93
Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas Departamento de Serviço Social Taís Leite Flores Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a incapacidade laborativa devida à dependência do álcool Brasília (DF), março de 2008.

Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Universidade de Brasiacutelia

Instituto de Ciecircncias Humanas

Departamento de Serviccedilo Social

Taiacutes Leite Flores

Proteccedilatildeo social Sauacutede e trabalho

O Auxiacutelio-doenccedila e a incapacidade laborativa devida

agrave dependecircncia do aacutelcool

Brasiacutelia (DF) marccedilo de 2008

Taiacutes Leite Flores

Proteccedilatildeo social Sauacutede e trabalho

O Auxiacutelio-doenccedila e a incapacidade laborativa devida

agrave dependecircncia do aacutelcool

Monografia apresentada ao Departamento de Serviccedilo Social para obtenccedilatildeo do diploma de graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social

Orientadora Profordf Drordf Ivanete Boschetti

Brasiacutelia (DF) marccedilo de 2008

2

Este trabalho de monografia foi aprovado pela seguinte banca examinadora

Professora Drordf Ivanete Boschetti

Departamento de Serviccedilo Social IH

Universidade de Brasiacutelia

Orientadora

Mt ordf Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Assistente Social orientadora de estaacutegio curricular supervisionado

Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

1ordm membro

Prof Drordf Marlene Teixeira Rodrigues

Departamento de Serviccedilo Social IH

Universidade de Brasiacutelia

2ordm membro

3

Agradecimentos

A Deus

Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada

A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos

Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo

Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB

Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional

Aos clientes do PAAHUB

Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este

trabalho natildeo se concretizaria

Aos amigos da juventude de Nova Vida

Pelas palavras de apoio e acircnimo

Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social

Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados

Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia

Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos

Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social

Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo

Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social

pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos

Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues

pela disponibilidade em participar desta banca de defesa

Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa

pesquisa

Agrave Prof Ivanete Boschetti

Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada

4

Resumo

Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo

social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool

(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da

concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O

estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do

tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito

previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os

resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as

instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do

trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes

de trabalho

Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de

dependecircncia do aacutelcool

5

Lista de Siglas

CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas

CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo

CF ndash Constituiccedilatildeo Federal

CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas

CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho

CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas

DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho

DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo

Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor

GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees

Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia

Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social

LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede

MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social

MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo

PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social

PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

RPS - Regulamento da Previdecircncia Social

SAT - Seguro Acidentes de Trabalho

Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UnB ndash Universidade de Brasiacutelia

6

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 2: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Taiacutes Leite Flores

Proteccedilatildeo social Sauacutede e trabalho

O Auxiacutelio-doenccedila e a incapacidade laborativa devida

agrave dependecircncia do aacutelcool

Monografia apresentada ao Departamento de Serviccedilo Social para obtenccedilatildeo do diploma de graduaccedilatildeo em Serviccedilo Social

Orientadora Profordf Drordf Ivanete Boschetti

Brasiacutelia (DF) marccedilo de 2008

2

Este trabalho de monografia foi aprovado pela seguinte banca examinadora

Professora Drordf Ivanete Boschetti

Departamento de Serviccedilo Social IH

Universidade de Brasiacutelia

Orientadora

Mt ordf Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Assistente Social orientadora de estaacutegio curricular supervisionado

Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

1ordm membro

Prof Drordf Marlene Teixeira Rodrigues

Departamento de Serviccedilo Social IH

Universidade de Brasiacutelia

2ordm membro

3

Agradecimentos

A Deus

Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada

A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos

Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo

Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB

Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional

Aos clientes do PAAHUB

Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este

trabalho natildeo se concretizaria

Aos amigos da juventude de Nova Vida

Pelas palavras de apoio e acircnimo

Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social

Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados

Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia

Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos

Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social

Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo

Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social

pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos

Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues

pela disponibilidade em participar desta banca de defesa

Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa

pesquisa

Agrave Prof Ivanete Boschetti

Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada

4

Resumo

Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo

social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool

(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da

concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O

estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do

tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito

previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os

resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as

instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do

trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes

de trabalho

Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de

dependecircncia do aacutelcool

5

Lista de Siglas

CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas

CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo

CF ndash Constituiccedilatildeo Federal

CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas

CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho

CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas

DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho

DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo

Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor

GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees

Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia

Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social

LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede

MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social

MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo

PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social

PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

RPS - Regulamento da Previdecircncia Social

SAT - Seguro Acidentes de Trabalho

Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UnB ndash Universidade de Brasiacutelia

6

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 3: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Este trabalho de monografia foi aprovado pela seguinte banca examinadora

Professora Drordf Ivanete Boschetti

Departamento de Serviccedilo Social IH

Universidade de Brasiacutelia

Orientadora

Mt ordf Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Assistente Social orientadora de estaacutegio curricular supervisionado

Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

1ordm membro

Prof Drordf Marlene Teixeira Rodrigues

Departamento de Serviccedilo Social IH

Universidade de Brasiacutelia

2ordm membro

3

Agradecimentos

A Deus

Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada

A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos

Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo

Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB

Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional

Aos clientes do PAAHUB

Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este

trabalho natildeo se concretizaria

Aos amigos da juventude de Nova Vida

Pelas palavras de apoio e acircnimo

Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social

Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados

Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia

Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos

Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social

Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo

Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social

pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos

Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues

pela disponibilidade em participar desta banca de defesa

Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa

pesquisa

Agrave Prof Ivanete Boschetti

Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada

4

Resumo

Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo

social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool

(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da

concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O

estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do

tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito

previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os

resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as

instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do

trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes

de trabalho

Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de

dependecircncia do aacutelcool

5

Lista de Siglas

CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas

CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo

CF ndash Constituiccedilatildeo Federal

CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas

CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho

CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas

DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho

DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo

Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor

GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees

Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia

Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social

LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede

MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social

MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo

PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social

PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

RPS - Regulamento da Previdecircncia Social

SAT - Seguro Acidentes de Trabalho

Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UnB ndash Universidade de Brasiacutelia

6

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 4: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Agradecimentos

A Deus

Por esta vitoacuteria e ter me sustentado inclusive nos momentos mais difiacuteceis dessa jornada

A minha famiacutelia meus pais e irmatildeos

Que lutaram ao meu lado com forccedila e compreensatildeo

Agrave Chefia Isabel Cristina e colegas do PAAHUB

Pelo companheirismo incentivo na construccedilatildeo da pesquisa e crescimento profissional

Aos clientes do PAAHUB

Por terem me inspirado e motivado a realizar o percurso deste estudo Sem vocecircs este

trabalho natildeo se concretizaria

Aos amigos da juventude de Nova Vida

Pelas palavras de apoio e acircnimo

Agraves minhas amigas do curso de Serviccedilo Social

Pela cumplicidade amizade e desafios compartilhados

Aos colegas do GESSTSER da Universidade de Brasiacutelia

Pelo companheirismo leituras compartilhadas e trabalhos desenvolvidos

Aos Professores do Departamento de Serviccedilo Social

Pelos aprendizados desafios e reflexotildees construiacutedas nestes quatro anos de graduaccedilatildeo

Aos funcionaacuterios do Departamento de Serviccedilo Social

pela cooperaccedilatildeo nos assuntos administrativos

Agrave Profordf Marlene Teixeira Rodrigues

pela disponibilidade em participar desta banca de defesa

Agrave Assistente Social Claacuteudia Regina Merccedilon de Vargas

Pelo exemplo profissional sugestotildees e valiosa orientaccedilatildeo na construccedilatildeo do percurso dessa

pesquisa

Agrave Prof Ivanete Boschetti

Por me mostrar os caminhos da pesquisa cientiacutefica e pela confianccedila em mim depositada

4

Resumo

Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo

social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool

(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da

concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O

estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do

tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito

previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os

resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as

instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do

trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes

de trabalho

Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de

dependecircncia do aacutelcool

5

Lista de Siglas

CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas

CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo

CF ndash Constituiccedilatildeo Federal

CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas

CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho

CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas

DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho

DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo

Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor

GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees

Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia

Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social

LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede

MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social

MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo

PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social

PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

RPS - Regulamento da Previdecircncia Social

SAT - Seguro Acidentes de Trabalho

Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UnB ndash Universidade de Brasiacutelia

6

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 5: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Resumo

Este trabalho analisa o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como um mecanismo de proteccedilatildeo

social no contexto de incapacidade laborativa devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool

(SDA) A pesquisa situa o benefiacutecio na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria e o analisa a partir da

concepccedilatildeo de Seguridade Social consagrada na Constituiccedilatildeo de 1988 Foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas com oito segurados do RGPS em tratamento no PAAHUB O

estudo contrasta os aspectos legais agrave implementaccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila no contexto do

tratamento especializado em sauacutede Objetivou-se caracterizar a qualidade do acesso ao direito

previdenciaacuterio e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo Os

resultados mostram que prevalece uma ausecircncia de articulaccedilatildeo institucional entre o INSS as

instituiccedilotildees de trabalho e os serviccedilos de sauacutede Aponta desafios para a concretizaccedilatildeo do

trabalho como um fator de proteccedilatildeo e accedilotildees de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede nos ambientes

de trabalho

Palavras-chave seguridade social auxiacutelio-doenccedila trabalho direito social siacutendrome de

dependecircncia do aacutelcool

5

Lista de Siglas

CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas

CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo

CF ndash Constituiccedilatildeo Federal

CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas

CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho

CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas

DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho

DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo

Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor

GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees

Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia

Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social

LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede

MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social

MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo

PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social

PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

RPS - Regulamento da Previdecircncia Social

SAT - Seguro Acidentes de Trabalho

Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UnB ndash Universidade de Brasiacutelia

6

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 6: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Lista de Siglas

CAPs ndash Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

CAT ndash Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

Cebrid - Centro Brasileiro de Informaccedilotildees sobre Drogas Psicotroacutepicas

CETA - Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo

CF ndash Constituiccedilatildeo Federal

CID - Coacutedigo Internacional de Doenccedilas

CLT - Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho

CNAE - Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas

DRT ndash Delegacia Regional do Trabalho

DSM - Manual Diagnoacutestico e Estatiacutestico dos Transtornos Mentais

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo

Funabem - Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor

GESST SER - Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

HUB ndash Hospital Universitaacuterio de Brasiacutelia

IAPs ndash Institutos de Aposentadoria e Pensotildees

Inamps ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social

INPS - Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

LBA - Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia

Lops - Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social

LOS ndash Lei Orgacircnica da Sauacutede

MPAS - Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social

MTE ndash Ministeacuterio do Trabalho e Emprego

OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede

PAA - Programa de Atendimento ao Alcoolismo

PBPS - Plano de Benefiacutecios da Previdecircncia Social

PIS - Programa de Integraccedilatildeo Social

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

RPS - Regulamento da Previdecircncia Social

SAT - Seguro Acidentes de Trabalho

Sinpas - Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social

SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede

UnB ndash Universidade de Brasiacutelia

6

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 7: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Sumaacuterio

7

Introduccedilatildeo 08

1 A Previdecircncia Social e construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil 12

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social 12

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do seguro social 16

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

24

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as interfaces entre sauacutede e previdecircncia 28

21 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e direito ao tratamento 33

22 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio 40

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica 46

31 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 51

32 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool 56

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB 61

4 1 Metodologia do trabalho de campo 63

4 2 Resultados encontrados 66

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila 68

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do trabalhador 74

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do tratamento especializado 77

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao trabalho e readaptaccedilatildeo profissional 80

5 Consideraccedilotildees finais 85

6 Referecircncias bibliograacuteficas 86

Anexo 92

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 8: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a

Introduccedilatildeo

A seguridade social brasileira eacute uma importante conquista social consagrada na

Constituiccedilatildeo Federal (CF) de 1988 Integra as poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede previdecircncia e

assistecircncia social Os benefiacutecios e serviccedilos oferecidos pela previdecircncia garantem uma

proteccedilatildeo social aos trabalhadores e agraves suas famiacutelias nos momentos de natildeo inserccedilatildeo no

mercado de trabalho como desemprego velhice invalidez e doenccedilas contribuindo para

regular as relaccedilotildees de trabalho (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo o art 201 I da CF eacute obrigaccedilatildeo da previdecircncia a cobertura das doenccedilas que

acometam aos trabalhadores Tal obrigaccedilatildeo mostra-se relevante particularmente quando se

reconhece a complexidade da dinacircmica entre sauacutede e trabalho As transformaccedilotildees no mundo

do trabalho e nos processos produtivos exigem maior qualificaccedilatildeo dos trabalhadores e

acarretam maiores desgastes mentais Nesse sentido o direito agrave sauacutede se torna indispensaacutevel e

inegociaacutevel

No Regime Geral da Previdecircncia Social (RGPS) a proteccedilatildeo da sauacutede dos

trabalhadores envolve dentre outros um seguro de sauacutede o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

(doravante denominado lsquoADrsquo ou lsquobenefiacuteciorsquo) dividido nos tipos previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Trata-se de renda mensal garantida ao segurado que se encontrar mais de quinze dias

incapacitado para o trabalho e enquanto persistir a incapacidade laborativa avaliada pela

periacutecia meacutedica do INSS As doenccedilas podem ser ou natildeo relacionadas ao trabalho O tipo

previdenciaacuterio cobre as doenccedilas comuns e eacute garantido a todos os segurados Jaacute o acidentaacuterio

cobre os acidentes de trabalho e as doenccedilas a ele equiparadas Essa distinccedilatildeo tem implicaccedilotildees

previdenciaacuterias e legais

Dentre as doenccedilas cobertas pelo auxiacutelio-doenccedila estaacute a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool (SDA) popularmente conhecida como alcoolismo Eacute um grave problema de sauacutede

puacuteblica atingindo a populaccedilatildeo como um todo e aos trabalhadores em particular As suas

consequumlecircncias cliacutenicas psiacutequicas e sociais podem incapacitar para o trabalho A tendecircncia

previdenciaacuteria de reconhececirc-la como doenccedila incapacitante e o consequumlente acesso dos

segurados ao tratamento eacute um fato novo Ateacute o momento os seus efeitos tecircm se dado como

AD previdenciaacuterio A possibilidade de ser reconhecida como AD acidentaacuterio ainda eacute

incipiente e situa-se na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

8

O objetivo deste trabalho eacute analisar em um contexto de tratamento de sauacutede

especializado em dependecircncia de aacutelcool e outras substacircncias psicoativas o benefiacutecio AD

previdenciaacuterio como um mecanismo de proteccedilatildeo social no contexto da sauacutede do trabalhador

A anaacutelise da concretizaccedilatildeo do AD no acircmbito das empresas Previdecircncia e serviccedilos de

sauacutede se justifica por poder contribuir para o fortalecimento do suporte social e da

consequumlente melhoria da qualidade de vida dos segurados em tratamento Em outras palavras

avaliaacute-lo como um direito social

Tais reflexotildees situadas no campo da Seguridade Social derivam do percurso

acadecircmico e da atinente experiecircncia de estaacutegio vivenciada pela pesquisadora durante o curso

de Serviccedilo Social na Universidade de Brasiacutelia (UNB) Ao niacutevel teoacuterico nos anos de 2005 a

2007 trabalhos no Grupo de Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST SER)

subsidiaram a reflexatildeo sobre os direitos sociais Em niacutevel praacutetico nos anos de 2006 e 20071

estaacutegio supervisionado no Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA) do Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) possibilitou a praacutetica profissional no campo da dependecircncia

quiacutemica e a delimitaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo do trabalho de campo

Essa pesquisa compreende que as poliacuteticas sociais satildeo dinacircmicas e eacute na tensa relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade que elas se conformam O eixo de anaacutelise eacute da construccedilatildeo histoacuterica

do benefiacutecio AD como direito social no contexto especiacutefico de incapacidade para o trabalho

devido ao consumo de aacutelcool Esta anaacutelise foi integrada agrave anaacutelise documental da legislaccedilatildeo

sobre o AD

Identificados os aspectos legais estes foram equiparados agrave implementaccedilatildeo do

benefiacutecio no contexto especiacutefico de segurados que se encontram em tratamento especializado

de sauacutede Esta etapa eacute composta por um estudo de caso de caraacuteter investigativo e exploratoacuterio

A metodologia consistiu na realizaccedilatildeo de oito entrevistas semi-estruturadas com segurados do

RGPS em tratamento no PAAHUB cuja anaacutelise das mesmas foi complementada pela dos

registros de prontuaacuterios A escolha deste grupo foi motivada pelo contato com a demanda de

pacientes afastados do trabalho e recebendo o AD Parte-se do pressuposto de que o

tratamento especializado propicia a reduccedilatildeo dos danos associados ao consumo do aacutelcool eou

de outras substacircncias psicoativas contribuindo para a melhor qualidade de vida dos sujeitos

Objetivou-se a partir da visatildeo dos proacuteprios trabalhadores caracterizar a qualidade do

acesso ao AD e a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta sua concessatildeo As questotildees

1 O PAA eacute um serviccedilo inserido no Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) O objetivo do programa eacute contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que consomem aacutelcool e outras substacircncias psicoativas ao niacutevel do uso abuso ou dependecircncia

9

norteadoras foram o reconhecimento da SDA como doenccedila a compreensatildeo do trabalho como

fator de risco ou de proteccedilatildeo a dinacircmica dos atores envolvidos na implementaccedilatildeo do AD as

possibilidades e limites do acesso ao tratamento e da reintegraccedilatildeo ao trabalho

Quanto agrave estrutura este trabalho foi dividido em quatro capiacutetulos O primeiro situa o

desenvolvimento do AD na poliacutetica previdenciaacuteria Aponta-se que no Brasil o acesso aos

direitos sociais esteve condicionado a preacutevias contribuiccedilotildees financeiras em uma sociedade

marcada pela natildeo expansatildeo do sistema salarial Assim ateacute 1988 entende-se que natildeo havia o

direito legiacutetimo agrave sauacutede e nem um sistema de seguridade social Com a promulgaccedilatildeo da CF

de 1988 instituiu-se o conceito de seguridade social Os princiacutepios constitucionais2 buscaram

ultrapassar a loacutegica contributiva previdenciaacuteria restritiva de direitos Contudo foram

incorporados desigualmente

Segundo Boschetti (2004) conjugaram-se direitos derivados do trabalho (previdecircncia)

a direitos seletivos (assistecircncia) e universais (sauacutede) podendo-se afirmar que ainda natildeo houve

a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil O AD embora situado na poliacutetica de

previdecircncia social deveria estabelecer interfaces com a poliacutetica de sauacutede Ainda permanece

como um direito derivado do trabalho e subordinado agrave loacutegica contributiva enquanto os outros

direitos na poliacutetica de sauacutede incorporaram o princiacutepio da universalizaccedilatildeo Eacute nesse sentido que

este trabalho busca ampliar a compreensatildeo sobre o AD Enquanto um benefiacutecio

previdenciaacuterio deveria ser incorporado aos novos direitos constitucionais de proteccedilatildeo social

O segundo analisa os princiacutepios orientadores e a regulamentaccedilatildeo do AD na legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria e identifica importantes desafios para a articulaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede e

previdecircncia

O terceiro problematiza a relaccedilatildeo entre o trabalho e a dependecircncia do aacutelcool e aponta

a sauacutede como um conceito construiacutedo na dinacircmica das relaccedilotildees sociais Discute-se o

reconhecimento da SDA como doenccedila e a implicaccedilatildeo deste fato na poliacutetica de previdecircncia

social particularmente na concessatildeo do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio Com isso pocircde-se

analisar a concretizaccedilatildeo do AD como um direito social

O quarto apresenta o estudo de caso a metodologia da pesquisa e os resultados Faz-

se uma anaacutelise temaacutetica das entrevistas sob a perspectiva da concretizaccedilatildeo do AD como um

direito social Retoma-se a anaacutelise legal e as discussotildees teoacutericas atinentes para compreender

2 Alguns desses princiacutepios satildeo universalidade na cobertura uniformidade e equivalecircncia dos benefiacutecios seletividade e distributividade nos benefiacutecios equumlidade no custeio diversidade das bases de financiamento e caraacuteter democraacutetico e descentralizado da administraccedilatildeo (CF artigo 194) BOSCHETTI I Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico do Serviccedilo Social que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

10

os impactos do AD sobre as relaccedilotildees de trabalho A anaacutelise das entrevistas aponta

especificidades na relaccedilatildeo sauacutede e trabalho que fundamentam e orientam a concessatildeo do

benefiacutecio

O eixo de anaacutelise das entrevistas buscou considerar tanto o papel do trabalho como

determinante para a SDA quanto agraves estrateacutegias construiacutedas pelos trabalhadores contra as

situaccedilotildees nocivas agrave sua sauacutede (LIMA 2001 apud ASSUNCcedilAtildeO 2001) Apoacutes se demonstrar a

complexidade do tema enfatiza-se o potencial dos tratamentos especializados de sauacutede para a

materializaccedilatildeo dos direitos sociais relacionados ao trabalho o retorno ou a continuidade da

proteccedilatildeo social por meio das aposentadorias

Por fim apresentam-se as conclusotildees e as consideraccedilotildees finais

11

1 A Previdecircncia Social e a construccedilatildeo dos direitos sociais no Brasil

O AD eacute um seguro-sauacutede puacuteblico garantido a todos os trabalhadores segurados pela

previdecircncia social Situa-se como uma intervenccedilatildeo estatal conformada nas relaccedilotildees entre a

sociedade e o Estado condicionada a variantes histoacutericas poliacuteticas e econocircmicas Este

benefiacutecio se insere na conquista da proteccedilatildeo do risco social caracterizado pela incapacidade

por doenccedilas Diante da centralidade da previdecircncia na conformaccedilatildeo dos direitos sociais no

Brasil importa compreender como o AD se situou dentro desta poliacutetica a fim de

problematizar a sua cobertura aos trabalhadores

Desde o seu iniacutecio a previdecircncia social condicionou o acesso aos direitos sociais e em

particular o direito agrave sauacutede Apesar do aumento das relaccedilotildees formais de trabalho natildeo houve a

generalizaccedilatildeo da sociedade salarial o que restringiu o alcance da previdecircncia social no Brasil

Nem o crescimento econocircmico ou a industrializaccedilatildeo contribuiacuteram para a reduccedilatildeo das

desigualdades sociais Foi neste processo que se institucionalizou o AD como um seguro

puacuteblico de sauacutede

A seguir identificam-se as transformaccedilotildees histoacutericas que moldaram a poliacutetica de

previdecircncia social Esta foi construiacuteda a partir do conceito de seguro social o qual orientou a

institucionalizaccedilatildeo do AD e dos demais benefiacutecios situados no acircmbito da previdecircncia social

Busca-se apresentar alguns pontos que fundamentem uma problematizaccedilatildeo do lugar do

benefiacutecio AD na proteccedilatildeo social dos trabalhadores

11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social

Na histoacuteria do capitalismo marcada pelo conflito entre capital e trabalho a luta dos

trabalhadores por melhores condiccedilotildees de vida contribuiu para a construccedilatildeo de um padratildeo

especiacutefico de regulaccedilatildeo do trabalho Ao final do seacuteculo XIX o aumento da reivindicaccedilatildeo dos

trabalhadores e o surgimento da questatildeo social implicaram na intervenccedilatildeo do Estado sobre a

economia de mercado As poliacuteticas sociais portanto foram a resposta construiacuteda a partir da

luta de classes para as contradiccedilotildees geradas pela expansatildeo do capital

12

Os sistemas de proteccedilatildeo social em toda a Europa foram organizados em torno de duas

concepccedilotildees de proteccedilatildeo social o modelo bismarckiano e o modelo de seguridade social

beveridgiana3 que no seacuteculo XX corresponderam ambos agrave difundida designaccedilatildeo de Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State (SALVADOR BOSCHETTI 2003) Contudo estes

sistemas soacute se consolidaram no poacutes-Segunda Guerra (1945) correspondendo ateacute o iniacutecio da

deacutecada de 70 a um processo de expansatildeo da cidadania e dos direitos sociais (BEHRING

2004)

Foi a partir do seguro social situado no modelo bismarckiano que se consolidaram as

poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede no Brasil Importa conhecer suas raiacutezes histoacutericas devido aos

reflexos ainda persistentes nas poliacuteticas sociais atuais e em particular no AD

Segundo Boschetti (2003 2006) e Giovanella (1999) o seguro social surgiu no final

do seacuteculo XIX na Alemanha durante a Revoluccedilatildeo Industrial quando a propriedade privada

tornou-se um dos principais elementos de conflito na relaccedilatildeo capital e trabalho Destituiacuteda dos

meios de produccedilatildeo como forma de sobrevivecircncia a emergente classe de trabalhadores

assalariados era obrigada a vender a sua forccedila de trabalho no mercado

Sem nenhuma regulaccedilatildeo estatal os trabalhadores eram submetidos a excessivas

jornadas sob precaacuterias condiccedilotildees tornando-os propiacutecios a doenccedilas agrave invalidez e mesmo agrave

morte ldquoEra a preacute-histoacuteria da sauacutede do trabalhador em que viver era apenas natildeo morrerrdquo

(DEJOURS 1987 apud SOUZA 1992) Apoiados nos avanccedilos da social-democracia essas

circunstacircncias mobilizaram politicamente os trabalhadores contra o crescente processo de

exploraccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital

A criaccedilatildeo de fundos de cotizaccedilatildeo foi uma das formas encontradas pelos trabalhadores

para proteger minimamente a sauacutede e garantir a sustentaccedilatildeo de um projeto poliacutetico Estes

posteriormente foram instituiacutedos pelo governo alematildeo como caixas de poupanccedila e

previdecircncia constituindo-se tambeacutem em estrateacutegia de desmobilizaccedilatildeo poliacutetica A necessidade

de maior controle do Estado sobre a classe assalariada emergente fez desses fundos a

principal estrateacutegia instituindo-se o seguro social (GIOVANELLA 1999)

Assim posto o seguro social consistiu em contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos

trabalhadores assalariados em troca de proteccedilatildeo social nos momentos de ausecircncia do

3 De acordo com Boschetti (2003) o modelo bismarckiano eacute identificado como sistemas de seguros sociais semelhantes aos seguros privados O acesso e o valor dos benefiacutecios satildeo condicionados a preacutevias contribuiccedilotildees O financiamento e a gestatildeo provecircm da participaccedilatildeo dos empregados empregadores que satildeo os contribuintes Jaacute o modelo beveridgiano equivale a um modelo assistencial Os direitos satildeo universais e destinados a todos os cidadatildeos de forma incondicional ou com a submissatildeo dos mesmos a determinadas condiccedilotildees (teste de meios) Garante miacutenimos sociais a todos que necessitarem O financiamento vem sobretudo de impostos fiscais

13

trabalho Enfatize-se tambeacutem a importacircncia da luta dos trabalhadores para que os fundos de

cotizaccedilatildeo fossem utilizados para compensar financeiramente os operaacuterios nos momentos de

riscos A reivindicaccedilatildeo trabalhista exigiu compensaccedilotildees monetaacuterias pelos agravos agrave sauacutede e

desgastes da forccedila de trabalho (SOUZA 1991)

Sob o corporativismo estatal o seguro social se firma como cobertura dos riscos

sociais O modelo de proteccedilatildeo social baseada no seguro social se expandiu pela Europa no

seacuteculo XX e tambeacutem fundamentou as poliacuteticas sociais no Brasil Boschetti (2006) ressalta trecircs

elementos da anaacutelise de Castel (1995) sobre a constituiccedilatildeo do seguro social na Franccedila a

noccedilatildeo de propriedade a noccedilatildeo de coletivo e a noccedilatildeo de Direito

O seguro social natildeo eacute somente uma nova forma de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees entre Estado e

sociedade Eacute um patrimocircnio social que se diferencia dos outros serviccedilos puacuteblicos por ser

apropriado de forma pessoal pelos trabalhadores garantindo a reproduccedilatildeo da forccedila de

trabalho Por natildeo questionar a propriedade privada o seguro social altera a noccedilatildeo de

propriedade A proteccedilatildeo previdenciaacuteria instaura o que Castel chamou de lsquopropriedade socialrsquo

pois permitiu aos trabalhadores adquirir uma seguranccedila que natildeo deriva da propriedade

privada mas da participaccedilatildeo no mundo do trabalho assalariado

A reformulaccedilatildeo da questatildeo social consiste natildeo em abolir esta oposiccedilatildeo proprietaacuterio-natildeo proprietaacuterio mas [em] redefini-la ou seja [em] justapor agrave propriedade privada um outro tipo de propriedade lsquo a propriedade socialrsquo de modo que se tornou possiacutevel ficar fora do acesso agrave propriedade privada sem estar em situaccedilatildeo de inseguranccedila social (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 76)

Caracterizando-se por contribuiccedilotildees compulsoacuterias dos trabalhadores o seguro social

dependeu da inserccedilatildeo no mundo do trabalho As contribuiccedilotildees individuais garantem

compensaccedilotildees financeiras com retorno imediato e futuro de cobertura dos danos sociais

Dessa forma aumenta-se a expectativa de seguranccedila social Tal reduccedilatildeo da inseguranccedila social

deriva da intervenccedilatildeo do Estado nas definiccedilotildees poliacuteticas dos riscos a serem cobertos

instaurando-se uma concepccedilatildeo de justiccedila social (BOSCHETTI 2006 GIOVANELLA 1999)

Jaacute a noccedilatildeo de coletivo relaciona-se agrave construccedilatildeo de novas relaccedilotildees sociais Todos os

trabalhadores financiam o sistema que assegura os direitos na medida da participaccedilatildeo de cada

um no mercado de trabalho Preservam-se as diferenccedilas individuais dentro de uma loacutegica

coletiva em que ldquoa contribuiccedilatildeo de cada um permite a proteccedilatildeo de todos e cria relaccedilotildees de

interdependecircncia e de solidariedaderdquo (BOSCHETTI 2006 p 73) O seguro social se

fundamenta na especializaccedilatildeo da divisatildeo do trabalho no capitalismo a qual consolidou uma

14

nova solidariedade nacional Castel evidencia como as ideacuteias de Durkheim legitimam essa

solidariedade

() ele compreendeu que a sociedade industrial inaugurou um modo de relaccedilotildees especificamente novo entre os sujeitos sociais que natildeo podia mais ser fundado em proteccedilotildees de proximidade garantidas pela sociabilidade primaacuteria () Era preciso retomar sob novas bases a questatildeo das relaccedilotildees sociais na moderna sociedade ameaccedilada por uma desafiliaccedilatildeo de massa A solidariedade lsquoorgacircnicarsquo inaugura o novo regime de existecircncia que deve prevalecer nas sociedades industriais (CASTEL 1995 apud BOSCHETTI 2006 p 73)

Estas questotildees se relacionam agrave noccedilatildeo de Direito em Castel Eacute o Estado de Direito que

materializa a seguranccedila social A instituiccedilatildeo do seguro social consagrou a concepccedilatildeo de

direitos derivados do trabalho assalariado Tal concepccedilatildeo norteou a construccedilatildeo das poliacuteticas

sociais ganhando legitimidade nos processos de industrializaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo do capital ldquoo

que garante o benefiacutecio natildeo eacute uma relaccedilatildeo clientelista ou de tutela mas sim o fato de o

indiviacuteduo estar inscrito em uma ordem juriacutedica universalista associada ao direito do trabalhordquo

(BOSCHETTI 2006 p 78) Desta forma o assalariamento na sociedade se tornou uma etapa

fundamental para a generalizaccedilatildeo da loacutegica do seguro nas poliacuteticas sociais Eacute neste sentido

que a previdecircncia social assume estreita relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho

assalariado nas sociedades Segundo Giovanella (1999) os seguintes princiacutepios orientam a

relaccedilatildeo juriacutedica entre a definiccedilatildeo dos riscos e a cobertura dos danos

