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$ revista ã DO CRESCIMENTO FORÇADO À CRISE DA DÍVIDA: A ECONOMIA BRASILEIRA DOS ANOS 70 ediçao especial #1 ano 1 • n 8 • 8/12/2011 • R$ 9,95 ˚

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Sobre a economia brasileira dos anos 70. Produzido por alunos da Faculdade de Sumaré.

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DO CRESCIMENTO FORÇADO À CRISE DA DÍVIDA:

A ECONOMIA BRASILEIRADOS ANOS 70

ediçao especial #1ano 1 • n 8 • 8/12/2011 • R$ 9,95˚

ásumario

editorial 5

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1014

1718

introdução

principais

conclusões

&

&

Olá, passado; cuidado, futuro

o papel do brasil no processo internacional de acumulação de capital

um plano para sair da crise

o legado econômico para os anos 80finalmentes

o endividamento brasileiro

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A Edição Especial sobre a economia brasileira nos anos 70 apresenta os principais dilemas que certamente tiraram o sono das autoridades respon-sáveis pela condução da política econômica da época, diante dos enormes desafios da manutenção de elevadas taxas de crescimento e um cenário externo totalmente adverso.Passados trinta anos nos deparamos com pontos de vistas divergentes so-bre como a economia deveria ter sido conduzida. O economista Mailson da Nóbrega não vê com bons olhos a política de substituição de importa-ções e o estado empresário. O economista Antonio Barros de Castro valo-riza os esforços e os resultados que minimizaram a dependência externa de insumos básicos do parque produtivo brasileiro.Nossa intenção ao revisitar um período da história econômica brasileira, ambientando-o com imagens da época é a de proporcionar ao leitor in-formações que o auxiliem a entender melhor a economia atual.A interdependência entre as economias só aumentou desde então. Se o Brasil dos anos 70 teve que responder às crises internacionais do petróleo, hoje poderá ser grandemente afetado caso haja uma crise financeira de grandes proporções na Europa.Nossa Edição Especial quer contribuir ampliando o debate sobre as es-tratégias adotadas na condução da economia do período, de modo que possamos tirar proveito para opinar e interferir nos desafios atuais.

Grupo Aprendizes

Revista $Diretora de Redação: Sueli A.C.Mangia RA 1020170

Repórteres: Sabrina Buddin RA 1020258 André Macedo da Silva RA 1020382

Daniele Pereira RA 1020272Jailda A. V. dos Santos RA 1020270

Janaina Jovino RA 1020398Vinicius Carrijo Cunha RA 1020651

especial

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Co-realização de:Jornalismo Júnior

Empresa Júnior de Jornalismo da ECA USP

Edição do texto: Carolina Vellei e Mateus NetzelCriação do projeto gráfico: Ana Carolina Marques

"Quem não se lembra do passado está condena-

do a repeti-lo", dizia o filósofo espanhol George Santayana (1863-1952). Tem sido assim na América Latina, talvez o me-lhor exemplo de reedição de experiências fracassadas. Na Venezuela, onde o desastre é previsível, repetem-se velhas e insustentáveis receitas populis-tas. Na Argentina, recorre-se a vetustas políticas de substituição de importações. Lá, as exporta-ções agrícolas são tributadas. Para importarem itens essenciais à produção, as empresas preci-sam exportar igual valor. Uma montadora alemã de automó-veis passou a exportar arroz e couro. Manipulam-se os índices de preço para esconder a in-flação. O banco central perdeu autonomia. Controles cambiais ineficientes foram reintroduzi-dos. Subsídios superam 5% do PIB, dez vezes o custo do Bolsa Fa-mília no Brasil.

