisosórgãosdepersecuçãopenalaparecemcomopassivosverificadoresdacriminalidade(ver,demodoabrangente,sobreCriminologiacrítica,Sack,1987,309ss;Sack,1993;Hess/Scheerer,1997,83ss;Müller-Tuckfeld,1998,109ss).

Considerada em conjunto, a compreensão hoje determinante daciênciacriminológica–apesardosacaloradosdebatesqueaCriminologiacrítica suscitou –, permaneceu vinculada, demodo notável, ao âmbitodoobjeto,aos interessesdeconhecimentoeàscategoriasanalíticas,quejácaracterizavamaCriminologiapositivistaprimitiva.Assim,umexamesociológico-científico dos programas criminológicos desde a virada doséculo,comoapresentaram,porexemplo,oscriminólogosinglesesTaylor/Walton/Young (1977) ou Garland (1987), também traz à luz categoriasanalíticas, interesses de aplicação jurídico-penal e funções sociais, quepossuemvalidadetantoparaavelhacomoparaanovaCriminologia.

III. Estratégias criminológicas de domínio em face da criminalidade como problema individual e social

Areconstruçãodacriminalidadecomoumproblemasocialsolucionávelexige necessariamente posições de auxílio científico adequadas para seudomínio.Daíresultamdeterminadasexigências,queoDireitoPenaldirigeàCriminologia.Pergunta-sepor:• análisescausais(1),• propostasdeintervençãodissoresultantes(2),• verificaçãodosefeitosdasanção(3)e• modelos de justificação para a Justiça penal criminologicamente

fundados(4).

Tais interesses são igualmente satisfeitos em obras primitivas e emmodernasobras-padrãodaCriminologia.

1. Interesse por análise criminológica causal

a) Leis como padrões de normalidadeA pessoa é objeto e unidade da análise criminológica. Desde os

primórdiosdaescolabiológicaitalianaatéamoderna“pesquisadegrupos”

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(compareBettmer/Kreiss/Voss,1988),aprocurapeladiferençasubstancialentrecriminososeconformistasconstituiumpontofixodainvestigaçãocriminológica. A hipótese da diferença do criminoso, condutora dapesquisa,resultadoabandonodomodelodeaçãodaliberdadedevontade,quecaracterizavaoDireitoPenalclássico.Aprospecçãodirige-seagoraaosdeterminantescondutoresdaação,quedeterminamocriminosoparaofatoeodiferenciam,aomesmotempo,docidadãoconformista.Comatesedaanomalia,portanto,ahipótesedequeacriminalidadeédevidaao“carátercriminal”,àdiferençadocriminoso,estávinculadoumrelevanteganhodelegitimaçãoparaa intervençãojurídico-penal.Emfacedacriminalidade“anômala”,asleispenaisaparecemcomoexpressãodoconsensodocidadãosobrenormalidadeeordem(compareGarland,1987,93).ACriminologiatende,desdeentão,comociênciadodesvio(depadrõesdenormalidade),aumaposiçãoacríticaemfacedasleisexistentes.Estasconstituemparaocriminólogo,aomesmotempo,ocritériodenormalidadeassumidocomonaturalecomonãomaisquestionável.

b) Criminalidade como qualidade da pessoa A criminalidade, para a Moderna Escola de Direito Penal da virada

do século e para os cientistas-auxiliares criminológicos, tornou-se pelaprimeira vez disponível. Enquanto ao cidadão ajustado continua sendoimputadaaçãoautônoma, aodesviante é atribuídoummodelodeaçãoheterônoma,determinadaporforçaalheia.Eleé,comisto,patologizadocomo“dependente”;aintervençãoparecejustificadaefundamentadaparaobemfuturododesviante.ACriminologiaé,nesteponto,desdeocomeço,aciênciadacriminalidadecomodisposiçãopessoal,comopropriedadedapessoa,queurgedescobrir,observaremodificar.

Este princípio permanece tambémmantido, quandomais tarde, sobinfluênciadaSociologiacriminal(americana),condiçõescriminógenasnoambientedapessoasãopesquisadaseintegradasnasteoriasdacriminalidade(ver abaixo § 3). Na verdade, o comportamento desviante aparece nasteorias sociológico-criminais como reação “normal” às correspondentesinfluências de socialização ou áreas de aprendizagem; neste ponto,hipótesessemelhantestambémpoderiamsermotivoparaumaampliaçãosócio-políticadechances.Contudo,seestesconhecimentossãoassumidos

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peloSistemadeJustiçaCriminalesubordinadosàpretensãodecombatedacriminalidadenormativamentepretendida,entãooautorcriminalestá,denovo,nocentrodointeressedecontroleque,agora,porém,irradiaemseuambientesocial.Apartirdacompreensãocientífico-socialsobrecausasdacriminalidade,abrem-senovasáreasdeintervençãoedeprevenção.

c) Criminalidade como atribuição Somenteteoriasdacriminalizaçãomaisrecentes(“teoria do Labeling”),

sejaistoaquiantecipado,dissolvemesteponto-fixoanalítico,quandoelasremetemaoDireitoPenaleàpersecuçãopenalopapeldecisivonaproduçãodo fenômeno social da “criminalidade” (ver, em todo caso, sobre isto,abaixo§3BIII/IV).Comisto,oprincípio“nenhumapenasemlei”,bemconhecidoentreosjuristas,écomoqueinvertidoteórico-cognitivamenteeafirmadoqueanormajurídico-penaleaautorizadaatribuiçãodostatus decriminoso(processopenal)produziriacriminalidade.Quemquerexplicaracriminalidadeprecisa,segundoestasteorias,preocupar-secomacriaçãodanormaecomaaplicaçãodanorma.

2. Interesse por propostas de intervenção criminológica

a) O Direito Penal clássico não precisa de CriminologiaUma Justiça penal comprometida com o Direito Penal clássico, em

queasançãoretributivaémedidapelagravidadedofato,aindanãotemnenhuma necessidade de conhecimentos criminológicos sobre as causasdo fato punível relacionadas ao autor e sobre medidas justificadas pordiagnósticos. Aqui a pena criminal é a compensação proporcional aosinteressesdosmembrosdasociedade,quesãolesionadospelofatopunível.Porqueofatopuníveléatribuídoàvontadelivredocidadãolivreeigual,apenanãoobjetivaaressocialização,mas–namedidaemque,detodo,justificada por prevenção – à intimidação. O Direito Penal é, comotodasascompetênciasdeintervençãodoEstado,fundamentadoteórico-contratualmente.Corresponde, segundo a teoria, à decisão de todos osmembros da sociedade que, para proteção contra lesões de interessesrecíprocos ameaçados, se unificaram sobre este consenso normativomínimoedesuadefesajurídico-penal(videTaylor/Walton/Young,1977).

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As teorias contratuaisdo Iluminismonascemcomoplataformasde lutada burguesia em ascensão contra a justiça feudal arbitrária e privilégioscorporativos, principalmente para assegurar liberdade econômica. Seusescritosigualitáriosdirigidoscontraasdesigualdadesfeudais,contudo,malpodem esconder seu caráter ideológico em face danãomenos evidentegravedesigualdadedepropriedadedafaseinicialdaindustrialização.

b) O Direito Penal do fim desperta a necessidade da CriminologiaPropostasdeintervençãodeumaatuanteCriminologiaempíricasomente

setornamcapazesdeaplicaçãoforensecomoDireitoPenalorientadopelofim.Este,por suavez,desenvolve-senamudançaparao século20, emconsequênciadeumacrescentenecessidadesócio-econômicadeformaçãoescolareprofissional,nocortejodeumarenovadalutaporcadaforçadetrabalho,aindaquesejaelaencontradanaexecuçãopenal.ODireitoPenaldofimsegueunido,emtodocaso,comumatransformadaconcepçãodopapeldoEstado,doqualagoraéexigidopreencherascrescenteslacunasdefunçãodomercado.Alémdisto,contatambémaproduçãoemanutençãodeumprocessodereproduçãosocial.OEstadoétambémresponsabilizadopela socialização organizada, inclusive pelas instituições acessórias decontrolesocial.Estassãojustificadas,nummundosecularizado,somenteporseusobjetivossociaispositivos,nãomaisporsimesmas.AteoriadoEstado do Estado de Direito liberal e distanciado é agora substituídapelomodelodoEstado social intervencionista, onipresente.Aomodelodo Estado de intervenção pertence uma teoria penal que subordinaabertamenteoinstrumentáriojurídico-penalaconsideraçõesdeutilidadeestatal(compareAlbrecht,1988).ParacontinuarumaformulaçãodeFerri,namudançadedisposiçãodaviradadoséculo,nãosetratadereduziraspenas,masacriminalidade(Ferri,1896,12).

c) O Direito Penal da prevenção aumenta a necessidade da CriminologiaOs objetivos de prevenção do Direito Penal, até hoje situados no

primeiroplano,exigemumaanálisecientífico-experimentaldascausasdacriminalidadeparapoderperseguir,commeiosadequados,finalidadesdecorreçãooude intimidação.ACriminologia entrana categoriadeuma“ciênciadosfundamentosdoDireitoPenal”(Hassemer,1993,314).Através

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§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 31

daligaçãoentrediagnosedecriminalidadeetratamentododelinquente,aCriminologiaestárelacionada,desdeocomeço,àpráxisjurídico-penal.Elaestá,desdeentão,emfacedapretensãodeautonomiadaciência,numaprecáriarelaçãoteoria-práxis.ACriminologiaexigeeproduzumapráxisde punição determinada, como parte integrante da disciplina científicaque,nocatálogodamodernadivisãointernadotrabalhocriminológico,tambémaparececomo“Penologia”(compareKerner,1985).OdestinatárioprincipaldaspropostasdeintervençãoéoEstado,emboratambém,comfrequência,instituiçõeslivreseorganizaçõesdebem-estarsemiestatais,pordelegaçãoestatal,sãoparceirosparticipantesdetarefasdecontrole.

A tese da anormalidade – e também isto é de se observar desde osprimórdiosdaCriminologiaatéàspublicaçõescontemporâneas(compareFarrington/Ohlin/Wilson,1986,22)–oferece,emrelaçãoàjustificaçãodeintervençãojurídico-penalclássica,umafundamentaçãoplausívelparaumaampliaçãodocontrole.Sendoconhecidasascaracterísticascriminógenassociaisoupessoais,entãoparecenaturalprevenirocrimecomaintervençãocoativa.Medidaspreventivascontraaqualidadecriminalouoambientecriminógenoparecemmuitomaisracionaisdoqueaintervençãoreativadepoisdofatopunível.Aleipenaldirigidapararealidadescriminalizáveisexistentes perde, com isto, sua posição de monopólio como normacondutoradaintervençãoelimitadoradaintervenção.Conceitosabertos,indeterminados,como“abandono”,complementameampliamosistemanormativofechadodospressupostosdeintervençãojurídico-penal.Quemorientapara a própria biografia, comvisão autocrítica, os resultadosdapesquisadeGöppinger(síndromes),verificaráentãoquequalquerumquetenhavividoumajuventudecheiadeeventoseagitada,éatingidoporumouporoutrocomplexodediagnósticoprecoce(Göppinger,1985,15s.;217s.).

Se a sanção jurídico-penalnão émaismedidapelo fatopunível, querepresenta um acontecimento consumado localizado no passado, masorientadaparaafuturamodificaçãodapersonalidadedoautor,realizadasobefeitoda sanção, entãoesta“medida”nãopodemais serdelimitadaantecipadamente. Ao contrário, a medida determina-se pelo grau dorespectivo déficit específico de personalidade, num processo contínuodemediçõesderesultadoqueacompanhamaintervenção,comajudadepadrõesdenormalidadecriminológicafixada.

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ACriminologiaprovoca,entretanto,comsucessoa impressãodequeteria desenvolvido, na história secular de sua disciplina, um métodocientífico para o combate da criminalidade. Não obstante, até hoje,não existe nenhum resultado convincente da Criminologia tradicional,orientadapeloautor,sobredisposiçõesindividuaisdecriminalidadeeseutratamentoadequado.Nesteponto,tambémcomvistasaopresente,édeseconcordarcomocriminólogoinglêsGarland,quandoelesemostrapoucoimpressionadocomodesempenhodaCriminologiapositivistaprimitiva,com a pretensão de evidência obtida de modo científico-experimental.Esta Criminologia lembra, resume Garland, com todos seus dogmas eespeculações,antesumramodaTeologia(1987,97).

3. Interesse por análise criminológica dos resultados do controle social (pesquisa de efeito)

a) Pesquisa dos efeitos do Direito PenalO moderno Direito Penal de orientação pelos resultados, dirigido

para os desenvolvimentos futuros, conduz necessariamente a umanecessidade da Justiça penal por investigações, que se ocupam com osefeitos das intervenções recomendadas como justas. Partindo de teoriasdosurgimentodacriminalidaderelacionadasàpessoaedeteoriaspenaisorientadaspelaprevençãoespecial,anecessidadedepesquisadirige-se,emprimeirolugar,àverificaçãodosefeitosdasançãoemrelaçãoaopunido.Mais tarde, são tambémpesquisados efeitosde irradiaçãodaameaçadesanção, intimidantes ou reforçadores da norma, ou seja, (efeitos) dassanções concretas. O efeito da intervenção da Justiça penal, que devepromoveraeducaçãoouotratamentododelinquente,éverificadopeloresultadodaprovaçãolegal(suspensãocondicionaldapena)oudofracassodareincidência.Aadequaçãodasançãonãoémaisdecididasomentepelacategoriada Justiça.Alémdisso, entra aquestão científico-experimentaldeterminadasobreacorreçãodamedidaparaodiagnosticadoproblemadepersonalidade.

b) Pesquisa de consequências acessórias danosas da Justiça penalComoconhecimentocrescentedascondiçõessociaisdocomportamento

individualdesviante,entramnaperspectivadopesquisadordacriminalidade,

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§ 2 - Interesses de Aplicação jurídico-penal 33

aoladodafamíliaoudaescola,tambémasprópriasinstânciasdecontrole.Aquestãosobreograudeeficiênciadassanções,quereagemaexistentes,deoutromodoproduzidasqualidadescriminógenas,éampliadaparaaquestãosobreaprópria (contraprodutiva) contribuiçãodosórgãosdecontrolenacarreiracriminosadeseusclientes:nãoafamília,masapuniçãoestatalfazocriminoso.

Apósinicialmedodecontatoemfacedapesquisadeinstâncias(compareLautmann,1972),mostramosórgãosdaJustiçapenalhoje,inteiramente,uminteressepróprionaorganizaçãodesuaatividade,noaumentodesuaeficiênciadeintervençãoounaevitaçãodeconsequênciasacessóriasnãointencionaisdeseusprogramasdenormaedeaplicaçõesdenorma.Elesdeixamdesenvolver projetos sobre a “Políciamoderna” ou a “Execuçãopenalmoderna”,instituemmodelosdeumapráxisreformadaebuscamnaciênciaporpesquisadeacompanhamento(compareKreissl,1986,129s.).

4. Interesse por legitimação criminológica da Justiça penal

OinteressedaJustiçapenalnaaplicaçãodeconhecimentoscientíficosda Criminologia não pode ser avaliado somente em relação às funçõesinstrumentais do Direito Penal de combate da criminalidade. Numasociedade que se deixa conduzir sempre menos por representações devalortradicionais,asintervençõescoativasdoEstadonavidadoscidadãossomente sepermitem justificarpelademonstraçãodequea intervençãoé legítima. A legitimidade de uma intervenção é comprovada por seusresultados.Eparaademonstraçãodanecessidade,dautilidadeedacorreçãoobjetivadaintervenção,aciênciaestáàdisposição,comseuinstrumentário,paraumabuscadaverdadeaparentementelivredevalor.Aciênciapoderemetera regularidadesdaação social jápesquisadasque, integradasnoedifícioteórico,estãoprontasàconvocaçãoparaexplicaraçõespassadaseparaprognosticar(ações)futuras.Enquantoapena,noquadrodasteoriasabsolutas, pode ser legitimadapordentrodoDireito, osdefensoresdasteoriaspenaisrelativasprecisam“fazerperíciasforadoprocessopenal.Elesprecisam,parajustificarapenaeaaplicaçãodapena,tomarposiçãosobreosefeitosesperáveis,elesprecisamfazerprognósticos,avaliarprobabilidades”(Hassemer,1983,46).ODireitoPenalétransformadodeumaorientação

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jurídico-normativaemumaorientaçãoempíricosócio-científica.Aciência,aquiaCriminologia,torna-se,destemodo,umimportanteinstrumentode legitimação para decisões políticas (compare Habermas, 1974, 72ss;Sack,1987,260).Elaratificaanecessidadeobjetivadaintervençãopenal.Criminólogos contribuem, aqui especialmente, com informações – porelespresumidas– sobrepossíveisefeitosdeprevençãodoDireitoPenal,por exemplo, sobre o efeitodapenaprivativade liberdadeperpétuanainibiçãodohomicídionapopulação(Kaiser,1978).

§ 3. Teorias da Criminalidade: a explicação da criminalidade no perfil de exigência do Direito penal

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A. Modos teóricos de intervenção

I. Necessidade de teoria científica

1. Ganho de promoção de conhecimento

O interesse do Direito Penal por análises criminológicas de causaspressupõe teorias científicas que explicam o comportamento individualou social. ACriminologia tradicional não desenvolveu nenhuma teoriaindependente sobre isto,mas realizouempréstimosdeoutros setoresdaciência: Medicina, Psiquiatria Biologia, Psicologia, Sociologia. “Teoriascriminológicas” de tipo tradicional são caracterizadas pelo fato de que

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia36

aplicam, no âmbito do objeto do comportamento desviante, teoriasexplicativasdacondutaelaboradasemoutrasdisciplinas.

Oganhodepromoçãodeconhecimentodeumateoriacientíficaparaexplicaçãodocomportamento,sejadequeespéciefor,residenaobrigaçãodeprecisarsedesligardavisãodomundocotidiano.Assim,vê-seojuristapenal–orientadopelaleipenal–,quetemdepartirdoaxiomadaliberdadedevontade,obrigadoacompreender,porexemplo,atravésdeumateoriacientífico-socialdaaprendizagem(ver,abaixo,BI2),ocomportamentocriminosocomoaçãoconsequentederegrasaprendidas.

2. Insegurança por alheamento

Adesvantagemdavisãoteóricaaguçadaresidenoefeitodealheamentocomistoassociado.Precisamenteparaojuristadecorredistoumagrandeirritação, porque ele não pode, ou pode somente com grande esforço,transferir estes conhecimentos em sua ação profissional. Isto é postosistematicamente,porqueaaplicaçãojurídicadoDireitoPenalquasenãopermiteaberturasparaconcorrentesmodelosdeexplicaçãocientífica.OsistemadoDireitoPenalcontémumapretensãodeexclusividadenormativa,porqueéconstruídoparadecisõesrapidamenteproduzíveis,quenãosãocomprometidascomapretensãodeverdadecientífica.Aúltimadeveserdiferenciadadoconceitodeverdadejurídico-penal(forense),porqueestanãoquerexplicar,masapenasquerpossibilitaraomagistradoofundamentoparaumquadrosubjetivodeconvicção(§261,CódigodeProcessoPenal)(compareabaixo§24II).Nãoporúltimo,irritaçõesocorremparaojuristatambém disto, porque modelos explicativos de outras ciências não sãotransmitidosdemodosuficientenaformaçãojurídica.

II. Utilização diferente das teorias criminológicasO interesse do Direito Penal por explicação da criminalidade pode-

se ordenar segundo duas posições: por um lado, existe o interesse porinstrumental utilizável, ou seja, conhecimentos empíricos sobre causasda criminalidade e sobre a efetividade do controle jurídico-penal dacriminalidade, disponíveis para o combate da criminalidade. Trata-se,

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aqui,daeficiênciadasmedidasdepersecuçãopenal.Poroutrolado,pode-sedescobrirumanecessidadedeconhecimentocriminológico simbólicoutilizável – ou seja, disponível para a necessidade de fundamentaçãopolítica.Estanecessidaderefere-setambémàexplicaçãoeaocontroledacriminalidade.Trata-se,aqui,doganhopolíticodapersecuçãopenalparaoEstado:assim,umaexplicaçãoexclusivamenteindividualdacriminalidadepodeeconomizarmedidaspolítico-sociaiscaras.

1. Necessidade de teoria no interesse da aplicação do Direito Penal vinculado a pessoas

Ao nível instrumental da utilização jurídico-penal de resultadoscriminológicos, a criminalidade é considerada, tradicionalmente, comoum fenômeno individual, que precisa ser imputável com exatidão.Neste sentido, sãoperguntados, emprimeiro lugar,pelosprincípios de explicação causal(etiológico-individualizantes)relativos à pessoa(verBI).Estesdeixam-seinserirmelhornomodelodeordenaçãodogmáticadoDireitoPenal (tipo legal, antijuridicidade, culpabilidade etc.) (compare,emgeral,sobreistoLuhmann,1972,354s.).Mas,porqueoDireitoPenalexigedecisõese,nesteponto,nãoéumsistemaabertodeação, resulta,tambémparaestesmodelosdeexplicação,umespaçorelativamenteestreito.

Alémdisto,a já limitadacapacidadederecepçãojurídico-penalagrava-se, ainda, com a crescente “sociologização” de numerosos princípiosteóricosdeexplicação.Pois,atravésdainvasãoderelaçõessócio-estruturaisdefundamentaçãonaanáliseteórica(verBII),sãoexplodidososmodelosde imputação do Direito Penal direcionados à imputação pessoal. Aplausibilidadedoesquemadeverificaçãoedefundamentaçãojurídico-penaldetipicidadeobjetivaesubjetiva,deantijuridicidadeedeculpabilidade,queestudantesdeDireitoaprendemnoestudobásicoparaofimdecomprovaçãodapunibilidade,éreduzidacadavezmaisatravésdacrescentepenetraçãodeprincípioscriminológicosdeexplicaçãoteórico-sociais.

O Sistema de Justiça Criminal esforça-se, com auxílio de pesquisascriminológicas de causas e de efeitos, para obter uma maior eficiênciacriminal-preventivadesuasmedidas.Istoconduz,necessariamente,tambémaointeressedaJustiçapenalpor“teorias de criminalização”(verBIIIe§4).

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Teorias deste tipo consideram a “criminalidade”, enfim, como resultadode intervenções e de criação de normas da Justiça penal, assim comoda“estigmatização” (rotulação como criminoso) disto resultante. Do pontodevistadapersecuçãopenal, aprópriaaçãodecontroleparece, emtodocasonamedidaemqueconduzaprocesso formal,oumesmoamedidasprivativas de liberdade, comooperigoda eficiência preventiva.A Justiçapenal reage, consequentemente, com a proposta de processos informais(“diversion”)esançõesambulantes(porexemplo,trabalhocomunitário).Aproposta teórico-criminológicada teoriada estigmatização, originalmentedesenvolvidacomomeiodecríticaaoDireitoPenal, é transpostaemumprogramademodernizaçãodaJustiçapenal.Tambémlá,ondearenúnciaaprocessosformaiséproduzidaporsobrecargadecasos,oapeloaumateoriade criminalizaçãopodeprestar ajudade fundamentaçãopolítico-criminalútilparaarenúnciadapersecuçãopenal.

2. Enfoque dos objetivos sistêmicos do Direito Penal através de teorias sociais da criminalidade

Modelosdeexplicaçãocientífico-sociaisdocomportamentodesviantetambémsensibilizaramoDireitoPenalnamedidaemque,aocontráriodeseusobjetivosdirigidosaoindivíduo,nãomaisnegligenciamcondiçõesestruturais da criminalidade: destruição ambiental condicionada pelaeconomia, dano econômico produzido por exagerada ideia de lucro,ondasmigratóriascondicionadaspornecessidadeeconômicaeosdesvioscorrelacionados a isto. O legislador penal e as instituições de controlereconhecemquesemelhantessituaçõesproblemáticasesituaçõesderiscoda sociedade “pós-moderna” não podem ser enfrentadas com os meiostradicionais do Direito Penal da culpabilidade. Em correspondência àexplicaçãoteóricadodesvio,comoproblemaestruturalnãomaisredutível,simplesmente,àaçãoculpável,nósobservamos:• nalegislação penal,umamudançadedelitosderesultadoparadelitos

de perigo (especialmente noDireito Penal ambiental eDireito Penaleconômico;compare,sobreisto,Herzog,1991,109s.),

• umrelaxamentodosníveis de imputação(nãomaisacausalidade,massuposiçõessãosuficientesparareaçõesjurídico-penais),

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• elevadas exigências de dever sobre o cidadão caracterizam odesenvolvimentodosdelitosdeomissãoedeimprudência.

Tudoistoparecia,jánonívelnormativo,maldesaguarnopensamentode prevenção repressiva do Direito Penal do risco. Pressupostos deintervenção tornam-se imprecisos, cláusulas gerais e conceitos jurídicosindeterminadosassumemoprimeiroplano.AlegalidadedoDireitoPenalparecia se diluir, a olhos vistos, em formas deotimização do controle social.Umdesenvolvimentosimilarencontra-senoníveldapersecução penal.Aqui,areorientaçãodasuspeitarelacionadaàpessoaparasituaçõesaparentemente criminógenas de grupos (de população) e de riscocomunitáriojáestá,nonívelnormativo,emparteconcluída(ver,sobreodesenvolvimentoemDireitodePolícia,abaixo§15III1).

Este emprego de conhecimentos criminológico-estruturais, queoriginariamenteeramaplicadosexclusivamentenacríticaaoDireitoPenal,conduziuimediatamenteàconsequênciaparadoxaldeumamodernizaçãoeracionalizaçãodocontrolesocial jurídico-penal(compareKreissl,1983e 1986). A informação criminológica sócio-científica da Políticacriminalconduziuprogressivamenteaumaelevação das possibilidades de intervenção preventiva do Direito Penal (compare Schwind, entreoutros, 1980; criticamente,Albrecht, 1986).Mas a crise do Estado do bem-estar(compareabaixo§6BIII)relaxouvisivelmenteosobjetivosdeintervençãopreventivadocontrolesocial.Nocursodafasededesilusãodo desenvolvimento do Estado do bem-estar mostram-se agora, antes,processos questionáveis de racionalização burocrático-administrativa deumSistemadeJustiçaCriminalapenasautoadministrante.

Com relação a uma ampla perspectiva de prevenção, entram naperspectivadoDireitoPenal,aocontráriodeseusobjetivosdirigidosaoindivíduo,tambémasteoriasdoLabelingteórico-socialmenteorientadas(criminalidade como atribuição), semdúvida, também, de novo contrasuas intençõesesclarecedoras (verBIV).AteoriavênoDireitoPenalogarantidor de interesses individuais poderosos, que assegura dominaçãocom o instrumento de atribuição da criminalidade. O Direito Penalmodernoaproveitaestepensamento,namedidaemqueevitaaprovadacausalidadenecessáriaaoEstadodeDireitoparaprevençãodassituações

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de risco, precisamente através de imputação abertamente declarada(compareBGHSt37,106s.,bemcomoKuhlen,1990,566s.eHassemer,1994).Aoníveldafundamentaçãodeprovatãoreduzidadacausalidadesãoatraídos,naturalmente,interessesdebem-comum.

Pode-se,emgeral,dizerque,jáatualmente,ointeressedoDireitoPenalpor conhecimentos científicos aproveitáveis simbolicamente deve seravaliadodemodomaisrelevantedoqueanecessidade(menossignificativa)de conhecimentos empíricos aproveitáveis para a persecução penal. IstoserelacionacomopropósitodapolíticadoDireito,decolocaremaçãooDireitoPenalcomosubstitutoparaqualqueroutraviapolíticadesoluçãonapolíticasocial.Comistorelacionado,esteconhecimentocriminológicoserve,demodonãosubestimável,àlegitimaçãopolíticade(novas)estratégiasdeintervençãoedecontroleestatais(verabaixo§6CIV).

B. Classificação sistemática das teorias criminológicas

Pode-se distinguir duas coordenadas para classificação das teoriascriminológicasdeexplicaçãodacriminalidade:noprimeironível,teoriasqueapresentamacriminalidadecomodadoobjetivodeumaexplicaçãocausal (teorias etiológicas), são diferenciadas de teorias que examinamacriminalidadecomoresultadodeumaatribuiçãoporpersecuçãopenal(teorias do Labeling).Nosegundonível,édiferenciadoentreexplicaçõesteóricas vinculadas às pessoas (microteorias) e teorias criminológicasvinculadasàsociedade(macroteorias).

Figura 1:coordenadasparaclassificaçãodasteoriascriminológicas(fonte:Albrecht,1983,9)

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A classificação dos princípios teóricos particulares neste sistema decoordenadas(Albrecht,1983,9s.)nãopodesermaisdoqueumesquemarudimentar,quedevecontribuirparaumasistematizaçãodamultiplicidadedeacessos teóricos.Nestecaso,naverdade,nãotemosde lidarsomentecomteoriascientífico-sociaisdacriminalidade,ouseja,dacriminalização,mastambémcommodelosexplicativosquesãoemprestadosdamedicinaoudabiologia.Nopontocentral,estemodelodesistematizaçãorefere-se,contudo,àsteoriascientífico-sociaisdeexplicação.

Nósqueremos,nasequência,oferecerapossibilidadeaoleitordepoderclassificaramultiplicidadedeteoriascriminológicasemumesquemageralsuperior.Aqui,concede-seprioridadeaestasistemática,emfacedeumaexposição detalhada de teorias singulares, que podem ser estudadas emoutroslugares,comofontesoriginais(compare,porexemplo,Sack/König,1979), ou como literatura secundária (compare, por exemplo,Lamnek,1993).

I. Princípio etiológico-individualizante

Écomumatodasasteoriasetiológicasqueestaspartemdaexistênciadecausas,claramentedestacadas,dacriminalidadejuridicamentecodificada.A particularidade dos modelos explicativos etiológico-individualizantesresideemseudirecionamentounipolarparao indivíduocriminoso.Emcorrespondência a isto, apersonalidade deficitária do criminoso, queimpede uma integração na hierarquia de valores sociais gerais vigentes,valecomodecisivofator explicativo.Arupturadasregrasjurídico-penaisévistacomoincompetênciapessoal,causalmenteancoradaounoâmbitomédico-biológico,ounoprocessodesocializaçãoindividual(educaçãoeinstrução).Comisto,apsicopatologizaçãounidimensionaldocriminosoéencoberta,nãoraramente,porummodelodedisposição-ambientedo“autoremsuasinserçõessociais”(Göppinger,1997,209s.).

1. Teorias biológicas da criminalidade

Princípiosclássicosdosmodelosdeexplicaçãofundadosextensamenteem disposições genéticas formam a orientação biológico-constitucional

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia42

desenvolvidaporKretschmer(1921),abiologiahereditáriadestacadaporLange (1929),Stumpfl(1936)eKranz(1936),quefoiconcretizadacomo auxílio das conhecidas pesquisas de gêmeos, assim como a teoria depsicopatasdeKurt Schneider(1923).

a) Biologia da constituição (Kretschmer)Segundo a teoria dos tipos corporais de Kretschmer, determinadas

propriedades de caráter e tendências para o cometimento de delitosespecíficossãoatribuídasaformasparticularesdeconstituição(pícnicos,leptossômicos,atléticosedisplásticos).

O psiquiatra alemão Kretschmer estudou a relação entre “constituição” e crimepormeiodemais de4000pessoaspesquisadas (compareKretschmer, 1955, 331).Kretschmercompreendiaporconstituiçãooconjuntodascaracterísticashereditáriasde um ser humano, que se expressam na constituição corporal e espiritual. Acombinação entre estrutura corporal, temperamento e estado psíquico Kretschmersintetizouemtipos ideais(compareKretschmer,1955,17s.).Portiposideaisdevemsercompreendidosconstruções-modelo,nasquaisdeterminadostraçosdarealidadesãoexagerados,comafinalidadededestacá-losnitidamente(compareRöhl,1987,175).DescritoscomosindicadoresdeKretschmer,representam-seostiposcorporaiscomosegue(compareKretschmer,1955,14,77s.):• Leptossômicos:homemmagro,espigado,tóraxchato,longo,pescoçofino,cabeça

pequena,carapálida,mãosepésestreitos,cabelogrosso.• Atléticos:homemdeestaturamédiaàaltacomlargosefortesombros,troncoem

formade trapézio ebacia estreita, forte relevodemúsculos sobre estruturaósseagrossa,pescoçofortecomcabeçarústica,rostooval,mãosepésgrandes,cabeloforte.

• Pícnicos:tóraxcurto,fundo,curvado,formasredondas,suaves,pescoçocurtoecabeçagrandeearredondada,rostolargoeavermelhado,mãosepéspequenosedeossosfinos,cabelomacio.

• Displásticos:formasdeestaturadesarmônicas,anormais.

Kretschmeratribuiuespeciaispropriedadesdecaráteraosrespectivostiposcorporais,que devem sugerir uma disposição para determinadas formas de criminalidade:pícnicosseriamempequenaextensãocriminosos,leptossômicosinclinar-se-iamparaofurtoeafraude,atléticostenderiamparadelitospatrimoniaisesexuaisviolentosedisplásticosdestacar-se-iampordelitossexuais(Kretschmer,1955,346;vertambémH.-J. Schneider,1987,374s.).

NateoriadeKretschmerficatotalmenteobscurodequemodoostiposdeconstituiçãocontribuemparaacriminalidade.Ostiposdeconstituição

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 43

tambémnãosãoclaramentediagnosticáveis.Osdados,emgeralobtidosem instituições (psiquiátricas e estabelecimentos penais), não permitemo controle das influências sociais que, contudo, deveriam sermantidasconstantesnoquadrodepesquisa,parapodermedirde formaconfiávelainfluênciadaconstituiçãocorporal.Finalmente,ofatorcriminógenodaconstituiçãocorporalnãoabrenenhumapossibilidadeparaumainfluênciaterapêutica.

b) Pesquisas de gêmeosNa pesquisa de gêmeos tenta-se provar, através da comparação da

conduta(criminosa)degêmeosmonozigóticoscomgêmeosdizigóticos,acontribuiçãodapredisposiçãohereditáriaparaagênesedacriminalidade.

Desde os anos 20 do século passado ocorrem na Alemanha inúmeros esforçoscientíficosparacomprovarempiricamenteadeterminaçãobiológicadocrime.Comaretomadadepesquisascaracterológicassobregêmeos,quejánoséculo19tinhamsidorealizadas,deveriaserapresentadaaprova,comauxíliodaobservaçãocomparativadacriminalidadedegêmeosmonozigóticosedizigóticos,dequeacriminalidadeseriageneticamente determinada. Se o comportamento é hereditário, assim afirmava ahipótesedapesquisa,entãoocomportamentodegêmeosmonozigóticos,deidênticomaterial genético, deveria sermais parecidodoque o comportamentode gêmeosdizigóticos,dediferentematerialgenético.Aocontrário,seapredisposiçãohereditárianão exerce nenhuma influência sobre o comportamento, então a comparação derealização de criminalidade por gêmeos monozigóticos e dizigóticos não permitemostrarnenhumadiferença(compareLange,1929;Stumpl,1936;Kranz,1936).

Se ambos os parceiros de um par de gêmeos demonstrassem semelhanças nacomissãodeaçõescriminosas,entãoseriamdenominadosconcordantes,nafaltadesemelhança,discordantes.Naseguintetabela,estãocompiladosalgunsresultadosdapesquisadegêmeosdosanosvinteetrintadoSéculo20:

Figura 2:Comportamentocriminosodegêmeos(Fonte:Sack/König,1979,239)

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Dototalde104paresdegêmeosmonozigóticospesquisados,70demonstraramcomportamentoconcordante,portanto, igualmentecriminoso,34provaram-se,aocontrário,comodiscordantes.Emrelaçãoaos112gêmeosdizigóticosincluídosnapesquisa, ocorreu exatamente o contrário. Aqui dominaram os pares discordantes(75),quenãodemonstraram,portanto,nenhumaconcordâncianocomportamentocriminoso;osparesdegêmeosconcordantes(37)formaramaminoria.Paraosantigospesquisadoresdegêmeosestava,comisto,comprovado,quefatoreshereditáriostêmumaparticipaçãorelevantenascausasdocomportamentocriminoso.

Em relação às primeiras pesquisas, operantes apenas com pequeno númerode casos, subsistem consideráveis dúvidas sobre a capacidade de generalizaçãodos resultados. Mas, também pesquisas metódicas mais exigentes, como as dodinamarquêsChristiansen(1977),chegaram,natendência,aresultadossemelhantes:Christiansenselecionou3586paresdegêmeosdoregistrodinamarquêsdegêmeos.Gêmeosmonozigóticosedizigóticosforamidentificadosatravésdeconfiáveisexamesdesangue.Acriminalidadedosparesdegêmeosfoiinvestigadaconformeregistrospoliciaisepenais.Em35%dosparesdegêmeosmonozigóticosmasculinosencontrou-seconcordância,nosparesdegêmeosdizigóticosmasculinos,aocontrário,apenas13% de concordância. Fatores hereditários elevariam, portanto, a probabilidadede ocorrência de comportamentos sociais semelhantes, conforme Christiansen na cuidadosa interpretaçãode seus resultados (compare, sobre isto, tambémH.-J. Schneider,1987,369s.).

Contra os resultados das pesquisas de gêmeos é de se opor, emespecial, uma objeção substancial. O fator ambiental, que poderia serjustamenteaexplicaçãodecisiva,naprática,foicompletamenteexcluídodestaspesquisasdocomportamentocriminosodegêmeos.Sobregêmeosmonozigóticos aplica-se pressão social, em medida especialmente elevada, paramostraremcomportamento semelhante.Aocontrário, emgêmeosdizigóticos,quetambémpodemserdesexosdiferentes,esteéocaso em extensão substancialmentemenor (compare tambémMontagu,1979,239s.;H.-J. Schneider,1987,370s.).

c) Teoria da psicopatia (K. Schneider)Finalmente,tambémateoria dos “psicopatas criminosos”(K. Schneider,

1923), que em seguida foi ampliada em diversas variantes biossociais(Eysenck, 1964), contém a afirmação de uma “predisposição hereditáriacriminosa”,queconduziriaaumapersonalidadeanormale,destemodo,deveriaproduzircomportamentocriminoso(H.-J. Schneider,1987,382s.;Kaiser,1996,116s.).Ateoriadopsicopatatem,napráxisdaperícia

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 45

psiquiátricanoprocessopenal,umaininterruptagrandesignificação.Aqui,sãodiagnosticadaseimputadas“personalidadescriminosas”,conformeogênerodecasosdedoençasclínicas(compare,criticamente,Barton,1983).Resultadosdaconexãocientíficainvestigadaentrepsicopatiaereincidênciacriminal baseiam-se, em regra, na verificação da psicopatia pelo laudopericialrelacionadoaosautosenacomprovaçãoposteriordareincidência.Fatoressociaispermanecemexcluídosdestecírculofechadodeexplicaçãodacriminalidade.

2. Teorias de aprendizagem

As teorias de aprendizagem e de controle, em essência sócio-psicologicamenteorientadas,procuramfixarascausasdocomportamentocriminosonomundode vida do indivíduo.Ao contrário doprincípio multifatorial (compare Glueck/Glueck, 1970), que procura explicaro comportamento criminoso com auxílio de uma multiplicidade defatoresparticulares,quepodemserdeorigemsocial,psicopatológicaou(hereditário-) biológica, as teorias de aprendizagem se concentram noprocessodeintegraçãodoindivíduonasociedade(“socialização”).

Embora as teorias de aprendizagem sócio-psicológicas tomem emconsideraçãofatoressociaisdosurgimentodacriminalidade,apessoa do autorpermanecesemprenocentrodaatençãocientífica.Acriminalidadeédesencadeada,segundoesteconceito,pordeficiênciasdapessoa,ouseja,porsocializaçãodefeituosa.Comabandonodatesebiológicadocriminosonato, a teoria da aprendizagem afirma que todo ser humano pode sersocializadodentrodomodelodecomportamentocriminoso.Maisalém,acriminalidadeseriadeexplicarcomocomportamentosocialnormal,emqueédesereconhecerarenúnciadeconceitosdepatologiamédica.

Comportamento desviante é, portanto, como comportamentoconforme, aprendido no processo social. Com isto, o processo deaprendizagemécompreendidocomdiferentesmodelosteóricos.Istoabrangedesde simples modelos de condicionamento (compare Skinner, 1953),passandopelomodelodeaprendizagempeloresultado(aprendizagemdereforço,compareJeffrey,1965;Akers,1977),atécomplexasteoriassociaisdeaprendizagem(compareBandura,1979).

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia46

a) Teoria dos contatos diferenciaisOexemplomaisconhecidoparaumaexplicaçãodacriminalidadepela

teoriadaaprendizageméateoria dos contatos diferenciaisdeSutherland (1947;tambémCressey,1981,183s.).

Modelosdecomportamentocriminososãoaprendidosatravésderelaçõespessoaisemgrupos.Nestecaso,sãoadquiridastécnicas,quesãonecessáriasparacometimentodefatospuníveis,masespecialmenteatitudes justificantesemfacedelesõesdalei.Sepredominamnavidacotidianadoadolescentetípicotaiscontatosquepromovematitudescriminosas,emfacedaquelesqueavaliamdeformanegativaaslesõesdalei,entãosurgeodesvio.Nosbairroscarregadosdedelinquênciadasgrandescidades,osadolescentesentramemcontatocomgruposdeambasasorientações.Seriadecisivoparaaprobabilidadedosurgimentodadelinquência,comquaisgruposoadolescenteentraria em contato preponderante (“contatos diferenciais”, compare Sutherland,1979,396s.).

A teoria dos contatos diferenciais está, neste ponto, como mediadora entreconceitos de explicação da criminalidade relacionados à pessoa e relacionados àsociedade.Assim,tambémtentadarumarespostaàquestão,porquesereshumanos,apesar de disposições comunitárias portadoras de criminalidade, não se tornamcriminosos(compareH.-J.Schneider,1987,505s.).

Criticamente é de se observar, que uma identificação com modeloscriminosos tambémépossível semcontatospessoais,ouseja,atravésdemodelos imaginários.Sutherland subestimou, com certeza, no final dosanos 40, o papel dos meios de comunicação de massa. Além disso, osimplescontatopessoalcomatitudesfavoráveisàcriminalidadenãotem,ainda,nenhumsuficientevalorexplicativo:policiaisoucarcereirosquasenãosãoinfectadosporcontatosdestetipo.

b) Teorias do controleAocontrário,asteoriasdocontroleenfatizamosvínculoscontroladores,

externose internos,dapessoanasociedade,queseriamdecisivosparaoprocesso de aprendizagem do comportamento socialmente conformista(compareReiss,1951;Gold,1970).

Em relação às teorias da criminalidade acima indicadas, inverte-se a direçãoexplicativa:nãoodesvio,mas as condiçõesdocomportamento social conformista

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sãoexplicadas.Portanto,criminalidadeédesencadeadapela rupturaoudebilidadedosvínculosquemantémumserhumanocomasociedadeeseusgrupos.Todososhomenssão,segundoateoria,potenciaisvioladoresdoDireito.Elessãomantidossobcontrolepelomedodecolocaremperigooudeperder,atravésdacriminalidade,asrelaçõescomospais,amigos,vizinhos,colegasdeprofissão,professoresetc.Lá,ondefaltamtaisvinculaçõessociais,oshomenssetornamvulneráveisparaacriminalidade.

3. Conclusões das teorias de condições relacionadas às pessoas, para medidas preventivas

a) Ponto de partida criminal-preventivo: personalidade deficitáriaO ponto de partida criminal-preventivo decisivo das denominadas

teorias da criminalidade é a personalidade deficitária dos “criminosos”.Emtermosgerais,éaincompetênciadoindivíduo–frequentemente,emapoioaomodelomédicodedoença–desecomportardemodoadequado.Causasparaestaincompetênciapodemserencontradasounoâmbitodahereditariedadebiológica,ounahistóriadeaprendizagemindividual.

b) Objetivos de prevençãoObjetivosdesejáveisdeprevenção,sobofundamentodestesprincípios

teóricos,sãoaredução de formas de comportamento desvianteedesuasetapas preparatórias,comamanutençãodasestruturassociaisexistentes.Asinstituiçõesdecontrolesocialnãosão,ainda,submetidasanenhumaanáliseindependente,meramenteauma(análise)mediadorarelacionadaàpessoa,emdireçãoapossíveisefeitoscriminalizadores.Aqui,prevençãosignifica“intimidação”de(futuros)fatos(prevençãogeral),assimcomo“tratamento” ressocializante (prevenção especial). Consequência deambas formas de procedimentos deve ser uma redução dos modos decomportamentoindesejados.

c) Estabilização do status quo socialTaisteoriasprestam,também,paraumadramaturgiadacriminalidade,

que tem em vista a estabilização do status quo social e, de resto, estáinteressada namanutenção de uma aceitação acrítica dos cidadãos, emrelaçãoàsestratégiasdecontroledaspolíticasdesegurança.

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia48

II. Princípios etiológicos sócio-estruturais

Diferentedosmodelosetiológico-individuais,osprincípiosetiológicossócio-estruturaisincluemasociedadegeralnaexplicaçãodacriminalidade.Isto ocorre, em geral, através da diferenciação de camadas verticais,que trabalha, aomesmo tempo, como relevopara a intervenção teórica(compare,abaixo,modelodeestratificaçãosocial,no§11B).

Opontodereferênciaanalíticodasteoriassociológicasdecriminalidadesãocaracterísticassociaisestruturaisrelevantes,porexemplo,desigualdadesocialouconflitosculturais.Àdiferençadasteoriasrelacionadasàspessoas,os fatores desencadeantes do problema são agora vistos na sociedade,que não oferece pressupostos adequados para a integração social. Nolugardaspessoaspatológicasou subsocializadascomparecemestruturas sociais “anormais”, que provocam uma pressão social em direção aocomportamentodesviante,emdeterminadassituaçõesdevida.

1. Teoria da anomia

Um exemplo clássico para uma tal abordagem configura a teoria daanomia,que foidesenvolvida comoconceito sociológico-normativoporEmile Durkheim (1976) e aperfeiçoada como teoria da criminalidadeporRobert K. Merton(1979).Anomiadesignaumestadodeausênciaderegras.Emrelaçãoàpessoaindividualougruposdepessoas(tornando-secriminosas), esta situação torna-se entãoprovável se os objetivos sociaisreconhecidosnãosãoalcançáveispelosmeiossócio-estruturaisexistentes.Nestecaso,precisamsertomadosmeiosilegais,ouseja,criminosos,paraalcançarosobjetivosvalorizados.

Mertonpartedaobservação–aparentementealicerçadanaestatísticacriminal–dequeafrequênciadocomportamentodesviantevariaemdiferentessituaçõesdevidasocial(estratificação).Ateoriadesenvolvidaparaexplicaçãodestefenômenodestacaque,entreosvaloresemetasdifundidosnacultura(porexemplo,bem-estarmaterial)e osmeios e vias socialmente disponibilizados para conquistar sucesso social (porexemplo, instrução, trabalho), existe uma discrepância. Esta constelação conduz,quantoaosmembrosdasociedadeprejudicadossócio-estruturalmente,aosquaisoacessoàsvias legítimasdesucessoé impedidooudificultado, tendencialmente,aodesvioeàcriminalidade.

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 49

Anomiadesigna,portanto,umarupturanaestruturacultural,queexistemedianteumafortediscrepânciaentrenormasemetasculturaisreconhecidasnasociedadeeaspossibilidadessócio-estruturaismediatizadaspararealizaçãodasmetas.Emformadetese,ateoriadaanomiapodesercompreendidacomosegue:• Quantomaisforteéacentuado,emumasociedade,umametacomumdesucesso

para todos osmembros da sociedade– independente de suas possibilidades derealização(ideologiadaigualdade),

• Quantomaisforteosmembrosdasociedadeaceitamasmetasculturais,• Quanto mais limitadas são as reais possibilidades legítimas disponíveis para

realizaçãodasmetas,• Tanto maior é a probabilidade de que os membros de uma tal sociedade

escolhammeios ilegítimospararealizaçãodsmetasdesucesso,portanto,ocorrecomportamentodesviante(Springer,1973,12).

Acriminalidadedosintegrantesdecamadasinferioresaparece,nesteponto,comoreaçãonormaldeindivíduosobjetivamenteprejudicadosemumasociedade,naqualriquezaesucessosãotransmitidosenfaticamentecomobensculturais,masosmeioslegítimosparaalcançarasmetassãovedadosapartesconsideráveisdasociedade.

Emrelaçãoàteoriadaanomiaé de se objetarque,tambémnasociedadenorte-americana,asmetasde sucessomaterialnão sãodifundidascomovalorculturalunitário,namedidacomoMertonpresumiu.Separando-se,emquestionamentosempíricos,entre“desejos”(independentedaposiçãosocialreal)e“expectativas”(vinculadasàposiçãosocialespecífica),entãomostra-se:oshomenscompartilham,naverdade,aoníveldosdesejos,asmesmasmetas,masaoníveldasexpectativas existemmuitasdiferençasdependentes do status sócio-econômico (Springer, 1973, 48 s.).Com asuposição de que em todas as camadas sociais estariam enraizadas asmesmasmetasculturais,Mertonnãomaisfazjustiçaàestruturapluralistada sociedade moderna. A maior carga de criminalidade das camadasinferiores,retratadanasestatísticasoficiais,possivelmenterefleteantesumapuniçãoseletivadoqueumaextensãorealmentemaiordecomportamentodesviante.

2. Teoria da subcultura

a) Conceitos de culturaAtesedarelatividade da cultura,dapossibilidadedequeexistamaisdo

queumacultura–ouseja,a(cultura)ocidental–,foipostapelaprimeira

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia50

vezpelaantropologiacultural.Esteconhecimentonasceudaconfrontaçãoda cultura ocidental com as formas de comportamento e costumes desociedadesestrangeiras,queosetnólogosconheceramnassuaspesquisassobreospovosafricanosoudaOceania.Aassunçãodoconceitodeculturanaexplicaçãodocomportamentodesviantepode servistocomoavançorevolucionáriodedesenvolvimentonaSociologiacriminal.

Oconceitodecultura,empregadocomomeiodeanálisedacriminalidade,conduzaoconhecimentodequeavidado“desviante”(medidapelaculturadominante)nãoocorrearbitráriaesemnormas,nasfavelasnãodominaocaos,não falta todo equalquer controle social.Para isto, têmchamadoatenção,emespecial,observaçõesparticipantesemfavelas eembandosdeadolescentes–iniciadasnosanosde1920,nosEUA(achamada“EscoladeChicago”deSociologiaCriminal,compareCohen,1955).Aocontrário,encontram-setambémaquimodelosdeorientação,normaseregrasdesuavigilância,precisamenteuma“subcultura”.Asubculturaé,portanto,umsistemasocialdecomportamentoedevalor,queexisteseparadodaculturadominante,mas,nãoobstante,épartedela.

b) Conceito da subcultura (Cohen)Oconceitodesubculturaestáindissociavelmenteligadoaostrabalhosdo

sociólogoamericanoAlbert K. Cohen.Oseuestudosobreadelinquênciadebandosdeadolescentes(1955)temtido,hámuitotempo,significadofrancamenteparadigmáticoparaesteprincípio.Enquanto,paraMerton,obem-estarmaterial,comometasocialdominante,estánopontocentral,Cohen favorece abusca de status dentrodeumgrupodemembrosdecamadas inferioresde igual faixa etária (adolescentes) comoacondição decisivaparaagênesedemodelosdecomportamentodesviante.

Ateoriadasubculturapretende,emespecial,aexplicaçãodadelinquênciajuvenile de bandos. As formas de cometimento de delinquência juvenil, aparentementeirracionaisesemsentidoparaaculturadominante,despertamumaelevadanecessidadedeexplicação:furtodecoisasqueosadolescentesnãoprecisam,vandalismoouguerrasdebandos,quenãoservemanenhumafinalidadeeconômica.

Coheninterpretaaculturadebandocomoreaçãoaexperiênciasdefracassoedefrustraçãodosadolescentesdecamadasinferiores,quesevêemexpostosaproblemasde status em relação aos valoresda culturade classemédiadominante.Enquantojovensdeclassemédiapodemimpressionarcomajudadedinheiro, roupas,carros

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 51

ou moradia, que não servem somente como sinais exteriores de status, mas, aomesmo tempo, também simbolizam o acesso a vias estabelecidas de sucesso, ospais de camada inferior não estão na condição econômica de proporcionar aosseusfilhosestessinaisdestatus.Medianteacriaçãodeumsistemadevaloresedecomportamentosdesviantessãooferecidoscritériosdestatus,queosadolescentesdecamadas inferiores,comsuaspossibilidadesdadas,podemalcançar.Ao ladodisso,atravésdasnormasdesviantesconcorrentesépraticada,igualmente,desforracontraasnormasdominantes(comparePfeiffer/Scheerer,1979,37).

c) Diferentes oportunidades de acesso (Cloward/Ohlin)Com as premissas da teoria da anomia corresponde uma variante da

teoriadasubcultura,quefoiconcretizadaporRichard K. ClowardeLloyd E. Ohlin (1960) de modo que as oportunidades diferenciais para osmeios adequados aosfins tambémsão estendidas ao âmbitodas formasde comportamento ilegal. Isto significa, em conclusão, que tanto umabem-sucedida carreira criminosa, quanto umabem-sucedida carreira decidadão,emprincípio,subordinam-seaosmesmosmecanismosdecontroleelimitações(Sack,1978,348).

d) Sistema de valores das camadas inferiores (Miller) Walter B. Miller (1979) destacou que a subcultura encontrada nos

adolescentes de camada inferior não é nenhuma reação de curto prazoconsequenteàsexperiênciasdefrustraçãojuvenil,masdeveserinterpretadacomoexpressãodeummundoautônomodoextratoinferior.Osistema de valor da camada inferiordesenvolveu,segundoatese,medianteumatradição secular, uma coesãoprópria.Esta cultura é caracterizada, entreoutrascoisas,peloaltosignificadodacoragem,virilidade,esportividade,busca por excitação e tensão ou o amor pelo jogo (compare tambémPfeiffer/Scheerer,1979).

