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Relação produção-publicação da Ciência Política brasileira: uma análise a partir dos editores de sete periódicos nacionais Fabiane Helene Valmore 1 Resumo: Este trabalho analisa a trajetória temática e teórico-metodológica de sete periódicos científicos (Dados, RSP, Opinião Pública, BPSR, Lua Nova, RBCP e RBCS) a partir de entrevistas em profundidade realizadas com os seus editores. Tem por objetivo identificar a existência ou não de rupturas temáticas e teórico-metodológicas na trajetória desses periódicos, e por extensão, nas suas publicações, assim como, alguns dos motivos responsáveis por tais rupturas, quando detectadas. Deste modo, tal trabalho contribui com a construção da memória sistematizada da ciência política brasileira atual. Alguns resultados alcançados permitem notar que se alguns desses periódicos nasceram com o propósito de intervir na realidade política as agências de financiamento, especialmente a CAPES por meio de suas avaliações trienais, vão dando novos rumos à linha editorial desses periódicos. Trabalhos em coautoria, temas e abordagens teórico e metodológicas que vão se tornando hegemônicas na ciência política em detrimento de outras, etc. O conceito de “campo”, de Pierre Bourdieu, é utilizado neste trabalho. Palavras-chave: Ciência Política brasileira; Periódicos científicos; Relação produção-publicação acadêmicas. INTRODUÇÃO O tema desta pesquisa é a produção da Ciência Política publicada em sete periódicos científicos nacionais, entre 2005 e 2014. Especificamente, este trabalho analisa o conteúdo das entrevistas em profundidade realizadas entre 2014 e 2015, sobre a Ciência Política no Brasil, com os editores destes periódicos (RBCS, BPSR, RBCP, RSP, Lua Nova, Opinião Pública e, Dados ) a partir da perspectiva que entende o poder como uma relação de conflito. Objetiva colocar em debate a fala desses editores – suas considerações, principalmente, sobre a trajetória temática e teórico- metodológica dos periódicos que editam/editaram e da Ciência Política no Brasil atual. Também, sobre os limites e dificuldades enfrentados pelos periódicos, pela disciplina e pelos seus praticantes. Considera-se, no presente trabalho, as revistas científicas como instrumentos de análise pertinentes na compreensão de um determinado campo científico e, segundo os editores da DADOS e da RSP, em entrevistas concedidas a autora, em 2014: A revista científica tem uma função canônica. A revista científica, através da seleção e certificação dos artigos vai dizer o que é certo e o que é errado na ciência. (…) quer dizer, quem vai dizer o que é canônico são os próprios 1 Graduanda Ciências Sociais (UFPR). Email: [email protected]. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Relação produção-publicação da Ciência Política brasileira ... · Resumo: Este trabalho ... entrevistas em profundidade realizadas entre 2014 e 2015, sobre a Ciência Política

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Relação produção-publicação da Ciência Política brasileira: uma análise a partir dos editores desete periódicos nacionais

Fabiane Helene Valmore1

Resumo: Este trabalho analisa a trajetória temática e teórico-metodológica de sete periódicoscientíficos (Dados, RSP, Opinião Pública, BPSR, Lua Nova, RBCP e RBCS) a partir de entrevistasem profundidade realizadas com os seus editores. Tem por objetivo identificar a existência ou nãode rupturas temáticas e teórico-metodológicas na trajetória desses periódicos, e por extensão, nassuas publicações, assim como, alguns dos motivos responsáveis por tais rupturas, quandodetectadas. Deste modo, tal trabalho contribui com a construção da memória sistematizada daciência política brasileira atual. Alguns resultados alcançados permitem notar que se alguns dessesperiódicos nasceram com o propósito de intervir na realidade política as agências de financiamento,especialmente a CAPES por meio de suas avaliações trienais, vão dando novos rumos à linhaeditorial desses periódicos. Trabalhos em coautoria, temas e abordagens teórico e metodológicasque vão se tornando hegemônicas na ciência política em detrimento de outras, etc. O conceito de“campo”, de Pierre Bourdieu, é utilizado neste trabalho.

Palavras-chave: Ciência Política brasileira; Periódicos científicos; Relação produção-publicaçãoacadêmicas.

INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa é a produção da Ciência Política publicada em sete periódicos

científicos nacionais, entre 2005 e 2014. Especificamente, este trabalho analisa o conteúdo das

entrevistas em profundidade realizadas entre 2014 e 2015, sobre a Ciência Política no Brasil, com

os editores destes periódicos (RBCS, BPSR, RBCP, RSP, Lua Nova, Opinião Pública e, Dados) a

partir da perspectiva que entende o poder como uma relação de conflito. Objetiva colocar em debate

a fala desses editores – suas considerações, principalmente, sobre a trajetória temática e teórico-

metodológica dos periódicos que editam/editaram e da Ciência Política no Brasil atual. Também,

sobre os limites e dificuldades enfrentados pelos periódicos, pela disciplina e pelos seus praticantes.

Considera-se, no presente trabalho, as revistas científicas como instrumentos de análise

pertinentes na compreensão de um determinado campo científico e, segundo os editores da DADOS

e da RSP, em entrevistas concedidas a autora, em 2014:

A revista científica tem uma função canônica. A revista científica, através daseleção e certificação dos artigos vai dizer o que é certo e o que é errado naciência. (…) quer dizer, quem vai dizer o que é canônico são os próprios

1 Graduanda Ciências Sociais (UFPR). Email: [email protected].

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cientistas. Então, os cientistas dizem através do comitê editorial da revista, não é arevista em si, mas as pessoas que julgam os trabalhos da revista. Então, a revistacientífica acompanha o desenvolvimento de uma comunidade e interage comela e ajuda no seu desenvolvimento. (…) a revista reflete a produção acadêmica,ela não inventa, ela recebe e filtra. (PESSANHA, C.)