Como no pas-sado, esses expe-rimentos têm tudo para fracassar, mas o caso argen-tino desperta en-tusiasmo por aqui. Felizmente, o Brasil construiu barreiras institucionais e men-tais a práticas populistas como essas. Uma delas é a imprensa livre e independente, que re-siste às ameaças de "controles sociais" do PT. Outra é a intole-rância da sociedade à inflação. Aqui, Cristina Kirchner, reeleita presidente da Argentina, dificil-mente obteria sua retumbante vitória. Mesmo assim, há sinais de volta ao passado no Brasil. Aparentemente, o Banco Cen-tral (BC) sofre influência política. A presidente da República fala com desenvoltura sobre a taxa

Olá, passado; cuidado, futuro

O protecionismo dos tempos da

substituição de impor-tações reapareceu com o aumento do IPI para carros importados.

Maílson da Nóbrega

de juros, para a qual parece ter sua meta pessoal. Ministros e assessores se sentem liberados para fazer o mesmo. FHC e Lula evitavam pronunciar-se sobre o assunto. O BC é tratado por jor-nalistas, comentaristas e empre-sários como órgão do governo, e não do estado. Tudo isso encora-jou a criação de um movimento para pressionar o BC a reduzir a taxa de juros na marra. O Brasil tem a mais alta taxa de juros do planeta, mas o movimento inves-te contra um sintoma evidente, sem considerar as complexas causas que explicam essa rea-lidade perversa. Atacar efeitos tem originado trágicas consequ-ências na América Latina. Basta lembrar políticas populistas de redistribuição voluntarista de renda, que acarretaram mais pobreza e desigualdade.

O protecionismo dos tempos da substituição de importações

reapareceu com o aumento do IPI para carros importados. Na base do impro-viso, o governo violou normas constitucionais, restabelecidas pelo Supremo

Tribunal Federal. A forte tributa-ção de tablets importados é ou-tra repetição dos velhos tempos de economia fechada. O consu-midor paga a conta. A economia perde eficiência. O Brasil pare-ce retornar à era Geisel (1974-1979). Hoje se sabe que não foi adequado dobrar a aposta na substituição de importações e na intervenção estatal na economia, em reação à crise do petróleo de 1973. A estratégia contribuiu para os problemas dos anos 1980: queda de produtividade, perda de dinamismo e acelera-ção inflacionária.

O governo retomou o contro-le de preços dos derivados de petróleo. A medida impõe per-das à Petrobras, àqueles que compraram ações da empresa e aos produtores de etanol. Tal como no passado, o governo reduz tributos para não ter de reajustar o preço da gasolina ao consumidor. Adia a vigência do IPI sobre cigarros com obje-tivo semelhante. Transfere para o ano seguinte o reajuste das telecomunicações. As distorções se acumulam. Daqui a pouco será preciso adotar medidas para viabilizar a produção de etanol. O ministro de Minas e Energia defende um insano im-posto sobre as exportações de açúcar para "forçar" o aumento da produção de álcool, desco-nhecendo erros semelhantes do passado.

Tais práticas, adotadas em nome do desenvolvimento, ter-minaram contribuindo para in-terromper ciclos de expansão. As correspondentes distorções legaram mais inflação e menos crescimento. O retorno ao pas-sado pode ser consciente e ba-seado em crenças sobre o papel do estado na economia. Assim, o conselho de Santayana seria inútil. O risco é estar-se solapan-do expectativas de melhores dias no futuro.

*Publicado na revista Veja em 16/10/11

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o PAPEL DO BRASIL no PROCESSO INTERNACIONAL DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAl

Obsevarva-se que a socie-dade brasileira tem como

traço comum, em todos os seus períodos históricos, a desigual-dade econômica, social e po-lítica. O II Plano Nacional de Desenvolvimento, importante instrumento norteador da polí-tica econômica dos anos 1970, contemplava a meta social e aspirava pela melhor distribui-ção de renda. No entanto, essa meta não atingiu os objetivos propostos e foi totalmente com-prometida a partir do segundo Delfinato (1979), cujas ações no plano econômico seguiram sua concepção da necessidade de primeiro crescer e só depois di-vidir o bolo.