3. Conclusões das teorias de condições relacionadas à sociedade, para medidas preventivas

a) Criminologia compreensivaTeoriassócio-estruturaisdacriminalidadenãomaissupõemnenhuma

patologia do comportamento, embora também aqui se perguntesobre as causas do comportamento das pessoas, não sobre as causas da

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia52

criminalização do comportamento – ou apenas marginalmente. Acriminalização é pressuposta como reação normal, porque o sistemade normas criminalizantes – ainda que, em geral, de uma determinadacamadasocial–évistocomooprincípiofundamentaldeorganizaçãodasociedade.

OabandonodoconceitodepatologiapossibilitouumaCriminologia compreensiva, que estuda as fases de socialização dos delinquentes nasorganizações subculturais de adolescentes e interpreta a criminalidadecomoinstrumento positivoparaadolescentesdeestratosinferiores.Comestaajuda,elesconseguemumstatusnointeriordeseucírculocultural.O abandono da perspectiva patológica possibilita, neste ponto, umaverificaçãocriminológicaqueLombrosoouFerri nuncateriamimaginado,ouseja:criminalidade é normal.Sobdeterminadascircunstânciassociais–outambémemdeterminadossetoresdavida–delinquência,tambémcriminalidade, éumaaçãonormal,muitodifundidae consequente.Elaaparece,emcircunstânciasestritasdavida,comomeioútilparaconquistarvalores sociais altamente valorizados (teoria da anomia) – ou tambémformasde statusdesviantes (teoriada subcultura).Este comportamentodosmembrosdeestratosinferioresécolocadoemrelaçãocomasnormasdas camadas médias, e vale nesta relação, sob certas circunstâncias,como criminoso. O desvio criminoso é, também aqui, ainda pensadocomo qualidade (embora sócio-estruturalmente condicionada) docomportamento individual.

b) Objetivos de prevençãoObjetivos desejáveis de prevenção são, por sua vez, encontrados na

reduçãodocomportamentocriminalizado.Istoépossível,porumlado,pelamudança das normas de grupos.Poroutrolado,mediantealteraçãodas condições fáticas de vida, deve ser possibilitada paramais grupossociaisdoqueatéagoraumavidasegundoasnormasdascamadasmédias.Asinstânciasdecontrolesocialpermanecem,comopontodepartidadaprevenção,teoricamenteexcluídas.Estasinstânciassãodefinidas,emsuafunção, comoguardiãesdasnormasde classemédiaque, emgeral,nãoestãoàdisposição,masrepresentamaafirmaçãodemetasdasociedade.

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 53

Estão à disposição, portanto, apenas modelos de orientação sócio-culturaisdegrupos sociais.Aobtençãodeconsenso é somentepossívelmediante adaptação das normas de camadas inferiores ou das normassubculturais aos padrões da classe média dominante.Deste ponto devista teórico,metódicaeoperacionalmente,prevenção significa trabalhosocial.Nestapretensão,elaultrapassao simples tratamento individual eincluioambientesocialdoindivíduo.Apretensãodetratamentocontinuaexistente,masdeformamodificada.

III. Princípio da definição individualizante, ou princípio do Labeling

1. Criminalidade como significado social atribuído (teorias da interação)

a) Modelos criminológicos de interaçãoModelos criminológicos de interação (compare Lemert, 1951, 1975)

consideram o chamado desvio secundário como um processo socialnodecursodoqualo indivíduoéestigmatizadocomodelinquentepeloambientesocial.Odesvio primário,aocontrário,écompreendidocomouma categoria que deve ser explicada por outros fatores, portanto, nãorelacionadosaocontrole.

Segundo as representações de Edwin M. Lemert, ao “desvio primário”, aocomportamento lesivo da norma é reagido pela Polícia e Justiça Penal “demodocriminalizante”, pelo que processos de estigmatização são efetuados. Em seguida,nosentidodeumaprofeciaautorrealizante,aestigmatizaçãofavorececriminalidadeposterior (desvio secundário), na medida em que desencadeia autoimagens decriminosono indivíduo e reações redutorasdeoportunidadesno ambiente social.O desvio primário não é submetido a nenhuma explicaçãomais detalhada, nesteprimeironíveldateoriadoLabeling.Aocontrário,ointeresseécomaassunçãodeumpapeldesviante,areorganizaçãodaautoimagemmedianteprocessosderotulação(Lemert,1951,75s.).

Aqui, procura-se ainda, bem no sentido das tradicionais teorias dacriminalidaderelacionadasàpessoa,pelascondiçõesqueproduzemumapersonalidade criminosa.Novo e criador de conhecimento é, porém, olocal onde são presumidas influências portadoras de criminalidade, ouseja,asinstituiçõesdoSistemadeJustiçaCriminal.Somenteateoriada

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia54

definiçãorelacionadaàestruturadiscuteapossibilidadedodesvioprimárioe preserva a premissa de conhecimento teórico das teorias sociológicasinteracionistas: um significado social como “criminoso” somente nascemedianteaautorizadaatribuiçãodestadesignação–policialoujudicial,porexemplo.

b) Ação como qualidade ou como significado socialEnquanto as acima mencionadas teorias criminológicas examinam a

criminalidade como uma qualidade de uma ação objetivamente dada,as teorias do Labeling (rotular, etiquetar) interpretam criminalidadecomo significado social, que nasce mediante atribuição (definição).Criminalidade como fenômeno social nasce somente mediante aconstituição da Justiça penal e, com isso,peladefiniçãodeumaaçãocomocriminosa.Umadisputacorporalentreduaspessoastransforma-sedeconflitoemcriminalidadesomentenomomentoemqueinstânciasformaisde controle (Polícia, Ministério Público) realizam uma correspondentedefiniçãojurídico-penal.NocursoposteriordeprocessamentonoSistemadeJustiçaCriminalrefinam-seosprocessosdedefinição:assim,amortedeumapessoaporoutrapodeserdefinida,segundoascircunstâncias,comoacidente sem culpa, como homicídio imprudente, como lesão corporalcom resultado demorte, como homicídio ou assassinato (Sessar, 1981,207s.).Comisto,concorremmuitodiferentesvaloraçõese–sobretudo–sanções(comparecasoErna,§16Ve§18II2c,abaixo).

c) Interesses de conhecimento do Labeling approachA teoria do Labeling coloca-se por tarefa de pesquisa, portanto,

investigarascondiçõesextrapenaisdeatribuiçãodacriminalidade,comoporexemplo:• pertençadeclasse,• poderdequeixa,• comportamentosocialdesuspeitosdofatoedevítimas,bemcomo• regrasinformaisdeaçãodopessoaldapersecuçãopenal.

Umacorretacaracterização,quebemcompreendeatípicaintervençãodoprincípiodoLabelingaofenômenosocialdodesvio,foioferecida

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 55

porHoward S. Becker em seumuito considerado estudo “Outsiders”(1973):

“Comportamento desviante é criado pela sociedade. Eu não penso isto domodo como é costumeiramente compreendido, ou seja, que os fundamentos docomportamentodesvianteencontram-sena situação socialdapessoadesvianteemseucomportamento,ounos‘fatoressociais’quedesencadeiamsuaação.Eupenso,aocontrário,quegrupos sociais criam o comportamento desviante através disto, que eles estabelecem regras cuja lesão constitui o comportamento desviante,equeelesaplicamessasregrasadeterminadaspessoas,querotulamcomooutsiders.Destepontodevista,ocomportamentodesviantenãoénenhumaqualidadedaaçãoqueumapessoacomete,mas,aocontrário,umaconsequênciadaaplicaçãoderegrasporoutrosedesançõessobreumautor.Apessoacomcomportamentodesvianteéumapessoaaquemestadesignação foi aplicada com sucesso; comportamentodesviante é comportamentoqueaspessoasassimdesignam”(Becker,1973,8).

d) Premissas do Labeling approach Aexplicaçãodacriminalidadeocorre,portanto,segundoaspremissasdo

Labeling approach,conformeasseguintesetapas:• Gênese da norma (nível: legislação):acriaçãodenormasdoDireito

Penal ocorre no quadro das relações sociais de poder. Os interessesestruturaisdominantesprecipitam-senacriaçãoseletivadoDireito.

• Aplicação da norma (nível: processo de persecução penal): aatribuiçãodedefiniçõesdedesvioocorreemumprocessoqueédirigidopelodireitoformalepormetarregras(regrasinformais,de“second code”)(porexemplo,critériosdesuspeitadaPolícia).Tambémaquisetratadeprocessosdepoder,emregra,entrecidadãossemexperiênciajurídicaeórgãosprofissionaisdapersecuçãopenal.Aschancesdeparticipaçãonoprocessovariamnadependênciadaeventualidadedepodermobilizarcontra-poder, na figura de especialistas do Direito (Defensor penal)(compare abaixo§ 16V3 e § 22 IV1).Mas tambémaqui operaminteresses na manutenção ou ampliação dos recursos pessoais oumateriaisdeprofissõesdapersecuçãopenal.

• Atribuição de significado (nível: interação com o ambiente social):aaplicaçãodanormatemporconsequênciaprocessosderotulação.Odesviante é colocadoemumnovo statusque,para ele, é socialmentegrave.OambientesocialreageàatribuiçãodesignificadoprovenientedosórgãosdaJustiçacomaretiradadechancesdeparticipaçãosocial

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia56

echancesdecarreira.Odesvianteadapta-setendencialmenteaopapelimaginadoeentranumprocessoprogressivodecarreiracriminosa.

OprincípiodoLabeling nãopartedeumconceitoestáticodecriminalidade,que permitiria separar, alémde qualquer dúvida, entre conformidade edesvio.Aocontrário,éacentuadooaspectodinâmicodaproduçãosocialdodesvio.Comomais abrangente conceito de criminalizaçãodeve serdestacadooprocessogeraldeelaboraçãodopredicado“criminoso”.Assim,a criminalidade somente pode socialmente se desenvolver no nível daintervençãodasinstânciasdecontrole.Somenteaintervençãoedefiniçãopeloaparatodecontroleestatal fazdocomportamentonormativamentedesvianteumcomportamentocriminoso.

2. Consequências das teorias do etiquetamento relacionadas à pessoa, para medidas preventivas

a) Objetivo da prevenção: evitação de ações estigmatizantesTambémasteoriasdoetiquetamentorelacionadasàpessoapermanecem

aindacomprometidascomoobjetivocientífico-criminológicoauxiliardeprevenção.Objetivosdesejáveisdeprevenção,destepontodevista,sãoaexclusãoouredução de processos de rotulação criminalizantes,ouseja,areduçãodereações estigmatizantesnoambientesocialdedelinquentes.Estãoàdisposiçãoatitudes,teoriasdocotidianoeestratégiasindividuaisdecomportamentodetodososparticipantes,assimcomopráticasrotineirasdaaçãopolicialedaJustiçapenal.

b) Reorganização da interação e comunicação no Sistema de Justiça CriminalA prevenção poderia significar aqui, metódica e operacionalmente,

instrução e treinamento dos participantes em direção a processos nãoestigmatizantes.Aespecificidadeemrelaçãoaosprincípiosacimadescritosconsistenisto,quePolícia e Justiça sãopensadas comogruposfinaisdemedidas preventivas, e não mais exclusivamente como portadoras deprevenção criminal, que vale aperfeiçoar nesta função. Ao contrário,é-lhesatribuídaumacontribuiçãocausalnarealizaçãodocomportamentodesviante. A assunção de que criminalidade não é uma qualidade do

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 57

comportamento tem uma influência significativa na direção final daprevenção. Do ponto de vista destas teorias, o fundamento da açãopreventivanãoémaiso“tratamento”doautor,masanovaconfiguração(reorganização)deformasdeinteraçãoecomunicação.Comisso,acausaisoladanãoémaisatribuídaanenhumdoslados.

IV. Princípio do Labeling teórico-socialmente orientado

Osprincípiosdeatribuiçãoteórico-socialmentecarregadosrelacionam-se a categorias sócio-estruturais: imposiçãode poder social,modelos desociedades,atribuiçãoinstitucionalporaparatosdepodersocialeestruturadenormas.

1. Atribuição de criminalidade como meio de imposição de poder social

a) Imposição de poder socialNospaíses de língua alemã,Fritz Sack foi quemprimeiro lutoupela

recepçãoeampliaçãoteórico-socialdaperspectivadoLabeling(compareSack,1974,1979).Seuesforçoorientou-separaaaberturadoprincípiodo Labeling para concepções teórico-sociais, como estas são esboçadas,por exemplo, nos modelos de conflitos crítico-socialmente orientados(compare,porexemplo,Chambliss/ Mankoff,1976;Jansseneoutros,1988):seacriminalidadenãoéavaliadacomocomportamento,mascomoumbemjurídicosocialnegativo,entãoosmecanismosdedistribuiçãodestebemnegativosãoobjetodaCriminologia.Asestruturasdedefiniçõesdodesviosocial,comosãoexpressasnoquadrodacriminalidaderegistrada,remetem,portanto,paraposiçõesdepodersocial(“poderdedefinição”)einteressessociaisdominantesquedesencadeiamprocessosdenormalizaçãoepodemintroduzirdiretrizesdepersecução.EnquantoateoriadoLabelingrelacionadaàpessoa,emrelaçãoaoDireitoPenal,estáantesdesinteressada,SackinsisteemumaCriminologiaquesecompreendecomoSociologiadoDireitoPenalhistoricamenteinteressada(Sack,1987,248s.).Porúltimo,destemodo, a análise da criminalidade é ampliada em uma análise dasociedade,quetemporobjeto,porexemplo,adesigualdadesocialouopapelativodoEstadonaproteçãoseletivadosinteressessociais.

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia58

b) Fundamentação teórico-social do Labeling approachUma tal ampliação dodesenhoda teoria conduz a questionamentos,

queultrapassamclaramenteoâmbitodoobjetodateoriatradicionaldoLabeling.Porum lado, através da análise dosprocessos legislativos, sãodestacados os subjacentes interesses em controle e disciplina que, porsuavez,dirigemoolharparaquestõessobreforma da Política e forma do Estado.Necessariamente,ointeressedeconhecimentodirige-se,aomesmotempo, para as instituições sociais básicas de propriedade e trabalho,assim comopara suas formas de imposição e para asnecessidades de controle disso resultantes. Por outro lado, a visão é aguçada para umaanáliseda“normalidadesocial”.

c) Criminalidade como atribuição institucional dirigidaTambém sob esta perspectiva vale a premissa fundamental de que a

criminalidadeéumaquestãodeatribuição(adscrição).Mas,emrelaçãoaoprincípiocentradonoindivíduo,oconceitoindiferenciadode“existênciadeconhecimento”,de“teoriasdocotidiano”etc.,éabandonadoemfavordeumaanálisemacrossociológicadasinstituiçõescriadorasdenormaseaplicadorasdenormas,especialmentedosistemadeDireitoPenaledosórgãosdepersecuçãopenal.Estessãocompreendidos,poresteprincípio,não como guardiões do consenso fundamental da sociedade (como eminúmerasteoriassócio-estruturais),mascomoexpressãodopoderdeumgruposocialsobreoutros(Sack,1987,378).

d) Atribuição como processo de garantia do poder social Fatores decisivos, na perspectiva destas teorias, devem ser vistos na

aspiração dos grupos de interesse dominantes por garantia de poder.Por um lado, isto acontece concretamente mediante as duras sançõescontraagressõesàordemsocial,mesmoquandoestasnãosãorealizadasdiretamente,masde forma indireta –precisamente através de infraçõesdasnormasestabelecidas:assim,pode-severocrimetambémcomoum“golpedeEstadodoladodebaixo”(compareFoucault,1976).Poroutrolado,agarantiadepoderpodeserrealizadamedianteadiscriminaçãodosatingidoscomo“criminosos”(Quinney,1975,407),peloqueasteoriasdecondiçõesindividualizantesservemcomolegitimação.

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§ 3 - Teorias da Criminalidade 59

2. Consequências das teorias de etiquetamento sócio-teoricamente orientadas para medidas de Política criminal

a) Prevenção como política da sociedade ACriminologia crítica, à qual são atribuídas as teorias do Labeling

compretensãoteórico-social,guardadistânciadaorientaçãodeprevençãofixadanormativamentenoDiretoPenal.Seomodelodesignificadosocialda“criminalidade”éproduzidoe configuradopeloDireitoPenal epelaJustiçapenal,entãooconceitotradicionaldeprevençãonãofaz,aqui,defato,nenhumsentido.Aprevençãotransforma-seemPolítica criminal,se não emPolítica da sociedade. As conclusões da teoria da definiçãoestruturalmenteorientadaapontam,emprimeiroplano,amudançadasestratégias de controle estatal. Se estas (estratégias), contudo, são vistascomo sócio-estruturalmente condicionadas, então as recomendaçõesapontam,finalmente,paraumatransformaçãodasociedadeedopapeldoEstado(Taylor/Walton/Young,1977,281s.;Quinney,1975,419s.).

b) Consciência para modelos alternativos de sociedadePolíticacriminalsignifica,metódicaeoperacionalmente,dopontode

vista destas teorias, a criação de uma consciência política que permiteoutras estratégias de comportamento e outras formas de resistência(compareClarke eoutros,1979).Soluções técnicasedecurto-prazonoâmbitodaprevenção,quesomenteestimulamaobediênciaànorma,sãocompreendidas comootimizaçãodas estratégias de controle e, por isso,rejeitadas(Quinney,1975,266).

C. Consequências para o Direito Penal: um resumo crítico

• Osprincípios etiológicos,tantoosindividualizantes,comotambémossócio-estruturais,comportam-seemrelaçãoaoDireitoPenaldeformaamplamente concordante.ODireitoPenal é reconhecido, se não atémesmovalorizado,comomediumdedireçãopolíticaedecontroledascriseseconflitossociais.Nestesentido,aCriminologiaéumaciência

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia60

auxiliarparaoDireitoPenal,quenão sedesprendede sua funçãodefornecedoradependente.

• O princípio do Labeling individualizante comporta-se, em relaçãoaoDireitoPenal,deformaneutra,nomínimoindiferente.PorcausadacircunstânciadequenãoquestionaoprogramacondicionaldoDireitoPenal, permanecem os processos estatais de disciplina e de controleorganizados, na sua estrutura e dinâmica, que se referem (podem sereferir)precisamenteaestecódigodeconduta,foradoâmbitodealcance.

• Somenteosmodelos sócio-teoricamente dirigidos do Labeling tomamoDireitoPenal,emseuscontornosrudimentares,emperspectivacrítica.Neste caso, contudo, falta um instrumental teórico suficientementediferenciado,porquetantooaspectodeestigmatização,comotambémoaspectodedefinição,isoladamente,nãosãoadequadosparaimpulsionarpara frente a análise dos procedimentos de controle jurídico-penaldirigidos, trazendo ganhos para o desenvolvimento da teoria. Nesteponto, énecessáriaumaampliação teórica, emalguns setoresmesmoumanovadeterminação,paracompreenderfundadamenteosprocessossociaisde criminalização, em suaconexãode funções jurídico-penais.OpontoaltododebatedoLabeling,quetemsuasraízesnasociologiaamericana do desvio, deixa-se datar de meados dos anos setenta doséculo20paraospaísesdelínguaalemãe,nessaextensão,estásuperadohámuitotempo.Istonãosignifica,contudo,queoLabelingapproachperdeutotalmentesuaantigainfluênciadominantenadiscussãoteóricada sociologia criminal.Compete-lheomérito, semdúvida,medianteoolharagudoparaasinstânciasdecontrolesocial,deterdespertadoacompreensãoteóricanaanálisedoprogramanormativojurídico-penal.

• Medianteosconhecimentosdateoriadarotulaçãosócio-estruturalmenteinspiradasãoformulados,conduzindoapesquisa,oscontornosdeumaSociologia do Direito Penal(Sack,1987,1988e1990).Nestequadroseriadesedestacar,precisamente,porqueaPolíticacriminalsemostrade talmaneira resistente em face de descobertas como a seletividadedocontrole social jurídico-penal, a crescente rupturadoprincípiodalegalidade,adesigualdadenoDireitoouainstrumentalizaçãopolíticadoDireito.ODireitoPenalsegue,evidentemente,outraslógicas,diferentes

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§ 4 - Teorias de Criminalização 61

daquelasquesão,emgeral,supostas.Possivelmente,nãoénemmesmodeabalarporcontraprovasempíricas.

• AexigênciadereduçãodaspossibilidadesdeintervençãoestatallesivasdoDireitoeameaçadorasdaliberdadedocidadão,emperspectiva jurídica,emtodocaso,precisa ser fundamentadacomrecursoàsgarantias de liberdade indisponíveis asseguradas jurídico-constitucionalmente.EstasseexprimememgarantiasprocessuaisdoEstadodeDireitoenaproteçãojurídico-constitucionaldedireitosdeparticipaçãoededireitosdeliberdadedocidadão(compare,abaixo,capítulo3).Aquipareceaindamuitoútil–emtodocaso,paraoDireitoPenalorientadopeloEstadodeDireito–oflancodeproteçãoteóricadaperspectivadoLabeling.

§ 4. Teorias de criminalização: controle da criminalidade mediante teorias penais

Literatura: Albrecht, P.-A., Unsicherheitszonen des Schuldstrafrechts, GA 1983, 193 s.;Albrecht, P.-A., Spezialprävention angesichts neuer Tätergruppen, ZStW 1985, 831 s.;Baratta, A., Integrations-Prävention, Eine systemtheoretische Neubegründung der Strafe,KrimJ1984,132s.;Geyer, C. (editor),HirnforschungundWillensfreiheit–ZurDeutungderneuestenExperimente,2004;Hassemer, W.,GeneralpräventionundStrafzumessung,in:Hassemer,W;Lüdersen,K.;Naucke,W.,HauptproblemederGeneralprävention,1979,29s.;Haffke, B.,TiefenpsychologieundGenerlprävention,1976;Hassemer, W.,EinführungindieGrundlagendesStrafrechts,2ed.,1990;Hassemer, W.,Kommentierungvor§1StGB,in: Nomos-Kommentar zum StGB, 1995; Hegel, G., Werke, Volume 7 (Grundlinie derPhilosophiedesRechts);Herzog, F.,PräventiondesUnrechtsoderManifestationdesRechts,1987;Jakobs, G.,SchuldundPrävention,1976;Jakobs, G.,Strafrecht,AllgemeinerTeil,2ed.,1993;Kant, I.,Akademie-Ausgabe,VolumeVI(DieMetaphysikderSitten);Kaufmann, A.,DasSchuldprinzip,2ed.,1976;Naucke, W.,DieKriminalpolitikdesMarburgerProgramms1882, ZStW 94 (1982), 525 s.; Naucke, W., Strafrecht: eine Einführung, 10 ed., 2002;Müller-Dietz, H.,VomintellektuellenVerbrechensschaden,GA1983,481s.;Müller-Dietz, H., Integrationsprävention und Strafrecht, in: Festschrift für Jescheck, H.-H., 2ª semi-edição, 1985, 813 s.; Müller-Tuckfeld, J.C., Integrationsprävention, 1998; Rasch, W., Diepsychologisch-psychiatrische Beurteilung von Affektdelikten, NJW 1980, 1309 s.; Roxin, C.,ZurProblematikdesSchuldstrafrechts,ZStW96(1984),641s.;Stratenwerth, G.,DieZukunftdesstrafrechtlichenSchuldprinzips,1977;von Feuerbach, P.,LehrbuchdesgemeineninDeutschlandgültigenpeinlichenRechts,14ed,1847;von Liszt, F.,StrafrechtlicheAufsätzeundVorträge,VolumeI(1875-1891),1905,p.126s.;Zipf, H.,DieIntegrationsprävention(positiveGeneralprävention),in:FestschriftfürPallin,F.,1989,479s.

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia62

A. Teorias do controle jurídico-penal da criminalidade como fornecedoras de legitimação do Direito Penal, nas Escolas clássica e moderna do Direito Penal

Da tarefa de teórica penetração sócio-científica do fenômeno socialda criminalidade, por meio das “teorias da criminalidade”, deve serdiferenciadaaquestão sobreas teoriasdocontrole social jurídico-penal,em geral designadas simplesmente como “teorias penais” (ou mais tecnicamente: teorias da criminalização). Umanecessidadeporanálisecriminológicadecausasdacriminalidadeeefeitosdassançõesnasce,pelaprimeiravez,quandooDireitoPenalécolocadoaserviçodeconsideraçõesde utilidade social. Este é o caso, pela primeira vez na teoria penal doIluminismo, como acimadetalhado (§2 III 3).Antesde tudo,deve-sedemonstrarumpressupostofundantedomodeloteóricodapena.Enquantoteoriasdacriminalidadeperguntamregularmentesobrecondiçõesparaaocorrênciadedesviosocial,asteoriasdapena,quenamaioriadoscasospartemdeummodelodecriminalidadeetiológico-individualizante,tratamsempredageraljustificaçãoda pena.Nesteponto,oconceitode“teoriapenal” é, antes, conducente a erro,porque édirigido,primariamente, àlegitimaçãoteóricadapenaedapunição(estatal),enãorefletecriticamenteapena.Teoriasdapenanãosãoteoriassobreapena,massãofórmulasdefundamentaçãoparaapena.

Quempergunta pelo sentido e pelo fimda pena prevista noDireitoPenal,encontramuitodiferentescorrentesdeargumentação,imagensdoserhumano,compreensõesdoEstadooufilosofiasdesegurança(compareNaucke, 2002, 32 s.). Porum lado, temosde lidar com teorias penais absolutas,queremontamaostrabalhosdeFilosofiadoDireitodeKant,BindingeHegel.Aqui,aideiadeumaJustiçageralvinculante,de“Direitonatural”, por assim dizer, está no centro (compare Müller-Dietz, 1983,484).Logoosentidodapenaesgota-se,amplamente,nacompensação de culpabilidaderelacionadaaofato.

As teoriaspenais absolutas estão ligadas coma tradiçãodo Idealismoalemão (Kant, Hegel). Elas apresentam uma teoria que desvincula apena estataldeumaperseguiçãodefins (absoluta) e limita apunição àcompensaçãodoinjustocometido(repressiva).Oseusentidoconsiste–

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assimHassemer–nareintegraçãodoordenamentojurídico,narealizaçãodaJustiça.Pordetrásdestestextosnãoexistenenhumrigorismodesprezadordoserhumano,masocuidadosobreadignidadehumanadocondenado(Hassemer,NK-StGBantesdo§1,númeromarginal411s.;Herzog,1987,89s.).

Em contrapartida, as teorias penais relativas favorecem o fim deprevenção.Estaspartemdadanosidadesocialdocrime.Apenaobjetiva,então, à prevenção criminal, que deve ser realizada pela influênciaressocializanteouassecuratóriadoautor.UmateoriadoDireitoPenaldefim foi elaborada, pela primeira vez, pela chamadaModerna Escola deDireitoPenal,naviradaparaoséculo20.SeumaisdestacadorepresentanteéFranz v. Liszt (compare,sobreisso,tambémNaucke,1982,525s.).

ODireitoPenalvigenteeaJurisprudênciadosTribunais–comoexpõeoTribunalFederalConstitucional(BVerfGE45,187,253s.)–seguem,amplamente,adenominadateoria unificada,que–comênfasesdiferentes–tentareunirtodos os fins da penaemuma“relação equilibrada”.

B. A construção das teorias singulares

I. Compensação da culpabilidade e retribuição

1. Culpabilidade como ponto de fuga retrospectivo

Asteorias penais absolutas fundamentamajustificaçãoeanecessidadeda pena, de certo modo, em retrospectiva do fato punível, a partirda lesão doDireito. A punição ocorre, neste caso, exclusivamente parareintegração da ordem jurídica,quefoidesequilibradapelofatoculpável.Namedidaemqueapenacompensaoinjustocometido,eladeverealizarjustiça.

Representando-seo“exemplodailha”deKant,revela-sesimultaneamenteum rigorismo moral: “Ainda que a comunidade de cidadãos, com a concordância de todos os membros se dissolvesse (por exemplo, o povo habitante de uma ilha decidiria se separar e se dispersar por todo o mundo), o último assassino encontrado na prisão precisaria ser antes executado, para que cada

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia64

um receba o valor de seus fatos e a culpa de sangue não recaia sobre o povo, que não insistiu nesta punição: porque pode ser considerado como participante nesta lesão pública da Justiça”(Kant,AAVI,333).

Hegel fala, neste contexto, da pena como “negação da negação” doDireito.Eleseposicionacontraumapenafundadanafinalidade:“Comajustificaçãodapenadestemodoécomosealguémlevantasseobastãocontra um cão, e o ser humano não é tratado conforme sua honra eliberdade,mascomoumcão”(Hegel,volume7,emadiçãoao§99,p.190).

Assim, livre de toda perseguição de fim, as teorias absolutas da penatambém fundamentam a pena (nível de justificação da pena), assimtambém pode ser inteiramente atribuído a estas teorias um implícitopensamentodefim(níveldecolocaçãodefimdapena).Areintegraçãoda ordem jurídica não se realiza de forma volátil, mas dentro de umasociedadequeutilizaoDireitocomoinstrumentodeordem.Anecessidadedapenafundamenta-semedianteapretensãodeasseguraraordemsocialatravésdoDireito–e,destemodo,possibilitaravidahumanacomumnassociedades.Estareflexãopoderiaserampliadaparaalémdofundamentopenalmetafisicamenteancorado.

O princípio de compensação da culpabilidade constitui, tambémaindahoje,segundoconcepçãoamplamenterepresentada(compare,sobreisto,Kaufmann,1976),ofundamentodoDireitoPenal:“Aculpabilidade,queoautoratravésdeseufatocarregousobresi,écompensadamedianteexpiaçãodapena(segundocorrenteusodelinguagem:retribuída,expiada).Esta simples tese, que contém os pressupostos de punibilidade, assimcomo a tarefa e a justificação da pena, tem podido se afirmar, durantetanto tempo, como fundamento de nossa ciência, não somente porquesuasraízespenetramprofundamentenahistóriadopensamentoocidental.Estatesepossui,acimadetudo,avantagemdequerendejuridicamentemuito, e possibilitou os decisivos desenvolvimentos político-criminais edogmáticosdosúltimos200anos”(Roxin,1984,641).

O princípio da culpabilidade está ancorado, no atual Direito Penal,no§46, seção1,oração1,CP.Segundoeste, a culpabilidadedoautoré o fundamento para amedição da pena, aomesmo tempo, com isso,aculpabilidade limitaapena.Masaprescriçãoexige, simultaneamente,

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“considerar”osefeitosdeprevençãoespecial,quealeisepermiteesperardapenaparaavidafuturadoautornasociedade(§46,seção1,oração2,CP).

2. Debilidades do conceito de culpabilidade

Contra o conceito de culpabilidade, que é dirigido por uma teoriaabsolutadapena,sãoapresentadasduasobjeçõescentrais.

a) Nenhuma demonstrabilidade empíricaUmaculpabilidade,queserelacioneaoindividualpoderdeagirdiferente

nomomentodofato,nãoseriademonstrável.Aprova empírica,queépressupostaparaahipótesedaculpabilidade,não se deixa produzir.Noâmbitodapsiquiatriaforensedominaconsensosobreisto,queacapacidadedoautordepoderteragidodiferentenomomentodofato,nãopodesercomprovadacommeiosempíricos(compareRoxin,1984,643,comoutrasreferências).

b) Metafísica da retribuição Hoje,umdireitoestatalderetribuiçãocompensadoradaculpabilidade

nãosedeixamaisdeduzirdeumprincípiodecompensaçãodaculpabilidadecomprometidosomentecomaideiadeJustiça,construídasemfinalidade.A sentença judicial não seria mais dedutível de forma metafísica, massubordinadaaosprincípiosdaConstituição do Estado civil-democrático.Apretensãoabsolutistaestariaperdida.OJuizseria,deagoraemdiante,legitimadoporumpoderdoEstadoque,pelomenossegundoaletradaConstituição, emana do povo. Um direito à retribuição não poderia, portanto, existir(compareRoxin,1984,643s.;Stratenwerth,1977).

3. Culpabilidade como construção normativa de limitação do Direito Penal Apesar de toda crítica justificada em face das premissas do princípio

daculpabilidade,asfunções limitadoras da culpabilidade,emrelaçãoaumadesenfreadaintervençãodecontrolepreventivodoEstadopunitivo,sãodestacadascomomeionecessáriodegarantia da liberdade(compare,

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Capítulo 1 - A intervenção do Direito Penal sobre a Criminologia66

neste sentido, o Tribunal Federal Constitucional 105, 135 s., 2 BvR794/95,de20.3.2002).OTribunalFederalConstitucional,emsuadecisãosobresuspensãodepenapatrimonial,determinaaoLegisladorconsiderardemodosuficiente,nadecisãosobreameaçaspenais,sempretambémoprincípiodeculpabilidadedoEstadodeDireito,peloqualoJuizconservaapossibilidade“deaplicar,nocasoconcreto,umapenajustaeproporcional.Princípio de culpabilidade e determinação de consequências jurídicasestãonumarelaçãodetensão,queprecisaserconduzidaaumsustentávelequilíbriojurídico-constitucional.”(BVerfGE105,135).

Precisamenteporquesetrata,emrelaçãoàcategoriadaculpabilidade,de uma construção normativa que, do ponto de vista sócio-científico,nãopodesatisfazer,enfim,aosfundamentosempiricamentedemonstráveisdaação,atravésdistoépossívelumalimitaçãodaintervençãopreventivaestatalsobreocidadão.Oconceitonormativodeculpabilidadeé,assimcompreendido,umbaluarte contra a imaginável radioscopia e controle,cientificamentedirigida,doserhumano.

Por isso, também as teses da moderna pesquisa cerebral caem novazio,quandoelas,fundadasnosdeterminantesneurológicosdacondutahumana,recusamoDireitoPenaldaculpabilidadeporfaltadaliberdadedevontadeepropõemumpuroDireitodemedidasdesegurança(ver,pormuitos,Geyer,2004).Avantagemdaconstruçãonormativajurídico-penalda“culpabilidade”consisteprecisamentenisto,queaocidadãoéatribuídaaliberdade,quenãoé,naverdade,neurologicamentedemonstrável,masprecisadeterminaravidasocialconjuntadossereshumanos–enquantoexiste um livre Estado de Direito. Somente ordenamentos coativosautoritáriosconhecemumaexclusivaorientaçãopormedidasdesegurança.

II. Prevenção especial

1. Utilidade como princípio social “moderno”

O desenvolvimento social e econômico elevou, no último terço doséculo19,anecessidadedecontroleestatalnoâmbitoda infraestruturaeconômicainterna,daexploraçãodenovosmercados,daorganizaçãodaformaçãoescolareprofissionaloude instituiçõesacessóriasdecontrole.

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Através do posterior desenvolvimento da tecnologia de produçãocresceramasexigênciassobreaforçadetrabalho,quenãomaispuderamserpreenchidasmediantepassageira socialização familiar.Ao ladodisto,cresceu a necessidade de controle jurídico das consequências negativasque subjazem às incontroláveis forças do mercado – por exemplo,formação de monopólios, mas também política dos baixos salários outrabalho infantil. No lugar da liberal distância do cidadão em face doEstado entrou agora a glorificação do Estado expansivo, planejador,reguladorepreventivodecrises.AscrescentesexigênciascivispeloEstadointerventor, autoconsciente, desembocaram em reflexões teórico-penais,quesubordinaramexplicitamenteoinstrumentodecoaçãojurídico-penalaponderaçõesdeutilidadeestatal.

2. Orientação individual pelo fim

Aprevençãoespecialvalecomoumobjetivocentraldapenaestatal,quenãodirigesuaeficáciaàtotalidadedossúditosdoDireito,masàminoriadosautorespenaisconvictos.Porisso,elanãopergunta:“oquemereceofurto,oestupro,ohomicídio,ofalsotestemunho?”,mas“oquemereceuesteladrão,esteassassino,esta testemunhafalsa,esteestuprador?”(von Liszt,1905,p.175.).

a) A prevenção especial positiva concentra-se na ressocialização doautor.Nabase,existeummodelodetratamento,quedevecompensaremudarpositivamenteosdefeitospessoais atribuídos e as extensas falhasde socialização, na intervenção especial preventiva da pena criminal(compare§46,seção1,oração2,CP).Aprevençãoespecialreencontra-se,noobjetivodaexecuçãodotratamento,mesmocomoúnicoobjetivodaexecução(§2,oração1,LEP).

b)Aprevenção especial negativabaseia-se,aocontrário,somentenasupostapericulosidadedoautorpenal.Remete,comisto,paraosaspectosdasegurançaedaexclusãodasociedade,enormatizaatarefadeproteçãodacomunidadecontraulterioresfatospuníveis(§2,oração2,LEP).

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III. Prevenção geral

1. Intimidação

Ateoriadaprevençãogeralpromete,comaexistênciaeaaplicaçãodoDireitoPenal,afidelidadenormativadacomunidadeeaintimidaçãodosqueestãoemperigodecometersemelhantesfatospuníveis.

a)Aprevenção geral negativapretende,medianteapuniçãodoautor,simplesmenteimpediroutrosmembrosdasociedadedacomissãodefatospuníveissemelhantes.“Se lesões do Direito devem (...), de qualquer modo, ser evitadas, então precisa existir, ao lado da coação psíquica, ainda uma outra que, partindo do Estado, precede a consumação da lesão do Direito e, em cada caso particular, produza eficácia, sem que seja, para isto, pressuposto o conhecimento da lesão agora iminente. Uma tal coação somente pode ser uma (coação) psicológica.” O“impulso sensorial [paracomissãodeumainfração]pode ser suprimido através disto, que cada um sabe, que ao seu fato seguirá um mal inevitável, que é maior do que o desprazer que resulta do não satisfeito impulso para o fato” (von Feuerbach,p.38,§§12e13).

b)Aprevenção geral positivaestárelacionadaàestabilizaçãodafidelidadenormativa da sociedade. Sobretudo, a teoria da prevenção geral positivaconstitui,nestecontexto,umsignificativofundamentodelegitimaçãoparaosistemadecontrolejurídico-penal:§47CP,falanaseção1,danecessidadedeumapenaprivativadeliberdadeinferiora6meses,seisto,entreoutros,é“indispensávelparadefesadaordemjurídica”.AprevençãogeralpositivaévistacomomelhorapropriadaparaumafundamentaçãodoDireitoPenal,emrelaçãoàsuanecessidadeeutilidade(Jakobs,1993,5s.).

2. Prevenção geral a serviço da estabilização da norma

a) Pretensão de proteção global da sociedadeNeste contexto, o quadro conceitual da prevenção geral relacionado

à coletividade desenvolve suamais poderosa força de atração. Este tiraproveito,nesteponto,danecessidadesocialbásicadeproteçãoesegurança,mas também de uma oferta para uma canalização de sentimentos devingança.Também lhe é atribuída aptidão emrelaçãoao seguinte,para

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superarasdebilidadesdas teoriaspenaisabsolutas,medianteumaquaseviradaparaaconstruçãosocial,eparajogarcomonovaforçavitoriosa.

Hassemerconduzafascinaçãosingularqueemanadoconceitodeprevençãogeralaopontojusto:“Apretensãodereconduzirparaocaminhoreto,nãosomenteomalfeitor,mas – muito mais ambicioso – de reduzir a quantidade total de comportamentosdesviantesdanorma,emprestaàrepresentaçãopenaldaprevençãogeralumaelevadadignidade sócio-política.A prevenção geral, como teoria da pena e como teoria damediçãodapena,exprimequetoda intervençãotemdeserpromovidaàscustasdoindivíduodesviantedanorma,aomesmotempoparaobemcomum–noDireitoPenaldoEstado, como instrumentodepolítica social em sentido amplo,napráxis penaldavidacotidiana,comoestabilizaçãodasnormasdorespectivogrupodereferência”(Hassemer,1979,33).

ConcepçõesdestetiponãomaisserelacionamapenascomoprincípiodaintimidaçãoindividualoudaestabilizaçãomoraldossúditosdoDireito,mas insistem sobre uma proteção global da sociedade, no sentido deumaproteçãodosistema,quedeveserealizarsobreasvias,reciprocamentecomplementares,daprevençãodacriminalidadedirigidaaoindivíduoeàsociedadegeral(Jakobs,1976,3s.).

b) Complementos de psicologia profunda

Enriquecidooconceitodeprevençãogeral,ainda,adicionalmente,commomentos de psicologia profunda (compareHaffke, 1976), aparece umaulteriorvantagem,queconsistenaquasecompletagarantiacontrapossíveisfalsificações. Segundo isto, é tarefa doDireito Penal estabilizar, a longoprazo,sobreumabasepsicanalítica(teoriadobodeexpiatório),aconfiança jurídica da populaçãoeasnormassociaiscorrespondentescomoDireito.Emumatalconcepção,ateoriadaprevençãogeraltemboaschancesdeser,deformaduradoura,adeterminaçãodefinsdominantedoDireitoPenal,jáque,detodomodo,empiricamentenãoérefutável,nemdemonstrável.

Nãoobstante,permaneceumfortemal-estardoEstadodeDireito,delegitimarpsicanaliticamenteoDireitoPenal.

IV. “Teoria” de unificação

Ospilaresdaprevençãogeraledacompensaçãodeculpabilidade,emconjunto com elementos de prevenção especial, na figura da chamada

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teoria da unificação doTribunalFederalConstitucional(BverGE45,187,253s.), formamumabrangentefundamentode legitimaçãodapuniçãoestatal.Istosemantémnoquadroda“liberdadedecriaçãoatribuídapelaConstituição”aoLegislador,“dereconhecerfinsparticularesdapena,deponderar uns contra os outros e de coordenar uns com os outros. Emcorrespondência,oTribunalFederalConstitucionalnãosóacentuou,emsuajurisprudência,oprincípiodaculpabilidade,mastambémreconheceuos outros fins da pena. Indicou, como tarefa geral do Direito Penal,proteger os valores elementares da vida comunitária. Compensação deculpabilidade,prevenção,ressocializaçãodoautor,expiaçãoeretribuiçãodoinjustocometidosãoindicadoscomoaspectosdeumaadequadasançãopenal”(BVerfGE45,187,253ss).

Uma“teoria”assimmoldadatemavantagemdesuprimir,aparentementesem esforço, as contradições de cada uma das teorias particulares e deconfigurarotriodaprevençãoespecial,daprevençãogeraledacompensaçãodeculpabilidadeemumamiraculosa arma de argumentação(compareAlbrecht,1985,832).

V. Prevenção de integração

1. Prevenção geral como proteção da confiançaNomaisrecentedebateteóricodoDireitoPenal,paraforteacentuaçãodo

aspectopositivodaprevençãogeral,ganhouforosdecidadaniaoconceitode“Prevenção de integração”(Müller-Dietz,1985,817s.).Naliteratura,asdesignações“prevençãogeralpositiva”e“prevençãodeintegração”são,em geral, empregadas como sinônimos (Müller-Tuckfeld, 1998, 6;Zipf,1989,481).Estedesenvolvimentofoiapoiado,essencialmente,mediantea argumentação do Tribunal Federal Constitucional, que descreveu aprevenção geral positiva como a “manutenção e o fortalecimento daconfiançanopoderdeexistênciaederealizaçãodoordenamentojurídico”(BVerfGE45,187,256).OSuperiorTribunalFederaltambémargumentadeformasimilar:explicitaqueaexecuçãodeuma(curta)penaprivativadeliberdadesomenteseriaindicadaparadefesadaordemjurídica,seumasuspensãodapenaparecesseincompreensívelparaosentimentojurídico

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comum, e a confiança da população na inviolabilidade do Direito enaproteçãodaordemjurídicacontraagressõescriminaisfosse,porisso,abalada(BGHSt24,40,46;comparetambém§56,seção3,CP).

Apenapossui,daperspectivadaprevençãodeintegração,umafunçãointegradoraesaneadoradasociedadeque,naausênciadepena,alterasuaorientação final e força umprocesso de desorganização social. Segundoisso,existeumaspectonaideiadeprevençãodeintegração,quepodesercircunscritocomoconceitode“danointelectualdocrime”(Müller-Dietz,1983):algodeveserproduzidoatravésdapenanaconsciênciadossúditosdoDireitoque,deoutromodo,nãoparecealcançável,ouseja,conformidadeeadequaçãogeralàsestruturasnormativasdominantesfundamentaisdasociedade.Quantoaosprincípiosdeterminantesdoconteúdodamediçãodapena,aocontrário,oJuizvalecomocritério,cujoesforçoprecisaserdirigidoaoseguinte,“chegaromaispertopossíveldovaloridealfictíciodapenaadequadaàculpabilidade”(Müller-Dietz,1985,826).

2. Prevenção de integração e conformidade à Justiça

EsteprincípioexperimentaumavarianteespecíficadoEstadodeDireito,atravésdeHassemer,quenãoquerpermitirserapenajáentãojustificada,quandoalcançaressocializaçãoeintimidação,massomenteentãoquando,aomesmotempo,apenanãoabandonaasvias de controle formalizado(estritaconformidadeàJustiçadoEstadodeDireito)(Hassemer,1990,316s.).

3. Da proteção de interesses individuais à proteção de complexos funcionais

Édereconhecernitidamentequeoconceitodeprevençãodeintegraçãoabandonaochãodasrelaçõessociaisreaiseestáapontodeseapoderardaideia deumaabstratagarantiadebensjurídicos.ConformeBaratta, istotemporconsequênciaqueafinalidadedoDireitoPenalsedesloca,daproteçãodesingularesinteressesindividuaisparaaproteçãodecomplexosfuncionaisdasociedade.IstosignificaqueoDireitoPenalprotegeria,de agora em diante, funções, ao invés de bens jurídicos(compareBaratta,1984, 137).Com isto, o olhar é posto sobre o presente e o futuro doSistemadeJustiçaCriminal.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal72

Capítulo 2. A intervenção da Criminologia no Direito Penal

Perspectiva geral

ÀintervençãovalorativadoDireitoPenalnaCriminologiacontrapõe-seumaCriminologiacríticaque,porsuavez,questionaospressupostosdevalidade,osefeitoseasintençõesdoDireitoPenaledesuaaplicação.AssimapretensãodeprevençãocriminaldoDireitoPenalécolocadaemprovapelaCriminologia(§5).• ACriminologia,comoCiênciasocialempírica,esforça-se,desdesempre,

emapontarresultadosdeprevençãoespecialdassançõesestatais,paraserútilàpretensãocriminal-preventiva,nosentidosócio-estatalpretendido.Comisto,éidealmentedadaumaorientaçãohumanitária.Aisto,emseguidasãoapresentadasalgumasindicaçõesdepesquisaempírica,quedevempromoveracompreensãodemétodoseresultadosdapesquisa científico-social da prevenção especial. A Criminologia empírica,contudo, temdificuldadesno resgatedestes ideais.Possivelmente,noimpulso do nascimento do pensamento de finalidade preventiva daModernaEscoladeDireitoPenal,opaidestepensamentofoiomerodesejo humanitário. Frequentemente é ignorado que oDireito Penalrepressivonãopodesernenhumainstituiçãodereparaçãocomunitáriapara situações problemáticas sociais e individuais. Em nenhumasociedade, jamais haverá recursosmateriais e pessoais suficientes paramodificar,detalmodo,ascondiçõessociaisambientaisnasinstituiçõespenais,queconflitosindividuaisesociaissejamresolvidosou,mesmo,impedidos.

• A Criminologia empírica tem ainda maiores dificuldades paracomprovação de efeitos positivos das teorias de intimidação, que sãomarcadas pelo conceito deprevenção geral negativa. Se assassinatosououtraslesõesdoDireitonãoserealizam,somenteporqueexisteumCódigoPenal, fica em aberto.É sempreumaquestãode imagemdohomem,seaoindivíduoseatribuisuficientecapacidadedeautocontrolepararespeitardireitosdeterceiros.Se,contudo,aexistênciadeameaçaspenais duras alguma vez impediu danos contra terceiros permanece,

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antes, um enigma, também conforme exame global dos resultadosempíricosdepesquisa.

• Aprevenção de integração temhabilmentecontornado,desdesempre,a prova sócio-científica do cumprimento de seus efeitos. Legislaçãosimbólica,quedisponibilizaexclusivamenterespostassimbólicasparaosriscosdasociedadeindustrial,nãonecessitadenenhumacomprovaçãoempíricapara seuspretendidosefeitos.Nãomaiso indivíduoestánofoco de interesse desta teoria, mas o ponto final é a consciência dacomunidadeestabilizadoradanorma.Umamegaconstruçãodessetiposubtrai-se, simplesmente, de qualquer comprovação empírica. Aquiexiste,somente,críticaimanenteàteoriaouconcordânciafundadaemplausibilidades.

• Em conjunto, segundo a pesquisa social empírica, os princípios delegitimação preventiva doDireito Penal antes representamprincípiosdecrençadoqueprincípiosdeciência.OLegisladoreoaplicadordoDireitoprecisamsempreterclarezasobreisto.Sevaleapena,paraestasapenasvagasesperanças,converteromodelojurídicodeumDireitoPenalrepressivo-limitador em um Direito Penal preventivo-configurador, éaltamentequestionável.Opreçoé,mesmo,quesecomutadoprincípiodalegalidadeprocessualparaoprincípiodaoportunidadee,comisto,acrescenteinformalizaçãodoDireitotemporconsequênciaumconceitodeDireitosemconteúdo,alesãodaigualdadedetodosossereshumanose,porfim,umaaplicaçãoarbitráriadoDireito.

• AnãorealizadaesperançadaorientaçãodeprevençãonoDireitoPenalencontrasuacorrespondêncianacrescenteperdadapretensãodecontroleestatal. O Direito Penal clássico não tinha nenhuma pretensão de controle.Ateoriapenalabsolutacompreendia-sesimplesmentecomoreaçãoretributivaàlesãodoDireito,queriareconstituiroDireitocomasanção.Demodoideal-típico,foifundadaumarigorosarelaçãodefato,queerarelacionadaàleierelacionadaàculpabilidade.Aculpabilidadelimitava a intervenção estatal, que se entendia como exclusivamenterepressiva.Umestritoprincípiodelegalidadeprocessualcaracterizava,nesteponto, omodelo jurídico repressivo-limitadordoDireitoPenalclássico. Somente no cortejo da Moderna Escola de Direito Penal desenvolveu-se uma Criminologia orientada pelo autor, que era

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal74

dirigidaexclusivamentepelopreventivopensamentodefim,noDireitoPenal.Aideiacondutoradarigorosarelaçãodeautorera,napuniçãopelo Direito Penal, a utilidade social. Através da individualizaçãoemoralizaçãodo autor era exigida sua disposição de adaptação.Estemodelojurídicopreventivo-configuradortinha,emconsequência,porresultadoumaaplicaçãodoDireitofundadanaoportunidade–emboratambémcarregadadeestatalidadesocial.Atensarelaçãoentrelegalidadeprocessual e oportunidade desenvolveu-se, no impulso da ModernaEscoladeDireitoPenal,emprejuízodavalidadegeraldoDireitoedaigualdadedaaplicaçãodoDireito,portanto,emprejuízodoprincípiodalegalidadeprocessual.

• Com a dissolução das promessas de bem-estar estatal do EstadoSocial,nofinaldoséculo20,desaparecemtambémasesperançasdeuma transformação para sanções do Direito Penal de configuraçãopreventiva.UmDireito Penal ainda somente simbólico,que cobreaparentementeosriscosdatardiasociedadeindustrial(meio-ambiente,economia,migração, drogas entorpecentes, terrorismo), é orientadopoliticamente com referência sistêmica.O resultado é um crescentedesinteresse criminológico, uma vez que a pretendida proteção dosistema–aocontráriodaModernaEscoladeDireitoPenal–precisaconduzirnecessariamenteauma renúnciadoautorcomopessoanoDireito Penal (desindividualização).ODireito penal simbólico nãoprecisadenormasgerais fundamentadas eobrigatórias.Contenta-secomaaplicaçãoexemplardoDireito,eprecisamenteentão,quandoestadeveproduzirefeitosestabilizadoresdosistema.Istosetornaclaroem processos dotados de carga política (economia, meio-ambiente,terrorismo).DoDireitoPenalsimbólicoresultaumainformalização do Direito,porquedeleéretiradaaobrigatoriedadegeral,portanto,oconceitodeDireitoéesvaziadoe,naaplicaçãoarbitráriadoDireito,residealesãodaigualdadedosdestinatáriosdoDireito.Consequênciainevitável de um modelo de Direito assim difuso é a retirada delegitimaçãoemfacedoordenamentojurídico.Oscidadãossedesligam,oaborrecimentocomoEstadotemconjuntura.Aafirmadapretensãodecontroledeteriora,nocortejodestemodelojurídicoedesuapráxis

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§ 4 - Teorias de Criminalização 75

oportunista,emumasimbólicatentativadecontrole.Nosubsequente§6sãoindicadasverificaçõesparacomprovaçãodofracassodecontrole.

• Infelizmente,comisto,obalançodapretendidacapacidadeestataldecontrole do Direito Penal ainda não acabou. Nós nos encontramosemumamudançado simbólicoDireitoPenaldo riscoparaumpós-preventivo Direito penal de segurança. Com isto, adentra-se numcontinuumnãoapenasquantitativomas,aocontrário,qualitativo.Nocursodeumaorientação global de segurança,nãoimportamais,deformaalguma,oconhecimentosocialeoconhecimentocriminológico,para um controle através do Direito. A Política de segurança globalignoraistodeformaconsequente,porquemedianteumatalorientaçãopós-preventiva do Direito Penal ocorre uma rigorosa negação doDireito,atéaaniquilaçãodoDireito.QuemnegaeaniquilaoDireitonão precisa mais se preocupar com seu potencial de controle real.Ambicionadas intervençõesoperativasde segurança independentesdesuspeita – nomundo inteiro – têm em vista garantia de dominaçãoglobal. A dominância de um pensamento de segurança, que negadireitosdeliberdadeedireitoshumanos,degeneraemumapuramedidadesegurança,quenadamaistemavercomoDireito.Ideal-típicoparaestepensamentodesegurança,quetambémnãosedetémdiantedeumamilitarizaçãodasegurançainterna,équesãoimpostosacadacidadãosacrifícios especiais, como dever geral de cidadão.O ambicionadomáximodesegurançanãoé,obviamente,alcançado.Sobra,apenas,ummáximoemaniquilaçãodeliberdadee,comisto,umadestruiçãodosfundamentosdelegitimaçãodeumasociedadelivreedemocrática.