(...) acho que as revistas sofrem um impacto do campo, o nosso caso é muitoevidente nesse sentido, mas, ao mesmo tempo, elas conseguem alimentar [ocampo]. (...) Se todas as revistas só publicassem o institucionalismo da escolharacional, isso forçaria, enfim, as pessoas a serem só institucionalista deescolha racional, ou, a não publicar. (PERISSINOTO, R.).

Assim, esta pesquisa, crê-se, se junta aos esforços que vêm sendo realizados em direção da

compreensão e avaliação sistematizada desta disciplina. Por exemplo, o Projeto que está sendo

executado pela ABCP, “Ciência Política no Brasil: história, conceitos e métodos”.

Apesar dos avanços que a Ciência Política Brasileira vem alcançando com a expansão e

concomitante elevação da nota atribuída pela CAPES/MEC aos programas de pós-graduação em

Ciência Política, particularmente a partir de 2005; com a refundação da ABCP em 1996 e criação da

Brazilian Political Science Review (BPSR), em 2007 e com o Portal da Scielo, que permite acesso

aberto à produção científica, a sua recente autonomização institucional, que se inicia em 1965 com

a implantação do primeiro programa de pós-graduação em Ciência Política na Universidade Federal

de Minas Gerais (UFMG), justifica, nesta pesquisa, a seleção de periódicos especializados em temas

e objetos não só os da Ciência Política. Por exemplo, a Revista Brasileira de Ciências Sociais

(RBCS), possui “ampla diversidade temática, disciplinar e conceitual em sua publicação”.

(ANPOCS, 2013).

O Quadro 1 informa sobre os periódicos analisados. Vale notar que a DADOS, a revista

mais antiga, dentre os periódicos analisados, está prestes a completar 50 anos, assim como a Ciência

Política no Brasil, enquanto disciplina institucionalizada. Também, o fato de que todas elas estão

indexadas no SciELO e estão classificadas nos estratos superiores da CAPES.

QUADRO 1 - Periódicos Científicos

Periódico EstratoQualis

Criação Admissãono Scielo

Publicação

Dados – Revista de Ciências Sociais

A1 1966 Abr. 1997 Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro(IUPERJ/UCAM) 1966-2012Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ)2013- atual

Lua Nova - Revista de Cultura e Política

A2 1984 Jul. 2002 Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC)

Revista Brasileira de A1 1986 Out. 1988 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

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Ciências Sociais Ciências Sociais (Anpocs)Revista de Sociologia e Política

A2 1993 Fev. 2002Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Opinião Pública A1 1993 Mar. 2003 Universidade Estadual de Campinas (CESOP-Unicamp)Brazilian Political Science Review

A2 2007 Ago. 2013 Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP)

Revista Brasileira deCiência Política

B1 2009 Jul. 2012 Universidade de Brasília (UnB)

Fonte: A autora, a partir das Plataformas Scielo e CAPES e das páginas eletrônicas dos periódicos.

O roteiro de entrevista, composto de 25 questões, se estrutura a partir de três grupos acerca

da produção e publicação da Ciência Política, subdivididos em 4 blocos temáticos:

1.Tema, Teoria e Método (1, 2, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19)

2. Perfil da Revista (3, 4, 6, 8, 9, 10, 16, 21, 22)

3. Produção, Publicação e Divulgação (5, 7, 20, 23)

4. Limites, Impasses e Dilemas (24, 25)

O Quadro 2 apresenta o resumo das 25 questões que compõe roteiro de entrevista e destaca

as 8 questões, especialmente, tratadas neste trabalho.

QUADRO 2 – Roteiro resumido da entrevista

Produção da Ciência Política Publicação dos Periódicos Científicos

1. Trajetória teórico-metodológica2. Objetos de pesquisa 11. Agenda de pesquisa norteadora12. Destaque à questões nacionais13. Deficiências metodológicas14. Colonialismo teórico 15. Qualidade metodológica17. Diferenciação metodológica 18. Contribuições teóricas originais 19. Sofisticação metodológica/refinamento teórico20. Trabalho em co-autoria

3. Papel do editor 4. Motivo de destaque na criação e trajetória 5. Qualidade da publicação 6. Ruptura/mudanças no conteúdo7. Avaliação Trienal da CAPES8. Especificidade teórico e metodológica9. Viés teórico e metodológico10. Áreas temáticas predominantes16. Metodologia é decisivo para a publicação na revista21. Mudança na publicação22. Papel da revista na formação da ciência política23. Scielo

24. Problemas a serem superados e questões a serem respondidas pela ciência política25. Limites, Impasses e Dilemas

Fonte: Elaboração da autora com base no roteiro de entrevista

A realização das entrevistas se justifica por acreditar que se faz necessário ouvir dos editores

dos periódicos em tela suas considerações/avaliações sobre a ciência política, sobre o contexto a

partir do qual a produção dessa ciência emerge; ampliando, desse modo, a compreensão daquilo que

se faz presente, ou não, publicado nos periódicos analisados. Trata se, portanto, de uma tentativa de

se levar em conta o contexto histórico, social, político, cultural e econômico do qual emerge essa

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produção, assim como, identificar as causas e os motivos que lhe dão forma. As afirmações abaixo

são consensuais em relação ao papel do editor, pois

O editor não é o cara que senta, lê o artigo e fala: vai publicar. Em alguns aspectosele é o despachante: ele vai olhar o conteúdo do artigo, vai olhar se tem aderência,se é um artigo acadêmico, se não, já recusa. (...) Feito isso, vai para o parecerista.Então, nesse aspecto tem essa dimensão de “despachante”, de ficar administrando.Também não é tão simples assim, (...) Ele tem que pensar nas competências daspessoas que vão avaliar, na forma como a avaliação será feita. Então tem tantoessa dimensão do despachante, como do editor mesmo. (COSTA, P.)