RETOMADA HISTÓRICADe acordo com os historiado-

res Cláudio Vicentino e Gianpa-olo Dorigo, é por ocasião do Brasil colonial que ocorre sua integração na história ocidental em um momento em que se con-solidava a ordem capitalista.

Seu papel durantes séculos foi como colônia de explora-ção. Sua inserção foi norteada pela lógica do sistema mercan-tilista, na qual as colônias eram provedoras da manutenção e expansão do capitalismo das metrópoles. E assim todas as ati-vidades econômicas e a orga-nização social eram estabeleci-das pela metrópole e visavam

assegurar a transferência de ri-quezas para os centros externos de poder.

Com a Independência e logo após a criação do Estado Na-cional, o país seguiu a orbitar de forma secundária a econo-mia mundial. A nova condição, do ponto de vista interno, con-feriu à oligarquia colonial o po-der político.

OS PRIMÓRDIOS DA INDÚSTRIA NACIONALNa visão dos autores, a desi-gualdade enquanto componente da sociedade brasileira apenas tem alterada sua arquitetura fí-sica e social: passamos da casa--grande e senzala antes para hoje a mansão e favela.

Em decorrência do seu perfil econômico e papel nas transa-ções externas, o país não se be-neficiou com as inovações pro-porcionadas pelas Revoluções Industriais. De acordo com An-tonio Barros de Castro, em seu livro “Ensaios sobre a Economia Brasileira”, a indústria foi um

“ O papel do Brasil

no processo interna-cional de acumulação de capital começa na qualidade de colônia de exploração.

prolongamento da agricultura. Nasceu como atividade de be-neficiamento, colada na gran-de plantação, com finalidades preponderantes de subsistên-cia de um lado e auxiliares da atividade exportadora agrí-cola, de outro.

Os primórdios da indústria foram caracterizados como res-postas alternativas às dificulda-des do setor agroexportador e estavam circunscritas às faixas de mercado não competitivas.

Durante a fase internacional de acumulação do capitalismo industrial, Castro explica que “...as dificuldades impostas pela pressão competitiva externa, as primeiras indústrias ficavam limi-tadas a produção de artigos in-feriores e dificilmente logravam ultrapassar o âmbito local”.

A CRISE DO CAFÉ E O AVANÇO DA INDÚSTRIACom a profunda crise cafeeira de 1895 com seus picos de re-gressão e progressão se esten-dendo até 1930, impôs-se um certo dinamismo com a multipli-cação do número de indústrias e a crescente urbanização, parti-cularmente em São Paulo.

A produção de artigos ma-nufaturados era feita com o ca-pital proveniente da agricultura e os donos de fábricas também eram proprietários das fazen-das, o que gerava certo conflito,

A explicitação de como o Brasil está inserido na ordem mundial e como se deu o processo de industrialização ajuda a entender a economia durante os anos 1970. O Brasil teve seu processo rumo ao desenvolvimento afetado pela sua posição relativa no cenário mundial e pelas das visões que nortearam seus proces-sos internos.

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tendo em vista que a visão he-gemônica e o projeto econômico do Brasil de então era agrícola, condicionando, assim, sua parti-cipação na economia mundial e, por decorrência, no processo de acumulação de capital.

Externamente, a Grande De-pressão (1929) também contri-bui para alterar a composição setorial da indústria brasileira, ampliando-a dado o colapso nas importações. Desde o início do século XX empresas regionais ocupavam-se da produção de bens de consumo não duráveis já no contexto de substituição de importações. A partir dos anos 30 tem início a produção volta-da aos bens de produção e de consumo duráveis.

No livro “História do Brasil”, os autores Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo explicam que “até 1930 predomina o mode-lo agrário-exportador, consoli-dando-se desde então um novo modelo de industrialização por substituição de importações”. Novas indústrias iriam se desen-volver contando com a partici-pação decisiva do Estado.