• Estes indicados níveis de desenvolvimento do Direito não são fases teórico-penais nitidamente separáveis, no sentido da substituiçãodeumafaseporoutra.Aocontrário,estasetapasdedesenvolvimentose sobrepõem no tempo e no conteúdo. Elas conduzem à situaçãoparadoxal de que, atualmente, várias etapas são, ao mesmo tempo,atuais. Diferentes modelos de legitimação estão, simultaneamente,àdisposiçãoparaaplicaçãodoDireito,oquecomprovaclaramenteatese da aplicação arbitrária do Direito, no cortejo da informalização(compare,nestesentido,emresumo,oquadrodo§10).

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal76

• OcapítuloterminacomquestõessobreointeressedeconhecimentodeumaCriminologia científica.Diante do contexto destes interesses deconhecimentoecompreensões,umapartedaCriminologiasereconfiguraedesenvolveprincípiosdeconstruçãodeumaautônomaCriminologia crítica, no sentidodeumaciênciade reflexão independente (§7).ACriminologiaprecisasereposicionarperanteaignorânciasistemicamentecondicionadaparacomseusperfisdeconhecimento.Seuobjetoprecisaser uma discussão fundamental, direcionada por princípios, com aorientação global de segurança dos responsáveis políticos. Sua tarefatambémprecisaráserareivindicação,emtodomundo,pordireitosdocidadãoedireitosdoserhumano.

§ 5. A pretensão de prevenção criminaldo Direito Penal sob exame empírico

Literatura:Albrecht, H.-J.,LegalbewährungbeizuGeldstrafeundFreiheitsstrafeVerurteilten,1982;Albrecht, P.-A.,Jugendstrafrecht,3ed.,2000;Baratta, A.,Integrations-Prävention,EinesystemtheoreischeNeubegründungderStrafe,KrimJ1984,132s.;Baratta, A.,KriminalpolitikundVerfassung–ÜberlegungenzumminimalenStrafrechtundzurSicherheitderRechte,KritV2003,210s.;Bettmer, F.; Kreissl, R.; Voss, M.,DieKohortenforschungalssymbolischeOrdnungsmacht, KrimJ 1988, 191 s.; Brusten, M.; Hoppe, R., Greifen unsere Theoriennoch?,KrimJ,Beiheft1986,58s.;Egg, R.,SozialtherapieimJustizvollzug,EntwicklungundaktuelleSituationeinerSonderformderStraftäterbehandlunginDeutschland,JahrbuchfürRechts- und Kriminalsoziologie 2002 (25 Jahre Massregelvollzug – eine Zwischenbilanz),119 s.;Farrington, F.; Ohlin, L.; Wilson, J.,Understanding andControllingCrime, 1986;Günhter, K., Der Sinn für Angemessenheit, 1988; Jehle, J.-M.; Heinz, W.; Sutterer, P.,Legalbewährung nach strafrechtlichen Sanktionen – Eine kommentierte Rückfallstatistik,Edição pelo Bundesministerium der Justiz, 2003; Kant, I., Grundlegung der MetaphysikderSitten,EditorWeischedel,W.,1991;Kaiser, G.,Kriminologie,3ed,1996;Kunz, K.-L.,Kriminologie,3ed.,2001;Lösel, F.,IstderBehandlungsgedanlegescheitert?EineempirischeBestandsaufnahme,ZfStrVo1996,259s.;Lösel, F.; Löferl, P.; Weber, F.,Meta-EvaluationinderSozialtherapie,1987;Luhmann, N.,AusdifferenzierungdesRechts,1981;Müller-Tuckfeld, J.-C.,Integrationsprävention,1998;Ortmann, R.,ZurEvaluationderSozialtherapie,ZStW106(1994),782s.;Schöch, H.,EmpirischeGrundlagenderGeneralprävention,in:FestschriftfürJescheck,H.-H.,1985,1081s.;Rehn, G.,BehandlungimStrafvollzug,1979;Schumann, K.; Berlitz, C.; Guth, H.-W. et. al.,JugendkriminalitätunddieGrenzenderGeneralprävention,1987;Voss, M.,Anzeigemotive,VerfahrenserwartungenunddieBereitschaftvonGeschädigtenzurinformellenKonfliktregelung,MschKrim1989,34s.;Vultejus, U.,Rückfallkriminalität,ZRP2004,126s.;Wolfgang, M.E.; Figlio, R.M.; Stellin, T.,DelinquencyinaBirthofCohort,1972.

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 77

A. Pesquisas empíricas sobre prevenção especial

I. Pretensão e objetivos

Aprevençãoespecialdirige-se,comoDireitoPenalesuasreferênciasnormativas correspondentes (Código de Processo Penal, Lei deOrganizaçãoJudiciária,LeideExecuçãoPenaletc.),àpessoa jurídico-penalmenteatingidaetentamotivadamenteinfluenciá-lanosentidodecomportamentofuturoconformeaoDireito.Objetivodestainfluênciadeveserocumprimento de expectativas de comportamento jurídico-penais.

II. Pesquisa empírica de efeitos: o que sanções jurídico-penais produzem no punido?

AsCiências sociais empíricas vinculam-se,na verificaçãoda realidadejurídica, aoprograma jurídico. Jáo§46CPprevêos seguintes efeitos:asconsequências,queprovêmdapenaparaavida futuradopunidonasociedade,devemserconsideradasnamedidadapena,peloqueaculpadoautorexpressadanofatomarca,decertomodo,o limitesuperiordaintervençãopunitiva.

Oresultadoéantecipado:paraoefeito condutor do comportamento doDireitoPenalsobreopunido,édeaconselharsobriedade ecepticismo,emrelaçãoàsdeclaraçõesdeintençãodoprogramanormativonoCódigoPenal,ounaLeideExecuçãoPenal.Segundoosresultadosempíricosédesesupor,na melhor das hipóteses,umaineficácia,na pior das hipóteses,umefeito contraproducente.

III. Avaliação da sanção mediante pesquisa de bandos

1. Estrutura da pesquisa

ApesquisadebandoséumprincípiodepesquisaorigináriodosEUA,para investigaçãodas causasdadelinquência ede critériosdeprognose,parareconhecimentoprecoceeintervençãoantecipadanadelinquência.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal78

Elaéprodutodacríticametodológicadaspesquisas etiológicas e estápreocupada em evitar conclusões falsas, como: “criminalidade precoceexplicaafuturagravidadedareincidência”,queforamobtidasempesquisassobre grupos delinquentes na execução penal (compare acima § 2 III).Verificou-se,estatisticamente,napopulaçãodepresos,quecomcrescentegravidadedodelitoefrequênciadedelitoserademonstrávelcriminalidadeprecoce. Sabe-se hoje, de pesquisas sobre a população em geral, que acriminalidadeprecoce,portanto, adelinquênciana juventude, éubíqua(onipresente).Seriacomparávelàseguinteconclusãoerrada:oconsumodenicotinaexplicaacarreiradedrogas.

Apesquisadebandosquerinvestigar–sobevitaçãodoefeitoseletivo–oefeitocausalouefeitodeorigemdadelinquência.Oprojetodepesquisanãocompreende,portanto,nenhumainvestigaçãodecortetransversal,masinvestigaçõeslongitudinaiscomplanodeintervençãoexperimental,assimcomoumapopulaçãonãoselecionadadeumcursoanualinteiro,comogrupodecontrole.Nãoanálisesdecursoretrospectivo(portanto,retroativas),masanálisesdecursoprospectivodevemajudarainvestigarcausasdadelinquênciaecritériosdeprognose(crítico,sobreisto:Farringtoneoutros,1986;Bettmer eoutros,1988).

2. Resultados de pesquisas de bandos (estudo de Wolfgang)

UmdosmaisconhecidosestudosdestetipoéodenominadoestudodeWolfgang(1972),dosEUA.Osresultadosdeumprimeiroestudodebandoscompreendemadolescentes(nascidosem1945)de10até18anosdeidade,deFiladélfia.Ocomeçodolevantamentofoi1964,foramabrangidos9.945adolescentes.Aprimeirapesquisade bandos foi, ainda, interpretada de forma retrospectiva. Na segunda pesquisade bandos foram abrangidos adolescentes que nasceram em 1958. Aqui foramcompreendidos28.800adolescentesmasculinosefemininos(projetoprospectivo).

Constatou-se que 35%, até a idade de 18 anos, tinham sido indiciados pela Polícia, ou seja, em torno de 3.500 adolescentes foram investigados pela Polícia(primeirapesquisadebando).Maisoumenosametadedestesadolescentesnão foi indiciada novamente depois doprimeiro registro.Este resultado contradiz a tesedacriminalidadeprecoce,queconduziriaàdelinquênciagrave.1.862adolescentes(18,7%)foramregistradoscommais de um delito.Contudo:629adolescentesdobando são responsáveis por 52% de todos os delitos registrados, ou seja, 5% do bando são responsáveis por mais de 50% de todos os delitos.Amaioriadosfatoscriminososécometida,portanto,porpoucosautoresintensivos(Wolfgangeoutros,1972,89,176s.).

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 79

Daquifoidesenvolvidaaestratégiapolítico-criminalda“incapacitação seletiva”, que é descritível como a simultânea evitação de rigor desnecessário e suavidade inadequada. Disto resultou um conceitopopularnosEUA,queserelacionaestreitamentecomodesenvolvimentode diversion (compare Albrecht, 2000, 23s.). A fórmula populista diz:“encarcerarejogarachavefora”paraogruporestante,quepermanecenatraseiradosprogramasdefiltragemdediversion (evitaçãodecontatoscomaJustiça).

3. Avaliações críticas das pesquisas de bandos

A pesquisa de bandos é um programa, metódica e financeiramente,muitodispendioso.Nãoobstante,pesadasobjeçõestêmsidoapresentadas.

Nabasedapesquisadebandosexisteumconceitoetiológicotradicional(compare, sobre isto acima § 3 B I) de gênese da criminalidade. Este[conceito]nãotemsensibilidadeparaosefeitosdecriminalizaçãooudedescriminalizaçãoparaataxadecriminalidade,coisasdestetiponãosãolevantadas.Pode-sedesigná-locomométodoHigh-Tech,mascomoteoriacientífico-social primitiva. Não são realizados quaisquer levantamentosparalelossobremudançasdeDireitomaterialoudetécnicasdepersecução.Estasseencontram,emespecial,naproibiçãoenacriminalidadededrogas.Aquisãopossíveis,emcurtoprazo,mudançastantonocomportamentodedenúncia,comotambémnaestruturadasoportunidadesdecriminalidade.Dentrodeumperíododetempoabrangentedeumageraçãodebandos,porexemplo,aspossibilidadesdeautoatendimentoemlojasdedepartamentos,crescerammuito.Aumentode criminalidade, numcasodeste tipo,nãoé de ser avaliado como qualidade do comportamento individual, mascomoprodutodemudançasestruturais(mudançadeestruturasdeofertaseconomicamentemotivadas).

Oefeitodegeraçãomalpodeserseparadodosefeitosdeamadurecimentoindividual.Porexemplo,adifusãodedrogasabrecamposdedelinquênciatotalmente novos, também crises econômicas e guerras precisam seridentificadas como influências intervenientes. O mundo em torno dobandotambémsetransforma.Tambémoefeitodetestedopesquisadorsobreospesquisadosapenasdificilmentepodesercontrolado.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal80

Apesquisadebandosdestina-seàprocurado“verdadeirocriminoso”,do autor intensivo, que é separado da criminalidade de oportunidade,tornada “normal”. Ela parte do modelo de personalidade criminosa(teorias biossociais), está relacionada ao equipamento genético do serhumano. Ela se orienta para a compreensão da normalidade social,parao“cidadãonormal”.Mashojeéquestionável sepadrõesdeste tipoainda podem ser mantidos numa sociedade multicultural. O mundotransforma-se,horizontal(misturadeculturas)everticalmente(progressododesenvolvimento),cadavezmaisrápido.

4. Resultados para efeitos de sanção especial-preventiva

Apesar das importantes críticas metodológicas a estes princípios deanálisecausaldacriminalidade,sempresãopossíveisalgumasconclusõessobre o efeito das ameaças penais legais, dos resultados da pesquisa debandos.Quandoseacompanhaoefeitodasanção(oumelhor:aameaçadesanções)desdeocomeçodeumacarreiracriminal,entãonãosemostranenhuma diferença significativa de criminalidade entre aqueles que sãoliberadosapósumcontatocomaPolíciaeaquelesquesãoatingidosporumaintervençãoformal.Distoresultaaconclusãodapermutabilidadedas sanções.

Alémdisso,resultadapesquisadebandostambématese da ubiquidade e da remissão espontânea.Istosignifica,criminalidadejuveniléumfenômenoonipresente, que atinge quase todo adolescente durante seu processo desocialização.Assimcomoacriminalidadejuvenilapareceespontaneamente,eladesaparecenocursodasocializaçãoparaaexistênciaadulta (compare,sobreisto,osresultadosdepesquisaemAlbrecht,2000,17s.).

IV. Avaliação das penas pecuniárias e privativas de liberdade

A pesquisa social empírica mostra igualmente interesse no efeito daaplicaçãodepenapecuniária,quehojeconstituimaisde80%detodasassanções.

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 81

1. Efeitos da pena pecuniária

Asconsequênciasdapenapecuniária,emrelaçãoaoefeitodeprevenção, forampesquisadaspormeiodeumaamostrarepresentativadecondenadosdoanode1972(N = 1832), em comparação com a pena privativa de liberdade (H.-J. Albrecht,1982).Apóscincoanosforamconsultadososextratosdoregistropenal.OcritériodereincidênciaeraumanovainscriçãonoRegistroFederalCentral.Emrelaçãoaoperíodo de prova legal foram verificados os seguintes resultados, que indicavamnítidasdiferençasdereincidêncianosgruposdepunidos:

Reincidênciadecondenadosapenapecuniária:................................................5,8%

Reincidênciadecondenadosapenaprivativadeliberdadecomperíododeprova:..................................................................5,3%

Reincidênciadecondenadosapenaprivativadeliberdadesemperíododeprova:...................................................................5,4%

Entre a pena pecuniária e a pena privativa de liberdade sem período de provaexiste,àprimeiravista,umadiferençade50%(!).Empenasprivativasdeliberdadecomduraçãodiferentenenhumadiferençafoiverificada.Emrelaçãoàgravidadedareincidência (medida pela nova sanção), 59% dos condenados a pena pecuniáriareceberam, de novo, uma pena pecuniária, nos condenados a pena privativa deliberdadesemperíododeprova,em68%doscasosforamaplicadasnovamentepenasprivativasdeliberdadesemperíododeprova.

2. Estudo de reincidência do Ministério Federal de Justiça (2003)

Umestudo do Ministério Federal de Justiça sobre reincidência do ano2003avaliaoRegistroFederalCentraldeformaabrangente.Sãocompreendidastodasascondenaçõesaumapenaprivativadeliberdadecomperíododeprovaouaumapenapecuniária.Alémdisso,todasasliberaçõesdaprisãodoano1994sãopesquisadassobreoseguinte,sedentrodoperíododequatroanosocorreuumanovacondenação.Noanode1994,segundoacontagemdosautores,houve582.612condenaçõesapenasprivativasde liberdadeepenaspecuniárias,dasquais75.378condenaçõesapenasprivativasdeliberdadee507.234apenaspecuniárias.Amaioriadoscondenados,emrelaçãoatodasassanções,nãoénovamentecondenadadentrodoperíododequatroanos:istorepresenta65%.Oquadrosemodifica,comojádescritonaavaliaçãoacimadapenapecuniária,quandosediferenciapelaespecificidadedassanções.

Reincidência em adultos(noperíododequatroanos),após:penasprivativasdeliberdadeexecutáveissemperíododeprova:....................56%penasprivativasdeliberdadecomperíododeprova:......................................45%

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal82

Reincidência no Direito Penal juvenil,após:penajuvenilsemperíododeprova:...............................................................78%penajuvenilcomperíododeprova:...............................................................60%

Aprobabilidadedereincidênciavariamuitodiferentementepordelitoespecífico.Osquetêmomaiorcortesãooscondenados por assassinato e homicídio.Aqui,o percentual de período de prova perfaz 73%,noestupro 59%.Nofurtoqualificado,opercentualdeperíododeprovaficaem41%.

Uma interpretação destas quotas de reincidência como efeitos dassançõesnãoépossível,semmais,porque,destemodo,nenhum grupo de risco comparávelfoiincluídonaverificaçãodeefeitodasanção.Outrasinfluências,alémdainfluênciadassanções,podemserresponsáveispelasdiferenças (porexemplo,características sócio-estruturaiscomoprofissão,escolaridade,nívelsocialetc.).

3. Avaliação

Apósesforçoscorrespondentesdecomparaçãode subgrupos,diminuiclaramenteadiferençadereincidênciaemcondenadosapenaspecuniáriasemrelaçãoacondenadosapenasprivativasde liberdade, jánapesquisadeH.-J. Albrecht (1982).Secompararmos,porexemplo,os“altamente carregados” com fatores de risco no subgrupo, então a diferença de reincidência em penas pecuniárias e penas privativas de liberdade ficaapenas em 7%. As diferenças originárias nas quotas de reincidência sãoproduzidas,portanto,pelosgruposdepunidosdecomposiçãodiferenciadaemrelaçãoasuascaracterísticassociais.Apesquisadetratamentodeduzdisto,novamente,quesançõesdiferentesseriamamplamentepermutáveis,emrelaçãoaoseuefeitocriminal-preventivo,todavia,apenasemcasodeiguais pressupostos sociais. Disto resulta, do ponto de vista político-criminal:atípicaescaladadesançõesporreincidêncianãotemnenhumsentido especial-preventivo – e assim ela é fundamentada –, pois areincidênciaéclaramentedeterminadapelocontextosocial.

OsresultadosdaaltamentedispendiosapesquisadoMinistérioFederalde Justiça, um Juiz penal em atividade comenta (Vultejus, 2004, 127)comaspalavrasdequeasaltasquotasdereincidênciapoder-se-iam“lercomoumadescomposturadaexecuçãopenal”,massedeveriaconsiderar

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 83

“quea Justiça, viade regra,negaoperíododeprova somente emcasosproblemáticos”.Abstraídodisto,quealeipossibilitaumperíododeprovasomenteparaumapenaprivativadeliberdadeatédoisanos,estaavaliaçãojudicialtambémpodeserumapura“self-fulfilling-prophecy”,nosentidodoLabeling-approach.Deresto,oprofissionaldaMagistraturacolocouseudedoexperientenaferidacerta:“Sobreosmotivosdareincidência–eesteé,paraapráxisdiáriadeJuízesemembrosdoMinistérioPúblico,opontomaisimportante–eunãoencontreinada(noEstudo).Aspersonalidadesdosautoresreincidentes,seuambiente-socialpessoaleeconômico,segundoaestruturadoestudo,nãopuderamserconsiderados”(Vultejus,acima.).

V. Avaliação da terapia social como forma de execução especial

1. Fixação de fim preventivo-especial

Afixaçãonormativadefimpreventivo-especialdaaplicaçãoeexecuçãodepenasprivativasdeliberdaderesulta,emprimeirolugar,tambémdo§46CPedasdeterminaçõesdaLeidaExecuçãoPenal,queno§2encarregaaexecuçãopenaldeatuarno sentidodequeopresodeveconduzir,nofuturo,comresponsabilidadesocial,umavidasemfatospuníveis.A“teoriadostrêspilares”doDireitoPenalatribuiàexecuçãopenalafunçãoexclusivaderessocialização:a leiameaçaapena(prevençãogeral),oJuizaaplica(compensaçãodeculpabilidade),a execução penalaexecuta(prevençãoespecial).Nasinstituiçõesdirigidasespecialmenteàprevençãoespecial,asdenominadasinstituiçõesdeJustiçadeexecuçãodeterapiasocial,trabalha-sedemodoparticularmente intensopara impedir a reincidência após aexecuçãopenal.

2. Pesquisa de reincidência no quadro da terapia social

a)Deumaquantidadedepesquisascientífico-sociaisdafixaçãodefinsdeprevençãoespecialdaexecuçãopenal,édeserdescritamaisdeperto,comoexemplo,umapesquisasobrereincidênciadeRehn (1979)que,apesardagrandedistânciatemporal,porcausadesuametódicaexemplaridade,aindaconvence.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal84

Estapesquisaémetodicamentedispendiosa.Diferentesprocessosdeformaçãodegruposdecontroleforamempregados,emqueforamincluídosnapesquisapresosdetrêsdiferentestiposdeinstituições(instituiçãotradicionalfechada/instituiçãodeterapiasocial/organizaçõesdetransiçãoemexecuçãoaberta).

Uma prova por amostragem abrangeu 463 libertados de diferentes anos. Osegressosprovinhamdas três instituiçõesedeumgrupocomplementar,a saber,osegressos das instituições de tratamento. Fontes de dados eram fichas pessoais dospresoseextratosdoregistropenal,contudonãohaviaquaisquerinformaçõessobreespécieecursodasmedidasdetratamento.Alémdisso,eramderegistrarperíodosdiferentementelongosdeprova.Adefiniçãodereincidênciaindicavapenaprivativadeliberdade,penapecuniáriaenenhumregistro.Operíododeprovaabrangeude2a6anos.

Como resultado, verificou-se que foram registrados 68,5% de reincidênciadas instituições fechadas (pena pecuniária ou privativa de liberdade), 44,7% dereincidênciadaterapiasociale36,1%dereincidênciadasinstituiçõesdeacolhimento.Quotasdereincidênciadedelitosespecíficosocorreramemdelitoscontraocorpoeavida(19%),emdelitoscontraaautodeterminaçãosexual(43%)eemdelitoscontraapropriedade(68%).

Um primeiro processo de grupos de controle homogeneizou o efeito/delito.Foramcomparadossomenteautorespatrimoniaise,precisamente,aquelesinternadosem instituições de tratamento, com aqueles que provinham de execução normal,embora,deacordocomestes critérios, tivessemtidoachancedeacolhimentoeminstituição de tratamento (segundo os arquivos). Este grupo foi comparado comum correspondente grupo experimental composto de egressos de instituições detratamento(igualmente,apenasautorespatrimoniais).

O resultado indicou: 57,2%de reincidência do grupo de tratamento, em facede71,3%dereincidênciadogrupodecontroledaexecuçãofechada.Adiferençaéapenas de 14% agora,anteserade32%.Aelevaçãogeraldoníveldereincidênciaestáfundamentadanaconcentraçãoemautorespatrimoniais.

Num segundo processo de grupos de controle foram contrapostos aosegressosdasinstituiçõesdetratamento,respectivamente,parceirosquedispõemdesemelhantescaracterísticasdeseleção(Matched Pairs Analyse).Oresultadoindicouaqui52,8%dereincidêncianogrupodecontroledeexecuçãoregular,emfacede44,5% de reincidência no grupo de tratamento. Agora, a diferença diminui para8%.Reduzindo-se a comparação ao critério de reincidência da pena privativa deliberdade, verifica-se 39,8% de reincidência no grupo de controle e 34,3% dereincidêncianogrupodetratamento.Adiferençarepresenta,enfim,5%.Asdiferençasdiminuírammuito,peloquenãofoisequerconsiderado,naúltimacomparação,queosegressosdaexecuçãoregulartinhamapresentado,emmédia,umperíododeprovasubstancialmentemaior.

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 85

b) Segundo novos estudos, concordantes nos resultados (Egg, 2002;Lösel, 1996), o êxito do tratamento social-terapêutico é, “em resumo,pequeno, até muito pequeno, mas não nulo” (Egg, 2002, 123). Situa-seentre5%até10%.Mesmoestaverificaçãodeumpequenoresultadopermanece,contudo,questionável,porquesetrata,quantoaossubmetidosa prova, simplesmente do resultado de uma seleção: as instituiçõessocial-terapêuticas recrutam, desde o princípio, pessoas adequadascomo especialmente apropriadas à terapia (pré-seleção).Alémdisso, até50%daquelesque,nodecursodaterapia,revelam-seinapropriados,sãotransferidosdevoltaparaaexecuçãoregular(Ortmann,1994,786).Istodistorce,maisumavez,ojámagrobalançoderesultado.Comisto,nãoseriacriticadooapoionaexecuçãopenal,masumseletivotratamentodeexecução,aliás,de“privilegiados”internosdaexecução.

c)Denovo,comacrescenteuniformidadedoperfilsocialdaspessoasdos gruposde experimento e dos gruposde controle, permanece comoresultado que as diferenças no comportamento legal futuro diminuemsubstancialmente(comparetambémKaiser,1996,267s.;Löseleoutros,1987,414ss).

A avaliação crítica do esforço de tratamento em relação à quota docomportamentolegalnãodevenegaroempenhodaexecuçãopenalparapossibilitar às pessoasmelhores condições sociais para uma vida depoisda prisão. Ao contrário, estes esforços não se legitimam somente pelosfins de prevenção doCódigoPenal e daExecução penal,mas resultamprimariamentedosdireitosfundamentais,conformeosartigos1°e2°daConstituição.Trata-seaquidedireitos humanosque,dopontodevistapolítico-criminal, não devem ser definidos como metas programáticasarbitrárias.

Como resultado político-criminal da pesquisa científico-social deprevençãoespecialrestaafirmar:tambémdiferentessançõesestacionáriassãoamplamentepermutáveisquantoaosseusefeitoscriminal-preventivos,desdequeaspessoasrespectivasapresentemidênticascondiçõessociaisesócio-estruturais.Nãoasmedidasdetratamentoestatal,masasrelações sociais antes e depois da prisãodeterminamclaramenteoêxitoouofracassodasmedidasdealojamentoestatalnaexecuçãopenal.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal86

VI. Conclusões sobre a fixação de fim especial-preventivo da pena privativa de liberdade

Das pesquisas empíricas sobre efeito especial-preventivo das sançõespenaisédeseaconselharsobriedadeecepticismoemrelaçãoàsdeclaraçõesdeintençãodoprogramanormativodoCódigoPenaledaLeideExecuçãoPenal.Segundoosresultadosempíricosédesesupor,nomelhordoscasos,umnãoefeitoe,nopiordoscasos,umefeitocontraprodutivo.Istovaleespecialmente para a pena privativa de liberdade (compare, sobre isto,detalhadamente,§28abaixo).Istodeveriafortalecerafunçãodeultima ratio da pena privativa de liberdade. Este modelo da pesquisa deveriasugeriràaplicaçãodoDireitoqueasdiferentessançõessãoamplamentepermutáveisemrelaçãoaosseusefeitoscriminal-preventivos.Nesteponto,oreconhecimento da imposição de um mal através da penaprecisaseraceito,eumtipodeprincípio de minimização na medição penalprecisaser estabelecido. O Sistema de Justiça Criminal deveria se proteger doefeitodesucçãodemedidassupostamenteefetivas,nãoporúltimo,paraevitarefeitoscontraprodutivos.

B. Pesquisas empíricas sobre prevenção geral negativa

I. Efeitos empíricos pouco demonstráveis

“Com a admissão dos efeitos de prevenção geral da pena vincula-sea pretensão de desestimular potenciais violadores do Direito de açõespuníveis,assimcomodeatuar,napopulaçãoemgeral,pelofortalecimentodaconfiançanaforçadeexistênciaederealizaçãodoordenamentojurídico”:comestaspalavras,ocriminólogoKaiser(1996,259)descreveapretensãoda chamada prevenção geral negativa. Com isto, a prevenção geralpositivaouintegrativa,quemiraaconfiançananorma,oreconhecimentodanormaeafidelidadejurídica,substancialmentenãoénadadiferentedeumcasodeaplicaçãodateoria de socialização.AJustiçaprecisariapoderinvocar,porisso,emrelaçãoàprevençãogeralnegativa,comofundamentodelegitimaçãodoDireitoPenal,naverdade,clarascomprovaçõesempíricas.Maseste–surpreendentemente–nãoéocaso.

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 87

Kaiser,queempreendeu,comumgrandequadrodecolaboradores,umaamplapesquisadaliteratura,constata:“Segundooestadoatualdepesquisanãoexistem,naverdade,provasempíricasparaaefetividadedemedidas mais rigorosas na aplicação da pena”(1996,259).Tambémaelevada mensuração judicial da penaeamoldura penal legal,comoesperado,teriampoucopesoparaocumprimentodalei.

Emgeral,naCriminologia,asexpectativasdeprevençãosãoapoiadas,antes,norisco de descobrimento e no risco de persecução.Naverdade,istodeveriaserlevadoemconsideração–jánumníveldeplausibilidade–somenteparafatosracionaisedereflexão,oquedizrespeito,apenas,aumapequenaparceladetodasasaçõespuníveis.Realizado,emtodocaso,umcálculoracional,estesedepara,emgeral,comumpequenoriscodedescobrimento–como,porexemplo,delitoseconômicos–,oque,antes,deveria elevar a inclinação para comissão do fato. Por isso, em geral, opercebido risco de descobrimento e de persecução pouco influencia adisposiçãoparaocomportamentodelituoso,resumeocriminólogoKarl-Ludwig Kunz(2001,331).

Embora medições de eficiência e pesquisas de prevenção possuam,também, uma elevada posição de mérito internacional, surpreendemas magras provas empíricas para os supostos efeitos de prevençãogeral negativa. Considerando a formação normativa e o cumprimentonormativo,osprocessosdesocializaçãoespecíficosdecamadasdeveriam,antes,assumirmuitomaiorposiçãodevalor,doquea somadaameaçapenaldasinstânciasoficiaisdecontrole.Incluindo-senareflexãoagrandepartedosespontâneosfatosdeagressão,fatosdeconflitoefatossexuais,tambémemumníveldeplausibilidade,aameaçapenalparataisreaçõesespontâneasdeveriaserpoucorelevante.

II. Resultados de pesquisa exemplares

1. Criminalidade juvenil e os limites da prevenção criminal

AspesquisasdeKarl Schumann e outros,comotítulo“Criminalidadejuvenileoslimitesdaprevençãogeral”(1987),comprovamashipótesesacima.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal88

AmostrasrepresentativasdeadolescentesdeBremen,nascidosnosanosde1964e1965,foraminterrogadossobreações puníveis por eles mesmos cometidas.Osdelitostípicosdeadolescentes,sobreosquaisfoiperguntado,foramoperacionalizadosmediante explícitas descriçõesdos caracteres jurídicos típicos.As entrevistas (duasbaterias) ocorreram nos anos 1981 e 1982, e se dirigiram a 740 adolescentes deambosossexos.

Osresultadosmostramque83%dosadolescentesinterrogadosnaprimeirabateriadeentrevistas,naidadede15até17anos,já tinham cometido pelo menos um dos 14 tipos legais perguntados(compareSchumann e outros,1987,35).Nacomparaçãodosdelitospredominoua fraudede serviço (§265a,CP),que foi admitidapor68,3%dosadolescentes.Comooutrosdelitos,foramreferidos:

Dirigirsemhabilitação(§21,doCódigodeTrânsito):38,8%

Furto(§242e248a,CP):20,5%

Usoindevidodeveículo(§248b,CP):18,3%

Posseoutráficodedroga(§§29-30,daLeideDrogas):18,2%

Dano(§303,CP):17,3%

Pormeio desta pesquisa é confirmada a tese da ubiquidade, emboralimitada ao âmbito da delinquência de bagatela. Não pode ser feitaumadivisãodajuventudeem“criminosos”e“nãocriminosos”,segundoestes resultados. As constatações também mostram que a qualidade de“criminoso” não é intrínseca ao próprio comportamento,mas apenas oresultado de processos de seleção e de valoraçãodoSistemadeJustiçaCriminal,quepodematingir,no fundo,qualqueradolescente (compareacima§3BIII/IV).Delitosgraves,naverdade,tambémnacifranegra,sãoraramenteencontrados.

Somente uma parte dos delitos cometidos por adolescentes chegaao conhecimento da Polícia, por causa das muito diferentes posições de interesse dos lesados e da seletivamente empregada capacidade deinvestigação (limitada)daPolícia.Assim,por exemplo, algumas cidades(Bielefeld,compareVoss,1989,42)dão-secompletamentebemnodomíniodautilizaçãode transporte sempagamentodepassagem, semacionar aJustiçapenal,namedidaemquefazemusoexclusivodemeiosjurídicoscivis.Outrascidades,poroutrolado,indicamrotineiramentepassageirossempassagem(compareBrusten/Hoppe,1986,58).

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 89

2. Pesquisas empíricas sobre prevenção geral

Uma pesquisa semelhante, com princípio metódico diferente e umrelativamente grande círculo de investigados, foi conduzida por Heinz Schöch,em1981/2(1985,1.081ss).

Realizou-sesomenteumaentrevista.Alémdeinformaçõessobrecomportamentodelituosopassado,deveriamos investigadosoferecerumaautoavaliaçãode futurasprobabilidades de comissões. As seguintes hipóteses encontravam-se na base dapesquisa:• Quantomaioréavaliadooriscodedescobrimentodeumdelito,tantomaisraro

éestedelitocometido.• Quantomaisrigorosaépercebidapelointerrogadoapráxisdemediçãodapena

paraumdelito,tantomenoréaautoavaliadaprobabilidadedecomissãofutura.

Emumaprimeiraparte foramentrevistados362 jovens adultosmasculinos,naidade de 18-21 anos, sobre doze delitos e dois delitos aparentes. Igualmente, nosentidodeumcontroledevalidade,foraminvestigados82jovenspresosprovisóriose96jovenspresoscondenadosdefinitivamente.Emseguida,emumasegundaparte,comajudadeuminstitutodepesquisadeopinião,umaamostrarepresentativageralde2036homensemulheres,naidadede14-82anos,foiperguntadasobrequatrodelitos.

Emconcordânciacompesquisasatéagorarealizadas,tambémoestudodeSchöchdemonstrouqueoriscodedescobrimentotinhamaiorpesodoqueagravidadedapena. Além disso, pôde-se verificar que vinculaçõesmorais e o grau de distânciapara certosdelitos–mediados especialmentepelo círculo familiar ede conhecidos– possuemmaior relevância do que representações sobre riscos de descobrimentoouriscosdepunição.Estesúltimos,tambémsegundoapesquisadeSchöch,nãotêmnenhumsignificadoestatísticodemonstrável.

III. Conclusões

Acrescentando-se os conhecimentos de outras pesquisas sobre cifranegra, (compare, sobre isto, abaixo § 12), então vale, em geral, que aprobabilidade de registro aumenta com a crescente gravidade do delito(compare Kaiser, 1996, 361). Isto significa, ao mesmo tempo, que noâmbitodacriminalidadedebagatelaedacriminalidademédia,osefeitosgeral-preventivosdeintimidaçãodoDireitoPenalfracassamamplamente.Ao contrário, em delitos graves da criminalidade patrimonial, da

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal90

criminalidadedepoderedacriminalidadedeagressão,outrosmecanismosde eficácia, diferentes da dirigibilidade normativa, deveriam decidir.Com outras palavras: furto de lojas e fraude de serviços, apesar dasconhecidas ameaças penais, são cometidos em massa, aqui o DireitoPenal fracassa como meio de controle. Os delitos violentos, de menorocorrênciaquantitativaemrelaçãoaosdelitosdemassa(compare, sobreisto,Capítulo13, abaixo), sãocometidosapesardaalta ameaçapenal edos elevados riscos de descobrimento e de persecução, pelo quemais asocializaçãodoserhumano,menosa intimidação jurídico-penaldeveriasersignificativaparaageneralizadanãocomissão:desejodeembriaguez,agressividade e potenciais de destruição desenvolvem-se amplamente,independente de determinações de cumprimento normativo postuladasjurídico-penalmente.

Kunzsupõequeadébilprovadoefeitogeral-preventivodeintimidaçãodoDireitoPenalpoderiairritarooperadordoDireitoPenal,tantomaisqueestepressupõeafundamentalutilidadepreventivadoDireitoPenal,assim como outros grupos de profissões também estariam convencidosda utilidade social de sua atividade. Neste ponto, tratar-se-ia antes deumadeformaçãoprofissional.DodeverdapráxisdoDireitoPenalparaaplicaçãodas sanções legais disponíveis, não se segue– assimKunz – aadequaçãopreventivadestassanções(2001,331s.).

AaplicaçãodoDireitoPenalorientadapelaprevençãogeralé,portanto,umatécnica de decisãopragmaticamentedirigida.Nestecaso,avinculaçãodaleieossupostosefeitosdasconsequênciasjurídicassão,emprincípio,aceitas (“dogmática”). A aplicação doDireito Penal não pode se apoiaremumaconfirmaçãopelasCiênciassociaisempíricas.Depende,antes,dedogmasdevalidadeincondicional.Assemelha-se,comisto,aométododeprincípios teológicos, que também trabalham com dogmas de validadeincondicional (ena teologiamoderna:a suacrítica).Aáreade trabalhoda escolástica medieval consistia exclusivamente nisto, integrar dogmasno edifício de pensamento tradicional existente, elaborar diretrizes deinterpretação,delimitaropensamentodominanteemfacedaheresiaedabruxaria.Metodologicamente,ateoriaeajurisprudênciadoDireitoPenalcomportam-sedemodosemelhante.

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§ 5 - A pretensão de prevenção criminal do Direito Penal 91

C. Prevenção de integração

I. Inacessibilidade empírica

Severmosa tarefadoDireitoPenal emestabilizar, a longoprazo, aconfiança da população no Direitoenasnormas sociaiscorrespondentesao Direito, dispensam-se tentativas de iluminar empiricamente esteprincípio. Tais colocações de fins são, na realidade, indemonstráveis,sobretudo de um Direito Penal transbordante mal pode ser exigidarealização instrumental–emtodocaso,nãonaplenaextensão.Se leispenais objetivam proteção apenas simbólica de bens jurídicos, entãose pode, do ponto de vista da prevenção de integração, em relação àintegraçãonormativa,limitaraumaancoraçãosimbólica.Mas,comisto,osfundamentosdeEstadodeDireitodoDireitoPenalsão,emprincípio,colocados emquestão. Situaçõesde risco sócio-estruturais, quedevemser protegidas e caracterizadas através do Direito Penal simbólico,podemcontar,também,emcorrespondência,somentecomimposiçãoerealizaçãosimbólica.Oempirismocientífico-socialé,comisto,mesmocontraprodutivo, porque revelaria a inutilidadeda aplicação simbólicadoDireitoPenal.

II. Teoria sistêmica como fundamento de legitimação

Por meio do conceito de prevenção de integração foi realizada atentativa de novamente legitimar o sistema de Direito Penal. O novomodode fundamentação retomaa ideiadeLuhmann,doDireitocomoinstrumento de estabilização do sistema social, de orientação da ação edeinstitucionalizaçãodasexpectativas(Luhmann,1981,115s.;Günther,1988,324s.).Nopontocentralestáoconceitodeconfiança no sistema comoumaformadaintegraçãosocial.

Atravésdainstitucionalizaçãodasexpectativasdecomportamento–assimLuhmann–oDireitoassumiriaa funçãodeasseguraranecessáriaconfiançaemumsistemasocial complexo. Assim, poderia oDireito também garantir o necessário grau deorientaçãodeaçãoedeestabilizaçãodeexpectativas(Luhmann,1981,113s.).Alesãodanormanãoévistatantocomodisfuncionalsocialmenteporcausadalesãomaterial

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal92

de determinados interesses ou bens jurídicos,mas por causa do questionamento simbólicodanorma, comoumaorientaçãogeralde ação (Müller-Tuckfeld, 1998,145s.).Umtalquestionamentodasnormaspoderiaabalaraconfiançadosmembrosdasociedadenosistema(emresumo,Baratta,1984,193).

A pena persegue, deste ponto de vista, portanto, somente orestabelecimento da confiança e a consolidação da fidelidade jurídica,sobretudodosmembrosdasociedadenãocompreendidoscomopuníveis:com isto, o violador doDireito fica num plano secundário. Ambos osbaluartes construídos pelo pensamento do Direito Penal liberal paralimitaçãodapretensãopunitivaestatalemrelaçãoaoindivíduo,asaber,oprincípio do fato punível como lesão da liberdade eo conceitodeculpabilidadecomo limitação da responsabilidade edamedida penalsão, com isto, abandonados (assim também Baratta, 1984, 135). Aomesmotempo,estáemrelaçãocomisto,queoobjetivodoDireitoPenalsedesloca,daproteçãodeinteresses individuaisdevítimaspotenciaisparaaproteçãodecomplexos funcionais,quesãoautênticastarefasdaatividadedeadministraçãoestatal.IstosignificaqueoDireitoPenal,emvezdebensjurídicos,agoradeveprotegerfunções(Baratta,1984,137).

III. Crítica imanente à teoria

Porqueédifícilconfirmarourefutarestateoriacommétodosempíricos,podem ser-lhe contrapostos apenas argumentos teórico-imanentes. Osociólogo-criminalepenalistaAlessandro Barattaosformulouclaramente(1984,140s.):• Por um lado, não é de nenhum modo plausível, do ponto de vista

teórico-sistêmico, recorrer somente a reações penais tradicionaiscomo estabilizadores do sistema.Técnicas de estabilização do sistemapodem ser postas inteiramente à disposição, que representariamumaradicalalternativaaosistemadeDireitoPenal,portanto,origináriasdereferências deDireitoCivil, deDireito Administrativo e deDireitosSociais, oumesmo já das normas informais de socialização (compareabaixo§11).

• Conforme a perspectiva teórico-sistêmica, conflitos nas sociedadescomplexas podem, perfeitamente,manifestar-se em lugares onde eles

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 93

nãoseformaram.Ateoriadaprevençãodeintegraçãoreduz-se,todavia,comsuareaçãopenal,aumareação orientada pelo sintoma,queocorreexclusivamentenolugarondeosconflitossemanifestam,enãonolugarondeestessãoproduzidos.Ateoriasistêmica,nosentidoluhmanniano,remetea soluções institucionaisno localde surgimentodosconflitos,peloquereaçõesjurídico-penaispodemsercompletamentesupérfluas.

• Porúltimo,osistemateóricodaprevençãodeintegraçãonãoconsideraosefeitosnegativosdosistemadeDireitoPenal,quepodemsuspenderossupostosefeitospositivosdaintegraçãosocial.Sãoignoradosobjeçõeseargumentos,quemostramqueosistemadeDireitoPenalestáligadocom elevados custos sociais e consequências graves para a integraçãosocial.

A teoria da prevenção de integração produz, portanto, um trabalhode legitimação para tendências tecnocráticas de ampliação do DireitoPenalederespostaaproblemassociais.Atransferênciadasubjetividadedoser humanoparao sistema temporconsequênciaque,na teoriadaintegração/prevenção,oserhumanonãoéafinalidadeeopontocentraldoDireito,mas simplesportador de funções jurídico-penais (Baratta,1984,144e2003,210s.).Oserhumanoédegradadoaobjetodaabstraçãonormativa e a instrumento de função social – uma crítica que Kant jáformulouclaramenteem1785(1991,60s.).Afiguradobodeexpiatório,conhecida da teoria penal psicanalítica, renasce claramente, ainda quecomoutra intençãoena linguagemabstratadateoriasistêmica.Baratta indica, corretamente,que a teoria sistêmica “fixa a responsabilidade emumsujeito,cujasubjetividadeé,aomesmotempo,subtraídaemfavordosistema”(1984,144).

§ 6. A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal94

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A. Da constante mudança das pretensões de controle jurídico-penal

ACriminologianãodeixaoDireitoPenalsemquestionamento,tambémemteoriadocontrole.Deumpontodevistadateoriadocontrole,que

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 95

tomaempréstimosdaPolítica,daSociologia,daHistóriadoDireito,daFilosofiaJurídicaedaTeoriadoDireito,deixam-sededuzirconhecimentoscientíficospara a capacidadede controledoDireito.MaspretensõesdecontroledirigidasaoDireitoPenalsãoexplicitamentetematizadassomentena moderna Teoria do Direito (compare, em visão panorâmica, § 10abaixo).

I. Direito metafísico do soberano: Inquisição para fins de dominação

O arcaico direito metafísico do soberano, dirigido à retribuiçãocorporal,naépocadopré-Iluminismo,destinava-seexclusivamenteparagarantiadedominaçãodosoberanoabsoluto.Estapretensãodedominaçãonãocorrespondiaanenhumaelaboradateoriadocontrole,masantesaumasubmissão,teologicamentelegitimada,aodomíniomundanoeespiritual.

II. Direito Penal clássico: repressivo-limitador

SomenteoDireitoPenalclássico,contemporâneodoIluminismoeuropeu,formulouummodelojurídicodegrandespretensões,que–pelomenoscomotipoideal–orientava-sepeloprincípiodeumalegalidadedirigidapela razão (Immanuel Kant). EsteDireito Penal do fato, compreendidocomoabsoluto,inscreveucomolemaaestabilizaçãoeavalidadeabsolutadoDireito, para–orientadopela emancipação– substituir opoderdosoberanopelopoder do Direito.Comisto,erarepressivo,masdelimitava,aomesmotempo,aintervençãodoEstadoatravésdoslimitesdoDireito.ApretensãodecontroledoDireitoPenalera,diantedopanodefundodateoria clássica do Direito Penal,aindapequena.Seasançãoretributivaémedidaexclusivamentepelagravidadedofato,entãonãohánenhumanecessidadedeciênciasempíricasesclarecedoras.Umespaçorelevantededecisãosobrecaracterísticasdoautornãoexiste.

III. Escola moderna de Direito Penal: preventivo-configurador

PropostasdeintervençãodeumaCriminologiaempiricamenteoperantesomente se tornam capazes de aplicação forense com o Direito Penal

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal96

orientado pelo fim.Agora,ateoriadoEstadododistanciadoEstadodeDireito liberal é substituída pelo modelo do onipresente Estado Socialintervencionista. A reorientação, que acompanha isto, de um absolutoDireito Penal de reação (repressivo-limitador) modifica-se para uminstrumento de controle preventivo-configurador (compare Albrecht,1988).

IV. Simbólico Direito Penal do risco: informalização

Estamudançaparaumaoperativapretensãodecontroleconfiguradorda sociedade já se pode admitir como historicamente ultrapassada.Na verdade, a Criminologia tradicional ainda vive da representação dequeoDireitoPenalmudou,deumaorientaçãojurídico-normativaparauma orientação científico-social empírica e, neste ponto, necessita deindispensávelconselhocriminológico(compare§7B,abaixo).Todavia,comistoéignoradoque,progressivamente,ointeressedaPolíticaporutilizávelconhecimento(científico)simbólicoéavaliadodemodoconsideravelmentesuperiorànecessidade(menossignificativa)deconhecimentosempíricosutilizáveissobredéficitsdeaplicaçãodoDireitoPenal.Comoretrocesso do modelo do Estado de bem-estarsãoatribuídaspretensões simbólicas de controleaoDireitoPenal.Esteatuacomosubstitutoparaoutroscaminhospolíticosdesoluçãonapolíticacomunitária.Comafunção“simbólica”doDireitoésignificadaaproduçãodesímbolos,decritériosdeinterpretaçãoedemodelosdesoluçãoaparentes,emrelaçãoaosproblemassociais.

Omodelojurídico-penalempiricamentenãodemonstráveldaprevençãode integração (compare§5C, acima) já substituiu amplamente, comofundamento de legitimação, o modelo de prevenção de intervenção,controladordasociedade,doEstadodobem-estar.Emfacedocontextodecrisessociais,istoédemonstrável.Estascriseseconômicas,ecológicas,sociaiseculturaisnãopodemmaisserenfrentadasadequadamentecomasformasdeintervençãojurídico-penaistradicionaisecomascorrespondentesfundamentaçõesteórico-penais.

A prevenção de integração incidente sobre esta lacuna tem em vista,primariamente, a consciência da coletividade estabilizadora da norma.A rigorosa referência sistêmica é promovida, de modo suficiente, por

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 97

legislaçãosimbólica.Oresultadoé, semdúvida,uma informalizaçãodoDireito, isto é, um conceito deDireito difuso, sem conteúdo, conduz,progressivamente, no quadro do simbólico Direito Penal do risco, àaplicaçãoarbitráriadoDireito.

V. Direito Penal pós-preventivo: segurança acima da liberdade

No quadro dos desenvolvimentos globais do Direito após o 11 desetembro de 2001, desenha-se uma mudança ainda mais radical. Aorientaçãode segurançaglobalproduzumDireitoPenalde segurançapós-preventivo, que se precipita, finalmente, em intervenções desegurançaindependentesdesuspeita,quesubstituemoDireitoPenal.Emsuaformaideal-típica,taisorientaçõesdesegurançaconduzemmesmoaumamilitarizaçãodasegurançainterna.Apredominânciadasegurançadiantedaliberdade–quegaranteadominaçãoglobal–exigesacrifíciosespeciaisdetodos,comodevergeraldocidadão.Naorientaçãoporpurasmedidasdesegurançaocorreanegaçãoe,finalmente,aaniquilaçãodoDireito.

B. Direito Penal preventivo: a mudança do controle social repressivo-limitador para o controle social preventivo-configurador

NasseguintesseçõesB,CeD,estasetapasdemudançashistóricas–deformaalgumaseparáveis–devemserreconstruídasemsuasformastípicassingulares.

I. Cientificização da prevenção criminal

1. Elevação da eficiência do Direito Penal

Oprograma políticodeumaprevençãocriminal,direcionadaparaoprincípiodeotimizaçãoda intervenção,eraeédependente,emmedidaespecial,deciências empíricas.Nestecaso,conhecimentoscriminológicoseresultadosdepesquisapodemserempregados,essencialmente,paraduasfinalidades:

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal98

• paraaperfeiçoamentoestratégicodasintervençõesaoníveldaaçãodasinstânciasdecontrole(aspecto instrumental),e

• para justificação geral ao nível da demonstração política (aspecto de legitimação).

Trata-se, enfim, de configurar mais efetivamente, segundo critérioscientíficos,osistemadecontrolesocialgeral,informaleformal.Comisto,existe,contudo,operigodequeestaelevaçãodeeficiênciasejaconfundidacomprogressosócio-político.

2. Os perigos para o Estado de Direito

Os perigos – assim é temido – para o Estado constitucional de liberdadesdemocráticassãopraticamenteimpossíveisdeseremignorados,quando o Estado de intervenção, aparente na roupagem do Estado debem-estar,dispõe-sea“desmontaraexistênciatradicionaldosdireitosdeliberdadedoscidadãos,noâmbitodocontrolesocial.Umavezdescoberto,pelospráticosdoprojetosanitário-comunitário,oespaçosocial,o‘mundodavida’comolocalondeelespressupõemonascimentodacriminalidade,então, a longo prazo, presumivelmente, nadamais salva este espaço desua intervenção” (Kreissl, 1986, 1). Estes temores, justificados desde oprincípio,naverdadecaemprogressivamentenovazio,nascrisesestruturaisdo Estado do bem-estar, o que, considerando a pretensão universal deatuaçãodoEstadodeintervençãoedoEstadodebem-estardeveria,antes,sertranquilizador.

II. A perspectiva teórica de controle do Estado de prevenção

No moderno Estado de intervenção deixa-se detectar, tendencial econcretamente,umamudança do modelo de controle repressivo-limitador para o modelo de controle preventivo-configurador.Esteprocessoeraeé,emsubstância,redutívelaespecíficastendências de crises das sociedades industriais desenvolvidas,quesedeixamdiagnosticarnastrêsáreascentraisdaeconomia,daecologiaedacultura(Albrecht,1986,58s.).

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 99

1. Tendências de crise por pretensões político-sociais irrealizáveis

Asmodernassociedades industriais tendemaameaçar fortementeou,mesmo, a destruir amplamente seus fundamentosmateriais, ecológicos,sociaisesimbólicos.Astendênciasdecrisesemergentessãoaconsequênciade exigências contraditórias, que o ‘Estado moderno’ precisa satisfazer(compare O’Conner,1974).Nascrescenteslacunasfuncionaisdomercadodeve o Estado intervencionista, cada vez mais, intervir. O sistemaadministrativo precisa, crescentemente, assumir responsabilidade pelodesenvolvimento da força produtiva do trabalho humano, medianteinstrução, reeducação etc. Precisa, além disso, responsabilizar-se pelaremissãodoscustossociaisemateriaisdaproduçãoprivada:amparoaosdesempregados, bem estar, danos ambientais etc. (compare Habermas,1973).

Neste desenvolvimento reflete-se, ao mesmo tempo, uma profundamudançanaestruturasocial,quenãoémaissomentediferenciadaconformecamadas, mas conforme centro e periferia (compare Hirsch, 1980).Comomostra, inconfundivelmente,odesenvolvimentodaestatísticadodesemprego,cresceaparceladaquelesquesãoexcluídos,irrevogavelmente,davidadetrabalhoprodutivo:desempregoemregiõesdefrágilestrutura,desempregodetrabalhadoresmaisidosos,deadolescentesestrangeirosetc.Em geral, vê-se o Estado confrontado comuma série de expectativas eexigências,queelenãoconseguesatisfazer,ouseja,àsquaiselenãoconseguereagiradequadamente.Paraisto,faltam-lheosmeiospolíticos,oufalta-lhea coragempolíticaparapôr emaçãopolíticas estruturais adequadas.Asfrustraçõesresultantesdestadiscrepânciaconduzemapolarizaçõespolíticasque, por sua vez, produzem uma posterior elevação das reivindicaçõespolíticas(compareKreissl,1987,98s.).