Segundo o princiacutepio da equivalecircncia os benefiacutecios satildeo vinculados a contribuiccedilotildees preacutevias e satildeo conformadas diversas instituiccedilotildees dirigidas a grupos distintos de trabalhadores O principio da subsidiaridade serve para enfatizar que o Estado somente interferiraacute quando a capacidade da famiacutelia estiver exaurida O princiacutepio da solidariedade torna as contribuiccedilotildees proporcionais agrave renda e os benefiacutecios de acordo agraves necessidades produzindo redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999 p3)

Segundo Esping-Andersen (1991) o welfare state natildeo interveacutem apenas sobre as

desigualdades mas tem uma funccedilatildeo de regulaccedilatildeo social na sociedade Nos paiacuteses que

efetivaram a proteccedilatildeo social baseada no seguro social (Alemanha Franccedila e Itaacutelia) o autor

critica a consolidaccedilatildeo de divisotildees entre os assalariados e a aplicaccedilatildeo dos programas em

termos de classes e status reproduzindo desigualdades e privileacutegios decorrentes do trabalho

Este sistema se sustentou no corporativismo estatal e foi dessa forma que substituiu a

provisatildeo de benefiacutecios supridos pelo mercado com efeitos sobre a emancipaccedilatildeo do

trabalhador (desmercadorizaccedilatildeo) Devido agrave estratificaccedilatildeo social e ao princiacutepio da

subsidiaridade que garantia tatildeo somente a prestaccedilatildeo de serviccedilos quando a famiacutelia tinha sua

15

capacidade de sustento exaurida o autor argumenta que satildeo poucos os impactos em termos de

redistribuiccedilatildeo (benefiacutecios de acordo agraves necessidades) A loacutegica do seguro social natildeo foi

suficiente para consolidar o princiacutepio da redistributividade

Admite-se contudo que por meio do seguro social garante-se a proteccedilatildeo dos riscos Se

um risco se concretiza o segurado tem o dano coberto pelo seguro desde que pague a sua

contribuiccedilatildeo (SANTOS 2007) Quando haacute o reconhecimento das doenccedilas como riscos

sociais os benefiacutecios satildeo regidos natildeo soacute pelos princiacutepios de equivalecircncia e solidariedade

fundamentados em preacutevias contribuiccedilotildees Aleacutem da capacidade de contribuiccedilatildeo financeira os

trabalhadores acessam os benefiacutecios de acordo com as necessidades de sauacutede o que produz

redistribuiccedilatildeo (GIOVANELLA 1999) Segundo estudos comparativos de Esping-Andersen

(1991) a garantia dos direitos sociais ultrapassa o seguro social A depender das relaccedilotildees

econocircmicas e poliacuteticas a desmercadorizaccedilatildeo e os princiacutepios da universalizaccedilatildeo foram

estendidos de forma diferenciada em vaacuterios paiacuteses consolidando atuaccedilotildees estatais ao lado de

atuaccedilotildees do mercado

O autor enfatiza que o modelo social-democrata buscou natildeo somente as igualdades

miacutenimas mas uma igualdade de direitos desfrutados igualmente pelas classes sociais Assim

considerado o direito agrave sauacutede natildeo se restringe aos princiacutepios regentes do seguro social Traz o

conceito de cidadania social referente tambeacutem agraves lutas poliacuteticas dos trabalhadores

Quando os direitos sociais adquirem o status legal e praacutetico de direitos de propriedade quando satildeo inviolaacuteveis e quando satildeo assegurados com base na cidadania em vez de terem base no desempenho implicam uma ldquodesmercadorizaccedilatildeordquo do status dos indiviacuteduos vis-agrave-vis o mercado Mas o conceito de cidadania social tambeacutem envolve estratificaccedilatildeo social o status de cidadatildeo vai competir com a posiccedilatildeo de classe das pessoas e pode mesmo substituiacute-lo (ESPING-ANDERSEN 1991 p 101)

12 A origem do auxiacutelio-doenccedila na previdecircncia social e a insustentabilidade da loacutegica do

seguro social

Segundo Boschetti (2006 p 2) natildeo haacute como compreender a Seguridade Social

dissociada das transformaccedilotildees das relaccedilotildees de trabalho ldquo() a organizaccedilatildeo do lsquocomplexo

previdenciaacuterio-assistencialrsquo em uma sociedade com fraacutegil estabilidade salarial limita a

abrangecircncia dos direitos da seguridade social e deixa um contingente enorme da populaccedilatildeo agraves

margens desse sistema de proteccedilatildeordquo

16

Nas primeiras intervenccedilotildees estatais sobre as relaccedilotildees trabalhistas o Estado no Brasil

ocupou papel tatildeo somente regulamentador Com efeito em um contexto de emergecircncia do

movimento operaacuterio e de crise das oligarquias rurais o uacutenico protagonista financeiro foi o

setor privado Ao fim de uma demorada discussatildeo em 1919 foi aprovada a lei sobre

acidentes de trabalho de forma restrita o trabalhador acidentado era obrigado a abrir processo

judicial para comprovar a responsabilidade do empregador natildeo pertencendo ao mesmo a

responsabilidade pelos riscos do trabalho (BOSCHETTI 2006)

Ressalta-se que no Decreto-Lei nordm 3724 de 1919 a noccedilatildeo do acidente de trabalho

caracterizou-se pela reduccedilatildeo da capacidade parcial ou total de forma temporaacuteria e a

indenizaccedilatildeo correspondia agrave metade do salaacuterio ateacute o maacuteximo de um ano Natildeo havia ainda o

princiacutepio da equivalecircncia do benefiacutecio que determinasse valor proporcional agraves contribuiccedilotildees

No tocante agrave responsabilidade das empresas em cobrir as situaccedilotildees de riscos sociais a

autora destaca a Lei Eloy Chaves (1923) como o primeiro tipo de regulaccedilatildeo do trabalho Tal

modelo de proteccedilatildeo social se concretizou por meio das Caixas de Aposentadoria e Pensotildees

(CAPs) Seguindo a loacutegica do seguro social as CAPs consistiram em contratos compulsoacuterios

custeadas pelas contribuiccedilotildees dos empregadores e dos trabalhadores Enfatiza-se que ateacute

entatildeo permaneceu uma atuaccedilatildeo restrita do Estado

A autora aponta que uma regulaccedilatildeo significativa do trabalho se efetivou somente no

Governo Vargas (1930) quando o Estado passou a atuar na gestatildeo e no financiamento das

CAPs Estas passaram a coexistir com os Institutos de Aposentadoria e Pensotildees (IAPs) a

partir de 1933 Os IAPs foram organizados por setor econocircmico e consolidaram o sistema

tripartite com a participaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo puacuteblica na proteccedilatildeo social

Este projeto baseado no modelo bismarckiano sustentou o sistema de proteccedilatildeo social

ateacute os anos 1980 Natildeo houve a expansatildeo do segmento salarial excluindo-se do acesso aos

direitos previdenciaacuterios a populaccedilatildeo que natildeo participava diretamente do projeto de

industrializaccedilatildeo Para os trabalhadores excluiacutedos da proteccedilatildeo social firmada nas CAPs e IAPs

configurou-se a chamada gestatildeo filantroacutepica da pobreza em que pouco se firmava a

responsabilidade puacuteblica entatildeo reduzida ao mundo do trabalho Para esta a proteccedilatildeo agrave sauacutede

a partir de 1930 se limitava ao combate a endemias e serviccedilos preventivos de doenccedilas

transmissiacuteveis (CARDOSO JACCOUND 2005)

Surgiram direitos previdenciaacuterios que se afastavam da loacutegica do seguro social e

sofriam expansatildeo gradual embora natildeo se constituiacutessem em direitos legiacutetimos de sauacutede e

assistecircncia social Associada agrave natildeo expansatildeo salarial a centralidade da loacutegica do seguro social

configurou uma proteccedilatildeo social restrita e limitada ldquoTodo o sistema de aposentadorias e pensotildees

17

consubstanciado em um complexo mecanismo de transferecircncias monetaacuterias deriva de direitos que se

fundam no exerciacutecio preteacuterito do trabalho mais especificamente do emprego assalariado legal de

acordo com a experiecircncia dos modelos chamados bismarkianos ou meritocraacutetico-contributivosrdquo

(CARDOSO JACCOUND 2005 p 189)

Eacute neste contexto que foram construiacutedos direitos previdenciaacuterios de proteccedilatildeo agrave sauacutede

sobretudo o atendimento meacutedico-hospitalar e o AD garantidos somente aos cidadatildeos cobertos

pelo sistema previdenciaacuterio Aleacutem disso as dificuldades de participaccedilatildeo dos trabalhadores na

gestatildeo dos IAPs e a baixa participaccedilatildeo estatal no financiamento comprometeram a expansatildeo e

o desenvolvimento dos benefiacutecios e o reconhecimento da sauacutede como direito social

(BOSCHETTI 2006)

De fato a autora aponta que nas constituiccedilotildees federais anteriores agrave de 1988 haacute

imprecisatildeo na conformaccedilatildeo dos direitos Embora garantidos pelos IAPs os serviccedilos meacutedicos

por natildeo constituiacuterem repasses monetaacuterios aos contribuintes natildeo eram considerados como

direitos previdenciaacuterios Tais constituiccedilotildees limitavam ao miacutenimo as despesas com a sauacutede

sendo insuficiente a regulamentaccedilatildeo dos serviccedilos e benefiacutecios que visavam agrave proteccedilatildeo da

sauacutede dos trabalhadores Pelo Decreto nordm 204651931 a assistecircncia meacutedica prestada pelas

Caixas era limitada aos seus contribuintes e condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta Por se tratar

de serviccedilos que natildeo se constituiacuteam em repasse de benefiacutecios em espeacutecie agrave assistecircncia meacutedica

natildeo detinha o caraacuteter de seguro social Por isso a autora aponta a falta de reconhecimento das

doenccedilas como risco social antes da CF de 1988

A partir de 1933 coube aos IAPs a progressiva regulamentaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica

como direito social agrave semelhanccedila das aposentadorias e pensotildees A partir da CF de 1934

houve a instituiccedilatildeo progressiva dos benefiacutecios assistenciais designados sob a categoria de

ldquoauxiacuteliosrdquo e os acidentes de trabalho embora ainda cobertos pela iniciativa privada foram

equiparados aos riscos sociais habitualmente cobertos pela previdecircncia envelhecimento

maternidade e morte Contudo ali permaneceu a imprecisatildeo do reconhecimento da sauacutede

como direito Diante disso ficou ao cargo dos institutos a iniciativa de estabelecerem direitos

definidos como proteccedilatildeo agrave sauacutede Eacute neste contexto que o atendimento meacutedico-hospitalar e o

AD se constituiacuteram como direitos de proteccedilatildeo agrave sauacutede (BOSCHETTI 2006)

A expansatildeo dos direitos dependia de mecanismo extraconstitucionais bem como da

organizaccedilatildeo poliacutetica e da capacidade financeira de cada IAP O IAPC e o IAPB embora

abrangessem um nuacutemero insignificante de trabalhadores foram os primeiros a cobrir

praticamente todas as situaccedilotildees de risco social (BOSCHETTI 2006)

18

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) citados por Boschetti (2006) foi o IAPC

(comerciaacuterios) em 1934 que utilizou pela primeira vez o termo ldquoseguro-sauacutederdquo equiparando

o periacuteodo de adoecimento aos outros riscos sociais e elevando os serviccedilos meacutedicos ao status

de direitos Por meio de uma contribuiccedilatildeo complementar determinou a integraccedilatildeo deste

seguro agrave assistecircncia meacutedico-hospitalar Tanto o seguro-sauacutede quanto a assistecircncia meacutedica

descrita decorreram da loacutegica contributiva No mesmo ano no IAPB (bancaacuterios) dentre

outros auxiacutelios surgiu o seguro-sauacutede designado como auxiacutelio-doenccedila (AD) Dessa forma a

cobertura das doenccedilas caracterizou-se como indenizaccedilatildeo diante da reduccedilatildeo da capacidade para

o trabalho orientada pelo mesmo criteacuterio na cobertura dos acidentes de trabalho

correspondendo agrave metade do salaacuterio e com duraccedilatildeo maacutexima de um ano

O periacuteodo de 1937 a 1945 caracterizado pela ditadura Vargas continuou a imbricaccedilatildeo

entre previdecircncia e assistecircncia caracterizando uma expansatildeo desigual dos benefiacutecios restritos

a determinadas categorias profissionais

Entre 1945 e 1960 haacute o retorno da democracia no Brasil Eacute neste periacuteodo que se

difunde o modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social e a expressatildeo ldquoseguridade socialrdquo no

acircmbito da previdecircncia Gradualmente o sistema de proteccedilatildeo social sob a loacutegica do seguro

abrangeu outras categorias profissionais (CAPs e IAPs) Surgem propostas de reformas da

previdecircncia sustentadas na expansatildeo da assistecircncia meacutedica para vaacuterios institutos

(BOSCHETTI 2006)

Dessa forma a ampliaccedilatildeo e extensatildeo dos benefiacutecios assistenciais aos segurados e

dependentes pautava-se pelas contradiccedilotildees no reconhecimento da sauacutede como um direito

social Afastava-se tambeacutem do princiacutepio da subsidiariedade passando o Estado a interferir

independente da capacidade da famiacutelia Evidenciavam-se as limitaccedilotildees da loacutegica do seguro

social na sociedade brasileira Tais avanccedilos entretanto satildeo relativos A previdecircncia natildeo se

generalizou para todos os trabalhadores e muito menos para toda a populaccedilatildeo A partir de

1960 o financiamento ficou sem a participaccedilatildeo do Estado voltando ao sistema bipartite ldquonatildeo

houve portanto nem universalizaccedilatildeo nem uniformizaccedilatildeo dos benefiacutecios nem unificaccedilatildeo

institucionalrdquo (BOSCHETTI 2006 p 43)

A promulgaccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 reforccedila a

associaccedilatildeo entre proteccedilatildeo social e trabalho assalariado Inseriu-se no conjunto de

regulamentaccedilotildees e legislaccedilotildees do trabalho pelo Estado em que as questotildees sociais se

remetiam sempre agrave regulaccedilatildeo do mundo do trabalho 4

4 Aleacutem da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) outras intervenccedilotildees importantes do Estado sobre o mercado de trabalho satildeo a criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio em 1931 e a instituiccedilatildeo do

19

Na CF de 1946 predominaram os direitos sociais claramente associados ao trabalho Eacute

neste contexto que a assistecircncia meacutedica e sanitaacuteria foram institucionalmente garantidas Essa

constituiccedilatildeo ldquoseparou o seguro contra acidente de trabalho do seguro contra os outros riscos

sociais (maternidade doenccedila velhice invalidez e morte) vinculados agrave previdecircncia Essa

separaccedilatildeo legal se manteve ateacute 1967rdquo (BOSCHETTI 2006 p 45) Dessa forma equiparava-

se ao niacutevel constitucional os acidentes de trabalho aos demais riscos sociais Demonstra-se a

ausecircncia de cobertura do Estado das doenccedilas decorrentes de acidentes de trabalho

distinguindo-as das doenccedilas comuns

A partir de 1953 intensifica-se a intervenccedilatildeo puacuteblica Os CAPs foram unificados em

um uacutenico instituto puacuteblico e o auxiacutelio-sauacutede (equivalente ao AD) se estendeu a outros IAPs

de forma paralela agrave expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos designados no acircmbito dos institutos pela

como assistecircncia meacutedica e hospitalar (BOSCHETTI 2006) A assistecircncia tambeacutem se referia a

outras intervenccedilotildees ldquofora do acircmbito de cobertura dos IAPs nenhuma outra accedilatildeo de peso no

campo da prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede alimentaccedilatildeo ou habitaccedilatildeo foi desenvolvida na esfera

puacuteblica ateacute meados da deacutecada de 1960rdquo (CARDOSO JACCOUD 2005 p200) 5

Em 1960 foi promulgada a Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) marco

histoacuterico do fortalecimento de determinado princiacutepio de justiccedila pautado no viacutenculo

contributivo (CARDOSO JACCOUD 2005) Haacute o abandono do termo ldquosegurordquo e a

distinccedilatildeo de trecircs tipos de benefiacutecios aposentadorias e pensotildees auxiacutelios e assistecircncias estas

uacuteltimas correspondentes aos benefiacutecios natildeo monetaacuterios

Eacute nela que se definiu expressamente o seguro puacuteblico de sauacutede designado como

auxiacutelio-doenccedila e os criteacuterios de sua concessatildeo Enquanto a assistecircncia meacutedica foi garantida

aos segurados e seus dependentes o AD restringiu-se aos segurados A restriccedilatildeo na expansatildeo

do AD dentre outros benefiacutecios se deu tanto pelo reforccedilo da loacutegica do seguro social quanto

pelo sistema bipartite que se manteve ateacute a CF de 1988

Segundo Vianna (2007) a delimitaccedilatildeo dos prazos para a concessatildeo do AD foi

estabelecida no Decreto-Lei nordm 69051944 e regulamentada na LOPS dividindo as

responsabilidades entre as empresas e os institutos de seguro social A empresa pagava o

salaacuterio integral do trabalhador nos primeiros quinze dias e a previdecircncia social a partir do

salaacuterio miacutenimo em 1940 CARDOSO J JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

5 As principais instituiccedilotildees de assistecircncia social foram a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) e a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) que se consolidaram a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 Ibid p 200

20

deacutecimo sexto dia de afastamento Este criteacuterio permaneceu na CF de 1988 ao lado da

incorporaccedilatildeo do princiacutepio da equivalecircncia de benefiacutecios alterando os valores do AD

Em 1967 todas as instituiccedilotildees previdenciaacuterias foram unificadas no Instituto Nacional

de Previdecircncia Social (INPS) concretizando o princiacutepio da unificaccedilatildeo institucional Por meio

da Lei nordm 53161967 todos os benefiacutecios passaram a serem prestados mensalmente e

consolidou-se na concessatildeo do AD a divisatildeo de responsabilidades entre o INPS as empresas

O valor deste benefiacutecio correspondeu ao salaacuterio integral do trabalhador ldquoo valor mensal era

igual ao salaacuterio-de-contribuiccedilatildeo devido ao empregado no dia do acidente deduzida a

contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria natildeo podendo ser inferior ao seu salaacuterio-de-benefiacutecio com a

mesma deduccedilatildeordquo (art 6ordm I)

A outra mudanccedila provocada pela unificaccedilatildeo institucional se refere ao seguro acidente

de trabalho que deixou de ser gerido exclusivamente pela iniciativa privada sendo integrado

ao INPS Buscou-se garantir uma efetiva cobertura aos segurados que ateacute entatildeo natildeo tinham o

seguro por estarem em segmentos menos estruturados no mercado de trabalho Ampliou-se a

cobertura dos acidentes de trabalho pois o AD constituiu-se em um direito previdenciaacuterio

para os trabalhadores acidentados 6

O INPS destinava-se aos contribuintes para a previdecircncia a LBA agraves accedilotildees de

assistecircncia social aos pobres a Fundaccedilatildeo Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)

atendia aos jovens infratores e o Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia

Social (Inamps) buscou universalizar a assistecircncia meacutedica a todos os cidadatildeos Esta

orientaccedilatildeo se deu no sentido de compreender os serviccedilos meacutedicos dissociados da loacutegica do

seguro social

Enquanto direito previdenciaacuterio o AD foi constituiacutedo dentro de uma relaccedilatildeo juriacutedica

exclusiva da previdecircncia social O objetivo eacute a cobertura dos riscos (doenccedilas) compreendidas

como um evento futuro e incerto gerador de danos Nesse sentido a concessatildeo do AD adquire

um caraacuteter de indenizaccedilatildeo sendo os riscos definidos em lei

No acircmbito do MPAS esboccedilava-se um modelo brasileiro de seguridade social ldquoa

reuniatildeo da sauacutede (assistecircncia meacutedica e auxiacutelio-doenccedila) da previdecircncia (aposentadorias

pensotildees e outros auxiacutelios) e da assistecircncia social (assistecircncia geral para pessoas pobres) em

6 Segundo Teixeira (1990) apud Boschetti (2006) aleacutem do seguro contra acidentes de trabalho houve a criaccedilatildeo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviccedilo (FGTS) em 1966 do Programa de Integraccedilatildeo Social (PIS) em 1970 do Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social para a gestatildeo do INPS A criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) em 1974 pode ser compreendida como estrateacutegia de legitimaccedilatildeo do governo autoritaacuterio diante do desgaste do regime A extensatildeo dos direitos sociais na loacutegica do seguro social se associa agrave utilizaccedilatildeo dos direitos sociais como compensaccedilatildeo da ausecircncia dos direitos civis e poliacuteticos

21

um mesmo ministeacuterio foi o primeiro esboccedilo de um sistema de proteccedilatildeo social mais amplordquo

(BOSCHETTI 2006 p 55) 7 Contudo

O governo natildeo instituiu novas bases de financiamento para sustentar a universalizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica que continuou sendo financiada pelas contribuiccedilotildees de empregados e empregadores As contribuiccedilotildees sobre os salaacuterios foram a base predominante de financiamento da previdecircncia da sauacutede e da assistecircncia social no Brasil tendo permanecido assim ateacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 (BOSCHETTI 2006 p 58)

Em 1975 a criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede (MS) e do Ministeacuterio da Previdecircncia e

Assistecircncia Social (MPAS) caracterizou uma dicotomia na oferta dos serviccedilos de sauacutede

relacionada aos setores puacuteblico e privados No acircmbito do MS os serviccedilos estatais de sauacutede

puacuteblica foram orientados pelo modelo de higienizaccedilatildeo da sociedade e contavam com piacutefios

recursos financeiros e responsabilizaccedilatildeo do Estado (COHN 2005) Dessa forma as accedilotildees

coletivas se restringiram agraves medidas preventivas do ministeacuterio Jaacute no acircmbito do MPAS

estavam a atenccedilatildeo meacutedica individualizada e o atendimento hospitalar destinado

prioritariamente aos segurados 8 Este modelo de proteccedilatildeo social vigente excluiacutea os

trabalhadores desempregados e aqueles inseridos em outras relaccedilotildees de trabalho como os

autocircnomos empregados domeacutesticos e trabalhadores rurais incorporados na previdecircncia social

somente a partir dos anos 70 (BOSCHETTI 2006) Entre 1964 a 1974 metade dos

trabalhadores brasileiros estavam excluiacutedos do direito agrave sauacutede por estarem no mercado

informal de trabalho (COHN 2006)

Na ditadura militar a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade foi marcada pelo autoritarismo

e pela supressatildeo dos canais de comunicaccedilatildeo Natildeo houve a abertura poliacutetica necessaacuteria para o

questionamento da loacutegica contributiva e construccedilatildeo de uma poliacutetica de sauacutede (COHN 200)

Dessa forma o cerceamento das liberdades poliacuteticas e civis associado agrave concentraccedilatildeo de

renda e agraves desigualdades sociais provocaram reaccedilotildees dos movimentos sociais Estes se

intensificaram na deacutecada de 70 quando o modelo meacutedico-assistencial privatista hegemocircnico

entra em uma grave crise fiscal associada agrave crise do estado autoritaacuterio (BOSCHETTI 2006

PUSTAI 2004)

7 Segundo Boschetti (2006) ligado ao MPAS estavam instituiccedilotildees de assistecircncia social geridas por instituiccedilotildees privadas com novas fontes de financiamento estatal Esboccedilava-se a seguridade social por meio da criaccedilatildeo do Sistema Nacional de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Sinpas) em 1977

8 Em 1974 haacute a expansatildeo dos serviccedilos meacutedicos aos natildeo-contribuintes em casos de urgecircncia poreacutem as mortes por omissatildeo e as pressotildees sociais levaram o Inamps a atender a toda a populaccedilatildeo

22

Esta correlaccedilatildeo de forccedilas entre Estado e sociedade foi atravessada pelo projeto

neoliberal que apregoa ser o mercado o locus privilegiado das poliacuteticas sociais Questiona-se

a sua sustentaccedilatildeo no Brasil tendo em vista o mercado de trabalho marcado por relaccedilotildees

informais e fortes desigualdades no acesso aos direitos sociais Na deacutecada de 80 as lutas

sociais avanccedilaram em contraposiccedilatildeo ao neoliberalismo visando o resgate dos direitos

suprimidos na ditadura militar Este processo desembocou na promulgaccedilatildeo da CF de 1988 e

no conceito de Seguridade Social ali estabelecido pautada em uma nova concepccedilatildeo de

direitos sociais Estes associados aos direitos poliacuteticos e civis colocava a possibilidade das

poliacuteticas sociais se chocarem com a loacutegica do capital em direccedilatildeo agrave cidadania (COUTINHO

1997)

Na previdecircncia social as lutas sociais buscaram enfrentar as contradiccedilotildees geradas nos

aspectos referentes ao financiamento expansatildeo e cobertura dos benefiacutecios e modos de

organizaccedilatildeo e gestatildeo As reivindicaccedilotildees foram no sentido de flexibilidade do viacutenculo

contributivo para ampliar principalmente o acesso da populaccedilatildeo aos serviccedilos de sauacutede Estes

seriam regidos por uma nova concepccedilatildeo de cidadania que ultrapassasse a loacutegica contributiva

Na deacutecada de 80 a luta pela ampliaccedilatildeo da sauacutede foi apoiada no Movimento pela

Reforma Sanitaacuteria ldquoque se afirma a bandeira da unificaccedilatildeo das diversas redes de prestaccedilatildeo de

serviccedilos de sauacutede a universalizaccedilatildeo da sauacutede e seu reconhecimento como direito social

universalrdquo (CARDOSO JACCOUND 2005) 9

A consolidaccedilatildeo do Sistema Nacional de Sauacutede desafiava as forccedilas poliacuteticas que

colocavam a sauacutede sob a oacutetica do mercado tornando-se relevantes os aspectos referentes ao

financiamento das poliacuteticas sociais na Nova Repuacuteblica (PUSTAI 2004) Este processo

desembocou na construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) na CF de 1988 Na assistecircncia

agrave sauacutede os serviccedilos meacutedicos implementados pela previdecircncia social foram reestruturados e

integrados na poliacutetica de sauacutede A sauacutede se tornou um direito do cidadatildeo brasileiro

independente de preacutevias contribuiccedilotildees As propostas associadas ao modelo beveridgiano

reformularam inclusive o proacuteprio sistema de previdecircncia social questionando-se a justiccedila

social baseada na loacutegica de proteccedilatildeo ao trabalho assalariado 10

9 Satildeo colocadas as bases de construccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e satildeo elas as Accedilotildees Integradas de Sauacutede (AIS) e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sauacutede (SUDS)

10 O modelo beveridgiano eacute considerado como um modelo assistencial que apregoa serem os direitos universais e busca garantir os miacutenimos sociais a todos os cidadatildeos Alguns dos seus princiacutepios satildeo a unificaccedilatildeo institucional a uniformizaccedilatildeo a equivalecircncia e a universalizaccedilatildeo dos benefiacutecios BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

23

13 A Seguridade Social na CF de 1988 as relaccedilotildees de trabalho e o auxiacutelio-doenccedila

Telles (1999) com base em Hannah Arendt e Lefort discute os direitos como uma

categoria que natildeo se limita ao campo juriacutedico e institucional mas que se expressa na

alteridade e no debate Sem o conflito natildeo haacute como as desigualdades e injusticcedilas sociais

serem explicitadas Trata-se de uma nova concepccedilatildeo dos direitos

Daiacute Lefort dizer que eacute a existecircncia de um espaccedilo publico atravessado por essa consciecircncia do lsquodireito a ter direitosrsquo que lhe eacute constitutiva que faz toda a diferenccedila entre uma forma democraacutetica de sociedade e os regimes totalitaacuterios (TELLES 1999 p 71)

Ateacute a deacutecada de 80 ignorou-se a garantia de proteccedilatildeo social puacuteblica agraves populaccedilotildees natildeo

incorporadas ao trabalho assalariado As discussotildees sobre a pobreza natildeo suscitaram um debate

sobre a justiccedila e a igualdade social

Com a promulgaccedilatildeo da CF de 1988 haacute uma redefiniccedilatildeo da questatildeo social e a inscriccedilatildeo

juriacutedica de novos direitos construiacutedos na experiecircncia dos movimentos sociais e dos embates

poliacuteticos instaurando a oacutetica da cidadania Nesta oacutetica a populaccedilatildeo desprovida de direitos eacute

composta por cidadatildeos que devem reivindicar e lutar por seus direitos Para a concretizaccedilatildeo

da cidadania os debates sobre os direitos sociais devem ser suscitados a partir das questotildees da

desigualdade e da exclusatildeo social (TELLES 1999)

Diante do crescimento progressivo da informalidade do trabalho parcela expressiva da

populaccedilatildeo natildeo usufruiacutea os direitos da previdecircncia Esta eacute uma questatildeo central que tem

redirecionado a accedilatildeo social estatal a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a cidadania

(BOSCHETTI 2006) Eacute neste contexto de (des) proteccedilatildeo social e desemprego estrutural que

foi promulgada a Seguridade Social em 1988 Eacute nessa perspectiva que o conceito de

Seguridade Social na CF de 1988 eacute importante conquista social sendo um desafio a sua

concretizaccedilatildeo Esta implica sobretudo no questionamento da loacutegica contributiva e na

ampliaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais

O conceito de Seguridade Social eacute compreendido como um conjunto articulado de

poliacuteticas sociais sob a responsabilidade puacuteblica e com a participaccedilatildeo da sociedade Segundo o

art194 ldquoA seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos

poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave

previdecircncia e agrave assistecircncia socialrdquo A integraccedilatildeo dessas poliacuteticas incorporou novos princiacutepios

para aleacutem do seguro social Os princiacutepios da universalidade da cobertura da uniformidade e

24

equivalecircncia dos benefiacutecios da irredutibilidade dos valores dos benefiacutecios da diversidade das

bases de financiamento e do caraacuteter democraacutetico e descentralizado deveriam orientar a

articulaccedilatildeo daquelas trecircs poliacuteticas sociais

Mas estes princiacutepios constitucionais foram incorporados de forma diversa e ateacute

mesmo de forma contraditoacuteria A seguridade social brasileira justapotildee direitos derivados do

trabalho (previdecircncia) direitos de caraacuteter universal (sauacutede) e direitos seletivos (assistecircncia

social) questionando-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social no Brasil (BOSCHETTI 2004)

Com a CF de 1988 as prestaccedilotildees de substituiccedilatildeo de renda (benefiacutecios) responsaacuteveis

pela cobertura dos riscos sociais dividiram-se entre a assistecircncia e a previdecircncia A assistecircncia

social ganhou arcabouccedilo juriacutedico proacuteprio e foi reconhecida como direito Embora reconhecida

como direito obrigatoacuterio ainda eacute um direito subjetivo especiacutefico e condicional pois o acesso

a ele depende de dois criteacuterios - baixa renda e incapacidade para o trabalho ldquosua articulaccedilatildeo

com as demais poliacuteticas torna-se obrigatoacuteria e indispensaacutevel sendo condicionada mas

tambeacutem condicionando as poliacuteticas sociais governamentaisrdquo (BOSCHETTI 2003 p 77)

Na previdecircncia os benefiacutecios ldquosatildeo definidos como sistema de direitos objetivos

concedidos a partir de criteacuterios precisos e uma vez acordados satildeo reconhecidos como lsquodireito

adquiridorsquo Eacute decorrente do exerciacutecio de um trabalho assalariado ou de uma contribuiccedilatildeo

como trabalhador autocircnomordquo (SALVADOR BOSCHETTI 2003 p 105) A previdecircncia

incorporou os princiacutepios constitucionais expandindo a sua cobertura e possibilitando o acesso

a todos os trabalhadores A proteccedilatildeo social natildeo se restringe ao trabalho assalariado mas eacute

orientada pela proteccedilatildeo das demais formas de trabalho (quais os autocircnomos empregados

domeacutesticos e empresaacuterios) 11

O MPS por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem a funccedilatildeo de

garantir o direito agrave previdecircncia social O INSS substituto do INPS eacute resultado histoacuterico da

construccedilatildeo da proteccedilatildeo social entre a sociedade e o Estado ator central Eacute a autarquia federal

responsaacutevel pela gestatildeo e concessatildeo dos benefiacutecios Ressalta-se que o novo nome do instituto

abrange a seguridade social desafio mais amplo

A sauacutede foi a poliacutetica que incorporou de forma mais completa os princiacutepios

constitucionais Regida pelo princiacutepio da universalidade natildeo incorpora nenhum criteacuterio de