Um editor científico não pode ter preconceitos a metodologias e a teorias. Então,ele tem que ser uma pessoa justa. Por quê? Porque você não pode pedir umaavaliação num artigo esperando de antemão que aquele artigo vai ser ajudado ouprejudicado. Qual é a tarefa principal de um editor científico, é exatamentefazer com que um trabalho só entre ou não na revista que está sob suaresponsabilidade por critério acadêmico, científico. Você não pode eleger apriori uma metodologia, principalmente se tratando de ciências sociais, onde vocênão tem paradigmas únicos, então é necessário que você tenha uma boa dose deconhecimento para dialogar com os artigos. (PESSANHA, C.)

Doze entrevistas foram realizadas com os editores, pela autora, totalizando,

aproximadamente, 22 horas. Apenas uma delas contou com a ajuda da aluna do Curso de graduação

em Ciência Política da Universidade de Brasília, Nathália C. Maciel Marques. Cabe ressaltar, no

entanto, que a mesma foi previamente esclarecida sobre o tema e os propósitos da pesquisa a fim de

que a entrevista viesse a ocorrer da forma mais clara possível. Aos editores entrevistados e à

Nathália Maciel, meus agradecimentos.

Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e ocorreram conforme o Quadro 3:

QUADRO 3: Informações sobre as entrevistas com os editores

Periódico Editores entrevistados Vínculo IES Data de realizaçãoda entrevista

Duração Forma derealização

Dados

Charles Pessanha Antigo IUPERJIESP-UERJ

10/09/14 1h36min Pessoalmente

Breno Bringel IESP-UERJ 12/09/2014 53min Pessoalmente

RSP

Renato Perissinoto UFPR 25/01/15 1h Pessoalmente

Paulo Costa Neves UFPR 06 e 09/02/15 2h40min Pessoalmente

RBCS

Marcos Cezar Alvarez USP 07/03/15 3h40min Facebook

Adrián Gurza Lavalle USP 16/03/15 2h29min Skype

Luis Felipe Miguel UnB 09/04/15 40 min Skype

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RBCP Flávia Birolli UnB 09/04/15 28min Pessoalmente

BPSR

Janina Onuki USP 22/04/2015

11/05/2015

45min

47min

Skype

Pessoalmente

Marta Arretche USP 14/05/2015

30/06/2015

54min

23min

Skype

Skype

OpiniãoPública

Rachel Meneguello Unicamp

Fabíola Brigante Del Porto Unicamp 05/06/15 2h20min

3 questões

Pessoalmente

Lua Nova

Cícero Romão Resende deAraújo

USP 29/05/2015

17/06/15

1h05min

1h30min

Skype

Skype

Rossana Rocha Reis USP

Fonte: Elaboração da autoraPara completar o conjunto de entrevistas, resta entrevistar as professoras Rachel Meneguello e Rossana Reis.

O presente trabalho adota na análise das referidas entrevistas a perspectiva que entende o

poder como uma relação de conflito em uma de suas dimensões: a da formação do consenso. Pierre

Bourdieu é para tanto, o autor discutido aqui. O Poder Simbólico, além dos conceitos de “campo” -

“universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou

difundem a arte, a literatura ou a ciência” e, mais especificamente, de “campo científico” -

“universo intermediário entre autonomia total e submissão às leis sociais”, de Pierre Bourdieu,

fundamentam este trabalho.

Sendo assim, as entrevistas realizadas com os editores dos periódicos em tela, o foram,

devido a consideração de que tanto a percepção que possuem sobre a produção e a publicação da

ciência política no Brasil, quanto as “duas formas de poder que correspondem a duas espécies de

capital científico” - “a posição específica que ocupam no campo científico, 'o lugar de onde falam'

e o “'‘prestígio’' pessoal (…) que repousa quase exclusivamente sobre o reconhecimento (…) dos

pares ou da fração mais consagrada dentre eles”, importam. Desta forma, colocar em debate os

editores entrevistados a partir de suas falas é também uma forma de buscar identificar “os conflitos

intelectuais [que] são também, sempre, em algum aspecto, conflitos de poder” e “o grau de

autonomia de uma ciência [que] depende (…) sobretudo, do grau em que o campo científico está

protegido contra as intrusões (…) e do grau em que é capaz de impor suas sanções positivas ou

negativas” (BOURDIEU, p. 2004, p. 20, 34, 35, 41).

Afinal, como afirma Bruno Reis, em entrevista ao Portal da UFMG, em julho de 2010: “As

ciências não pairam sobre o nada, resultam de uma história institucional”, ou ainda, como nos

lembra a citação feita por BULCOURF e DUFOUR (2014):

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Você sempre pensa e escreve a partir de algum lugar, de alguma circunstânciahistórica e social e contra alguma interpretação disso. Apesar daqueles queacreditam de maneira equívoca, e não são poucos, que o conhecimento do socialpode ser uma ciência asséptica, estamos sempre, conscientemente ou não (e omelhor é que seja consciente), imersos em algum debate, em alguma luta deideias. (p.5)

A resposta da professora Maria do Socorro Sousa Braga à questão perguntada pela autora,

em 2015, sobre um grande problema que a ciência política brasileira ainda precisa superar e uma

importante questão que caiba a essa ciência responder, mas que ainda não o fez, ajuda a refletir

sobre o lugar de onde fala, para quem e com quem fala a Ciência Política no Brasil atual, assim

como a função social desta disciplina, pois para ela:

A Ciência Política brasileira precisa ampliar seus intercâmbios e debates com osvizinhos latino-americanos. Ainda citamos e colocamos em nossos programas decursos raras obras de colegas chilenos, argentinos, uruguaios entre outros. Sãovárias questões, mas fico com apenas uma: Deve prever comportamentosfuturos visando a intervir na realidade?