2. Controle estatal compensa a demolição da disciplina informal

Este processo de erosão social, que fazia crescentemente necessáriaa intervenção estatal, conduziu necessariamente, não somente porcausa do impulso de juridicização sócio-estatal (Teubner, 1984), a umaelevada necessidade de controledoEstadointervencionista.Formou-se

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal100

umpotencial de pessoas para serem controladas – porque excluídas domercadodetrabalhodisciplinador–,queprecisamsersubmetidasaumcontrolereforçado.Sobreaextensãoeaenvergaduradeumrearmamentopreventivo, como reação a antecipadas crises de controle, não existia eainda não existe nenhuma pesquisa confiável. Era clara a tendência,contudo,dequecadavezmaisáreascaíssemnaesfera de influência do controle estatal organizado.Comisto,foipromovidaumareorientaçãodocontrolerepressivoparaocontrolepreventivo,nãoporúltimo,porquepurasreaçõesrepressivas–jápelasdespesas–quasenãotinhamchancederealização.Naverdade,oscontroladoresaparelhosdesegurançaeram,desdesempre,indispensáveisparaaordemeofuncionamentodoEstadodebem-estar.Masanovaqualidade,queagoraeraevidente,consistianisto,“queapolíticadasegurançainternanãocompreendemaissomenteautilizaçãodeaparelhosdesançõesrepressivas,massetransformaempolíticasocial,daqualsãoesperadosefeitossaneadoresepreventivos”(Schulz/Wambach,1983,76s.).Aomesmotempo,transforma-seoinstrumentáriorepressivodoSistemadeJustiçaCriminaldemodorelevante.Tornou-seclaramentevisível uma expansão da pretensão de controle jurídico-penalmedianteprevenção.

3. Orientação preventiva no Sistema de Justiça Criminal

A otimização da segurança estatal de uma “nova” estratégia deprevenção não era de se demonstrar somente no campo (clássico) doDireitoPenalmaterial,masseestendiatambémparaaPolícia,oProcessoPenal e a Execução Penal, como componentes integrais do Sistema de Justiça Criminal. Para todos os três subsistemaspôde ser indicadoumrearmamento preventivo, que se deixa detalhar – ainda, conforme apretensão–aoníveldosistema,aoníveldaorganizaçãoeaoníveldeaçãodoSistemadeJustiçaCriminal(compareAlbrecht,1986,60s.).

Ao nível do sistema, o pensamento de prevenção serve, como decostume, de abrangente fundamento de legitimação para a ampliaçãoda pretensão de controle jurídico-penal (por exemplo, antecipação dospoderesdeintervençãonaáreadaPolícia).Aonível da organizaçãopodeserdemonstrada,comofunçãoprincipaldeprevenção,atentativadeuma

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 101

elevaçãoda eficiência instrumentaldoSistemade JustiçaCriminal (porexemplo, intervenção-diversionnoDireitoPenalda Juventude, compareAlbrecht, 2000, 23 s.). Ao nível da ação constata-se, na realização deestratégias preventivas, um questionável esforço de harmonização e,vinculadoaisso,umalentaperdadeautonomiadaclientela(porexemplo,pretensão de conciliação dos programas de compensação autor-vítima,compareAlbrecht,2000,184s.).

III. Sobre o fim do Estado de bem-estar

AcrisedoEstadodebem-estarnãoé,simplesmente,uma“crisefiscal”,elaémaisprofunda:sociologicamentesignificativaéacrisedelegitimaçãodoEstadodebem-estar,aperdadacrençanoprojetodoEstadodebem-estar,a perda da crença na configurabilidade e governabilidade da sociedade,emqueotemadocontrole jurídico-penalabandonaprogressivamenteacrençanapossibilidadeeefetividadedeintervençõesrelacionadasapessoas(assimLudwig-Mayerhofer,1998,244).

1. O desenvolvimento

OEstado de bem-estar não foi apenas uma invenção do pós-guerra.Já começou no século 18, como projeto de pacificação e integração dasociedade, através das primeiras medidas político-sociais. Contudo,somente no período posterior à Segunda Guerra mundial, uma etapade expansão do Estado de bem-estar foi alcançada, que foi designadaporFranz-Xaver Kaufmann como“legitimadaextensãoprogramáticadosegmentodoEstadodebem-estar”(Kaufmann,1997,25).Estaevoluçãoestavaligadaaumaépocadeeuforiadeplanejamentodecurto-prazododesenvolvimento socialmente dirigido da comunidade, que arrefeceu,todavia,empoucosanose,comofimdocrescimento,apartirde1975,reduziu-seprogressivamente.Apósopontoculminantedoanode1982(as recessões dos anos 1981 e 1982 estavamnopassado) registra-se, naRepúblicaFederaldaAlemanha,umcontínuo retrocessodasquotasdoEstado.Nistojáévisto“ofimdaeradecrescimentodoEstadodebem-estar”(compareLudwig-Mayerhofer,1998,62s.).

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal102

OperíododeuminequívocodesenvolvimentoexpansivodeumEstado de bem-estar intervencionista,comapretensãodeumabrangentecontroleda sociedade, foi evidentemente uma fase muito curta na RepúblicaFederaldaAlemanha.Mesmoassim,emrelaçãoàcrisedoEstadodebem-estar(compareMichel,1997),nãosetratadeumacrise de sua relaçãodecontrole,mas,aocontrário,deumacrisedecontrolenaáreadeação do Estado de bem-estar.Osdéficits exprimem-se, sobretudo,no seguinte,que as consequências reais do desenvolvimento econômico em situaçãodecrise(desemprego,necessidadedeauxíliosocial,carênciademoradia)nãopodemmais serapropriadamenteatenuadasoucompensadassócio-politicamente. O potencial de controle produzido pelas normas legais,nocorrespondentecontextodeintervençãosocial,nãoseenfraquececomisto.Antes,deveriaaindasefortalecer,porqueperantea“crisefinanceiradoEstado”(O’ Connor,1974),aextensãodosbenefíciosdetransferênciaedosinvestimentossociaisestataisestásubordinadaamaioresrestriçõese,nesteponto,tornanecessáriasseleçõesmaisradicais.

2. Consequências para o Sistema de Justiça Criminal

Seria ingênuo estabelecer uma relação imediata entre expansão eestagnaçãodoEstadodebem-estar,deumlado,easreaçõesdoSistemadeJustiçaCriminal,deoutrolado.Sãodediferenciar,porumlado,discursosno debate jurídico-científico e político-criminal, passos normativos nointeriorda legislaçãoeaçãoconcretadaspessoasnointeriordoSistemade JustiçaCriminal.Umaanálise,nemmesmodeperto exaustivadestaestruturademediação,atéagoranãoexiste.

Nãoobstante,édeseregistrarumaforte reorientaçãonosmencionadosníveisdaPolítica,daLegislaçãoedosagentesdoSistemadeJustiçaCriminal.Verbalmente, a Política sente-se, ainda, vinculada ao pensamento deprevenção,entretanto,osdéficitsinstrumentaisnaimposiçãodenormasdoDireitoPenalsãogeneralizados.AlegislaçãoprocuraatribuiraoExecutivoosdéficits de imposiçãodenormas,medianteaconstrução de cláusulas gerais. Promete-se, aqui, uma regulação da carga de trabalho judicialsem atenção pública.Vendida como prevenção, segundo a pretensão,narealizaçãopraticadacomopuraracionalização administrativa:deste

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modo,pode-seclaramentecomprovaraatuaçãodaPolícia,doMinistérioPúblicoeda Justiça (compare, alémdisto, emdetalhe, abaixo,SegundaParte). Sem vinculação com as características do caso individual, dospressupostospessoaisepossibilidadesdesoluçãoindividualdeconflitos,o Sistema de Justiça Criminal orienta-se, no processamento de grandenúmerodecasos,porrotinasburocráticas.PadrõesdeEstadodeDireitosãoprogressivamentenegligenciados,oSistemade JustiçaCriminalnãopodesatisfazer,nememrudimentos,reivindicaçõesdetarefaspreventivascolocadas de dentro e de fora. Os responsáveis por Política criminal,legislação e Sistema de JustiçaCriminal indicam a carência de recursospessoaisemateriais,ascrescentesexigênciassobreosistemaeoprogressivoinsucessodesuaatuação.A“crisedoEstadodebem-estar”conduziu,assim,necessariamente,àredução da euforia preventiva,queaindacaracterizavaaPolíticacriminaldasdécadasde1970e1980.

C. O simbólico Direito Penal do risco: a funcionalização do Direito Penal como meio de Política simbólica

O zênite deumauniversal pretensãode controle do comportamento

individualpormeiodoDireitoPenal,como(precoce)fimdautopiadoduradouroEstadodebem-estar, já tinha sidoultrapassado.A sociedadede riscoem formação (Beck,2001)permite transparecer,paralelamente,apenasaindaumsimbólicoDireitoPenaldorisco.Apretensãodecontrolemudadeumaintervençãorealparaumaintervençãosomentesimbólica.

I. Crescente necessidade de controle

Afunçãodeproteçãojurídico-penaléconfrontada,emsociedadesderiscoaltamentedesenvolvidas,especialmentecomdoisaspectosproblemáticos:• No lugar de bens jurídicos individuais e de sua ameaça por atuante

autor culpável, comparecemmultiplicadas necessidades de proteção coletiva, que são ameaçadas por ações organizadas (criminalidadeambiental,econômica,dedrogas).

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal104

• Aproteção jurídico-penaldebens jurídicos, vinculada apressupostosde intervenção nacionais, está defronte a uma situação de perigo internacionalmente produzida (genocídio, terrorismo, destruiçãoambiental).

Ambos aspectos do problema são invocados, nas atuais reformas doDireito,comofundamentaçãoparauma“desformalização”dasnormasdoDireitoPenal:paraastendências• dedelitodelesãoparadelitodeperigo• dacausalidadeparaimputação• daestritavinculaçãolegalparaincontroláveldiscrição.

Esta redução da limitação de Estado de Direito do poder penal produzaaberturadeespaçosdeintervençãofuncionaisdoEstadomoderno(compareAlbrecht,1986,55s.).

II. Problemas de controle na perspectiva teórico-social

1. Problemas de controle através de segmentos sociais emancipados

Sociedadesindustriaisaltamentedesenvolvidasestãodiantedeespeciaisproblemas de controle. A crescente divisão da sociedade em esferas defunçõesproduzsubsistemassociaisaltamentevariáveis,comoaEconomia,aEducação,aCiência,oSistemadeSaúde,aAdministraçãoouaPolítica.Estessubsistemassão,porsuavez,novamentepermeadosporpoderosasgrandes organizações: sindicatos, associações de empregadores, grandesbancos, universidades, caixas de previdência ou partidos políticos. Ossubsistemassociais subordinam-se, respectivamente,acritériosprópriosde ação racional e adequada. Apesar das recíprocas dependências, queexistem,porexemplo,entreEconomiaePolítica,entreindústriadasaúdee assistência à saúde pública (caixas de previdência), estes subsistemasmanifestam-secomo ‘egocêntricos’.Eles ignoramos interessesdeoutros(subsistemas) e seus efeitos conjuntos sobre a sociedade geral. Doisolamento e da unilateral orientação de interesses dos subsistemassociais,nascemmassivos problemas de controleparaascoordenadoras

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intervenções do Estado central, orientadas ao “bem comum”. OcorporativismodemanifestosgruposdeinteressenoEstadomodernodeixaperderem-senaareiaasintençõesdecontrolederepresentantesdopovodemocraticamente legitimados.OEstado de Direitodemocraticamenteconstituído encontra-se numa crítica retirada (compare, sobre isto, emdetalhesLudwig-Mayerhofer,1998,264 s.).Muitosdenominamisto,deformaeufemística,comonecessáriaprivatizaçãodeáreasdeconfiguraçãoestataledoDireito.

2. Problemas de controle por integração da sociedade global

A engrenagem internacional, que resulta da dinâmica própria daEconomia,daCiênciaoudaPolítica,multiplica,finalmente,osproblemasde controle doDireito, amplamente vinculado aos limites da soberanianacional.ControlepormeiodoDireitoocorreprincipalmentenoslimitesterritoriaisda legislação edomonopóliodopoder.Enquanto aPolíticaéorientadapeloequilíbriodepodernointeriordoEstadoeoDireitoéfeito valer noEstadonacional, os subsistemas sociais, comoEconomia,CiênciaouTécnicaindicamáreasglobaisdeatividadeedeintercâmbio.Ainternacionalidadetorna-sediretamenteemcritériodetrabalhodeeficazperseguição de interesses. Problemas locais emergentes possuem globaisrelaçõescondicionantes (meio-ambiente,paz)e sãodominados somentecomajudadeestratégiasglobaiscoordenadas.

Ao lado disso, no quadro de uma sociedade global, surgemsituações problemáticas específicas, que se relacionam, por exemplo,comosdiferentesníveisdedesenvolvimentodosEstadosnacionais,comsuperpopulaçãooucomaausênciadeformulaçõespolíticassupraestataisedeentidades capazesdeação.Sobretudo, formasexpressivasdopoderestataledoterrorismoameaçamapazmundial,namaioriacondicionadasporsituaçõesdeconflitomacroeconômicaseinterculturais.Osproblemasenraizados na sociedade global, por isso, quase não seriam de regularcom os meios da Política e da representação de interesses vinculadosterritorialmente, assim como com o Direito nacionalmente orientado(compareAlbrecht/Braum,1998,bemcomoBauman,1997,320s.).

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III. Reduzidas possibilidades de controle do Direito Penal

Ao crescimento de bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal eà expansão das pretensões de controle jurídico-penal contrapõem-secrescentesdúvidascientíficassobreaadequaçãodoDireito Penal da culpaparaocontrole de complexas situações sociais problemáticas.Alémdosresultadosempíricos,queprovamapenaspequenosefeitosorientadoresdeaçãodoDireitoPenal,nosentidodeprevençãoespecialcomogeral(compare§5AeB,acima),épressupostoque,tendencialmente,asconsequênciasdeaçõesorganizadassesubtraemàsregrasválidasdeimputaçãojurídico-penal,comocausalidade,culpabilidadeeresponsabilidade.Éevidentequea persecução penal tenta se ajustar ao novo terreno, do ponto de vistajurídico-material, assim como jurídico-processual e jurídico-policial(compareAlbrecht,1990,7s.).Estaextensão,politicamenteacionada,daspretensõesdecontrolejurídico-penal,nocasodefundadasdúvidassobreacapacidadedecontroleinstrumentaldoDireitoPenal,éprovainequívocaparaafuncionalização do Direito Penal como instrumento de política simbólica,ameaçadoradoEstadodeDireito.

IV. O valor de uso político do Direito Penal

1. Particularização da imposição do Direito

No subsistema social da Política, a positivação do Direito Penal e aaplicaçãodoDireitoPenal–comoprogramaspolíticosgerais–sãomedidasmenospelosefeitosdecontroleinstrumentais,masantespelovalor de uso político.Lealdadesdegrandeseheterogêneascamadasdeeleitoresdevemser garantidas, posições de interesses sociais poderosos, frequentementeconflitantes,devemser consideradose equilibrados.APolítica sevê,na“sociedadederisco”(Beck,2001),perantepretensõessemprecrescentesdeadministraçãodecrisesededefesadeperigos.

Graças à contínuamultiplicaçãopolíticadebens jurídicosprotegidospeloDireitoPenaleàvigilânciajurídico-penalabrangentedeprescriçõesordenatórias,éprovávelumdéficitdeexecuçãodapersecuçãopenal,jápor

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 107

limitespessoaisemateriaisdaJustiçapenal.AparticularizaçãodaimposiçãodoDireito,queacompanhaafebrilcriaçãodoDireitoPenal,étambém,contudo, um indício para funções simbólicas doDireito Penal. Efeitosinstrumentais,configuradoresdasociedade,denormasdoDireitoPenal,quedepoisdesuacriaçãoencontram,antes,reduzidaaplicaçãonoprocessopenal,sãodeesperarapenasdemodocondicional.FunçõessimbólicasdoDireitoPenal,aocontrário,relacionam-seantesàpreparaçãoeàexecuçãodeprocessoslegislativos.Elasnãosãodependentesdaimposiçãodanormajurídica(Hassemer,1990,71s.).

2. Simbolismo

Porfunção“simbólica”doDireitoéentendidaacriaçãodesímbolose de aparentesmodelos de solução em face de problemas sociais.OnascimentodoDireitoPenaleconômicomostraque,comestasreformas,tambémumapúblicapressãodeexpectativa,emdireçãoaumsaneamentoético da comunidade econômica, foi politicamente programada. Nesteponto, funções simbólicas do Direito são inteiramente relevantes paraa ação, atuam na formação da consciência, produzem ou fortalecemnormaseideaissociais(compareGusfield,1975,168).Simultaneamente,a extensão da persecução penal em relação aos delitos econômicos, porexemplo,permanecerelativamentepequena,comosepodepercebercombasenosnovostipospenais,mediantea2aLeideCombateàCriminalidadeEconômica(2.WiKG)de1986(compare§30,2,abaixo).

3. As políticas funções de uso em detalhes

Atospolíticosapresentam,emgeral,tantoumcomponenteinstrumental,como também um componente simbólico (compare Edelman, 1976).Não obstante, a Política se vira amplamente sem imposição de normassancionadoras,precisamentenoâmbitodoDireitoPenal,porquemantémsuficientes funções simbólicas concretas, que estão vinculadas apenascomapositivaçãodoDireitoPenal.Estasfunçõesdevemserdescritasempormenores,aseguir.

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a) A rejeição de responsabilidade política mediante individualização de situações sociais problemáticas

As reformas de criminalização, desde a década de 1970, na base dasquaissituam-semanifestosproblemassociais,afetamosseguintessetoresdemodoespecial:• criminalidade econômica e criminalidade ambiental (como efeito

socialdeumaotimizaçãodeinteressesparticularesdeintegraisâmbitosdefunçõescomunitárias),

• drogas e tráfico de seres humanos (comoefeitodediscrepânciasdeprosperidadedasociedadeglobal),

• formas expressivas da criminalidade violenta e do terrorismo(condicionadas por situações de conflitos sócio-econômicos oupolíticos),ou

• abuso genético ou abuso de embriões(porcausaderiscosincalculáveisde um economicamente impulsionado desenvolvimento científico etécnico).

Emcontrapartida,omodelodeimputaçãojurídico-penalésustentado,napráxisdeaplicaçãoaocasoconcretodoDireitoPenal,pelarepresentaçãoda voluntária lesão da norma cometida por seres humanos singulares.Enquanto que, para solução de problemas sociais é empregadocontinuadamente,segundoapretensãoexterna,omodelodaatribuição de culpa individual,asituaçãoproblemáticaé,contudo:• separada de suahistória de formação – esta é reduzida ao registro

momentâneodofatocriminoso,• separadadesuarelação condicionante–estaéreduzidaàsituação de

motivaçãodoautor,• privadadeuma intervenção político-estrutural (ou “economizada”,

conforme a posição do observador) – esta é substituída pelo efeitoinformadordomotivoda sanção(compare,alémdisto,emdetalhes,Voss,1993).

A intervenção jurídico-penal produz um mecanismo de ofuscação e encobrimento através do qual problemas sociais são personalizados.Assim,aomesmotempo,elesescapamaumaatribuiçãopolítica(compareSchumann, 1987, 84). O conflito é deslocado sistematicamente para

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 109

cenários colaterais. Desvia-se do núcleo do problema. A escolha de“ovelhas negras” purifica o rebanho: “cortes no secundário legitimamodesenvolvimentoprincipal”(Beck,1988,98).

AintervençãopolíticanoDireitoPenalconfereumaexpressãoconcretaeconfiávelàssituaçõesestruturaisproblemáticasnomodelodoautorpenale indica, com a ameaça de sanção penal, formas de intervenção usuaisnomundo do cotidiano. A positivação doDireito Penal produz, nesteponto, não somente anormalização de problemas sociais.Reduz, aomesmotempo,atravésdeseuefeitodedesvio,aaguda pressão política de controle em facede âmbitosde funções sociais autônomas, comoaEconomiaouaCiência,porexemplo.Reformaspolítico-estruturais,porexemplo,naáreadoDireitoTributário,doDireitoSocial,doDireitodoTrabalhoedoDireitoSocietário,podemserpostergadas,oquealivia aPolítica.Enquantoaatividadepenal-legislativaconduzarápidosresultadosconcretosefixaefeitospolíticos, intervençõespolítico-estruturais–ouaconfissãodainsolubilidadedeumproblema–podemserdeslocadasparaoutrosperíodoseleitorais(Voss,1993,139).

b) Demonstração de capacidade de ação políticaA redução de situações sociais problemáticas aos efeitos de desvio

normativo individual produz, ao mesmo tempo, a manipulação políticadeproblemasestruturais.Oarsenalpreventivoeinterventordainfluênciaestatalnocidadão,aprovadoeapresentadodiariamentenamídia,agoraestáàdisposiçãocomomeiodesoluçãodoproblema.Órgãosestataisdecontrolefiscalizamanovanormacriada. Instânciasde investigação,JustiçaspenaiseinstituiçõesdeexecuçãodaJustiçareagemàlesãodanormaeprevinemdesviofuturo.Auniversalpromessa política de segurança(Edelman,1976,33;Preuss,1989,488)parecegarantida,tambémemrelaçãoaosperigosdodesenvolvimento moderno, que perdem seu caráter anônimo-ameaçadore sua alta variabilidade, quando são nomeados na conhecida figura do“criminoso”esãocomoquesuspensas(Voss,1993,139).

c) Proteção de valores sociaisLeispenaisservem,aoladodeseusfinsinstrumentais,quemuitasvezes,

jámedianteaconstruçãodanorma,sãoenfraquecidosdepropósito(por

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exemplo, vinculação retroativa a decisões administrativas, no DireitoPenal ambiental), ao fortalecimento de valores e normas sociais. Adiscussãopolíticasobreaconsideraçãodosinteressesdegruposdesembocaregularmente na arena da legislação. Também o abstrato “interesse doEstado em simesmo” (Offe, 1975, 17)manifesta-se pelos caminhos daatividade legislativa. Este interesse próprio é orientado pela diferença-diretriz “governo/oposição” e explora a garantia de lealdades mediantecompromissosaparentementeneutrosentreposiçõesdeinteressessociais.Poder e influência são demonstrados na luta por legislação, decretos edisposições.Reformas de criminalização,emtodososarraiaispolíticos,sãoavaliadascomomeiodefortalecimento simbólico de valores (Voss,1993,139).

Tambémosalternativos,outroramovimentospolíticosantiestatais,queprimeiromostraram pouca confiança noEstado e na Lei, contamhojeentreospropagandistasdoDireitoPenaleoszelososprodutoresdeleis.Assim,novasnormasdeDireitoPenalsãorecomendadasdetodososladose,independentedaprópriaposiçãonasrelaçõesdemaioriaparlamentar,sãoencaminhadasaomeiolegislativooupublicitário.

Não somente a bem-sucedida positivação da norma jurídico-penal,mas também a proposta de criminalização apresentada ao Parlamentoou discutida fora do Parlamento, mostram quais valores sociais sãoespecialmenterelevantese,porisso,dignosdeproteção.Aomesmotempo,a criminalização assinala, no conceito do autor, conduta especialmentereprovável – e grupos sociais com isto associados. Isto pode atingir,conformeaescolha–emboracomdistintasperspectivasderesultado–,aindústriaquímicaouosecologistasradicais(Voss,1993,140).

4. O rendimento político

Oesboçadoempregopolíticoserve-sedoDireitoPenalcomomeio de comunicação.Estemeiopermitetransportarproblemaseconflitossociaispara um específico horizonte de percepção. O uso político do DireitoPenalnãoexigenecessáriapuniçãoouexclusãosimbólicacomomeiodedisciplina real.Nemmesmo a efetiva ampliação ou o agravamento das

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leisestãoligadosobrigatoriamentecomoempregodoDireitoPenalcomomeiodecomunicaçãopolítica.Odebate de criação de normas,colocadonoprimeiroplanodalógicadevaloraçãopolítica,reclamaapenasprovas de atividade exemplar da práxis legislativa e judicial-penal. Os gravesdanos ao Estado de Direito causados através disto, permanecem, semdúvida,foradeconsideração.

OempregopolíticodoDireitoPenalsegueregrasquenãoconcordamcom aquelas do Direito. Uma nova criminalização, de intenção antesdeclaratória, ou tornada inteiramente sem compromisso no terreno dacompensaçãodeinteresses,podeparecercomoimpraticávelnosistemadeDireito.Pode,mesmo,provocardúvidasdoaplicadordoDireitoemrelaçãoàpraticabilidadeda conformidadeprocessual ouda controlabilidadedeEstadodeDireito.Nalógicadacomunicaçãopolítica,umatalreformadoDireitoPenalpode,contudo,serfestejadacomosucesso,emboraapráxisdeaplicaçãodoDireito,emrelaçãoasemelhantesintervençõespolíticas,reajacomdéficitsdeexecução(compare,emdetalhes,Voss,1993).

V. Resumo

O Direito Penal simbólico não necessita de nenhuma pesquisa deresultado.Tomanecessidadescoletivasdeproteçãoemreferênciaglobal.Nãoexisteeficiênciadeaplicação.Bastaaindividualizaçãodesituaçõessociaisproblemáticas em seletivos casos singulares, pelo que responsabilidadepolíticapodeserrejeitada,comeficácia,peranteopúblico.

NasombradoDireitoPenalsimbólico,oSistemadeJustiçaCriminalrespondecomracionalização administrativa(compareabaixo2aParte),istoé,desatreladosprincípiosjurídico-constitucionaisdeaplicaçãoigual,conformeàculpabilidadee,poristo,justadoDireito.

APolíticafuncionalizaoDireitoPenalcomomeiodepolítica simbólica.ODireito Penaldeintervençãoorientadopelaprevençãotransforma-seemDireito Penal simbólico,comelevadointeressedeempregopolítico.O dano de Estado de Direito é considerável, porque a aplicação doDireitoresultadesigual,seletivaecomlesãodoprincípiodaculpabilidadepostuladopelaConstituição.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal112

D. Direito Penal pós-preventivo: o desenvolvimento do Direito Penal do cidadão ao Direito Penal do inimigo

AinvençãodosimbólicoDireitoPenaldoriscopelaPolíticadosanos90doSéculo20nãorepresenta,contudo,aúltimafasededesenvolvimentodeumaerosãodoDireitoPenaldoEstadodeDireito.AfasedoDireitoPenalpós-preventivojáfoialcançada:estamosnocaminhoparaumaglobalgarantiadepretensõesdedominaçãosemDireito.ApretensãodecontroledoDireito(Penal)colapsa–comaconsequênciadeumaglobal negação ou destruição do Direito.

I. Do modelo de controle preventivo-configurador para a segurança global sem Direito

Causas para quedas globais de controle do Direito são processos dedesintegraçãodasociedadeglobal,quemalpodemserconfrontadoscomajudadocontrole jurídico.Aglobalização,emsubstânciaeconômica,nãoé,enfim,nenhumprocessopacíficodeintegraçãodeumasociedadeglobal,empazeprosperidade,masexpressãodetensõesantagônicasdenaturezaeconômica,culturalereligiosa.

O desenvolvimento da humanidade até agora afirma somente umapossibilidade para impedir catástrofes globais de posicionamentos dedomínio. A ilimitada dominação do Direito, para o que careceria deumsegmentodeorganizaçãodedomínio ilimitadodasNaçõesUnidas,é a única alternativa legítima para regulação de violentas pretensões dedomíniodosfortescontraosfracos.

Não se conseguindo reprimir e regular pelo Direito as correntesantagônicasdemacroconflitosinterculturais,quetambémsepodedesignarcomo guerra de concepções demundo, de projetos de sociedades e dereligiões,elimina-seaprópriahumanidade.Nestemomento,infelizmente,oDireito se encontra emuma retirada global, cede lugar à dominaçãoilimitadaeencontra-seemparcialautodissolução.IstovaleespecialmenteparaoDireitoPenalque,atravésdoDireitoPenaldospovos,precisamentena “reforçada criminalidade do Estado”, estava num caminho cheio deesperança.AcriaçãodoTribunalPenalInternacionaléumcomeçomuitopromissor,queatualmenteécontraditadopelounilateralismoamericano.

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 113

II. Da erosão do Direito à destruição do Direito

1. Otimização legislativa da segurança

Asintervençõesnosdireitoscivisdeliberdadeatravésdasassimchamadas“leis de combate ao terrorismo”, denominadas graciosamente como“pacotesdesegurança”,comprovamoperigodequeoEstadoaumentaopoderdeseuinstrumentário–àscustasdaliberdade.Aameaçaglobalpeloterrorismointernacional,olegisladoralemãotambémquerenfrentarpeloagravamentodalei.APrimeira(2001)eaSegunda(2002)LeideCombateaoTerrorismomodificaramquatorzeleis.Oterceiropacotedeleisestáemdeliberaçãoparlamentar.Ocidadão,emfavordequemdeveserproduzidaasegurança,somentepodeadivinhar–sedetodopossível–asnuançasdestas agravações e as sérias consequências com elas relacionadas paraumdemocráticoEstadodeDireito.Namassadosrápidosagravamentos,queseenfileiramrapidamente,manifesta-seumpreocupante ímpetodoLegisladordedestruiçãodoEstadodoDireito,quepermaneceocultosobaretóricaetiquetadepolíticainterna:“liberdadepressupõesegurança”.

Éprecisocertificar-sedestesdetalhesmaisdeperto.Sãoimplantadosouplanejados:• competênciasde intervençãodoórgãofederalcriminal, independente

desuspeita;• prisãopreventiva de estrangeiros, que são classificados como riscode

segurança;• suspeita de simpatia com extremistas como impedimento de entrada

ou fundamento de extradição, portanto, difamação de atitude comofundamentodeintervençãoestatal;

• independentedireitodeinformaçãodaproteçãoconstitucionalperantebancos, referente a contas emovimentações de contas de clientes debanco,semcontrolejudicial;

• centralderegistrosparacontasedepósitosna instituiçãofederalparainspeçãodeprestaçõesdeserviçosfinanceiros;

• screening decontasparacriaçãodeperfisdecontas,peloqualépossívelumcontrolequaseilimitadodeespaçosprivadosdeliberdade.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal114

Nodebatedesegurança,querecebeuumnovoimpulsodepoisdo11desetembrode2001,amedidaeafinalidadedaaçãodoEstadoforamperdidas.A própria data émeio para o fim.A ideia demais segurançaestatal já existia antesdo11de setembro.APolítica interna aproveitouaoportunidade e vendeuoprojetopolíticodoEstadode segurança.OAdvogadoGeralFederalNehmregistraistosemrodeiosepublicamente:seocorressenaAlemanhaumatentadoterrorista–assim,emumacerimôniadaUniãodosAdvogadosAlemães(FAZ,de21.05.2005)–,“viveríamosumahisteriaatéagorasemprecedentes.Então,gavetasserãoabertas(...)”,disseoAdvogadoGeralFederal,considerandonovas leis.SeaJustiçaserecusa, aPolítica “explodena abertura”, nofinal acontecerá, talvez, um“difusotipolegaldeconspiração”.

2. O processo de uma contínua erosão do Direito

a) Para legitimação do conceito de Direito Penal do inimigoAdecomposiçãodoDireitoPenaldoEstadodeDireitoemumDireito

Penal do cidadão, deum lado, eumDireito Penal do inimigo, deoutrolado, é a contínua sombra doDireito Penal doEstado deDireito, quesempre e de novo promove sua erosão.O cientista doDireitoGünther JakobsdescreveuesteprocessodeerosãodoEstadodeDireitoedesignaistomuitobemcomoperigosa“misturadetodoDireitoPenalcompitadasdoDireitoPenaldoinimigo”(2004,95;primeiroem1985,depoisem2000).

AerosãodoDireitoPenaldeixa-selerdosesforçosdoLegisladoralemão,desempredarprecedênciaaumapretensasegurançadiantedaliberdade.AsLeisdeCombateàCriminalidadeEconômica(1976,1986)foram,noresultado,antesinúteis,senãocontraprodutivas(compare§32VII,abaixo).ALeideCombateaoTerrorismode1986positivoudeslocamentos para áreas antecedentesnoâmbitodas“estruturas”terroristas,aLeideCombateaoComércioIlegaldeDrogaseOutrasFormasdeApariçãodaCriminalidadeOrganizadade1992,conduziuàexpansãodoarsenaldepersecuçãoparaachamadapequena interceptação telefônicaeasinvestigações sigilosas.Porfim,aLeideCombateaosDelitosSexuaiseOutrosFatosPuníveisPerigososde1998levouàmudançadaprognosecientíficasobrePolíticacriminal,ouseja,avaliação judicialdasegurança,exemplarmente legível

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 115

na “eliminação de prazo” da custódia de segurança. A decadência,agoraquaseinsuperável,deprincípiosfundamentaisdoEstadodeDireito,é alcançada com a determinação posterior de custódia de segurança(compare§66b,CPe,sobreisto,aopiniãodivergentedetrêsmembrosdoSegundoSenadodoTribunalFederalConstitucional,BverfGE109,244s.).TudoistoéumaexpressãodaerosãoedadecadênciadosparâmetrosdeEstadodeDireitodoDireitoPenal.Estesdesenvolvimentos,quejáno50ovolumedosEstudosdeCiênciaCriminaldeFrankfurtforamdesignadoscomo“situação impossíveldoDireitoPenal” e,depois, como“extraviosda legislação penal” (volume 69), somente podem ser ainda descritoscom atributos como abusos, descuidos, agravamentos, desvirtuações edestruiçõesdosfundamentosdoEstadodeDireito.

JakobsdesignaesteprocessodeerosãodoDireito,noDireitomaterialeprocessual,comocaminhodoLegisladorparanegarostatusdecidadãoaoautorpenalperigoso,enãotratá-locomocidadão,mas“combatê-lo”como“inimigo”.Legitimaçãopara isto seriaodireitodocidadãoà segurança,diante disso todo inimigo deveria pôr-se de joelhos, com isto tambémnãomaisteriaodireitoaumtratamentojurídico-penalcomopessoa.Tais“nãopessoas”nãoserãodetratarpeloDireito,“aocontrário,oinimigoéexcluído”.OprocessodeerosõesdoDireitoPenaldoEstadodeDireitoéassimesboçadoporJakobs:“OEstado,deformajuridicamenteordenada,suspendeDireitos”(2004,93).

b) Para deslegitimação do conceito de Direito Penal do inimigoEsta análise pode, do ponto de vista técnico-legislativo – oumelhor,

positivista –, ser correta. Com certeza, a concordância com estedesenvolvimento, que Jakobs formula, é indefensável. A concordânciacomadicotomiaentreinimigoeamigonãoresolveoproblemadaerosãodoEstadodeDireito, aquela agrava esta até umponto insuportável.AsuspensãodeDireitosfundamentaisdemodojuridicamenteordenado,ouseja,demodolegal,conduzaoinjustolegal.OconceitodeDireitoPenaldo inimigoquer legalizareste injustoe,comisto, retrocedeaTeoriadoDireitoparatrásdaposiçãoquefoialcançada,apósaquedadepervertidossistemasdeDireitodaeramoderna.Deve-sedarumaclararecusaaestecaminho–tambémdeterminadajurídico-constitucionalmente.

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal116

Este caminho de negação de direitos de determinados grupos de pessoas,queoLegisladoralemãotrilhahámuitotempo,denenhummodoé um fenômeno dos tempos recentes, de nenhummodo somente umareação aos cenáriosde violência terrorista,que juridicamente sãode serperseguidosesancionados,consequentemente,comodelitosdehomicídio–porquemeondequerqueseja.OfenômenodadestruiçãodoDireitoéumdilemadeprincípionoEstadodepoderesdivididos,quesecaracterizasempremaispeladominânciadoExecutivo, sendoapenaspenosamentecompensado por esforços do Judiciário em indicar limites contra estadominância. O Executivo utiliza, no moderno Estado constitucional,amplamente o Direito Penal como instrumento de política interna, oque,jáemprincípio,estáerrado.ODireitoPenalnãoéinstrumentodecontrolesocial,todaviaserveàPolíticacomomeiodecomunicaçãoparaelegibilidade:semanuênciaaoforteEstadodesegurança,nenhumpartidopopularpodevencereleições,assimcomonenhumPresidentedosEstadosUnidosassumeocargosemprofissãodefénapenademorte.Ajurisdiçãoconstitucionalimpõelimites,demoderadosaequilibrados,detemposemtempos,contraintervençõesdepolíticainterna.Naverdade,oJudiciáriojáécaracterizado,porexecutivosdealtonível,como“presadoExecutivo”(Macke,1999,481s.).

c) Filosofia do Iluminismo: nenhuma legitimação para a erosão do DireitoSemdúvida,adicotomiaamigo-inimigoépoucoredutívelaHobbese

deformanenhumaaKant,antesestaencontrasuastransmitidastentativasteóricasmodernasde justificaçãodoDireito,noDireitoPenalnacional-socialistadeumCarl Schmitt,paraquemaguerraeraopontoculminantedagrandePolítica.ParaSchmittresulta“aguerra(...)dainimizade,poisestaéanegaçãodaqualidadedoserdeumoutroser.Guerraéapenasarealizaçãoextremadainimizade”(1963,33).AsimpatiadeSchmittpeloestadodeexceçãonãoconferiaaprecedênciaàliberdade,todaviapreferiaoprincípiopurodaautoridade:“Soberanoéquemdecidesobreoestadodeexceção”(1934,11).AteoriadoDireitodeKant,emcontrapartida,écaracterizadapelafundamentaçãodeumEstadodeDireitosemexceções,noqualcadasujeitosereencontracomocidadão,deformalivreeigual.IstovaleprecisamenteparaaquelequelesionaoDireito.Estenãoéexcluído

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 117

denenhummodo,massancionadocomosmeiosdoDireito,emrigorosomodo formalizado.Seumconsentimentoposteriorpode ser exigidodeumcidadãoassimtratado,sobreisso,Kant,naverdade,nãopergunta.Eleseinteressa,exclusivamente,pelorestabelecimentoexternodoEstadodeDireito,precisamentenointeressedoDireitoedesuavalidadeparatodos.UmabipartiçãoemesferadoDireitoeesferadonãoDireito,paraKant,nãoexiste.

Oque Jakobs interpretade Kant,para suadiferenciaçãodecidadãoeinimigo, emKant vale somenteparaoestado de natureza, nãoparaoEstado de Direito.NoEstadodeDireito,queédeveralcançar,segundoKant, existe exclusivamente um Direito Penal do cidadão. Realmente,podeexistir,aoladodoDireitoPenaldocidadão,opoderdeaniquilaçãodeinimigos.Mas,emcategoriaskantianas,istojamaisseriaDireitoPenal.AexpressãoDireito Penaldoinimigoéumabusodoconceito“Direito”.Existe somente Direito Penal, que corresponde aos direitos humanos,guerra entre inimigos segundo regras jurídicas humanas, ou extermínioilegaldoinimigo.

III. O valor de uso político do consumo da liberdade: estado de exceção aceito de uma sociedade sem Direito

1. O retrocesso do Estado de Direito ao estado de natureza: o fim do Iluminismo

UmDireitoPenal europeu,queprecisa encontrar sua legitimaçãonoconsentimentodocidadãoeuropeu,devepartirdoprincípiodevalidadeuniversal da dignidade do ser humano e, diante deste pano de fundo,desenvolver-seemdiscussãodemocrática.OdesenvolvimentodoDireitoeuropeu não pode diferenciar entre pessoas submetidas ao Direito einimigos sem Direito. Isto seria – a argumentação de Jakobs confirmaisto–o retorno ao estado de natureza,quefoisuperado,precisamente,pelosprincípiosdoDireitofundadosnaEuropa.SomenteumespaçodoDireitopodeexistirparatodososcidadãoseuropeus.NaEuropavale,demodopreponderante,enaAlemanha,demodoclaro:nósnãoestamosemguerrapormotivodedecisõesdemocráticas fundamentais, tambémnão

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal118

necessitamosdenenhumalegislaçãodeestadodeemergência.AEuropaapostanoDireitodospovossobreamploconsenso.Ounilateralismo,umacausaprincipalparaguerrasemoutroslugaresé,paraaEuropa,passado.Asvítimas,aqui,foramsuficientes.

AsuperaçãodailegalidadeprecisaocorreratravésdopróprioDireito,enãoatravésdesuaaboliçãoparaoschamados“inimigos”.ODireitoprecisa–umatarefaquesempresecolocadenovo–serlevadoatomarposiçãoem facedaPolítica.Determinadosprincípios europeusdemanifestaçãodeliberdade,tambémparaoLegisladornãosãomaisquestionáveis.Istoconfirma,demodoimpressionante,agarantiadeperenidadedoart.79,seção3,daConstituição,peloqualaproteçãodadignidadeedoEstadodeDireitonãopodemserabolidospornenhumamaioriapolítica.

2. O consumo político de princípios jurídicos centrais no pós-preventivo Estado de segurança (exemplos)

Acontecimentos terroristas ou fatos violentos sensacionais nãorepresentamofimdeumDireitoPenaldoEstadodeDireito,massãoumadesafiadoraprovadefogoparaumDireitoPenaldirigidoporprincípios,quetemseusfundamentoshistóricosnoIluminismoeuropeu.Paraisto,otoposcentraléadignidade da pessoa humana,queéprincípio indivisíveleuniversal.AindivisibilidadedadignidadedoserhumanoéumprincípiodeDireitoglobal.Sobreistoexisteconsenso–quaseindisponível–entreamaioriadosEstadoscivilizados.Oestadocivilizatóriodedesenvolvimentodosdireitoshumanosé,emtodocaso,caracterizadopelaaceitaçãodesuauniversalidadeemtodoomundo.NoobservávelprocessodeerosãodoDireito,asregrasdoDireitosão,contudo,modificadas,desdeinsidiosaatéabertamente,paraque estepossa,pretensamente,melhorproceder comriscos(globais).Comisto,tambémprincípioselementaresdoDireitosão,emseunúcleo,assaltados.

a) Renascimento das medidas jurídico-penais como instrumento preventivo de política internaAistopertence,nãoporúltimo,orenascimentopolítico-criminalda

medida de prevenção,nocontextodoEstadodesegurançapós-preventivo.Pormeiodediferentespassoslegislativos(§§66ae66b,doCP)ededecisões

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§ 6 - A pretensão de controle do Direito Penal na mudança do tempo 119

dejurisprudência(TribunalFederalConstitucional109,133s.e190s.),inclusivedastentativasdelegitimaçãodediretrizesorientadaspelaprática(Baltzer,2005),omachadoémetidonasraízesdoEstadodeDireito.Apericulosidade reconhecida posteriormente na execução penal deve sermotivo para romper a coisa julgada formal ematerial, objetivando umaparenteganhodesegurança.IstoéumacompletarupturacomatradiçãoatéagoradeEstadodeDireitonoDireitoPenalalemão.Umaverificaçãode periculosidade, de qualquer tipo que seja, fora da coisa julgada materialdadeterminaçãodadecisão,nãopodesernenhumfundamento,do ponto de vista jurídico-constitucional, para privação da liberdade.SomenteaspossibilidadesdeconhecimentodoJuizdofato,apósadmissãodadenúncia,delimitamalegitimaçãojurídicaparaprivaçãodeliberdade.Retrospectivamente,tudoépossívelidentificar,masalegitimaçãoexclusivadoJuizdo fatoparaprivaçãoda liberdadenãopodeser substituídapornadanoEstadodeDireito,poisumganhodeconhecimentoposterioràscustasdeum[sujeito]validamentecondenadocontradiz,apósaocorrênciadacoisajulgadamaterial,oprincípiodaprevisibilidadedapena(art.103,seção 2, daConstituição), bem comooprincípio da proibiçãode umaduplapunição(ne bis in idem,art.103,seção3,daConstituição).Somenteo § 362, doCódigo de Processo Penal permite exceções, precisamentedelimitadaspelaConstituição,de rupturada coisa julgadamaterial, emdesfavordoprimitivoacusado.

b) Debate sobre tortura, segurança aérea e dignidade da pessoa humanaOutros exemplos, atuais e destacados, para o consumo de princípios

jurídicos centrais, cuja validade, até agora,pornada eporninguém foicolocada em questão, são o debate jurídico-político sobre tortura e achamadaLei de Segurança Aéreasobrecombateaoterror,naAlemanha,quedevepossibilitaramortedolosadeinocentes,noquadrodaponderaçãodebens.

Em diferentes cenários de terror (por exemplo, ticking bomb), ainviolabilidadedadignidadedapessoahumanaé,medianteponderação,posta em questão. Mesmo por juristas é ponderada a dignidade doterrorista com a dignidade do cidadão inocente. Com isto, conclui-seabertamenteque,considerandosituaçõesglobaisdealtorisco,adignidade

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal120

dapessoahumananãoémesmomaisinteiramenteinviolável,quandoemPolíticasetratadodeverdeagir,quaseaqualquerpreço,paraevitaçãodeperigoglobal(eoperigodedestituiçãopolítica).Aerosãodadignidadedapessoahumanareflete-seatémesmonosmaisrecentescomentáriosàConstituição (compareHerdegen, 2003,Art. 1o, númeromarginal 45s.;semelhante,Brugger,2000,165s.;aocontrário,claramentediscordante,NK-Neumann,§34,númeromarginal118;Tröndle/Fischer,preliminarao§32,númeromarginal6;deformacríticaNarr,2005,69s.).Entretanto,o art.1o, seção1,oração1,daConstituição,proíbe isto.Oargumentoinflexíveldiz:absoluta proteção da dignidade!

Algo parecido oferece a discussão sobre a chamadaLei de SegurançaAérea(Sinn,2004,585s.;Pawlik,2004,1045s.).ÉignoradopelopróprioLegislador, que a proteção da dignidade da pessoa humana proíbe aqualquerPolíticaosacrifíciodesereshumanosemfavordeoutrossereshumanos, pormais que os processos de ponderação possam ter grandeimportânciaquantitativaemumladodabalança(parafatosdavida,deresto,nuncaprevisíveis).Assimcomoamedicinatemdesecurvardiantedequadrosdedoençasletais,aPolíticaprecisaaceitarovalorabsolutodadignidadedapessoahumana,comoinstransponívellimitedeação.

c) Univocidade da posição do Direito em favor da proteção da dignidadeÀ acrobática política do Direito, que tenta operar relativizando a

proibiçãodatorturaeadignidadedapessoahumanacomelavinculada,édesecontraporaunivocidade da posição do Direito,queaquideveserdemonstrada,deformamodelar,peloexemplodatortura.OTribunalestadual emFrankfurt a.M. deduziu e decidiu, de forma convincente,emprocessode torturacontraoChefedePolícia representante,ovalorabsolutodaproteçãodadignidadedoserhumano(NJW2005,692s.).

aa)PosiçãointernacionaldoDireitoA Alemanha está vinculada ao Direito Internacional. O art. 1° da

ConvençãosobreTorturadaONU,oart.3°daConvençãoEuropeiadeDireitosHumanos(CEDH),assimcomooart.7°doPactoInternacionalsobreDireitosCivis e Políticos impõem limites absolutos em relação a

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qualquerrelativização.Nenhumacircunstância,aindaamaisexcepcional,e tambémnenhumestadodenecessidadepública,poderiam justificar atortura(art.2°,seção2,ConvençãoContraaTorturadasNaçõesUnidas).Tambémperantegrandesperigosnãosepodedesviardisto(art.15,seção2,CEDH).A infração contra a proibição de tortura entra no catálogodaslesõesqualificadasdosdireitoshumanos,queacarretamumaaplicaçãoforçosadoDireito Penal dos povos.

bb)PosiçãonacionaldoDireitoTambémnãoexistemfundamentos jurídico-policiaisdeautorização,

em nenhum Estado federal alemão. Além disto, as dogmáticas dasjustificaçõesedasexculpaçõesjurídico-penaistambémnãosãonenhumacesso para a relativização da proibição de tortura. O Direito Penalsomente oferece legitimações nas relações jurídicas interpessoais entreparticulares.Proíbe-sequalquer irrefletida intervenção teórico-estatal ejurídico-constitucionalnoDireitopositivodeajudanecessária.Aajuda estatal necessária não pode nunca se pôr em contradição explícita auma proibição jurídico-pública. Da ajuda necessária também nãoresultanenhumdireitode resistência para funcionários estatais contraaordem jurídica, comaqual eles estãocomprometidos. Isto seriaummediatodesprezodoDireitoInternacionalatravésdoEstado.Odireitode ajuda necessária amplia o espaço de liberdade do cidadão, quandoreaçãoestatal formalizadanãoéesperadaemtempo.MasnãopermiteaopróprioEstadoliberar-se,demodopontual,daformalizaçãodesuascompetênciasdecoerção.OEstadonãodeveenãopode,noexercíciodesuasoutrorafundadascompetênciascoercitivas,retornaraoestadodenatureza,ondeseupoderéincontroladoeexpostoàsuspeitadoarbítrio(compare,sobreisto,Braum,2005,283s.).

cc)Tentativaspontuaisdedeslegitimaçãodadignidadedoserhumanonaliteraturajurídica.

No quadro de possíveis argumentações jurídico-penais dogmáticas,aoníveldoDireitopositivo(Erb,2005,24s.;Jerouschek/Kölbel,2003,613s.),sãoempreendidaspoucastentativasdelegitimaçãodatortura.Jádopontode

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vistapolicial-prático,contudo,atorturanãopodesernemmeio adequado,nemmeio necessárioparaseconseguirumadeclaração.Adequado não,porque contradiz completamente os conhecimentos de psicologia dointerrogatório policial. Sob tortura qualquer “verdade” é fabricável.Deresto:quem,contudo,demodofanático,opõe-seadeclaraçõesnaPolícia,deve também estar preparado para despedaçar-se fanaticamente sob atorturadaPolícia.Necessário não,porqueéincompatívelcomoethosdoofíciodetécnicasprofissionaisdequestionamentoedeinterrogatório.OmodernotrabalhodaPolíciaemétodosdeinquisiçãomedievaisdoEstadoautoritário,emtodocaso,excluem-se.

Comosepermitelegitimaratortura,apartirdeumaamostra de indício para repúdio da coação(assimPrittwitz,nocontextodeumparecerdeparte,citadonasentençadoTribunalestadualdeFrankfurta.M.,NJW2005, 694), permanece incompreensível, sobretudo porque o limite dadignidadedoserhumano,doart.1o,seção1,oração1,daConstituição,nem sequer é considerado nesta ponderação. O Tribunal estadual deFrankfurtsecontrapôs,demodocategóricoeconvincente,atodasestasponderações de fim-meio, pelo que este indescritível debate – em todocaso, para a práxis da Polícia e doDireito Penal – está, por enquanto,encerradopelacoisajulgada.

dd)Tortura,mesmoapenasemcasodeexceção:terrordoEstadoEm suma, resta insistir que o Direito Penal nacional não pode se

subtrairaseuscompromissosjurídicosinternacionais.Comisso,perderiasuasuperioridade,queresultadaobservânciadeprincípiosdoEstadodeDireito perante a arbitrariedade do exercício de violência individual. Ajustificadarupturadaproibiçãodetorturanocasoparticulardesembocaria,inegavelmente, no terror do Estado através da lei. Para ser efetivo, oDireitoPenalprecisadefundamentostransparentes,quesãoprodutoresdeconfiançaequetornamseusmecanismoscalculáveisecompreensíveisparaocidadão.Torturacriasempreumclimademedo,quetambémapanhariaaPolícia.Nesteclima,seriadestruídooEstadodeDireito,queextraisuasuperioridade do limite insuperável do respeito da dignidade da pessoahumana.

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3. Duas objeções contra a relativização dos direitos humanos

a) O arbítrio como argumento instrumentalNarelativizaçãohistóricadocumentadadosdireitoshumanosrefletem-

seduasconhecidasobjeções.Operigo da aplicação particular de direitos humanos,pode-se,também,dizeristodeoutraforma:aprivaçãododireitodepessoas,paradefesadesupostosperigosparasupostasmaiorias,consistenadiscricionariedade de suaspremissas e, com isto, em sua irrefreávelarbitrariedade:areferênciaàarbitrariedadeéumargumento instrumental,porqueestapremissaparte,emprincípio,dapossíveldisponibilidadedopropriamente indisponível, oque é, em si, falso.A crítica instrumentalàperdade indisponibilidadeé igualmente importante,porquemostraadeterminaçãodadignidadedapessoahumanadependentedemaioriase,comisto,suapossibilidadederelativizaçãocomopoliticamentedesejadae,comisto,comoperigosaeilegítima.Limitaçõesecontornosdadignidadedapessoahumana suportados pormaiorias e, com isto, amanifestaçãodeinjustoproduzidopeloEstado,vistoshistoricamente,sãoincontáveis:inimigos do ser humano, inimigos da religião, inimigos da sociedade,inimigos hereditários, inimigos de raça, tudo isto sãomanifestações delesõesdedireitoshumanosproduzidospormaiorias.Então,semprequeseabandonouauniversalidadedofundamentodevalidade,eraistoocomeçodoterrordoEstado–como,porexemplo,onacional-socialismo–,queapenaspodiasenivelaredeslegitimarporsimesmo.

b) Legitimações materiaisAlém disto, existem inúmeras legitimações materiais para a validade

universal e absoluta dos direitos humanos: as religiões, as filosofias doIluminismo,programaspolíticosdahumanidadeorientadaparaaigualdade,todaselaspoder-se-iainvocarcontraumaaplicaçãoparticulardosdireitoshumanos. Para nós europeus, especialmente para nós alemães, a liçãoda história europeia de cegueiras nacionalistas é a advertência principalpara,a qualquer preço,perseverarnavalidadeuniversaldeumDireitofundadonadignidadedapessoahumana.Istonãoénenhumametafísicado valor, mas uma categoria da liberdade deduzida da qualidade do sujeito como cidadão.Pelomenosistovale,desdeKant,comoimportante

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conhecimento:“Liberdade(...)éestedireitoúnico,originário,pertencenteatodososhomensporforçadesuahumanidade”(AAVI,237).