Entre 1930 e 1945 avançou a implementação da visão de um estado nacional, capitalista, bem como a industrialização por substituição de importações.

Do ponto de vista econômi-co a primeira fase do período 1945-1964 foi marcada pela abertura do país às importa-ções. Também em “História do Brasil”, os autores comentam que “...as reservas em moedas estrangeiras, pacientemente acumuladas durante os anos de guerra quase desapareceram, usadas na maior parte dos ca-sos para financiar a importa-ção de produtos supérfluos, ou de mercadorias já produzidas no Brasil”, cuja conseqüência foi a redução no ritmo de cresci-mento da indústria, comprome-timento da redução da dívida externa, alcançada no decor-rer da II Guerra e desequilíbrio na balança de pagamentos, o que exigiu a partir de 1947 nova alteração nas diretrizes econômicas.

Com o final da II Guerra, os

Estados Unidos recuperaram sua capacidade de produção industrial de bens de consumo e voltaram-se para o Brasil com a sua oferta reestruturada. Esse jogo de forças políticas e comer-ciais delineava mais uma vez o papel que cabia ao Brasil no processo internacional de acu-mulação capitalista.

LIBERALISMO X NACIONALISMOO início dos anos 1950 foi mar-cado pela superação da con-cepção de que o país era ex-clusivamente agrícola, cedendo espaço para duas visões sobre o futuro industrial do país: libe-ralismo X nacionalismo.

Os defensores do liberalismo argumentavam que as escassas reservas de capital do país não sustentariam o desenvolvimen-to e que seria necessário re-correr ao capital internacional, por meio de empréstimos ou por aplicação direta através da instalação de empresas multina-cionais e transferência de tecno-logia. Para tanto, o aumento da dívida era um aspecto menor.

Os defensores da visão na-cionalista inspiravam-se nos princípios da CEPAL (Comissão Econômica para a América La-tina), rejeitando a abertura ao capital estrangeiro. Não consi-deravam executável que o ca-pital internacional favorecesse o desenvolvimento local, dado que, na ordem global, países como o Brasil tinham um papel periférico, além de julgarem ingênua a percepção sobre a transferência de tecnologias de ponta.

Caberia ao capital nacional financiar o crescimento e, como não existia tamanha disponibili-dade na iniciativa privada, nem grande interesse por parte dela em participar do projeto, cabe-ria ao Estado tal função. Pre-ponderou o projeto nacionalista, culminando na criação da Petro-brás em 1953, idealização da Eletrobrás para o setor de ge-ração e distribuição de energia, entre outras.

DESENVOLVIMENTISMOO período entre os anos de

1956-61 caracterizou-se pelo desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, com elevadas taxas de crescimento do PIB, PIB per capita, produção industrial, en-tre outros. Isso acontecia ape-sar do crescente endividamento externo que, para fazer face à falta de recursos internos, era sempre renovado.

Durante os anos 30, foi de-senvolvida a indústria leve, de bens de consumo não duráveis, como têxteis e alimentos, predo-minantemente a cargo da inicia-tiva privada. Os anos 40 foram responsáveis pela indústria pe-sada, de base (aço, mecânica), a cargo do governo. Durante o período de 1956-61, incen-tivou-se a indústria de bens de consumo duráveis como automó-veis, eletrodomésticos, predomi-nantemente em mãos de empre-sas multinacionais. O conjunto desse processo de industrializa-ção consolidou o modelo como de substituição de importações.

Antonio Barros de Castro, em parceria com Francisco Eduar-do Pires de Souza, na obra “A Economia Brasileira em Marcha Forçada”, afirma que “nos pa-íses de desenvolvimento tardio, a industrialização é um proces-so marcado pela ocorrência de autenticas mutações”. E re-feridos saltos carecem para se-rem exitosos de continuidade e tempo de maturação, portanto requerem empenho e força po-lítica para driblar os interesses imediatos do capital.