A esse respeito, cabe lembrar aqui, um pouco do que pensa Bourdieu sobre as intervenções

científicas:

(…) nao posso admitir que, em nome dos abusos de poder exercidos no passadoem nome de uma pseudociência, os ensaístas, os mistificadores, desqualifiquemtoda intervenção autorizada pela ciência. Tanto mais que as intervençõescientíficas em sua maioria são negativas, isto é, criticas. Quando desejo quecientistas, artistas e pesquisadores tomem pé no campo político, não é paraque tomem o poder; eles não tem nem o tempo nem vontade para isso (...). Masseria importante que interviessem como uma instância critica, uma espéciede parlamento critico, como eram os filósofos do século XVIII. (2011, p.214)

Igualmente cabe mencionar Norberto Bobbio (2004), segundo o qual, para o neopositivista,

a ciência é “um conjunto de procedimentos e de regras técnicas (…) cujo uso é absolutamente

independente das condições históricas e do sujeito que as utiliza”. Segundo o autor, para esta

concepção de ciência, não há distinção entre ciências naturais e ciências sociais ou humanas. Ao

contrário, “a orientação da epistemologia marxista é diametralmente oposta”, prossegue Bobbio.

Do ponto de vista da ciência como fato social ou em termos marxianos, como força produtiva, para

o autor, não há qualquer diferença entre essas ciências - ambas “oferecem seus serviços ao poder

constituído ou constituinte”. Além disso, afirma Bobbio, o problema da relação entre ciência e

poder - não é mais um problema epistemológico, mas sim um problema político ou ético : diz

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respeito portanto, não à lógica da ciência, mas por um lado, à estrutura do poder e, por outro à ética

do cientista. (p. 173, 175, grifos meus).

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Sobre as retribuições à sociedade que pode/deve oferecer uma ciência, o editor da DADOS,

Charles Pessanha, afirma que “a comunidade paga a pesquisa da Ciência Política, então, a

Ciência Política pode devolver esse patrocínio com uma reflexão honesta e imparcial, na

medida do possível, sobre a sociedade brasileira, como a Sociologia e a Antropologia” . Talvez

esse seja um exemplo de tomada de atitude ética por parte do cientista, da qual fala Bobbio.

No entanto, ainda que uma ciência optasse, mesmo que, em determinados momentos

cruciais, por intervir de alguma maneira na realidade, mesmo aí, a fala de um dos editores da RSP

deixa notar a incerteza com que poderia se deparar essa ciência:

(…) exatamente nesse momento [da conjuntura atual brasileira] em que supostamenteestão acontecendo várias coisas novas e inesperadas, você tem toda essa enxurrada dedecepção, não sei o quê... essa visão mais emocional e tal.. então... e esse é ummomento crucial, porque é um momento da gente parar e falar assim: pera aí, vamos verentão o que tá acontecendo, vamos entender, vamos pensar, porque a gente não tá aquitentando fazer a receita da Inglaterra, a receita dos EUA, ou a receita de qualquer outropaís democrático... não dá, a gente tem que criar a nossa própria coisa, olhando paraessas experiências, vendo o que a gente aprende com elas e olhando para nós. Por issoque a Ciência Política tem um papel muito importante nesse processo daqualificação da capacidade dos cidadãos brasileiros de entender a democracia,agora, o quanto a gente vai conseguir fazer isso e o quanto a gente vai conseguir serouvido pela sociedade, aí, é uma outra coisa. (COSTA. P.)

Sobre as possibilidades de êxito que pode ou não alcançar determinada ação da ciência,

exemplificada na expressão do professor Paulo Costa, “aí, é uma outra coisa”, na citação acima,

cabe lembrar o que diz Bourdieu sobre o poder simbólico (2011),

o poder simbólico, como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver ecrer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação sobre omundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquiloque é obtido pela força (…), graças ao efeito especifico de mobilização, só se exerce sefor reconhecido, quer dizer ignorado como arbitrário. (p.14)

Portanto, segundo Bourdieu (1976, p.1), “sendo o campo científico o lugar (…) de uma luta

concorrencial” e “o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como

capacidade técnica e poder social (…) o que está em jogo especificamente nessa luta”, cabe

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perguntar se determinadas áreas, por exemplo, a saúde ou a engenharia, possuem, também, dúvidas

sobre a sua autoridade científica, nos termos de Bourdieu, na mesma medida que possui a ciência

política no Brasil.

A necessidade de se publicar, no Brasil, em língua inglesa, a partir da fala da editora da

BPSR, permite notar outro exemplo do que significa tal autoridade científica, pois, quando

solicitada a falar um pouco sobre o fato da revista publicar apenas em inglês num país onde o

domínio da língua inglesa não está consolidado, a referida editora comenta:

Eu acho assim, que todas essas publicações, elas tem um publico muito especifico,né, elas não são publicações de leitura, digamos assim, popular, né, de leituraampla, nem nas escolas, né. Eu acho que tem uma comunidade muito especificaque tem acesso às essas revistas e que tem interesse nessas revistas, né, (...) e euacho que publicação em inglês tem um impacto pra própria produção daCiência Política brasileira muito grande, porque só assim a gente consegue terinterlocução com pesquisadores do exterior, né, e eu não acho que é só umaquestão de internacionalização, é uma questão também de melhoria da qualidade,por exemplo, todos esses avanços que eu mencionei [sobre a ciência política], euacho que eles estão diretamente relacionados a uma interlocução maior compesquisadores do exterior, não só americanos, mas pesquisadores de várias outraspartes do mundo. (ONUKI, J.)