Por estas razões, opovo alemãodeclarou-separtidário “de invioláveise inalienáveis direitos humanos, como fundamento de toda sociedadehumana,daPazedaJustiçanoMundo”(art.1o,seção2,daConstituição).Deresto:tambémestecredoéindisponível,poisumamodificaçãodaLeiFundamental,pelaqualsãoafetadosprincípiosestabelecidosnoart.1odaConstituição,é inadmissível (art.79, seção3,daConstituição).Tudoomaisseria,realmente,contrárioàConstituição.

IV. A luta pelo Direito é sem alternativa

Asetapasdedesenvolvimento,esboçadasnestecapítuloparaanálisedapretensãodecontroledoDireitoPenal,ilustramatesedeumcontinuum da erosão do Direito, pelo menos do Direito Penal. São tendências,impulsos,tambémsobreposições,quecaracterizamodesenvolvimentodoDireito.MasumDireitoPenaldoEstadodeDireitonãoquerenãopodeseconformarcomumfimdodesenvolvimento.Aaceitação,ocultivoeodesenvolvimentodeprincípioscentraisdoDireitoPenalprecisaserumapreocupaçãonucleardetodososinteressadosnoDireito:doLegislador,doaplicadordoDireito,assimcomodetodososprofessoreseestudantesdoDireito.SomenteoDireitopodeacompanhar,controlando,ahumanidadenoseucaminhodeexigênciasedepretensõesglobalizadas.Éoúnicomeioquepodeprepararocaminhodeconcorrentesprojetosdesociedades,dedistribuiçãode recursos, depluralidadede valores culturais e religiosos.Oprocessode erosãodoDireito precisa ser contido.ODireito precisacolocarlimitesàdominação(compare,emdetalhes,Capítulo3,abaixo).

§ 7. Interesse de conhecimento e de pesquisade uma Criminologia autônoma

Literatura: Albrecht, P.-A., Unsicherheitszonen des Schuldstrafrechts, GA 1983, 193 s.;Baumann, Z., Moderne und Ambivalenz – Das Ende der Eindeutigkeit, 1995; Beck, U./ Bonss, W., Verwissenschaftlichung onhe Aufklärung?, in: Beck, U./ Bonss, W. (editores),WederSozialtechnologienochAufklärung?,1989,78s.;Ehrlich, E.,RechtaufLeben,1967;Frisch, W.,PrognoseentscheidungenimStrafrecht,1983;Giehring, H./ Schumann, K.F.,Die

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 125

Zukunft der Sozialwissenschaften in der Ausbildung im Straf- und Strafverfahrensrecht,in: Hassemer,W. et. al. (editor), Juristenausbildung zwischen Experiment undTradition,1986, 65 s.;Haffke, B., StrafrechtsdogmatikundTiefenpsychologie, in: Jäger,H. (editor),Kriminologie imStrafprozess, 1980,65 s.;Hamm, R.,Leitlinien für “Bagatellstrafsachen”,KritV 1996, 325 s.; Hassemer, W., Sozialwissenschaftlich orientierte Rechtsanwendungim Strafrecht, in: Hassemer, W. (editor), Sozialwissenschaften im Strafrecht, 1984, 1 s.;Heim, N.,Der forensisch-psychiatrische Sachverständige vorGericht, in:Kaiser,G. et. al.(editor),KriminologischeForschunginden80erJahren,Vol.35/1,1988,299s.;Herzog, F.,GesellschaftlicheUnsicherheitundstaatlicheDaseinsvorsorge,1991;Jäger, H.,DasStrafrechtundpsychoanalytischeTheorie,in:Jäger,H.(editor),KriminologieimStrafprozess,1980,47s.;Jäger, H.,SubjektiveVerbrechensmerkmalealsGegenstandpsychologischerWahrheitsfindung,in:Jäger,H.(editor),KriminologieimStrafprozess,1980a,173s.;Jakobs, G.,DerKernderGesellschaftistbetroffen,KritV1996,320s.;Kaiser, G.,Kriminologie,3ed,1996;Krauss, D.,DasPrinzipdermateriellenWahrheitimStrafprozess,in:Jäger,H(editor),KriminologieimStrafprozess,1980,65s.;Kreissl, R.,VomNachteildesNutzensderSozialwissenschaftenfürdasStrafrecht,ZeitschriftfürRechtssoziolgie1998,272s.;Lautmann, R.,WiehermetischdenktdieStrafrechtsdogmatik?,in:Lüdrsen,K./Sack,F.(editor),VomNutzenundNachteilder Sozialwissenschaften für das Strafrecht, 2. Teilbd., 1980, 610 s.; Ludwig-Mayerhofer, W.,DasStrafrechtund seine administrativeRationalisierung,Kritikder informalen Justiz,1998;Naucke, W.,DieSozialphilosophiedes sozialwissenschaftlichorientiertenStrafrechts,in:Hassemer,W./Lüderssen,K./Naucke,W.(editor),FortschritteimStrafrechtdurchdieSozialwissenschaften,1983,1s.;Offe, C.,DiekritischeFunktionderSozialwissenschaften,in:WissenschaftszentrumBerlin (editor), Interaktion vonWissenschaftundPolitik, 1977,321s.;Opp, K.-D.,ZurAnwendbarkeitderSoziologieimStrafprozess,in:Jäger,H.(editor),Kriminologie im Strafprozess, 1980, 21 s.; Schwind, H.-D./ Berkhauer, F./ Steinhilper, G.(editor),PräventiveKriminalpolitik,BeiträgezurressortübergreifendenKriminalpräventionausForschung,PraxisundPolitik,1980;Strasser, P.,Sichbeherrschenkönnen,in:Lüderssen,K./Sack,F.(editores),VomNutzenundNachteilderSozialwissenschaftenfürdasStrafrecht,1.Teilbd.,1980,143s.;Weber, M.,WirtschaftundGesellschaft,1.Halbbd.,4ed.,1956;Wesslau, E.,Vorfeldermittlungen,1989;Zenz, G.,NotwehrunterEhegatten,in:Lüderssen,K./Sack,F.(editores),VomNutzenundNachteilderSozialwissenschaftenfürdasStrafrecht,1.Teilbd.,1980,77s.

A. O penoso processo de cooperação de Sociologia e Direito

I. A relação de tensão: Criminologia tradicional (ciência auxiliar do Direito Penal) versus Criminologia autônoma (Sociologia do Direito Penal)

ReflexõessobrefinsetarefasdaSociologiadoDireitoPenal,precisamenteno contexto da aplicação doDireito, pressupõem o esclarecimento da relação do Direito e Sociologia.Mostrar-se-á que a relação de tensão

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal126

“Criminologia tradicional versus Criminologia autônoma” reaparecenosconteúdosdaSociologiadoDireitoPenal,equeatentativadeumaharmonização da relação da aplicação do Direito (Penal) e Sociologiadevepermanecerumatentativa inidônea.OsinteressesdeconhecimentodeumaCriminologiacrítica(nosentidodeumaSociologiadoDireito)necessitam de desdobramento e de cuidado autônomos em face dosinteresses de fusão e de legitimação do Sistema de Justiça CriminalaplicadordoDireito.

MasainsistêncianaseparaçãodeDireitoPenaleSociologiaé,poroutrolado, somenteumdistanciamento aparente.Antespode viver oDireitosema reflexão sobre suaaplicação (embora, então,pareça inexplicável ecego), do que conseguiria a Sociologia deslocar oDireito: a Sociologiaperderia,medianteumaseparaçãoprincipiológica,seuobjetodereflexão.ASociologiadoDireito(Penal)(e,comisto,Criminologiacrítica)precisase compreender, perante esta dialética, como ciência de reflexão, comoesclarecimentosobreoDireito,seunascimentoeaplicaçãoe,comisto,éextremamenteútilparaoDireito(Penal)esuaaplicação.

II. Sociologia do Direito

AntesdeseremdescritosemdetalheosníveisdeexplicaçãoeafunçãodeesclarecimentodaSociologiadoDireitoPenal,deveemprimeirolugarsertomadaemconsideraçãoarelação,oumelhordito:openosoprocessodecooperaçãoentreDireitoeSociologia.

1. Duas ciências: Direito e Sociologia

As orientações inteiramente opostas do Direito e da Sociologiaconduziram, na virada do século, ao estabelecimento de uma novadisciplina científica: aSociologia do Direito. Ela carrega duas ciênciasnotítulo,quenosúltimos100anostiveramsuasdificuldadesrecíprocas.

a) Perspectiva dos juristasDaperspectivadosjuristas,aSociologiaparece,àsvezes,comosupérflua,

ouseja,comodesimportanteparaateoriadaaplicaçãodoDireito.Estaédirigidaparaoseguinte,descobriraconstruçãoconceituale lógicado

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 127

pensamentodoDireitolegislado,relacionarasmáximasdeinterpretaçãoaos casos concretos, identificar os casos precedentes respectivos. Poroutro lado, a Sociologia é vista pelos juristas comoameaçadora, comoprotótipodeuma“ciênciacrítica”quepergunta,entreoutrascoisas,sobreaspossibilidadesdedesenvolvimentoedemodificaçãodasociedade,oqueparececontradizerapretensãodeconservação(normativa)doDireito.Estaperspectivaéameaçadoranamedidaemqueindagasobrearelaçãoentrepodereideologia,emqueobjetivamudanças práticasdasociedade,combaseemumautopiadeumasociedade racionalejusta.

b) A perspectiva dos sociólogosDa perspectiva da Sociologia, a ciência do Direito parece, às vezes,

como uma disciplina injustamente denominada como ciência. Eugen Ehrlich(jurista,professorfundadordaSociologiadoDireitonaviradadoSéculo)formulouistocomosegue:aJurisprudênciaéumtipodetécnica,ouseja,umateoriadaarteoperacionalparaoaplicadordoDireito,“nofundo, apenas uma forma especialmente penetrante de publicação dasleis”. A ciência começaria somente lá, onde o Direito seria pesquisadocomo fenômeno social, em seunascimento e em suas funções emodosdeatuação(Ehrlich,1967,13).DaperspectivadaSociologia,éreferidaadiferençaentreDireitolegaleoconceitodeDireitovivido(“LawintheBooks”versus“LawinAction”).Nesteponto,aciênciadoDireitosomentesetornaumaciência(empírica)naconfiguraçãodaSociologiadoDireito(sobreasdiferentesperspectivas,compare,também,Weber,1956,181s.).

c) Réplica da ciência do DireitoA ciência do Direito tem por objeto científico o processo de

interpretaçãodoDireitoedeaplicaçãodoDireitoemsuaformaracionalemetodicamentecontrolável.Nesteponto,apretensãode“cientificidade”éinequivocamentelevantada.

Nãoobstante, permanecediscutível emquemedida interpretaçãodoDireitoeaplicaçãodoDireitosãoobjetiváveis.Existeconsensonisto,queas decisões não são tomadas com fundamento emvalorações pessoais econvicçãosubjetiva,nomodernoDireito.Aocontrário,istoacontecenoquadro de uma comprovável atividade intersubjetiva, cientificamente

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal128

fundada.Logocritériosparacientificidadesão:objetividade,racionalidade,controlabilidade como fundamentos de toda atividade cientificamentefundada.

2. Sobre a delimitação de ciência do Direito e Sociologia do Direito

Emlugardedefiniçõesabstratas,primeirodeveserperguntado:comoosrepresentantesdestasdisciplinaslidamcomofenômeno do crime?

a) As perspectivas do juristaUmaaçãoépercebidacomodesviantedanormaporumobservadoreesta

informaçãoélevadaaosórgãosdecontrolesocial.TarefadasinstituiçõesdaJustiça,emprimeirolugardaPolíciaedoMinistérioPúblico,éaseguinte:examinarsemodelosdeaçãojuridicamentefixadospararesponsabilidade individualpodemserpostosemconsonânciacomosmotivosdosuspeitodofatoeocursodaação.Alémdisso,deve-sepesquisarseasdescriçõesdo tipo legalpodemcompreenderadada situaçãode fato, conformeasregrasdasubsunçãoensinadaspelaciênciadoDireitoe–seforocaso–medianterecursoaoscasos precedentes.

Logoaaçãoprecisa–eistoéobjetodaformaçãodogmáticanoDireitoPenal–serreconstruídacomotípica(porexemplo,classificávelcomofurtoouroubo),antijurídica(porexemplo,nãoemlegítimadefesa)eculpável(porexemplo,nãocondicionadapordoençapsíquica).

Os critérios para o que é juridicamente relevante podem ser, nestecaso, para o leigo inteiramente surpreendentes: um torcedor de futebolquecapturou,medianteempregodocorpo,umabandeiraadversária,nocasodeumadenúnciapodesersurpreendidocomisto,quãopequenaéa diferença entre furto e roubo – e que gravíssimas consequências istopodeternamedidapenal.Domesmomodopodesersurpreendente,queaquelequemata,intencionalmente,umoutroserhumano,nãoprecisaser,necessariamente,“assassino”.

Adescriçãodafunçãosocialdojuristapenalconvergeparaoseguinte:eleatribuiàsuaatividadeumafunção de manutenção da ordem,provocadaporumautorizadojuízodedesvaloremfacedocomportamentodesviante.

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 129

b) A perspectiva do sociólogo NaSociologiadocontrolesocial,ounaSociologiadodesvio,encontram-

se teses, em contrapartida, que remontam a um sistema de referênciatotalmentediferente,equepodematuardemodonãomenossurpreendentesobreoleigo,doqueaavaliaçãojurídicadeumcomportamentodesviante.

Taistesessão,porexemplo:• Delinquência é normal,nestesentido:sobdeterminadascircunstâncias

ouemdeterminadossetoresdavida,adelinquênciaéumaaçãousual,muito difundida e consequente (assim, os resultados de observação participanteemsubculturasdelinquentes).Adelinquênciaéaprendida,sobrestritascircunstânciasdavidaaparececomomeioútilparaalcançarvaloressociaisaltamentevalorizados(compare,§3BII,acima).

• Delinquência é funcional, é estabilizadora do sistema, conservadoradasociedade.Comosancionadarupturadanorma,inverte-seoefeitoameaçadordaordem.Arupturadanormacriaefeitos de solidariedade, fortalece a conformidade.Somentearupturadanormatornaanormavisível.Masasançãopodeatingirsomenteumaminoria,senãoanormaestáperdida(compare§12VI,abaixo).

• Delinquência é produzida pela Polícia e pela Justiça penal,nãopelosdelinquentes, ao contrário. Esta tese aponta para a relação jurídico-sociológicadenorma/aplicaçãodanormaeobservaçãodadelinquência:somente a autorizada imputação produz o significado social e asconsequências sociais da “delinquência”. Daí resulta, por exemplo:pretendendo-seexplicaraextensãodadelinquênciaregistradadeumasociedade,entãosedeveocuparcomalegislaçãopenaleosprogramasdeação,formaiseinformais,dapersecuçãopenal(compare§3BIIIeIV,acima).

3. Resumo do processamento da delinquência por disciplinas específicas

a) “Jurisprudência”O jurista considera, portanto, a conduta desviante compropósito

regulador e corretor. A justa prova da ação culpável e a intervençãosancionadoradevemgarantiraordem.ObjetodaciênciadoDireitoedadogmáticacientíficaéainterpretação,classificaçãoesistematização

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal130

do Direito positivo, normativamente válido. Ciência do Direito edogmática• objetivamapreparação das decisões jurídicasdoJuiz,doAdvogado,

dofuncionáriodaadministração,• deduzem,de leis abstratamente formuladas,máximasdedecisãopara

o caso concreto, mediante operações de pensamento metodicamentecontroladas,

• são técnicas de decisão pragmaticamente orientadas, pelas quais aobrigatoriedadedaleiéfundamentalmenteassumida.

b) “Sociologia”Osociólogoconsideraocomportamentodesviantecomopropósitode

explicar as causasoudedescrever os efeitos.Pergunta-se:

• Comoseexplicaocomportamentodesviante?• Quaisconsequênciastemadelinquênciadescoberta?• Quaissãoospressupostosdaobservaçãosocialdadelinquência?

Descreve-se:• “Delinquênciaéfuncional”,• “DelinquênciaécriadapelaPolíciaeJustiça”.

c) Sociologia do Direito

aa)QuestõesdepesquisaA Sociologia doDireito vincula as pretensões normativas doDireito

com a pretensão de aquisição de conhecimento e com as teorias daSociologia. A intervenção sociológica, analítica sobre o Direito, deveconduziraafirmaçõesválidassobreainteraçãodasociedadeeDireito,emqueexistem,emprimeiroplano,doisinteressesdeconhecimento:

Como atua a sociedade sobre o Direito? Como mudanças sociaisinfluenciam o desenvolvimento do Direito? Aqui, objetos de pesquisasão,porexemplo,asubstituiçãodepenascorporaisporpenasprivativasde liberdade,odeslocamentodapenaprivativade liberdadepelaspenaspecuniárias.

Quais efeitos desenvolve o Direito sobre a sociedade? Em relaçãoao Direito Ambiental pode ser pesquisado se as sociedades industriaismodernastornaram-setãocomplexas,quenãosepodemaiscontrolá-las

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 131

comosmeiosdoDireito(Penal).PodeserquestionadoseodesenvolvimentodoDireitoacompanhaoprogressotécnico.

bb)ODireitonaperspectivadaSociologiadoDireitoODireitoéumfenômenodarealidadesocial,queatribuiasimesmo

funçõeseaoqualsãoatribuídasfunções.Regulaavidaemcomum,limitao poder, legitima a dominação, oferece diretrizes para o tratamento deconflitossociais,émeiodecontrolepolíticodasociedade.Hojeistoéocaso,muitomais do que no liberalismo, quando se deixava o controleeconômico,antes,aomercado.

Aquestãocentraldiz:oDireitoatuaassimcomoénormativamentesuposto?Estaanáliseocorreorientadaporteorias.Deoutromodo,aSociologiadoDireitoseriasimplespesquisa da realidade do Direito,nosentidodeumatécnica de avaliaçãodirecionada ao puro conteúdo jurídico, ou seja, pesquisa de eficáciameramenteorientadapelasdescriçõesdetarefasnormativasdoDireito.

ASociologiadoDireitopreocupa-se,primariamente,comaexplicação,com isto, tambémcomoesclarecimentodaeficáciaouda ineficáciadoDireito.Exemplosdisto,são:• Esclarecimentosobreaigualdadedeexecuçãodapenapecuniária,com

baseemconsideraçõesteórico-burocráticas.• Esclarecimento sobre ineficiência da execuçãopenal, combase em

teorias de controle socialqueremetemaoseguinte,queaspenassãoantesdirigidasaopúblicoconformistaemenosaospunidos.

• EsclarecimentosobreaineficáciadoDireitoAmbiental,combaseemteorias jurídico-sociológicas: o Direito possui, ao lado de funçõesinstrumentais,tambémfunçõessimbólicas,comoaautorrepresentaçãodaPolítica(compare§6C,acima).

B. Autocompreensão de uma Criminologia tradicional

A Criminologia tradicional compreende-se como instância de aconselhamento para o Sistema de Justiça Criminal.Neste contexto,fala-sede“criminologiaaplicada”.

A Criminologia tradicional assume, no quadro de sua função deaconselhamentoemrelaçãoaoDireitoPenal,namaioriadoscasos,uma

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal132

“posição reformadora”. Tenta sugerir reestruturações e adaptações aoDireito Penal, que devem possibilitar reagir de formamais adequada aumasituaçãosocialmodificada.SeaCriminologiatradicionalconseguir,com ajuda de sua competência de fundamentação, economizarmaioresperdaspolíticasaoDireitoPenal, entãoelacumpriu sua tarefa imediatacomo“ciência empírica de ajuda”.

Suafunçãoaconselhadorapodeocorrer,nestecaso,aoníveldotipolegal(I)enoâmbitodasconsequênciasjurídicasdasnormas(II).

I. Aconselhamento na verificação do tipo legal

1. Precisão empírico-metódica

O aconselhamento criminológico do Direito Penal pode vir a serrelevantejánaverificaçãodotipolegal.Oprovimentocominformaçõescientífico-sociais,nestecaso,relaciona-seaocomponente“se”,nomodelocondicionaldeaplicaçãodoDireito.

No componente “se”, que contém os pressupostos típicos, coloca-seo problema de “se a imperiosa necessidade existente de conhecimentoempíricopeloaplicadordoDireitoéimediataoumediatamentesatisfeitapor observação pericial. Isto não é uma questão de orientação final doDireitoPenal,masumaquestãodesuapretensãometodológica:quantomaismeticulosamenteosistemadeDireitoPenalatentaparatratarproposiçõesempíricas segundo regras metodológicas das ciências empíricas, tantoantesperguntaráporconhecimentoalheio–sejamedianteoempregodeperíciasouaaquisiçãodeconhecimentoprópriopeloaplicadordoDireito”(Hassemer,1984,11s.).

Com isso, é dirigida a precisão empírico-metódica da aplicação doDireitoPenal,queserefereaoseguinte,evitardiscordânciaseimprecisões,jánacompreensãotípicadocaso.

2. Exemplos de comentários científico-sociais do Direito Penal

Como exemplos de aconselhamento científico-social em problemasespecíficosde aplicaçãodoDireitoPenalpode-semencionar a legítima

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 133

defesa entre casados(Zenz,1980,77s.),aproblemáticadosdefeitos de caráter(Strasser,1980,143s.)ouproblemasdepunibilidadenos delitos de tóxicos(Lautmann,1980,610s.).Ocomentáriocientífico-socialdoCódigoPenalpode,nesteponto,seravaliadocomotentativadetornarútil,paraaaplicaçãodoDireitoPenal,acompetênciaespecíficaqueseencontranestesabercientíficoexperimental.

Com a aplicação do Direito trata-se, na verdade, de um processo normativo que, contudo, não proíbe a contribuição de conceituaçõesempíricas, porém, emmuitos casos, é obrigatoriamente dependente deelementosdeobservação.Enquantoanecessidadedaobservaçãoéconstante,o modo em que esta observação permite saber estranho influenciar naaplicaçãodoDireitoécaracterizadacomovariávelnocomponente“se”doesquemacondicional(compareHassemer,1984,13).

3. Psico-ciências

Significadocentralparaadeterminaçãodadecisãojudicial,noquadroda questão da capacidade de culpabilidade, cabe ao conhecimentodasCiênciassociais(§§20,21doCP).Naverificaçãodaculpabilidade,problemas de capacidade de imputação de um indivíduo, ou decredibilidadedeumatestemunha,comfrequênciasãoderelevânciaparaenriquecerocomponente“se”,noprocessodeaplicaçãodoDireitoPenal,comocorrespondenteconhecimentoempírico(compareAlbrecht,1983,193s.).

Trata-se,semdúvida,quantoaesteassimchamado“saberdasCiênciassociais”, emprimeiro lugar, de conhecimentopsicológico e psiquiátricoque,demodoglobal,tambémpodeserdesignadocomo“conhecimentopsíquico”.Opapeldeste“conhecimentopsíquico”,ouseja,opapeldeperitosetécnicosnoprocessopenalé,desdesempre,controvertido(compare,porexemplo,Jäger,1980,47s.;1980a,173s.;Haffke,1980,133s.).ApesardeumasériedeobscuridadesdarelaçãodeJuízeseperitos,dadogmáticajurídica e conhecimento psicológico-psiquiátrico especializado, nósprecisamos,contudo,partirdoseguinte,queestaespecíficacompetênciaempírico-científica é, em muitos casos (-limite), imprescindível para oprocessodedecisãojudicial,seoprocessopenalnãosedeveesgotarnum

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal134

meroautomatismodesubsunção.Contudo,nãoédesenegarque,comisto,entraemfocoa(nova)problemáticadadependênciadaJustiçaemrelaçãoaosperitos(compareHeim,1988,299s.).

II. Aconselhamento sobre as consequências jurídicas

1. Orientação da lei penal para fins de prevenção especial e geral

Se são colocados limites relativamente estreitos às possibilidades deinfluência do saber científico-social no âmbitodadogmática jurídica, asituação no aconselhamento de consequências jurídicas é arranjada demodo claramente diferente. Nesta área os resultados científico-sociais,consideradosdemodopuramentequantitativo,sãoacolhidosaomáximo(Giehring/Schumann, 1986, 178). A mais forte consideração do sabercientífico-experimental,noaspectodasconsequênciasjurídicas,édeseveremrelaçãocomacrescenteprogramação de fimdoDireitoPenal.QuandooDireitoPenal,emmedidacrescente,éutilizadoparadeterminaçãodefins de prevenção especial e geral, eleva-se quase obrigatoriamente suanecessidadedegarantidalegitimaçãopelaciênciaempírica.

a) Prevenção geralAprogramação de fim da prevenção geraldoDireitoPenaldeixa-se

elucidar, demodo exemplar, pelo conteúdo das determinações do §46,seção 1, oração 2, do §47, do §56, seção 3, do §59, seção 1, número3,CP, que aliviam amplamente o Juiz em suas decisões, da vinculaçãoao programa condicional tradicional. Isto se torna especialmente claronafórmula“paradefesadaordemjurídica”,quedestacaexpressamenteaprevençãogeralcomomomentofinaldoDireitoPenal.

b) Prevenção especial (prognose)A programação de fim da prevenção especial assentava, até agora,

demodo central, em decisões prognósticas juridicamente determinadas(Frisch, 1983), com as quais se trata ou se tratava da consideração deconsequências na interpretação das leis penais. Com o conceito de prognose criminalpermite-se,nestecaso,delinearumaamplacorrente

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 135

depesquisaque,nopassado,estavavinculadaaumaparteconsideráveldopotencialdepesquisacriminológicaetinhaporconsequênciainumeráveispesquisasempíricas(compareKaiser,1996,955s.).

Adecisãojudicialfundadaemprognosecontém,comoconteúdonuclear,“declarações de probabilidade sobre o futuro comportamento legal depessoas”(Kaiser,1996,956),queobjetivamconfigurarapráxisdadecisãojurídico-penaldemodomaisracionalemaisadequado.Istosignifica,emconclusão, a limitaçãodemargensde julgamento, ou seja, a repulsadeteorias jurídicasdocotidianoede“experiênciadavida”(Opp,1980,40s.).Depois, com isto está vinculada a legitimação da decisão respectivasobreofundamentodofatopuníveledapersonalidadedeautor(compareKaiser,1996,956s.).Comisto,contudo,édeconsiderar,queacrescentecientificizaçãodaprognosecriminalnãoconduziuaumamaiorsegurançadadecisão judicial,mas a insegurança em relação à “periculosidade”deumautorsimplesmentefoitranspostadoníveldocotidianoparaonívelcientífico.Nãosechegou,atravésdisto,aumaconsideraçãojudicialdasconsequências que pudesse reportar-se a seguros métodos científico-sociais de prognose, pelo que a força declaratória dos procedimentos prognósticos (estatísticos, médicos, intuitivos) é, alémdisso, inseguraepoucoconfiável.

2. Intervenção seletiva em Ciências sociais

A intervenção do Direito Penal nas Ciências sociais não aconteceao acaso, mas precisa ser descrita como seletiva. Neste ponto, o sabercientífico-social demandadopeloSistemade JustiçaCriminal orienta-sepelasexigênciasdoDireitoPenal;ocontrário,nãoéperguntado.Precisadeixar-seinserirnoscritériosderelevânciadoDireitoPenaleser“capaz de decisão”,ouseja,trabalharcomoauxíliodiretodedecisãonasrespectivasconstelaçõesdeproblemas.

Neste contexto, não é surpreendente que, na determinação dasconsequênciasjurídicas,sãoconsultadosjustamenteprincípios explicativos da teoria de socialização e da psicanálise,porqueseusefeitos,paraumsistemadenormasdirigidoao julgamentodocaso singular, sãoosmaisconcretos.Objetivam,emúltimaanálise,umaampliaçãodasexclusõesde

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Capítulo 2 - A intervenção da Criminologia no Direito Penal136

culpabilidadee,comisto,daáreadeisençãodepenae,aomesmotempo,nãoimpedemapossibilidadedereagiràcriminalidade,comtratamentoeterapia.Finalmente,conhecimentocientífico-socialé,então,sempreútilnadeliberaçãodeconsequênciasjurídicas,quandosedeixaimplantarsemrupturas,naformadeumaajudapragmáticadedecisão,nocatálogodereações jurídico-penais, e não conduz a disfuncionalidades (sobre isto,compareacima§3BI).

3. O atual recuo jurídico-penal do empirismo

Os primeiros princípios desta atividade científico-social deaconselhamento,inseridosnaleinoquadrodereformas,foramradicalmentepodadaspela6aLeideReformadoDireitoPenal,de1998.Fórmulasdeverificaçãoprognóstica,nasnormassobresuspensãocondicionaldapena,eramatéagorarelevantesparadecisão(§§57,57aCP),deagoraemdianteforamimpostosaoJuiz,prioritariamente,limites de valoração político-criminal.

Emconsequênciada6aLeideReformadoDireitoPenal,acompetênciade conhecimento judicial para prognoses, em decisões liberatóriasantecipadas,foilimitada,senãocompletamentesuspensa(compare§57,seção 1, oração 1, número 2, CP, em vinculação com §454, seção 2,número2,CPP).No futuro,não importammaisprognoses individuaisadequadas(queeramsuficientementedifíceis).O“interesse de segurança da coletividade” torna-se o critério dominante de decisão. Ao Juiz éatribuída a imediata “responsabilidade” da Política de segurança doEstado.Se“nãoédeexcluir”,quenascondenaçõesporcausadeumcrime,“fundamentosdesegurançapúblicacontrariemumaliberaçãoantecipadadeumcondenado”,entãomaisnenhumaliberaçãoantecipadaérealizável,sobretudodopontodevistacriminológico.

C. Autocompreensão de uma Criminologia autônoma

Diante do contexto de uma desilusão empírica, que a pesquisa daprevenção produz (compare acima § 5), e dos conhecimentos sobre o

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 137

fracasso do controle do Direito Penal, no quadro das situações sociaisproblemáticas(compareacima§6),nãoespantaquepartesdaCriminologiase reconfigurem. Esta nova Criminologia torna o Direito Penal e suasinstituiçõespróprias(SistemadeJustiçaCriminal)objetodeestudo,esecompreendecrítica(versustradicional)eautônoma(versusaplicada).

I. Princípios de uma Criminologia crítico-autônoma

ACriminologiacrítico-autônomadespede-sedoobjetivodeprevençãonormativamentedeterminado,comassunções heurísticas centrais:• Criminalidade provém do Direitoe do Estado– e não das pessoas, como

pressupõe a Criminologia tradicional.

Distoresulta:seaCriminologiapretendeexplicaraespécieeaextensãoda criminalidade registrada em uma sociedade, então precisa primeirofazer a pesquisa criminológica da gênese da norma. Os interessespolíticos e/ou econômicos, que estão na base da compreensão jurídico-penaldeumtipolegal(porexemplo,arepetidanovaçãodaLeideDrogas,noúltimoséculo),dadesistênciadecriminalizaçãooudoimpedimentodedescriminalização(porexemplo,furtoemloja),precisamseresclarecidos.• A criminalidade é, como fenômeno social, ativamente produzida pela

persecução penal estatal – e não simplesmente recebida e registrada passivamente, como supõe a Criminologia tradicional.

Distoresulta:seaCriminologiapretendeexplicaraespécieeaextensãodacriminalidaderegistradaemumasociedade,entãoprecisafazerapesquisa criminológica das instânciasdaPolícia,doMinistérioPúblicoedaJustiça.Éde se verificarporque as forçasdepersecuçãopenal são concentradasemáreasdedelito selecionadas (porexemplo,criminalidadededrogas),enquanto em outras áreas (por exemplo, criminalidade econômica oucriminalidadeambiental),menorpersecuçãopenalémobilizadae,destemodo,asestatísticascriminaislásãorecheadaseaquificamvazias.• A criminalidade é, como fenômenoindividual, produzidamediante um

processode imputação – e não existe, segundo presume a Criminologia tradicional, como qualidade objetiva da ação.

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Disto resulta: se a Criminologia crítica pretende explicar carreirascriminosas, então precisa pesquisar as relações de descobrimento, deinvestigaçãoedeconvencimentoconformeaoprocesso,quetransformamumcidadãoemumcriminoso.Nestecaso,sãodepesquisarasmetarregrase osprocessos de negociação conformes ao poder, que conformam epenetramaobrajurídicaformalregular,nosníveis:• deutilizaçãodosórgãosdepersecuçãopenalpeloscidadãos(compare

Capítulo4),• deinvestigaçãoeesclarecimentopolicial(compareCapítulo5),• depromoçãoprocessualdoMinistérioPúblico(compareCapítulo6),• deDefesapenal(compareCapítulo7),• dedecisãojudicial(compareCapítulo8)e,finalmente,• deexecuçãojurídicadaimposiçãodesançõesestatais(compareCapítulo9).

II. Três níveis de esclarecimento da Sociologia do Direito Penal

ACriminologia autônoma,no sentidodeumaSociologiadoDireitoPenal,nãosecompreendecomomeio(auxiliar)daPolítica,aocontrário,elaquerrealizartrabalhodeesclarecimentocientíficocontraasdistorçõesoriundas da Política. Este esclarecimento não é dirigido, simplesmente,contra a Política, mas contra a instrumentalização política do DireitoPenal.Alémdisto,apresentam-setrêsníveisdeesclarecimentocientífico:alegislação,odiscursopolítico-criminaleaformação jurídica.

1. Esclarecimento para o Legislador

a) A Criminologia autônoma como ciência de reflexão A análise sociológica do Direito Penal pode concentrar-se nisto, em

refutar falsas interpretações e presunções de causalidade, e substituirpor outras cientificamente fundadas: “o problema da criminalidade”é desencantado e destacado como processo social de produção de conformidade e desvio. Istorefere-se,sobretudo,aoobjetodepesquisa“DireitoPenal”,quenãoéencontradoem“estadodenatureza”,comopuroobjetodeinvestigaçãocientífica.Istoprecisaacontecerdemodoreflexivo,porqueoDireitoPenalsemprejácontémopiniõeseinterpretaçõessobresi

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mesmo.Nesteponto,afunçãodeesclarecimentodaSociologiadoDireitoPenalpodeentraremconflitocomaquelasposições,dentrodoprocessodelegislaçãopenal,quejustamentedevemsuacapacidadedeimposiçãoaodomíniodefalsosmodelosdeinterpretaçãoeoutrosequívocos(compareOffe,1977,321s.).

b) A sobrecarga do LegislativoEmvistadoanonimato,que se exprimenoconceitodeLegislador, é

indispensáveltomaremconsideraçãoasinstânciasestataisquecontribuemdecisivamentenoprocessodepositivaçãodoDireito.DiferentedaépocaprimitivadoParlamentarismo,hojeosrepresentantesdopovoquasenãoencontram tempopara leitura,muitomenosparadiscussãodeprojetosde leis. Além disto, a necessidade de normas da sociedade industrial émuito grande, a matéria de regulação tornou-se muito complexa. OLegislativoestáhojesobrecarregadocomonúmeroexcessivodeprocessosde legislação,queseestendem,noseuâmbitoderegulação,aoscampossociaismaisdiferenciados.Osparlamentares,muitasvezes,nãoestãomaisemcondiçõesdeanalisaraspropostasededeclarareventuaisdúvidas,demodoqueocorre,nãoraro,sobpressãodefrações,umacríticoautomatismodevotação.

c) Integral esclarecimento socialApráxisdalegislaçãopenaljáindicaosproblemasquevãoaoencontro

do reclamado esclarecimento jurídico-sociológico. Pois o significado desemelhanteciênciadereflexãoé,noquadrodeconstruçãodeleispenais,imaginavelmente reduzido. Sobre isto, também não podem enganar asaudiênciasdeespecialistas,asdenominadas“Hearings”,nasquais,devezemquando,entraemaçãoosabercientífico-social,queserve,sobretudo,parapôremcena,comtodooefeitodramático,otãoevocadopluralismodeopinião(compare, sobre isto,deumlado,Jakobs,1996,320s.e,deoutro,Hamm,1996,325s.).

Uma ideiade esclarecimento,quepregaumaespéciede transferênciadesaberdoaltodaCiênciaparaaPolítica,nãotemnenhumachancederealização prática. Ao contrário, o esclarecimento precisa ser entendidoaquicomoesclarecimento global,comoesclarecimentodetodasociedade,

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que também compreende as estranhas racionalidades da Política, e asintegra em seu discurso. Emquestões de legislação penal, a Política dasegurançaprecisa,tambémoudiretamente,reconquistaracompetênciadejulgamentopróprio.

2. Esclarecimento para a Política criminal

Oproblema fundamentaldeesclarecimentocientífico-socialnaáreadaPolíticacriminalrefere-seàlimitaçãodapretensãodecontroleestatal.Poisosexistentesprincípiosdecientificizaçãodocontrolesocialobjetivamquaseexclusivamenteoalargamentodocontroleestatalorganizado.Osdefensoresdeuma“modernizaçãodoDireitoPenal”apostam,comvistasaosnovosdesafios, emmais ampla (antecipada) criminalização, como,porexemplo,naáreado“crimeorganizado”(compareWesslau,1989).

Umpropósitodeesclarecimentofundadoemsabersociológicojurídico-penaltemdesedirigircontraoalargamentodapretensãoestataldecontrole,inclusivedesuaviragempreventivaesimbólica.Nestecaso,a“desvantagemdoproveitodasCiênciassociaisparaoDireitoPenal”(Kreissl,1988)nãoédecompensarporisto,queumoutroconceitoideológico-críticodosabersociológicodoDireitoPenalsimplesmenteestásubjacente,quesedirigecontraamodernizaçãosócio-tecnológicadoDireitoPenal.SeaSociologiadoDireitoPenaltambémseatribuiumafunçãodeesclarecimento,entãoprecisapensaralémdoDireitoPenaleincluirnaanálise,sistematicamente,asrelaçõesdeaçãoeascoaçõesdeaçãopolíticas.

MasumatalSociologiadoDireitoPenalnãodevecairnoequívocodetransferiralógicadaprópriaatuaçãoparaalógicadaPolítica.Enquantonaatividadecientíficasetratadaaquisiçãodeconhecimento,queaindanãoprecisaserimediatamentedirigidoaumfim,aPolíticasegueumalógicadedecisão,queestásubmetidaaoutrasregularidades.Comisto,correspondemracionalidadesnoladodaPolítica,comasquaisaCiênciatemapenaspoucoemcomum–porexemplo,oganhodeeleições.

3. Esclarecimento para a formação de juristas

O recuo político da formação unitária de juristas preparou, porenquanto, um fim para este experimento de reforma. A tentativa de

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integraçãodaciênciadoDireitoedaCiênciasocialnaformaçãodejuristas,iniciada com isto, deve ser vista, emprimeiro lugar, como fracassada.No regresso para a tradicional formação de dois níveis de juristas, oLegisladordeixoudeconsiderar,demodosuficiente,ascorrespondentesexperiências de reforma e consequências experimentais. Bem que sechegou a uma certa concretização e consolidaçãona cooperação entreasCiências sociais e oDireito Penal, que semostra, por exemplo, naindicaçãoenoreconhecimentodoslimitesdeumDireitoPenalsócio-cientificamenteorientado.Nãoobstante, a relação recíprocade ambasdisciplinas permaneceu propriamente indiferente e distanciada.Nisto,muda também muito pouco a necessidade, não raramente lembradapelos estudiosos do Direito Penal, de conhecimento fundamental deciênciaempírica.

Uma função esclarecedora do conhecimento sociológico do DireitoPenalparaaformaçãodejuristaspoderiaestarligadacomatransmissãodeumpotencialdereflexãocrítico,queteriadeserelacionarsobretudocomoscrescentesproblemasdecontroledoDireitoPenal.Nestecaso,processosdedescriminalizaçãoseriamdeincluirnaanálise,talcomoaspossibilidadeselimitesgeraisdoDireitoPenaldeinfluenciardesenvolvimentoscarregadosdeperigonasociedadederisco.SeoDireitoPenal,comomeiodecontroledisciplinador e estigmatizante da intervenção e compensação estatal, éproblematizado,tambémorefletirsobreasprópriaspremissasdentrodaformaçãodejuristasprecisariaconseguirumpesomaior.

III. Limites de conselho e esclarecimento criminológico

1. Inseguranças

AsCiências sociais precisam, contudo, tomar em conta os limites deseuprópriosaberedemonstrá-losemfacedoDireitoPenal.Noprogramadogmático do Direito Penal, esta pressão por decisão é encaixada emmuitoslugares,sobrebasedeconhecimentoinseguro.Emseguida,dever-se-á entrar em detalhes na descrição dos princípios jurídico-estatais deaplicaçãodoDireito(compareabaixo§9).

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Emvistadasdeclarações de probabilidadesdaestruturacientíficadasCiências sociais, os limites de esclarecimento das ciências empíricasprecisamseraceitos–tambémporumaCriminologiacrítico-autônoma.

Nãosepoderápartirdoseguinte,queexistealgocomo“conhecimentoseguro”nasCiênciassociais.AinsegurançadasCiênciassociaisaumentacomseuníveldedesenvolvimentoe tambémnãopode serquantificadano Mundo, pelo aperfeiçoamento de modelos estatísticos (Beck/Bonss,1989, 8s.). Pretendendo-se avaliar as chances das ciências empíricas noDireito Penal, deve-se deixar de pensar em grandezas de segurança edimensõesdeotimizaçãodecontrole.TambémasprópriasCiênciassociaistêm considerável participação nomito da “calculabilidade domundo”,namedida emque elasnãomaisdominamos fundamentosdaprópriaatuação.

As inseguranças e imponderabilidades contidas nas declarações deprobabilidades dasCiências sociais precisam ser levadas em conta, se oaconselhamentodoDireitoPenaldeveserusadoparatornartransparenteseus problemas de aplicação práticos. Os limites de esclarecimentoestruturalmente postos de umDireito Penal doEstado deDireito e oslimitesde clarificação científico-sociais são, com isso,barreirasnaturais,queaCriminologiacrítico-autônomanãoultrapassa.

2. Direito Penal: “meio de subsunção formal” de conflitos interpessoais

Diz-sedoDireitoPenal,quenãosolucionariaconflitossociais,masporseumodoeformasespecíficasdeintervenção,emregraaindacontribuiriapara maior intensificação do conflito. Com toda crítica justificadaà capacidade de regulação do Direito Penal, frequentemente não éconsideradoqueoempregodadogmáticajurídico-penalpodeteraspectosinteiramente positivos, que se tornam claros, sobretudo, na subsunção formal de uma situação de conflito transparente e juridicamente garantida.Aproteçãoda liberdade individual éopontodepartidae ametadechegadadeumDireitoPenaldoEstadodeDireito.Naverdade,amaioriadosconflitosnãoéassimdominada,masosconflitossetornamlimitados,formalizadosepúblicosdemodointerpessoal.Adespeitodeseu

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trabalhofalho,oDireitoPenalpodetornarosconflitoscalculáveisecomoquebaixá-losaumnívelsocial,queestáabertoaoutrasmodalidadesdesoluçãoextrajurídicas.Nesteponto,oDireitoconstituiumirrenunciávelinstrumentoparaformalizaçãodelimitaçõesdaliberdade,queoscidadãossecausamreciprocamente.

SendooDireitoPenal,nestesentido,aceitocomomeiodesubsunçãodeconflitossociaisconformeàJustiça,entãonãodeveria,emprincípio,no mesmo instante, ser colocado em questão – também por umaCriminologiacrítico-autônoma.LimitaçõesquantitativasequalitativasdoDireitoPenal ede suaaplicaçãoencontram-senosprincípios jurídico-constitucionalmente garantidos do Direito Penal,queconstituem,aomesmotempo,limitesparaaintervençãocientífico-social.

3. Limitações jurídico-constitucionais como linhas demarcatórias da intervenção das ciências empíricas

Aproblemáticadautilidadecientífico-socialparaoDireitoPenalconsistenoseguinte,quelimitaçõesjurídico-constitucionaiseprincípiosdoEstadodeDireito impõemlimitesrelativamenteestreitosparaumaintervençãodasCiênciassociais.

Limitações resultam da substantiva construção e da estrutura do processo penal,quetemdeseorientar,porsuavez,segundoprincípiosbásicosdoEstadodeDireito.Segundoisto,édeseconfigurarasituaçãodecomunicaçãodetalmodo,quesejarealizávelecompreensívelportodososparticipantes.Atestemunha,portanto,édeservista“nãocomoobjetoda pesquisa profissional” (Hassemer, 1984, 50), da qual são “extraídas”as informaçõesprocuradas, comauxíliodos conhecimentosdas ciênciasempíricas (técnica de entrevista) (assim, contudo, na conclusão, Opp,1980,34 s.).Aocontrário, éde se aceitar apessoadadeclaraçãocomoparticipante,capazdecomunicação,deumdepoimentoaserconstruídodemodotransparente(compareKrauss,1980,70s.).

Omesmovaleparaquestõesdemedição da pena,que tambémnãopodemser ilimitadamenteabertasparaaconselhamentocientífico-social,embora precisamente nesta área “asmargens de decisão são asmaiores

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easchancesdecríticaecontrolesãoasmenores”(Hassemer,1984,16).Oacusadodeveserconsiderado,sobretudo,comoumsujeitoprocessualequipado com direitos processuais independentes, ao qual competemaudiência judicial, livre escolha de Defensor, direitos de presença, depostulação e de intervenção. Precisamente os últimos podem constituirobstáculos para uma decisão de medição de pena preparada de modocientífico-socialótimo.

ApenasdianteperigodesuspensãodegarantiasdoEstadodeDireito,asCiênciassociaispermitir-se-iamestabelecerfirmementenoprocessopenal(Naucke,1983,17s.)–oqueninguémdeveriadesejar.

IV. Rejeições científico-sociais de uma aplicação profana do Direito

1. Rejeição de liberdade de valor, de ausência de teoria e de submissão da práxis

Diantedocontextodeumalegitimaçãoteórico-socialdoDireitoPenal,comoumordenamento coativo limitado por princípios(compare§9,abaixo),umaCriminologiaautônomaprecisadarumarecusaaopostuladodeumaliberdadedevalorcientífico-social.ACriminologiaautônomatemde se distanciar, igualmente, da interdisciplinaridade sem teoria, assimcomodairrefletidasubmissãodapráxis.

AfórmuladaliberdadedevalordaCiênciasocialempírica(“ciênciadoser”),queéutilizadacomfrequênciaparadiferenciaçãoemfacedoDireitoPenalreferidoaovalor(“ciênciadodeverser”),temafunção,emprimeiroplano,detornarointeressedeconhecimentodaCriminologiadependentedas determinações políticas de controle e de funções de uso políticos eprofanos.Ocritériodaliberdadedevalordeve,comisso,manteraportaabertaàsCiênciassociais,paraosobjetivosdeautoatendimentopolíticode justasnecessidades.UmaCriminologia autônoma, ao contrário, temdeaceitar,pelomenosrespeitar,oprincípio da proteção da liberdade individuale,igualmente,seusprincípios de limitação,comofundamentosdelegitimaçãodoDireitoPenal.

ÀciêncianormativamentecentradadoDireitoPenal,comsuaplenitudeteórica dentro da dogmática, confrontam asCiências sociais empíricas,

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quedispõemdeuma aindamais rica ofertade teoria e estão àprocura(tornando-se sempre mais difícil), até hoje, de uma base teórico-socialabrangente.Como produto desta plenitude de teorias interdisciplinaresresulta,finalmente,umatecnologia social carente de teoria,quesetorna,em sua própria orientação final, parte integrante do exercício de poderpolítico (Baumann, 1995, 20s.). Uma independente e autoconscienteSociologiadoDireitoPenal,quepretendefazerjusàtarefadeumafundadaanálisedefunçõesdoDireitoPenal,noquadrodesuasrelaçõespolíticasesociais,temdeafirmarumarecusaaumasimplesdicotomiadenormadeDireitoerealidadedoDireito.Atarefadeumacrítico-reflexivaSociologiadoDireitoPenal é radiografar a norma, em sua dinâmica processual, edescobrir a infraestrutura do controle social jurídico-penal.

SeumaCriminologia autônomaafirmaclara rejeiçãoda liberdadedevalor,dainterdisciplinaridadecarentedeteoriaedasubmissãoacríticadapráxis,entãoestapodedescobrircriticamenteaintervençãopolíticasobreoDireitoPenal,nosentidodeumaotimizaçãodeseuvalordeusoprofano.

2. Rejeição de utopias preventivas da aplicação do Direito Penal

ODireitoPenalnãoénemummeiodeconfiguraçãopolítica,nemdequalquermodo“capazdeutopias”paraasociedade.Jáfoidemonstradoque a mudança preventiva no Direito Penal andou junto com umaestratégia de Política criminal, que se arroga abrangentes competênciassócio-configuradorasecomunitário-controladoras.Estaeuforiapreventivatambémnãosedetémdiantedecompetênciasalheias,mastentaestendersua influência em todas as áreaspolíticas imagináveis.Etiquetada como“políticacriminaldecompetênciaalastrada”(Schwindeoutros,1980,546s.),estaprogramáticapolíticaserve-sedoDireitoPenalcomoinstrumento de configuração social.

Naanálisedapretensãopreventivo-criminaldoDireitoPenal(compare§5,acima)tínhamosresumidoque,segundoosresultadosempíricosdaspesquisasdeprevençãoespecial,édeseratribuído,namelhordashipóteses,umnãoefeitoe,napiordashipóteses,umefeitocontraprodutivo.Estequadro diretivo da pesquisa deveria sugerir à aplicação doDireito que

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as diferentes sanções, em relação ao seu efeito criminal-preventivo, sãoamplamenteintercambiáveis.Paraaprevençãogeralnegativaistovaleemmedida ainda maior, porque não foram apresentadas provas científico-sociaisconfiáveisparaoefeitopreventivo-geraldeintimidação.

Este pessimismo de prevenção, criminologicamente informado,pode fundamentar suficientemente a recusa de utopias comunitário-controladorasesocial-saneadorasdaaplicaçãodoDireitoPenal.

3. Rejeição da capacidade de controle do Direito Penal para situações sociais problemáticas

Opoder de controle doDireito Penal em relação a situações sociaisproblemáticas mostra-se como diminuto. Ao contrário, o valor de usopolíticodoDireitoPenal,comomeiodepolíticasimbólica,éempurradomaisemaisparaoprimeiroplano.

SãoexemplosoDireitoPenalEconômico,oDireitoPenalAmbientaleoDireitoPenaldeDrogas(compare,sobreisso,3aParte).Mostra-se,aomesmotempo,queaaplicaçãodoDireitoPenalnasáreasproblemáticasvisadas, continua sem efeito prático. Pode mesmo, como no caso dacriminalidade de drogas, acarretar consequências contraproducentes,em que pequenos eminúsculos traficantes são criminalizados,mas sãoignoradasascausasparaapersistênciadeummercadoilegaldedrogasemexpansão(compareabaixo,emdetalhes,Capítulo12).

AestatendênciadoDireitoPenalparaamplasuperficialidadesocial,paraproduçãodebens jurídicosepara formulaçãodeumaproteçãodebensjurídicos,quefrequentementenãopercebeasrelaçõessociaissubjacentes,édesedarumaclararejeição,daperspectivadaCriminologiaautônoma.ACriminologiatemdeindicareesclarecerproblemasdecontrole.Precisadescobrir a questionabilidade jurídico-estatal da funcionalização doDireitoPenal,comomeiodepolíticasimbólica,precisamentediantedocontexto de possibilidades claramente reduzidas de controle doDireitoPenal, para domínio de situações problemáticas estruturais. AplicaçãoprofanadoDireitoPenal,desenfreadaeuforiadeprevençãoeignorânciada incapacidade de controle de situações sociais problemáticas, são os

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perigoscentraissobreosquaisumaCriminologiacrítico-autônomadeveriaesclarecer.

V. Contornos de uma Criminologia autônoma excludente da Criminologia tradicional

Uma Criminologia científica libertada dos antolhos da perspectivade prevenção tem por objeto, portanto, o papel social do DireitoPenal, da criminalidade e da criminalização.Como “criminalidade” sãocompreendidososconteúdosdesentidoquesãoproduzidosmedianteasubsunçãodeumfatodomundodavidaaumtipolegaljurídico-criminal.Por “criminalização” é pensado o conjunto dos processos dirigidos porregras, que constituem uma norma jurídico-criminal ou definem umaaçãocomo“criminalidade”.OsseguintesâmbitosdeobjetosãocamposdepesquisaedeanálisedeumaCriminologiaautônoma.

1. Direito Penal e órgãos de persecução penal

a) Tipos legais do Direito Penal e do Direito Penal especialDopontodevistacriminológicointeressam,especialmente,estruturas

de tipos legais recém criminalizados e descriminalizados (compareCapítulos10a12).Aqui,édeinteresseaextensãodoconceitoclássico,individualísticodebemjurídico,paranecessidadescoletivasdeproteção,nocursodaconstruçãoedadesconstruçãodoEstadoSocialdeDireito(“Estado de bem-estar”). O Direito Penal desloca-se, da proteção deinteressesindividuaisdavítimaparaaproteçãodecomplexosfuncionais,em que funções de limitação jurídico-penais perdem importância. Emface disso estão esforços de descriminalização, ou seja, tendências deregulação privada junto a bens jurídicos clássicos – por exemplo, furtodebagatela.Sãodepesquisar,quaismudançassãocausadasnapercepçãopúblicadacriminalidade,atravésdeesforçosdedescriminalizaçãojurídico-processuais ou também jurídico-materiais, por um lado, e mediante ocontínuocrescimentoderecémcriminalizadassituaçõessociaisderiscoouproblemáticas,poroutrolado.