11 Em relaccedilatildeo aos autocircnomos ldquoA partir da Lei 9876 de 26111999 o INSS tomou algumas iniciativas para incentivar os trabalhadores sem carteira de trabalho assinada a se filiarem ao instituto como contribuintes individuaisrdquo BOSCHETTI I SALVADOR E (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 112

25

seletividade tendo por base a cidadania 12 Compreendida como um direito incondicional de

cidadania social eacute garantida a todos os trabalhadores inclusive aos segurados da previdecircncia

social Por isso se defende a expansatildeo da sauacutede como um direito estrateacutegico agrave universalizaccedilatildeo

dos direitos sociais

Entretanto a partir de 1990 iniciou-se o processo de abertura dos mercados e de

integraccedilatildeo comercial multilateral intensificando os processos de flexibilizaccedilatildeo e precarizaccedilatildeo

das relaccedilotildees de trabalho As transformaccedilotildees no mundo do trabalho alteraram a oferta de

trabalho no mercado jaacute comprometida pela natildeo instituiccedilatildeo de uma ldquosociedade salarialrdquo no

Brasil 13 O desemprego estrutural e a precariedade da inserccedilatildeo dos trabalhadores no mercado

de trabalho ainda deixam grande parte da populaccedilatildeo agrave margem da proteccedilatildeo social puacuteblica

Eacute neste contexto que grande parte dos trabalhadores ainda se encontra excluiacuteda da

proteccedilatildeo social da Seguridade Social Com efeito os trabalhadores pobres economicamente

ativos encontram-se excluiacutedos de uma proteccedilatildeo social associada a valores monetaacuterios por natildeo

cumprirem as condiccedilotildees de contribuiccedilatildeo na previdecircncia e por natildeo atingirem os criteacuterios de

renda e incapacidade que orientam a assistecircncia

Os dados a seguir ilustram esta realidade de cada 100 empregos gerados entre 1980 e

1999 cerca de 99 foram sem registro em carteira profissional e apenas um tinha esse

registro14 Segundo a PNAD1998 dentre o contingente de trabalhadores ocupados no setor

privado o nuacutemero de natildeo-contribuintes correspondeu a 386 milhotildees contra 267 milhotildees de

contribuintes (BOSCHETTI 2003) Em 2001 jaacute havia 406 milhotildees de natildeo-contribuintes

correspondendo a 577 dos 705 milhotildees de trabalhadores com mais de dez anos de idade

ocupados no setor privado Dos natildeo-contribuintes 204 milhotildees natildeo possuiacutea rendimentos ou

recebia menos de um salaacuterio miacutenimo (BOSCHETTI 2004)

Nesse sentido questiona-se a capacidade de contribuiccedilatildeo dos trabalhadores para a

previdecircncia social pois esta depende de relaccedilotildees estaacuteveis de trabalho Segundo a

PNAD1999 havia 16 milhotildees de trabalhadores autocircnomos representando 25 da populaccedilatildeo

economicamente ativa (PEA) mas apenas um quarto deles conseguia contribuir para a

previdecircncia social (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Seguindo orientaccedilotildees neoliberais a Emenda Constitucional (EC) nordm 201998 alterou

condutas visando conter os gastos da previdecircncia social Provocou mudanccedilas que em longo

12 CARDOSO J e JACCOUND L op cit 13 Esta expressatildeo se refere agrave insuficiecircncia de crescimento do emprego assalariado formal no Brasil

advinda da industrializaccedilatildeo brasileira BOSCHETTI I SALVADOR E op cit 14 POCHMANN (1999) apud SALVADOR E BOSCHETTI I op cit p 99

26

prazo induzem a uma maior permanecircncia dos trabalhadores no mercado e dificultam o acesso

aos benefiacutecios e aposentadorias contribuindo para a desregulamentaccedilatildeo do mercado de

trabalho De forma contraditoacuteria agrave realidade de trabalho as reformas na previdecircncia social em

1998 reforccedilaram a loacutegica do seguro e reduziram os valores e as condiccedilotildees de acesso aos

benefiacutecios privilegiando os indiviacuteduos mais bem-sucedidos no mercado (SALVADOR

BOSCHETTI 2003)

O propagado deacuteficit da Previdecircncia Social decorre da natildeo concretizaccedilatildeo do princiacutepio

constitucional de diversidade de bases de financiamento da Seguridade Social agravado pelos

ajustes fiscais e econocircmicos estabelecidos no neoliberalismo (BOSCHETTI 2004) A CF de

1988 previu o Orccedilamento da Seguridade Social que natildeo se concretizou O seu financiamento

na deacutecada de 90 vem sendo ameaccedilado pela instituiccedilatildeo da desvinculaccedilatildeo dos recursos da

Uniatildeo (DRU) que em benefiacutecio do ajuste fiscal retira recursos das poliacuteticas sociais

Deste modo a reduccedilatildeo do financiamento das poliacuteticas sociais e a incorporaccedilatildeo

desigual e parcial dos princiacutepios constitucionais situam a Seguridade Social entre o seguro e a

assistecircncia entre os modelos bismarckiano e o beveridgiano (que propunha a universalizaccedilatildeo

da cobertura dos direitos sociais) (BOSCHETTI 2007)

Eacute nesse sentido que se questiona a loacutegica contributiva e o primado do trabalho para a

concretizaccedilatildeo dos direitos sociais Reforccedila-se tal questionamento diante do projeto neoliberal

a partir da deacutecada de 1990 que tende a reduzir ainda mais a expansatildeo do assalariamento

Problematiza-se a concretizaccedilatildeo da seguridade social sobretudo quando se considera a

precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho e a flexibilidade das relaccedilotildees de trabalho Estas

situaccedilotildees fragilizam a situaccedilatildeo salarial e em consequumlecircncia restringem a capacidade

contributiva previdenciaacuteria e comprometem a reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

27

2 Ampliando a compreensatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito social as

interfaces entre sauacutede e previdecircncia

A promulgaccedilatildeo da CF em 1988 ampliou a noccedilatildeo de risco No seguro social o risco eacute

um dano que gera um prejuiacutezo a ser recuperado por uma indenizaccedilatildeo Na seguridade social a

proteccedilatildeo social natildeo deriva necessariamente de um dano As poliacuteticas de sauacutede assistecircncia e

previdecircncia pensadas de maneira integrada buscam a proteccedilatildeo da sauacutede como um conceito

ampliado Segundo o art 195 ldquoOs planos de previdecircncia social mediante contribuiccedilatildeo

atenderatildeo nos termos da lei a cobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte incluiacutedos os

resultantes de acidentes do trabalho velhice e reclusatildeordquo E segundo o art 196 ldquoA sauacutede eacute

direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que

visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves

accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Giovanella (1999) afirma que um seguro social que vise a cobertura das doenccedilas eacute

orientado pela avaliaccedilatildeo das necessidades a qual guia as demais intervenccedilotildees em sauacutede

puacuteblica O acesso ao AD eacute imbricado ao acesso a tratamentos inclusive em niacuteveis mais

especializados na poliacutetica de sauacutede

Embora o auxiacutelio-doenccedila seja um direito previdenciaacuterio deve ser articulado aos

demais direitos sociais envolvidos na cobertura das doenccedilas Esta ultrapassa a indenizaccedilatildeo

monetaacuteria e se situa no acircmbito do direito a tratamentos de sauacutede e de reintegraccedilatildeo ao trabalho

Eacute nesse sentido que o benefiacutecio AD constitui-se em importante mecanismo de proteccedilatildeo social

ao trabalhador segurado

Na CF de 1988 com exceccedilatildeo do AD todos os serviccedilos de sauacutede se desvincularam da

previdecircncia social Natildeo regida pela loacutegica contributiva a proposta de sauacutede preconizada no

SUS natildeo se identifica com serviccedilos comprados no mercado Pelo princiacutepio da universalidade

todos os cidadatildeos podem ter acesso aos serviccedilos de sauacutede puacuteblicos ressaltando-se que a

participaccedilatildeo do setor privado eacute complementar agrave atuaccedilatildeo puacuteblica

Agrave luz do conceito de Seguridade Social o AD natildeo se constitui somente como um

direito previdenciaacuterio mas tambeacutem como um seguro puacuteblico de sauacutede Embora o modelo

beveridgiano predomine no sistema puacuteblico de sauacutede ainda incorpora o modelo

bismarckiano pois o benefiacutecio eacute regido seletivamente pelas regras da previdecircncia social

28

Dessa forma a restriccedilatildeo do AD limita o princiacutepio da universalidade na sauacutede (BOSCHETTI

2003)

Considerando entatildeo o AD como um seguro-sauacutede inscrito na poliacutetica de previdecircncia

social haacute incorporaccedilatildeo parcial dos princiacutepios constitucionais Enquanto um seguro social o

AD eacute garantido a todos os segurados da previdecircncia social cobrindo os riscos de doenccedilas

definidos em lei Jaacute a cobertura das doenccedilas prevista na poliacutetica de sauacutede se refere agrave

universalidade do atendimento incluindo as etapas de prevenccedilatildeo proteccedilatildeo propriamente dita

e recuperaccedilatildeo (SANTOS 2007) Entretanto o fato do AD ser regido pela loacutegica contributiva

compromete a cobertura das doenccedilas na Seguridade Social O assalariamento formal-legal

continua sendo a principal porta de entrada dos trabalhadores no acesso aos direitos

previdenciaacuterios15 Esta questatildeo como visto adiante eacute vaacutelida sobretudo para a concessatildeo do

AD acidentaacuterio

Eacute nesse sentido que se argumenta em favor de maior integraccedilatildeo das poliacuteticas na

seguridade social e em particular entre a sauacutede e a previdecircncia Nesse sentido o AD mesmo

regido pelo seguro social estabelece interfaces com os serviccedilos de sauacutede regidos pelo

princiacutepio da universalidade A concessatildeo deste benefiacutecio envolve a dimensatildeo de proteccedilatildeo

social agrave sauacutede do trabalhador a qual ultrapassa as accedilotildees institucionais no acircmbito da

previdecircncia social No SUS a sauacutede eacute regida por uma relaccedilatildeo de cidadania que ultrapassou a

cidadania do viacutenculo ocupacional guiando-se pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos

sociais

Segundo Pustai (2004) o movimento sanitaacuterio colocou a sauacutede como um bem

individual e social fundado em uma nova loacutegica de solidariedade social Amplia-se o

conceito de sauacutede em que esta eacute construiacuteda de forma dinacircmica e permanente nas vaacuterias

dimensotildees da vida em sociedade Dessa forma a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede trouxe

a seguinte conceituaccedilatildeo

Em sentido mais abrangente a sauacutede eacute resultante das condiccedilotildees de alimentaccedilatildeo habitaccedilatildeo educaccedilatildeo renda meio ambiente trabalho (grifo nosso) transporte emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e o acesso aos serviccedilos de sauacutede Eacute assim o resultado das formas de organizaccedilatildeo social da produccedilatildeo as quais podem gerar grandes desigualdades nos niacuteveis de vida (PUSTAI 2004 p 71)

No relatoacuterio final desta conferecircncia o direito agrave sauacutede ficou definido como

A garantia pelo Estado de condiccedilotildees dignas de vida e de acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede em todos os seus niacuteveis a todos os habitantes do territoacuterio nacional

15 CARDOSO J e JACCOUND L op cit

29

levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASILMS 1986 apud CZERESNIA 2003 p 46)

Por meio da prevenccedilatildeo inserida no contexto mais amplo de promoccedilatildeo da sauacutede haacute

uma reestruturaccedilatildeo nas accedilotildees epidemioloacutegicas e preventivas A promoccedilatildeo da sauacutede natildeo

envolve somente a intervenccedilatildeo sobre determinadas doenccedilas mas implica na melhoria da

qualidade de vida e do bem-estar coletivo Nessa perspectiva as accedilotildees de sauacutede focalizadas

nas evidecircncias epidemioloacutegicas que evitavam o surgimento de doenccedilas especiacuteficas satildeo

redefinidas no SUS Neste as intervenccedilotildees ldquoenfatizam a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida

e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de sauacutede demandando

uma abordagem intersetorialrdquo (TERRIS 1990 apud CZERESNIA 2003)

Esta questatildeo remete ao princiacutepio da integralidade diretriz orientadora das accedilotildees no

SUS Natildeo haacute mais separaccedilatildeo entre as accedilotildees preventivas antes executadas pelo MS e as

curativas associadas ao MP Segundo Pustai (2004 p 72) a prevenccedilatildeo no contexto de

promoccedilatildeo da sauacutede eacute uma accedilatildeo integrada que ldquodeve ter a capacidade de promover a sauacutede no

cotidiano das pessoas fazer diagnoacutesticos e tratamentos precoces para reduzir danos e iniciar

rapidamente a reabilitaccedilatildeo e readaptaccedilatildeo ao conviacutevio socialrdquo Estes satildeo pontos centrais para

uma anaacutelise do AD como um seguro puacuteblico de sauacutede

Segundo Castro e Cardoso (2005) o agravamento da crise fiscal do Estado e os

objetivos macroeconocircmicos de estabilizaccedilatildeo financeira implicaram em reformas

caracterizadas pelo projeto neoliberal Os reflexos se deram sobretudo na limitaccedilatildeo da

seguridade social e em particular no acesso agrave sauacutede As consequumlecircncias se datildeo sobre a

universalidade do SUS fragilizando a proteccedilatildeo social ao trabalhador

Sob a orientaccedilatildeo dos princiacutepios neoliberais a sauacutede foi atingida pelo processo de

privatizaccedilatildeo havendo reduccedilatildeo dos direitos A poliacutetica de sauacutede destinou-se agrave pobreza

extrema e limitaram as possibilidades preventivas e redistributivas das poliacuteticas sociais

prevalecendo o trinocircmio privatizaccedilatildeo focalizaccedilatildeo e descentralizaccedilatildeo (BEHRING

BOSCHETTI 2006) com reduccedilatildeo de direitos

Conforme Cardoso e Jaccoud (2005) quanto ao financiamento dados da Organizaccedilatildeo

Mundial da Sauacutede (OMS) 2000 demonstram que menos da metade dos gastos realizados com

sauacutede no Brasil (48) estatildeo agrave disposiccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis por realizar a

universalizaccedilatildeo do acesso agrave sauacutede A inadequada vinculaccedilatildeo fiscal para a poliacutetica de sauacutede

favorece os argumentos neoliberais que compreendem a sauacutede como mercadoria No projeto

30

neoliberal os gastos sociais do Estado foram apontados como causas centrais da crise

econocircmica iniciada na deacutecada de 80

Com a privatizaccedilatildeo a sauacutede constitui-se em serviccedilo gerador de lucros Os lucros satildeo

destinados a setores do capital nacional que na concorrecircncia com as empresas estrangeiras

perderam espaccedilo no processo de globalizaccedilatildeo Estas satildeo questotildees sincronizadas com as

mudanccedilas no mundo do trabalho e com as propostas de mudanccedilas na intervenccedilatildeo social do

Estado (BEHRING BOSCHETTI 2006)

Segundo os autores

Na sauacutede pode-se afirmar que haacute consenso entre os analistas desta poliacutetica de que um dos maiores problemas se refere agrave qualidade em sentido amplo dos serviccedilos ofertados Este problema estaacute refletido principalmente na baixa capacidade de resoluccedilatildeo dos serviccedilos baacutesicos e na dificuldade de acesso a consultas e exames especializados () Neste contexto de reduzida participaccedilatildeo do gasto puacuteblico em sauacutede cabe lembrar o crescimento verificado no sistema privado de sauacutede suplementar organizado via planos e seguros de sauacutede (grifo nosso) cuja ampliaccedilatildeo da adesatildeo representa em boa parte uma procura pela garantia de maior presteza no acesso aos serviccedilos de sauacutede (CARDOSO JACCOUD 2005 p 239)

O AD natildeo deixa de se relacionar a esta questatildeo visto que seu acesso natildeo eacute universal e

sim condicionado agrave preacutevia contribuiccedilatildeo A cobertura das doenccedilas no sistema privado de

sauacutede vem crescendo sob a loacutegica do seguro social a qual orienta o AD compreendido como

um seguro-sauacutede puacuteblico Baseada na loacutegica do seguro a sauacutede se reduz agrave compreensatildeo de

um serviccedilo comprado no mercado dependendo por isso do poder aquisitivo do cidadatildeo e de

sua capacidade individual em acessar aos serviccedilos de sauacutede privados Nesse sentido postula-

se que a privatizaccedilatildeo da sauacutede envolve o acesso da populaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees monetaacuterias

caracterizadas pelos seguros-sauacutede Esta questatildeo insere-se nas diferenccedilas de qualidade entre

os serviccedilos prestados nos setores puacuteblico e privado e na tendecircncia eacute de privatizaccedilatildeo dos

programas de previdecircncia e sauacutede

Sob a perspectiva de concretizaccedilatildeo da seguridade social e da efetivaccedilatildeo da sauacutede como

um direito social retoma-se a necessidade desta ser financiada coletivamente (sob a

responsabilidade do Estado) e compreendida como um conjunto de accedilotildees integradas

desenvolvidas pelas poliacuteticas sociais

A poliacutetica de sauacutede por meio do campo da sauacutede do trabalhador estabelece interfaces

com a previdecircncia social A Sauacutede do Trabalhador eacute definida como um conjunto de poliacuteticas

intersetoriais de Sauacutede Puacuteblica que tem por objeto de intervenccedilatildeo as complexas relaccedilotildees

entre o trabalho e a sauacutede Conceitua o trabalho a partir da diversidade de suas manifestaccedilotildees

no contexto laboral estabelecendo interfaces com vaacuterias aacutereas dentre elas a Seguridade

31

Social Eacute uma aacuterea em implementaccedilatildeo no SUS estrateacutegica para a concretizaccedilatildeo do conceito

de seguridade social promulgado na CF de 1988 (DIAS 2001)

Na sauacutede do trabalhador defende-se a ampliaccedilatildeo da cobertura previdenciaacuteria ao

evidenciar a importacircncia da proteccedilatildeo advinda dos benefiacutecios previdenciaacuterios aos

trabalhadores inscritos nas relaccedilotildees formais e informais de trabalho Permite colocar os

direitos previdenciaacuterios ao lado de accedilotildees de promoccedilatildeo da sauacutede do trabalhador com ecircnfase

nas transformaccedilotildees das condiccedilotildees de trabalho e nos agravos agrave sua sauacutede registradas nas bases

de dados do INSS Este eacute um ponto de partida para situar o AD como uma das intervenccedilotildees

no campo da proteccedilatildeo social da sauacutede dos trabalhadores Esta envolve direitos ao tratamento

de recuperaccedilatildeo da sauacutede de reabilitaccedilatildeo profissional e de retorno ao trabalho

A OMS postulou o estabelecimento de bases diagnoacutesticas segundo a Classificaccedilatildeo

Internacional de Doenccedilas (CID) A CID-10 eacute um instrumento importante para dentre outras

finalidades a concessatildeo dos benefiacutecios previdenciaacuterios devido agrave incapacidade por doenccedilas e

por acidentes de trabalho

Enfatiza que a proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede e da seguranccedila no trabalho se datildeo

mediante a prevenccedilatildeo e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho O

Brasil eacute signataacuterio da Convenccedilatildeo nordm 1551981 da OIT comprometendo-se com a construccedilatildeo

de uma poliacutetica nacional em termos de seguranccedila e do meio ambiente de trabalho Ainda em

fase de implementaccedilatildeo uma das accedilotildees eacute a Poliacutetica Nacional de Sauacutede do Trabalhador A

definiccedilatildeo das accedilotildees a serem executadas no campo da sauacutede do trabalhador eacute uma das

atribuiccedilotildees do SUS Sua conceituaccedilatildeo definida no art 6ordm III da Lei Orgacircnica da Sauacutede

(LOS) envolve accedilotildees de vigilacircncia epidemioloacutegica e sanitaacuteria bem com as de promoccedilatildeo e

proteccedilatildeo da sua sauacutede Estes procedimentos satildeo regulamentados nas PortariasMS nordm

31201998 e nordm 39081998 dentre outros instrumentos legais

O campo da sauacutede do trabalhador valoriza a cobertura da previdecircncia social que

abriga dentre outros o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) O SAT natildeo eacute garantido a todos

os contribuintes inseridos no RGPS e cobre apenas 23 milhotildees de trabalhadores segurados

pelo RGPS correspondendo a 30 da PEA Apenas os ldquoempregados registradosrdquo e os

ldquosegurados especiaisrdquo satildeo cobertos por ele16 Ateacute o momento as estatiacutesticas relacionadas aos

acidentes de trabalho soacute se referem agrave populaccedilatildeo coberta pelo SAT As notificaccedilotildees satildeo feitas

por meio da Comunicaccedilatildeo de Acidentes de Trabalho (CAT) Diante da restriccedilatildeo da sua

16 Estatildeo excluiacutedos da cobertura do SAT os trabalhadores autocircnomos domeacutesticos funcionaacuterios puacuteblicos estatutaacuterios subempregados muitos trabalhadores rurais dentre outros DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114) p 21

32

cobertura e dos niacuteveis de subnotificaccedilatildeo o MS questiona a representatividade dos dados

estatiacutesticos dos acidentes de trabalho Esta questatildeo constitui-se em um entrave na Poliacutetica

Nacional da Sauacutede do Trabalhador (DIAS 2001)

Desta maneira novas abordagens entre a relaccedilatildeo sauacutededoenccedila e o trabalho alteraram

os procedimentos na previdecircncia social Um procedimento relevante eacute a instituiccedilatildeo da Lista

de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho pela PortariaMS nordm 13391999 (BRASIL 1999) 17

Por meio dela e possiacutevel estabelecer um nexo causal entre trabalho e vaacuterios tipos de doenccedilas

inclusive os psicopatoloacutegicos Esta lista eacute elaborada pelo MS MTE e MPS a cada trecircs anos

sendo adotada intersetorialmente por estes ministeacuterios para caracterizar os acidentes de

trabalho Na previdecircncia social constitui o Anexo II do Decreto n 30481999 (DIAS 2001)

Segundo os autores o banco de dados do INSS constitui-se em importante fonte para a

identificaccedilatildeo do perfil dos segurados particularmente das morbidades que afetam a sua

sauacutede Por meio desta lista pretende-se a construccedilatildeo de um perfil mais proacuteximo da realidade

de morbimortalidade de trabalho no Brasil e combater os niacuteveis de subnotificaccedilatildeo de

acidentes de trabalho na previdecircncia social ldquovisou subsidiar as accedilotildees de diagnoacutestico

tratamento vigilacircncia em sauacutede e o estabelecimento da relaccedilatildeo da doenccedila com o trabalho e

das condutas decorrentesrdquo Estas satildeo questotildees com implicaccedilotildees para a concessatildeo do AD

acidentaacuterio (DIAS 2001 p 20)

2 1 Fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio-doenccedila direito ao trabalho e ao tratamento

A questatildeo social contemporacircnea envolve dimensotildees aleacutem do trabalho assalariado No

que se refere agrave haacute a Caracterizada pela ldquoflexibilidaderdquo haacute uma desregulamentaccedilatildeo do capital

na organizaccedilatildeo da produccedilatildeo comprometendo as condiccedilotildees as relaccedilotildees de trabalho e o

conteuacutedo do proacuteprio trabalho (IAMAMOTO 2007)

As poliacuteticas sociais satildeo relevantes para a garantia dos direitos Elas alteram a relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade e satildeo instituiacutedas na tensa relaccedilatildeo entre acumulaccedilatildeo e equumlidade

O AD eacute regido pelo art 201 I da CF que determina ser funccedilatildeo da previdecircncia social

a ldquocobertura dos eventos de doenccedila invalidez morte e idade avanccediladardquo Eacute um benefiacutecio de

prestaccedilatildeo continuada regulamentado pela Lei 821391 que dispotildee sobre o Plano de

17 Em cumprimento do art 6ordm paraacutegrafo 3ordm inciso VII da LOS DIAS E (Org) Ibid

33

Benefiacutecios da Previdecircncia Social (PBPS) e pelo Decreto 304899 que aprovou o novo

Regulamento da Previdecircncia Social (RPS)

Segundo o art 59 do PBPS

O auxiacutelio-doenccedila seraacute devido ao segurado que havendo cumprido quando for o caso o periacuteodo de carecircncia exigido nesta Lei ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos Natildeo seraacute devido auxiacutelio-doenccedila ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdecircncia Social jaacute portador da doenccedila ou da lesatildeo invocada como causa para o benefiacutecio salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressatildeo ou agravamento dessa doenccedila ou lesatildeo (BRASIL 1991)

Dessa forma o AD orienta-se pela centralidade do trabalho sendo concedido somente

nos casos de problemas de sauacutede que incapacitam para o trabalho Aleacutem deste criteacuterio eacute

necessaacuterio cumprir a qualidade de segurado e o periacuteodo de carecircncia 18 Na concessatildeo do AD

previdenciaacuterio satildeo exigidos 12 meses de contribuiccedilatildeo para manter a qualidade de segurado

Esta carecircncia tambeacutem eacute exigida para a concessatildeo da aposentadoria por invalidez (art25

PBPS)

Quando o AD eacute concedido diante da caracterizaccedilatildeo de um acidente de qualquer

natureza natildeo haacute a exigecircncia de carecircncia Segundo o art 26 do PBPS

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado (BRASIL 1991)

Dessa forma natildeo eacute exigida a carecircncia em caso de acidente de qualquer natureza

(relacionado ou natildeo ao trabalho) e diante de doenccedilas graves especificadas na Portaria do

MPASMS nordm 299801 Ressalta-se que aqui a loacutegica do seguro social pode ser parcialmente

rompida diferenciando-se as modalidades do AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Quanto agrave data de iniacutecio do benefiacutecio cabe uma diferenciaccedilatildeo entre os trabalhadores

assalariados e demais segurados Para aqueles o AD eacute concedido a partir do 16ordm dia de

18 O art 24 do PBPS define o periacuteodo de carecircncia como ldquoo nuacutemero miacutenimo de contribuiccedilotildees mensais indispensaacuteveis para que o beneficiaacuterio faccedila jus ao benefiacutecio consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competecircnciasrdquo Caso haja a perda da qualidade de segurado esta eacute readquirida com a contribuiccedilatildeo de 13 das exigidas para o acesso ao benefiacutecio Para o trabalhador comprovadamente desempregado ou com pelo menos 10 anos de contribuiccedilatildeo o prazo para manter a qualidade de segurado eacute de 24 meses

34

afastamento do trabalho Nos primeiros quinze dias de afastamento consecutivo eacute obrigaccedilatildeo

legal da empresa o pagamento do salaacuterio integral e providenciar os exames meacutedicos

correspondentes ao abono das faltas deste periacuteodo Agenda-se a periacutecia meacutedica

antecipadamente com esclarecimento dos documentos necessaacuterios ao requerimento do

benefiacutecio comprovando a categoria do segurado e o uacuteltimo dia de afastamento do trabalho

Para os autocircnomos quando requerido ateacute 30 dias apoacutes o iniacutecio da incapacidade eacute concedido a

partir do iniacutecio da mesma Apoacutes este periacuteodo eacute concedido a partir da data do requerimento na

previdecircncia social

Vianna (2007) ressalta que os art 59 e 60 do PBPS referentes agrave concessatildeo do AD

correspondem agrave uacutenica fundamentaccedilatildeo legal que obriga o pagamento de salaacuterios pela empresa

nos primeiros quinze dias de afastamento

Caso o trabalhador natildeo seja acometido por doenccedila que dispensa carecircncia e natildeo tenha o

periacuteodo de 12 contribuiccedilotildees mensais anteriores ao iniacutecio da incapacidade ficaraacute sem

cobertura do salaacuterio na primeira quinzena de afastamento

Se a Previdecircncia Social cujo objetivo constitucional abrange a cobertura dos eventos de doenccedila e invalidez opta por natildeo conceder proteccedilatildeo aos afastamentos de duraccedilatildeo inferior a quinze dias natildeo deveria ser a empresa a arcar com tal proteccedilatildeo exceto por sua proacutepria liberalidade (VIANNA 2007 p 68)

Segundo a autora o pagamento pela empresa do salaacuterio integral ao trabalhador nos

primeiros quinze dias corresponde agrave interrupccedilatildeo do contrato de trabalho ou seja este periacuteodo

de afastamento eacute contado como tempo de serviccedilo Apoacutes este periacuteodo caracteriza-se a

suspensatildeo do contrato de trabalho posto que a empresa fica isenta de qualquer obrigaccedilatildeo

legal ldquoEnquanto afastado por doenccedila o contrato de trabalho estaraacute suspenso ou interrompido

natildeo possuindo eficaacutecia plena Por tal razatildeo natildeo eacute possiacutevel operar-se a demissatildeo por parte do

obreiro e nem tampouco a dispensa injustificada pelo empregadorrdquo (VIANNA 2007 p 85)

Dessa forma conserva-se a relaccedilatildeo juriacutedica entre empresa e empregador O que se

suspende eacute o trabalho o seu contrato permanece iacutentegro Segundo o art 63 do PBPS e o art

80 do RPS ldquoO segurado empregado em gozo de auxiacutelio-doenccedila eacute considerado pela empresa

como licenciadordquo (BRASIL 1999) Do mesmo modo o art 476 da CLT assim dispotildee ldquoEm

caso de seguro-doenccedila ou auxiacutelio-enfermidade o empregado eacute considerado em licenccedila natildeo

remunerada durante o prazo desse benefiacuteciordquo (BRASIL 1943) Estes artigos colocam

tambeacutem que ldquoa empresa que garantir ao segurado licenccedila remunerada ficaraacute obrigada a

pagar-lhe durante o periacuteodo de auxiacutelio-doenccedila a eventual diferenccedila entre o valor deste e a

importacircncia garantida pela licenccedilardquo (BRASIL 1991) Esta licenccedila remunerada natildeo decorre da

35

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria ou trabalhista mas de acordos coletivos de trabalho ou da

liberalidade do empregador

Desta forma a proteccedilatildeo social para o AD previdenciaacuterio natildeo se limita agrave legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria mas eacute dependente dos contratos entre representaccedilotildees sindicais e empresas A

regulamentaccedilatildeo da estabilidade decorrente da convenccedilatildeo coletiva de trabalho eacute regida pelo

art 7ordm da CF ldquoSatildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave

melhoria de sua condiccedilatildeo social () XXVI - reconhecimento das convenccedilotildees e acordos

coletivos de trabalhordquo (BRASIL 1988)

Vianna (2007) afirma que devido agrave forma do caacutelculo eacute comum o AD se tornar

inferior ao salaacuterio da ativa justamente quando o trabalhador mais precisa devido aos

cuidados e gastos meacutedicos Concorre para isto a diferente relaccedilatildeo do empregado com a

empresa nos primeiros quinze dias (rendimento integral) e apoacutes este periacuteodo (valor do

benefiacutecio)

Apesar de natildeo incorporar o fator previdenciaacuterio a Lei n 987699 implementou

mudanccedilas no caacutelculo dos benefiacutecios que antes eram baseadas na meacutedia dos uacuteltimos 36

salaacuterios de contribuiccedilatildeo Dessa forma haacute uma reduccedilatildeo do valor maacuteximo fator agravado pelo

estabelecimento de um teto nominal para os benefiacutecios (SALVADOR BOSCHETTI 2003)

Segundo os autores a reforma da previdecircncia de 1998 ratificou o disposto no art 61

da Lei nordm 903295 alterando os benefiacutecios acidentaacuterios igualando-os aos outros benefiacutecios da

previdecircncia em valores Entretanto preservou-se a dispensa de carecircncia para o AD

acidentaacuterio e as regras e os caacutelculos dos valores do benefiacutecio natildeo incorporaram a aplicaccedilatildeo

do FP (fator previdenciaacuterio) 19 O AD eacute calculado com base na meacutedia aritmeacutetica simples dos