Castro enxerga esses saltos na industrialização brasileira a partir dos seguintes pontos de sua trajetória: construção de Volta Redonda; implantação da indústria automobilística, que no caso brasileiro consolida-se, diferentemente do que ocorreu com outros países latino-ame-ricanos; e pela estratégia de 1974, cuja implementação ata-cou os pontos frágeis dos setores industriais brasileiros de então, expressos pela ausência de in-vestimentos nas áreas que, para o autor, exigiam “longo prazo de maturação, baixo retorno, elevado risco e alta densidade tecnológica”. $revist

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Tanto a crise do petróleo de 1973, quanto a explosão de plataformas petrolífe-ras iranianas no Golfo do Pérsico pelos EUA em 1998 (acima) estavam inseridas em um contexto de conflitos envolvendo os produtores árabes da OPEP.Foto: nohigherhonor.com

A identificação das principais ações do Brasil para fazer face às mudanças ocorridas na eco-

nomia internacional nos anos 70 e as especificidades da época, considerando as demandas da sociedade politizada e a alter-nância do poder presidencial.

HERANÇA ECONÔMICAO período pós-64, especificamente entre os anos

1968-73, foi caracterizado pelo crescimento acelerado da economia, recebendo a qualificação de milagre brasileiro. Neste período o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média superior a 10% a.a. e o crescimento de bens duráveis obteve uma taxa média de 23,6% a.a. As montadoras de veículos produziram em 1970 três vezes mais veículos relati-vamente a 1964, os trabalhadores tinham em casa 4,8 milhões de televisores contra 1,66 milhão em 1964, conforme dados oficiais da época e ampla-mente utilizados pela propaganda política.

O vigoroso crescimento econômico convivia com a concentração da renda, o empobrecimento dos mais pobres e a elevação da dívida externa.

Na visão do responsável pela condução da eco-nomia da época, Antonio Delfim Netto, era preciso primeiro aumentar o bolo e só depois dividi-lo.

Um dos fatores deste quadro que mais impacta-ram os anos 1970 foi a expectativa generalizada pela continuidade do crescimento econômico. A ex-igência pela manutenção das taxas de crescimento esteve no cerne das orientações que seriam dadas à economia, particularmente em face do cenário de restrição internacional, em função da primei-ra crise do petróleo, em 1973.

DA DÉCADA ANTERIOR

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um plano para sair da crise

“ Em resposta à

crise que eclode em 1974, a economia brasileira foi levada a ingressar num longo período de marcha forçada

O início da década foi mar-cado pela expressiva ele-

vação dos preços do petróleo, componente importante da matriz energética mundial. O denominado primeiro choque do petróleo ocorreu em 1973 como consequência da qua-druplicação do preço do barril pelos países membros da OPEP. Houve também o rompimento do Acordo Internacional estabeleci-do - existente desde a II Guerra Mundial e que visava a esta-bilização das taxas de câmbio internacional - e a reação re-cessiva de quase todos os países diante desses fatores.

A resposta de sua política econômica para enfrentar a cri-se consistiu em estabelecer o II Plano Nacional de Desenvolvi-mento (IIPND), com abrangência de 1974 até o final da déca-da. O Brasil vinha do chamado milagre econômico, com pleno

emprego de fatores que, no en-tanto, proporcionaram aos anos 70 certos desequilíbrios respon-sáveis por pressões inflacioná-rias e inadequação na balança comercial.

Para manter o ciclo expansio-nista (característico do milagre econômico) em 1973, o país dependia inteiramente de uma conjuntura externa favorável. O nível de produção verificado até então foi duramente atingido pela alta nos preços do petróleo

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e pela elevação dos preços dos bens de capital e insumos básicos que eram essenciais e foram im-pactados pela crise internacional. A economia passa a experimen-tar déficits no balanço de paga-mentos com queima de reservas para fazer face aos pagamentos de seus importados.