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b) Instituições da legislação penalPontodereferênciacriminológicoéapesquisadagênesedanorma,com

apretensãodeencontrarosfiltrosdeseleção,quesãodecisivosparaescolhados interesses de proteção jurídico-penal (compare 2ª Parte). A tese detradiçãoda“justiçadeclasse”devesedistinguirdasmaisrecentesanálisespolítico-científicas,quetomamemconsideraçãoaparticipaçãoseletivadegruposdeinteressesdasociedade–porexemplo,corporativismo(paraoconceitoeparaaconcepção,compareLudwig-Mayerhofer,1998,257s.).

c) Instituições de persecução penalAqui residia, até agora, o ponto central da criminológica “pesquisa

de instâncias”, seja no recorte tradicional, como pesquisa de avaliaçãopara otimizar a prevenção, seja na variante crítica de uma busca defunções conexas latentes da ação de controle (por exemplo, “puniçãoseletiva”).Nofuturo,osprocessosjudiciáriosinternosdecriminalização/descriminalizaçãodeveriamserdeinteressecrescenteparaaconstruçãodaimagempúblicadacriminalidade.

d) Dogmática da imputação de culpa e da subsunção do fatoEmboraestasregrasdereconstruçãosejamdeimportânciaextraordinária

paraqualquerprincípiode explicaçãocriminológica construtivista,umaCriminologia da parte geral do Direito Penal não existe. Ao lado dotrabalhodefinicionaldadogmáticadeimputação,édesediscutirtambémsuapossível funçãogarantidorada liberdade,comomeioparaproduçãoda capacidade de luta (compare § 8, abaixo).O lado problemático dareconstruçãojurídico-penaldofato,soboaspectocientífico-socialda‘buscadaverdade’,podeconduzir,aomesmotempo,aumaformadistanciadade trabalho de conflitos, comomeio de redução de complexidade, quemantémdistanciadooEstado,comotambémaspartesdoconflito.

2. Fatos e pessoas que são definidos jurídico-criminalmente pelos órgãos da persecução penal (“criminalidade”, “criminoso”, “vítima”)

a) Perspectiva do fato/perspectiva do autorCom isto, é referido o substrato clássico de uma teoria e pesquisa

criminológicaetiológica,quesesabecomprometidacomosfinsnormativos

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deprevenção.NalógicadeumaCriminologiaconstrutivista,apessoasetornaobjeto de imputação, cujo potencial subjetivo para defesa da imputação,contudo,precisaserconsiderado.Finalmente,nestelugartambémdeveriaserdiscutidooconteúdocríticodeumaetiologiarelacionadaàestruturadasociedade.Nareduçãodesituaçõessociaisproblemáticasque,entreoutrosfatores, têm por consequência a criminalidade, foi visto um temporáriopotencialemancipatório,ampliadordasoportunidadesdevida.

b) Perspectiva da vítimaCriminalizaçãoedescriminalização têmseuspontosdereferêncianos

interessesdeproteçãode lesionadospotenciaisounas situaçõesderiscode funções sociais (compare, sobre isto, Herzog, 1991, 109 s.). UmaCriminologiaorientadademodoconstrutivistatendeanegligenciarestaperspectivadosafetados.Contudo,paraumaCriminologiainteressadanafunçãodecriminalizaçãodoEstado,asfunçõesdeproteçãoatribuídasaoDireitoPenalsãoderelevantesignificação(compareCapítulo15,abaixo).Éigualmentedecisivodequemodooslesionadosmobilizamosórgãosdepersecuçãopenalparaosseusinteresses–ouomitemisso.

3. Subsistemas sociais, que fazem uso da criminalidade ou da criminalização

a) Política

aa)“Valordetrocapolítico”doDireitoPenalDeve-se partir do seguinte, que o Direito Penal experimenta, em

numerosasáreasdavidasocial,ummarcanteinteresse.Assim,porexemplo,pode-se relacionar atosde legislaçãopenalou esforços legislativos aumnúmero considerável de problemas sociais discutidos publicamente nosúltimosanos(compare§1,acima).Comisto,éreferidoosetorsocialda“Política”,noqualéclaramentereconhecidoum“valordetrocapolítico”na regulação jurídico-penal de problemas sociais. Lealdades de eleitoresdevemsergarantidas, capacidadedeaçãopolíticadeve serdemonstrada(compare§6C,acima).

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bb)MeiodecomunicaçãoversusmeiodecontroleAqui, o papel do Direito Penal e da criminalidade como meios de

comunicaçãodeveserdiferenciadodoseupapelcomomeios de controle:(1)Componente comunicativo.Ainterpretaçãodosproblemassociais

como “criminalidade” representa um simples esquemade interpretação,tambémparafatoscomplexos.Aomesmotempo,épreparadoummodelode solução (jurídico-penal), pelo qual relações sociais problemáticas sãopersonalizadaseescapamdeumaatribuiçãopolítica.

(2)Componente de controle.Perantemarcantesdéficitsdeexecuçãojurídico-penalemnumerososrecém-criadosbensjurídicos,eperanteprovasdeineficiênciaempíricareferenteaosefeitosdeprevençãorelacionadosàspessoas,deveriampredominar,emgeral,precisamenteembensjurídicossistêmicos, intenções comunicativasnapositivação jurídico-penal.Nãoobstante, restam por examinar efeitos instrumentais de controle, quetambémpodemocorrer‘nasombra’dosprocessosjurídico-penaisformais.

b) EconomiaNormas jurídico-penais, atividades de investigação policial e decisões

daJustiçapenalsãoavaliadasna lógicadocálculoempresarialdecusto/benefício(vejaCapítulo10,abaixo).AJustiçapenalpodeserempregadacomo meio acessório para imposição de normas jurídico-penais derelevânciaempresarial(furto,estelionatoetc.)edesencadearconsideráveisefeitosdecriminalização(porexemplo,furtoemloja).MasoDireitoPenaleaJustiçapenaltambémpodemganharsignificaçãoeconômicacomofatordecustomaterialouidealnocálculodosriscosempresariais(porexemplo,leiseconômicasexternas).ComonosubsistemadaPolítica,tambémsetrataaquideumempregodoDireitoPenal,quesegueumalógicanãojurídico-penal,masprovoca, nãoobstante, uma espécie própria de ‘proteçãodoDireitoPenal’.Nestadramatizaçãopúblicadacriminalidade,oempregopolíticodoDireitoPenal,graçasàpolíticadolobby,temumaparticipaçãosubstancial.

Destinatáriosdeestratégiastécnico-preventivasoupessoaisdeprevençãosãovítimaspotenciaisdacriminalidade.Tambémaquiaimagempública

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§ 7 - Interesse de conhecimento de uma Criminologia autônoma 151

daameaçadacriminalidade–edasituaçãodosórgãosestataisdesegurança–torna-seumavariáveldosucessodevenda.Ocultivodo ‘mercadodomedo’reside,nesteponto,nointeresseeconômico(compare§14BII2,abaixo).c) Cultura/meios de comunicação de massa

Criminalidade e persecução penal formam o objeto de autênticosdramas cotidianos, que são comercializados, empalavra e imagem, nosmeios de comunicação demassa.A criminalidade e sua persecução sãotratadascomomercadoriadeumaindústriacultural.Emcorrespondência,a imagempúblicadestamercadoria édesenhadade formaespetacular eonipresente(compare,sobreisto,Capítulos12a14).

VI. Panorama

EstesexemplarmentedenominadoscamposdepesquisaedeanálisedeumaCriminologia crítico-autônomadeixam transparecer a realidadedeumaaplicaçãoprofanadoDireito,ouseja,oDireitoPenaléfuncionalizadoparatarefasdiferentesdagarantiadeliberdade.Nesteprocessodeaplicaçãoe valoração profana do Direito, o Direito Penal do Estado de Direitoameaça, ao mesmo tempo, pulverizar em racionalização administrativa(compare,sobreisto,emdetalhe,2ªParte,abaixo).

ACriminologia, compreenda-se ela tradicional ou autônoma, precisacolocar a realidade doDireito e do Sistema de Justiça Criminal numaperspectivacientífica.AsCiênciassociaisnãopodemevitararealidadedoexercíciodopoderestatal,socialeindividual.Concretamenteistosignificaque a Criminologia – embora de modo autônomo e crítico – precisaperceberoDireito(Penal)• comoorganizaçãoracionaldeexercíciodopoderestatalesocial,• comomodelodegarantiadaliberdade,e• como sistema de princípios de necessária limitação do poder estatal,

protegidospelaConstituição.

Comesteperfil,édelimitadoumquadrodeinterpretaçãoparaasprovasposteriores específicas dasmetarregras. Estas sucedemnos capítulos dasinstânciasdaSegundaParte,naformaderesultadosempíricos.

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade152

Capítulo 3. Proteção da liberdade – Quadro de referênciade uma Criminologia autônoma e tarefa de um Direito Penal

do Estado de Direito

§ 8. Liberdade como ponto de partida

Literatura: Albrecht, P.-A., Die vergessene Freiheit, 2003; Calliess, C., Sicherheit imfreiheitlichenRechtssaat–EineverfassungsrechtlicheGratwanderungmitstaatstheoretischemKompass,ZRP2002,1s.;Hobbes, T.,Leviathan(EdiçãoReclam);Isensee, J.,DasGrundrechtauf Sicherheit, 1983; Jäger, H.,Makrokriminalität – Studien zurKriminologie kollektiverGewalt,1989;Kant, I.,Akademie-Ausgabe,VolumeIV(GrundlegungzurMetaphysikderSitten); Kant, I., Akademie-Ausgabe, Volume VI (Die Metaphysik der Sitten); Kant, I.,Akademie-Ausgabe,VolumeVIII (Zum ewigen Frieden);Montesquieu, C.,VomGeist derGesetze (Edição Reclam); Naucke, W., Die strafjuristische Privilegierung staatsverstärkterKriminalität, 1996; Petri, T.B., Europol – Grenzüberschreitende polizeiliche Tätigkeit inEuropa, 2001;Preuss, U.K., Revolution, Fortschritt undVerfassung, 1994;Rousseau, J.-J.,Gesellschaftsvertrag(EdiçãoReclam).

Hoje, a liberdade deixa-se facilmente depreciar, ocupar-se dela é umassuntocomplicado.Aliberdadeéumprogramaexigente–tambémparacidadãosdoEstado.UmaCriminologiaautônoma,comociênciacríticadoDireitoPenal,sente-secomprometida,emmedidaespecial,comaideiadeproteçãodaliberdade.Comisto,abandonaoterrenomensuráveldasCiênciassociais,eseabreparaocontextointerdisciplinardaFilosofiadoDireito,daHistória,daSociologia eoutras ciências fundamentais.Parapodermedirovalordaliberdade,precisa-sesabercomoelasefundamenta.

Liberdade é ideia,mas tambémcondiçãode vidaprática comumemumasociedade,emumEstado.AliberdadesepermiteviveremumEstado,mas aomesmo tempo aspira alémdeste. Sem as experiências históricascomoEstadodesegurançadestruidordaliberdadedahistóriaeuropeia,quasenão sepodemediro seuvalor.Diantedocontextodasdolorosasexperiênciaseuropeias,aatualreivindicaçãodeum“direitofundamentalàsegurança”lê-seantescomoanacrônica.Odesejodesegurançaabsolutatermina–assimnosensinamasexperiênciaseuropeias–emterrorismodoEstado.Tributemos,portanto,àliberdade,ummomentoderespeito,queelamerece.

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§ 8 - Liberdade como ponto de partida 153

A. Dignidade da pessoa humana e liberdade

I. A ideia de Liberdade

1. Modelos de liberdade do Iluminismo

Nafilosofiado Iluminismo, a liberdade assumeumaposição central.Nãoasegurança,masaliberdadelegitimaoEstadomoderno.Istotambémtem a ver com a situação histórica da burguesia ascendente, no séculoXVIII. Estruturas feudais impediam o desenvolvimento econômico naEuropa.Porcausadosprivilégiosdanobreza,aprosperidadeeaschancesdeestabelecê-la,eramdesigualmentedistribuídas.AssociedadesdaEuropasufocavam em excesso de segurança: era a segurança de um sistema degovernofechadoemsimesmo,queconcediatudoànobrezaenadaaoscidadãos.Aaspiraçãopelasegurançadoexistentesignificavainsegurançaparaoscidadãos.Oséculo18éotempoparaumprogramaquedeveriasuperar esta situação.Ofilósofo francêsJean-Jacques Rousseau (1712-1778)resumeacríticaaestasituação,emumafraseconhecida:“ohomemnasce livre, e estáemcadeiaspor todaparte” (Rousseau,Capítulo1,5).Ascadeiasprecisavamserrompidas,contudonãotãoextensamente,quegovernepoderdesenfreado.

Charles de Montesquieu (1689-1745) formula o pragmatismo daliberdadepolítica:estanãosignifica“quesepodefazeroquesequer.EmumEstado,ouseja,emumasociedadedotadadeleis,aliberdadesomentepodesignificarquesepodefazeroquesedevequerer,enãoseéobrigadoafazeroquenãosedevequerer”(Montesquieu,Capítulo3,210).Comisto,Montesquieu distingue entre uma liberdade, que é própria de cadahomem–porqueéhomem–eumaliberdade,queprecisaserconcedidaacadahomem,emsuarelaçãocomosoutros,comasociedade.Queoshomenstêmumavontadeepodemmanifestá-laemfalaeação,relaciona-secoma importânciaque seatribuiaoshomens.Oserhumanopossuiumadignidadeprópria.EstaéamensagemdoIluminismo.Núcleodestadignidadeéaliberdadedevontade.Estapode,contudo,simultaneamentese desenvolver somente quando se constrói uma relação com outroshomens.Aquisetornaclaroqueapróprialiberdadetemlimites.Asaber,

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade154

aliberdadeterminaondecomeçaaliberdadedooutro.Aliberdadevivedorespeitoàdignidadedosoutros.Éaliberdadedepensardiferente,deviverdiferente,deagirdiferente.“Deverquerer”,comoMontesquieu formulademodofilosoficamentecomplexo,significaumaverdadeiraliberdade,quenascedaconcordânciacomumedotrabalhocomosoutros,erejeitaumaliberdadeerroneamentecompreendida,quefaz,demodoegocêntrico,daprópriavontadeocritériogeral.

Aceitando-seaverdadeiraliberdade,ganha-setambém,aomesmotempo,a segurança, que todo indivíduo necessita para o seu desenvolvimentoempensamentoeação.Montesquieu alcança, assim,a conclusãodequea liberdadepolítica consistiriana segurança,ouna convicçãodeque seteriasuasegurança(Montesquieu,LivroXII,Capítulo2,250).Segurançaé,portanto,nadamenosdoqueumaequilibrada liberdadede todos.Asegurançanãoprecedealiberdade,masaliberdadeéagarantiairrenunciáveldasegurança,outambémapenasdosentimentodesegurança.

2. O conceito kantiano de liberdade

Na filosofia kantiana, a ideia de liberdade é formulada de formapenetrante (Kant, AA IV, 454). Lá, a liberdade – e apenas esta – érepresentada como o próprio fundamento da existência humana. “Aliberdade(...)éestedireitoúnico,originário,quecompeteatodohomempor força de sua humanidade” (Kant, AAVI, 237). Ao lado dela, nãoexistem quaisquer finalidades que podem valer de modo geral e, emqualquersentido,indiscutível.Immanuel Kant(1724-1804)apresentaatesedequeohomemseriaumfimemsimesmo.EmKant,a liberdadedevontademostra-senoseguinte,queoshomensestãoemcondiçãodedominarsuasemoções,queelespodemtomardecisõesdesagradáveis.

EmKanttorna-seclaro,quecomaliberdadetambémestáligadoesforço.Vale fazer uso renovado da liberdade todos os dias, quem se entrega acomodidades não age em sintonia com o que Kant denomina razãoprática.Aliberdadeéumestadoincômodo:problemas,queurgeresolver,oshomenstêmderesolver–emconjunto.Nãosepode,simplesmente,demitir-sedasoluçãodoproblema.Fazerusopráticotambémdaliberdadedepensamentoéumaexigênciaparapreservaradignidadedoserhumano.

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§ 8 - Liberdade como ponto de partida 155

Aomesmo tempovale:ninguém–nenhumEstado,nenhumsistema–temodireitodeimporlimites,oumesmodereprimircomviolência,ondeousodaliberdadeéexercidoemcomumenãoprejudicaninguém.

II. Liberdade mediante contrato

1. Modelo de contrato em Thomas Hobbes

Violaçõesdelimitessempreexistiram,tambémsempreexistirão.Sereshumanosinvademaesferadeliberdadedeoutrosealesionam.Aimagemdohomem,quemarcaoiníciodoIluminismo,éumaimagemnegativa.Thomas Hobbes(1588-1679)cunhouasformulaçõesdequeohomemseriaumlobodohomemedequedanaturezadohomemdeveriaresultarumaguerradetodoscontratodos(Hobbes,115).Estaimagemdohomemparte do seguinte, que um uso descontrolado da liberdade funda umasituação,naqualsomenteaviolênciaeodireitodomaisfortedeterminamavidahumanacomum.EstasituaçãoHobbesdenominaestado de natureza.Paraele,importadesenvolverestratégiasparaescapardesteestadoperigosoparaossereshumanos.

Oedifíciode ideias,queHobbes constrói, explica-se tambémapartirdas confusões políticas de seu tempo. Hobbes escreve “Leviathan”, suaprincipalobradeteoriadoEstado,emtemposnosquaiseraminstáveisasrelaçõespolíticasnaInglaterraedominavaaguerracivil.Alémdestemotivohistórico,aimagemdohomemedasociedadedeHobbestambémnãoéinjustificada.Violênciaéumproblemaquetodasociedadecompartilha.Ocorresempreondeopoderéexercido,oudeveserexercido.Nestecaso,trata-sedaimposiçãodeinteressesindividuais.Asformasdeaparecimentodaviolênciasãomúltiplas.Emprimeiro lugar,estáaviolênciacorporal.Mas tambémpressãopsíquicapode significar violência.Olhando-se,demodomaiscrítico,oproblemadaviolência,pode-seidentificarumaformade“violência estrutural”.Com isto, é consideradoqueexistemcoerçõesmateriais,queimpedemalivredecisãodosindivíduos,quepodemexistircoações ético-morais em uma sociedade, às quais nós nos sujeitamos.Comisto,aviolênciatorna-seumfenômenoabrangente–ubíquo.Pode

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade156

determinaroâmbitodaintersubjetividade,atingeasociedadecomoumtodo,eprosseguenarelaçãodoindivíduo,sociedadeeseusinstitutos.

Aimagemsombria,queHobbestraça,refleteoconstantemedoexistencialdoserhumano.Mude-sepositivamenteestemedo,poder-se-iadizerqueconflitossãonormaisparatodavidahumanacomum.Édecisivo,apenas,queosmeiosdisponíveisparasoluçãodeconflitossejamdistribuídosdemodojusto.Apenasemcasodedistribuiçãodesigual,ameaçadiscórdia.Comisso,aliberdadepessoaleadignidadedoindivíduoestariamexpostasaconstantesperigoseriscosincalculáveis.

2. O Contrato Social como ficção do Iluminismo

ODireitomodernoindicaasaídaparaodilemadoestadodenatureza.O Direito Penal desempenha um papel importante na limitação e nocontroledeumaameaçadora liberdadehumanadesenfreada.NúcleodoIluminismo é a teoria do Contrato Social. Filósofos do Iluminismo –Hobbes, Rousseau, Locke – “descobriram” a teoria doContrato Social, ea desenvolveram com ideias reciprocamente divergentes nos respectivosdetalhes. Em primeiro lugar, o Contrato Social é, no seu núcleo, nãomaisdoqueumaconstruçãomental–casosequeira,uma“invençãodaliberdade”.Coma invenção,pretende-segarantira liberdadepessoaldoindivíduo,devepodersersuperadooestadodenaturezaperigosoparaoindivíduo.Ainvençãodevefuncionarassim:então,nocasodeumconflito,portanto,quandoumoutropenetra,sempermissão,naprópriaesferadeliberdade, deve o homem renunciar ao empregodos própriosmeios deviolência,quelheestãodiretamenteàdisposição.Emlugardeempregarmeiosdeviolênciapróprios,transfere-seestesparaumterceironeutro.Esteassumeentãoasoluçãodoconflito,quandoesteétãogravequeexigiriademaisdosparticipantesdoconflito.Comarenúnciarecíprocaàviolência,esuatransferênciaparaumterceiro,oEstadoéfundado.Éimportantequea renúncia tenha resultado voluntária e queo terceironeutro considereapenasoseguinte–comtodasegurançaqueégarantida–,sempredefendera liberdade individual do próprio indivíduo. Assim os homens passamdoestadodenatureza,queHobbes pintoucomcoressombrias,paraum

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§ 8 - Liberdade como ponto de partida 157

EstadodeDireito.Oqueanteseraapenaspodernatural,comoodireitodomaisforte,torna-se,noEstadodeDireito,umpoderlimitadoe,poristo,legítimo,queoEstado somentepodeempregaremcasodenecessidadedelesãodaliberdade.ODireitoimpõelimitesaopoder.Exercepoderláondeénecessário.Àdiferençadoestadodenatureza,oDireitoofereceumestadodeviolênciaprevisível,apenasexercidoemformasestritas.

3. Estado de Direito do cidadão em Kant: controle inalienável do

poder político

Pode-se agradecer à Filosofia doDireito deKant o conhecimento dequeesteestadodeviolênciacontroladasomentedeveserapreciadocomcuidado.Kantindicaoseguinte,queoexercíciodeviolênciapeloterceironeutral“Estado”,somentepodeterafinalidadedeprotegeraquelesquevoluntariamenterenunciaramaosseusmeiosdeviolência.Comadelegaçãodo exercício da violência – insisteKant – não está vinculada nenhumatarefadapróprialiberdade.OEstadovivesomentedaepelaliberdadedoshomens.OEstadoperdesualegitimidadequandodirigeaviolênciaqueexercecontraaquelesquecolocaramumapartedesualiberdadesobsuaproteção.A“invenção”nãodevesedirigircontraseus“inventores”.Nistoresidiriaumacontradição,quedeveriaserexcluídadiretamentepelasideiasdeliberdadeedecontratosocial(Kant,AAVI,315s).OqueKant pensacom isto,permite-se esclarecerquando se representaoContratoSocial,nãosomentecomoconstruçãomental,mascomoDireitopráticoefetivo–algocomoConstituiçãovivida.NaConstituiçãodeumEstado,aideiadoContratoSocialchega,talvez,àexpressãomaisimediata.

a) A perversão do poder na Revolução Francesa: a Liberdade na GuilhotinaIstoeraassimnahistóriadoIluminismo,istoéassimnopresentepolítico.

NahistóriadoIluminismodestacam-sedois exemplos,quetornamclaroquãodiferente a invençãodoContrato Social é traduzida em realidadepolítica. Ambos os exemplos vinculam-se à Revolução Americana de 1776eàRevolução Francesa de 1789.AmbasasRevoluçõesproduziramConstituições que, com todas as concordâncias, também mostravamdiferençasdeprincípionacompreensãodaConstituição.ParaosPaisda

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade158

Constituição americana, o princípio da liberdade era uma realidade jáexistenteeindisponível.AConstituiçãodeveriateremcontaacircunstânciadaproteçãodaliberdade.

SegundoacompreensãodaRevoluçãoFrancesa,aocontrário,primeiroaindasetratavaderealizar“liberdade,igualdadeefraternidade”.Aliberdadeformavaumprogramapolítico.Comoecomquemeiosestesprincípiossedeixavamtranspor,determinavaosoberano–opovo.Asoberaniadopovodominaaconfiguraçãodaliberdadepessoal.Estadiferençaéimportante,etemamplasconsequências(Preuss,1994,35):diferentedaConstituiçãoamericana,nãoexistianada,navisãodosrevolucionáriosfranceses,sobreoqueosoberanonãopudessedispor.OAbbé Sieyèsescreveu,navésperadaRevoluçãoFrancesa:“Independentedomodoqueumanaçãoquer,ésuficientequeelaqueira;todasasformassãoboasesuavontadeésemprealeimaior”(Preuss,op.cit.).

b) Liberdade como bem indisponível no EstadoCom esta frase está ligada uma espécie de teoria da felicidade. O

Estadomodernopareceestarobrigadoaisto,velarpelafelicidadedeseuscidadãos.Estecuidadopode seresmagador, forçado,enfim, tambémdegrandecrueldade.AviradadaRevoluçãoFrancesaparaafasedoterror,queconsolidouaguilhotina,aoladodaDeclaraçãodosDireitosdoHomem,fortemente na memória histórica da humanidade, explica-se com umexageradopensamentodeEstadodebem-estar.Estepensamentoacredita,deummodo fundamental, napromessa da felicidade, de liberdade e igualdade.Tentarealizarestapromessacomquasequalquermeio,aquasequalquerpreço.JálogodepoisdocomeçodaRevoluçãoFrancesa,atríadeda “liberdade, igualdade e fraternidade” se transformou em “liberdade,igualdadeesegurança”,noqueaúltimacomeçouadominarosprincípiosdaliberdadeeigualdade.Quealiberdadelimitaopoderpolíticoeaviolência,quecomelapodeestarligada,nãoeramaisopensamentodominantenocursodaRevoluçãoFrancesa.Nosacontecimentoshistóricosemtornodoanode1789pode-severque,narealidadepolítica,opensamentodeumaliberdade segura é substituído pela aparência de uma segurança apenaslivre.OEstadosereduzàimposiçãodesoberania.Contudo,tambémum

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§ 8 - Liberdade como ponto de partida 159

soberanodemocráticoperdeamedida,quandoécolocadonoseupodercomoabsoluto.

Kant pode ter tido diante dos olhos os acontecimentos históricos naFrança, quando ele reivindica para o Estado a segurança da liberdadepessoal.Reivindicara liberdadenoEstado,comoalgo indisponível,estanecessidade existe precisamente hoje, justamente quando o Estado deDireitosevêameaçadoporgravesperigos.

c) Terror indomado no Estado Democrático de Direito: a Liberdade como vítima da Segurança OquedeveaconteceremumEstadoDemocráticodeDireito,quando

estesevêexpostoagravesperigos?Oqueseria,seoperigoconcretodeumaigualmentegravecatástrofe,comoaconteceuem11desetembrode2001,emNovaIorqueeWashington,tivesseocorridoemsoloeuropeu?OquepodeumEstadoemumatalsituação?Senãosepensaemcategoriasdeumaabstratasegurançadeumpovo,deumsistema,deumasociedadecomo um todo, mas se permanece preso ao pensamento da liberdadeindividual,torna-setambémmaisclaro,doquesetrataquantoàdefesadetaisperigos:daproteção da própria liberdade individual,edaproteçãodosDireitosqueresultamimediatamentedestaideia–primeiro,osdireitos humanos elementaresàvidaeàintegridadecorporal.AconcretaproteçãodosDireitos,queformamabasedeexistênciadoEstado,podetambémjustificarlimitaçõesdaliberdade.Então,pode-sefalardeumdeverdeaçãodoEstado,que resultadosDireitosdo indivíduoàvidaeà integridadecorporal. Este dever de ação se robustece, quanto mais indivíduos sãoameaçadosemseusDireitos.Torna-se,contudo,maisfraco,quantomaisabstrataserepresentaaameaça.Éimportanteinsistirquealiberdadenãodeveserquestionadae,em princípio, não é limitadaporconsideraçõesdesegurança.

Intervenções massivas nos Direitos de liberdade do cidadãopodemserpermitidassomenteentãoenamedidaemqueseunúcleo éimediatamente ameaçadoou lesionado.Preservara ideiade liberdade,nãosacrificá-laaosoberanoadministradordasegurança,nistoconsisteapromessadoContratoSocial.“Pacta sunt servanda”–oscontratosdevemsercumpridos,àserviçodaliberdade.

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III. Antigos e novos Contratos Sociais

1. Novos quadros de referência supraestatais

AguerranoAfeganistão,quefoidirigidacomoreaçãoaosacontecimentosde11desetembrode2001,pelosEUA,pelaOTANepordemaisparceirosdeumpactoantiterror,pôdetornarclaroqueoContratoSocialnoestiloantigo,estáemviasdedissolução.OContratoSocialnoestiloantigoreferia-seaumserdoEstado.EravinculadoàfundaçãoeàexistênciadeEstadosnacionais.EsteantigoContratoSocialestavaconcentradonoexercícioenalimitaçãodopoder,noquadrodeumterritóriovisualmentedelimitado.Estadelimitaçãovisualseperdeu,omundodivididoemEstadosnacionaiseblocospolíticossetornouindistinto.Comisto,tambémofundamentodeDireitoparaumjustificadoempregodepoderalémdoEstado,tornou-seobscuro.

2. Consequências para a liberdade resultantes da situação jurídica global

a) Perigos para a liberdade resultantes de um modelo de Estado global Neste contexto, é de se tomar de novoKant como referência. Ele é,

até agora, o único reconhecível filósofo do Iluminismo que previu asconsequênciasdaglobalização.Emsuasobrasprincipais,sobrea“Metafísicadoscostumes”e“Sobreapazeterna”,aconcepçãodoContratoSocialéaprofundada.

aa)RecusadeumSuperestadodedomíniocentradoKant apontaparaumasituaçãodeDireitodeestilonovo.Estasituaçãode

Direitotorna-senecessária,porquealémdoslimitesdoEstadoconstituído,na relação recíprocadosEstados, tambémna relaçãodo indivíduocomumacomunidadedeEstados,oestadodenaturezacomeçadenovo.ForadoEstado,ameaçanovadesigualdadenadistribuiçãodosmeiosdepoder,comestadesigualdade,tambémdiscórdia.Oqueénecessárioparaescapardeste novo desafio do estado de natureza, sobre isto Kant não pareceinteiramente seguro.Assim,poder-se-ia imaginar, simplesmenteampliaroContratoSocial:érepresentável,deváriosEstadosfazerumEstado,de

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váriosgovernoscriarumGoverno,nolugardeváriosLegisladorescolocarapenasum,deváriossistemasdeJurisprudênciaresultarumsó.Poder-se-ia simplesmente redividir e redistribuirosmeiosdepoder,deumnívelmédioparaumnívelsuperiorcomum.EstecaminhoKant rejeita(Kant,AAVI,350).Por esta rejeição ele foi frequentemente criticado,porquea fundamentação da situação de Direito ameaça tornar-se, com isto,aparentementecontraditória.

bb)ProteçãodeDireitosHumanos,antesnaConfederaçãodeEstadosRepublicanos

Mas Kant receia que um Contrato Social supraestatal acarrete umaexcessiva concentração dos meios de poder em uma única mão. Estaconcentração,assimseustemores,nãosedeixamaiscontrolar.Aliberdadeno Estado, que Kant reivindica, não se deixa garantir suficientementeno quadro de um supercontrato Social. Em vez disso, para garantia daliberdade e da paz, Kant quer estabelecer a Confederação dos Estados,comoumacooperaçãodeRepúblicasdemocraticamenteorganizadas.NolugardeumSuperestado,queameaçariaaliberdadedoindivíduo,propõeKant aliberdadedoindivíduoque,comocidadãodoMundo,melhorpodeseafirmaremfacedoEstado,naConfederaçãodeEstadosRepublicanos.AConfederaçãodeEstadosRepublicanosé,naperspectivadeKant,umcomplementonecessárioparaproteçãodaliberdadedoindivíduo.

NabuscadaquiloquevaleparaalémdoEstado,queévinculante,quehomens e poderes reciprocamente partilham, encontra-se a ideia dos Direitos Humanos.Estesdireitoshumanos–comoprodutosdaliberdade–sãoindivisíveise,paraEstadoseoutrospoderesglobais,indisponíveis.DireitosHumanos indivisíveis e indisponíveis são as diretrizes do novoContratoSocial.EmtornodestesDireitosHumanosagrupa-seumquadroestatal, sobretudo também da comunidade mundial, que os protege epermiteoseudesdobramento.

b) Exigências ao novo Contrato Social na Confederação Republicana de Estados: a inviolabilidade da liberdade

Como parece este quadro, que o novo Contrato Social estabelece?PositivaçãodoDireitoalémdoEstadoérealidadehámuitotempo.Elaé

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade162

configuradaporchancelariasdeadvogadosoperantesinternacionalmentee empresas multinacionais. Negócios jurídicos entre bancos e grandesempresasseguemsuasprópriasregras.Estasregrassãonegociadasentreosparticipantes,oEstadoquasenãotemforçaprópriadeconfiguração.Kantconfiounesteprocessoparagarantirumapazduradoura.O“espírito de negócio”–assimsuaformulação–torna impotente o Estadoe,assim,éagarantia para a paz (Kant,AAVIII,368).

OEstadonãodeveserreprimido,contudo,apenasmedianteprocessoseconômicos, mas também mediante a inviolabilidade dos Direitos Humanos,válidosemgeral.Nãoapenasquestõeseconômicassesubtraemde sua força de configuração, mas os próprios homens precisam, commaiorrazão,poderescapardesuaintervenção.Vê-seque,nosúltimosanos,crescentesignificaçãoéatribuídaàrealizaçãodosDireitosHumanos.Vê-seestasignificação,sobretudo,quandosetratadecastigarlesõesdeDireitosHumanos.Nestecaso,trata-sedesituaçõesemqueosEstados,comseusaparatos–administração,exército,serviçosdesegurançaeserviçossecretos– pisoteiam sistematicamente os Direitos Humanos. Wolfgang Nauckecunhou,paraesta situação,oconceitode“criminalidade reforçada do Estado” (Naucke, 1996). Herbert Jäger fala de “macrocriminalidade”(Jäger, 1989) e significa, com isto, a mesma situação de graves lesõessistematicamenteorganizadasdeDireitosHumanos.

3. Sobre a realização internacional dos Direitos de Liberdade e dos Direitos Humanos

As Nações Unidas criaram, com osTribunais da Iugoslávia e Ruanda,formas jurídicas que assumem estas lesões de Direitos Humanos, atécom os meios do Direito Penal. Esta linha continua com o Tribunal Penal Internacional.OEstatutodeRomade17.07.1998,que fundouoTribunal Penal Internacional, torna claro: a liberdade do indivíduo étãovaliosa,queaslesõesdedireitosindividuais,queresultamdaideiadeliberdade, precisariam ser jurídico-penalmente perseguidas em todos oslugaresdomundo.NonovoContratoSocial,ainviolabilidade daliberdadeédefendidacontrapossíveisabusosdopoderestatal.

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§ 8 - Liberdade como ponto de partida 163

Naverdade,seriaumamácompreensãodo“novo”ContratoSocial,sealguémpretendessededuzirdeleaautorização para intervenções armadasemoutrosEstados.DireitosHumanosnãolegitimamnenhumaguerra–emtodocaso,nãoaquelasquesãodirigidascomintençãopreventiva,paradescobrir supostos terroristas ou arsenais de armas.As guerras contra oIraque,oataquedaOTANcontraaIugoslávia,aguerranoAfeganistão:a concentração das “marchas armadas” nas últimas décadasmostra quecresceuadisposiçãoparaoempregodaviolência,nasrelaçõesinternacionais.Agentequasejáseacostumoucomisto,queguerrassãoconduzidasemintervalosregulares–tambémcomparticipaçãoalemã.Comisto,chega-seaperderavisãodequeaviolênciadeveserapenasúltimorecursoparaprotegeraliberdadeindividual.Então,elaparececomolegítima,quandosedevereagircontragraves lesões de Direitos Humanos.

Estaestreitaescala,naqualaviolênciatambémpodemover-separaalémdoEstado,nãodeveserabandonada.Seforabandonada,nasceumestadodeinsegurança,quenãoestariaemharmoniacomasideiasdeliberdadee de Direitos Humanos. Os Direitos Humanos afirmam a liberdade em face do Estado – em qualquer lugar do Mundo: eles instituem segurança.Comistoépensadaasegurançadesereshumanosfracosdiantede umEstado forte, frequentemente doloroso interventor. Em face dasintensificadasexperiênciasdeguerra,emdiferentesregiõesdoMundo,éprecisofazer-sesempredenovoconscientedestaorientação de valor.

B. Experiências históricas com o Estado de segurança devorador da liberdade

ParaquemalegitimaçãofilosóficadaoutorgadeliberdadepeloEstadoépoucorobusta,estepodeencontrarumaorientaçãoempíricanahistória europeia de negação da liberdade e o desenvolvimento dos DireitosHumanoscomesta relacionado,comogarantiasde segurançadiantedoEstado.

Houvesempremomentoshistóricosnosquaisestereconhecimentoeraevidente.ExemplosparaestesmomentoshistóricossãoofinaldaSegunda

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade164

GuerraMundial e a queda daCortina deFerro, nofinal da década de80doúltimo século.ADeclaraçãoUniversal dosDireitos doHomem,maistardeaConvenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH),sãoimportantesdocumentosdeliberdade.Elesretiramsualegitimidadenãosomentedesuas ideias,masdasmassivasexperiências de injustiçasdeindivíduosesociedadesinteiras,queforamconfrontadoscomacompletaperdadaliberdade.

Os exemplos da República de Weimar, do nacional-socialismo naAlemanha, do fascismo de Franco na Espanha, da ditadura de SalazaremPortugal,doregimedecoronelismonaGréciaeastentativasdeumsocialismoautoritáriodeEstadonoLesteeuropeu, formamum fundus europeu para as experiências com a perda de liberdade (compare, emdetalhes,Albrecht,2003,28-39).Nelespode-severoquesignificaexpandirasegurança deumEstado sobre as costas dos direitos de liberdade do indivíduo.Destesexemplospode-seaprendercomoaliberdadedeveserprotegida,equeasegurançasozinhanãopodesernenhumaboaconselheira.Aprenderdestesexemplos–istotambémseriaumbomcomeçoeuropeuparaumDireitoPenaldaliberdade.

C. Liberdade mediante segurança: antítese do Iluminismo europeu

I. O “direito fundamental à segurança” como figura política artificial

Adiscussãopolíticapormaissegurançaéacompanhada,desdemuitotempo, por uma figura jurídica artificial. Esta figura artificial apoia adinâmica política da discussão de segurança. Com auxílio desta figuraartificial, é rejeitada a ideia de liberdade como fundamento do Estado.Comistonasceuo“direito fundamental à segurança”.Estedireito tem,entretanto,suaposiçãofirmenadiscussãogeraleuropeiasobreDireitodePolíciaeDireitoPenal.TambémaEuropol faladeum“direitoeuropeufundamentalàsegurança”,comoindiscutível(Petri,2001,125).Umtaldireitofundamentalserianecessárioparaprotegerocidadãodaviolênciadeoutroscidadãos.

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§ 8 - Liberdade como ponto de partida 165

1. Dever de ação estatal como mandamento do Contrato Social

Neste contexto, a referênciadedireito fundamental é falsa,porqueodeverdesegurançaestataljáresultasomentedoContratoSocial.Pertenceà essência do Contrato Social dispor de meios para reagir à violência,quepodesurgirentrecidadãos.OEstado,queéfundadopeloContratoSocial, é obrigado a proteger os direitos de liberdade de seus cidadãos.Distoemergemdeveresdeação,quepodemsurgiremcadaperigoparaa liberdade individual e coletiva. A Jurisprudência doTribunal FederalConstitucionalrefleteestarelaçãodeproteçãodaliberdadeedeverestataldeação.Odeverdeaçãosefortalece,quantomaisconcretoéoperigoequantomaisvaliosoéodireitodeliberdadeameaçado.

2. Direito fundamental à segurança = segurança do Estado

Este dever de ação para o bem da liberdade do ser humano nãosignifica,contudo,o“direitofundamentalàsegurança”.Aocontrário,esteécompreendidocomoumareclamável totalidade de todos os deveres de proteção estatal(Isensee,1983,33;comparetambémCallies,2002,1s.).Deveformarumconscienteantagonismoàfunçãoorigináriadosdireitosfundamentais,queerampensadoscomodireitosdedefesacontraopoderestatal.Neste antagonismo reside o problemadodireito fundamental àsegurança:• Desvinculadaideiadeliberdade,acompreensãodeumEstadoseguro.

AopróprioEstado é atribuída a segurança, comovalor abstrato, quepode se dirigir contra o indivíduo.A segurança doEstadonão servemaisàliberdadedoserhumano,maspreponderasobreesta.Elapodepreponderarsobrealiberdade,porqueopróprioconceitodesegurançaécintilante.

• Pode-se compreender a segurança, não somente como a proteção docidadãodiantedeabusosdeoutros,mastambémcomoatranquilidade psíquicadepodersemovimentaremliberdade,sobretudo.Segurançaéoestadodeumasociedade,constituiapropriedadedetodoumsistema.Se existe umdireito fundamental à segurança, então resulta tambémdistoqueoestadodasociedadeouapropriedadesistêmica,comotal,

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade166

deveserafirmada.OEstado, a sociedade ou o sistema como um todopodem, então, se dirigir contra o ser humano individual. Direitosfundamentais não constituem mais quaisquer pretensões de defesa,quesepoderiamdirigircontraopoderdoEstado,dasociedadeoudosistema.De um direito fundamental à segurança deste tipo deixa-se deduzir,

mesmo, uma pretensão do Estado ao seu cidadão, de se comportar legalmente.Nistoresideamaisradical inversãodarelaçãoentreEstadoecidadão.Nistoreside,aomesmotempo,tambémomais fundamental equívoco na relação entre liberdade e segurança. Nisto reside o maisgrosseirodesprezodeexperiênciashistóricascomafunçãodopensamentodesegurançanos–acimadescritos–autoritáriosordenamentosdeEstadodaEuropa.Seasegurançasetornaumdireitofundamental,entãoameaçaoperigodiantedoqualKantalertou.OEstado,quesomenteexisteporcausaeapartirdaliberdadedeseuscidadãos,começa a se voltar contra seu “inventor”.Ondea segurançadeve sergarantida, trata-sede evitartambémomenor“riscohumanoresidual”,deeliminá-lo.Osinventoresdafiguraartificial“direito fundamentalà segurança” inflama segurançaa um “superdireito fundamental”. Assim, a destruição da liberdade éteoricamenteescoltadaegarantida.AfiguraartificialajudaaartedaPolíticaarepresentar,deformapopulista,oesvaziamentodosdireitosdeliberdade.

II. Tríade necessária: liberdade, segurança e Contrato Social

No debate sobre o chamado direito fundamental à segurança restaalgosempreaconsiderar:nãosepodeperderarelaçãoentreliberdade,segurança e Contrato Social. Esta relação é confirmada pelo conceitode “security”, naConvençãoEuropeia deDireitosHumanos (art. 5°, capítulo 1 CEDH).Láasegurançainternadetodoumserestatalnãoé tomada em referência, mas é empregado o conceito de segurançacomoafilosofia iluministapretendiacompreendê-lo.Láé significadaasegurança pessoal do ser humano em face de intervenções estatais.

Mantendo-se sempre em vista a relação entre liberdade, segurança eContrato Social, tambémfica claroquenão existenenhuma verdadeiranecessidade,materialmentejustificada,paraumprópriodireitofundamental

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 167

àsegurança.Afirmando-sedeveresdeproteçãodoEstado,seenamedidaem que a liberdade pessoal de seres humanos está em perigo concreto,imediatamenteameaçadaou lesionada,nãohánenhumanecessidadederecurso à figura artificial do direito fundamental de segurança. Se umdireitodeliberdade,emumaconcretasituação,reclamaporintervençãoestatal,entãoomandamentojurídico(-constitucional)ésuficiente(Petri,2001,127).

D. Princípios do Direito Penal como fundamentos da liberdade constitucional

NoprincípiodetodafundamentaçãodoDireitoPenalestãoliberdade,dignidadedapessoahumana edireitosuniversaisdohomem.Estes sãoos caracteres centrais também do novo Contrato Social. Sobretudo: oDireitoPenalnãoénenhumremédiouniversaldosinteressesdesegurançaestatais,masprotegeossúditosdoDireitocontraintervençõesestatais,naáreanucleardaliberdadeedadignidadedapessoahumana–noEstadoealémdeste.Somenteassimsedeixacumprir,demodolegítimo,suatarefacentraldeindicaraslesõesdoDireitomerecedorasdepena,comoinjustonuclear,edesancioná-lasemconformidadecomaJustiça.Osprincípiosseguintes,quesãoapresentadosnapróximaseção,sãoformasdeproteçãoda liberdade,queprecisamsertransferidasparaoDireitoPenal.Apenasum tal legitimado Direito Penal liberal é Direito Penal do Estado deDireito–semdúvida,altamentefrágil.Deve-seprotegê-lo,nalegislaçãoenaaplicaçãodoDireito.

§ 9. Os Princípios do Direito Penal: formas protetoras do Direito Penal do Estado de Direito

Literatura: Albrecht, P.-A., Zur sozialen Situation entlassener “Lebenslänglicher”, 1977;Albrecht, P.-A., Die vergessene Freiheit – Strafrechtsprinzipien in der europäischenSicherheitsdebatte, 2003; Asbrock, B., Zum Mythos des Richtervorbehalts, KritV 1997,255 s.; Backes, O./Gusy, C.,Wer kontrolliert dieTelefonüberwachung? – Eine empirischeUntersuchung zum Richtervorbehalt bei der Telefonüberwachung, 2003; Baltzer, U.,Die Sicherung des gefährlichen Gewalttäters – eine Herausforderung an den Gesetzgeber

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade168

-, 2005; Brüner, F.H./ Spitzer, H., Der Europäische Staatsanwalt – ein Instrument zurVerbesserung des Schutzes der EU-Finanzen oder ein Beitrag zur Verwirklichung einesEuropasderFreiheit,derSicherheitunddesRechts?,NStZ2002,393,397;Hassemer, W.,Die“FunktionstüchtigkeitderStrafrechtspflege”–einneuerRechtsbegriff?,StV1982,275s.;Jescheck, H.-H.,DasSchuldprinzipalsGrundlageundGrenzederStrafbarkeit, in:Lahtiet.al.(editor),StrafrechtstheorieimUmbruch–FinnischeundvergleichendePerspektiven,1992,p.318 s.; Jescheck, H.-H., Lehrbuchdes Strafrechts –AllgemeinerTeil, 5 ed., 1996;Macke, P.,DiedritteGewaltalsBeutederExekutive,DriZ1999,481s.;Mackenroth, G.W.,FremdeFedern,in:FAZde1°agostode2002,p.10;Materialheftzum25.Strafverteidigertag2001, 147 s.; Marxen, K., Medienfreiheit und Unschuldsvermutung, GA 1980, 365 s.;Naucke, W.,DieKriminalpolitikdesMarburgerProgramms1882,ZStW94(1982),525s.;Naucke, W.,ÜberdieZerbrechlichkeitdesrechtsstaatlichenStrafrechts,KritV1990,244s.;Naucke, W.,Die strafjuristischePriviligierung staatsverstärkterKriminalität, 1996;Naucke, W.,EinelebloseVorschrift:Art.103IIGG,KritV2000(Sonderheft–WinfriedHassemerzumsechzigstenGeburtstag),132s.;Naucke, W.,Strafrecht,EineEinführung,10ed.,2002;Radbruch, G.,GesetzlichesUnrechtundübergesetzlichesRecht,SJZ1946,105s.;Riepl, F.,Informationelle Selbstbestimmung im Strafverfahren, 1998; Rzepka, D., Zur Fairness imdeutschenStrafverfahren,2000;Schmidt, EB.,EinführungindieGeschichtederdeutschenStrafrechtspflege,3ed.,1965;Stern, K.,ZurEntstehungundAbleitungdesÜbermassverbots,in: Wege und Verfahren des Verfassungslebens – Festschrift für Peter Lerche zum 65.Geburtstag,1993,p.165s.

Se oDireito Penal é uma ordem de coação limitada por princípios,então a análise criminológica do Sistema de Justiça Criminal tambémdeveriaseorientarporestesprincípios.Osprincípios do Direito Penaldevemserlidos,nestaposição–introduzindoa2ªParte–,comométodopara a aplicação do Direito (compare, com outros detalhes, Albrecht,2003).Estemétodocontémumpotencialdereflexãonormativo,quenemaCriminologiatradicional,nemaCriminologiaautônomapodempassarporcima,seestasnãoqueremcolocaremquestãodireitossubjetivos.Estesprincípiossão,aomesmotempo,aescalacrítica,peranteaqualprecisamresponderoLegislador,oaplicadordoDireito,aciênciadoDireitoPenaleaCriminologia.Quandoseignoraestaescala,existeoperigohistoricamentecomprovado de exercício incontrolado do poder pelo Estado e pelasociedade.Poristo,aCriminologiatradicionaleaCriminologiaautônomatêmdetomarconhecimentodosprincípioscentraisdoEstadodeDireitoederespeitá-loscomoformasprotetorasperantea intervençãojurídico-penal.

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 169

A. O princípio da legalidade penal como fundamento da liberdade constitucional

I. A ideia

OsignificadocentraldalegalidadepenalparaalegislaçãoeaplicaçãodoDireitodeixa-seesclarecernoseguinteexemplo:

Oqueacontececommanifestantesquebloqueiam,emposiçãosentada,um depósito militar, para assim deter veículos? Este caso mobilizou aJustiçapenalnosanossetentaeoitentadoséculo20,emfacedosprotestosdoMovimentodePaz.Lá,ondeoprotestopolíticosemanifestanaformadebloqueiossentados,coloca-se,tambémnaatualidade,sempredenovoestaquestão.Eraeédesedemonstrar,seestecomportamentopreencheotipopenaldoconstrangimentoilegal(§240,CP).Istopressupunha,naverdade,queosimplesfatodeestarsentado,vinculadocomnenhumaoutraatividade, representaviolênciano sentidodoCódigoPenal.OTribunalFederal Superior afirmou isto (BGHSt 23, 46 s., denominada sentençaLaepple;compare,contudo,BGHSt41,182s.,chamadaJurisprudênciadesegundalinha):sobreaquelequenãopoderiacontinuaradirigir,porcausadeummanifestantesentado,seriaexercidaumapressão psíquica,que seria algo como violência e, por isto, também poderia ser punidacomoconstrangimentoilegal.Asoluçãodoproblema–sepressãosobreapsiqueé“violência”,nosentidodo§240CP–dependeessencialmentedoseguinte,oqueseentendeporlegalidadepenalecomosedeterminaseualcance.

1. Nullum crimen, nulla poena sine lege

Umfatosomentepodeserpunido,seapunibilidadeestavalegalmentedeterminada antes que o fato fosse cometido (art. 103, capítulo 2,Constituição).AlegalidadepenaléoprincípiocentraldoDireitoPenal.Com a legalidade penal começa oDireito Penal legítimo, limitador dopoderdoEstado.“Nenhumapenasemlei”(nullumcrimen,nullapoenasine lege) –, assim diz a fórmula abreviada da legalidade penal. ElarepresentaaconquistamaisfundamentaldeumDireitoPenalesclarecido,

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade170

modernoedeEstadodeDireito.AmensagemdalegalidadepenalconsistenalimitaçãodopoderenaproteçãodaliberdadepessoalemfacedoEstadopunitivo.Contrato Social e legalidade penal estão vinculados de formainseparável.AlegalidadepenalapenaspodeserealizarnolivreEstadodeDireitoDemocrático.EstaéprodutodeprincípiosdoEstadodeDireitoepodesercompreendidacomoconsequêncianecessáriadademocraciaedadivisãodepoderes.

2. Componentes formais e materiais

Alegalidadepenalpossuidoissignificadosimportantes(Naucke,1990,244,246s.):umformal,quedizrespeitoaoprocessodelegislaçãopenal,eummaterial,quedesignaoqueparecepropriamentedignodepena.

a) Significado formalOsignificado formaldalegalidadepenalconsistenisto,quenacriação

de leis penais condições procedimentais precisam ser observadas. Alei penal somente pode reivindicar legitimidade, se foi suficientementediscutida e votada pelo Parlamento. Uma tal discussão pressupõe umpúblico informado, que se conscientiza dos efeitos do Direito Penal.Alémdisso,precisaexistirpossibilidadesdeparticipaçãoparaoaplicadordoDireito,mas sobretudoparaosdestinatáriosda leipenal.Avotaçãode uma lei penal precisa ser bem refletida, sobretudo pensada em suasconsequências.Transformandoestesignificadoformaldalegalidadepenaltambémnumafórmulaabreviada,entãoestaprecisadizer“nenhumapenasemleiparlamentar”.

b) Significado materialQuando se pergunta pelo significado material da legalidade penal,

então resultam tambémdisto limitações para oEstado– o conceitodeDireito Penal cunhado por Naucke empresta a estes limites expressãofigurativa, como “direito de limitação do combate da criminalidade”(Naucke,1982,564).Estenãopodesimplesmenteconsiderarcomopuníveltudo que infringe regras ou interesses, tudo que pode ser perturbadorou perigoso. Um talDireito Penal ilimitado representaria uma ameaça

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 171

para a liberdade e, alémdisso, seria totalmente ineficazpara aproteçãoda liberdade individual. Ao contrário, este necessita de uma especialreferênciaàliberdade.Apenasalesãodeespecíficosdireitosdeliberdadedooutro(dignidadedapessoahumana,liberdadedevontade,direitoàvidaeintegridadecorporal),noseunúcleo,justificaaintervençãodoDireitoPenal.

c) Garantia de perpetuidade Masoart. 79, capítulo 3, da Constituição,tambémimpõelimites

absolutosaoEstado.UmacriminalizaçãoqueafeteadignidadehumanaéproibidapelaConstituiçãoaoEstado,demodopermanente.Oart.79,capítulo3,daConstituiçãoconstitui,mesmoemrelaçãoaoLegislador,umlimiteintransponível,quandomedidaslegislativaslesionamadignidadeda pessoa humana. Esta“garantia de perpetuidade” representa, paraaPolíticaeparaoEstado,olimiteabsolutodesuasatividadespolítico-criminais.Adignidadedapessoahumana eoEstadoDemocráticodeDireitosão,naRepúblicaFederaldaAlemanha,indisponíveisparatodos.

d) Critério da Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH)Finalmente, lesões de direitos humanos, que podem ser causadas

sistematicamente por todo e qualquer Estado, provocam a atuação doDireitoPenalparaalémdoEstado.Nalesãodedireitoshumanostorna-se visível o que pode significar dignidade penal. O Legislador precisadeixar-semedirporestegraude lesãodoDireito,seafirmaadignidadepenal de um comportamento lesivo do Direito. Com isto, mostra-sequealegalidadepenalnãorepresentasomenteumprincípiolimitadoaoEstado,mas–especialmenteemseucomponentedeconteúdo–tambémpode reivindicar validade em todaEuropa e em todooMundo. Isto setorna claro na interpretação do art. 7°, seção 1 CEDH, peloTribunalEuropeudeDireitosHumanos, segundoaqualviolaçõesestataiscontraadignidadedapessoahumana, independentede tempo, lugar emodo,sempre representam injusto merecedor de pena (EGMR NJW 2001,3035).OTribunalEuropeuimpôs,porestemeio,umcritérioirremovívelepermanenteàPolítica,quedevesermantidoemvista.