No limite, é possível concordar com Bourdieu quando este afirma em “O campo científico”,que

Não há ‘escolha’ científica − do campo da pesquisa, dos métodos empregados, dolugar de publicação; (…) − que não seja uma estratégia política de investimentoobjetivamente orientada para a maximização do lucro propriamente científico, istoé, [para] a obtenção do reconhecimento dos pares-concorrentes. (p.5, grifo meu )

O editor da DADOS, sobre a publicação em língua inglesa no Brasil, apresenta o seu

posicionamento e destaca o interesse da revista em dialogar com os países ibero-americanos.

Boa parte das novas revistas já tão nascendo com novos projetos, novo projetoeditorial. Por exemplo, se pegarmos a revista da ABCP... já se pública diretamenteem inglês para internacionalizar a produção da Ciência Política brasileira. [noentanto, mais adiante comenta] (…) há um erro grande na Ciência Políticabrasileira hoje, e acho que nas Ciências Sociais em geral, que é pensar que ainternacionalização passa por publicar em outros idiomas, passa por publicarem inglês, isso não é fato, não é certo. A internacionalização significa pensarcom quem queremos dialogar, em que lugar, de que maneira. Então, nossoobjetivo é reforçar um campo que sempre esteve presente na DADOS que é o daAmérica Latina e do mundo ibero-americano: Portugal e Espanha (...) Semprepublicaram autores importantes da América Latina, de Portugal, da Espanha narevista, mas estamos reforçando isso. Se você pegar os últimos anos da revista,

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verá vários, muitos artigos de autores de Portugal, da Argentina, do Chile, deoutros países da América Latina (BRINGEL, B)

Os novos critérios sobre as porcentagens anuais mínimas esperadas e recomendadas de

artigos originais e de revisão no idioma inglês que os editores devem obedecer integralmente por

área temática e para a coleção toda, a partir do ano 2016, conforme Quadro 4, suscitam

questionamentos sobre a possibilidade de manutenção do diálogo com os pesquisadores ibero-

americanos como algumas revistas, mesmo em meio a uma hegemonia do interesse pela publicação

em língua inglesa, procuram fazê-lo e; uma vez que publicar em língua inglesa é tida como

relevante; sobre o porquê da discrepância entre as diferentes áreas temáticas.

QUADRO 4: Porcentagem de artigos no idioma inglês por área temática

Fonte: Critérios Scielo Brasil (2014, p. 16)

Resta saber, em meio a essas novidades, como serão travadas as relações de poder entre

pesquisadores, editores de periódicos e Scielo uma vez que não há consenso entre os editores sobre

isso e, que tais critérios entrarão em vigor já no próximo ano. Nesse sentido, a opinião dos editores

da DADOS e da RBCP se aproxima, pois

Nós temos uma divisão internacional do trabalho intelectual. Essa divisão(…), ela se coloca como parte dos processos de formação e também como partedos estímulos para que a produção se dê dentro de determinadas discussões,recorra a determinados autores, que são os que circulam com mais frequência,mais amplamente... são autores de língua inglesa geralmente, né, que tem a suaprodução reconhecida nos países centrais. (...) Então, há hoje uma orientação quevem da CAPES, que vem da SciELO, pra que a gente publique textos no Brasilem língua inglesa. Há uma oposição, por exemplo, à publicação de traduções quepermitiriam que essa produção de países centrais circulasse de maneira mais

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acessível entre alunas no Brasil, para que pudesse haver uma problematização apartir dela, né. Então, existe uma pressão conjunta para que a gente publiquefora e para que a gente publique em língua inglesa nos periódicos nacionais eisso nos coloca, na minha opinião, numa posição que não é a dainternacionalização, mas, é mais e mais a de colonizados... né, a de...assumirmos que não temos condições de ter produções intelectuais em línguaportuguesa. Então, é uma coisa que me preocupa. (BIROLLI, F.)

Algumas considerações sobre as condições de publicação em livro ou em artigo, feitas pelo

editor da RSP, Paulo Costa, permitem notar um exemplo da forma como pode funcionar essa

“estratégia política de investimento”, da qual trata Bourdieu, e, portanto, de como vão se dando as

dinâmicas de funcionamento do campo:

Um livro você fica dois anos para fazer um livro, né, entre você começar a mexerlá e o livro tá impresso, às vezes mais de dois anos. Dependendo da editora quevocê pega, é uma coisa ainda cara, né. (…). Enquanto que, por exemplo, numarevista é muito mais barato a publicação, porque você só faz a parte eletrônica ependura na internet. (…) e isso também do livro cansa um pouco, né, e aí, comovocê tem a pressão da publicação, né, ainda bem que veio o Qualis livro que vaivalorizar um pouco mais a coisa do livro, né, então você fala: puxa, todo aqueletrabalho e tal... não sei o quê..., mas no triênio, isso para mim vai ser umlivro... Pode ser que, né, três artigos aí, eu saia melhor, né, e já resolvo, jáfaço, já pronto, acabou e tal. Então, é uma dinâmica que vai fazendo com que oconhecimento se difunda na forma de artigos. O quanto isso é bom ou isso é ruim,eu não vejo, assim, tanto, um problema, o importante é que a gente tenha acessoàs informações, às ideias, às teses, às pesquisas e tal, né... seja em forma de artigoou de livro.