80 maiores salaacuterios de contribuiccedilatildeo Sobre este valor eacute feita uma apuraccedilatildeo de 91 do

salaacuterio-de-benefiacutecio correspondendo agrave renda mensal inicial 20 Para os segurados inscritos

antes de novembro de 1999 o periacuteodo baacutesico de caacutelculo inicia-se em julho de 1994 enquanto

a partir desta data considera-se todo o periacuteodo contributivo

Ao contraacuterio das primeiras regulamentaccedilotildees legais sobre a concessatildeo do seguro

acidente de trabalho e do AD que estipulavam o prazo maacuteximo de um ano natildeo haacute prazos

19 Foacutermula especiacutefica criada pela Lei n 987699 que introduziu criteacuterios atuariais ateacute entatildeo utilizados somente pela previdecircncia privada segundo a qual o valor do beneficio eacute maior quanto maiores a idade e o tempo de contribuiccedilatildeo do trabalhador diminuindo com o crescimento da expectativa de vida da pessoa SALVADOR E BOSCHETTI I op cit

20 O caacutelculo do salaacuterio-benefiacutecio eacute estabelecido para cada categoria de beneficio no art 29 do PBPS ldquoSalaacuterio-de-benefiacutecio eacute a base de caacutelculo da renda mensal inicial A renda mensal inicial eacute calculada mediante a aplicaccedilatildeo de um percentual sobre o valor do salaacuterio-de-beneficio apuradordquo SANTOS M Direito Previdenciaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 2007 3 ed rev e atual (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas) v 25 p 127

36

previstos para o teacutermino do benefiacutecio Contudo a incapacidade eacute compreendida como

temporaacuteria sendo o benefiacutecio concedido enquanto esta perdurar A Previdecircncia Social

estabelece a obrigaccedilatildeo de exame meacutedico perioacutedico e participaccedilatildeo no programa de reabilitaccedilatildeo

profissional o qual natildeo exige periacuteodo de carecircncia A cobertura das doenccedilas natildeo se esgota na

concessatildeo do AD mas envolve o acesso a serviccedilos de sauacutede

Segundo os art 62 do PBPS e 79 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila insusceptiacutevel de recuperaccedilatildeo para sua atividade habitual deveraacute submeter-se a processo de reabilitaccedilatildeo profissional para o exerciacutecio de outra atividade Natildeo cessaraacute o benefiacutecio ateacute que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistecircncia ou quando considerado natildeo-recuperaacutevel for aposentado por invalidez (BRASIL 1999)

Segundo o art 78 do RPS

Auxiacutelio-doenccedila cessa pela recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho pela transformaccedilatildeo em aposentadoria por invalidez ou auxiacutelio-acidente de qualquer natureza neste caso se resultar sequumlela que implique reduccedilatildeo da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (BRASIL 1999)

Segundo o art 77 do RPS

O segurado em gozo de auxiacutelio-doenccedila estaacute obrigado independentemente de sua idade e sob pena de suspensatildeo do benefiacutecio a submeter-se a exame meacutedico a cargo da previdecircncia social processo de reabilitaccedilatildeo profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente exceto o ciruacutergico e a transfusatildeo de sangue que satildeo facultativos (BRASIL 1999)

A concessatildeo do benefiacutecio nas modalidades previdenciaacuteria e acidentaacuteria envolve

condiccedilotildees objetivas e subjetivas do processo de trabalho Embora o AD seja um direito

objetivo eacute subjetivo e condicional pois depende do criteacuterio de incapacidade para o trabalho

avaliado segundo procedimentos meacutedicos O estado cliacutenico da doenccedila eacute comprovado por meio

de atestados e laudos meacutedicos acompanhados dos exames que comprovem a doenccedila Haacute

pois uma articulaccedilatildeo entre as poliacuteticas de previdecircncia e sauacutede 21

O Ministeacuterio da Sauacutede aponta fatores relevantes a serem levados em consideraccedilatildeo pela

periacutecia meacutedica do INSS para o acesso aos benefiacutecios AD previdenciaacuterio e acidentaacuterio

auxiacutelio-acidente e aposentadoria por invalidez

21 Estes exames envolvem atestado meacutedico exames de Laboratoacuterio atestado de internaccedilatildeo hospitalar atestados de tratamento ambulatorial dentre outros que comprovem tratamento meacutedico Administrativamente satildeo necessaacuterios a identificaccedilatildeo pessoal e da categoria exercida pelo trabalhador Para cada categoria de segurado exigem-se documentos especiacuteficos (fonte paacutegina eletrocircnica do MPS Acesso outubro de 2007)

37

As avaliaccedilotildees dependem dos meacutedicos peritos do INSS os quais avaliam a

incapacidade laborativa da compreensatildeo ampliada da relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho da

inserccedilatildeo institucional dos meacutedicos cliacutenicos ou assistentes responsaacuteveis pelo diagnoacutestico da

doenccedila meacutedicos do trabalho na empresa e que trabalham com a vigilacircncia em sauacutede Estas

satildeo funccedilotildees que deveriam ser articuladas entre si sobretudo para o diagnoacutestico de uma doenccedila

relacionada ao trabalho (DIAS 2001)

Segundo o art 78 do RPS

O INSS poderaacute estabelecer mediante avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial o prazo que entender suficiente para a recuperaccedilatildeo da capacidade para o trabalho do segurado dispensada nessa hipoacutetese a realizaccedilatildeo de nova periacutecia Caso o prazo concedido para a recuperaccedilatildeo se revele insuficiente o segurado poderaacute solicitar a realizaccedilatildeo de nova periacutecia meacutedica na forma estabelecida pelo Ministeacuterio da Previdecircncia Social Documento de concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila conteraacute as informaccedilotildees necessaacuterias para o requerimento da nova avaliaccedilatildeo meacutedico-pericial (BRASIL 2006) 22

O afastamento do trabalho para a recuperaccedilatildeo da sauacutede constitui-se em um direito do

trabalhador pois a depender da gravidade da doenccedila o repouso obrigatoacuterio eacute parte do

tratamento ou pela necessidade de interrupccedilatildeo aos fatores de risco presentes nos anbientes de

trabalho Segundo Dias (2001) quanto ao criteacuterio meacutedico de periacuteodos de afastamento

Natildeo haacute uma foacutermula especiacutefica para tal tipo de decisatildeo que fica a criteacuterio do meacutedico que atende ao pacientetrabalhador A maior dificuldade decorre da falta de criteacuterios objetivos que orientem a conduta do meacutedico principalmente quando ele natildeo estaacute familiarizado com o ambiente e as condiccedilotildees de trabalho do paciente (p55)

Santos (2007) ressalta que um novo procedimento no INSS vem gerando

questionamentos no Poder Judiciaacuterio trata-se da ldquoalta meacutedica programadardquo em que jaacute na

concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila (periacutecia meacutedica) fica automaticamente programado o termo

final do seu pagamento sem a necessidade de nova periacutecia

Para que o AD seja situado como uma accedilatildeo de promoccedilatildeo da sauacutede eacute necessaacuterio

considerar a dinacircmica entre os segurados e a organizaccedilatildeo do trabalho sendo este um dos

fatores construtores da sauacutede Tal compreensatildeo sustenta-se em Jacques (1999)

A ideacuteia de promoccedilatildeo envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da sauacutede Promoccedilatildeo nesse sentido vai aleacutem de uma aplicaccedilatildeo teacutecnica e normativa aceitando-se que natildeo basta conhecer o funcionamento das doenccedilas e encontrar mecanismos para seu controle Essa concepccedilatildeo diz respeito ao fortalecimento da sauacutede por meio da construccedilatildeo de capacidade de escolha (p08)

22 Incluiacutedo pelo Decreto nordm 5844 de 2006 no RPS

38

Na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria a aposentadoria por invalidez eacute concedida quando

constatada incapacidade permanente para atividade que garanta a subsistecircncia e quando haacute

impossibilidade de reabilitaccedilatildeo Tambeacutem se exige o periacuteodo de carecircncia de 12 contribuiccedilotildees

caso natildeo seja caracterizado acidente de trabalho Segundo Teixeira (2001)

No que pertine ao auxiacutelio-doenccedila ainda que natildeo haja delimitaccedilatildeo da sua duraccedilatildeo maacutexima trata-se de um benefiacutecio de natureza precaacuteria e que natildeo se presta agrave manutenccedilatildeo permanente Se a incapacidade persistir e vislumbrando-se que natildeo haacute qualquer indicaccedilatildeo de que seraacute possiacutevel a recuperaccedilatildeo e a reabilitaccedilatildeo do segurado deveraacute ocorrer a conversatildeo em aposentadoria por invalidez (no acircmbito do INSS geralmente a ultima periacutecia antes da conversatildeo em aposentadoria ocorre ao final de dois anos) ( p 148)

A concessatildeo desta aposentadoria exige uma anaacutelise criteriosa dos casos concretos

Segundo Teixeira (2001) 23 os criteacuterios devem ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei ou

seja a aplicaccedilatildeo pura da lei em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da aposentadoria como um direito

Este implica em reconhecer que o homem natildeo se reduz ao trabalho ditado pela loacutegica do

mercado e da eficaacutecia produtiva Nesse sentido o autor se posiciona contra atuaccedilotildees

administrativas de retorno do segurado ao trabalho sem que se leve em conta as suas

particularidades

A atuaccedilatildeo da periacutecia meacutedica do INSS deve se pautar por uma visatildeo complexa e

integral da sauacutede e da realidade sendo este um desafio que se contrapotildee agrave dimensatildeo teacutecnica

predominante na previdecircncia social Jaacute haacute instacircncias juriacutedicas administrativas e no acircmbito do

INSS que buscam ultrapassar a dimensatildeo positivista da lei e adequaacute-la agrave realidade brasileira

A jurisprudecircncia tem atuado no sentido de flexibilizaccedilatildeo destes conceitos Os criteacuterios para

concessatildeo da aposentadoria por invalidez atualmente consideram a idade avanccedilada do

segurado tempo longo de vigecircncia do AD condiccedilotildees soacutecio-culturais (sexo grau de instruccedilatildeo

capacidade intelectual geneacuterica etc) que tornam improvaacutevel uma reabilitaccedilatildeo profissional e

oscilaccedilatildeo da capacidade para o trabalho (TEIXEIRA 2001)

O autor coloca tambeacutem que as avaliaccedilotildees deveriam ser realizadas por meio de uma

equipe interdisciplinar formada por meacutedicos psicoacutelogos e assistentes sociais dentre outros

profissionais O acesso ao AD e agrave aposentadoria por invalidez deriva do reconhecimento da

seguridade social como direito e dever do Estado O retorno do segurado ao trabalho deve

levar em consideraccedilatildeo todas as condiccedilotildees pessoais econocircmicas e sociais da realidade social e

na perspectiva de ampliaccedilatildeo da previdecircncia social como proteccedilatildeo social nas situaccedilotildees de

doenccedilas (TEIXEIRA 2001)

23 Juiz federal Substituto da 3ordm Vara de Execuccedilotildees Fiscais de Porto Alegre

39

2 2 Particularidades do auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio e o nexo causal epidemioloacutegico

O AD acidentaacuterio situa-se ao niacutevel mais amplo dentre os benefiacutecios cobertos pelo

SAT ou seja decorrentes da caracterizaccedilatildeo de um ldquoacidente de trabalhordquo na previdecircncia

social O SAT envolve tanto o pagamento de indenizaccedilotildees do empregador agrave previdecircncia

social como o acesso aos seguintes direitos previdenciaacuterios AD acidentaacuterio aposentadoria

por invalidez auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e serviccedilos serviccedilo social e reabilitaccedilatildeo

profissional 24

O SAT natildeo eacute garantido a todos os segurados mas limitado agraves relaccedilotildees de trabalho

assalariadas limitando o princiacutepio da universalidade na Previdecircncia Social Eacute um direito

relevante pois por meio dele se reconhece o trabalho como dimensatildeo determinante das

doenccedilas e haacute implicaccedilotildees previdenciaacuterias e legais Por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio

eacute possiacutevel o estabelecimento entre um nexo causal entre as doenccedilas e o trabalho embora tal

distinccedilatildeo previdenciaacuteria segmente a compreensatildeo do processo sauacutede e trabalho pois este eacute

uma dimensatildeo intriacutenseca agrave sauacutede

O AD acidentaacuterio quando No PBPS equipara os conceitos de doenccedila profissional e

de doenccedila do trabalho aos acidentes de trabalho com implicaccedilotildees para a concessatildeo de tipo

especiacutefico de AD o acidentaacuterio A concessatildeo desta modalidade de benefiacutecio se insere na

perspectiva da Sauacutede do Trabalhador A CF e a Lei Orgacircnica da Sauacutede (LOS) dispotildeem ser

atribuiccedilatildeo do SUS as accedilotildees voltadas agrave sauacutede do trabalhador Na alccedilada do MS por meio da

coordenaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede do trabalhador Dentre as atividades previstas pelo art 6ordm da

LOS estatildeo

A assistecircncia ao trabalhador viacutetima de acidente de trabalho ou portador de doenccedila profissional e do trabalho a informaccedilatildeo ao trabalhador agrave sua respectiva entidade sindical e agraves empresas sobre os riscos de avaliaccedilotildees ambientais e exames de sauacutede de admissatildeo perioacutedicos e de demissatildeo respeitados os preceitos da eacutetica profissional (BRASIL 2001)

A concessatildeo do AD acidentaacuterio eacute regida pelo conceito de acidente de trabalho vaacutelido

natildeo somente para tal modalidade de benefiacutecio mas tambeacutem para a aposentadoria por

invalidez seguro auxiacutelio-acidente pensatildeo por morte e abono anual O conceito de acidente de

trabalho eacute estabelecido pelos art 19 a 23 do PBPS e art 104 e 336 a 346 do RPS

Segundo Santos (2007 p 200)

24 Nota-se que estes satildeo direitos que independem de carecircncia flexibilizando a loacutegica do seguro social

40

Para se caracterizar um acidente de trabalho devem estar presentes trecircs requisitos o evento danoso (infortuacutenio) as sequumlelas incapacitantes ou a morte (consequumlencial) e que o evento lesivo tenha sido ocasionado durante a prestaccedilatildeo do labor (nexo causal) (Hermes Arrais Alencar obcit p9)

Segundo o art 19 do PBPS

Acidente de trabalho eacute o que ocorre pelo exerciacutecio do trabalho a serviccedilo da empresa ou pelo exerciacutecio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art 11 desta Lei provocando lesatildeo corporal ou perturbaccedilatildeo funcional que cause a morte ou a perda ou reduccedilatildeo permanente ou temporaacuteria da capacidade do trabalho (BRASIL 1991)

O art 20 do PBPS dispotildee sobre as doenccedilas equiparadas aos acidentes de trabalho

I doenccedila profissional assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerciacutecio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relaccedilatildeo elaborada pelo Ministeacuterio do Trabalho e da Previdecircncia Social

II doenccedila do trabalho assim entendida a adquirida ou desencadeada em funccedilatildeo de condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute realizado e com ele se relacione diretamente constante da relaccedilatildeo mencionada no inciso I

sect 2ordm Em caso excepcional constatando-se que a doenccedila natildeo incluiacuteda na relaccedilatildeo prevista nos inciso I e II deste artigo resultou das condiccedilotildees especiais em que o trabalho eacute executado e com ele se relaciona diretamente a Previdecircncia Social deve consideraacute-la acidente do trabalho

O art 26 II se refere agrave concessatildeo do AD relacionado ao acidente de trabalho

Independe de carecircncia a concessatildeo das seguintes prestaccedilotildees I - pensatildeo por morte auxiacutelio-reclusatildeo salaacuterio-famiacutelia e auxiacutelio-acidente II - auxiacutelio-doenccedila e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doenccedila profissional ou do trabalho bem como nos casos de segurado que apoacutes filiar-se ao Regime Geral de Previdecircncia Social for acometido de alguma das doenccedilas e afecccedilotildees especificadas em lista elaborada pelos Ministeacuterios da Sauacutede e do Trabalho e da Previdecircncia Social a cada trecircs anos de acordo com os criteacuterios de estigma deformaccedilatildeo mutilaccedilatildeo deficiecircncia ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereccedilam tratamento particularizado IV - serviccedilo social V - reabilitaccedilatildeo profissional (BRASIL 1991)

Na concessatildeo do AD acidentaacuterio haacute implicaccedilotildees estabelecidas pela legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria que satildeo relevantes sobre o viacutenculo empregatiacutecio Vianna (2007) demonstra

que nos casos de AD acidentaacuterio natildeo se trata de suspensatildeo mas somente de interrupccedilatildeo do

contrato de trabalho

41

Vianna (2007) discute alguns aspectos referentes agrave diferenccedila entre os AD

previdenciaacuterio e acidentaacuterio

Cumpre ressaltar de imediato que o ordenamento juriacutedico atualmente vigente natildeo contempla o direito de estabilidade no emprego para trabalhadores que permaneceram afastados das atividades profissionais quando da ocorrecircncia de acidente ou doenccedila natildeo ocupacional (grifo nosso) No entanto eacute comum a existecircncia de claacuteusula em convenccedilatildeo coletiva do trabalho trazendo garantia do emprego a estes profissionais a qual deveraacute ser obrigatoriamente observada pelas partes contratantes () Jaacute para os afastamentos decorrentes de acidente do trabalho a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria eacute expressa em conceder estabilidade provisoacuteria no emprego com duraccedilatildeo de um ano a contar do retorno agraves atividades (VIANNA 2007 p 98)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria referida por Vianna (2007) eacute o art 118 da Lei de

Benefiacutecios (PBPS) ldquoO segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantido pelo prazo

miacutenimo de doze meses a manutenccedilatildeo do seu contrato de trabalho na empresa apoacutes a cessaccedilatildeo

do AD acidentaacuterio independentemente de percepccedilatildeo de auxiacutelio-acidenterdquo (BRASIL 1991)

Esta estabilidade provisoacuteria segundo aquela autora se deve agraves especificidades do

trabalhador afetado pelo acidente doenccedila profissional ou relacionada ao trabalho visto tratar-

se de incapacidade que reduz a capacidade laborativa e muitas vezes deixando sequumlelas

Aponta ainda sentenccedilas judiciais em torno da questatildeo Tem sido consenso que esta

estabilidade se justifica ademais por configurarem situaccedilotildees prejudiciais agrave colocaccedilatildeo no

mercado

O art 118 da Lei nordm 821391 ao garantir o benefiacutecio da estabilidade aos acidentados fecirc-lo para todos eles condicionando apenas ao fato de ser a incapacidade laborativa superior a quinze dias de forma a restar o acidente plenamente caracterizado como sendo decorrente do trabalho No momento em que o legislador utiliza o vocaacutebulo lsquoindependentementersquo quer dizer que a estabilidade natildeo depende do recebimento do Auxiacutelio-Acidente pelo segurado Seria incoerente dizer que somente o trabalhador possuidor de sequumlelas eacute que pode ser beneficiado com a estabilidade pois este certamente possui direito agrave percepccedilatildeo do benefiacutecio de auxiacutelio-acidente e o receberaacute sempre da Previdecircncia Social (VIANNA 2007 p 104)

A autora enfatiza que o art 28 do Decreto n 9968490 determina a obrigatoriedade de

depoacutesito na conta vinculada do FGTS nas situaccedilotildees de interrupccedilatildeo do contrato de trabalho

prevista em lei bem como na licenccedila por acidente de trabalho Salienta tambeacutem o art 4ordm da

CLT de forma que mesmo que o trabalhador natildeo preste serviccedilos e receba salaacuterios a empresa

haacute de cumprir com as obrigaccedilotildees legais ldquoConsidera-se como de serviccedilo efetivo o periacuteodo em

que o empregado esteja agrave disposiccedilatildeo do empregador aguardando ou executando ordens salvo

disposiccedilatildeo especial expressamente consignadardquo (BRASIL 1943)

42

A caracterizaccedilatildeo e a distinccedilatildeo de doenccedila profissional e a do trabalho para efeitos de

acidente de trabalho eacute feita pela determinaccedilatildeo do nexo causal competecircncia exclusiva da

periacutecia meacutedica do INSS Recentemente o MPS utiliza-se da lista de Doenccedilas Relacionadas ao

Trabalho para estabelecer o nexo causal Com efeito esta lista eacute anexa ao RPS25 Tais

alteraccedilotildees legais modificam as regras de concessatildeo do AD

O art 337 do RPS atribui agrave periacutecia meacutedica do INSS o estabelecimento do nexo causal

para a caracterizaccedilatildeo do acidente de trabalho Por meio do Decreto n 604207 haacute o

aperfeiccediloamento do nexo causal por meio da Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho

pelo MPS As implicaccedilotildees satildeo sobre a concessatildeo do AD acidentaacuterio e sobre a colocaccedilatildeo de

obrigaccedilotildees para as empresas de correccedilatildeo dos riscos com efeitos sobre a intensificaccedilatildeo das

accedilotildees de prevenccedilatildeo dos acidentes de trabalho e de vigilacircncia na aacuterea da sauacutede do trabalhador

A Lei nordm 114302006 art 1ordm acrescenta o art 21-A no PBPS o qual requereu a

ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico para considerar como caracterizada a natureza

acidentaacuteria da incapacidade (e consequumlente concessatildeo do AD acidentaacuterio)

Segundo o art 21-A do PBPS

A periacutecia meacutedica do INSS consideraraacute caracterizada a natureza acidentaacuteria da incapacidade quando constatar ocorrecircncia de nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre o trabalho e o agravo decorrente da relaccedilatildeo entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas - CID em conformidade com o que dispuser o regulamento (BRASIL 2006) 26

Dessa forma a lei nordm 113402006 estabeleceu que caso o trabalhador contraia alguma

enfermidade que seja estatisticamente relacionada ao seu ramo de atividade deveraacute ser feito

um reconhecimento do nexo teacutecnico epidemioloacutegico com o trabalho Entretanto a lei natildeo

anula a exigecircncia de emissatildeo da CAT

Em casos de acidente de trabalho (compreendo-se tambeacutem as doenccedilas profissionais e

relacionadas ao trabalho) eacute exigida a emissatildeo da Comunicaccedilatildeo de Acidente de Trabalho

(CAT) pela empresa Caso esta natildeo a emita pode ser emitida pelo proacuteprio trabalhador e seus

dependentes pelas entidades sindicais pelo meacutedico assistente ou por autoridades puacuteblicas

Ressalta-se a obrigaccedilatildeo legal da empresa de emitir a CAT mesmo que o acidente natildeo tenha

gerado afastamento do empregado (DIAS 2001)

25 A Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 e o Decreto nordm 6042 de 12 de fevereiro de 2007 correspondem agraves recentes mudanccedilas legais visando a regulamentaccedilatildeo e a concretizaccedilatildeo do nexo causal no INSS

26 BRASIL Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_Ato2004-20062006LeiL11430htmgt Acesso em 07 jan 2008

43

Neste sentido Barbosa-Branco (2007) 27 enfatiza informaccedilotildees aos cidadatildeos bem como

a competecircncia do INSS para o estabelecimento da relaccedilatildeo entre as doenccedilas ocupacionais e o

ambiente laboral cujo diagnoacutestico envolve a obrigaccedilatildeo da empresa em emitir a CAT

Quando o trabalhador tiver alguma doenccedila que o incapacite para o trabalho deveraacute buscar um meacutedico da empresa do SUS ou particular para que este profissional emita um atestado meacutedico caracterizando a incapacidade para o serviccedilo O trabalhador deveraacute entregar a licenccedila agrave empresa que pode exigir outro exame de um meacutedico ligado agrave instituiccedilatildeo Em caso de diagnoacutestico de doenccedila relacionado ao trabalho a empresa deve emitir a comunicaccedilatildeo de acidente de trabalho ao INSS (BARBOSA-BRANCO 2007)

Com tais disposiccedilotildees haacute um reforccedilo da prerrogativa e atribuiccedilatildeo da periacutecia meacutedica do

INSS no tocante ao reconhecimento do direito do segurado ao AD acidentaacuterio O nexo passa a

ser orientado pelo conceito de agravo que integra as doenccedilas equiparadas aos acidentes de

trabalho

Segundo o art 337 do RPS

() O acidente de trabalho seraacute caracterizado tecnicamente pela periacutecia meacutedica do INSS mediante a identificaccedilatildeo do nexo entre o trabalho e o agravo sect 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a atividade da empresa e a entidade moacuterbida motivadora da incapacidade elencada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID) em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II deste Regulamento sect 4o Considera-se agravo a lesatildeo doenccedila transtorno de sauacutede distuacuterbio disfunccedilatildeo ou siacutendrome de evoluccedilatildeo aguda subaguda ou crocircnica de natureza cliacutenica ou subcliacutenica inclusive morte independentemente do tempo de latecircncia (BRASIL 1999) 28

A Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho elaborada pelo MS foi incorporada ao

anexo II do RPS Desta lista derivou a lista ldquoBrdquo citada a qual correlaciona as doenccedilas

(agravos) aos ramos de atividades categorizados na Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) Essa lista ainda em expansatildeo no tocante agraves estatiacutesticas profissionais se

refere a alguns dos grupos de diagnoacutesticos na CID-10 constantes na Lista de Doenccedilas

Relacionadas ao Trabalho Nela estatildeo indicados intervalos de CID-10 em que se reconhece o

nexo teacutecnico epidemioloacutegico entre a entidade moacuterbida e as classes de CNAE indicadas

Dentre as doenccedilas que jaacute possuem estatiacutesticas profissionais associadas estaacute o Grupo V

da CID-10 (transtornos mentais e comportamentais) como um conjunto de doenccedilas

27 BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracs bcopauta saude25htmgt Acesso em 15 set 2007

28 Sobre este assunto as alteraccedilotildees legais e paraacutegrafos acrescentados no RPS foram realizadas pelo Decreto nordm 6042 de 12022007

44

relacionadas ao trabalho O item VI deste grupo utiliza o termo ldquotranstornos mentais e

comportamentais devidos ao uso de aacutelcool Alcoolismo Crocircnico (relacionados ao trabalho)rdquo

pelo coacutedigo F10 2 da CID-10 A sua relaccedilatildeo com o trabalho eacute estabelecida na categoria

ldquoagentes etioloacutegicos ou fatores de risco de natureza ocupacionalrdquo por meio dos coacutedigos

constantes no capiacutetulo XXI da CID-10 ldquoProblemas relacionados com o emprego e com o

desemprego condiccedilotildees difiacuteceis de trabalho (Z56 5) e circunstacircncias relativas agraves condiccedilotildees de

trabalho (Y96)rdquo

Seligmann-Silva (2005) aponta a CID-10 como esforccedilo na descriccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo

das consequumlecircncias no organismo Contudo eacute reflexo da hegemonia meacutedica e constitui-se

como uma fixaccedilatildeo de categorias e nesse sentido uma relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho natildeo se

limita nem a ela nem aos demais instrumentos utilizados para diagnoacutesticos dos padrotildees de

consumo e exames auxiliares nos serviccedilos de sauacutede ldquoAs rubricas baseadas nos capiacutetulos da

CID-10 nada esclarecem quanto agrave natureza da causalidade Isto eacute nos casos em que os danos

agrave sauacutede foram produzidos na situaccedilatildeo de trabalho isto natildeo eacute revelado pela designaccedilatildeo

diagnoacutestica adotadardquo (p 1176)

Contudo o autor afirma que as categorias constantes no capiacutetulo XXI associadas agraves

rubricas podem contribuir para o aperfeiccediloamento dos registros que eacute uma etapa

fundamental para a compreensatildeo da dinacircmica sauacutede e trabalho no contexto dos serviccedilos de

sauacutede serviccedilos meacutedicos das empresas e accedilotildees de vigilacircncia em sauacutede (SELIGMANN-SILVA

2005) Eacute neste sentido que tal sistematizaccedilatildeo cientiacutefica deve se articular aos atendimentos

humanizados e integrais da sauacutede sobretudo na relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho

A concessatildeo do AD permite uma delimitaccedilatildeo instrumental e cientiacutefica do complexo

processo sauacutededoenccedila e trabalho A caracterizaccedilatildeo da relaccedilatildeo trabalho doenccedila intriacutenseca agrave

concessatildeo do benefiacutecio tem implicaccedilotildees sobre a qualidade e eficaacutecia dos tratamentos e para

os direitos legais do trabalhador Estas garantias legais se referem agrave concessatildeo do AD

acidentaacuterio quanto ao direito do retorno ao trabalho e responsabilizaccedilatildeo do empregador pelos

riscos agrave sauacutede do trabalhador

45

3 O consumo indevido do aacutelcool como um problema de Sauacutede Puacuteblica

As transformaccedilotildees atuais na sociedade salarial satildeo caracterizadas por uma remoccedilatildeo

das proteccedilotildees sociais sendo este um fator causador da desafiliaccedilatildeo social juntamente com os

fenocircmenos de flexibilidade do trabalho perda do seu sentido e desemprego Neste contexto

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool eacute uma das expressotildees mais radicais do

fenocircmeno das desigualdades sociais na sociedade atual (NASCIMENTO JUSTO 2003)

Acomete pessoas de vaacuterias idades e de todas as classes sociais embora possa ser

associado com vaacuterias caracteriacutesticas como etnia idade ocupaccedilatildeo grau de instruccedilatildeo e estado

civil Eacute tambeacutem uma questatildeo de gecircnero pois a dependecircncia do aacutelcool eacute maior entre os

homens que nas mulheres (ACPR M 2002) Os problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool devem ser compreendidos como um fenocircmeno multifatorial pois envolve as

propriedades farmacoloacutegicas especiacuteficas da substacircncia psicoativa as caracteriacutesticas bioloacutegicas

e de personalidade dos indiviacuteduos e o contexto social e cultural em que se realiza o encontro

do sujeito com o consumo da substacircncia

Segundo a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) os problemas relacionados ao

consumo de aacutelcool satildeo atualmente um dos dez principais problemas de sauacutede puacuteblica

causando danos ao niacutevel individual e coletivo Segundo o oacutergatildeo em 2000 o aacutelcool

representou 4 da carga global das doenccedilas ao lado do tabaco (41) enquanto as drogas

iliacutecitas representaram 08 das doenccedilas Nos paiacuteses em desenvolvimento com baixa

mortalidade como o Brasil o peso global do aacutelcool para a sauacutede correspondeu a 6 2 Jaacute nos

paiacuteses desenvolvidos este iacutendice subiu para 92 ao lado do tabaco com 12 2 em 2000 29

O uso nocivo de aacutelcool eacute um padratildeo de consumo que natildeo guarda relaccedilatildeo especiacutefica

com a quantidade e a frequumlecircncia do consumo mas caracteriza-se por problemas nas esferas

pessoal e social Atinge aproximadamente 20 da populaccedilatildeo geral e relaciona-se agrave metade

dos acidentes automobiliacutesticos fatais (LARANJEIRA 2000) aleacutem de constituir um niacutevel de

intoxicaccedilatildeo que resulta nos danos de acidentes de trabalho (VAISSMAN 2004) Em 2002 o

consumo abusivo do aacutelcool foi responsaacutevel por 4 da carga global das doenccedilas e 3 2 das

29 Esses valores foram calculados a partir do indicador de sauacutede DisabilityAdjusted Life Years (DALY) por 1000 habitantes Referem-se ao percentual de anos perdidos em funccedilatildeo de doenccedilas ou mortalidade precoce LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

46

mortes prematuras mundiais o que equivale a 583 milhotildees de anos perdidos decorrentes de

inaptidatildeo e 18 milhotildees de mortes (LARANJEIRA DUAILIBI 2007)