Em 1974, o Brasil havia per-dido a capacidade econômica de manter suas necessidades de importação de petróleo, maté-rias-primas e máquinas. A eco-nomia brasileira estava muito vulnerável.

Outro fator importante era a alternância de poder político e de visões sobre a condução do Brasil rumo à abertura política. Caso as taxas de crescimento despencassem o grupo de mili-tares que assumiu o poder po-deria ficar desestabilizado.

As premissas que deveriam embasar a política econômica situaram-se em pólos opostos: ajustamento e financiamento. O ajustamento era a opção de-fendida para a contenção da demanda interna e adoção de ações para contornar o desequi-líbrio externo. O financiamen-to era a alternativa defendida para suportar o crescimento, mantendo-o elevado e promo-vendo o ajuste gradual nos pre-ços. Esta opção estava calcada na percepção que a crise inter-nacional seria passageira e que os financiamentos externos não seriam exauridos, como indica o economista Patrick Gremaud.

A prática da política econô-mica do ajustamento foi tentada em 1974 por meio do controle da demanda, mas não seguiu adiante por conta das pressões por liquidez por um lado e, por outro, pela derrota política da situação nas eleições para o Congresso Nacional.

As condições políticas apresen-taram-se desfavoráveis (crítica da sociedade ao regime militar) para que fosse possível sustentar uma solução técnica de promo-ção de ajustes na economia.

Diante da impossibilidade política de conter a demanda, as autoridades econômicas op-taram pela continuidade do

processo de crescimento, lançan-do em 1974 o II Plano Nacional de Desenvolvimento.

ESTADO EMPRESÁRIOEnfim, o Brasil passava a contar com um projeto estruturante com visão de longo prazo, capaz de alterar o perfil do seu parque produtivo de modo a alcançar novos patamares tecnológicos e de desenvolvimento.

Suas prioridades foram os se-tores energéticos, siderúrgicos e petroquímicos e no decorrer dos processos de investimentos no setor de insumos seriam geradas demandas derivadas que para Gremaud “estimulariam o setor privado a investir no setor de bens de capital”.

Assim, estava garantida a demanda para a movimenta-ção do setor privado ao que se acrescentaram vários incentivos, perfazendo desde o crédito do IPI sobre a aquisição de equipa-mentos até a garantia de políti-ca de preços.

De acordo com Projeto do II Plano Nacional de Desenvolvi-mento, publicado em 1974, os principais campos de atuação seriam a “consolidação de uma economia moderna, mediante a implantação de novos setores, a criação e a adaptação de novas

tecnologias “, o “ajustamento às novas realidades da economia mundial”, uma “nova etapa no esforço de Integração Nacio-nal”; uma “estratégia de de-senvolvimento social, orientado no sentido de garantir a todas as classes e, em particular às classes médias e trabalhadora, substanciais aumentos de renda real, eliminar no menor prazo,os focos de pobreza absoluta etc”.

É nesse contexto que surge o Estado cumprindo um papel de Estado Empresário, visto por muitos críticos da época como um procedimento de estatiza-ção da economia.

Por isso, várias estatais recor-reram a fontes de financiamentos externos para assegurar a soma de recursos imprescindíveis à im-plementação dos projetos estru-turantes. Era a opção pelo finan-ciamento do crescimento.

MUDANÇA DE FOCOA facilidade para a obtenção de créditos internacionais ocor-ria em função de dois fatores: retração na demanda de cré-dito por parte dos países de-senvolvidos, cujas economias es-tavam afetadas pela elevação dos preços do petróleo, e dispo-nibilidade de petrodólares que encontraram nos países em de-

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tinha por escopo ser uma estratégia de fi-nanciamento e de ajustes na estrutura de oferta de longo prazo. Foi elaborado para

ser uma resposta à polarização ajustamento x financiamento, premissa que dominava a reflexão econômica da época. Abra-çou a manutenção do crescimento econômico, e segundo Castro “Em resposta à crise que eclode em 1974, a economia brasileira foi levada a ingressar num longo período de marcha forçada”.