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade172

II. O princípio da legalidade (art. 103, capítulo 2, Constituição) e suas manifestações

Na práxis do Sistema de Justiça Criminal, a ideia da legalidadepenal encontra aplicação mediante quatro componentes. Estas quatromanifestaçõesconcretizamasexigências,queestãoligadascomalegalidadepenal,emumDireitoPenaldoEstadoDemocráticodeDireito.Distingue-se o mandado de determinação, a proibição de analogia e de Direitocostumeiroeaproibiçãoderetroatividade.

1. Mandado de determinação (lex certa)

Esta manifestação do princípio da legalidade obriga o Legislador àprecisão na formulação da lei. Em especial, deve ser previsível para odestinatáriodanorma,quaisaçõesaleicriminalizacomodesviantesequalsançãoestávinculadacomodesviodanorma.Semumaprecisadescriçãode uma ação penalmente típica, não se pode falar de comportamento“criminoso”,nosentidojurídicoprofissional.

a) Critérios de previsibilidade e determinaçãoUmexemploparaoexigidocritério de previsibilidade,comoparte

integrantedoprincípiodadeterminação,ofereceaJurisprudênciadaCorteFederaldeJustiça,de22dejulhode2004.Objetoeraa interpretaçãodeumadifusaescolhadepalavrapeloLegisladornaLeiTributária,dereduçãode imposto“emgrandeextensão”,queoLegisladorpenalizoumesmocomocrime.ACorteFederalde Justiça advertiuoLegislador,em matéria penal: “Não se pode reconhecer sob quais pressupostosesta característica típica é preenchida (...). Por esta constatação não éperceptívelcomoodestinatáriodanorma,medianteinterpretação,deveverificareconcretizaraextensãoeaáreadeaplicaçãodotipodecrime”(BGH 5StR85/04=BGHNJW2004,2990s.).

b) Validade para o tipo penal e para a ameaça da penaO mandado de determinação legal vale não somente para o tipo

penal,mas tambémpara a ameaçapenal: “Apenaprecisa, comoreação

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 173

soberana reprovadora do injusto criminal culpável, ser determinadanormativamente pelo Legislador parlamentar, em espécie e medida, asançãoameaçadaparaumaviolaçãocontraumanormapenalprecisaserprevisívelparaodestinatáriodanorma.”Comestaspalavras,oTribunalFederalConstitucional(BverfGE105,135s.)eliminoudalei,empoucaslinhas,anormapenalpatrimonialdeinsuperávelindeterminação(§43a,CódigoPenal),depoisque,previamente,todososTribunaisconsultados,atémesmoaCorteFederalde Justiça,oMinistérioEstadualde Justiça,oProcuradorGeraldaRepúblicaeoMinistérioFederaldeJustiça,nadativeramaobjetarcontraestanorma.

2. Proibição de analogia e de Direito costumeiro (lex stricta e lex scripta)

a) Literalidade como limite de interpretaçãoAproibiçãodeanalogiadirige-seaoaplicadordalei,elheproíbedeclarar

umaaçãocomopunível,quenãoestádefinidaemlei.Significa,emgeral,queumaaçãonãopodeserpunidaporqueésemelhanteaumaoutraaçãodescritaemumalei.

Diz-seque,emtodaaplicaçãodeleispenais,opossívelsentido literal da leimarcao limite extremo da interpretação.Oquepodeserosentidoliteraldeumalei,deveserdeterminadoapartirdaperspectivadocidadão.Olegisladorprecisasedeixartomarpelapalavra,queeleproferiunadefiniçãodocomportamentopunível.Umaprecisadelimitaçãoentreinterpretaçãopermitidaeinterpretaçãonãopermitida,ouseja,interpretaçãoexcedentedopossívelsentidoliteraldalei,édifícil.Emváriasdecisões,oTribunalFederal Constitucional tentou solucionar o problema dos bloqueios emposiçãosentadaacimadescrito(BverfGE73,206s.(Mutlangen);92,1,14s.),emque,finalmente,ochamadoconceitoespiritualizadodeviolênciafoiavaliadocomoinfraçãocontraaproibiçãodeanalogia.

aa)Exemplodosbloqueiossentados(§240CP)O puro e simples inativo estar sentado não representa nenhuma

violência.Nãobastariaque,comisto,apenasestivesseligadaumapressãopsíquicasobreocondutordeumveículodepassageiros.Paraaviolência

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade174

jurídico-penalmente relevante énecessário,pelomenos,ummínimodedesdobramentodeforçacorporal.Docontrário,existiriaoperigodequeaviolência,queoDireitoPenalcolocasobpenanotipodeconstrangimentoilegal, não possamais claramente se diferenciar das coações cotidianas,tambémestruturais,àsquaistodos,emquasetodotempo,estãoexpostos.Segundo isto, os bloqueios sentados não eram, fundamentalmente,nenhumconstrangimentoilegal.

bb)Dirigirembriagado(§316CP)A função garantidora da liberdade da proibição de analogia torna-se

clara, emmuitaspequenas situações, aparentemente insignificantesparao leigo do Direito. O tipo legal de embriaguez no trânsito pressupõe,por exemplo, que o “embriagado” dirige um veículo. Apenas, o quesignificadirigirveículo?Ocarroprecisaestaremmovimento,precisateralcançadovelocidadedepedestre,bastaapenasacionaromotor?Emfacedaproibiçãodeanalogia,aCorteFederaldeJustiça (BGHSt35,390s.)rejeitouconsiderarapartidadomotorjácomoadireçãodeumveículo.Istorestringealeipenalàmedidaprevisívelpelocidadão.

cc)Furtodeenergiaelétrica(§248cCP)OsignificadopráticodaproibiçãodeanalogianaAlemanharemonta

atéoImpériodoKaiser.Láseintroduziuotipopenaldofurto de energia elétrica(§248cCP).Hojeestanormaperdeutodosignificado.Naqueletempo,eraumimportanteprogressodoEstadodeDireito.Seenergiaalheiaerasangrada,istonãoeranenhumfurto,segundoaJurisprudênciadoTribunaldoImpério:umacoisaéumobjetocorpóreo,eletricidadenão.Assim,nocasoqueoTribunaldoImpériotinhadedecidir(RGSt29,111 s.), chegou-seaumaabsolvição.A isto,oLegisladorprecisoureagir.Nesta reação residiuumanecessária reverência ante aproibiçãodeanalogia.

b) Direito CostumeiroAlémdisso,oart.103,capítulo2daConstituição,contémaproibição

deconstituirdireitocostumeiroemprejuízodossúditosdoDireito.Pordireito costumeiro entende-se o constante emprego de juízo, que nãoencontranenhumfundamentonalei(Naucke,2002,p.68).

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 175

3. Proibição de retroatividade (lex praevia)

A proibição de retroatividade tem em vista, do mesmo modo, oLegislativo,oExecutivoeoJudiciário.OLegisladornãopodeestabelecernenhumaleipenalposterior,quandotomaporpunívelumdeterminadocomportamento,mas este comportamento ainda não era punível.Umaaçãoimpunívelaotempodofato,tambémnãopodesersancionadacompena, posteriormente, pelo Juiz penal. Reiteradamente a proibição deretroatividadeestánopontocentral,quandosetratadecontrovérsiascomopoderestatal.Seusignificadosedesenvolveemduasdireções.

a) Lex van der LubbePorumlado,quandosãoosEstadosautoritários,nãotêmescrúpulos

em punir, também posteriormente, comportamento politicamentedesaprovado.Arupturadaproibiçãoderetroatividadeéfirmecomponenteda práxis do Estado autoritário. Em todos os regimes ditatoriais daEuropa, comFranco, comSalazar, comos coronéis gregos, a proibiçãoderetroatividadefoidesprezada,quandoistoerapoliticamenteoportuno.Triste celebridade alcançou na história alemã a chamada “Lex van derLubbe”,de1933(RGBl.1933Ip.151:“As prescrições de 28 de fevereiro de 1933 também são aplicadas aos fatos que foram cometidos entre 31 de janeiro e 27 de fevereiro de 1933”)–umaleicomaqualsetornouposteriormentepossívelaplicarapenademortecontraMarinus van der Lubbe,suspeitodeincendiaro Reichstag.

b) Guardiães do MuroPoroutrolado,aproibiçãoderetroatividadealcançasignificadolimitado,

quandosetratadefatosqueestãoemrelaçãocomapráxisautoritáriadoEstado.Tantonocasodosnacional-socialistas,comotambémapósocolapsodaDDR, foi invocada a proibição de retroatividade, quando se trata doempregodoDireitoPenalcontraoEstadoeseus“voluntáriosexecutores”.NocasodosGuardiãesdoMuro,ospositivadosfundamentosjustificadoresdo Direito da DDR não devem mais ser aplicáveis, por causa de umaevidentee insuportávelviolaçãocontraelementarmandamentodeJustiçaecontradireitoshumanosprotegidospeloDireitodosPovos(BverGE95,

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade176

96,127–casoKrenzeoutros), sobfundamentaçãodachamadafórmulaRadbruch: segundoesta,oconflitoentreJustiçaesegurançajurídicaédeseresolverassim,“queoDireitopositivo,garantidopelanormaepelopoder,tempreferênciatambémquandoématerialmenteinjustoeinadequado,anãoserqueacontradiçãodaleipositivacomaJustiçaalcanceumaextensãotãoinsuportável,quealeideve,como“direitoincorreto”,cederàJustiça.”(Radbruch,1946,105,107).

EmrelaçãoaoqueWolfgang Nauckedefinecomo“criminalidadereforçadadoEstado”,naperspectivadoTribunalEuropeudeDireitosHumanos,a proibição de retroatividade mostra-se como simplesmente inaplicável(EGMRNJW2001,3035s.–casoKrenz eoutros).Alegalidadepenalé, portanto, expressão de um Direito que se mostra sensível diante daimpotênciadavítimadacriminalidadereforçadadoEstado.Alegalidadepenal toma distância do Estado. Punir a “criminalidade reforçada doEstado”nãofere,portanto,aproibiçãoderetroatividade,mascompletaaratio limitadoradopoderdoEstado,destaprescrição(Naucke,2000,132s.).

III. Resumo: legalidade penal como tradição do Direito europeu

Todos os componentes mencionados fundamentam a função dalegalidade penal de proteção da liberdade. Todos disciplinam o poderestatalemdiferentessituações,ondeénecessário.Todosgarantemespaçosdeliberdadeetornamclarocomosãoinfiltráveisestesespaçosdeliberdade,e onde se invade sem permissão os espaços de liberdade dos outros. Alegalidadecriagarantias,impõelimites,possibilitaàliberdadeseumaiorempregopossível.Assimvista,alegalidadepenalinstituitambémsegurança.

Oprincípiodalegalidadeprotegeocidadãoemfacedaarbitrariedadedo Estado. Os fundamentos teóricos desta proteção, que retiramos dafilosofiadoIluminismo,jáforamdescritos.Alegalidadepenaléimediataexpressão destes fundamentos. A relação entre liberdade e legalidade,emMontesquieu,eradireta.Kantpodepensaraleipenalsomentecomogarantia da liberdade pessoal.Também comCesare Beccaria a teoria doDireitoPenalapanhaarelaçãoentreliberdadeeleipenal.Somenteasleis–assimBeccaria(citadoconformeSchmidt,1965,218)–podemdeterminara pena, nenhum funcionário. O Juiz penal deveria também apenas

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 177

aplicar estas leis, pois somente odomínioda lei preservaria a liberdadedo cidadão.Os séculos 18 e 19 estão, em todaEuropa, também sobosignodatransposiçãodestarelaçãodegarantiadaliberdade,limitaçãodopoderelegalidadepenal.Nestaépoca,foiformuladaumareivindicaçãodelegalidadepenal,pelaqualarealidadepolíticaprecisariadeixar-semedir.Contudo,não sepode iludir: esta realidadepolítica fracassa, sempredenovo,diantedas reivindicaçõesque a liberdade e a legalidadepenal lhepropõem.Mastambémnãosedevefingirqueaideiadalegalidadepenalseria negada com isto, apenas porque as relações não são assim, comodeveriamser.OfracassodaPolíticanãoprejudicaareivindicação,apenasestimulaaformularereclamar,sempredenovo,osprincípiosdaliberdade.

B. O princípio da culpabilidade como limitação do poder de punir

I. O princípio da compensação de culpabilidade como limitação do poder de punir

1. Jurisprudência constitucional e culpabilidade

Oprincípio da compensação de culpabilidade forma, também aindahoje,ofundamentodoDireitoPenal.Istosepermiteevidenciar,deformaimpressionante,pormeiodeumexemploatual:

O Tribunal Federal Constitucional verificou, com a decisão de 20.03.2002(BverfGE105,135s.),queanormado§43aCP,éinconstitucional.Aprescriçãopermitia,ao ladodepenaprivativade liberdade“demaisdedoisanos, sentenciarao pagamento de um valor em dinheiro, cujo máximo é limitado pelo valor dopatrimônio do autor (pena patrimonial)”. O Legislador e todas as instituiçõesparticipantesnãopuderamreconhecernestanormanenhumadúvidadignadecrítica.Demododiferente,oTribunalFederalConstitucional.Decidiuqueoprincípiodaculpabilidade determinaria que a consequência jurídica ameaçada para um fato,precisariaestarnumarelaçãoadequadacomo injustodo fato. IstosignificaqueoLegisladorprecisaproporumamoldurapenalque,emrelaçãoaoslimitesinferioresuperiordapena,nãopossaconternenhumespaçodejulgamento.Uma“moldurapenal ilimitada” – como era esta vinculada com a pena patrimonial – não podeexistir.Isto,segundooTribunalFederalConstitucional,abrigariaoperigodedeixarna obscuridade a “relação normativa entre injusto e culpabilidade, de um lado, e

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sanção,deoutrolado”.Oprincípiodaculpabilidadeexigemoldurapenalclaramentedeterminada,paraevitarpenasdesproporcionaiseinjustas.

2. Culpabilidade como garantia de liberdade cientificamente não refutável

a) Culpabilidade como imputação respeitadora da autonomiaComa categorianormativada culpabilidade, que é de se concretizar

sobreosprincípiosdaproporcionalidade,domerecimentodepenaedeoutroscritériosdevaloração,osujeitosubmetidoaoDireitodeixa-semaisprotegerdoquepromover.Aculpabilidadeé,portanto,umacategoriadelimitação,quetornacalculávelaintervençãoestatalsobreoindivíduo.Semdúvida, não segundo critérios científico-naturais,mas segundo critériosdevaloração,queestãoabertos àverificação jurídica (constitucional).Aculpabilidade é imputada prima facie a todos os homens, no interessedo funcionamento da ordem jurídica, e excluída somente conformemensuráveis critérios biológicos e psicológicos rigorosos. Estes critériossãonormatizadosno§20CPe indicamos limitesde imputaçãocomo“perturbaçãopsíquicapatológica”,“profundaperturbaçãodaconsciência”,“imbecilidade”, ou “outra grave anomalia psíquica”. Por causa destascircunstânciasage“semculpa”,quemnãocompreendeoinjustodofatoounãoécapazdeagirconformeestacompreensão.Aculpabilidadepodetambémsermeramentereduzidaeatua,então,reduzindoapena.Aindauma vez: a culpabilidade como tal, portanto, não énenhuma categoriaempíricaverificável,masumaimputação respeitadora da autonomia do ser humano, que deve possibilitar o funcionamento do sistema integral da“sociedade”.

b) Medida de prevenção: pena sem culpa

aa)MedidadeprevençãocomocorpoestranhonoDireitoQuemnão está sujeito a esta imputação, deve contar commedidas

de prevenção, que devem ter exclusivas funções de proteção para asociedade,mas nada têm a ver compunição.Os efeitos podem atuarcomoumapenaparao indivíduo,contudoumaimputaçãode injusto

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nãoestá ligadacomeles.Oafetadotemdeaceitar, sedeclaradocomoinimputávelpeloSistemadeJustiçaCriminal,assistênciamédicaesocial,eopúblicodeve,eventualmente,serprotegidoemfacedele.ElecaiforadoDireitoPenal.ExperientesDefensorescriminaisrelatamqueacusados,que devem ser declarados como incapazes de culpabilidade, em parteprocuram,desesperadamente,servistoscomocapazesdeculpabilidade.Elestememserexpostos–muitasvezescomrazão–,nasituaçãorealdasinstituiçõespsiquiátricas,àsmaisgraves restriçõespessoaisepsíquicas.Seassimsequer,portanto,aculpabilidadeéumareverênciaperanteaautonomiadoindivíduo,queélevadoasériopeloordenamentojurídicoe,então também, tratadoseriamente.A inimputabilidadese tornaumpesadoestigma,discriminaedeixaoafetadoaparecercomoestranhoedoente.

bb) A revalorização normativa do tipo de medida de prevenção noDireitoatual

Amedidadeprevenção–aliás,comorupturadetodomodoaltamenteproblemática do princípio da culpabilidade – foi normativamenterevalorizadanocursodosmaisrecentespassosdalegislação:podeagora,mesmoindependentedeverificaçõesjudiciaisdofato,comistotambémindependente do fato cometido, ser aplicada retroativamente. Com agarantiadeliberdadedoprincípiodaculpabilidade,istonãoéjurídico-constitucionalmentecompatível:“Alimitaçãodaprivaçãode liberdadeefetuadafundamentalmentenasentençapenalcontém,paraosautorescondenados, apromessavinculadadepoder conduzirnovamenteumavida em liberdade, após o cumprimento da pena e execução de umamedidadeprevençãoprivativadeliberdade.Adignidadedaproteçãodaconfiançaassimfundada,nãopodesercolocadaemquestãoporinteressesde proteção da população, não impostos jurídico-constitucionalmentedemodoconclusivo,emfacedefatospuníveisgraves”(assim,trêsJuízesnovotocontrárioBverfGE109,190,255).OGovernofederal,comaleide“Introduçãodareservadecustódiadesegurança”,de21deagostode2002(§ 66 a CP),acionouemvãoofreiodeemergência:aposteriorcustódia de segurança deve poder ser aplicada por causa de cogniçõessobreo“desenvolvimento(docondenado)duranteaexecuçãopenal”.

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Tambémumaaplicação“comreserva”dacustódiadesegurançaéumainfraçãocontraoprincípiodeculpabilidade:ouospressupostosdeespecialpericulosidade existem no momento de uma decisão judicial-penal,ou não existem.De quemodo a “periculosidade” pode ser “verificada”retroativamente,no cursoda execuçãodepenasprivativasde liberdade,nas condições da execução penal alemã, permanece incompreensível.Aindaémaisincompreensível,comoestasverificaçõesposteriorespodemsuspender a coisa julgada material. A proposta honesta de Baltzer, deampliarlegalmente,nestescasos,aRevisãoemprejuízodoacusado(2005,265s.),mostraemquãotensionadoEstadodeDireitoocorremerosõesdoDireito.

Fundamentoempíricodapropostapolítico-criminaldeBaltzeréumaanálisedeautos,naqualabstratoscritériosdepericulosidadedetipoglobal–sobutilizaçãodeumcontinuumdepericulosidadeestatisticamentecriado–,sãocontingenciados.Acontagemdepontosnegativos(fatoresderiscocomoanálisedofato,desenvolvimentoda criminalidade e desenvolvimento da personalidade, curso da execução, espaçode recepção social, p. 287 s., no lugar indicado), que foram retirados de autosjudiciais e de autos de execução, conduz à atribuição de periculosidade máximapara determinados presos, ou seja, a um assim chamado por Baltzer “claramenteelevadoriscodereincidência”.Naexecuçãopenal,estegrupodeveserselecionadoretroativamente e custodiado permanentemente (outra opinião, acima, 258 s.).PorquecontraistofalamprincípiosfundamentaisdeEstadodeDireitodeabsolutoconsenso,oautorpropõeativaroinstitutodaRevisãodoprocesso,emprejuízodoacusado.ARevisão,únicapossibilidadederomperacoisajulgadamaterial,éatéhojereguladanormativamenteapenasparapoucostiposlegais(§362CPP).Nofuturo,tambémumreconhecimentoretroativodequeumhomemseriaperigoso,deveseenquadraraqui.Naverdade,estateoriaéoriginal,dopontodevistatécnico-jurídico,masdopontodevistadapráticadoDireitoedoEstadodoDireito,éindefensável.

Práticosdeexecuçãoetodocientistaocupadocomprognósticossabem,que o comportamento prisional, via de regra, não possibilita nenhumadeclaraçãosobreocomportamentolegalapósaexecuçãopenal(compare,paraapenadeprisãoperpétua,jáAlbrecht,1977,p.102s.,410s.).Estalegislação é, por isto, um exemplo de uma Política criminal populista,que não se compadece sequer da lesão contra princípios fundamentaisdeDireitoPenaldoEstadodeDireito.OpassodoLegisladorde23dejulhode2004,paraintroduçãodeumacustódiadesegurançaposterior,

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incompreensíveldopontodevistacientíficoehumanitário,(§ 66 b CP),comprovaistodemododeprimente.Todotécnicodeexecuçãosabequeapráxisdamedidadeprevençãocorrespondequasecompletamenteàpráxisdaexecuçãopenal,comumadiferença:ofinaldapenanãoéprevisível.Enfrentaraproibiçãodaduplapuniçãocomoargumentodaorientaçãopreventiva da custódia de segurança acaba, por esse motivo, em umembustedeetiqueta.

II. A intervenção de uma sociedade de risco europeia sobre o princípio da culpabilidade

1. Proteção do sistema sem prova de culpabilidade

Nãosacrificaraliberdadeindividual,aoestabelecerfinsestataisesociais,deveriaserumprincípioeuropeuparaodesenvolvimentodeumDireitoPenaleuropeucomum.Istodeveriaparecertantomaisevidente,namedidaemqueváriosEstadoseuropeusacolheramoprincípiodaculpabilidadecomo fundamento e limite de punibilidade, em seus ordenamentos deDireitoPenal(compareJescheck,1996,§4,notaderodapén.9).InglaterraeFrançatendem,aocontrário,emcasosdeexceção,aumaresponsabilidadejurídico-penalobjetiva,emboraoprincípiodaculpabilidadeéigualmentetomadocomofundamentoparaamaioriadasprescriçõespenais(compare,sobreisto,Jescheck,1992,318,320).

No desenvolvimento doDireito europeu contemporâneo, sobretudo,o contrário é o caso. Imputação pessoal não émais vista como critériode compreensão de culpabilidade, em um Direito Penal europeu emformação.Aocontrário,paraosautoresdedeterminadosprojetos trata-se,precisamente,dodesatrelamento da responsabilidade individual.Épretendida a dominação abrangente dos riscos das “modernas” sociedades industriais: imposição agressiva de interesses particulares na economia enomeioambiente,discrepânciasdeprosperidadenasociedademundial,situaçõesdeconflitossócio-econômicosepolíticos,riscosincalculáveisdeumdesenvolvimentocientíficoetécnicoeconomicamenteimpulsionadoetc.Reaçõesestataiscontráriassãoexigidas,masnãoaopreçodarenúncia do princípio da responsabilidade individual.Nãoobstante,encontra-se

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justamenteistonalógicadosimbólicoDireitoPenaldorisco,quecomsuaorientação sistêmica impulsionaadesindividualizaçãoe,primariamente,estávinculadoàproteçãodosistema(compare§6C,acima).

A ruptura na lógica do Direito Penal do risco é evidente: aodescontrolado aumento de bens jurídicos protegidos penalmente e àampliaçãodaspretensõesdecontrolejurídico-penal,contrapõem-se–cominteirarazão–crescentesdúvidascientíficassobreaadequaçãodoDireitoPenaldaculpabilidadeparaocontroledestascomplexassituaçõessociaisproblemáticas.Coma individualização,emgeral falha,nãosepodedarconta dos problemas de controle estruturais de integraçãoda sociedadeglobal:aquioDireitoPenal,comomeiodecontrole,estánolugarerrado.

2. O princípio da culpabilidade levado ad absurdum no desenvolvimento do Direito europeu

OsautoresdoprojetodeumDireitoPenalmodeloeuropeu(“CorpusJuris”) propõem a punibilidade de pessoas jurídicas (art. 13, CorpusJuris Florence (CJF)), nas quais, como se sabe, uma relação com ocomportamentonaturalnãopodeexistir.AevidentetendênciaparadelitosdeperigomostraqueaPolíticacriminaleuropeianãoseimportamaiscomalesãoclaramenteindicadadebensjurídicos,masdevemserapreendidasaçõesjáemáreasadjacentesaosfatospuníveisclássicos.Alémdisso,todalesãoadministrativaquesedirigecontraoorçamentodaUniãoEuropeiaécastigadacomo“irregularidade”–independentedeculpapessoal.Senofuturo, jáa imprudência leve,ouseja, inconsciente,deveacarretarpenacriminal(porexemplo,noestelionato),entãofaltaqualquerrelaçãocomareprovaçãoindividual.Sãocriminalizadas,primariamente,situaçõesderisco,ouseja,aproteçãodosistemaestánofocodeatençãodoDireitoPenal, e não mais a responsabilidade pessoal. A culpabilidade, comocategoriadeligaçãojurídico-penal,parecequaseperdidanosprojetosdedesenvolvimentodoDireitoPenaleuropeu,atéagoraapresentados.

Queremos insistir: diante do contexto de umDireito Penal do riscoem amplo desenvolvimento difuso, arbitrário e se despedindo dalegalidadepenal, precisa-se agarrar estritamentenoprincípionormativoda compensação de culpabilidade, como limitação do poder punitivo.

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Seaculpabilidadeatuacomonãorefutávelgarantiade liberdade,entãoprecisaprotegeroindivíduoemfacedaintervençãodasociedadedorisco,seJustiçaeLiberdadenãodevemserbanidasinteiramentedoarsenaldelegitimaçãodoDireitoPenal.

C. O princípio da proporcionalidade como limite jurídico do emprego de violência

I. Limite jurídico do emprego de violência

AosestudantesdeDireitoPenalexplica-seoprincípiodaproporcionalidadecomoseguinteexemplo:

Umhomemadultoé“aliviado”dasfrutasdacerejeiraquecresceemseujardim,por alguns adolescentesmenoresde idade.Contraos adolescentes,que se tinhamvoltadoparaa fugacomsuascerejas, eleaponta imediatamenteumaespingardaedispara alguns tiros precisos.Umdos adolescentes é gravemente atingidoporumdessesdisparos.

Quando se exerceviolência contraoutrem,precisa existirummotivopara isso,quepermitaparecercompreensívelesteexercíciodeviolência.Alémdisso, a legitimidadedo empregode violência também tema vercomoseguinte,contraquemédirigidaedequemodoocorre.Nãosedevepoderatirarcomcanhõesempardais.Umasabedoriacomum,quepodeserrigorosamentefundadanoprincípiodaproporcionalidade.

II. O programa jurídico-constitucional da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade integra os elementos centrais doEstado Democrático de Direito, e vale para todo o poder do Estado.Medidas estataisnãopodem ser tomadas, simplesmente, semfinalidadee semfundamentação.Tantoofim,comotambémaescolhadosmeiosquepodemconduziraestefim,necessitamdeuma justificaçãoobjetivaedeumcritério.Anecessidadedeinsistirnaobservânciadoprincípiodaproporcionalidade ocorre, sobretudo, noDireitoPenal.Tanto a ameaçapenal, como tambémapunição, precisam ser proporcionais.ODireito

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Penaltemdefundamentarosfinsqueperseguecomapena,etemdeverificarseestapena,emrelaçãoàsituaçãoproblemáticaemquedeveseraplicada,é realmente necessária.Nesta análise, o princípio da proporcionalidadesedesdobraemtrêsoutrosprincípios,a saber,adequação,necessidadeeconveniência.

O princípio da adequação exige o emprego daqueles meios quepodem também conduzir ao fimpretendido.Depois, segue-se o examedanecessidade.Ummeiopodevalercomonecessário,senenhumoutromeio,queigualmenteéeficaz,masquesemostremenosonerosoparaosdireitosdocidadão,estáàdisposição.Seváriosmeiosestãoàdisposiçãodo Estado, o fim pretendido não deve ser alcançado pelo meio queproduz as consequências mais graves para o cidadão. A conveniência,por fim, refere a relação de meio, fim e “efeitos colaterais”. O meioadequadoenecessárionãopodeestar,emfacedosefeitosameaçados,emdesproporçãocomosignificadodoresultado.EmDireitoPenal,istoexigesobretudoumaponderaçãoentreosbensjurídicosindividuaisprotegidosconstitucionalmente,porumlado,eosinteressescontráriosdacoletividade,queparecemimporumalimitaçãodestesdireitosfundamentais,poroutrolado. Assim configurado, o “programa” da proporcionalidade pode sersempreempregado,quandosetratadaquestãosobreoempregodeviolênciacontraoutrosEstadosoucontrapessoasindividuais.Paraapolíticamundialeparaoconhecimentodetodojurista,precisaserinsistido:qualquerum,que invoque a legitimidade de semelhante violência, precisa provar suanecessidadeeapresentarargumentosquefalempelacorreçãodoseuagir.

III. Desenvolvimentos europeus

O desenvolvimento do princípio da proporcionalidade é de âmbitoeuropeueabrangente.DepoisdaSegundaGuerraMundial irrompe,demododefinitivo,emtodaEuropa.SobretudonaJurisprudênciadoTribunalFederalConstitucional(PanoramageralemStern,nolugarindicado,172),o princípio da proporcionalidade ganha contornos nítidos. Não podemais ser excluídodoDireitodas comunidades europeias.AConvençãoEuropeia dosDireitosHumanos tem o princípio da proporcionalidadecomoconteúdonecessário.

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1. Tribunal Europeu (TE)

OTribunalEuropeu(TE)reconheceoprincípiodaproporcionalidade,em Jurisprudência constante, como limite de medidas restritivas dedireitos fundamentais. Assim como na judicatura do Tribunal FederalConstitucional,oprincípiodaproporcionalidadeatuacomoochamado“limite do limite”. O conceito de “limite do limite” corporifica umatécnica jurídicaprecisa.Afirmaque intervençõesnaspróprias liberdadesfundamentaisnãopodemserilimitadas,masestãovinculadasàobservaçãode critérios. Para os limites das intervenções na liberdade necessita-se de critérios, que são de extrair da Constituição. O princípio daproporcionalidadefornecetaiscritérios.NoDireitoComunitárioeuropeu,aproporcionalidadeéumprincípiojurídicogeral.

Oprincípiorefere-se,porumlado,amedidasquesãoaplicadascontrapessoas físicasouempresas,noquadrodoDireitodaComunidade.Istoocorre,porexemplo,nocampodoDireitoeuropeudesanções–umvastocampo: compreende, entre outros, oDireito de Subvenção e oDireitodeAjudadaUniãoEuropeia.Aqui,então, sãoaplicadas sanções, seumindivíduoutilizaumasubvençãodemododiferentedoquedeterminou,previamente,oconcedentedasubvenção.

NoDireitodaComunidadenãosetrata,primariamente,doequilíbriode conteúdodemeios efins, orientadopela ideiade liberdade,masdeumarigorosaanálisedecusto-benefício.Compensaa sançãoparaevitardanofinanceiro,soaentãoapergunta.ParaumDireitoPenalorientadopordireitos fundamentaisepordireitoshumanos,estacompreensãodaproporcionalidade é de valor apenas limitado. As constelações de casoseconômicos, das quais o Direito Comunitário precisa dar conta, nãotransmitemparaoDireitoPenalnenhumcritériodevalidadegeral,quepudesserealizaratarefadaproporcionalidade,deserlimitedeintervençõesnaliberdade.

2. Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH)

TambémnaJurisprudênciadoTribunalEuropeudeDireitosHumanos,oprincípiodaproporcionalidadepermanece,no sentido jurídico-penal,

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antes,insípido(compare,porexemplo,TEDH,Julgamentode19.04.1993(KokkinakisversusGrécia);TEDH,Julgamentode22.06.2000(Coemee outros versus Bélgica)).Como já na legalidade penal, o respeito pelasoberaniaestatalégrandedemaisparapermitirresultardaproporcionalidadeumaefetivalimitaçãodoexercíciodopoderjurídico-penal.

IV. Liberdade versus segurança em face da limitação jurídica da proporcionalidade

Emnível nacional, o princípio da proporcionalidade nem sempre semostracomforçadeimposição.Istodecorredeseuscomponentesisolados,mastambém,sobretudo,residenoprocessodaponderação,queconcretiza,praticamente,oprincípiodaproporcionalidade.Oequilíbrioentremeioe fim depende do seguinte, quais pesos argumentativos coloca-se nospratosdabalançadaproporcionalidade.Seumaleipenalouumamedidaprocessual penal é necessária, decide-se conforme qual peso pesa mais:interessesdesegurançadoEstadooudireitosdeliberdadedoindivíduo.Se a Política coloca a segurança do Estado no ponto central, então aponderaçãojurídica,queestáligadacomoprincípiodaproporcionalidade,jáestádeterminada.Ondeéatribuídotãograndepesoàsegurança,opratodabalançadevependeremseufavor.

NoDireitoPenalexisteumaimportantefiguradeargumentação,quedesdemuitotempoconcedeprimaziaàsegurança,emrelaçãoaosdireitosindividuaisdeliberdade:refere-seaotoposda“capacidade funcional da proteção do Direito Penal” (Hassemer, 1982, 275 s.). Especialmentena justificação de intervenções estatais particulares, no contexto dapersecuçãopenal,estetopos setornaimportante.Peranteointeresseestatalde persecuçãopenal, a proteçãode direitos fundamentais precisa ceder.Então,sãopermitidasinvestigaçõessecretas,interceptaçõestelefônicasoubuscas ilegaisdeprovas.Então,sobretudo,épermitidopoderempregar,de modo amplamente desimpedido, os conhecimentos que foramganhos com tais investigações. A proporcionalidade é, portanto, umprincípiopoliticamentemuitofrágil.Ponderaçõesjurídicas,queformamseu caráter, subordinam-se a preconceitos políticos. Seria de extremaimportânciaterclarezasobreestespreconceitos.Somenteentão,quandoa

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proporcionalidadeencontraumaideiarevividadoDireitoPenallibertário,podeefetivamentedesenvolverseusfins,deser“limitedolimite”paraasintervençõesnaliberdade.

D. O princípio da legalidade processual como limite do arbítrio

Contra um conhecido político existe a suspeita de infidelidade em prejuízode seu Partido.Um público, surpreendido pelo Estado deDireito, precisa tomarconhecimentodequeestasuspeitaneménegada,neméafirmada,masoprocesso,contudo – contra o pagamento de uma (elevada) importância em dinheiro –, éarquivadopeloMinistérioPúblico,comaconcordânciadaJustiça.Nãoacontecenemadenúncia,nemaaudiênciaprincipal.Estescasos,quesemultiplicamemrelaçãocomotipopenaldeinfidelidade,deslocamaproblemáticarelaçãoentrelegalidadeprocessualeoportunidade,paraocampodadiscussãopública.

I. Legalidade processual versus oportunidade

1. Legalidade processual como originário princípio normativo condutor do processo penal

O princípio da legalidade processual tem a importante tarefa detranspor o princípio da legalidade penal para o processo penal: ondeo Direito é lesionado em seu núcleo, trata-se de esclarecer esta lesão.Portanto, trata-sededesignar condições sobrequando sepode começarcomesteesclarecimento.Oprincípiodalegalidadepenalnomeiaambos–odever deesclareceroinjustoeascondiçõessobrequandocomeçaresteesclarecimento.Emseuapoionalegalidadepenal,oprincípiodalegalidadeprocessual apresenta-se comoomais importanteprincípio condutordoprocessopenal.

Critérionecessário, dequandopode ser iniciadoo esclarecimentodeum fatopunível, é a chamada suspeita inicial.Devemexistir, para isto,pelomenossuficientesindíciosreais(§152,capítulo2)dequeumfatopunívelfoicometido.ApenasentãooEstadoestáautorizado,mastambémobrigado, a entrar emcena como seu instrumentário jurídico-penal.Aimportância da suspeita inicial reside também nisto, que determina o

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momentoemqueaPolíciatorna-seativaparadefesadeperigos,equandotorna-seativa–sobdireçãodeumagentedoMinistérioPúblico–parainvestigaçãodefatospuníveis.Asuspeitainicialdeumfatopuníveltraça– em todo caso, segundo a pretensão – a linha divisória entre defesapreventivadeperigosepersecuçãopenalrepressiva.Estalinhadivisóriaématériadoprincípiodalegalidadeprocessual.

Osignificadodoprincípio,comotransposiçãoprocessualdalegalidadepenal, é salientadoquando se tempresente a generalidadeda lei penal.Diantedaleipenaltodososcidadãosdevemseriguais,aaplicaçãodaleipenalprecisaserprevisível,aleipenalprotegeocidadãocontraoarbítrioestatal.Oprincípiodalegalidadeprocessualsegueestesaxiomas.Cultivaoaxiomadotratamentoigual,namedidaemquedevegarantirqueiguaisviolaçõesdaleitambémsãotratadasdemodoigual.Excluiaarbitrariedadeestatalecuidadasegurançajurídica.Observando-seoprincípio,satisfaz-seaexigênciadeumempregocontroladoeprevisíveldeviolênciaestatal.

O princípio da legalidade processual impõe ao Estado perseguidorpenal um espartilho apertado. Em caso de lesões doDireito, o Estadoprecisasemexer,masélimitado,pormeiodoespartilho,emseuespaçodemovimento.Umespartilhopode serdesconfortável.Consegue-semaiorconfortoquandonãoseprecisamovimentarcomoespartilho,ouquandosepodetirá-lo,emcasodemovimento.

2. A irresistível tendência normativa para [o princípio da] oportunidade

Diferente doprincípio da legalidade processual, oEstado se concedeesteconfortocomajudado[princípioda]oportunidade.Oprincípiodaoportunidadeéocontráriodoprincípiodalegalidadeprocessual.Segundooprincípiodaoportunidade,oEstadonãoperseguesemprequandodeve,mas somente quandopode e se vale a penaperseguir. Se oEstadonãopode,ousenãovaleapenaperseguir,oprincípiodaoportunidadepermitenemmesmoiniciarapersecuçãopenal,ouinterrompê-laantecipadamente.NocasodeumantigoChancelerfederal,asincertezassobreoDireitoesobre a realidade fática conduziramao seguinte, quenão sepoderia tercerteza do desfecho do processo.OMinistério Público lançoumão doinstrumentodearquivamentodoprocesso,apósopagamentodeumvalor

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monetário.UmTribunalEstadual,comumadecisãoescrita,confirmouoresultado (decisãodoTribunalEstadualdeBonnde28.02.2001,NStZ2001,375s.).Oprincípiodaoportunidadedeterminaarealidadepolíticado processo penal. A condenação de um antigo Ministro do InteriordomesmoGoverno,porcausadeumfatoquase idêntico, tambémnãodiz nada de diferente (TribunalEstadual deWiesbaden, decisão de 18.de abril de 2005 (6 Js 320.4/00– 16KLs)).Antes, isto corresponde àvelha sabedoria, de que a exceção confirma a regra (da oportunidade).CadasegundoprocessopassíveldeacusaçãojáéarquivadopeloMinistérioPúblico,noDireitoPenaldaJuventudeaacusaçãojáéaexceção(compare§17,abaixo).

II. Tradições europeias

Ambos–princípiodalegalidadeprocessualeprincípiodaoportunidade–possuemtradiçõeseuropeias.Ambososprincípiostornam-serelevantesnomomentohistórico emqueoprocesso inquisitório é substituído.OprocedimentodeinvestigaçãoeoprocessoprincipalcompetiamàJustiça,com isto, frequentemente, a uma pessoa.No Século 19, procedimentodeinvestigaçãoeprocessoprincipalsãoseparados.Apersecuçãopenalétransferidaaumórgãoprocessualpróprio–oMinistérioPúblico.

Assim como no caso da legalidade penal, a França foi o modelo deumreformadoecodificadoDireitoProcessualPenal.Atradiçãojurídicafrancesaécaracterizada,nestecaso,peloprincípiodaoportunidade.

III. O desenvolvimento na Alemanha

NaAlemanha,apósasamargasexperiênciascomafracassadarevoluçãode1848,emespecialosreformadoresliberaisdoprocessopenalestavamtomados de uma profunda desconfiança contra umMinistério PúblicoconduzidopeloGoverno.Estedeveriaincondicionalmentesersubmetidoaocontrolejurídico.Somentedestadesconfiançadepessoas,queprecisaramexperimentar,diretamentenaprópriacarne,aviolênciadoEstado,surgiua constante necessidade de um inquebrantável princípio da legalidadeprocessual.No final destes debates surgiu oOrdenamento de ProcessoPenaldoImpérioalemãode1877,queancorouoprincípiodalegalidade

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processualno§152,capítulo2.Assimcomonocasodalegalidadepenal,contudo,oDireitoPenalcolonialeoDireitoPenaldeguerraesvaziarama reivindicação ideal destaprescrição.A inviolabilidadedoprincípiodalegalidadeprocessualfoiconstantementeabalada.

Oprincípiodalegalidadeprocessualexperimentou,então,umaruptura,através da já lembrada Lex-Emminger. Com esta lei de 1924 foramintroduzidospreceitos,comcujoauxíliopode-se,tambémhoje,arquivarantecipadamenteprocessos, comooprocessocontraoantigoChancelerfederal.Seoconteúdodeculpabilidadeépequeno,ouseasconsequênciasdo fato punível são insignificantes, a obrigatoriedade de acusação ede persecuçãopara oMinistérioPúblico é suspensa, quandonão existenenhuminteressepúbliconoempregodoDireitoPenal.Desdeentão,oprincípiodaoportunidadetemsempreganhoterreno–comconsequênciasgraves.

IV. A despedida do Direito Penal alemão em face do princípio da legalidade processual

A despedida do princípio da legalidade processual opera em duas

direções.Deumlado,nointeriordoprocessopenal,deoutro,nocampoprecedentedaquele.Nointeriordoprocessopenalodeverdepersecuçãoedeacusaçãoé esvaziado.Rotinaspara soluçãodecasos,doMinistérioPúblicoedaMagistratura,conduzemocursodoprocesso,nãoapreservaçãodaliberdade,nãoaproduçãodejustiça.Torna-sevisívela“informalizaçãodoprocessopenal”(compare§19C,abaixo).ComistoésignificadoumabandonodasegurançadoDireitoedaprevisibilidadedopoderestatal,que podeutilizar-se do seu instrumentário jurídico penal demodoumpouco mais arbitrário, um pouco mais incontrolado. O espartilho dalegalidadeprocessualexiste,massepodeescapardele.Noquedizrespeitoaocampoprecedente,aseparaçãoentreprevençãoerepressãoquasenãovalemaisnada.APolíciainvadiu,hámuitotempo,oprocessopenaleoutilizapararepressão.Aocontrário,oprocessopenalservetambémparadefesadeperigos.Fala-sede“policializaçãodoprocessopenal”(compare§15III,abaixo).Nisto,nãoexisteapenasumadescrição,masumasituaçãoalarmante.

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E. O princípio da oficialidade como garante do Direito penal público

Nas grandes cidades europeias a segurança ganha uma imagem de aparênciaexterna.Éconstituídapredominantementedepessoasdosexomasculino,emgeraldeuniformeazul,cinzaoupreto,quefazempatrulhanosmetrôs,queestãoparadasde forma decorativa na frente de lojas comerciais, ou tambémdistribuemmultasdeestacionamentoemlocalproibido.Aimagemdeaparênciaexternanãoéapenasbonita,mastambémmarcial,destacaumacapacidadedeproteção,daqualtambémdeveserfeitouso.Cacetetesdeplásticoearmasdefogodocumentamestacapacidadedeproteção.Opessoalpertenceaserviçosdesegurançaprivada,queatuamnoespaçopúblico.Eles valem, como tambémaPolícia e a Justiçapenal, comogarantidoresdesegurança.Comotais,elesimpedemàscidadãseaoscidadãos,eventualmente,oacessoàslojascomerciais,prendem“passageirossem-bilhete”,intervêmcomviolêncianosconflitoseprendemprovisoriamentepresumidosperturbadores.

I. Aumento da segurança mediante privatização?

1. Retorno ao estado de natureza

Onderesideoproblemadaprivatizaçãodasegurança?ComaajudadafiguradoContratosocial,nósvimosqueoindivíduotransfereseusmeiosdeviolênciaparaumterceironeutro.Comistodeveriasergarantidoque,numasociedade,estesmeios sãodistribuídosdemodo igual.Somenteassim se pode sair do estadodenatureza – da guerra de todos contratodos.Somenteassimsepodetambémgarantiramaiorliberdadepossíveldetodos.OEstadoprotegealiberdadeeassiminstituiasegurança.Paraformular isto filosoficamente, o processo de privatização da segurançaconduzdevoltaaoestadodenatureza.Então,nesteestadodenatureza,importa o seguinte, se também se pode pagar os meios de violência,que estão à disposição para defesa de perigos, ou para reação contralesões da liberdade.Com isto, também a distribuição de segurança setornamaisdesigual, a sociedade ameaça sedesintegrar emparcelasdesegurançaprivadaepública.Masdistribuiçãodesigualdesegurançanãoé apenasumproblemade Justiça.Também importao seguinte, quempropriamentedeterminaoesclarecimentodaslesõesdaliberdade,quemparticipadasreaçõesformaisemateriaisaofatopunível,aperspectivadequemprevalecena lesãodoDireitoequempodegeneralizar suavisão

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade192

dascoisasobrigatoriamenteparatodos.Istonãoéapenasumproblemade Justiça,masumproblema de verdade.Nesta situação,oprincípiodaverdadematerialaparecenãosomentenumsentidoprocessual-penallimitado, mas também em um outro contexto significativo, ou seja,sobretudonaquestãodecomopodeserpossívelaverdadenoDireito.

2. O argumento de custos

Mas serviços privados de segurança aumentam, na aparência, não sóosentimentodesegurançadopúblico.Possuem,alémdisso,umaoutraimportante função. Segurança custa dinheiro. Ao se transferir tarefassoberanasaosparticulares,promete-se,comisto,umareduçãodecustos.A execuçãopenal representaumelevado fatorde custonosorçamentosdosEstados.Istonãosurpreende:emtemposdedebatesobresegurança,projetos redutores de custos da execuçãopenal –mais execução aberta,maispenaspecuniáriasemlugardaspenasprivativasde liberdade,maisajudaparacidadãosantecipadamenteliberadosdaprisão–nãoencontramnenhumaaudiência.Emlugardisso,devemserconstruídasnovasprisões,acustódiadesegurançaéampliada,liberaçõesantecipadasdaprisão,emtempos de segurança, tornam-se quase impossíveis. Como resposta aoproblemadecustos,tambémaexecuçãopenaldeveserprivatizada.NãomaisoEstadoconstróiprisões,masempresáriosprivados.Estestambémdevemserresponsáveispelaprovisãooupelaofertadetrabalhonaexecuçãopenal.ParaaUniãodosDefensoresPenaisdoEstadodeHessenimpõe-sea“suspeita”–assimaformulaçãonumaResoluçãodoanode2002–“dequeaprisão,medianteprivatizaçãodaexecuçãopenal,devesetornarumfatoreconômico,quesomenteserálucrativoseocrescimentoégarantido”.Elesresumem:“precisa-seentãodemuitaspessoaspresas”(www.stvh.org).

II. Busca da verdade no Direito Penal público

1. No Estado de Direito não existe nenhum esclarecimento a qualquer preço

Somente umDireito Penal público pode, por razões constitucionais,estarcomprometidocomabuscadaverdade–atarefadoTerceiroPoder,

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puraesimplesmente.Demodoclássico,oprincípiodaverdadematerialaqui alocado significa que o esclarecimento de um fato típico precisarespeitar os direitos subjetivos dos acusados.Não pode existir nenhumesclarecimentoaqualquerpreço.Numerosasprescriçõesdoordenamentoprocessualpenal impõem limites ao impulsodas instâncias estataisparainvestigartotalmenteumfato.Nestecontexto,deve-selembrar,sobretudo,do§136a,CPP.Estanormafoiintroduzidanoordenamentoprocessualpenal, apósas experiênciascomonacional-socialismo.Elacontémumasérie de métodos de interrogação proibidos: o acusado não pode serenganado, não pode sermaltratado, não pode ser fatigado, nemmuitomenostorturado.Nocasodeempregodetaismétodos,aprovaquefoiobtidaatravésdeleséabsolutamenteinválida(§136a,capítulo3,oração2CPP).

2. A privatização informal ameaça direitos humanos

Alémdisso,contudo,oprincípioreclamaporumDireitoPenalpúblico,formal.Devemexistir formas rigorosas, nas quais acusado e os outrosparticipantesdoprocessopodemexporsuavisãodascoisas.EstasformassópodemexistiremumDireitoPenalpúblico,queseocupadeconflitosgravesresultantesdaviolaçãodaliberdadedooutro.Apercepçãodestesconflitospodeserdiferente,ecadapercepçãoprecisateraoportunidadedeserapresentadaeouvida.Somenteentãosepodemostrarqualvisãodascoisasécapazdesergeneralizada.Abuscadaverdadenecessita,porisso, doDireitoPenal público.Quemdependeda verdadenoDireitoPenal, precisa desconfiar da privatização, da qual resulta apenas umapercepção seletiva da realidade e dirigida por interesses de segurançapróprios,aindacommaiorrazãoseoEstadoadministraaconsequênciamaisagudadopróprioDireitoPenal–ouseja,apenaesuaexecução.NaexecuçãodapenaoDireitoPenaltemsuaprovadefogo,comoassuntopúblico.Aqui [oDireitoPenal] devemostrar quãoprofundamente osdireitoshumanosestãoenraizadosemumEstado,emumasociedade,equãodemocraticamenteresponsávelesta sociedadeestápreparadaparalidarcomautoresdefatospuníveis.

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade194

III. Direito Penal como programa público de garantia da liberdade

1. Respeito à autonomia do ser humano, de forma generalizada e representativa

AsfunçõesprópriasdeumDireitoPenalesclarecidoestãocadavezmaisforadefoco:limitação do poder do Estadoereação a elementares lesões do Direito – estes fins oDireitoPenal pode e deve realizar.ODireitoPenalnãoécriadoparacompensarinteressesprivados,oumesmosituaçõesde risco sociais e transnacionais. Compensação de interesses e controlede situações de risco estatais, ou transestatais e sociais, executam-seprimariamentenoDireitoPrivado,DireitoSocial,DireitoAdministrativoouemoutrasáreas.DireitoPenalpúblicoégarantia de liberdadeeprecisatornaro injusto publicamente conhecido.Injustoéalesãodaautonomiasubjetiva, em forma generalizada. Um Direito Penal de liberdade nãocuidadebens jurídicosmateriais,nosentidotradicional,etambémnãodagarantiadeinteressesindividuais,masdorespeito à autonomia do ser humano, em forma generalizada e representativa.

Sancionar é, em relação a isto, secundário. Neste ponto, direitoshumanos e direitos fundamentais devem ser observados estritamente, enão sedeveria ignorar que a aplicaçãodoDireitoPenal produz sempremassivosdanosaossúditosdoDireito.Paraserclaro:DireitoPenalnãoéexpiaçãomaterialevingançapessoal,masprograma público de garantia da liberdade.

2. Privatização como abertura para arbitrariedade da intervenção política

Osprincípiosjurídico-penaistematizadosnestelivro,quedevemlimitaropoderestatal,mostram-secomonúcleodoDireitoPenalpúblico.Nósnosencontramosnomeiodeprocessosdeerosãodosprincípioscentraisdaliberdade,atravésdemodernaspromessaspolítico-sociais,quetêmemvista–naaparência–umamaximizaçãodasegurançadoscidadãos.EnquantooDireitoPenal se arma e, com isto, oferece promessas de segurança, aPolíticanegligenciaasconsequênciaspolítico-estruturaisdecisivas.Omeio

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de comunicação Direito Penal nebuliza a agonia político-estrutural daarbitrariedadedaintervençãopolítica.

3. Desregulamentação e privatização: sinônimos do fracasso do controle estatal

A legitimação para este fracasso estrutural dos projetos de bem-estarestatais edadesorientação estrutural em facede situaçõesde risco,nãose fez esperar por muito tempo. Esta se encontrava e se encontra noprojeto político-jurídico de desregulamentação e privatização: oEstado se retira, desiste da intervenção, deixa interesses e influênciasprivadasdominaremplenamente.OEstado,emgrandes setoresde suasáreas de configuração originárias, está a ponto de somente administrara simesmo.OEstado parece se retirar do processo de controle social,desiste de suas possibilidades de intervenção não somente em sentidoeconômico, mas principalmente nas áreas que pertencem, de modoclássico,ao seumonopóliodepoder. Instituiçõesdeexecuçãopenal sãoprivatizadas, serviçosprivadosde segurançacontrolamoespaçopúblicoemmedidacrescentee,porfim,pessoasparticularesganhamcadavezmaisindependêncianointeriordoprocessopenal:nopapeldoperseguidor,queatuanolugardosórgãosestataisdepersecuçãopenal,enopapeldavítima,queinvestigacomindependênciaecujascompetênciasnoprocessopenalsão,emgeral,aumentadas.