Embora seja relevante a relaccedilatildeo entre problemas relacionados ao consumo de aacutelcool e

a dependecircncia estudos mostram que haacute uma relaccedilatildeo direta entre a intoxicaccedilatildeo ocasional e

danos demonstrando que o consumo indevido do aacutelcool sofre grande influecircncia do contexto

fiacutesico e social (LARANJEIRA ROMANO 2004) A intoxicaccedilatildeo alcooacutelica eacute caracterizada

pelo consumo em quantidades acima do tolerado pelo organismo e os sintomas tecircm relaccedilatildeo

direta com a concentraccedilatildeo de aacutelcool no sangue (ACPR M 2002)30 Estudos populacionais

indicam que haacute maiores riscos de problemas decorrentes de episoacutedios de intoxicaccedilatildeo entre os

que bebem de forma menos frequumlente que aqueles que o fazem com maior frequumlecircncia Neste

contexto os adolescentes e adultos jovens tecircm maior risco de sofrer acidentes de tracircnsito

violecircncias e rompimentos familiares antecipando graves riscos agrave sauacutede (LARANJEIRA

DUAILIBI 2007)

Quanto agrave siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA) esta eacute caracterizada pelo

consumo crocircnico de aacutelcool ldquoO beber contiacutenuo pode resultar em dependecircncia que uma vez

instalada prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequumlecircncia e quantidade da bebida

consumidardquo (LARANJEIRA DUAILIBI p 841 2007) Eacute um transtorno que se instala ao

longo da vida e corresponde a uma distinccedilatildeo cliacutenica entre graus variaacuteveis de riscos e

problemas relacionados ao consumo do aacutelcool Associa-se a um niacutevel crescente de problemas

sendo que as formas menos graves acometem amplamente a populaccedilatildeo (LARANJEIRA

2004) de forma que seu tratamento requer cuidados especiais e integrais envolvendo um

efetivo suporte social (GIGLIOTTI BESSA 2004)

Segundo o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotroacutepicas no Brasil

a SDA acometia 11 2 dos brasileiros nas 107 maiores cidades do paiacutes Jaacute no segundo

levantamento realizado em 2005 o consumo da substacircncia demonstrou ser crescente em

faixas etaacuterias cada vez mais precoces e 123 das pessoas entre 12 e 65 anos apresentavam

risco para a dependecircncia do aacutelcool

Eacute neste sentido que a investigaccedilatildeo do padratildeo de consumo de aacutelcool eacute um aspecto

relevante para os tratamentos nos serviccedilos de sauacutede pois ldquoaleacutem de identificar os niacuteveis de

gravidade permite a observaccedilatildeo de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estrateacutegias

de mudanccedilasrdquo (ACPR M 2002 p37) Os danos dependem do padratildeo de consumo de cada

30 Os sinais iniciais satildeo de euforia leve podendo originar tonturas ataxia e incoordenaccedilatildeo motora desorientaccedilatildeo confusatildeo e comprometimento dos reflexos Uma intoxicaccedilatildeo aguda pode levar ao coma e morte (ACPR M 2002)

47

pessoa caracterizado pela frequumlecircncia com que se bebe pela quantidade por episoacutedio pelo

tempo entre os episoacutedios de consumo e pelo contexto em que se bebe (LARANJEIRA 2004)

Quanto agraves complicaccedilotildees cliacutenicas da SDA alguns elementos relevantes satildeo a siacutendrome

de abstinecircncia do aacutelcool (SAA) que se constitui em um quadro de desconforto fiacutesico eou

psiacutequico quando haacute a diminuiccedilatildeo ou suspensatildeo do consumo etiacutelico 31 o aumento da toleracircncia

ao aacutelcool (necessidade de doses mais altas para adquirir os mesmos efeitos ou diminuiccedilatildeo dos

efeitos do aacutelcool com as doses anteriormente tomadas) a priorizaccedilatildeo do ato de beber em

detrimento de outros valores como sauacutede famiacutelia ou trabalho consumo compulsivo

independente dos danos orgacircnicos sociais ou psicoloacutegicos aliacutevio ou evitaccedilatildeo dos sintomas de

abstinecircncia pelo aumento da ingestatildeo de bebida reinstalaccedilatildeo do padratildeo antigo de dependecircncia

apoacutes longos periacuteodos de abstinecircncia Embora seus criteacuterios diagnoacutesticos sejam bem

estudados a SDA constitui-se em um grave problema de sauacutede puacuteblica de forma que a

realizaccedilatildeo de tratamentos especializados e o diagnoacutestico de casos iniciais constitui-se em um

desafio aos profissionais (GIGLIOTTI BESSA 2004)

O uso nocivo do aacutelcool e a dependecircncia satildeo problemas relacionados ao consumo do

aacutelcool refletidos nos altos gastos na sauacutede entre 2002 e junho de 2006 os gastos puacuteblicos do

SUS com tratamento de dependentes de aacutelcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares

como nos Centros de Atenccedilatildeo Psicossocial - Aacutelcool e Drogas (CAPS-ad) corresponderam a

R$ 3688744295 Outros R$ 431725159 foram gastos em tratamento hospitalar decorrente

de internaccedilotildees relacionadas ao uso de aacutelcool e outras drogas Destaca-se que estes nuacutemeros

natildeo incluem as doenccedilas e problemas decorrentes do consumo destas substacircncias que somadas

aos custos sociais direitos e indiretos do consumo nocivo de bebidas alcooacutelicas somam 6

do PIB segundo estudos internacionais 32

Laranjeira (2000) faz notar que no Brasil haacute ausecircncia de poliacuteticas eficazes de

regulaccedilatildeo do aacutelcool bem como do tema na agenda puacuteblica Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de

conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo quanto aos seus danos Este eacute um fator relevante para que o

consumo indevido seja um relevante problema de sauacutede puacuteblica A regulaccedilatildeo do aacutelcool

constitui-se em desafio pois como produto econocircmico envolve processos poliacuteticos

31 A SAA eacute resultante de um processo neuroloacutegico de adaptaccedilatildeo do sistema nervoso central e caracteriza-se por uma diversidade de sintomas que aparecem de 24 a 36 horas depois de prolongados periacuteodos de consumo do aacutelcool com reduccedilatildeo do consumo ou abstinecircncia total da substacircncia Eacute diagnosticada na Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas (CID-10) e pode variar de um quadro psiacutequico ate quadros mais graves com crises convulsivas e delirium Alguns sinais e sintomas satildeo naacuteuseas e vocircmitos tremores agitaccedilatildeo ansiedade alteraccedilotildees de humor de senso e percepccedilatildeo hiperatividade psicomotora (ACPR M 2002)

32 Ministeacuterio da Sauacutede Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Disponiacutevel em httpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticiasnoticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556 Acesso em 280307

48

atravessados por interesses valores e ideologias conflitantes Constitui um mercado que

movimenta grande quantidade de dinheiro na induacutestria de bebidas e publicidade sobre o qual

natildeo haacute adequada fiscalizaccedilatildeo dos pontos de venda e restriccedilotildees legais ao uso (NIEL JULIAtildeO

2006)

Outro fator relevante se refere ao superdimensionamento dos efeitos beneacuteficos das

bebidas alcooacutelicas (SELIGMANN-SILVA 2005) O consumo de aacutelcool eacute um comportamento

enraizado na cultura brasileira o que se deve tanto agraves suas propriedades farmacoloacutegicas33

quanto aos significados para a sociabilidade Associa-se agrave virilidade e ao saber popular que

atribui ao aacutelcool efeitos anti-seacutepticos e de cura de doenccedilas Aleacutem dos efeitos anesteacutesicos reais

haacute um valor simboacutelico atribuiacutedo das bebidas alcooacutelicas no trabalho

O consumo aceitaacutevel do aacutelcool eacute estabelecido pela sociedade em contextos especiais

os quais sofrem influencias de orientaccedilotildees culturais articulados aos sistemas de estruturaccedilatildeo

social Eacute neste contexto que surgem conceitos relacionados agrave dependecircncia do aacutelcool como

alcooacutelatra embriaguez becircbado e alcoolismo (NEVES 2004) ldquoEm vaacuterias sociedades natildeo eacute o

aacutelcool que eacute condenado mas o comportamento dos indiviacuteduos Em consequumlecircncia haacute uma

recorrente valorizaccedilatildeo do homem que sabe beber sem se alcoolizar e sem interferir no

desempenho de papeacuteis a ele atribuiacutedosrdquo (p 9)

No que se refere ao comportamento da sociedade diante da dependecircncia do aacutelcool

predominam estigmas desprezo ausecircncia de informaccedilotildees cientiacuteficas sobre a doenccedila e adoccedilatildeo

de medidas controversas nos ambientes de trabalho no sentido de ignorar problemas

(DONATO ZEITOUNE 2006) ldquoEacute esta dualidade - historicamente construiacuteda e que faz das

mesmas simultaneamente um bem e um mal - que precisa ser levada em conta ao analisar a

questatildeo do uso das bebidas alcooacutelicas por aqueles que trabalhamrdquo (SELIGMANN-SILVA

2005 p 1171)

Eacute nesse sentido que as poliacuteticas puacuteblicas tornam-se relevante pela capacidade em

promover uma reduccedilatildeo dos danos e maior conscientizaccedilatildeo dos riscos Estas podem ser de

alocaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo As poliacuteticas que partem da compreensatildeo da dinacircmica social e

cultural buscam reduzir os danos e por envolver a dimensatildeo da promoccedilatildeo agrave sauacutede satildeo mais

eficazes Nestas distinguem-se as funccedilotildees de regulaccedilatildeo e alocaccedilatildeo (LARANJEIRA 2000)

As poliacuteticas de regulaccedilatildeo atuam indiretamente sobre os comportamentos dos indiviacuteduos por

33 O aacutelcool atua como depressor de accedilotildees sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) e seus efeitos dependem de sua concentraccedilatildeo no sangue levando ao relaxamento e sedaccedilatildeo do organismo Afeta diversas partes do ceacuterebro como a respiraccedilatildeo a memoacuteria o julgamento e os movimentos As propriedades farmacoloacutegicas se associam agraves funccedilotildees calmante euforizante relaxante indutora do sono e anesteacutesica Seligmann-Silva E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro ATHENEU 2005

49

meio da modificaccedilatildeo da oferta de bebidas alcooacutelicas Envolvem pex as intervenccedilotildees de

taxaccedilatildeo dos preccedilos regulaccedilatildeo governamental das propagandas e de auto-regulamentaccedilatildeo da

induacutestria 34

Jaacute as poliacuteticas de alocaccedilatildeo geram recursos direcionados a grupos especiacuteficos para

atingir objetivos de interesse puacuteblico Intervecircm diretamente sobre os problemas relacionados

ao consumo de aacutelcool por meio dos tratamentos que atuam tambeacutem na dimensatildeo da

prevenccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que se insere a abordagem de reduccedilatildeo dos danos

Segundo Marlatt (1999 p 60) a abordagem de reduccedilatildeo dos danos admite que seja

possiacutevel um consumo moderado com liberdade e autonomia ldquoa reduccedilatildeo de danos amplia a

disponibilidade dos serviccedilos de tratamento e a prevenccedilatildeo diminuindo as exigecircncias para o

ingresso nesses serviccedilos Os danos tambeacutem podem ser reduzidos ensinando-se habilidades

modificando-se o ambiente e promovendo poliacuteticas para reduzir os riscos da bebidardquo (1999 p

60)

Partindo do reconhecimento de que o consumo abusivo de aacutelcool atinge

aproximadamente 10 da populaccedilatildeo o MS lanccedilou a Poliacutetica para Atenccedilatildeo Integral a

Usuaacuterios de Aacutelcool e outras Drogas em 2004 pautada na reduccedilatildeo dos danos Os serviccedilos de

sauacutede passam a conjugar a prevenccedilatildeo e a educaccedilatildeo ao tratamento permitindo o diagnoacutestico e

o tratamento precoces da SDA Valorizam-se tambeacutem os mecanismos extra-hospitalares

como os CAPS-ad cabendo ao sistema de sauacutede fornecer maior atenccedilatildeo aos sujeitos que

realizam consumo nocivo do aacutelcool

Segundo o MS (2004) a abordagem de reduccedilatildeo de danos reconhece cada usuaacuterio em

suas singularidades construindo com ele as possibilidades escolhas e estrateacutegias voltadas natildeo

apenas para a abstinecircncia como uacutenico objetivo a ser alcanccedilado mas pela defesa da vida Eacute

neste contexto que se colocam as potencialidades do tratamento no fortalecimento da

autonomia do sujeito em tratamento do viacutenculo profissional e da construccedilatildeo de redes de

suporte social para que a reduccedilatildeo de danos se concretize como um caminho de enfrentamento

dos danos causados pelo consumo de substacircncias psicoativas

34 Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

50

3 1 Sauacutede Mental e Trabalho uma abordagem sobre a siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

Dentro de uma perspectiva histoacuterica o surgimento dos modelos teoacutericos e cientiacuteficos

sobre a relaccedilatildeo entre sauacutede e trabalho se deu no contexto de luta dos trabalhadores de maior

conscientizaccedilatildeo sanitaacuteria Passaram a reivindicar natildeo somente compensaccedilotildees monetaacuterias dos

agravos mas a eliminaccedilatildeo dos agentes nocivos e rigoroso controle das condiccedilotildees adversas do

trabalho Contudo ldquouma outra dimensatildeo do trabalho - a sua forma de organizaccedilatildeo -

permanecia intocada como se carecendo de visibilidade histoacutericardquo (SOUZA 1992 p 66)

Esta eacute uma dimensatildeo que vem sendo explorada no acircmbito das atuais transformaccedilotildees

no mundo do trabalho e de ampliaccedilatildeo das lutas pela sauacutede Assim o campo da sua sauacutede vem

se firmando dentro das poliacuteticas sociais para resgataacute-la como uma dimensatildeo intriacutenseca ao

trabalho no capitalismo Nesta perspectiva os trabalhadores satildeo sujeitos ativos da construccedilatildeo

de estrateacutegias no interior do processo de trabalho

Seligmann-Silva (1995) ressalta as relaccedilotildees entre as atuais mudanccedilas na organizaccedilatildeo

do trabalho e sua traduccedilatildeo no sofrimento psiacutequico dos trabalhadores Os reflexos soacutecio-

poliacuteticos das transformaccedilotildees econocircmicas se associam agraves transformaccedilotildees organizacionais

gerando pressotildees sobre os trabalhadores de forma a alterar a sociabilidade e sobretudo o

sentido do trabalho (ANTUNES 1999 apud SELIGMANN-SILVA 2005 p 1147)

O autor enfatiza o fenocircmeno da flexibilidade caracterizada por uma

desregulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho com traduccedilotildees negativas na subjetividade dos

trabalhadores Esta flexibilidade se refere agraves mudanccedilas nos tipos de contrataccedilatildeo (terceirizaccedilatildeo

contratos temporaacuterios e trabalho parcial em funccedilatildeo das demandas) agrave sobrecarga no trabalho

devido agraves novas funccedilotildees exigidas do trabalhador nas empresas ao afrouxamento dos viacutenculos

contratuais (caracterizados no Brasil pelo trabalho informal) Deste modo a instabilidade

nos postos de trabalho se configura em sofrimento psiacutequico para os trabalhadores

O autor se refere tambeacutem ao controle exercido pelas empresas sobre o tempo livre do

trabalhador e pelas novas formas de controle advindas do taylorismo A flexibilizaccedilatildeo do

tempo implica em o trabalhador estar em permanente sobreaviso o que prejudica a liberdade

e a convivecircncia familiar gerando frustraccedilotildees Dentro das organizaccedilotildees os meacutetodos de

controle estatildeo disfarccedilados em formas de avaliar e incentivar o trabalho podendo gerar o senso

de submissatildeo a constante vigilacircncia o que pode gerar clima persecutoacuterio (SELIGMANN-

SILVA 2005)

51

Eacute nesse sentido que se situam os estudos em uma nova oacutetica da relaccedilatildeo entre sauacutede e

trabalho que investigam as consequumlecircncias e os efeitos das condiccedilotildees e organizaccedilatildeo do

trabalho sobre a sauacutede dos trabalhadores Os efeitos produzidos sobre o corpo passam

primeiro sobre o aparelho psiacutequico dos trabalhadores que se adapta agraves novas demandas e

exigecircncias colocadas pela loacutegica da produccedilatildeo Destacam-se dois paradigmas teoacutericos o do

Estresse Psicossocial e da Psicopatologia do Trabalho (SOUZA 1992)

No modelo do Estresse Psicossocial o estresse eacute compreendido como um estado

dinacircmico desencadeado por situaccedilotildees criacuteticas de valor adaptativo mobilizando vaacuterias partes

do organismo para atingir o equiliacutebrio com o ambiente Dentre os limites desta abordagem

estaacute a imprecisatildeo na definiccedilatildeo das patologias pois aleacutem de aspectos fiacutesicos fatores

psicossociais podem dar origem agraves doenccedilas gerando reaccedilotildees diferenciadas nos indiviacuteduos

Jaacute o modelo da psicopatologia do trabalho considera as complexas interaccedilotildees entre os

aspectos psicossociais e o surgimento de patologias Este modelo derivado de estudos da

psicodinacircmica do trabalho desenvolvidos por Dejours eacute o que mais se aproxima de uma

compreensatildeo do SDA como um fenocircmeno social Nesta perspectiva o trabalho eacute

compreendido como fator determinante da SDA

O campo da sauacutede do trabalhador incorporou estudos da psicodinacircmica do trabalho

buscando compreender como as mudanccedilas nos seus processos contemplam a relaccedilatildeo sauacutede-

trabalho A questatildeo central da relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho se refere ao ldquosentidordquo das

atividades para o trabalhador A partir da psicodinacircmica do trabalho busca-se compreender

as experiecircncias e vivecircncias dos trabalhadores nas situaccedilotildees cotidianas do trabalho e suas

influecircncias sobre os processos de adoecimento

Para Dejours (1992) o trabalho possui centralidade para a construccedilatildeo da sauacutede mental

dos indiviacuteduos enquanto seres sociais inseridos na conjuntura capitalista A sauacutede eacute um

processo dinacircmico construiacutedo na organizaccedilatildeo do trabalho

Ao inserir-se em um processo de trabalho o individuo estabelece uma interaccedilatildeo constante entre o seu programa psicobioloacutegico e as cargas de trabalho derivadas da materialidade tecnoloacutegica e das formas de organizaccedilatildeo e gestatildeo do trabalho com seus diferentes graus de impactos fiacutesico e mental (SOUZA 1992 p 69)

Karam (2003) enfatiza a dimensatildeo subjetiva da relaccedilatildeo aacutelcooltrabalho e destaca que a

alcoolizaccedilatildeo enquanto fenocircmeno especiacutefico de determinadas ocupaccedilotildees de trabalho eacute muitas

vezes banalizado Compartilha que Dejours (1992) reconhece que a alcoolizaccedilatildeo constitui-se

em estrateacutegia coletiva de defesa psicoloacutegica contra os riscos agrave integridade corporal do

trabalhador que geram tensotildees psiacutequicas particulares Neste contexto a SDA deriva de

52

comportamentos entre os trabalhadores como forma de superar o sofrimento mental advindo

da organizaccedilatildeo do trabalho

Segundo Dejours (1992) o sofrimento fiacutesico e mental dos trabalhadores eacute

estreitamente relacionado com as condiccedilotildees sociais de subemprego e precarizaccedilatildeo do

trabalho Nestas situaccedilotildees o trabalho constitui-se em lugar central para a sobrevivecircncia

humana constituindo-se no avesso da doenccedila Dejours traz o conceito de ideologia da

vergonha Esta tem uma funccedilatildeo defesa na medida em que tenta encobrir a doenccedila e fazer

suportar condiccedilotildees desfavoraacuteveis de trabalho

A ideologia da vergonha consiste em manter agrave distacircncia o risco de afastamento do corpo ao trabalho e consequumlentemente agrave miseacuteria agrave subalimentaccedilatildeo e agrave morte Pode-se perguntar o que aconteceria se essa ideologia defensiva viesse a fracassar De coletiva a ansiedade relativa agrave sobrevivecircncia transformar-se-ia em problema individual () O alcoolismo eacute uma saiacuteda individual e gravemente condenada pelo grupo social O alcoolismo nesta situaccedilatildeo corresponde a uma fuga em direccedilatildeo a uma decadecircncia mais raacutepida e a um destino mental e somaacutetico particularmente grave (DEJOURS 1990 p 34)

Dejours explica que a dependecircncia do aacutelcool natildeo deriva completamente das pressotildees

psiacutequicas do trabalho mas de falhas existentes no indiviacuteduo contra a anguacutestia e o sofrimento

Contudo em situaccedilotildees de trabalho especiacuteficas o consumo de aacutelcool eacute elevado ao status de

defesa coletiva para combater o sofrimento inerente agraves caracteriacutesticas da profissatildeo

(CASTRO 2002)

Seligmann-Silva (2005) explicita que as funccedilotildees farmacoloacutegicas do aacutelcool (calmante

euforizante estimulante relaxante indutora de sono e anesteacutesica) integram as estrateacutegias dos

trabalhadores em determinadas ocupaccedilotildees caracterizadas como de risco mental devido agraves

situaccedilotildees penosas e humilhantes de trabalho e sem perspectiva de carreira Desta forma as

estrateacutegias coletivas de defesa envolvem o consumo coletivo de aacutelcool como reaccedilatildeo agrave

organizaccedilatildeo do trabalho enquanto forma de integraccedilatildeo dos grupos de determinadas

ocupaccedilotildees profissionais e de viabilizaccedilatildeo do proacuteprio trabalho Neste contexto problematizam-

se os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool

Em revisatildeo de literatura Vaissman (2004) aponta os principais problemas

ocupacionais decorrentes do consumo do aacutelcool absenteiacutesmos ausecircncias no periacuteodo e queda

na produtividade da jornada de trabalho queda da qualidade mudanccedilas nos haacutebitos pessoais e

relacionamento ruim com os colegas Assim a autora aponta que se corre o risco de se

desconsiderar as muacuteltiplas causalidades e accedilotildees das transformaccedilotildees do trabalho sobre o

trabalhador

53

Pesquisas referenciadas por Seligmann-Silva (2005) e Vaissman (2004) apontam que o

consumo de aacutelcool se associa a profissotildees socialmente desprestigiadas e determinantes de

certa rejeiccedilatildeo trabalhos perigosos com elevados niacuteveis de tensatildeo atividades que envolvem

grande densidade de atividade mental trabalhos monoacutetonos com isolamento de conviacutevio

humano e atividades que envolvem prolongamento afastado do lar

Segundo Seligmann-Silva (2005) satildeo relevantes as relaccedilotildees de poder nas estruturas

hieraacuterquicas das organizaccedilotildees Os aspectos que interferem na sauacutede mental do trabalhador satildeo

identificados a partir do modelo de empregado concebido pelas empresas Este corresponde agrave

missatildeo da empresa e sua forma de gestatildeo e estrutura hieraacuterquica pelos quais eacute concebida a

empresa Associado a isto haacute vaacuterias concepccedilotildees de sauacutede na empresa que norteia as accedilotildees

dos empregadores

Quando o trabalhador natildeo encontra sentido em sua atividade satildeo muitas as

repercussotildees negativas sobre a subjetividade e a singularidade de suas expressotildees no trabalho

O espaccedilo da subjetividade tende a ser invisiacutevel no cotidiano do trabalho Quando ganha

visibilidade eacute tradicionalmente associado agraves alteraccedilotildees comportamentais claacutessicas da

Psiquiatria e correspondem sobretudo agrave perda de capacidade laborativa Pois ao niacutevel da

organizaccedilatildeo das empresas a ideacuteia de ldquodistuacuterbio mentalrdquo estaacute associada agraves incapacidades

laborativas embora muitos transtornos psiquiaacutetricos se desenvolvam de forma gradual

(SELIGMANN-SILVA 2005)

As alteraccedilotildees mentais podem ser vistas pelo empregador sob duas perspectivas a de

necessidade de atenccedilatildeo meacutedica e a de imposiccedilatildeo de demissatildeo Na primeira eacute vista como

alteraccedilatildeo da sauacutede e no caso de demissatildeo eacute atribuiacuteda ao trabalhador a responsabilidade por

prejuiacutezos no seu desempenho As especificidades que contribuem para a ldquoinvisibilidaderdquo dos

distuacuterbios psiacutequicos podem ser associadas aos problemas decorrentes do uso abusivo ou

dependecircncia do aacutelcool os quais tecircm grandes implicaccedilotildees para a produccedilatildeo ldquoincidentes ou

acidentes de trabalho falhas de desempenho absenteiacutesmo conflitos interpessoais no trabalho

acidentes de trajeto conflitos familiares envolvimento em outros conflitos extratrabalhordquo

(SELIGMANN-SILVA 2005 p 1149)

Assunccedilatildeo (2003) indica que o estudo das relaccedilotildees entre sauacutede e trabalho deve

ultrapassar a anaacutelise isolada dos diagnoacutesticos meacutedicos guiados pela CID-10 situando-as no

contexto mais amplo das transformaccedilotildees econocircmicas e produtivas da organizaccedilatildeo do trabalho

A ampliaccedilatildeo da compreensatildeo dos fatores intriacutensecos agraves relaccedilotildees de trabalho pelas equipes de

sauacutede se torna relevante diante da sua complexa relaccedilatildeo com o consumo de aacutelcool Esta

questatildeo reclama um olhar integrado

54

Esta abordagem conjugada a outras anaacutelises em uma perspectiva multifatorial amplia

a compreensatildeo sobre a questatildeo A abordagem cognitivo-comportamental de tratamento

considera fatores interpessoais (relaccedilotildees sociais e familiares relaccedilotildees de trabalho e suporte

social) e fatores intrapessoais (expectativas pensamentos crenccedilas) no estabelecimento de

mudanccedilas no comportamento de consumo do aacutelcool compreendido como uma experiecircncia

aprendida e adquirida ao longo do tempo O tratamento visa o treino de habilidades sociais a

reestruturaccedilatildeo cognitiva para o enfrentamento das situaccedilotildees relacionadas ao beber e a evitar

as situaccedilotildees de risco (CASTRO 2002)

Karam (2004) enfatiza a obra de Vaissman (2004) ao problematizar a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho esta natildeo eacute de causa-efeito mas um processo dinacircmico e contraditoacuterio

Vaissman discute o trabalho como loacutecus de prevenccedilatildeo e tratamento da SDA constituindo-se

por vezes em fator de risco e por outras como um fator de proteccedilatildeo Neste contexto a

prevenccedilatildeo dos problemas relacionados ao consumo de aacutelcool nas organizaccedilotildees e as

abordagens ambulatoriais satildeo conjugadas agraves abordagens farmacoloacutegicas sendo o trabalho um

significativo operador da sauacutede mental (KARAM 2004)

Seligman-Silva (2005) mostra a necessidade de repensar a gestatildeo dos programas de

prevenccedilatildeo da SDA O autor evidencia que os programas de prevenccedilatildeo com resultados

positivos satildeo aqueles que identificaram nas situaccedilotildees de trabalho os aspectos organizacionais

e ambientais atinentes aos ldquoriscosrdquo de consumo indevido do aacutelcool buscando accedilotildees para

alteraacute-las

Demonstra-se que o trabalho natildeo eacute uma dimensatildeo somente atingida pelo consumo

indevido do aacutelcool mas tambeacutem conformadora dos problemas relacionados Karam (2003)

propotildee um novo desafio aos programas de tratamento que natildeo devem ser focados somente

nos aspectos fisioloacutegicos dos problemas relacionados ao consumo do aacutelcool e abordagens

tradicionais

Mas mais do que apenas uma entre as vaacuterias possiacuteveis estrateacutegias coletivas de defesa esta alcoolizaccedilatildeo especiacutefica () revelou-se em uma verdadeira ideologia da resistecircncia (DEJOURS 1997) imposta aos indiviacuteduos encerrando uma dramaturgia ainda pouco estudada e incapaz de ser ldquotratadardquo atraveacutes dos modelos claacutessicos de prevenccedilatildeo do uso abusivo de aacutelcool eacute outras drogas - modelos limitados agrave esfera domeacutestica do problema () que natildeo levam em conta a dimensatildeo poliacutetica em seu sentido pleno (KARAM 2003 p 469)

55

3 2 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de incapacidade devida agrave siacutendrome de dependecircncia do

aacutelcool

A previdecircncia social situa-se como relevante intervenccedilatildeo puacuteblica de cobertura das

doenccedilas como uma incapacidade para o trabalho e eacute nesse sentido que tais questotildees soacute satildeo

possiacuteveis de concretizaccedilatildeo O reconhecimento oficial da SDA como doenccedila envolve sua

compreensatildeo como um problema de sauacutede puacuteblica que exige accedilotildees preventivas curativas e

integralizadas

Como evidenciado a legislaccedilatildeo previdenciaacuteria possibilita o reconhecimento do

trabalho como um fator de risco da SDA em determinadas ocupaccedilotildees profissionais com base

no nexo epidemioloacutegico Este eacute estabelecido pelo reconhecimento tanto da SDA como um

diagnoacutestico constante na Lista de Doenccedilas Relacionadas ao Trabalho quanto da alta

prevalecircncia de casos em determinado local de trabalho O aperfeiccediloamento perioacutedico dessa

lista eacute um relevante avanccedilo conceitual Nesta explicita-se as profissotildees que

epidemiologicamente apresentam maior incidecircncia de SDA

As recentes mudanccedilas na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria em favor do estabelecimento do

nexo causal epidemioloacutegico trazem novas reflexotildees sobre o reconhecimento dos agravos das

transformaccedilotildees do trabalho sobre a sauacutede mental dos trabalhadores Contudo este processo de

reconhecimento de doenccedilas relacionadas ao trabalho natildeo eacute automaacutetico posto que envolve

esforccedilos de toda a sociedade sendo atores centrais as empresas e os sindicatos Segundo

Glina et al (2001)

O espectro da inter-relaccedilatildeo sauacutede mental e trabalho abrange portanto do mal-estar ao quadro psiquiaacutetrico incluindo o sofrimento mental Para Dejours et al (1984) o sofrimento mental pode ser concebido como a experiecircncia subjetiva intermediaacuteria entre doenccedila mental descompensada e o conforto (ou bem estar) psiacutequico A natildeo caracterizaccedilatildeo do papel do trabalho como agravante ou desencadeante de distuacuterbios psiacutequicos ocasiona prejuiacutezos natildeo soacute agrave qualidade e agrave eficaacutecia do tratamento como aos direitos legais do trabalhador que deixa de usufruir benefiacutecios previdenciaacuterios aos quais eventualmente tenha direito (GLINA 2001 p 608)

As implicaccedilotildees do reconhecimento do nexo epidemioloacutegico podem ser identificadas

por Seligmann-Siva (2005 p 1178)

A prevalecircncia elevada em um local de trabalho () sempre deve ser avaliada em seu significado como indicador da existecircncia de riscos mentais

56

na situaccedilatildeo em foco As accedilotildees preventivas desencadeadas a partir dessas constataccedilotildees poderatildeo ser de grande eficaacutecia no interesse da sauacutede dos empregados tanto na evitaccedilatildeo de distuacuterbios psiacutequicos quanto de acidentes e absenteiacutesmo bem como na promoccedilatildeo da qualidade de vida no trabalho

Segundo Dias (2001 p 175)

uma frequumlecircncia maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada especialmente nas ocupaccedilotildees que se caracterizam por ser socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certa rejeiccedilatildeo atividades em que a tensatildeo eacute constante e elevada () de trabalho monoacutetono que gera teacutedio trabalhos em que a pessoa trabalha em isolamento do conviacutevio humano (vigias)

A legislaccedilatildeo previdenciaacuteria estabelece tambeacutem que a concessatildeo do AD previdenciaacuterio

do auxiacutelio-acidente35 e da aposentadoria por invalidez encontram-se em ordem crescente de

comprometimento da capacidade para o exerciacutecio das funccedilotildees no trabalho correspondentes agrave

incapacidade laborativa temporaacuteria sequumlela definitiva compatiacutevel com a reabilitaccedilatildeo ao

trabalho e incapacidade total sem possibilidade de reabilitaccedilatildeo respectivamente