Um importante pré-requisito para o êxito desse Plano era a im-plementação de mudanças na estrutura produtiva das indústrias da época, de modo a reduzir as importações e intensificar as ex-portações, assegurando a reestruturação da oferta. Embora esse fosse um processo de longo prazo, sua efetivação sanearia os problemas decorrentes com a Balança de Transações Correntes.

Enquanto esse alvo não fosse alcançado, seriam realizadas operações de empréstimos junto ao mercado internacional, vi-sando financiar o desequilíbrio externo proporcionado pela op-ção de crescimento econômico e pela crise do petróleo.

Para Patrick Gremaud, “a meta do II PND era manter o crescimento econômico em torno de 10% a.a., com crescimento industrial em torno de 12% a.a.”, e embora não tenha sido cumprida assegurou a expan-são da economia, mesmo que em patamares inferiores aos do período caracterizado pelas altas taxas de crescimento do milagre econômico.

O processo de industrialização brasileiro - que até então en-

o II pnd

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senvolvimento uma alternativa à retração de crédito por parte daqueles desenvolvidos.

Um fenômeno perverso para a economia produtiva passa a se estabelecer no âmbito da captação de crédito, quando operada pelo setor privado, que o faz com finalidades espe-culativas. O recurso captado no exterior não era direcionado às atividades produtivas e sim apli-cados em títulos públicos com garantia de liquidez, processo denominado ciranda financeira.

No entendimento das autori-dades econômicas, o empresa-riado privado somente atuaria em siderurgia, fertilizantes, pe-troquímica ou metais não-ferro-sos através do governo.

Em entrevista à Revista Visão, em 19 de abril de 1976, o en-tão Ministro do Planejamento afirmava: “para fazer funcionar setores pesados de rentabilida-de direta baixa e de prazo de mutação longo, você precisa de incentivos governamentais”.

A ousadia da estratégia de 1974, segundo Castro, consistia na mudança de foco que vinha sustentando o crescimento do país desde 1950, baseada nos bens de consumo duráveis. Esse era o caso da indústria automo-bilística, sendo que um dos seus

presidentes, W. Sauer, atônito diante da não priorização de seu segmento, manifestava-se criticamente, expressando o desalinhamento de parte do empresariado privado com as metas do II PND.

Ainda segundo Castro, es-forços que visam assegurar resultados de longo prazo não podem sucumbir aos interesses imediatos das partes direta-mente afetadas.

Apesar dos estímulos e in-centivos oferecidos para asse-gurar o engajamento da maior parte da iniciativa privada na consecução das metas prioriza-das pelo II PND, resta a cons-tatação do não envolvimento efetivo na construção desejada de longo prazo.

Para Castro, “em diversos casos, além do acúmulo de es-tímulos e favores, as empresas tinham que ser diretamente pressionadas”. Por exemplo, a lista de projetos das empresas privadas para a produção de aço não plano era insuficiente e incapaz de prover o Bra-sil com a autossuficiência pro-clamada, requerendo que o Consider, órgão encarregado de levar referidos projetos ao CDE-Conselho de Desenvolvi-mento Econômico, retornasse

às empresas e indagasse sobre a ausência de projetos maiores. O mesmo ocorrendo no setor de alumínio, onde se voltou a conversar com o empresário Er-mírio de Moraes, além da Al-coa e Alcan.

METAS CUMPRIDASPor todas essas razões, é claro que as empresas de proprie-dade do governo (Eletrobrás, Petrobras, Siderbrás, Embratel, entre outras) foram as respon-sáveis pelo cumprimento das grandes metas do período, mas também pelas encomendas às empresas privadas.

O gigantismo do empreen-dimento a cargo das estatais cunhou a expressão “Estado Em-presário” e abriu um flanco aos temores sobre a estatização da economia.