Outro ponto que toca na questão do produtivismo acadêmico é o que se refere aos trabalhos

realizados em co-autoria. Para o editor da DADOS, Charles Pessanha,

(…) há uma tendência contemporânea de trabalhos em conjunto, de pesquisa em conjunto. Há umatendência da CAPES de promover, de estimular trabalhos com professores. (...) eu vejo como umdado positivo. Agora, um dos temas que mais se discute na ética da produção científica e dadivulgação científica é a coautoria. É onde você vê o maior número de má conduta em ciência.

Sobre a Ciência Política no Brasil, o editor da RBCS destaca o “processo de progressiva

ampliação institucional” e comenta sobre a importância e necessidade de uma reflexão mais

abrangente sobre as escolhas metodológicas. Segundo ele:

(…) associado a esse processo [de progressiva ampliação institucional],provavelmente existe um processo paralelo de sofisticação metodológica, e...isso aí, é... mais hipotético do que propriamente consensual... (...) porque, até nãohá muito tempo, os balanços, os poucos balanços que nós tínhamos (...)mostravam que de fato existia é... pouca sofisticação metodológica na área de

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Ciência Política. E por pouca sofisticação metodológica, não me refironecessariamente à ausência de quantificação. Essa é uma... uma interpretaçãopossível do que seria pouca sofisticação metodológica, mas me parece que essa éuma interpretação errada. Ausência de sofisticação (...) é ausência de umarelação reflexiva clara com as escolhas metodológicas que estão sendorealizadas; dos custos e vantagens dessas escolhas e da definição dosprocedimentos associados a essa escolhas. (...) há crescentemente evidencias deque estamos preocupados em formar alunos com uma relação reflexiva emrelação às suas escolhas metodológicas... isso significa, não orientá-losnecessariamente, pra fazer pesquisa qualitativa ou pra fazer pesquisaquantitativa, mas orientá-los a optar pelas escolhas que melhor servem aos seusproblemas e saber quais são os custos dessas escolhas e quais são osprocedimentos mais adequados pra lidar com a evidencia que eles podem produzira partir destas escolhas, sabendo quais são as limitações e as vantagens do queestão fazendo. (GURZA LAVALLE. A)

Ao comentar sobre a Opinião Pública, a editora Fabíola Del Porto destaca os temas e o tipo

de pesquisa crescentemente tratados na revista desde a sua criação

(...) a revista anda junto com a história do CESOP. Ela nasceu... além de darespaço para pesquisa quantitativa, para comportamento político, (...) foi umespaço (...) pra tratar em português... trazer pra língua portuguesa e para oBrasil uma temática... da ciência política quantitativa... estudos decomportamento político, eleitoral (...) trazer essa discussão, né. Na trajetória,(...) de uns anos pra cá... a minha graduação é dos anos 90, minha graduação tem aidade do CESOP, mas eu tava...[na graduação e] mesmo aqui dentro daUNICAMP eu não tive essa formação quantitativa, essa coisa forte... naformação.. na minha graduação... O que eu percebo hoje... é... (...) o crescimentodo interesse nessa área de estudo, assim né, da área de comportamento político...usar essa metodologia [quantitativa] para estudos de comportamento político,eleitoral, partidos políticos... a coisa da... da temática das eleições... a gente nessatrajetória da opinião publica, né, enquanto revista, observa o crescimento dessaárea [mais quantitativa]

Luis Felipe Miguel, editor da RBCP, ao responder sobre a existencia ou não de uma grande

questão nacional que tem sido pesquisada pelos cientistas políticos brasileiros nos últimos anos,

destaca a “reforma política, pela própria natureza do tema”. O “realinhamento da política brasileira

a partir da ascensão do PT ao poder”, também foi citado pelo editor, com lembrança para as

discussões sobre o lulismo, que, segundo ele, “são importantes e a ciência política brasileira tem

alguns trabalhos muito sólidos sobre isso”. Além disso, acrescenta ele:

(...) eu acho que os cientistas políticos, talvez, tenham se posicionado de menosem relação a questões importantes (...) eu acho que a ciência política brasileiraem grande medida tem deixado de lado a questão central do impacto das

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desigualdades sociais no funcionamento da nossa democracia... é uma questãomuito importante, mas que a ciência política brasileira tem trabalhado muitopouco.

Sobre as mudanças ocorridas nas trajetórias das revistas, destacam-se as ocorridas na

Revista de Sociologia e Política e na Lua Nova.

Comparando-se os editoriais do 1º número publicado em 1993, com o 49º, de 2014, é

possível identificar algumas das mudanças ocorridas na trajetória da Revista de Sociologia e

Política:

(...) a Revista de Sociologia e Política não se furtará também ao direito deconsiderar, nas suas páginas, problemas de conjuntura e de intervir, ainda que deforma evidentemente limitada nas questões políticas do momento, sempre nosentido daquilo que é fundamental para seus membros: a radicalização e oaprofundamento da democracia no Brasil. (grifo da autora).

(...) Desde o seu aparecimento, a missão do nosso periódico era simplesmente“publicar trabalhos inéditos nas áreas de Ciência Política e Sociologia Política”.Entretanto, entre 1993 e 2013 a forma como se produz conhecimento acadêmicomodificou-se profundamente. (...) Como o financiamento desta atividade está vin-culado aos indicadores da sua produtividade cada vez mais os pesquisadores têmprocurado submeter trabalhos à avaliação dos periódicos posicionados nos extra-tos mais elevados do Qualis. (...) A partir de novembro do ano passado [de 2013]aperfeiçoamos a nossa missão de modo a informar mais claramente à comunidadeo porquê de a Revista Sociologia e Política existir. Pretendemos agora continuara publicar trabalhos inéditos nas áreas de Ciência Política e Sociologia Política.Contudo, os artigos devem ter como foco a produção de inferências ou generali-zações a partir de dados e evidencias conseguidas em pesquisas empiricamenteorientadas. (...) A última novidade que gostaríamos de anunciar neste editorial é ofim à publicação de dossiês temáticos. (grifo da autora)

Na Apresentação do número 69 da revista Lua Nova, publicada em 2006, em comemoração

aos 30 anos do CEDEC é possível conhecer um pouco da trajetória temática da revista. Nota-se que

o então editor conclui a Apresentação supondo que, apesar dos novos temas que a revista foi

adotando, tratam-se, talvez, das mesmas questões de fundo, porém analisadas de forma mais global.