No tocante ao AD previdenciaacuterio sua concessatildeo implica no reconhecimento da SDA

como doenccedila incapacitante mas deve ultrapassaacute-lo A constataccedilatildeo do nexo teacutecnico

epidemioloacutegico tem implicaccedilotildees natildeo somente para a concessatildeo desse benefiacutecio mas tambeacutem

para ampliar as accedilotildees de sauacutede preventivas de reconstruccedilatildeo da auto-estima e de

desenvolvimento profissional nos ambientes de trabalho (SELIGMANN-SILVA 2005)

Dados do INSS sobre a concessatildeo do AD e de aposentadoria por invalidez mostram

que os transtornos mentais36 com destaque para a SDA ocupam o terceiro lugar dessas

ocorrecircncias (MEDINA 1986 apud DIAS 2001) A mesma demonstra ser uma tendecircncia de

anos no INSS o qual registra que dentre os transtornos mentais e comportamentais

relacionados ao trabalho o alcoolismo correspondeu ao terceiro lugar tanto entre as causas de

ocorrecircncia de incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e quanto a aposentadorias por

invalidez (MEDINA 1986 apud BRASIL 2001)

Em 1993 a OMS aponta que o alcoolismo era a quarta doenccedila mais incapacitante no

mundo e Vaissman (2004) explicita

35 ldquoA contingecircncia coberta pelo auxiacutelio-acidente eacute a incapacidade total e temporaacuteria para o exerciacutecio das atividades habituais mas que eacute passiacutevel de recuperaccedilatildeo O auxiacutelio-acidente indeniza o segurado prejudicado em razatildeo da reduccedilatildeo de sua capacidade laborativa em relaccedilatildeo agraves atividades exercidas quando ocorreu o acidenterdquo SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 p 196

36Correspondentes ao grupo V da CID-10 (uacuteltima versatildeo da Classificaccedilatildeo Internacional de Doenccedilas)

57

No Brasil a Associaccedilatildeo dos Estudos do Aacutelcool e Outras Drogas estimou que o alcoolismo era o terceiro motivo para o absenteiacutesmo no trabalho e a causa mais frequumlente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa para a concessatildeo de auxiacutelio-doenccedila pela Previdecircncia Social (VAISSMAN 2004 p 19)

Barbosa-Branco (2006) em pesquisa realizada em parceria com o INSS referente agrave

concessatildeo do AD no ano de 2002 evidenciou que 488 desta modalidade de benefiacutecio foi

concedida em decorrecircncia de problemas de sauacutede mental Considerando-se a totalidade dos

benefiacutecios sem restriccedilatildeo por doenccedilas a pesquisadora aponta que 99 deles estavam na

categoria de AD previdenciaacuterio (categoria E31) sendo insignificante o percentual de doenccedilas

equiparadas a acidentes de trabalho (categoria E91) 37

Em continuidade agrave pesquisa sobre a base de dados estatiacutesticos do INSS Barbosa-

Branco demonstra que os transtornos mentais e do comportamento constitui-se a principal

categoria geradora do AD em 2004 Nesse ano a SDA foi a terceira maior causa de concessatildeo

da modalidade E31 (AD previdenciaacuterio) correspondendo a 7078 dos 103393 benefiacutecios

concedidos A tabela 1 a seguir demonstra as principais categorias profissionais de acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades Econocircmicas (CNAE) com o diagnoacutestico de F10

2 38

37 BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbr acsbcopautasaude5htm gt Acesso em 15 set 2007

38 BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia

58

Tabela 1 - Setores de atividades conforme Classificaccedilatildeo Nacional de Atividades

Econocircmicas (CNAE) com maior incidecircncia do benefiacutecio E31 devido a transtornos mentais

e comportamentais relacionados ao consumo de aacutelcool (TMCRCS) - 2004

Coacutedigos Identificaccedilatildeo do ramo de atividade Incidecircncia por 10000

viacutenculos (1)41 Setor de captaccedilatildeo e tratamento de aacutegua 246137 Reciclagem 98729 Fabricaccedilatildeo de maacutequinas e equipamentos 98228 Fabricaccedilatildeo de produtos de metal 96234 Fabricaccedilatildeo e montagem de veiacuteculos automotores 92840 Eletricidade e aacutegua quente 863

63Atividades anexas e auxiliares de transporte

(transporte aquaviaacuterio)839

60 Transporte terrestre 787Meacutedia geral de todas as categorias profissionais 4 41

Fonte Banco de Dados do INSS Nota BARBOSA BRANCO A Fase de Elaboraccedilatildeo Dados fornecidos por pesquisa realizada pelo Laboratoacuterio de Sauacutede do Trabalhador vinculado ao Departamento de Sauacutede Coletiva da Universidade de Brasiacutelia(1) A incidecircncia por cada 10000 viacutenculos corresponde agrave padronizaccedilatildeo adotada pelo INSS para o estabelecimento de uma proporccedilatildeo

A alta incidecircncia da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na modalidade previdenciaacuteria

demonstra que a questatildeo deixa de ser um reconhecimento apenas moral e de estigma para se

tornar uma questatildeo de sauacutede puacuteblica Mas os dados demonstram que eacute restrita a concessatildeo do

AD acidentaacuterio devido agrave DAS Embora seja um fenocircmeno social que atinge cada vez mais as

relaccedilotildees de trabalho ainda natildeo se concretizou na previdecircncia social o seu reconhecimento

como uma doenccedila relacionada ao trabalho

Quando os atores envolvidos no processo de concessatildeo de benefiacutecios previdenciaacuterios

desprezam o papel dos processos de trabalho para influenciar ou agravar a SDA o trabalho

reproduz-se como um fator de sofrimento e de insatisfaccedilatildeo A consequumlecircncia tambeacutem envolve

a atuaccedilatildeo das equipes de sauacutede sobre a SDA visto que a identificaccedilatildeo das situaccedilotildees de risco

proporciona intervenccedilotildees preventivas

No acircmbito das poliacuteticas de sauacutede do trabalhador o AD se situa na perspectiva de

promoccedilatildeo da sauacutede e da cidadania A gestatildeo e o desenvolvimento das estrateacutegias de

prevenccedilatildeo devem envolver a participaccedilatildeo dos trabalhadores sobretudo no que se refere agrave

suspeita ou confirmaccedilatildeo da relaccedilatildeo da SDA com o trabalho O MS sistematiza os

procedimentos adotados apoacutes a concessatildeo do AD acidentaacuterio

59

Informar ao trabalhador examinar os expostos visando a identificar outros casos notificar o caso aos sistemas de informaccedilatildeo em sauacutede por meio dos instrumentos proacuteprios agrave Delegacia Regional do TrabalhoMinisteacuterio do Trabalho e Emprego (DRTMTE) e ao sindicato da categoria providenciar a emissatildeo da CAT caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdecircncia Social e orientar o empregador para que adote os recursos teacutecnicos e gerenciais adequados para eliminaccedilatildeo o controle dos fatores de risco (DIAS 2001 p177)

A proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador natildeo se limita agrave concessatildeo do AD seja qual for a

modalidade Mas o estabelecimento do nexo epidemioloacutegico coloca novas demandas agrave periacutecia

meacutedica do INSS e aos profissionais de sauacutede Os dados estatiacutesticos disponiacuteveis natildeo

demonstram o haacutebito de concessatildeo do AD acidentaacuterio na SDA e dessa forma estes desafios

valem sobretudo para o reconhecimento do trabalho como um fator de risco

Eacute necessaacuterio fortalecer as poliacuteticas de atenccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador natildeo soacute no acircmbito

da previdecircncia social mas nas redes puacuteblicas dos serviccedilos especializados de sauacutede empresas

e nos serviccedilos especializados de Seguranccedila e Medicina do Trabalho e organizaccedilatildeo poliacutetica dos

trabalhadores (como os sindicatos) Tais accedilotildees aperfeiccediloaratildeo o perfil epidemioloacutegico das

categorias ocupacionais permitindo melhor compreensatildeo entre o consumo de aacutelcool e o

trabalho

60

4 Apresentaccedilatildeo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo (PAA)HUB39

Segundo Cardoso e Jaccound (2005) ateacute a deacutecada de 1980 o atendimento meacutedico-

hospitalar na poliacutetica de sauacutede no Brasil se limitava aos trabalhadores contribuintes ao

sistema de Previdecircncia Social Pela CF de 1988 a sauacutede se tornou poliacutetica universal

ampliando-se a cobertura dos serviccedilos Os hospitais universitaacuterios como o Hospital

Universitaacuterio de Brasiacutelia (HUB) passam a integrar a rede do SUS O HUB direciona suas

accedilotildees pelo tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo atendendo a toda a comunidade do Distrito

Federal (DF)

Nessa perspectiva o PAA modificou a sua forma de atuaccedilatildeo tanto em funccedilatildeo das

mudanccedilas no espaccedilo institucional quanto na abordagem da questatildeo do consumo de aacutelcool

inserida na mais ampla de consumo de substacircncias psicoativas

O PAA surgiu a partir do Centro de Estudos e Tratamento em Alcoolismo (CETA)

oacutergatildeo que funcionava em um Posto de Atendimento do INAMPS no Guaraacute bairro de classe

meacutedia do DF No iniacutecio do Governo Collor em 1990 o convecircnio que mantinha este centro

foi extinto e os seus profissionais foram realocados e contribuiacuteram para a construccedilatildeo do

projeto no HUB Atualmente o programa eacute todo vinculado ao HUB e subordinado agrave Cliacutenica

Meacutedica do hospital

O PAA tem como objetivos contribuir para a melhor compreensatildeo do consumo do

aacutelcool por meio do atendimento agraves pessoas que apresentam problemas no consumo de

substacircncias psicoativas fornecendo agraves mesmas um tratamento especializado e integrado aos

demais serviccedilos do HUB e aos seus familiares bem como fornecendo uma articulaccedilatildeo com a

comunidade por meio de capacitaccedilotildees teacutecnicas de estudantes profissionais e instituiccedilotildees

As principais formas de chegada dos usuaacuterios se datildeo por meio da famiacutelia e pela via

institucional caracterizada por encaminhamentos de empresas e outras instituiccedilotildees de

trabalho Assim o suporte social por parte do trabalho e da famiacutelia eacute muito importante para a

formulaccedilatildeo do desejo e da adesatildeo ao tratamento

O primeiro atendimento eacute o acolhimento e triagem realizado pelo assistente social

que pode encaminhar os pacientes para os outros momentos do tratamento no Programa

avaliaccedilatildeo cliacutenica psiquiaacutetrica e psicoloacutegica bem como para as outras unidades do HUB O

assistente social tem as seguintes modalidades de intervenccedilatildeo acolhimento e triagem

39 Este item foi elaborado baseado no Relatoacuterio de Estaacutegio realizado no PAA no primeiro semestre de 2006 como requisito para aprovaccedilatildeo na disciplina estaacutegio curricular supervisionado I no curso de Serviccedilo Social da UNB

61

acompanhamento individual e familiar avaliaccedilatildeo familiar orientaccedilatildeo familiar durante a

internaccedilatildeo e grupo de familiares

O conceito de acolhimento que norteia os atendimentos eacute no sentido da valorizaccedilatildeo

humana e do fortalecimento da autonomia do sujeito diante da vergonha estigmas e exclusotildees

sociais O atendimento individual torna-se um espaccedilo de construccedilatildeo de viacutenculos e de

confianccedila na equipe possibilitando a escuta a exposiccedilatildeo de sentimentos e da dor provocada

pelo consumo da substacircncia e principalmente a formulaccedilatildeo de um desejo ao tratamento

contribuindo para o estabelecimento do viacutenculo institucional e da adesatildeo E a formulaccedilatildeo

desse desejo depende da identificaccedilatildeo e fortalecimento das relaccedilotildees sociais (famiacutelia e amigos

sobretudo) que constituem um suporte social diante do processo de dependecircncia do aacutelcool

O processo interventivo visa o desenvolvimento psicossocial dos sujeitos usuaacuterios de

substacircncias psicoativas Considerando a complexidade da SDA o viacutenculo temporal dos

sujeitos no PAA eacute indeterminado e depende da efetividade do tratamento individual Por ser

um serviccedilo ambulatorial um dos criteacuterios de elegibilidade eacute que a pessoa apresente condiccedilotildees

fiacutesicas e psiacutequicas para esta forma de tratamento Esse criteacuterio se relaciona com a proposta da

filosofia de reduccedilatildeo de danos para se inserir no tratamento eacute preciso a formulaccedilatildeo do desejo

individual em que ningueacutem pode comparecer senatildeo por vontade proacutepria e assim estabelecer o

plano de tratamento de acordo com seu interesse e condiccedilotildees

Todos os pacientes passam pela Avaliaccedilatildeo Cliacutenica A partir de uma demanda inicial (o

uso de aacutelcool eou outras substacircncias) satildeo feitos encaminhamentos para outras

especialidades bem como a realizaccedilatildeo de exames especiacuteficos e acompanhamentos pelos

profissionais A depender do niacutevel de comprometimento orgacircnico do paciente esse pode ser

internado no Serviccedilo de Tratamento do Centro de Cliacutenica Meacutedica

O trabalho do assistente social consiste em permitir que a questatildeo do aacutelcool seja

colocada natildeo somente como uma dimensatildeo individual mas tambeacutem como uma questatildeo

coletiva o consumo indevido tem sentidos significados e funccedilotildees nas relaccedilotildees sociais de

forma que seu enfrentamento associa-se agrave luta dos sujeitos por melhores condiccedilotildees e

qualidade de vida

Entre as expressotildees da questatildeo social que o assistente social se depara estatildeo aquelas

relacionadas agrave precaacuteria inserccedilatildeo dos trabalhadores no mundo do trabalho Satildeo questotildees

agravadas pelas consequumlecircncias advindas da dependecircncia das substacircncias psiacotivas o

desemprego as baixas remuneraccedilotildees ausecircncia de qualificaccedilatildeo profissional dificuldades de

desempenho do trabalho autocircnomo e a grande demanda de tratamento pelos trabalhadores

62

afastados pelo AD Dessa forma o trabalho torna-se uma questatildeo central para a proteccedilatildeo da

sauacutede e para o fortalecimento da cidadania dos usuaacuterios deste serviccedilo de sauacutede

A avaliaccedilatildeo Psicoloacutegica essencial para a mudanccedila de qualidade de vida dos pacientes

pode ser realizada em psicoterapia individual e em grupo A escolha depende dos sujeitos e

das particularidades de cada caso natildeo havendo prazo para findaacute-la

A psicoterapia individual consiste em trabalhar os sintomas e conflitos dos sujeitos

para que exerccedilam o controle sobre o uso do aacutelcool Essa abordagem passa pelas fases de

contrato terapecircutico e definiccedilatildeo do diagnoacutestico elaboraccedilatildeo dos conflitos e reflexatildeo sobre o

proacuteprio comportamento no sentido de consolidar mudanccedilas no estilo de vida A Psicoterapia

em grupo possibilita a troca de sentimentos experiecircncias e o desenvolvimento das relaccedilotildees

afetivas em que ldquoprocura-se promover prioritariamente o que se denomina a centralizaccedilatildeo do

indiviacuteduo em seus conflitosrdquo (HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA 2004 p18)

Nas reuniotildees de estudo de caso percebem-se as diferentes leituras sobre um mesmo

problema advindas do conhecimento acumulado das diversas aacutereas profissionais mas a

intervenccedilatildeo eacute proposta conjuntamente Os profissionais buscam estabelecer a modalidade de

tratamento mais adequada traccedilando o plano terapecircutico com bases nos recursos do PAA e da

rede social externa ao HUB Essa rede social eacute constituiacuteda pela famiacutelia e demais atores

envolvidos nas relaccedilotildees sociais dos sujeitos sendo essencial a integraccedilatildeo com as instituiccedilotildees

de trabalho visto ser este a principal fonte de renda e de realizaccedilatildeo pessoal

41 Metodologia do trabalho de campo

Este trabalho teve como objetivo compreender a implementaccedilatildeo do AD a partir da

visatildeo dos proacuteprios usuaacuterios A escolha do recorte da pesquisa se justificou pelas inquietaccedilotildees

vivenciadas no campo de estaacutegio Considerando a experiecircncia de estaacutegio no programa como

um meacutetodo de observaccedilatildeo participante evidenciou-se a grande quantidade de pacientes do

PAA afastados do trabalho Esta constataccedilatildeo envolve particularidades sobre a relaccedilatildeo

aacutelcooltrabalho muitas vezes desconhecidas e cuja compreensatildeo implica no aprimoramento

das abordagens terapecircuticas

Identificada essa demanda optou-se pela realizaccedilatildeo de um estudo descritivo de caso

que teve como instrumentos de pesquisa anaacutelise de registro dos prontuaacuterios e a realizaccedilatildeo de

entrevistas semi-estruturadas de oito pacientes do programa a partir de um roteiro

63

previamente estruturado Foi realizada uma anaacutelise temaacutetica e qualitativa das entrevistas na

qual se identificaram as categorias de anaacutelise identificadas a partir da fala dos entrevistados

A pesquisa natildeo teve a intenccedilatildeo de registrar dados estatiacutesticos de pacientes que recebiam

o benefiacutecio nem de selecionar uma amostra representativa dos mesmos Embora natildeo tenha

sido realizado um levantamento estatiacutestico sabe-se a partir da experiecircncia de estaacutegio que eacute

demanda frequumlente no programa a situaccedilatildeo de pacientes afastados do trabalho e recebendo o

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila pelo INSS sobretudo nas categorias profissionais de vigilacircncia

puacuteblica e transporte coletivo (informaccedilatildeo verbal)40 A seleccedilatildeo dos entrevistados natildeo se baseou

na escolha de categorias profissionais Contudo guardou relaccedilatildeo com o perfil ocupacional

observado pela equipe de trabalho do PAA que relatava haver grande quantidade de

atendimentos nas categorias ocupacionais de transporte coletivo principalmente motoristas de

ocircnibus e de vigilantes (sobretudo em instituiccedilotildees puacuteblicas)

A pequena quantidade de entrevistas se justifica por se tratar de um estudo qualitativo

de forma que as oito entrevistas foram substanciais para se compreender as percepccedilotildees dos

trabalhadores sobre o processo de concessatildeo do benefiacutecio AD em situaccedilotildees de consumo de

aacutelcool

Segundo Minayo (1993 apud GLINA et al 2001) nas pesquisas qualitativas haacute uma

menor preocupaccedilatildeo com a generalizaccedilatildeo e uma maior preocupaccedilatildeo em se aprofundar a

compreensatildeo de um grupo social de uma poliacutetica de forma que os criteacuterios de amostragem

natildeo satildeo numeacutericos A autora afirma

() uma amostragem a) privilegia os sujeitos sociais que detecircm os atributos que o investigador pretende conhecer b) considera-os em nuacutemero suficiente para permitir uma reincidecircncia das informaccedilotildees poreacutem natildeo despreza informaccedilotildees iacutempares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta c) entende que na homogeneidade fundamental possa ser diversificado para possibilitar a apreensatildeo de semelhanccedilas e diferenccedilas d) esforccedila-se para que a escolha do locus e do grupo de observaccedilatildeo e informantes contenham o conjunto das experiecircncias e expressotildees que se pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO 1993 apud GLINA et al 2001 p 609-610)

A proposta de realizaccedilatildeo de entrevistas e a seleccedilatildeo dos entrevistados foram feitas em

discussatildeo com a equipe psicossocial do programa e consentida pela sua coordenaccedilatildeo Os

criteacuterios de seleccedilatildeo foram pacientes atendidos no PAA-HUB aderentes ao tratamento e que se

encontravam afastados do trabalho recebendo o AD Um dos entrevistados encontrava-se

recebendo a aposentadoria por invalidez prevista em lei como posterior agrave concessatildeo do

40 Informaccedilatildeo fornecida por duas psicoacutelogas do programa agrave pesquisadora em novembro de 2007 no PAA

64

benefiacutecio AD Considerando que este eacute um direito previdenciaacuterio envolvido no processo de

cessaccedilatildeo do AD e a disponibilidade do paciente este foi selecionado para a entrevista

Os profissionais do programa viabilizaram o contato da pesquisadora com os sujeitos a

serem entrevistados apoacutes a realizaccedilatildeo dos atendimentos de rotina Neste contato foram

apresentados os objetivos da pesquisa e todos concordaram com a realizaccedilatildeo das entrevistas e

assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido e de compromisso do pesquisador

para com o entrevistado 41 As entrevistas foram gravadas e transcritas Ressaltam-se dois

aspectos dos termos de consentimento que satildeo a garantia do anonimato dos entrevistados e

das instituiccedilotildees citadas ao longo dos relatos dos entrevistados

As entrevistas foram realizadas no espaccedilo institucional do programa o que se justifica

por se tratar de um hospital-escola e pela propriedade do espaccedilo institucional para a exposiccedilatildeo

das questotildees relatadas nas entrevistas e para a confiabilidade da pesquisa Optou-se pela

realizaccedilatildeo das entrevistas nos dias em que os pacientes estavam com consultas marcadas no

programa o que se justifica em virtude das dificuldades econocircmicas para o deslocamento dos

entrevistados de suas residecircncias ao tratamento no ambulatoacuterio do HUB

Essas entrevistas subsidiadas por informaccedilotildees dos prontuaacuterios buscaram compreender

a visatildeo dos trabalhadores quanto agrave relaccedilatildeo aacutelcool-trabalho para fundamentar a anaacutelise da

concessatildeo do benefiacutecio O roteiro foi construiacutedo de modo a permitir que os entrevistados

falassem sobre seu consumo de aacutelcool (e de outras substacircncias psicoativas) na relaccedilatildeo com o

trabalho A sua anaacutelise como um mecanismo de proteccedilatildeo social surgiu a partir da descriccedilatildeo do

seu processo de implementaccedilatildeo Complementa a fundamentaccedilatildeo legal discutida no capiacutetulo

anterior em direccedilatildeo agrave compreensatildeo da realidade vivenciada pelos entrevistados

A anaacutelise se situa na complexa relaccedilatildeo entre o trabalho e a SDA Considerando-se o

campo da sauacutede do trabalhador como integrante do SUS o acesso dos trabalhadores ao AD eacute

uma questatildeo que o situa na rede de proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador Segundo o modelo de

atenccedilatildeo proposto no SUS o acesso universal e integral aos serviccedilos de sauacutede envolve a

articulaccedilatildeo da atenccedilatildeo baacutesica agrave especializada e agrave vigilacircncia em sauacutede

A hipoacutetese norteadora da pesquisa foi que a concessatildeo do AD atrelada agrave adesatildeo ao

tratamento possibilita a melhora da qualidade de vida dos sujeitos bem como a sua

reintegraccedilatildeo ao trabalho Partiu-se do pressuposto de que a adesatildeo dos sujeitos ao tratamento

contribuiu para as reflexotildees por eles desenvolvidas e que os mesmos satildeo atores ativos na

41 Estes termos se referem aos procedimentos eacuteticos Neles satildeo explicados os objetivos da pesquisa e os procedimentos de entrevista garante-se o anonimato do entrevistado a escolha de natildeo responder as questotildees Haacute o telefone e o local de contato da pesquisadora caso haja a recusa pelo entrevistado de uso das informaccedilotildees fornecidas em entrevista

65

construccedilatildeo de estrateacutegias de promoccedilatildeo da sauacutede Dessa forma o conteuacutedo das entrevistas foi

analisado considerando os resultados terapecircuticos derivados da adesatildeo ao tratamento

Tendo como base Seligmann-Silva (2005) caracterizou-se como um estudo da Sauacutede

Mental no Trabalho e identificou os aspectos da organizaccedilatildeo do trabalho que em interaccedilatildeo

foram preponderantes para o adoecimento dos sujeitos Na anaacutelise do acesso dos segurados ao

AD intentou-se obter a descriccedilatildeo do processo vivenciado por cada um Assim estabeleceram-

se categorias de anaacutelise da concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como direito social Satildeo elas a relaccedilatildeo

aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do AD as dificuldades de concretizaccedilatildeo

deste direito nas relaccedilotildees de trabalho a concepccedilatildeo do AD como um direito social para os

entrevistados os limites e as possibilidades para a reintegraccedilatildeo ao trabalho

42 Resultados encontrados

Os entrevistados foram encaminhados por sugestatildeo da famiacutelia e de profissionais de

sauacutede integrados ou natildeo agraves empresas e instituiccedilotildees de trabalho Dois oito entrevistados dois

tiveram acesso ao AD apoacutes o diagnoacutestico meacutedico realizado no PAA Os outros pacientes

procuraram o programa posteriormente ao afastamento do trabalho

Todos os entrevistados satildeo trabalhadores assalariados com segundo grau incompleto e

contratos de trabalho terceirizados de baixa remuneraccedilatildeo 42 Tendo em vista a idade o tempo

de serviccedilo e o periacuteodo de vigecircncia do AD conforme a tabela 2 se ressalta o direito em

adquirirem suas aposentadorias Quanto ao valor do AD ressalta-se que este eacute muito pequeno

e se aproxima do salaacuterio integral demonstrando-se a pouca capacidade contributiva dos

trabalhadores e a relevacircncia do benefiacutecio para o sustento

42 Quatro dos entrevistados referiram exerciacutecio de outras funccedilotildees ocupacionais anteriores a exercida quando da concessatildeo do AD Esta eacute uma caracteriacutestica inerente ao contrato de trabalho terceirizado

66

Tabela 2 ndash Caracteriacutesticas soacutecio-econocircmicas dos pacientes entrevistados

no PAAHUB ndash set 2007out 2007

Fonte registros de prontuaacuterios dos pacientes atendidos no PAAHUB

O AD tem como objetivo garantir o sustento econocircmico do obreiro quando um

problema de sauacutede o incapacita temporariamente para o trabalho Sob a luz do referencial

teoacuterico os resultados foram analisados segundo uma compreensatildeo do benefiacutecio como um

direito de sauacutede Sua concessatildeo evidencia um contexto de gravidade dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool segundo os registros dos prontuaacuterios todos os

entrevistados tiveram o diagnoacutestico F10 siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (SDA)

associado a comorbidades e outros comprometimentos cliacutenicos Contudo a partir da

concessatildeo do AD inicia-se uma atenccedilatildeo aos sujeitos sobre o prisma da justiccedila entendida

como o direito do paciente em receber um tratamento e atenccedilatildeo adequados

Quanto agrave conscientizaccedilatildeo dos entrevistados quanto aos seus direitos haacute uma

compreensatildeo de que o AD manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e de que haacute fatores na relaccedilatildeo com

o trabalho que contribuiacuteram para o desenvolvimento da SDA Compreendem o AD sob uma

dupla perspectiva o benefiacutecio representa a perda do trabalho e a interrupccedilatildeo na construccedilatildeo de

uma histoacuteria ocupacional mas por estar associado ao tratamento possibilita resultados

terapecircuticos no sentido de continuidade dos seus projetos de vida

67

Pacientes

entrevistados

Sexo Uacuteltima funccedilatildeo de trabalho exercida Idade Renda mensal em salaacuterios miacutenimos

Vigecircncia do

AD

1 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

56Dois a trecircs

Trecircs meses

2 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

39Dois a trecircs

Um ano e dois

meses

3 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

Acima de 30 anos

Dois a trecircs Seis meses

4 M Despachante de transporte coletivo 52 Dois a trecircs Dois anos

5 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

33Dois a trecircs

Trecircs anos

6 MServiccedilo terceirizado de vigilacircncia

puacuteblica

44Dois a trecircs

Seis meses

7 MMotorista de ocircnibus de transporte

coletivo

46Dois a trecircs

Dois anos

8 F Serviccedilo de auxiliar geral jardinagem48

Um Mais de

dois anos

421 A relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho como fundamento para a concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila

Segundo Glina et al (2001) os processos de terceirizaccedilatildeo e de intensificaccedilatildeo do

trabalho provocam situaccedilotildees de estresse e desgaste mental Quanto menor a autonomia do

trabalhador na organizaccedilatildeo do trabalho maior a possibilidade de surgimento de transtornos agrave

sauacutede mental

Segundo Assunccedilatildeo (2001) e Seligmann-Silva (2005) a terceirizaccedilatildeo visando atender

os interesses imediatos da empresa caracteriza-se por rupturas nas praacuteticas institucionalizadas

nos aspectos referentes aos direitos salariais dimensatildeo temporal do trabalho e relaccedilotildees de

trabalho relevantes para a seguranccedila no emprego e sauacutede dos empregados Estas questotildees

satildeo presentes na organizaccedilatildeo do trabalho dos entrevistados com implicaccedilotildees sobre a sua

sauacutede mental

Neste contexto a relaccedilatildeo entre aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do AD

pauta-se natildeo somente pela evidecircncia das consequumlecircncias do consumo sobre a produtividade

absenteiacutesmos e perdas sociais mas pela dinacircmica entre o processo de trabalho e a construccedilatildeo

da sauacutede Enquanto um fenocircmeno multifatorial o trabalho sustenta-se natildeo como uma

dimensatildeo causal mas determinante no desenvolvimento da dependecircncia do aacutelcool

Seligmann-Silva (2005) aborda as interaccedilotildees entre trabalho e personalidade em que

em ocupaccedilotildees que exigem grande esforccedilo fiacutesico e mental haacute diminuiccedilatildeo da toleracircncia agraves

frustraccedilotildees e aumento da irritabilidade e impaciecircncia levando ao isolamento e ao consumo de

bebidas alcooacutelicas Nesse sentido ressaltam-se os aspectos relacionados aos efeitos

psicofarmacoloacutegicos do aacutelcool visando um melhor desempenho das funccedilotildees de trabalho

Karam (2003) identifica a alcoolizaccedilatildeo como uma estrateacutegia do trabalhador para

aliviar processos de sofrimento decorrentes natildeo somente de necessidades orgacircnicas mas

sobretudo de direito agrave palavra e de autonomia no ambiente de trabalho

Considerando os anos de trabalho e as caracteriacutesticas das funccedilotildees exercidas o trabalho

demonstrou ser um fator preponderante para que o consumo de aacutelcool tenha ao longo do

tempo se constituiacutedo em um quadro de dependecircncia quiacutemica Com base em Karam (2003)

infere-se que o consumo de aacutelcool tinha a funccedilatildeo de aliacutevio imediato do sofrimento psiacutequico e

da tensatildeo gerada no trabalho

Os entrevistados se referem a uma instalaccedilatildeo gradual do quadro de dependecircncia A

partir da anaacutelise dos prontuaacuterios percebe-se que o consumo em grandes quantidades jaacute era

realizado desde a adolescecircncia e juventude e no exerciacutecio do trabalho era usado para aliacutevio

68

da tensatildeo Aleacutem disso o desenvolvimento da SDA foi favorecido pela disponibilidade do

aacutelcool no ambiente de trabalho indo de encontro agrave ausecircncia de accedilotildees de prevenccedilatildeo e de

fiscalizaccedilatildeo efetiva do consumo do aacutelcool e suas implicaccedilotildees sobre o trabalho

As profissotildees de motoristas de ocircnibus e vigilantes implicam em desgaste fiacutesico e

mental e quando realizadas sob o efeito do aacutelcool caracterizam situaccedilotildees de risco O

desempenho das atividades de forma indissociaacutevel dos efeitos da bebida alcooacutelica caracteriza

o trabalho como um sofrimento permanente no qual a dependecircncia quiacutemica surge como

estrateacutegia para encontrar o sentido no trabalho

Os trabalhadores na funccedilatildeo de motorista de ocircnibus enfatizam como as relaccedilotildees de

trabalho eram desfavoraacuteveis a uma comunicaccedilatildeo Suas falas demonstram que natildeo se tratava

de uma questatildeo pessoal mas que atingia a coletividade de trabalhadores As relaccedilotildees sociais

de trabalho se davam em um contexto de desvalorizaccedilatildeo da fala e da participaccedilatildeo do

funcionaacuterio na gestatildeo do seu trabalho

O ambiente era peacutessimo carro velho horaacuterio soacute de entrada e natildeo de saiacuteda barulho demais no seu ouvido Eu acordava todo dia quatro horas da manhatilde e ia dormir dez horas da noite Eles natildeo pagam hora extra eles pegam as horas extras que vocecirc faz escolhem um dia da semana e transformam em folga Tudo isso desmotiva a pessoa entendeu () E a chefia que os patrotildees querem eacute soacute pra derrubar o cara pra ver se vocecirc parou fora de uma parada se vocecirc saiu atrasado se deixou algum passageiro na parada Eles natildeo ouvem funcionaacuterio Soacute o cliente que taacute bancando ela (Informaccedilatildeo verbal) 43