F. O princípio do processo justo como fundamento do processo penal no Estado de Direito liberal

Justiça no processo penal é o fundamento de todos os princípios doprocesso penal do Estado de Direito. O processo penal é visto comosismógrafodalivreconstituiçãodeumasociedade.

Justiçaéumdesejadorecursodispendioso,querepresenta–nãoraro,com extremo esforço para a Justiça penal – a livre constituição de umSistema de JustiçaCriminal. É um traço da atual Política criminal, naignorância deste ponto de partida, prometer alívio aos Juízesmediante

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intervençõesnoDireitoProcessualenaestruturadeorganizaçãodoSistemade JustiçaCriminal, poupadoras de custos e esforços.Mas desencargosjurídico-processuaissomentesãolegítimossedeixamintactos,oumesmofortalecem, princípios fundamentais imponderáveis do processo penaldoEstadodeDireito.Édeseexigir,emdefesadeumDireitoProcessualdo Estado deDireito, ou seja, orientado por princípios constitucionaisimponderáveis,queosdireitosde liberdadedoscidadãos,emrelaçãoàpersecuçãopenalestatal,devemserconservadosefortalecidos.

Osseguintesprincípiosprocessuais,quetraduzemoprincípiodaJustiçaem particularidades de aplicação prática do Direito, constituem, cadaumpor si,umacondição irrenunciáveldeumprocessopenal justo.NaConvençãoEuropeiadeDireitosHumanos,oprincípiodojustoprocessolegalestáexpostonoart.6°,capítulo1.Justoprocesso–“fairtrial”–éumaconceituação fundante do conjunto do ordenamento jurídico europeu,comasmaisaltasconsequênciaspráticas(compare,alémdisto,emdetalhes,Rzepka, 2000). Seus componentes particulares são numerosos.A seguirserãoapresentados cincocomponentes centraisde Justiça,que têmsuasraízesemumaculturaeuropeiageraldoDireito.

I. O princípio nemo tenetur: liberdade do dever de autoincriminação

Significação e decadência deste princípio deixam-se demonstrar emum importante caso para a Jurisprudência daCorte Federal de Justiça.Adecisãodestecasotornou-seconhecidacomoachamada“sentençadaarmadilhadeescuta”(BGHSt(GS)42,139s.;compare,porém,omodelodoBGH,StV1996,242s.).

UmatestemunhadelataumamigoàPolícia,portercometidoumroubo.Oamigodescreveu o fato à testemunha, numa conversa telefônica privada, não destinadaa terceiros.APolíciaprovoca, então,umoutro telefonemaprivado,que éouvidoemconjuntopelaPolíciaeumintérprete.Duranteaconversa,oamigosuspeitofaznovamenteindicaçõesmaisdetalhadassobreofato.Imediatamenteapós,ointérpreteé perguntado, como testemunha, sobre o conteúdo do telefonema. O acusado épreso,depoiscondenado.Tudoquefoiditonotelefonema,oMinistérioPúblicoeaJustiçautilizaramemprejuízodoacusado.Semsuasdeclaraçõesautoacusatóriasemfacedeseuamigo,oacusadonãopoderiatersidocondenado.

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1. Direito e conteúdo

Oprincípionemo tenetur contémo relevantedireitodoacusadodecalar.Ocidadãonãodeveprecisaracusarasimesmodeumfatopunível.Estaliberdadedodeverdeautoincriminaçãoéumelementoessencialdojustoprocesso.Parapoderperceberestaliberdade,oacusadoprecisasaber“oqueacontececomele”.Elenecessita, sobretudo,deuma informaçãosobre isto,queeleéacusado.Paraprevisibilidadedoexercíciodopoderestatal peloDireito Penal e para evitação de arbitrariedade, não devemexistirsurpresas,eastúciassomenteemmedidamuitolimitada.Odireitodecalardoacusadoé configuradoempreceitos centraisdoprocessodeinvestigação egarantidomedianteproibiçõesdeprova. Infrações contrao dever de informação e contra a proibição de coação podem, emdeterminadasconstelaçõesdecasos,acarretarumaproibiçãodeprova.Sefatossãosomentedetalmodoinvestigados,quealiberdadedodeverdeautoincriminação foi lesionada, então estes fatos nãopodem ser usadoscontra o acusado. Esta é a exigência do princípio nemo tenetur. EstaexigênciavaleemtodaEuropaepossuiumasignificativatradiçãoeuropeia,emgeral.

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

a) A notável Jurisprudência da Corte Federal de JustiçaA realidade parece outra, e a “sentença da armadilha de escuta”

comprovaestarealidadediferentedeummodoconsternável.Algumacoisacomo inaproveitável deveriam ter sido fatos que foramobtidosporumprocedimentodeastúciacontrárioaoprocesso.Aconfiança,queoacusadodesenvolveuemrelaçãoaumapessoadealgummodopróximaaele,osórgãosestataisdepersecuçãopenalaproveitamemseufavor.Apersecuçãopenalestatalestáocultanofundo,oacusadonãopodeavaliarasituação,naqualelenão sabeoque faz.Comargumentos sutis, aCorteFederalde Justiçaapagaodeverde informaçãoeoprincípionemo tenetur.Odever de informaçãopressuporia uma situaçãode interrogatório oficial,quenãoexistiranasconversasentreparticulares.Osórgãosdeinvestigaçãoseriam, em princípio, livres na escolha de seus métodos. Isto incluiriatambémumprocedimentosecretocontraosuspeitodofato.Oprincípio

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade198

nemo teneturnãopoderiaatingirdeclaraçõesnoâmbitoprivado,porqueo suspeitonão semanifestapor causadeumacoação realou simulada.Em facedeumapessoaparticular,o indivíduonão se sentiriaobrigadoaumadeclaração.Por isso,nãopoderia existir–pensa aCorteFederaldeJustiça–nenhumadúvidasobreaespontaneidadedadeclaração.SeoEstadoprovocanoacusadoumerrosobreasituaçãodaconversa,entãonãodeve residir nistonenhuma lesãodoprincípionemo tenetur.Nãoobstante,é ignorado:onúcleodoprincípioconsisteprecisamentenisto,queoacusadoprecisaconhecerascondiçõessobasquaiselesemanifesta,porquesomenteassimégarantidaaespontaneidadedadeclaração.Estesdefeitos de vontade encontram consideração por todo o Direito Penal–por exemplo,no consentimento.ACorteFederal de Justiça ignoraoproblemadodefeitodevontade.Comisto,opróprionúcleodoprincípionemo teneturélesionado.

b) A liberdade do dever de autoincriminação em face da limitação da proporcionalidadeVê-seque,napráxisjurídica,cabeaoprincípionemo teneturtãopouca

eficácia, quanto aos princípios da legalidade penal, da culpabilidade oudalegalidadeprocessual.Pré-questionamentosinformativos,oempregodeinvestigadoressecretos,amultiplicaçãodavigilânciatelefônica:tudoistosãométodos de investigação que são dependentes, para sua eficácia, dequeo acusado semanifeste “de livrevontade”, semconhecer a situaçãodamanifestação.Asdeclarações,quecomistosãoobtidas,emprincípiotambém devem ser aproveitáveis, em todo caso, quando se trata doesclarecimentodeumfatopunívelderelevantesignificado,eainvestigaçãoda situação de fato, mediante o emprego de outros meios, teria sidosignificativamente menos promissora ou essencialmente dificultada.Vê-se que a limitação do princípio nemo tenetur deve ser abrandadamediante ponderações, conforme o princípio da proporcionalidade.Umaintervençãoéjustificada,seointeressedesegurançadacoletividadeprepondera sobreodireitode liberdade individual.Emcasodedúvida,oprincípionemo teneturprecisacederao interessegeraldapersecuçãopenal.Nacontinuidade,istoameaçaoconteúdoessencial–onúcleo–daliberdadedodeverdeautoincriminação.

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II. O princípio de igualdade de armas

A política do Direito, na Europa, é tradicionalmente caracterizadaporumaaltamedidadepropósitoreformista.UmarecentepropostadapolíticagovernamentaldoDireitorefere-seaomodelodeumdenominadoprocessoconsensual(CadernodeNotasparaa25aJornadadoDefensorPenal2001,147s.;compareabaixo§21).

O“modeloconsensual”possuio seguintecontextonormativo:aoacusadoeaoseuDefensor édadaoportunidadedeparticipação reforçadaperante aPolícia eoMinistérioPúblico.OacusadoeseuDefensordevemserincluídos,desdeoinício,no procedimento de investigação policial e doMinistérioPúblico.Em troca, elesquasenãodevemmaispoder“fazercarafeia”naaudiênciaprincipal.Seoacusadoconfessaofatoaelereprovado,édesecontaratécomabenevolênciadoMinistérioPúblico e do Juiz. Finalidadedo consenso é a aceleraçãodoprocesso.Mas o queacontececomosdireitosdaquelequeaceitaesteconsenso?Nãoexistenaaceitação,aocontrário,umasubordinaçãodaparteprocessualmaisfracaemrelaçãoàmaisforte?Nesteponto,éinvocadooprincípiodaigualdadedearmas.

1. Direito e conteúdo

IgualdadedearmasnoprocessopenalsignificaqueMinistérioPúblicoeacusadoseencontramnomesmoplano.Contraosmeiosdepoderdeque dispõe o agente doMinistério Público, o acusado precisa poder sedefender.ApenasumaforteDefesapodeconstruirumcontrapesoefetivoaomonopóliodeacusaçãodoMinistérioPúblico.Estecontrapesoprecisatornar-se sensível e visível em todas as fases do processo. Sempre, comrazão, osDefensores indicam que eles precisam tomar uma posição deigualdadenoprocessoemfacedoMinistérioPúblicoe,porisso,tambémprecisam ter,pelomenos,direitos aproximadamente iguais aosdaquele.OTribunalEuropeudeDireitosHumanostambémparticipadestepontodevista.Oartigo6º,capítulo1,oração1,daCEDH,garanteodireitodeigualdadedearmasdetodoacusado.Distoresultamexigênciasmuitoconcretasjuntoaoprocessopenal,comoporexemplo:deverdedefesaemcasosgraves,suspensãoeadiamentodaaudiênciaprincipalporausênciadeumDefensor, tempoadequadodevistadosautosparaoDefensore

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade200

deveresdeproteçãoassimcomodeveresdeindicaçãodaJustiça,comvistaaosdireitosdepostulaçãodoacusado.

Emtodoprocessopenal,ondeoacusadoestáexpostoàintervençãoestatale ameaçam intervenções nos direitos de liberdade, oDefensor criminalprecisaconstituirumcontrapoder emfavordoacusado.Aproteçãodaliberdadenãoserealizaporsimesma–aexigênciadosprincípiosjurídicoseuropeus vale também precisamente em sentido prático. Somente umDefensor que pode atuar no mesmo plano com as outras partes doprocessopenal–MinistérioPúblicoePolícia,Justiça,alémdisso,tambémaacusaçãocolateraleadvogadosdavítima–garantearealizaçãopráticadestesprincípios.NãoépatéticodizerqueoDefensoréoguardiãodosdireitosde liberdadedoacusado.Qualquer limitaçãodaDefesa,emsuaposição como contra-poder social, também afasta o processo penal darealizaçãodasgarantiasdoEstadodeDireito.

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

a) Desigualdade real de armas entre Defesa e acusadoresEstas limitações constituem, contudo, o cotidiano da Defesa penal.

Resultamdamudançaestruturalgeraldoprocessopenal.Senãointeressamaisobservaroprincípiodalegalidadeprocessual,portantoiniciar–demodorepressivo–investigaçõesnocasodeexistentesuspeitainicialdeumfatopunível,mascontroleantecipadoedefesadoperigocodeterminamsubstancialmenteoprocessopenal,entãooDefensorpenalnãoconsegueacompanharestedesenvolvimento.Porumlado–oladodoscontroladoreseperseguidores–, existeumvasto“arsenaldearmas”,queparecequaseinesgotável.OacusadoeseuDefensor,viaderegra,tambémnãoalcançamos recursos financeiros das instâncias estatais. Investigadores secretos,interceptaçõesdelinhastelefônicas,sistemasdeprocessamentodedadosnapesquisaemrede,logodadosbiométricosepossibilidadesdeanálisedecódigosgenéticos,proporcionamumavantagemàPolíciaeaoMinistérioPúblico,quenãopodemaisseralcançada.Emfacedisso,reivindicaçõesdo lado dosDefensores penais, por umdireito de exame dos autos noprocedimento de investigação, apresentam-se como extremamentemodestas.

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b) Defesa penal: o contra-poder sem poderMastambémaideiageraldequeoDefensorpenalpodeconstituirum

contra-poder,encontranãosomentedesconfiança,étambémdesrespeitadanapráxiscotidiana.Adesconfiançaexiste,porqueseimputaaoDefensorpenal que ele irá abusar dos direitos que o ordenamento processualpenal lhe atribui. Defesa penal significaria, sobretudo, procrastinaçãoprocessual, frustraria a rápida persecução penal e execução penal. Estadesconfiançaévisíveldesdeaorigemdoordenamentoprocessualpenal.Como consequência desta desconfiança, um forte direito de postulaçãodeprova foiprogressivamentedesgastado,emcontrapartidaampliaram-se as possibilidades da Justiça excluir inteiramente oDefensor (§§ 138a s.CPP – introduzidos em vinculação à incumbência legislativa (casoSchily)formuladaaoTribunalFederalConstitucional34,293s.),oudelimitar odireito aumDefensorde eleição.Apossibilidadede exclusãodoDefensorfoiampliadanosanossetentadoúltimoséculo,quandosepresumiaosDefensoresaoladodoterrorismo daRAF(FraçãodoExércitoVermelho).Nametade dos anos setenta, encontrou grande aceitação aconvicçãopolíticadeque,paraosintegrantesdaRAFnãoprecisariaexistir,propriamente,nemDefesapenal,nemgarantiasdeEstadodeDireito.SeoEstadoreclamabastantealtosobresegurança,areivindicaçãodeigualdadedearmaspodenãoconseguirmaisnenhumouvido.

Retornemos ao modelo de processo consensual mencionado nocomeço. Na atual discussão, à igualdade de armas ameaça perigo, nãoapenasatravésdeumconfrontadoresforçodesegurançadoEstado,mastambémdemodelosdeprocessoquequeremcompreenderepoliticamentecultivaroprocessopenalcomolocaldeharmoniaecooperaçãoaparentes.Conformeestesmodelos(art.3°daPrimeiraLeideModernizaçãodaJustiça;BGBl.2004I,página2198,2200s.),devehaveraseguinte“barganha”:pretende-se fortalecer os direitos do Defensor no procedimento deinvestigação.ODefensordeveserincluídonasinvestigaçõesnomomentomais cedopossível.Emcontrapartida,Defensor e acusado renunciamagarantiasdeDireitonaaudiênciaprincipal.SeoDefensorpodecontraditara valorização de provas no procedimento de investigação, não deve serpossível, sem mais nada, fazer valer a proibição de provas no processoprincipal,senãohouveacontradiçãocontraumdeterminadoacolhimento

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade202

deprovas.Oconsenso“harmônico”,quesubstituioconflito,aconteceàscustasdoacusado.EstaconcepçãoésuportadapelarepresentaçãodequeoDefensorseria–assimcomooMinistérioPúblicoouoJuízo–um“órgãodaJustiça”.Assimcompreendido,oDefensorpenaldeveserincluídonasexigênciasdeuma“proteçãofuncionalmenteeficazdoDireitoPenal”.Oproblemaéqueoprocessopenalnuncaépensávelcomolugarharmônico.AquisetratadopróprioconflitooriginárioentreEstadoeindivíduo,entreinteressesdapersecuçãopenaledireitosfundamentais.Oconsensopodeserapenassimulado,porqueosparticipantesdoconsensonãopossuemigualposiçãodepartida,nãodispõemdeiguaispossibilidadesparadeterminaroconteúdodoconsenso.Como“órgãodaJustiça”,oDefensorpenaldeixa-sedisciplinaratéumponto,quecorrespondeàsexigênciasdasegurançainterna.Nistoresideumadistâncianãomaissuperávelparaoprincípiodeigualdadedearmas,comoformadeproteçãodaliberdade.Sobreisso,osmodelosdeprocessosconsensuaisnãopodemenãodevemenganar.

III. O princípio de presunção de inocência

Umgrandejornaldiárioalemãoconcedeuoportunidade,hánãomuitotempo,aoentãopresidentedaAssociaçãodosJuízesalemães,deapresentarsuacompreensãodoEstadodeDireito,sobarubrica“Plumasalheias”,aumamplopúblico(Mackenroth,FAZde01.08.2002).Opresidente–queocupava,aomesmotempo,aPresidênciadosJuízesedosmembrosdoMinistérioPúblicoalemães–mostrou-seprofundamentesatisfeito comaqualidadeda atividadede investigaçãodaPolícia edoMinistérioPúblico, na Alemanha: “Com propriedade” – enfatizou ele –, “muitas vezes já oiníciodasinvestigações”,o“oferecimentodadenúncia,omaistardaraaberturadeumprocessoprincipal”, significariao“fimdequalquercarreira”dosatingidospormedidasdeinvestigaçãoestatais.

1. Direito e conteúdo

ODireitoProcessualPenalnãotemsomenteatarefadeverificar,commeiosconformesàJustiça,asuspeitadefato,mastambémtemdetomarprovidênciasprecisamenteparaquenenhuminocentesejacondenado.Oacusadotemdireitoaisto,quesejainterferidotãopoucoquantopossívelem seus direitos pessoais de liberdade, precisamente tão pouco quantoaindaécompatívelcomoobjetivodeesclarecimentodofato.Estedireito

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 203

o acusado deve agradecer à chamada presunção de inocência. Esta édeduzida,entreoutros,doartigo6°,capítulo2,daCEDHepossuinívelconstitucional.Afirmaque“atéprovalegaldeculpabilidade,presume-sequeoacusadodeumaaçãopuníveléinocente”.Distoresultanãosomenteum direito de imparcialidade do Juiz. A presunção de inocência deve,igualmente, garantir o acusado de desvantagens que equivalem a umasentençacondenatóriaouaumapena,emfacedasquais,contudo,nãoprecedeu, conforme aordemprocessualdoEstadodeDireito,nenhumprocesso para comprovação de culpabilidade e medição da pena. EstesprincípiosfundamentaisforamevidentementeesquecidospelopresidentedaMagistraturaedoMinistérioPúblicoalemães.Percebe-sejá,igualmentenumpiscardeolhos,queatendênciaaumprocessoconsensualestáemcontradiçãoinsuperávelcomosprincípiosfundamentaisdoprocessopenaldoEstadodeDireito:oobjetivodeconsensoexigedoacusadoconfissõesdeculpa,nummomentoemque,por forçade lei,permite-sepresumircomoinocente,istocomtodasasconsequênciasparaacondutaprocessual,atéacoisajulgada.Apressãopeloacordo,queéreclamadaatravésdeumaexigência de consenso legal, deixa esvaziar, finalmente, a presunção dainocência.

Édeselembrar:oônusdaprovanoprocessopenalpertenceaoEstado.Não é o acusado que é considerado como culpado desde o início, nãocompeteaeleprovarsuainocência,masoEstadoprecisaprovaraoacusadosuapossívelculpa.Seexistemdúvidas sobreaculpabilidadedoacusadoantes da proclamação da sentença, então este deve ser absolvido. EsteprincípioéreconhecidoemtodaEuropasobafórmula“indubioproreo”(nadúvida,emfavordoacusado),queécompreendido,namaiorparte,como concretização da presunção de inocência. Para que um suspeitonão seja afetado em seus interesses mais do que o incondicionalmentenecessário,todasasmedidascoativasdoEstadoprecisamocorrerdemodoprecisamente verificado, controláveis e em moldes rigorosos, porqueelas são, antesde tudo,medidas coativas contraumcidadãopresumidocomoinocente.Apresunçãodeinocênciasomentepodesersuperadapelasentença,comoconclusãodoprocesso,dessemodo,quaisquerpenasoumedidassemelhantesàpena,antesdasentençatransitadaemjulgado,sãoproibidas.

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade204

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

Justamente nos tempos após o 11 de setembro de 2001, portanto,pelos temoresdeataques terroristas,pode-severificar comoomedoe anecessidadedesegurançadaspessoassãousadosparaanularfundamentosdoEstadodeDireito.Apesquisaemrede,parcialmentereintroduzidaparaestesobjetivos,comprovaaintervençãoemdireitosdecidadão.

a) Pesquisa em redeNa pesquisa em rede, conforme o direito estadual, não se trata da

buscadeautorespenais,porcausadefatospuníveisjácometidos,masdemedidas preventivasatravésdasquaisdevemserimpedidosfatosviolentosfuturos.Portanto,nãoseatuaporcausadeumasuspeitaoudeumperigoconcreto,masdemodosimplesmentepreventivo–semconsideraçãodelimitesdeintervenção.Comestasmedidaspoliciaisantecipadas,ocorreaintervençãoemdireitosfundamentaisdeumagrandequantidadedepessoasinsuspeitas:nodireitode autodeterminaçãoda informação.Alémdisso,terceirosnãoparticipantescaemnamiradosórgãosdepersecuçãopenal,no que reside um reforço da infração contra a presunçãode inocência,porquenãoseintervémsomentenosdireitosfundamentaisdesuspeitos,mas jámesmonosdireitos fundamentaisdeumagrandequantidadedepessoascompletamenteinsuspeitas.ApresunçãodeinocênciadoEstadodeDireitoinverte-se,dessemodo,emumageralpresunçãodeculpa,medianteimpressãodecomputador.Os implicados são levadosassimàobrigaçãodesejustificar,deprecisarcomprovarsuainocênciaperanteosórgãosdeinvestigação.A presunção de inocência é levada ad absurdum: cabe aossuspeitospotenciaisselibertardopesodaculpa.ElesprecisamprovaraoEstadoquesãoinocentes.Amaisrecentelimitaçãodapesquisaemrede,pelaatitudenegativadealgunsTribunaisalemães,éumsinalencorajador,peloqueédeseesperar,também,queestalinhasejaamplamenteseguida,nointeressedoEstadodeDireito.OentãoGovernodecoalizãodoEstadode Hessen criou, contudo, um novo fundamento legal para a pesquisaemrede,sustadajudicialmentenoHessen.Emlugardaexistênciadeum“perigo atual”, no futuro já a “prevençãode fatos puníveis de relevantesignificado”devejustificaramedida.

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 205

b) A “impressão digital genética”Ao ladodoproblemadapesquisa em rede, apresunçãode inocência

é tangenciada em numerosas áreas problemáticas do Direito Penal, doprocessopenal, tambémdaExecuçãopenaledaPolíticacriminal.Comisto,oprincípiodapresunçãodeinocênciaocupapenalistasemdiferentesáreas profissionais. Considerando situações problemáticas particularespode-seperceber,contudo,queoprincípionãogozadenenhumaelevadaposição de valor. Decide-se, com frequência, em favor da segurança eemprejuízodaproteçãoda liberdade.AatualPolítica criminaldiscute,por exemplo, a coleta obrigatória de amostras de saliva – chamadaimpressãodigitalgenética–emtodososcidadãos,outambémsomenteemcidadãosautoresdefatopunível,comoqueficaevidentequequasetodomundoétransformadoemsuspeitopotencial,equetodoumpovo,outambémsomenteapopulaçãomasculina,écolocadosobsuspeitageral.OLegislador,nointervalo,comamplamaioriaparlamentar,decidiuumaagravaçãodospressupostosdeaplicaçãoeaintroduçãodoschamadostestesgenéticosemsérie(Lei sobre a novação da análise forense do DNA,BT-Drs.15/5674,de14.06.2005).Seterásidobastante,demododuradouro,comestadecisão/compromisso,segundoorituallegislativocomum(agravaçãolenta,imperceptível,depoisdelegislaçãoinicialmoderada),éimprovável.AreservadeJuízoestá,pois,semprenocaminhodeumaimpulsivapolíticainterna,esuaquedaprocuraapenaspelomotivojusto.

c) A mídiaApresunçãodeinocêncianãoédiscutidasomentenarelaçãoEstado-

cidadão,mas também na relação da mídia (compare também Marxen,1980,365s.)comoindivíduo.Assim,comfrequência,aculpadoacusadojá é assumida namídia antes do julgamento e, por isto, é transmitidaaoespectadorouleitoraimpressãodequeoacusadoseria,semdúvida,o autor. Porque aqui colidemdois princípios constitucionais, a saber, adignidadedapessoahumanaealiberdadedaimprensa,opoderdequeixado indivíduo muitas vezes não basta para garantir proteção jurídicaem faceda todo-poderosamídia.Contudo:o artigo8°daCEDH,queprotege avidaprivadae, com isto,odireitodepersonalidade,obrigaoEstado a colocar àdisposiçãopossibilidades jurídico-civis paraproteção

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade206

contrapublicaçõesdaimprensa,quefacultematodapessoareagircontracondenaçõesantecipadasdamídia.

d) Outras áreas problemáticasAlémdisto, a Jurisprudência tem se ocupado com a compatibilidade

da presunção de inocência em caso de informações defeituosas no procedimento de investigação,deexcessosdeprazonaprisão provisória,de consequências de acordos no processo penal, de consequênciasrelacionadas com a extinção sem julgamento do processo penal, dedecisões sobre custos e, também, de problemas relativos à suspensão condicional da pena.

Restaparaconsiderarque,decadadoisprocedimentosdeinvestigaçãopassíveis de denúncia, um é arquivado pelo Ministério Público e, aoladodisto,25porcentodosprocessos sãoencerradosporcausadenãocomprovaçãoda suspeitado fato.Portanto,não se trata apenasdeumaminoria, mas de centenas de milhares de cidadãos que, anualmente,confiamnasgarantiasdapresunçãodeinocência.Restaesperarque,paraamaioria,umprocessopenalarquivadonãotenhaconduzidoaofimdesuacarreiradecidadão,oqueocorrerianão“peloDireito”,mas“contraoDireito”–contraapresunçãodeinocência.

IV. Juiz legal

MesmoparaumProcuradorGeraldoEstadopodehaverdesconfortonoEstadoseguro.Brotaalgocomoresistência,quecomprovademodoimpressionanteaseguintenotíciadeumjornaldiáriosuprarregional,de11.05.2002:“OsProcuradoresGeraisdoEstadoalemãesconsideramcomceticismoainstituiçãodeumMinistérioPúblicoeuropeu”.OProcuradorGeraldoEstadodeWürttembergécitadocomosegue:“Naverdade,seriamnecessáriasinstituiçõeseuropeiascomuns,porqueacriminalidadese tornacadavezmais internacional.Mas seriade se temer,porexemplo,queoagentedoMinistérioPúblicoeuropeuarranjassesuasordensdeprisãonoEstado-Membroemqueistoseriaomaisfácilpossível.EmrelaçãoàsprescriçõesrigorosasdaAlemanha,istoseriapreocupante”.Estasdúvidassãoaindamaisimportantes,emfacedocontextodaconcepçãodedoisfuncionáriosministeriaiseuropeus,publicadanumartigocientífico(Brüner/Spitzer,2002,397),quandoestesrecomendamqueoMinistérioPublicoeuropeudeveriapoderacusarnoEstado-Membro,ondeumacondenaçãoseriamaisfácildeserobtida.AquinósestamosnocernedoprincípiodoJuizlegal,quenãoéapenasuma“rigorosaprescriçãoalemã”,masumprincípiofundamentaldaestatalidadejurídicaeuropeia.Oquedizesteprincípio?

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 207

1. Direito e Conteúdo

a) Correlação com a independência da Justiça (art. 97, Constituição)Oprincípio do Juiz legal é regido por um axioma fundamental do

EstadoDemocráticodeDireito:aindependência da Justiça.JuízeslegaissãoJuízesindependentes,evice-versa.JuizlegaleJuizindependentesãoinseparáveis.AindependênciadoTerceiroPoderéumacolunaestruturalde todos os ordenamentos jurídicos liberais da Europa. Está reguladanoart.97,daConstituição.Osignificadodesteprincípio resulta,nãoporúltimo,dasexperiênciashistóricascomoseucontrário–afunçãoinstrumental da Justiça, no Estado totalitário. A estas experiências,a Constituição contrapõe o programa do Iluminismo, resultante dosmovimentosdeliberdadedoséculo19.NaAlemanha,esteprogramajáfoiassentadonaConstituiçãodaIgrejadePaulo,de1848.EstaConstituiçãonuncaentrouemvigor,masestabeleceucritériosmateriaisvinculadoresdo futuro desenvolvimento constitucional, em relação aos quais nãohavia mais nenhum retrocesso. Na época, como hoje, três elementoscunhavamoprincípiodaindependênciajudicial,asaber,independênciamaterial,pessoaleinterna(compareabaixo§24I).OJuizindependenteconheceapenasumlimitededecisão:aleidaliberdade.

b) Princípio do Juiz legal (art. 101, seção 1, oração 2 da Constituição)Sem o princípio do Juiz legal, a independência judicial não é

realizável.NoDireito alemão, o princípio está ancorado no art. 101,capítulo1,oração2daConstituição.ParaoDireitoPenalsignificaquenão se pode escolher o Juízo que decidirá sobre o fato. Ao contrário,o Juízo competente já estápreviamentedeterminado.ACorteFederalde Justiça, em sua decisão “Al Qaida” de 04.04.2002, enfatizou aimportânciadoprincípiodoJuiz legal (BGHNJW2002,1589s.).Acompetência material, territorial e funcional precisa ser, por força delei,previamentefixada. Igualmente, a composiçãodo Juízoprecisa seranteriormente determinável. Com isto deve ser evitado, que a pessoadoJuizdadecisãosejaescolhidasegundocritériosmateriaisestranhos,portanto,arbitrários.OobjetivoprimordialdadeterminaçãoéimpedirintervençõesdeterceironaJustiça,paraassimassegurarimparcialidadee

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade208

vinculaçãoobjetivadoTerceiroPoder.SeumJuizincompetentedecide,eexistecomistoapossibilidadedequeumadecisãodiferenteteriasidotomada,istotemporconsequênciaaanulaçãodadecisãoproferida.

2. Sobre a realidade jurídica na Alemanha

Política criminal e legislação penal, desde o começo do Iluminismo,têm-seafastadocontinuamentedestemodelode independência judicial.Dopontodevistadasrelaçõespolíticas,jurídico-constitucionaiseteórico-jurídicasdaindependênciajudicial,dizatesecentral:oTerceiroPoder–emespecial,aJustiçapenal–vê-seexpostoàintervençãodeinteressespolítico-criminais e administrativos. A consequência desta intervenção é grave:consistenaperdadeefetivocontroledopoderestatalesocial(Macke,1999,481s.).Esta intervençãoéfacilitadaporumateoricamenteprovocadaepoliticamente desejada carência de uma concepçãonormativa, jurídico-constitucionalmente fundada, da independência judicial. A intervençãode interesses ocorre em quatro níveis. Primeiro, pela informalização doprocesso penal, preparada e realizada peloMinistério Público (compareabaixo § 19 C). Segundo, pelas exigências políticas dirigidas à Justiça,de instituir a segurança pela prevenção (compare abaixo § 25 C).Terceiro, está em jogo a entrega ao poder daPolícia no processo penal(sobre policialização do processo penal, compare abaixo § 15 III), quedesprendeoJuizindependentedanecessáriavinculaçãocomaleipenal.Finalmente – quarto –, ocorre profundo esvaziamento da prerrogativajudicialdasdecisões,essencialparaaconformidadeàJustiçadoprocesso–porexemplo,nasgravesintervençõesemdireitosfundamentais,comoavigilânciatelefônica.

a) Prerrogativa judicial esvaziada de conteúdoJustamente a Política criminal nunca está livre de falsas promessas.

Umadestas falsas promessas diz que as graves intervençõesnosdireitosde liberdades civis, ligadas com as autorizações de investigação secreta,seriamcompensadaspelaspossibilidadesdecontrolejudicial,naformadeprerrogativadoJuiz.AdecisãojudicialdevetornarsuportáveisosdéficitsdeEstadodeDireito,queameaçamcomoprocedimentosecreto.Seestapretensãonormativajáéquestionável,subjacenteaestaexisteaindaaideia

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 209

de que a Justiça está integrada no plano do procedimento sigiloso.Napráxis,aprerrogativadoJuizfracassanoseuserviço(Asbrock,1997,255s.;comparetambémapesquisaempíricadeBackes/Gusy,2003).Aumenta,desimpedida, a quantidade de vigilâncias telefônicas.Muito raramente,juízes indeferemmedidasde investigaçãorequeridas.Alémdisso,escapaàprerrogativadoJuizautilização,muitodifundida,dascompetênciasdeurgênciadoMinistérioPúblicoedaPolícia.Restaesperar,queadecisãodoTribunal Federal Constitucional de 20.02.2001 (BverGE 103, 124s. – perigo de demora) conduza à advertida restrição das competênciasdeurgênciae,comisto,aumfortalecimentodaprerrogativadoJuiz.OfracassopráticodaprerrogativadoJuizestáemrelaçãocomapressãodotempo,queacompetiçãodapolíticadesegurançaimpõeaoJuiz.Porcausadestapressãodotempo,decide-secombaseemfatosqueforampreparadosapenasdopontodevistadaPolíciaedoMinistérioPúblico.Emconclusão,aprerrogativadoJuizrepresentaumadelgadafolhadefigueiradoEstadodeDireito,paraaimpertinênciajurídico-constitucionaldoprocessosecreto.

b) Função de vigilância da JustiçaArealidadedoDireitonaAlemanhaprova,demodoquasedramático,

queaindependênciadoJuizlegalestámalcultivada.SerianecessáriaumacompreensãodopapeldoJuiz,quelembra,autoconsciente,dasesquecidasideiasdoIluminismo.EstacompreensãodepapelprecisaconduziroJuizaperseverarnaobservânciadosprincípiosdoEstadodeDireito.AJustiçaprecisa estar consciente de sua função de vigilância em face da PolíticaedaAdministração.AJustiçanãosepodepermitiratrelaràcarretadosinteresses da política de segurança,mas é baluarte contra o espírito daépoca,deexclusivaorientaçãodesegurança.

OTribunalFederalConstitucional,nasuadecisãode18.7.2005sobreordemdeprisão,reforçouclaramenteestemododeconsideração(2BvR2236/04mRz.102ss).

V. Princípios formadores do processo judicial: imediação, oralidade, publicidade Imaginemososeguinte:encontramo-nosemumprocessopenalalemão.

OMinistério Público gostaria de proteger sua principal testemunha de

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade210

acusação, um informante infiltrado com dificuldade em determinadolugar,enãoquernemrevelarseunome,nemapresentá-lovisualmente.OJuízonãogostariaderenunciaraumquestionamento.MinistérioPúblicoeJuízoentramemacordosobreoseguinteprocedimento:atestemunhaficasentadadentrodeumacaixagrande,porninguémreconhecível,masperceptível acusticamente. Porque a testemunha recebeu, também, departedoMinistériodoInterior,apenasumalimitadapermissãoparadepor,senta-seconjuntamentenacaixaseuacompanhante,ochamadodiretordatestemunha.ÀsperguntasdoJuízo responde sempreumavoz,peloqueresta incertoserespondeua testemunhaouodiretordatestemunha.OJuízonãoestásatisfeitocomoresultadodestaproduçãodeprova.Oquepensardestacaricaturadedireitoaumjustoprocesso,emfacedocontextodeprincípiosformadoresdoprocessojudicialliberal,quesãosacrificadosàeficiênciadoprocessoemfavordasegurançadoEstado?Sobreisto,deveriaexistirsomenteumaresposta.

1. Direito e conteúdo

Imediação, oralidade e publicidade devem assegurar para o acusadoumjustoprocesso.Cadaprincípiotem,porsimesmo,funçõesetarefaspróprias, ao mesmo tempo estão, na verdade, em estreita relação. Ainfraçãocontraumdosprincípiosé,igualmente,tambéminfraçãocontraosoutrosdoisprincípios.Umprocessopenalpúblico somentepode sersignificativamentegarantido,seaaudiênciaocorreimediataeoralmentediantedoJuízocompetente.

a) Imediação A imediação está inscrita no § 250 CPP, que pressupõe que o Juiz,

mas também os outros participantes do processo, devem obter umaimpressãopessoaldoacusadoedosmeiosdeprova,queformaoposteriorfundamentodasentença.Aimediaçãomostra-sededoismodos:porumlado,asentençasomentepodeseapoiaremconhecimentosdaaudiênciaprincipal.Matériaprocessual,quenãofoiobjetodaaudiênciaprincipal,nãopode serusadana sentença.Poroutro lado,o Juizprecisavalorizarsempreaprovamaisconcreta,portanto,ouvirumatestemunha,antesdevalorizarapenasumindício.

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§ 9 - Os Princípios do Direito Penal 211

b) OralidadeEste princípio pretende assegurar que somente matéria processual

discutida oralmente na audiência principal será considerada nafundamentaçãodasentença.Diversasprescriçõesdalegislaçãoprocessualpenalexigemisto(§§250s.,261,264,CPP).OJuizprecisatirarsuacertezasubjetivadasubstânciadaaudiênciaprincipal,assimenunciaoprincípiodalivrevaloraçãodaprovado§261CPP.Istoexige:testemunhas,acusadoe peritos precisam, em princípio, prestar declarações orais em Juízo.Exceçõesestritasvalemsomenteparaocasoemqueumatestemunhanãoéacessível,porexemplo,estámortaouseuparadeironãoéaveriguável.

c) PublicidadeEste princípio está ancorado na Lei de Organização Judiciária

(GVG).Segundoeste,deve-segarantira todosoacessoà saladoJuízo.Contudo, transmissões de rádio, de som ou de televisão são proibidasdurante a audiência. Também existem outras exceções para proteçãodosparticipantesdoprocesso,porexemplo,emprocessospenaiscontraadolescentesouemaudiênciasdeJustiçadefamília.Demodogeral,peloprincípiodapublicidadedeveserpossívelumcontrole do Terceiro Poder.Osignificadodesteprincípioédestacadopeloseguinte,queumainfraçãocontra a produção da publicidade vale como absoluto fundamento derevisão,ouseja,nenhumjulgamentopossui,então,existência(§338n.6,CPP).

Trata-se, quanto aos princípios processuais de imediação, oralidade epublicidade,denormasfundamentaisdoprocessopenal,desenvolvidasnahistóriadaculturaeuropeia.Hoje,estesprincípiosvalemcomopressupostosmínimosparaumprocessopenallegítimoejusto.Nãoqueremosocultar:a observação consequente destes princípios, no cotidiano do processopenal,étrabalhosa,dispendiosaedemorada,masconforme aos Direitos Humanos.

2. Sobre a realidade do Direito na Alemanha

Direitoeconteúdodostrêsprincípioscondutoresdoprocessosão,narealidade doDireito, colocados emquestão por diferentes influências edesenvolvimentos,queprecisamserconsideradoscriticamente.

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade212

a) Influência da mídiaA primitiva pura publicidade imediata da sala do Juízo deformou-se

comodesenvolvimentodamídia,numapublicidademediatadosmeiosdecomunicaçãodemassa(Riepl,1998,p.42).AJustiçatem-seopostodemodoconsequente,atéagora,àexigênciadetornarpúblicososprocessospelorádiooutelevisão.Estarecusaédeseavaliarpositivamente,porqueasinfluênciasdeumacuriosidadepúblicadesenfreada,quefrequentementeémovida por apetites sensacionalistas, prejudicaria significativamente abuscadaverdade.Aliás,ainfluêncianegativadaatençãodamídia,dirigidaporpreconceito,nãoémesmodeavaliar,tantomaisquemanipulatodososparticipantesdoprocesso–muitasvezesmesmodeformainconsciente.Étarefadajurisdiçãoindependentecontrapor-seaesteperigodemanipulaçãoemtodososníveiseesclarecersobreissoaspartesdoprocesso.Nãoporúltimo,édesepromoveroautocontroledosmeiosdecomunicação,quetêm grande responsabilidade na percepção da função de controle, noquadrodoprincípiodapublicidade.

b) Ameaça da imediação pelos acordos informais (Deal)Atendênciapara informalização,queidentificamoscomomáxima

dedesencargojuntoaoMinistérioPúblico,tambémaoníveldapráxisjudicialtampoucoprosseguecomtendênciapositiva,aocontrário,comtendênciaparaerosãodoEstadodeDireito.PorcausadafiltragempeloMinistério Público não chegammais processos às barras da Justiça,senão processos mais complicados. Casos criminais econômicos eambientaiscomplexos,casospenaisdeenvergadurae,comisto,tambémespecial atenção do interesse da mídia, induzem todas as partes doprocessoaacordos.Dopontodevistadasobrecargadetrabalho,istoéapenascompreensível,dopontodevistadosprincípiosdirigentes,aocontrário,não.OprocessopenaldoEstadodeDireitoédesnaturadoaopontodeumafarsa.Considerandoosacordos no processo penal(BGHSt43,195s.;49,84s.eBGHSt(GS)decisãode3demarçode 2005 (GSSt 1/04)), faltam garantias legais de que os resultadosconseguidos fora da lei (“praeter legem”) também serão cumpridos(compareabaixo§22II).

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§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 213

Em resumo: a crescente carga de trabalho da Justiça, por causa dadiminuiçãodosrecursospessoaisemateriais,deixaestiolaremosprincípiosfundamentaisformadoresdoprocessopenaldoEstadodeDireito.

G. Resultado

Sepretendêssemosampliaroconceito,cunhadoporNaucke,deumDireitoPenalqueeledesignoucomo“Direito de limitação do combate ao crime” (1982, 564), então os princípios de direito apresentadosneste capítulo se deixam ler como um conteúdo programático desteconceitoplástico.TambémaCriminologianãopodeparar,emfacedestacompreensão jurídico-constitucional.UmaCriminologia aplicada temde respeitar estas barreiras como limites de intervenção, uma reflexivaCriminologiaautônomatampoucopodedesconsideraristo.Oobjetodointeressedepesquisaestácercadoporbarreirasjurídico-constitucionais,queprotegemoindivíduodeintervençõesestatais,científicasequaisqueroutras.

§ 10. O contínuo processo de erosãodo Direito Penal do Estado de Direito – um resultado

PretendemosencerraroCapítulo3comumresumoquepossibiliteuma visão de conjunto. As linhas históricas, que são identificáveis,devemesclareceresquematicamenteosobjetosdemudançasjurídico-penaisecriminológicaseasrepresentaçõesdepossibilidadesdecontrolejurídico.

I. Da dominação à destruição do Direito

1. Direito metafísico do soberano na época do Pré-Iluminismo

O Direito Penal se libertou no século 18, de forma lenta e penosa,das garras doPré-Iluminismo (compare acima § 6A I).Comodireito

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade214

metafísico do soberano, tinha-se atreladoà lutadoBemcontraoMal(DeusversusDiabo).Alegitimaçãoresidianopoderdepunirdosoberanoabsoluto,ossúditosdoDireitotinhamquesuportarestepoderdepunir,atravésdeconsentidaspenascorporaisefísicas,comosujeitosdalutacontraoMal.Noprimeiroplano,estavaaestabilizaçãododomíniomundanoereligioso,medianteimposiçãoinquisitorialdoDireito.

2. A teoria penal absoluta como emancipação do Direito

ODireito Penal clássico do século 18,quefoi inauguradocomoIluminismo,tinhacomopontodepartidaoconhecimentoemancipatóriode que não o homem (soberano), mas somente o Direito racionalteria de dominar (compare acima § 6 A II). O Direito Penal tinha,nesta visão, exclusivamente a função absoluta de retribuir a lesão doDireito, como reintegração do Direito e, na verdade, vinculada aoindivíduo,vinculadaàculpabilidadeevinculadaàlei.Dopontodevistaideal-típicoexistia,naversãodoDireitoPenal clássico,umarigorosa relação de fato. Esta relação de fato se esgotava em um modelo deDireitorepressivo-limitador,queseprendia,novamentedeformaideal-típica, ao princípio de uma legalidade dirigida pela razão.Omodelodo Direito Penal clássico era um modelo teórico. Por detrás destapretensãoocultava-se,comfrequência,nocursodahistória,garantiadedomínioautoritário,enão,aocontrário,legalidadenosentidodeumageneralizada e representativa autonomia dos cidadãos. Direito Penalabsolutoera,por isso,emsuaconfiguraçãohistórica,comfrequência,DireitoPenalestatalemroupagemautoritária.

3. As teorias penais relativas como expressão de orientação do Estado social

Noséculo19,nacontrovérsiaedelimitaçãodeumDireitoPenalclássico,surgiuaModerna Escola de Direito Penal,perfilhadanoProgramadeMarburgdeFranz v. Liszt(compareacima§6B).Opensamentopreventivodefimfoiopadrinhodestedesenvolvimentodasteoriaspenaisrelativas,que

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§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 215

tomavamemconsideração,deagoraemdiante,autilidadesocialdapenaenãomaisarazãodapena,eatravésdeumaideal-típicarigorosa relação de autor,atrelavanadisposiçãodeadaptaçãodoindivíduo.EstefoitambémolocaldenascimentodaCriminologiacientíficaorientadapeloautor,quedesenvolveu,comauxíliodaindividualizaçãoemoralização,ummodelodeDireito preventivo-configurador: o preço da orientação pela variávelutilidadesocialdapenafoi,maistarde,umaoportunidadecarregadadeEstadoSocial,quejácolocouemquestão,fundamentalmente,apretensãodevalidadegeraledeaplicaçãoigualdoDireito.

4. O Direito Penal simbólico: crises sistêmicas e orientação sistêmica

AsesperançasfrustradassobreoEstado do Bem EstarabaladoporcrisesdãoumanovadireçãoaodesenvolvimentodoDireito,nofinaldoséculo20(compareacima§6C).Osriscosincalculáveisdasociedadeindustrial,quenãosãomaisdedominarpormecanismosdecontroleestatal,emespecialpelocontrole jurídico racionalouorientadopelofim,precipitam-seemlegislação simbólica.OsimbólicoDireitoPenaldorisconãomaistememvistaareferênciadeautordoDireitoPenalpreventivo,masexclusivamenteumaorientaçãosistêmica.Comomodeloempiricamentenãodemonstrávelda chamada prevenção de integração, ou seja, com a orientação para aconsciência normativamente estabilizante da coletividade, este modelodeDireito introduz – de novo, em forma ideal-típica – uma rigorosa relação com o sistema.Adespedidadageneralidadeeda igualdadedaaplicaçãodoDireitointroduzainformalização do Direito.OaplicadordoDireitopodeaplicaroDireito,sequiser,maspodetambémdeixardeaplicar.Estaoportunidade do Direitoconduzaumconceito de Direito sem conteúdo, que se apresenta, em conclusão, lesivo da igualdade e arbitrário.EsteprocessodedesenvolvimentodoDireitoéacompanhadoporumcrescentedesinteresseemumaCriminologiaorientadapeloautor,porque a orientação para proteção sistêmica precisa conduzir a umadesindividualização.Aindividualizaçãoconduzapenas,ainda,nocasodasançãoseletiva,aumavantagemdeusopolítico:serve,paraofalhosistemapolítico,àrejeiçãodaresponsabilidadeestrutural.

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade216

5. O pós-preventivo Direito Penal de segurança: segurança antes da liberdade

Acontinuidade na erosão do Direito impõe-se,cadavezmais,navirada para o século 21 (compareacima§6D).Umpós-preventivo Direito Penal de segurança, carregado por orientações globais de segurança,comodesafiosemrelaçãoaformasdesenfreadasdeviolência(designadas,segundoaperspectiva,comoterrorismo),aspira,demodoclaro,garantiadedomínioglobal.Oconceitodesegurançaexperimentaumainequívocaprioridade diante da proteção da liberdade. Com uma intervenção de segurança independente de suspeita, o pós-preventivo Direito Penalde segurança recorre mesmo a meios de militarização da segurança interna (emprego do Exército para persecução penal internacional, oupara perseguição de finalidades de segurança interna). Ideal-típico paraestaorientaçãoglobaldesegurançaéainvocaçãodesacrifícios especiais, como dever geral dos cidadãos, em favor da segurança total, que nãoexistemais.Opós-preventivoDireitoPenalde segurançanãoestámaisinteressado, nem remotamente, em orientações criminológicas.Trata-seapenasdamultiplicaçãodepurasmedidas legaisde segurança,que são,mesmo, aclamadas pela maioria da população. Neste desenvolvimentoexiste,semdúvida,umclaromodelodenegação do Direito,atémesmodeaniquilação do Direito.

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§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 217

Modelos de controle do Direito Penale papel da Criminologia na evolução histórica

Sequência cronológica Direito Penal Papel da Criminologia Teorias penais Efeitos sobre o

sujeito Modelo de Direito

Pré-Iluminismo Direito Metafísico do Soberano

Vinculação metafísica(Deus/Diabo)

Poder penal do soberano absoluto

Penas corporais consentidas como luta contra o Mal

Modelo ideal: destruição

Direito Inquisitorial para estabilização do

domínio mundano e religioso

Século19

Direito Penal Clássico (Immanuel

Kant)

Irrelevância de conhecimentos

empíricos sobre causas da criminalidade;

Antropologia de conteúdo

Teoria penal absoluta

• Reação retributiva à lesão do direito

Vinculados ao indivíduo, à

culpabilidade, e à lei

Modelo ideal: rigorosa relação

de fato

Repressivo-limitador

• Princípio da legalidade

Séculos19/20

Escola Moderna de Direito Penal (Franz von Liszt, Programa

de Marburg)

Criminologia tradicional orientada

pelo autor:* Individualização

* Moralização

Teoria penal relativa

• Nascimento da ideia de finalidade

preventiva no Direito Penal

Utilidade social; disposição de

adaptação

Modelo ideal:rigorosa referência

de autor

Preventivo-configurador

• Oportunidade carregada de Estado

Social

Final doséculo 20

Simbólico Direito Penal do Risco:

Legislação simbólica

Orientação sistêmica;Crescente desinteresse

criminológico:* Desinvididualização* Proteção sistêmica

Prevenção de integração

• Prevenção geral positiva como

estabilização do sistema

Consciência da comunidade

estabilizadora da norma

Modelo ideal: rigorosa relação

sistêmica

Informalização

• Conceito de Direito sem conteúdo,• Lesão da igualdade,• Aplicação

arbitrária do Direito

Virada para o Século 21

Direito Penal da Segurança pós-

preventivo

Orientação global de segurança;

Ignorância política em relação aos conhecimentos criminológicos

Intervenção de segurança operativa

independente de suspeita

• Militarização da segurança interna

Garantia de dominação global (dominância da

segurança diante da liberdade)

Modelo ideal:sacrifício especial

como dever geral do cidadão

Pura Medida de prevenção

• Negação do Direito,

• Aniquilação do Direito

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Capítulo 3 - Proteção da liberdade218

II. Consequências práticas do processo da erosão do Direito: esper-anças de uma mudança na Europa dos cidadãos

AobreveesboçodacontinuidadedeconstruçãodoDireitoaté,enfim,aaniquilaçãodoDireito,subjazummodelodedesenvolvimentoqueseapresenta como historicamente encerrado nas primeiras quatro etapas.Comojámostraasequênciacronológica,nãoexistenenhumquadrodeseparação temporal nítida para as etapas particulares. Isto é igualmenteverdadeparaasexplicaçõesteórico-penais,paraosefeitossobreossúditosdo Direito e para o papel da Criminologia em relação às exigênciasjurídico-penais.Comistodevem,apenas,seresclarecidas–emformaideal-típica–aspremissasecondiçõesdocontínuoabandono de ummodelo de Direito de conteúdo, isto é, de ummodelo de validade geral e deaplicaçãoigual.OrigordestemodelonãoprecisaconduziraumfatalismoemrelaçãoaodesenvolvimentodoDireito.NósnosencontramosnomeiodeumprocessopolíticodedesconstruçãodoDireito,emsentidoclássico.Emtodocaso,ainformalizaçãodoDireitomarcaocotidianojurídicoemextensãocrítica,istoécerto.

Émissão de uma política de Estado de Direitoreconheceraproteção do Direito,noâmbitonacionaleinternacional,comotarefa central.ODireitojánãoémaisdemocraticamentelegitimadonoprocessodecriação.NoDireitoPenal,por exemplo,odesenvolvimento europeudoDireitodesvincula-secontinuamentedalegitimaçãoatravésdoLegisladornacional,namelhordashipótesesnasceumpuroDireitodeadesão,semconsideraçãoaoscontextosreais.ODireitoéconfiguradotãoflexívelquantopossível,parausodequalquerumeabertoatodainfluênciapolítica.

ImpressionanteprovadistoéadecisãodoLegisladoralemão,distantedoDireitoConstitucional,queestáclaramenteprontoapagaropreçodarenúnciadepostuladosconstitucionaiscentrais,emapressadaobediênciaparaumaunificaçãoeuropeia.ArespostadoTribunalFederalConstitucionalcaicomoumabofetada:legislaçãonula!OLegisladorpode,naconsciênciadesua“liberdadenormativa”,encontrarumanovaformulaçãoconformeaosdireitosfundamentais(BverfG,decisãode18.07.2005,2BvR2236/04,Rz.116e146(opiniãodivergentedoJuizBross)).

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§ 10 - O contínuo processo de erosão do Direito Penal do Estado de Direito 219

Oquedeveriaajudar,é:• umaexplicaçãocientíficasobreatradição de um liberal Direito Penal

europeu,quesebaseiaemprincípiosdeliberdade,• que,porcausadesuaexigenteorientaçãodeEstadodeDireito,somente

podereagiraopuroinjusto nuclear doEstadodeDireito,• queé libertadodesuasexcessivas exigências de controle emsentido

sistêmicoe• queéimpostoporumforte Judiciário independente emfacedosdois

outrospoderesdoEstado.

Para proteção e fortalecimento de um semelhante Direito Penalorientadoporprincípiosprecisatrabalharaatençãodeumpúblicoeuropeuesclarecido.QueistopodeconteracontinuidadedaerosãodoDireito,éaesperançadeumaciênciadoDireitoPenaldoEstadodeDireito.

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