Esta edição recupera, com o devido aggiornamento, um conjunto de temas queestá na base de muitas das pesquisas realizadas pelo nosso Cedec nas décadas de1970 e 1980: questão social, cidade, participação popular, democracia, poderlocal. De lá para cá, novos temas foram se juntando a esse núcleo original (...): a

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globalização, a questão social e o próprio status das grandes cidades, (...)“internacionalização” do ativismo político (...) e o problema da“participação” – inclusive dos empresários brasileiros, diante da formalização deespaços de interação econômica além-fronteira (...). Isso sem prejuízo da reflexãomais clássica sobre as complicadas (tensas? complementares?) relações entre aparticipação popular e o regime democrático. (…). Enfim, talvez as mesmasquestões de fundo, mas analisadas no fluxo de uma socialização que vai do“local” ao “global”.

Por fim, as respostas oferecidas pelos editores sobre os limites, impasses e dilemas da

ciência política no Brasil demonstram preocupações diversas, conforme demonstram as falas

abaixo:

(…) um desses limites, a meu ver, é exatamente o que eu costumo chamar depresentismo na ciência política brasileira, é a falta absoluta de diálogo com ahistória. Então, você tem às vezes estudos com N gigantescos que são absolutasficções estatísticas... você tem testes de regressão maravilhosos, etc.. você temgente falando sobre 5 mil prefeitos no Brasil, como se todos os prefeitos fossemprefeitos igualmente em todas as cidades, etc., (...) correndo-se o risco de produzirisso que eu to chamando de... das pessoas falarem mais sobre o banco de dados doque sobre a realidade propriamente dita. (PERISSINOTO. R.)

(…) um problema quase epistemológico da produção da ciência política brasileiraque é uma questão relevante e que às vezes não aparece, é o como se produz oconhecimento da ciência política. (...) eu acho que o grande problema é que hápouco diálogo entre os pares, no sentido de como avançar em discussõessubstantivas (…). Bom, isso é muito difícil no Brasil. Primeiro, porque muitasdas questões dos debates intelectuais são lidas, às vezes, como critica pessoal, eisso é uma questão problemática, mas por outro, acho que existe uma poucaabertura institucional a essa polêmica intelectual e isso pode ser um papel dasrevistas científicas. (BRINGEL. B.)

(…) o principal limite hoje é encontrar condições de infraestrutura pra darmais suporte pros pesquisadores, pras pesquisas, pros professores, as nossascondições de trabalho ainda são muito artesanais, né, requerem muito esforço dosindivíduos, contra tudo e contra todos. (ARRETCHE. M.)

O problema é a consolidação da qualidade e excelência da pesquisa em âmbitonacional e sua presença no debate internacional e acho que a questão daviolência no Brasil é um tema que embora já muito estudado, precisa seraprofundado. (ALVAREZ.C.)

(…) eu acho que a nossa sociedade tem uma história de... uma relaçãobastante... é... bastante... ambígua, entre o visível e a sombra, o oficial e o nãooficial, coisa que os antropólogos, há um bom tempo já detectam como umaespécie de elemento importante da cultura nacional, né, da cultura brasileira. Acho

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que essa é uma questão que a gente deveria pesquisar melhor, né, (…) que nopassado, (…) quadros do nosso pensamento... social e político brasileirodetectaram (...) Eu acho que sempre haverá uma ambiguidade, mas no casobrasileiro, eu acho que é muito mais acentuada, o que nos permitiria é... atéuma posição privilegiada pra estudar o fenômeno. (...) e acho que a CiênciaPolítica deveria, até numa interação mais profunda com a Antropologia e aSociologia, se preocupar e de uma certa maneira estou remetendo aí, a umaabertura da agenda... que é predominantemente institucionalista. Porque oInstitucionalismo tem a ver com o problema de definir a instituição pelo oficial,entendeu? E aí, ela acaba perdendo muito a sombra que eu tô falando e, me pareceque é um fenômeno bastante importante... da nossa... é um hábito social... muitointeressante... de detectar e pesquisar... (...) que alias, faz parte da tradição dopensamento social brasileiro, né, que vale a pena resgatar. (ARAÚJO. C.)

No que diz respeito aos avanços teórico e metodológico da Ciência Política no Brasil, todos

os editores afirmam tê-los havido. As gerações mais recentes de cientistas políticos, diferente

daquela de cerca de 50 anos atrás que tendiam a produzir trabalhos mais ensaísticos e a intervir no

espaço público, além da atual existência de uma diversidade muito grande de pontos de vista

teóricos e de métodos de pesquisa, são apontados como motivos desse avanço.