Era uma pressatildeo forte para qualquer coisa que vocecirc fizesse era boletim de ocorrecircncia O passageiro pode estar errado como for mas pra empresa ele sempre taacute certo e a gente eacute errado O que conta eacute a palavra do passageiro ou vocecirc trabalhava do jeito certo ou era mandado embora Era uma perseguiccedilatildeo grande dos fiscais se fossem bonzinhos para os funcionaacuterios eles natildeo tinham valor pra empresa natildeo Isso me chateava bastante porque vocecirc trabalhar em um lugar e ser perseguido assim eacute a pior coisa que tem (Informaccedilatildeo verbal) 44

A ausecircncia de diaacutelogo comprometeu natildeo soacute a formaccedilatildeo de viacutenculos necessaacuterios para

enfrentar o sofrimento no trabalho como a promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

O entrevistado sete reconhece a progressatildeo do quadro de dependecircncia do aacutelcool

associado ao consumo de outras substacircncias psicoativas Reflete sobre as consequumlecircncias sobre

a sua sauacutede mental e sobre o comprometimento no desempenho de sua funccedilatildeo

43 Trecho de entrevista do paciente sete 44 Trecho de entrevista do paciente trecircs

69

Eu comecei a usar aacutelcool com 12 anos No trabalho ele comeccedilou me ajudando porque eu trabalhei muito com interestadual e soacute trabalhava mais agrave noite Durante o efeito ali se eu viajasse doze horas direto e fizesse quatro paradas eram quatro cervejas quatro conhaques para poder aguumlentar a viagem Mas aiacute vem o tempo a gente natildeo espera e chegou Quando chega vocecirc simplesmente natildeo daacute mais conta aiacute o sono bate a fadiga te consome a insocircnia natildeo te deixa dormir vocecirc roda a noite toda fica o dia inteiro sem conseguir dormir Eu deixei de fazer dele uma diversatildeo e virou obsessatildeo o dia todo todos os dias no trabalho em casa perdendo famiacutelia e inuacutemeros empregos como motorista por causa do aacutelcool (Informaccedilatildeo verbal)45

A anaacutelise de prontuaacuterio do entrevistado trecircs tambeacutem registra consumo de aacutelcool

associado ao de outras substacircncias psicoativas O diagnoacutestico meacutedico registrou comorbidades

psiquiaacutetricas associadas ao consumo de substacircncias psicoativas (coacutedigo G40) Embora o

sujeito natildeo tenha compartilhado o seu consumo das substacircncias se refere agrave organizaccedilatildeo do

trabalho e suas consequumlecircncias sobre a sauacutede mental O sujeito relata a vivecircncia de situaccedilotildees

de medo e ansiedade na atividade laboral cabendo refletir sobre o papel do trabalho

surgimento de transtornos mentais e favorecimento no consumo das substacircncias psicoativas

A gente acabava trabalhando assustado tiacutenhamos que parar em todos os pontos para os passageiros entrarem se natildeo eacuteramos penalizados E se parasse assaltava Ou seja eu parava antes da parada ou depois a gente sempre dava um jeitinho de natildeo parar na escuridatildeo e ficaacutevamos naquela tensatildeo Entra um pessoal mal encarado que vocecirc natildeo conhece Eu jaacute sofri trecircs assaltos em 1999 2001 e 2004 (Informaccedilatildeo verbal) 46

Dias (2001) e Seligmann-Silva (2005) evidenciam que segundo estudos

epidemioloacutegicos as ocupaccedilotildees de vigilantes satildeo propensas agrave maior concentraccedilatildeo de casos de

SDA Os autores as caracterizam como trabalhos desinteressantes monoacutetonos e de

isolamento Enfatizam os efeitos farmacoloacutegicos euforizantes para proporcionar prazer e que

a utilizaccedilatildeo de bebidas pode ser feita inclusive no horaacuterio de serviccedilo De fato todos os

vigilantes entrevistados referem consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho tanto para o

aliacutevio da tensatildeo como dos sintomas de abstinecircncia do aacutelcool associados agrave SDA

O entrevistado um trabalha haacute dezesseis anos como vigilante O consumo de aacutelcool

inicialmente realizado fora do trabalho tornou-se constante sendo necessaacuterio para manter um

bem estar psiacutequico e a satisfaccedilatildeo com o trabalho

45 Trecho de entrevista do paciente sete 46Trecho de entrevista do paciente trecircs

70

Ser vigilante eacute uma necessidade de sustentar a famiacutelia de se manter na vida Eu achei que jaacute virou muita rotina sentar numa cadeira sete horas da noite e sair sete da manhatilde Ficou enjoativo meio cansativo e tinha sempre vontade de mudar de trabalho E eu nunca gostei daquela posiccedilatildeo nem de usar arma Se eu estivesse trabalhando em outro serviccedilo talvez natildeo teria me embrenhado tanto na bebida Ali parece que a bebida eacute um lenitivo passar o dia sem taacute tomando muito conhecimento da hora O que aconteceu foi que eu esqueci que tinha de parar que tinha de trabalhar o outro dia (Informaccedilatildeo verbal) 47

A insatisfaccedilatildeo com o trabalho eacute uma questatildeo presente tambeacutem no relato do

entrevistado seis que trabalha haacute treze anos como vigilante Contudo tal insatisfaccedilatildeo em

muito se associa agraves consequumlecircncias do consumo do aacutelcool no ambiente de trabalho

caracterizado por um estigma social relacionado ao dependente quiacutemico Associam-se

tambeacutem agraves dificuldades no controle dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia

Mesmo se vocecirc natildeo bebe no outro dia trabalhando vocecirc vai chegar com o teor alcooacutelico e eu que bebo desde os treze anos o odor estaacute na pele Eles pensam que quando o alcooacutelatra chega na empresa estaacute alcoolizado Nem sempre Mas como ele jaacute tem aquela fama todinha o pessoal pensa que estaacute alcoolizado Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o serviccedilo porque a gente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 48

O entrevistado dois trabalha haacute dez anos como vigilante e refere-se ao meio ambiente

do trabalho e ao reconhecimento profissional como aspectos relevantes para a (in) satisfaccedilatildeo

como o trabalho

Bom eacute quando vocecirc tem um relacionamento melhor com os colegas e quando as pessoas respeitam os nossos serviccedilos Ruim eacute quando eles te colocam em um lugar que natildeo tem aacutegua pra vocecirc beber e quando vocecirc fica o dia inteiro no sol senatildeo em peacute Eu natildeo tinha hora pra usar era constante Dava uma aliviada naquela tensatildeo de ficar muito tempo ali parado Aiacute vocecirc tomava uma pra relaxar pra dar uma aliviada no seu serviccedilo Ao longo do tempo o consumo do aacutelcool soacute foi aumentando (Informaccedilatildeo verbal) 49

Para os vigilantes a insatisfaccedilatildeo no trabalho decorre principalmente de conflitos

interpessoais no trabalho Estes conflitos decorreram da chegada ao serviccedilo alcoolizado

levando a alteraccedilotildees comportamentais e ao consequumlente preconceito no ambiente de trabalho

A violaccedilatildeo de regras realizada quando o consumo de aacutelcool caracterizou amneacutesia alcooacutelica

motivou o afastamento do trabalho Este fato concorre para a insatisfaccedilatildeo com o trabalho

Toda vida tratei o pessoal muito bem Mas no dia que eu ia sair eu briguei Natildeo sei dizem que eu briguei E para o chefe saber que vocecirc estaacute bebendo

47 Trecho de entrevista do paciente um 48 Trecho de entrevista do paciente seis49Trecho de entrevista do paciente dois

71

nem precisa chegar becircbado no serviccedilo Chega um certo ponto que eles acham melhor te devolver para a empresa (Informaccedilatildeo verbal)50

O consumo soacute foi aumentando e aiacute comeccedilam as besteiras Da uacuteltima vez falaram que eu saiacute do meu posto e ameacei um motorista de ocircnibus E eu fiquei sabendo disso porque me contaram mas natildeo que eu lembrava Os vigias comunicaram a empresa que me comunicou Aiacute foi quando eu soube Ela me deu justa causa porque eu estava trabalhando em embriaguez (Informaccedilatildeo verbal) 51

Eu nunca tive do que reclamar no ambiente de trabalho De colegas sim eu tenho muitos colegas que futucavam a gente por traacutes Eu tava becircbado no serviccedilo E o outro me entregou Se ele natildeo tivesse me entregado eu natildeo teria ficado encostado na eacutepoca eu teria ficado numa boa (Informaccedilatildeo verbal) 52

A centralidade adquirida pelo trabalho associada agrave vergonha e ao medo da demissatildeo

caracterizam a permanecircncia dos trabalhadores o desempenho das atividades no ambiente

laboral a despeito dos efeitos adversos da DAS Contudo tal possibilidade se finda com os

conflitos no trabalho

Neste sentido identifica-se nos relatos dos sujeitos uma frustraccedilatildeo decorrente da

dificuldade em manter a abstinecircncia do aacutelcool como condiccedilatildeo para o exerciacutecio do trabalho Os

sujeitos associam o afastamento do trabalho ao diagnoacutestico da SDA

Eu gostaria de estar trabalhando Porque o trabalho eacute a coisa mais gostosa que tem Ma o auxiacutelio-doenccedila pra mim eu soacute quero ele ateacute o dia em que eu natildeo estiver em condiccedilotildees de trabalhar (Informaccedilatildeo verbal)53

Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo estou buscando ajuda do programa O serviccedilo de vigilante eacute atenccedilatildeo e minha memoacuteria natildeo estaacute boa para trabalhar ainda mais em um serviccedilo que exige muita concentraccedilatildeo Pra te falar a verdade se eu pegar uma arma hoje se eu for trabalhar de repente comeccedila tudo de novo (Informaccedilatildeo verbal) 54

O meacutedico jaacute sabia do meu problema natildeo precisava nem falar O meacutedico falou para eu esquecer de ser vigilante e ver outra funccedilatildeo pra mim Mas eu sempre trabalhei como vigilante e nunca matei ningueacutem Sempre trabalhei direito Tem colega meu que toma uma pra segurar a onda e segurar o

50 Trecho de entrevista do paciente um 51 Trecho de entrevista do paciente dois 52Trecho de entrevista do paciente cinco 53Trecho de entrevista do paciente um 54Trecho de entrevista do paciente cinco

72

serviccedilo porque agente soacute trabalha de madrugada entatildeo natildeo eacute questatildeo disso natildeo (Informaccedilatildeo verbal)55

Diferentemente dos outros segurados o entrevistado quatro recebeu o benefiacutecio depois

de ter sido demitido56 Ele realizou consumo em grandes quantidades durante a adolescecircncia

e o diagnoacutestico meacutedico que possibilitou o acesso ao AD foi realizado no programa A

gravidade dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool exigiu um forte suporte cliacutenico e

social 57

O entrevistado denuncia as condiccedilotildees adversas de trabalho e o consumo do aacutelcool para

suportaacute-lo Descreve da seguinte forma esta relaccedilatildeo

Era muito agitado principalmente em horaacuterio de pico A gente tinha que abrir e fechar pontos de motorista e cobrador liberar carro e se natildeo tivesse a gente tinha que se virar para colocar ocircnibus no local Tinha vez que faltava motorista ou cobrador e agente falava com o chefe e ele mandava agente se virar isso irritava agente Eu usava aacutelcool na hora que desse vontade esfriava mais a cabeccedila Aiacute eu fui comeccedilando a esquecer das coisas natildeo tava mais dando conta do serviccedilo e a empresa mandou eu ir embora(Informaccedilatildeo verbal)58

A anaacutelise das entrevistas demonstrou que o trabalho apresenta interfaces como o

processo de dependecircncia quiacutemica enquanto um comportamento relacionado agrave insatisfaccedilatildeo

com o trabalho medo inseguranccedila e percepccedilatildeo de ausecircncia de um reconhecimento

profissional

A manifestaccedilatildeo do consumo de aacutelcool no trabalho se contrapocircs agrave compreensatildeo do

trabalho como uma dimensatildeo construtiva da sauacutede do trabalhador A dinacircmica de trabalho

relata pelos sujeitos confronta-se com as abordagens teoacuterico-metodoloacutegicas que defendem o

trabalho como um fator de prevenccedilatildeo recuperaccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Para que o trabalho

se concretize como um fator de proteccedilatildeo satildeo necessaacuterias intervenccedilotildees sobre os fatores

psicossociais que antecedem a instalaccedilatildeo da SDA de forma a permitir uma maior chance de

reabilitaccedilatildeo e resultados terapecircuticos (VAISSMAN 2004) Nenhum dos entrevistados relatou

a disponibilidade de programas de prevenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo de dependentes quiacutemicos no

ambiente de trabalho

55 Trecho de entrevista do paciente seis 56O direito do segurado ao AD foi possiacutevel porque o segurado manteve a sua qualidade de segurado

tendo em vista o tempo de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia e o periacuteodo em que permanecia desempregado 57 Alguns dos sintomas satildeo ldquodeacuteficit cognitivo insocircnia tontura zumbido no ouvido perda de memoacuteria

cefaleacuteia desorientaccedilatildeo espacial necessidade permanente de familiarrdquo e sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do aacutelcool Anaacutelise de registro de prontuaacuterio no PAAHUB em outubro2007

58Trecho de entrevista do paciente quatro

73

422 Dificuldades do acesso ao auxiacutelio-doenccedila a posiccedilatildeo do empregador e estrateacutegias do

trabalhador

Como uma questatildeo que tambeacutem se insere na complexa relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho os

entrevistados relataram dificuldades de acesso ao benefiacutecio Estas se situam sobretudo no

papel das empresas no processo de concessatildeo do AD Estas posiccedilotildees satildeo descritas nos

depoimentos e encontram sustentaccedilatildeo na legislaccedilatildeo trabalhista e previdenciaacuteria

Constituem-se em antecedentes que demonstram as dificuldades de reconhecimento da

SDA como doenccedila e particularmente do trabalho como um fator concorrente na construccedilatildeo

da sauacutede mental dos trabalhadores

Quanto agrave situaccedilatildeo de trabalho as falas abarcam a contradiccedilatildeo haacute a conscientizaccedilatildeo

dos entrevistados de que a concessatildeo do AD consiste em manter o viacutenculo empregatiacutecio mas

natildeo referem accedilotildees do empregador no sentido de acompanhamento do tratamento e de alguma

garantia do retorno ao trabalho Ainda como decorrecircncia da disposiccedilatildeo legal do AD referente

ao afastamento superior a 15 dias os sujeitos natildeo relatam nenhuma accedilatildeo de acompanhamento

do tratamento

Na legislaccedilatildeo trabalhista eacute importante enfatizar a posiccedilatildeo legiacutetima de demissatildeo por

justa causa Ao seu favor o empregador interpreta a legislaccedilatildeo trabalhista Este tipo de

demissatildeo tem respaldo juriacutedico na CLT art483 seccedilatildeo f ldquoa embriaguez habitual ou em

serviccedilo constitui motivo de justa causa para ruptura do contrato de trabalho pelo empregadorrdquo

(MARTINS 1999 p 33)

Ademais Martins (1999) interpreta que a possibilidade dessa demissatildeo concorre para

a natildeo violaccedilatildeo de condutas e normas estabelecidas na organizaccedilatildeo do trabalho Assim o

caraacuteter normativo da lei contribui para a regulaccedilatildeo da conduta dos trabalhadores com

consumo do aacutelcool Entretanto a loacutegica da demissatildeo por justa causa inscrita no direito

trabalhista reduz a compreensatildeo do consumo de aacutelcool a uma questatildeo moral e na qual a

uacutenica possibilidade eacute a de ruptura do contrato de trabalho

Este autor caracteriza tal demissatildeo como uma restriccedilatildeo legal A legislaccedilatildeo

previdenciaacuteria na lei 82131991(PBPS) e no decreto 30481999 se contrapotildee ao imediatismo

daquela interpretaccedilatildeo ao oferecer a alternativa do AD Este se constitui em um direito social

que vai agrave direccedilatildeo contraacuteria da loacutegica da demissatildeo por justa causa

Martins (1999) enfatiza que a concessatildeo do AD implica em um outro tipo de posiccedilatildeo

do empregador que se deparar com o consumo de aacutelcool dos empregados Esta perspectiva eacute a

74

de reconhecimento da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool como doenccedila Tal reconhecimento

admite uma nova caracterizaccedilatildeo das falhas cometidas devido agrave enfermidade daiacute a concessatildeo

do beneficio

Eacute certo que o empregador natildeo deve ser obrigado a ficar em seus quadros com um trabalhador que eacute dominado pelo viacutecio do aacutelcool como tambeacutem natildeo pode contar com um empregado enfermo Poreacutem causas dessa natureza antes configuradoras de falta do empregado hoje natildeo devem mais merecer essa capitulaccedilatildeo O eacutebrio precisa mais de assistecircncia meacutedica adequada e a perda do emprego por certo em nada contribuiraacute para a sua recuperaccedilatildeo Ao contraacuterio poderaacute mesmo agravar o mal porque aleacutem de eacutebrio o homem seraacute um desempregado (MARTINS 1999 p 41)

A demissatildeo por justa causa eacute uma conduta que deriva das representaccedilotildees sociais da

SDA jaacute consolidadas no ambiente de trabalho e impressas na identidade dos sujeitos Jaacute a

legislaccedilatildeo previdenciaacuteria se contrapotildee agrave compreensatildeo superficial de que a embriaguez por si

soacute constitui-se em motivo de rescisatildeo de contrato de trabalho permitindo uma nova

compreensatildeo da dinacircmica aacutelcooltrabalho

A posiccedilatildeo do empregador pode ser compreendida com base em Seligmann-Silva

(2005) As alteraccedilotildees comportamentais e de personalidade decorrentes da SDA podem ser

percebidas como alteraccedilotildees da sauacutede mas ldquoas alteraccedilotildees de conduta que prejudicam a ordem

e o desempenho frequumlentemente satildeo interpretadas a partir de uma outra loacutegica e encaradas

como demonstraccedilotildees de negligecircncia indisciplina irresponsabilidade ou despreparo

profissionalrdquo (p1149)

O afastamento dos vigilantes decorreu do consumo de aacutelcool no ambiente de trabalho

ou do desempenho das atividades sob efeitos da substacircncia Os entrevistados um dois e seis

referem atitudes no ambiente de trabalho das quais natildeo se lembram Tais situaccedilotildees se

caracterizam como de intoxicaccedilatildeo alcooacutelica e motivaram uma demissatildeo por justa

Entretanto este tipo de demissatildeo natildeo se concretizou sendo revertida por meio de

estrateacutegias dos proacuteprios trabalhadores Estas consistiram no reconhecimento do sindicato da

categoria como um suporte social e de novas elaboraccedilotildees dos sujeitos sobre sua situaccedilatildeo de

sauacutede

Os sindicatos atuaram para mostrar agraves firmas empregadoras que os trabalhadores

tinham o direito ao AD Os sindicatos realizaram os encaminhamentos para os meacutedicos

assistentes responsaacuteveis pelos atestados meacutedicos que reconheceram a SDA como doenccedila com

posterior concessatildeo do direito previdenciaacuterio

O sindicato achou que esta justa causa ou mesmo sem justa causa natildeo seria certo a empresa fazer Chamou o gerente da empresa e reverteu esta

75

situaccedilatildeo Eu tambeacutem achei que pra mim natildeo era o certo porque eu natildeo estava bem de sauacutede Se eu tinha bebido aquele dia natildeo foi aleatoriamente natildeo Eu jaacute vinha com dependecircncia quiacutemica (Informaccedilatildeo verbal)59

Quando eles me deram justa causa eu fui ao sindicato e o sindicato fez com que eles me encostassem e aiacute me levaram para o INSS Eu assinei o atestado do meacutedico do trabalho Ele falou que eu tinha alcoolismo Aiacute me deram cinco meses para eu me tratar (Informaccedilatildeo verbal)60

A partir do apoio dos sindicatos com posterior concessatildeo do AD foi possiacutevel a

formulaccedilatildeo do desejo e motivaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo do tratamento especializado (PAA) Os

encaminhamentos dos sindicatos e o afastamento do seguro pelo INSS associados ao apoio

familiar constituem-se em relevante suporte soacutecio-familiar para a reabilitaccedilatildeo do segurado

Em relaccedilatildeo agrave firma eu natildeo tenho nada a dizer natildeo Eles me atenderam muito bem e me acolheram na hora certa Porque foi numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo eles me acolheram e me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje desde 2004 (Informaccedilatildeo verbal)61

Os demais entrevistados foram encaminhados diretamente pela empresa para o INSS

por meio dos meacutedicos de trabalho conveniados Contudo este processo natildeo se deu sem

conflitos Por constituir-se em um trabalho terceirizado coube agraves firmas a garantia do direito

do segurado ao AD embora natildeo haja uma estrutura institucional consolidada no ambiente

cotidiano do trabalho para a proteccedilatildeo da sauacutede do trabalhador O entrevistado cinco relata este

processo

Eu tenho um supervisor neacute o ronda da rua Eu estava alcoolizado no serviccedilo aiacute o fiscal passou e me mandou para a firma Quando eu cheguei laacute fui ao meacutedico que me deu uns atestados pra eu ficar encostado A suspensatildeo que seria a justa causa a firma pagou e me encostou Eles me atenderam muito bem e me acolheram numa hora que eu estava dependente muito dependente mesmo Eles me mandaram para o INSS e eu estou ateacute hoje (Informaccedilatildeo verbal)62

O discurso do entrevistado seis revelou dificuldades no reconhecimento da

dependecircncia quiacutemica como fator responsaacutevel por seu afastamento do trabalho Dentre os

fatores que dificultam esta elaboraccedilatildeo estatildeo os conflitos com os colegas de trabalho e as

representaccedilotildees sociais da SDA

59 Trecho de entrevista do paciente um60Trecho de entrevista do paciente dois 61Trecho de entrevista do paciente cinco 62Trecho de entrevista do paciente cinco

76

O questionamento destes estigmas sociais pelos sujeitos e a busca de novas interaccedilotildees

sociais que visem o resgate de sua autonomia constituem importantes estrateacutegias dos

trabalhadores Eacute neste sentido que a procura e a adesatildeo ao tratamento constitui-se em uma

importante estrateacutegia realizada pelos sujeitos Concomitantemente outra estrateacutegia dos

trabalhadores eacute o seu distanciamento dos ambientes de trabalho verificando-se um descreacutedito

quanto agrave concretizaccedilatildeo do trabalho enquanto fator de proteccedilatildeo

Haacute cinco anos o fiscal foi conversar comigo Notei que ele chegou muito perto de mim Aiacute ele falou vocecirc bebeu neacute Eu falei bebi mas foi em casa jaacute tomei banho jantei agora natildeo bebi mais no caminho Ele disse vocecirc bebeu estou de olho em vocecirc De laacute pra caacute eu vi que jaacute tinha mudado A confianccedila que eu tinha ter com ele eu natildeo ia ter mais aiacute um passa pro outro e num instantinho todo o oacutergatildeo taacute sabendo O boato corre Entatildeo chega um certo ponto que eles acharam por melhor me devolver pra empresa (Informaccedilatildeo verbal) 63

O problema eacute que nem todo mundo que bebe chega no serviccedilo embriagado Eles jaacute tecircm esse ponto a favor deles mas eu natildeo tenho nenhum ponto a favor meu Enquanto vocecirc natildeo largar o dom de beber ele vai intimidar Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar (Informaccedilatildeo verbal) 64

Eu natildeo tenho vontade de voltar a trabalhar por causa disso eu sei que natildeo eacute a primeira nem a segunda vez que eu fui afastado Toda vez eacute assim eles natildeo tecircm mais credibilidade em mim O tratamento vai me ajudar mas para eles vai continuar a mesma coisa Eles esperam soacute um motivo pra mandar embora (Informaccedilatildeo verbal) 65

423 A concepccedilatildeo do auxiacutelio-doenccedila como direito para os segurados a relevacircncia do

tratamento especializado

Quanto agrave concepccedilatildeo do AD para os sujeitos este eacute associado agrave incapacidade para o

trabalho decorrente do consumo de aacutelcool ou associado ao de outras substacircncias psicoativas

Por envolver uma mobilizaccedilatildeo coletiva coloca a importacircncia da realizaccedilatildeo do tratamento

especializado tanto como condiccedilatildeo para a renovaccedilatildeo do beneficio como para o investimento

nos cuidados com a sauacutede

63Trecho de entrevista do paciente um 64Trecho de entrevista do paciente seis 65 Trecho de entrevista do paciente dois

77

O discurso dos sujeitos evidenciou que estes compreendem a SDA como doenccedila bem

como o afastamento como oportunidade de investimento na qualidade de vida Parte-se do

pressuposto de que tais reflexotildees derivam da jaacute consolidada adesatildeo ao tratamento e dos

resultados terapecircuticos jaacute construiacutedos Eacute nesse sentido o AD concretiza-se como um direito de

proteccedilatildeo agrave sauacutede do trabalhador

Os entrevistados se referiram ao procedimento na periacutecia meacutedica do INSS de

requerimento dos laudos meacutedicos como subsiacutedio agraves decisotildees de renovaccedilatildeo ou cessaccedilatildeo do

benefiacutecio Dessa forma enfatiza-se o potencial das equipes de sauacutede no uso desses

instrumentais teacutecnicos para concretizar portas de saiacuteda do beneficio As entrevistas

demonstraram a relevacircncia da avaliaccedilatildeo meacutedica e psiquiaacutetrica no programa tanto no acesso

quanto na renovaccedilatildeo do AD

Toda periacutecia que eu vou fazer tenho que levar o laudo meacutedico junto com a receita feito pela psiquiatra e pelo cliacutenico E eu acho que vou conseguir me aposentar porque os laudos daqui satildeo bem feitos e toda semana eu venho aqui no programa66

Eu vou ter uma uacuteltima periacutecia agora e dia 14 vence eacute o meu uacuteltimo pagamento Entatildeo eu vou marcar uma nova periacutecia e pedir o encaminhamento do programa dizendo que eu estou fazendo tratamento Porque eles querem saber eacute se vocecirc estaacute fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal)67

Esta questatildeo associa-se agrave compreensatildeo dos entrevistados de que a aposentadoria ou a

readaptaccedilatildeo profissional podem se concretizar como uma opccedilatildeo mais favoraacutevel de proteccedilatildeo

social que o retorno ao mesmo ambiente de trabalho caracterizado pela perda de sentido

diante da complexa relaccedilatildeo com o aacutelcool

A adesatildeo ao tratamento contribuiu para as reflexotildees e elaboraccedilatildeo de novos projetos de

vida e os sensibilizou para o investimento em sua proacutepria sauacutede Nesse sentido os sujeitos

enfatizam o papel do tratamento para o manejo dos sintomas da siacutendrome de abstinecircncia do

aacutelcool pelo uso de medicamentos estabelecer estrateacutegias de proteccedilatildeo para a manutenccedilatildeo da

abstinecircncia e reduccedilatildeo e do consumo das substacircncias psicoativas o fortalecimento da rede

social e familiar o resgate de relacionamentos inter-pessoais

Eu acho o auxiacutelio-doenccedila muito bom porque antes eu natildeo tinha vida com a famiacutelia e hoje eu estou tendo Porque eu natildeo estou trabalhando eu estou

66 Trecho de entrevista do paciente quatro67 Trecho de entrevista do paciente seis

78

ficando soacute em casa com a famiacutelia cuidando dos filhos e fazendo tratamento (Informaccedilatildeo verbal) 68

Soacute que natildeo eacute vantagem estar na situaccedilatildeo que eu estou ganhando mais e natildeo sabendo aproveitar Eu estou tentando parar e natildeo estou conseguindo Entatildeo eu estou buscando ajuda do Programa (Informaccedilatildeo verbal) 69

A entrevistada oito natildeo realizou uma clara associaccedilatildeo entre AD e SDA Concorre para

isso a sua recente inserccedilatildeo no tratamento em que ainda natildeo tinha realizado uma avaliaccedilatildeo

meacutedica Eacute este desconhecimento do seu problema de sauacutede e a inseguranccedila quanto agrave perda do

benefiacutecio que a motivaram a iniciar o tratamento no PAA

A anaacutelise de seu registro do prontuaacuterio demonstrou que quando foi realizada a

avaliaccedilatildeo meacutedica a dependecircncia do aacutelcool foi a causa de seu afastamento do trabalho Com

base no diagnoacutestico o tratamento permite a elaboraccedilatildeo e o enfrentamento dos problemas

relacionados ao consumo do aacutelcool Contudo para que seja eficaz eacute necessaacuteria a renovaccedilatildeo

do AD 70

O meacutedico de laacute estaacute vendo que eu natildeo consigo andar e aiacute ele deixou ateacute o dia 20 para eu conseguir um laudo Com esse papel eles vatildeo ver que eu natildeo estou podendo voltar a trabalhar E agora eu natildeo sei o que vou fazer Porque se eu natildeo consigo andar para voltar a trabalhar eu natildeo tenho condiccedilotildees Me indicaram que aqui teria algueacutem para me ajudar Jaacute fui nos alcooacutelicos anocircnimos quando eu tava com depressatildeo e aiacute eu bebia muito mesmo Esquecia que eu era viuacuteva () E agora eu tenho mesmo que lutar por mim por um tratamento seacuterio (Informaccedilatildeo verbal) 71

Os entrevistados compreendem que o AD viabilizou a adesatildeo ao tratamento e nesse

sentido discute-se o benefiacutecio como um direito de promoccedilatildeo agrave sauacutede Sentem-se mais

confiantes ao longo do tratamento e valorizam a oportunidade do afastamento do trabalho

para poder fazecirc-lo Nesse sentido a inserccedilatildeo dos entrevistados no tratamento concretiza a

sauacutede e o AD como direitos sociais

68 Trecho de entrevista do paciente dois69 Trecho de entrevista do paciente cinco 70 A avaliaccedilatildeo meacutedica da entrevista oito registrou dificuldade para locomoccedilatildeo nos membros inferiores

diagnoacutestico de siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool (F10) e de hemopatia (alcooacutelica por deficiecircncia de vitamina B12) bem como da SAA Com essas informaccedilotildees foi concedido um relatoacuterio meacutedico para o INSS intervenccedilatildeo realizada no primeiro atendimento cliacutenico no PAA Anaacutelise de prontuaacuterioHUB outubro2007

71 Paciente oito

79

424 O auxiacutelio-doenccedila no contexto de promoccedilatildeo da sauacutede aposentadorias retorno ao

trabalho e readaptaccedilatildeo profissional

Meu projeto de vida eacute resolver minha vida daqui para a frente minha situaccedilatildeo com o INSS ou com a empresa natildeo sei como vai ficar E tudo que resolver natildeo quero mais trabalhar com carro natildeo (Informaccedilatildeo verbal) 72

Eu queria taacute melhor Queria taacute trabalhando ter alguma coisa certa todo dia Uma vez recebi alta do AD e fui agrave firma Ela me mandou de volta Fui nos recursos humanos e a firma me mandou de volta Aiacute eu fiquei nisso ateacute hoje Tentei internei tentei internei tentei internei Toda vez eu levo um laudo e eacute a mesma coisa (Informaccedilatildeo verbal) 73

A descriccedilatildeo da dinacircmica dos atores envolvidos e dos aspectos referentes agrave concessatildeo

do benefiacutecio condiz com o AD previdenciaacuterio Embora a intervenccedilatildeo sobre a dinacircmica do

trabalho pudesse ser potencializada por meio da concessatildeo do AD acidentaacuterio a modalidade

previdenciaacuteria situa-se como uma garantia miacutenima de direitos em um contexto marcado por

precaacuterias medidas de promoccedilatildeo da sauacutede no trabalho

Jaacute no que se refere ao AD acidentaacuterio as alteraccedilotildees na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

reafirmam este benefiacutecio como um direito do segurado e nesse sentido os instrumentais

teacutecnicos nos sistemas de sauacutede podem subsidiar a concretizaccedilatildeo deste direito no acircmbito do

INSS Uma adequada avaliaccedilatildeo interdisciplinar eacute necessaacuteria considerando-se a relevacircncia do

parecer teacutecnico para subsidiar as decisotildees da periacutecia meacutedica no INSS

Segundo o art 80 do PBPS a concessatildeo do AD caracteriza a situaccedilatildeo do trabalhador

como licenciado pela empresa possibilitando a manutenccedilatildeo do viacutenculo empregatiacutecio

Nenhum dos entrevistados considera-se desempregado dessa forma reconhecem que o

usufruto do benefiacutecio e a qualidade de segurado asseguram natildeo somente a condiccedilatildeo de

trabalhador empregado mas a garantia de um afastamento provisoacuterio visando agrave realizaccedilatildeo de

um tratamento de sauacutede

Contudo a complexidade da relaccedilatildeo aacutelcool e trabalho que fundamenta a concessatildeo do

AD e a falta de articulaccedilatildeo institucional posterior agrave concessatildeo do benefiacutecio caracterizam

situaccedilotildees financeiras indefinidas aos trabalhadores A suspensatildeo do contrato de trabalho pelas

empresas natildeo se fez acompanhar de um investimento no retorno do segurado ao trabalho Os

contratos de trabalho dos seguros caracterizam que a relaccedilatildeo entre empresa e trabalhadores eacute

72Trecho de entrevista do paciente sete73Trecho de entrevista do paciente cinco

80

fragilizada sendo ausente uma estrutura institucional no sentido de prevenccedilatildeo e promoccedilatildeo da

sauacutede A chefia eacute mediada pela atuaccedilatildeo dos supervisores limitadas ao acircmbito da fiscalizaccedilatildeo

e controle da produtividade do trabalho

A despeito dos comprometimentos orgacircnicos e cliacutenicos a SDA caracteriza-se como

um transtorno mental sobretudo pelas alteraccedilotildees de comportamento e de personalidade

Seligmann-Silva (2005) afirma que os transtornos mentais e psiacutequicos tradicionalmente

evidenciados pelos diagnoacutesticos na Psiquiatria satildeo classicamente associados agrave incapacidade

para o trabalho Haacute tambeacutem um baixo niacutevel de informaccedilotildees dos entrevistados quanto agrave

readaptaccedilatildeo profissional respaldada na legislaccedilatildeo previdenciaacuteria

Essas questotildees foram denunciadas nos discursos dos sujeitos em meio a sentimentos

de anguacutestia frustraccedilatildeo e ateacute mesmo de revolta O trabalho ainda se constitui como a opccedilatildeo

almejada para dar continuidade aos projetos de vida contudo nenhum dos sujeitos identifica

possibilidades concretas de retorno agrave atividade que exerciam Satildeo eles os proacuteprios

mediadores entre o serviccedilo de sauacutede e o empregador em uma relaccedilatildeo limitada ao acircmbito

administrativo Esta se referia aos laudos e relatoacuterios meacutedicos decorrentes da alta ou

permanecircncia no beneficio

Os sujeitos referem decisotildees do INSS de impossibilidade de retorno agrave suas funccedilotildees

laborais O prolongamento do afastamento do trabalho eacute sustentado pela periacutecia meacutedica do

INSS visto que em virtude dos quadros cliacutenicos da SDA e das caracteriacutesticas dos trabalhos o

retorno agraves atividades implicaria em situaccedilotildees de risco

Teixeira (2001) afirma que no acircmbito do INSS a uacuteltima periacutecia antes da

transformaccedilatildeo do AD em aposentadoria por invalidez ocorre depois de dois anos Este

periacuteodo coincide com o afastamento de alguns entrevistados exigindo-se a colocaccedilatildeo de

alternativas no acircmbito do INSS

Dentre as alternativas apresentadas como desafios aos serviccedilos de sauacutede satildeo

relevantes a da readaptaccedilatildeo profissional e da transformaccedilatildeo do afastamento provisoacuterio em

afastamentos permanentes do trabalho Contudo um afastamento prolongado do trabalho

como eacute o caso das aposentadorias traz consequumlecircncias sobre a sauacutede mental dos segurados

ainda desconhecidas pelas equipes de sauacutede e que devem ser estudadas (SELIGMANN-

SILVA 2005)

Seligmann-Silva (2005) Karam (2003) e Vaissman (2004) discutem a importacircncia do

trabalho como fator de proteccedilatildeo e as abordagens terapecircuticas dos serviccedilos de sauacutede pautam-

se por esta compreensatildeo A articulaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede com accedilotildees concretas de

readaptaccedilatildeo funcional trariam novos desafios para as propostas terapecircuticas ldquoeacute importante

81

avaliar cuidadosamente o retorno ao trabalho apoacutes afastamento por distuacuterbios psiacutequicos

sendo necessaacuterias accedilotildees integradas e acompanhamento multidisciplinar abrangendo o

tratamento com medicaccedilatildeo psicoterapia e suporte por parte dos colegas e das chefiardquo

(GLINA et al 2001 p 616)

Ao niacutevel da gestatildeo do benefiacutecio no INSS questiona-se a prorrogaccedilatildeo do beneficio ao

longo prazo sem o devido conhecimento das condiccedilotildees de retorno ao trabalho e informaccedilotildees

pessoais sobre os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo de aposentadoria Ressalta-se a importacircncia das

decisotildees da periacutecia meacutedica do INSS serem construiacutedas em conjunto com os usuaacuterios pois a

ausecircncia de informaccedilotildees tem implicaccedilotildees sobre a elaboraccedilatildeo de projetos de vida nas

abordagens terapecircuticas

Para o fim exclusivamente previdenciaacuterio o MS estabeleceu diretrizes para que o

INSS estabelecesse a incapacidade para o trabalho O MS aponta as seguintes consideraccedilotildees

Para a imensa maioria das situaccedilotildees a Previdecircncia trabalha apenas com a definiccedilatildeo apresentada entendendo impossibilidade como incapacidade para atingir a meacutedia de rendimento alcanccedilada em condiccedilotildees normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada Na avaliaccedilatildeo da incapacidade laborativa eacute necessaacuterio ter sempre em mente que o ponto de referencia e a base de comparaccedilatildeo devem ser as condiccedilotildees daquele proacuteprio examinado enquanto trabalhava e nunca os da meacutedia da coletividade operaacuteria (DIAS 2001)

A opccedilatildeo de natildeo retornar ao exerciacutecio da mesma funccedilatildeo e de almejar a aposentadoria

foi claramente explicitada pelos entrevistados Concorreu para isso a precariedade das

informaccedilotildees quanto aos direitos de reabilitaccedilatildeo e ao desgaste das relaccedilotildees de trabalho

inerentes ao retorno Aleacutem disso a aposentadoria constitui-se em um direito previdenciaacuterio de

maior estabilidade financeira e que independe da realizaccedilatildeo de periacutecias meacutedicas

Somente o entrevistado trecircs adquiriu a aposentadoria por invalidez apoacutes seis meses de

vigecircncia do AD O entrevistado seis se refere a esta modalidade de aposentadoria

Natildeo quero voltar a trabalhar na mesma empresa natildeo Quero me aposentar Tenho tempo e idade Quero me aposentar nem que seja com 80 (Informaccedilatildeo verbal) 74

Os entrevistados um e dois se referem ao conhecimento de uma estabilidade

provisoacuteria que se infere ser decorrente de acordos coletivos do trabalho Embora tenham

consciecircncia deste direito priorizam o acesso agraves aposentadorias como continuidade dos

projetos de vida

74Trecho de entrevista do paciente seis

82

Eu ouvi um boato de que se o INSS me der sessenta dias de afastamento apoacutes a licenccedila meacutedica eu tenho um ano de estabilidade na empresa Beleza porque aiacute eu jaacute fico mais pertinho da minha aposentadoria E bem pertinho eu dou um jeito de pagar Eu pago do meu bolso (Informaccedilatildeo verbal) 75

Eu vou fazer uma reabilitaccedilatildeo profissional e o Sindicato falou que quando eu voltar tenho uma estabilidade provisoacuteria de um ano Mas eles natildeo tecircm mais a credibilidade em mim Eles esperam soacute um motivo pra poder mandar a pessoa ir embora No sindicato conseguir outra coisa com a minha idade eacute difiacutecil Se eu for demitido daqui a um ano quero trabalhar por conta proacutepria (Informaccedilatildeo verbal) 76

O entrevistado sete relata abstinecircncia do aacutelcool e reduccedilatildeo de outras substacircncias

psicoativas e compartilha dos resultados das avaliaccedilotildees meacutedicas no tratamento e na periacutecia do

INSS Evidencia uma tentativa de readaptaccedilatildeo profissional pelo PAA negada pelo INSS

Diante disso o sujeito buscou informaccedilotildees sobre sua aposentadoria

Quando eu fizer nova periacutecia ela vai pedir minha aposentadoria por dois motivos eu tenho 25 anos de contribuiccedilatildeo e a minha funccedilatildeo eacute de risco Por isso eu tenho ateacute o ano de 1995 uma periculosidade de 40 Em cima desses anos vai dar trinta e tantos anos O outro benefiacutecio que me ampara eacute que eu jaacute fiz dois anos encostado (Informaccedilatildeo verbal)77

Segundo Teixeira (2001) a avaliaccedilatildeo da capacidade e incapacidade para o trabalho eacute

complexa e os papeacuteis das periacutecias meacutedicas administrativas satildeo confusos e de difiacutecil

compreensatildeo o que pode estar relacionado agrave dimensatildeo teacutecnica da loacutegica do sistema

previdenciaacuterio Ressalta que os conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho satildeo

utilizados para uma sistematizaccedilatildeo meacutedica no acircmbito previdenciaacuterio Os diagnoacutesticos meacutedicos

que permitem o acesso ao AD natildeo se limitam agrave dimensatildeo patoloacutegica nem agrave rigidez dos

conceitos de capacidade e incapacidade para o trabalho

O autor afirma que tais conceitos guiam-se pela centralidade do trabalho no mundo

globalizado que reduz o significado do trabalho a uma utilidade social ao capitalismo Esta

ldquoprivilegia o individuo que consome compete com os seus pares busca ascensatildeo profissional

dinheiro poder conhecimento desvinculado da realidade praacutetica Esta eacute a modernidade

ocidentalrdquo (2001 p 151)

Esta anaacutelise eacute vaacutelida para a abordagem sobre a SDA A incapacidade para o trabalho

diagnosticada pela periacutecia meacutedica do INSS natildeo implica na incapacidade de investimento do

sujeito na sauacutede e nem em uma ausecircncia de condiccedilotildees permanentes para o trabalho

75 Trecho de entrevista do paciente um 76 Trecho de entrevista do paciente dois77 Entrevista fornecida pelo paciente sete

83

Em consonacircncia com a proposta da Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo aos Usuaacuterios de

Aacutelcool e outras drogas um modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede dos usuaacuterios das substacircncias

psicoativas deve ter um caraacuteter multifatorial natildeo reduzindo a problemaacutetica somente aos

sistemas de sauacutede (OLIVEIRA 2005) A assistecircncia agrave sauacutede de maneira integral e equumlitativa

envolve uma maior articulaccedilatildeo entre a prevenccedilatildeo o tratamento e a educaccedilatildeo Neste processo

os problemas relacionados ao consumo do aacutelcool devem ser olhados de forma mais integral

em que o direito ao trabalho constitui-se em questatildeo fundamental

84

5 Consideraccedilotildees finais

A constituiccedilatildeo da Seguridade Social na CF de 1988 estabeleceu novas interfaces entre

as poliacuteticas de sauacutede e previdecircncia social Estas concretizadas no campo da Sauacutede do

Trabalhador incluem accedilotildees preventivas e de promoccedilatildeo agrave sauacutede derivadas das estatiacutesticas

previdenciaacuterias referentes agrave concessatildeo do auxiacutelio-doenccedila devido agrave siacutendrome de dependecircncia

do aacutelcool Os altos iacutendices de diagnoacutestico da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool na concessatildeo

do auxiacutelio doenccedila reforccedilam que a doenccedila eacute um problema de sauacutede puacuteblica bem como um

forte fator de incapacidade laborativa Entretanto tal reconhecimento legal deve ser associado

a perspectivas concretas de mudanccedilas na organizaccedilatildeo do trabalho e de desenvolvimento de

accedilotildees preventivas

Eacute nesta perspectiva que a cobertura das doenccedilas natildeo se limita ao acircmbito do INSS mas

abrange a atuaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede Os novos desafios colocados aos profissionais

incluem um claro conhecimento da organizaccedilatildeo de trabalho o aperfeiccediloamento dos

diagnoacutesticos pelo estabelecimento do nexo causal e a contribuiccedilatildeo com os usuaacuterios para a

construccedilatildeo de alternativas concretas

A fundamentaccedilatildeo legal do auxiacutelio doenccedila sustenta que este eacute um direito que contribui

para a proteccedilatildeo do emprego pois manteacutem o viacutenculo empregatiacutecio e concorre para o retorno ao

trabalho Deveria possibilitar o tratamento com posterior alta seja no sentido preferencial de

reintegraccedilatildeo ao trabalho ou da transformaccedilatildeo do benefiacutecio em aposentadoria por invalidez

caso a incapacidade se demonstre permanente bem como de acesso agraves demais aposentadorias

no RGPS

Os resultados do estudo de caso natildeo foram suficientes para comprovar a percepccedilatildeo do

auxiacutelio-doenccedila acidentaacuterio por algum dos entrevistados Entretanto demonstra-se que o

trabalho se constituiu como um fator agravante da siacutendrome de dependecircncia do aacutelcool o que

justificaria a investigaccedilatildeo da possibilidade de concessatildeo daquela modalidade de benefiacutecio

Os sujeitos compreendem o auxiacutelio-doenccedila natildeo somente como um direito

previdenciaacuterio mas como um direito de proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede Nessa perspectiva a

concretizaccedilatildeo do benefiacutecio como um direito social depende de uma maior articulaccedilatildeo

institucional e mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais no contexto ocupacional dos entrevistados Estas

satildeo questotildees inseridas no acesso a um tratamento de qualidade questionando-se o retorno ao

ambiente laboral como uacutenico fator de proteccedilatildeo agrave sauacutede

85

6 Referecircncias Bibliograacuteficas

ASSUNCcedilAtildeO A Uma contribuiccedilatildeo ao debate sobre as relaccedilotildees sauacutede e trabalho Ciecircncia e sauacutede coletiva 2003 v 8 n 4 p 1005-1018

BARBOSA-BRANCO A O trabalho e a mente 2006 Disponiacutevel em lt httpwwwunbbracsbcopautasaude5htmgt Acesso em 15 set 2007

BARBOSA-BRANCO A Risco do trabalho subestimado 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwunbbracsbcopautasaude25htmgt Acesso em 15 set 2007

BEHRING E BOSCHETTI I Poliacutetica Social fundamentos e histoacuteria Satildeo Paulo Cortez editora 2006 (Biblioteca baacutesica do serviccedilo social v 2)

BEHRING E Poliacutetica social notas sobre o presente e o futuro In BOSCHETTI I et al (Orgs) Poliacutetica Social Alternativas ao Neoliberalismo Brasiacutelia Unb Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2004

BOFF B LEITE D AZABUNJA M Morbidade subjacente agrave concessatildeo de benefiacutecio por incapacidade temporaacuteria para o trabalho Rev Sauacutede Puacuteblica v 36 n 3 p 337-342 jun 2002 Disponiacutevel em

BOSCHETTI I Assistecircncia social no Brasil um direito entre originalidade e conservadorismo Brasiacutelia KACO 2003

_____________ Os direitos da Seguridade Social no Brasil In CARVALHO D B B de DINIZ D D STEIN RH (Orgs) Poliacutetica Social justiccedila e direitos de cidadania na Ameacuterica Latina Brasiacutelia UnB Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social Departamento de Serviccedilo Social 2007

___________ Seguridade Social e projeto eacutetico-poliacutetico que direitos para qual cidadania In Serviccedilo Social formaccedilatildeo e projeto poliacutetico Revista Serviccedilo Social e Sociedade Satildeo Paulo Cortez Editora ano XXIV nordm 79 set de 2004

_____________ Seguridade Social e Trabalho Paradoxos na Construccedilatildeo das Poliacuteticas de Previdecircncia e Assistecircncia Social no Brasil Brasiacutelia Letras livres Editora UnB 2006 (Coleccedilatildeo Poliacutetica Social v 1)

86

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao ConstituiC3 A7aohtm gt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto-lei no 5452 de 01 de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivilDecreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Decreto no 3048 de 06 de maio de 1999 Aprova o Regulamento da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivildecretoD3048htmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 Dispotildee sobre os Planos de Benefiacutecios da Previdecircncia Social e daacute outras providecircncias Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrCCIVILLeisL8213conshtmgt Acesso em 07 jan 2008

_________ Lei nordm 11430 de 26 de dezembro de 2006 Presidecircncia da Repuacuteblica Disponiacutevel em lt http www planalto govbr ccivil Ato2004-20062006LeiL114 30 htmgt Acesso em 07 jan 2008

CARDOSO Jr JACCOUND L Poliacuteticas Sociais no Brasil Organizaccedilatildeo Abrangecircncia e Tensotildees da Accedilatildeo Estatal In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

CASTRO Karen Carvalho de Aacutelcool e Trabalho Uma Experiecircncia de Tratamento de Trabalhadores de uma Universidade Puacuteblica do Rio de Janeiro Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Sauacutede Puacuteblica) - ENSPFIOCRUZCESTHE Rio de Janeiro 2002

CASTRO J CARDOSO Jr Poliacuteticas Sociais no Brasil restriccedilotildees macroeconocircmicas ao financiamento social no acircmbito federal entre 1995 e 2002 In JACCOUD L (org) Questatildeo social e poliacuteticas sociais no Brasil contemporacircneo Brasiacutelia IPEA 2005

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

CZERESNIA D O Conceito de Sauacutede e a Diferenccedila entre Prevenccedilatildeo e Promoccedilatildeo In

CZERESNIA D amp Freitas CM (org) Promoccedilatildeo da Sauacutede conceitos reflexotildees tendecircncias Rio de Janeiro Fiocruz 2003

87

COHN A O SUS e o direito agrave sauacutede universalizaccedilatildeo e focalizaccedilatildeo nas poliacuteticas de sauacutede In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005

COUTINHO C Notas sobre cidadania e modernidade In Praia Vermelha v1 Rio de Janeiro PPSS UFRJ 1997

COHN A JACOBI P KARSCHU NUNES E A sauacutede como direito e como serviccedilo 4ed Satildeo Paulo Cortez editora 2006

FOLMANN M (Coord) Aspectos relevantes do beneficio auxilio-doenccedila no regime geral de previdecircncia social Direito Previdenciaacuterio Temas Atuais Curitiba Juruaacute 2006

DEJOURS C A loucura no Trabalho Estudo de Psicopatologia do Trabalho 5 ed Satildeo Paulo Cortez editora Oboreacute 1992

DIAS E (Org) Doenccedilas relacionadas ao trabalho manual de procedimentos para os serviccedilos de sauacutede Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede do Brasil 2001 (Seacuterie A Normas e manuais teacutecnicos n114)

DONATO M ZEITOUNE G Reinserccedilatildeo do trabalhador alcoolista percepccedilatildeo limites e possibilidades de intervenccedilatildeo do enfermeiro do trabalho Esc Anna Nery R Enferm [online] dez 2006 v10 n3 p 399-407 Disponiacutevel em lthttpwww portalbvsenfeerpuspbrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1414-81452006000300007amplng=ptampnrm=iso gt Acesso em 07 mar 2008

ESPING-ANDERSEN G As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova n 24 Setembro 1991

ESCOREL S BLOCH R As Conferecircncias Nacionais de Sauacutede na construccedilatildeo do SUS In LIMA N et al (Org) Sauacutede e democracia histoacuteria e perspectivas do SUS Rio de Janeiro FIOCRUZ 2005 p 83-119

FALEIROS V Natureza e desenvolvimento das poliacuteticas sociais no Brasil In CFESS ABEPSS (Org) Capacitaccedilatildeo em serviccedilo social e poliacutetica social- Moacutedulo 3 1 ed Brasiacutelia Editora da UnBCEAD 2000 v 3 p 41-56

88

FREITAS C A regulamentaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 p 49 - 69

GIOVANELLA L Entre o meacuterito e a necessidade anaacutelise dos princiacutepios constitutivos do seguro social de doenccedila alematildeo Cadernos de Sauacutede Puacuteblica Rio de Janeiro v 15 n1 1999 Disponiacutevel em lthttp wwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X1999000100014amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GLINA D et al Sauacutede Mental e trabalho uma reflexatildeo sobre o nexo com o trabalho e o diagnoacutestico com base na praacutetica Cadernos de sauacutede puacuteblica Rio de Janeiro v 17 n 3 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2001000300015amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

GIGLIOTTI A BESSA M Siacutendrome de Dependecircncia do Aacutelcool criteacuterios diagnoacutesticos Revista Brasileira de Psiquiatria Satildeo Paulo v 26(Supl I) 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S1516-44462004000500004gt Acesso em 07 mar 2008

HOSPITAL UNIVERSITAacuteRIO DE BRASIacuteLIA Protocolo do Programa de Atendimento ao Alcoolismo Brasiacutelia [sn] 2004

IPEA PNAD 2006 Primeiras anaacutelises Demografia educaccedilatildeo trabalho previdecircncia desigualdade de renda e pobreza Boletim IPEA BrasiacuteliaRio de Janeiro IPEA set 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwipeagovbrsites0002Mailings12149 Mailing149htmgt Acesso em 07 mar 2008

Jernigan D et al Aacutelcool Legislaccedilatildeo e Poliacuteticas Publicas Disponiacutevel em lthttpwwwcisaorgbrcategoriahtmlFhIdCategoria=6abe561ae98183771463bd986b926789gt Acesso em 22 de fev 2008

KARAM H O sujeito entre a alcoolizaccedilatildeo e a cidadania perspectiva cliacutenica do trabalho Revista Brasileira de Psiquiatria RS v 23 n 3 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010181082003000300008amplng=esampnrm=isoamptlng=esgt Acesso em 07 mar 2008

KARAM H 2004 Alcoolismo no Trabalho Magda Vaissman Rio de Janeiro GaramondEditora Fiocruz 2004 Cadernos de Sauacutede Puacuteblica [online] Rio de Janeiro v21 n4 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporg scielophpscript=sci_arttextamppid=S0102-311X2005000400035amplng=esampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

89

LARANJEIRA R NICASTRI S JEROcircNIMO C MARQUES A Consenso sobre a Siacutendrome de Abstinecircncia do Aacutelcool (SAA) e o seu tratamento Rev Bras Psiquiatria v 22 n 2 p 62-71 jun 2000 Disponiacutevel em Acesso em 07 de mar 2008

LARANJEIRA R ROMANO M Consenso brasileiro sobre poliacuteticas puacuteblicas de aacutelcool Rev Bras Psiquatr Satildeo Paulo v26 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S151644462004000500017amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

LARANJEIRA R DUAILIBI S Poliacuteticas Puacuteblicas relacionadas agraves bebidas alcooacutelicas Revista de Sauacutede Puacuteblica Satildeo Paulo v 41 n 5 2007 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielophpscript=sci_arttextamppid=S003489102007000500019amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

MARLATT A Reduccedilatildeo de danos estrateacutegias praacuteticas para lidar com comportamentos de alto risco Porto Alegre ARTMED 1999

MARQUES ACPR Ribeiro M Abuso e Dependecircncia ndash Aacutelcool Associaccedilatildeo Brasileira de Psiquiatria In JATENE FB [et al] (Org) Projeto Diretrizes Associaccedilatildeo Meacutedica Brasileira e Conselho Federal de Medicina v2 Brasiacutelia DF Conselho Federal de Medicina 2003

MARTINS A A Embriaguez no Direito do Trabalho Satildeo Paulo Editora LTR 1999

NASCIMENTO E JUSTO J Vidas errantes e alcoolismo uma questatildeo social Psicologia Reflexatildeo e Criacutetica Porto Alegre v 13 n 3 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S010279722000000300020amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 mar 2008

Governo lanccedila Poliacutetica Nacional sobre Bebidas Alcooacutelicas Ministeacuterio da Sauacutede mai 2007 Disponiacutevel em lthttpportalsaudegovbrportalaplicacoes noticias noticias_detalhecfmco_seq_ noticia= 30556gt Acesso em 07 mar 2008

NEVES D P Alcoolismo acusaccedilatildeo ou diagnoacutestico Cadernos de Sauacutede Puacuteblica 2004 v 20 n 1 Disponiacutevel em lthttpwwwscielosporgscielo phpscript=sci_arttextamppid= S0102311X2004000100002amplng=ptampnrm=isogt Acesso em 4 Mai 2008

NIEL M JULIAtildeO A Alcoolismo Conceitos Gerais Avaliaccedilatildeo Diagnoacutestica e Complicaccedilotildees Cliacutenicas In SILVEIRA D Moreira F (Orgs) Panorama atual de drogas e dependecircncias Rio de Janeiro Atheneu 2006

90

PUSTAI O O Sistema de Sauacutede no Brasil In DUNCAN B SCHMIDT M GIUGLIANI E Medicina Ambulatorial Artimed 2004 SANTOS M f dos Direito Previdenciaacuterio 3 ed rev e atual Satildeo Paulo Saraiva 2007

SEGRE M FONTANA-ROSA J Questotildees Eacuteticas na Abordagem do Dependente de Drogas In SEIBEL S TOSCANO A (Org) Dependecircncia de Drogas Satildeo Paulo Atheneu SANTOS M Direito Previdenciaacuterio 3ed reve atual Satildeo Paulo Saraiva 2007 (Coleccedilatildeo sinopses juriacutedicas v 25)

SALVADOR E BOSCHETTI I (Des) regulamentaccedilatildeo dos direitos previdenciaacuterios e (des) estruturaccedilatildeo do mercado de trabalho In DAL ROSSO S FERREIRA M A regulaccedilatildeo social do trabalho Brasiacutelia Paralelo 15 2003 SELIGMANN-SILVA E Psicopatologia e Sauacutede Mental no Trabalho In MENDES R Patologia do Trabalho Rio de Janeiro Ed ATHENEU 2005

Secretaria Nacional AntidrogasGabinete de Seguranccedila Institucional I Levantamento Nacional sobre os padrotildees de consumo de aacutelcool na populaccedilatildeo brasileira LARANJEIRA R et al (Orgs) Brasiacutelia DF 2007

__________ II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotroacutepicas no Brasil estudo envolvendo as 108 maiores cidades do paiacutes 2005 CARLINI EA(Superv) Satildeo Paulo Centro Brasileiro de Informaccedilatildeo sobre Drogas Psicotroacutepicas (CEBRID) UNIFESP - Universidade Federal de Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwunifespbrdpsicobiocebridgt Acesso em 15 set 2007

SOUZA A Sauacutede mental e trabalho dois enfoques Revista Brasileira de Sauacutede Ocupacional v 20 n 75 janjun 1992

TELLES V Direitos Sociais afinal do que se trata Belo Horizonte UFMG 1999

TEIXEIRA E Consideraccedilotildees sobre o auxiacutelio-doenccedila e a aposentadoria por invalidez Revista da AJUFE (Associaccedilatildeo dos Juiacutezes Federais do Brasil) n 252 v 20 n 68 outdez 2001

VAISSMAN M Alcoolismo no trabalho Rio de Janeiro GaramondFiocruz 2004

VIANNA C A relaccedilatildeo de emprego e os impactos decorrentes dos benefiacutecios previdenciaacuterios Satildeo Paulo LTr 2007

VIVARTA V (Coord) Equiliacutebrio Distante Tabaco aacutelcool e adolescecircncia no jornalismo brasileiro Satildeo Paulo Cortez 2003 (Seacuterie Miacutedia e Mobilizaccedilatildeo Social v 3)

91

Anexo - Roteiro de Entrevista Semi-Estruturado

1 Questotildees norteadoras

11 Trabalho

- Qual eacute a sua profissatildeo

- Como vocecirc considera a sua atual condiccedilatildeo de trabalho

- Haacute quanto tempo eacute contribuinte para a Previdecircncia Social Jaacute foi contribuinte exercendo

alguma outra profissatildeo

- Haacute quanto tempo encontra-se afastado do trabalho Qual eacute o significado deste trabalho para

vocecirc

- Em relaccedilatildeo ao seu uacuteltimo emprego como vocecirc avalia as condiccedilotildees e o ambiente do seu

trabalho Poderia descrevecirc-las (horaacuterio e ritmo de trabalho turno gestatildeo do trabalho)

- Como eram as suas relaccedilotildees de trabalho (chefia colegas de trabalho)

- Havia alguma situaccedilatildeo que te chateava no seu trabalho Como vocecirc reagia nessa situaccedilatildeo

- Porque vocecirc foi afastado do trabalho

- Vocecirc acha que o consumo de aacutelcool (eou de outras substacircncias psicoativas) afetou seu

trabalho Vocecirc acha que te deixou sem condiccedilotildees de trabalhar Se sim de que maneira

12 Auxiacutelio-Doenccedila

- O que vocecirc conhece sobre o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Porque vocecirc estaacute recebendo o auxiacutelio-doenccedila

- Jaacute tinha alguma informaccedilatildeo antes do acesso ao benefiacutecio Como

- Poderia descrever todos os passos que vocecirc lembrar e que foram tomados para o acesso ao

benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- E para que serve o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila

- Por quanto tempo vocecirc vai receber o auxiacutelio-doenccedila

- Como vocecirc avalia a possibilidade de retornar ao seu emprego

- Como vocecirc utiliza o tempo em que se dedicava ao trabalho

13 Tratamento

- No momento atual em que vocecirc estaacute recebendo o benefiacutecio auxiacutelio-doenccedila como vocecirc

utiliza o tempo antes destinado ao trabalho

- Como vocecirc comeccedilou a participar do PAA aqui no HUB

- A instituiccedilatildeo do seu local de trabalho teve alguma participaccedilatildeo para o seu encaminhamento

ao PAA Como

- Quando e como vocecirc viu a necessidade de procurar realizar um tratamento

92

93

  • Sumaacuterio
  • Introduccedilatildeo
    • 11 O conceito de Seguro Social e a noccedilatildeo de direito social
    • 41 Metodologia do trabalho de campo
Page 9: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 10: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 11: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 12: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 13: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 14: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 15: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 16: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 17: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 18: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 19: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 20: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 21: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 22: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 23: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 24: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 25: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 26: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 27: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 28: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 29: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 30: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 31: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 32: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 33: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 34: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 35: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 36: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 37: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 38: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 39: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 40: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 41: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 42: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 43: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 44: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 45: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 46: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 47: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 48: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 49: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 50: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 51: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 52: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 53: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 54: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 55: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 56: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 57: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 58: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 59: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 60: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 61: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 62: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 63: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 64: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 65: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 66: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 67: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 68: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 69: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 70: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 71: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 72: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 73: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 74: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 75: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 76: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 77: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 78: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 79: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 80: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 81: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 82: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 83: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 84: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 85: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 86: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 87: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 88: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 89: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 90: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 91: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 92: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a
Page 93: Proteção social, Saúde e trabalho: O Auxílio-doença e a