Sobre a criação e trajetória das revistas; a RSP, editada “numa instituição periférica, (...)

num país periférico na ciência... isso para ser otimista”, conforme palavras de um de seus editores e

a RBCS editada por uma associação científica composta por sócios institucionais, permitem

observar que os lugares de publicação de uma revista científica, assim como o apoio institucional

que recebem ou não, exercem influência na forma como se dá a sua criação e manutenção – ou seja,

nas dificuldades enfrentadas pelos editores inclusive na definição dos vieses temático, teórico e

metodológico que adotam para as revistas. Aliás, sobre isso, vale a pena lembrar o que diz

Bourdieu:

(…) o que comanda os pontos de vista, o que comanda as intervenções científicas,os lugares de publicação, os temas que escolhemos, os objetos pelos quais nosinteressamos etc. é a estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes(…). É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que elespodem e não podem fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupamnessa estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente, suastomadas de posição. (p.23)

Sobre se existe ou não atualmente uma agenda de pesquisa norteadora da ciência política

brasileira, a governabilidade é apontada como a agenda hegemônica pela RSP. As editoras da BPSR

apontam, uma, a democracia, acompanhada do editor da RBCP; outra, a ausência de uma agenda

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norteadora da Ciência Política. A esse respeito, a DADOS aponta para o que está ficando de fora da

agenda da ciência política brasileira: “um tipo de análise que embora teórica e metodologicamente

rigorosa, perde de vista uma tentativa de interpretação abrangente da política brasileira”. Parece ao

editor da RBCS que, “por exemplo, as abordagens históricas têm menos espaço na Ciência Política

(…) do que há 10 anos”.

Quanto aos desafios a serem enfrentados pela Ciência Política atual e brasileira - o que de

certa forma pode ser resultado do curto tempo de vida dessa ciência no Brasil enquanto disciplina

institucionalizada, mas também, da forte concentração regional da sua produção (por exemplo, de

um total de 1505 artigos publicados nestes quatro periódicos entre 2005 e 2014, 538 (35,7%) o

foram por doutores em Ciência Política. No entanto, dentre esses 538, 374 artigos foram

publicados por (co)autores que se doutoram em apenas 5 IES nacionais (USP, UNICAMP, UFMG,

antigo Iuperj-IESP e UFGRS)) - a necessidade de uma maior cooperação entre os programas de

pós-graduação; o pouco dialogo existente entre os pares; a falta de capacidade interpretativa das

transformações pelas quais passaram o Estado brasileiro pós-transição democrática; as condições

artesanais de trabalho docente e de pesquisa; a necessidade de consolidação da qualidade e da

presença da Ciência Política em âmbitos nacional e internacional; a falta absoluta de diálogo com a

história; as condições que possuem ou não a ciência política para qualificar a capacidade dos

cidadãos brasileiros de entender a democracia e os desvios que podem ocorrer em trabalhos de co-

autoria se a avaliação [da Capes] for apenas quantitativa e burocrática, são alguns dos apontados

pelos editores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões postas pelos editores destas revistas permitem perceber que a relação entre

produção e publicação científica não é unilateral. As revistas científicas possuem papel importante,

não só porque são responsáveis, cada vez mais nas ciências humanas, pela circulação do debate

acadêmico e científico, mas porque contribuem com a definição de temas, teoria e métodos que vão

se tornando hegemônicos. Segundo os editores, o Scielo é fundamental nesse processo, não só

porque permite a publicação da produção em acesso aberto e online, mas devido a um dos seus

critérios de avaliação para admissão e permanência de periódicos nesta plataforma que exige da

revista a revisão por pares e, com isso, certifica a produção. As revistas científicas são, também,

instrumentos a partir dos quais a produção científica é avaliada pela Capes. No entanto, a partir do

momento em que a Capes avalia melhor a produção publicada numa revista A1 do que numa revista

B2, por exemplo, pode trazer alguns problemas que se refletem nos trabalhos de co-autoria, na

escolha temática e teórico-metodológica que faz o pesquisador em função do desejo/necessidade de

se publicar em determinado periódico, por ventura, mais bem avaliado pela Capes. No limite, no

tipo e objetivo de pesquisa que se pretende realizar, que se pretende financiar.

Um campo científico impõe e sofre pressões e constrangimentos dos pares, da academia, das

associações científicas, dos centros de pesquisa hegemônicos, das agências de financiamento, da

sociedade, etc. Em boa medida, co-determinado tanto pela ciência política norte-americana, pois

muitos dos pioneiros da ciência política brasileira realizaram seus estudos pós-graduados em

universidades americanas, numa época em que se conseguiu, finalmente, desde a década de 1920,

deslanchar nos EUA, um programa intensivo de treino estatístico aos estudantes de ciência política

(JENSEN. R. 1972), quanto pelo fato da ciência política ser obra recente no Brasil. “Premia e

pune”, conforme afirma o editor da Lua Nova

Se você pensar que (...) os constrangimentos são feitos por pessoas (...) [e que] sea comunidade [acadêmica] tem uma predominância numa direção ou noutra,isso constrange... o conjunto. Constrange o conjunto porque... é... se você qui-ser usar a linguagem dos institucionalistas, premia e pune. (...) não que eu con-corde inteiramente com essa visão, (...) é... você pode dizer que... não é só isso,né... porque as pessoas podem estar perfeitamente convencidas, né, eu acho queespecialmente as lideranças... da comunidade estão convencidas, (...) pensam queé o melhor caminho. (CICERO. A.)

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REFERÊNCIAS

BOBBIO. Norberto. Nem com Marx, nem sem Marx. Unesp. 2004.

BULCOURF, Pablo; DUFOUR, Gustavo. Guillermo O’Donnell e sua Contribuição para oDesenvolvimento da Ciência Política Latino-Americana. DADOS, Rio de Janeiro, vol. 55, n. 1,p. 5-35, 2012.

BOURDIEU. Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.São Paulo: Editora Unesp, 2004.

KEINERT, Fábio Cardoso; SILVA, Dimitri Pinheiro. A gênese da Ciência Política brasileira.Tempo Social, São Paulo, v.22, n.1, p.79-98, 2010.

SciELO. Critérios Scielo Brasil. (2014). Disponível em: <http://www.scielo.br/avaliacao/20141003NovosCriterios_SciELO_Brasil.pdf>. Acesso: em 01/08/2015.

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