Contudo, o Brasil da épo-ca não apresentava qualquer condição semelhante aos paí-ses desenvolvidos, que geraram significativos recursos adicionais no período imediatamente pos-terior a 74. Até porque o pré--requisito para essa solução se-ria justamente poder contar com um parque tecnológico diversi-ficado e com elevado grau de atualização tecnológica.

Embora o Brasil não se deti-vesse às dificuldades específicas de operacionalização das gi-gantescas metas, como atrasos em sua execução, não as negli-genciou, bem como não escapa que a centralização política te-nha obstacularizado a transpa-rência necessária e favorecido a impunidade e a corrupção.

De acordo com a visão sobre o período e que está baseada nas análises de Castro, a racio-nalidade econômica da estra-tégia de 74 impediu o país de entrar em uma crise conjuntural de elevadíssimas proporções. Seus resultados favoreceram e ampliaram novos rumos para a economia brasileira, mediante as transformações obtidas na sua estrutura produtiva, consoli-dação dos interesses de longo prazo, cujos vários e importan-tes resultados só se manifesta-ram ao longo dos anos 80.

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fatizava o crescimento econômico capitaneado pela produção de bens de consumo duráveis - deveria, a partir do II PND, en-fatizar a produção de bens de capital e insumos básicos, que antes da crise eram facilmente importados.

Do ponto de vista do setor produtivo, isso representaria uma enorme alteração: durante o período denominado de milagre econômico que antecedeu os anos 70, o setor de bens de consu-mo duráveis foi promovido e a partir de 1974 o setor de bens de produção passou a ser estimulado.

Essa alteração significativa sem desestruturação do parque produtivo é melhor compreendida nas palavras de Castro ”a nova política escolhia superar a atrofia dos setores produtores de insumos básicos e de bens de capital”. Isso dá uma idéia da complexidade dos desafios enfrentados pelos formuladores da política econômica da época, pois justamente o setor a ser prio-rizado no âmbito do II PND é um dos responsáveis pelo desenvol-vimento dos países e pelo subdesenvolvimento quando ausente ou timidamente atuante e, no caso brasileiro, o que estava em pauta com o Plano Nacional de Desenvolvimento de 1974 era ao mes-mo tempo enfrentar a crise e romper com o subdesenvolvimento.

Essa perspectiva reflete um olhar profundo sobre a economia brasileira da época, mesmo que esse aprofundamento tenha sido motivado por questões externas e não como um ato natural, desvin-culado de pressões, por parte da inteligência nacional. $revist

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Os números da dívida externa brasileira foram crescentes conforme destacado por Castro: “salto de 10% do PIB em 1967 para quase 50% do PIB em 1984; entre dezembro de 1967 e o final de 1973, a dívida externa bruta cresce 283% e, nos cinco anos seguintes, a dívida líquida aumentou em 414%”. Em 1967, o Brasil era devedor de US$ 3,2 bilhões e, no final de 1973, de US$ 12,6 bilhões.

Há uma aceitação da pre-missa segundo a qual o

financiamento externo é im-portante para fazer face à inexistência ou insuficiência de recursos domésticos para cons-tituição de capital próprio com vistas a sustentar e ampliar o crescimento econômico dos pa-íses atrasados.

Conta a favor desses países para a viabilização da ab-sorção de capitais externos a qualidade de suas instituições políticas, jurídicas e a confian-ça depositada no marco legal que sustenta as transações co-merciais, especificamente sua capacidade para o cumpri-mento dos contratos estabele-cidos.

Dando voz às autoridades econômicas, o pensamento predominante por oca-sião do chamado milagre

econômico (1968-1973) con-sistia do entendimento de que, naquele estágio de desenvol-vimento econômico, o Brasil, segundo Castro, “não era ca-paz de gerar um nível de pou-pança interna suficiente para financiar as elevadas taxas de investimentos requeridas para a manutenção de um ritmo in-tenso de crescimento”.

Sem embargo, o entendi-mento oficial, o montante do empréstimo externo do referi-do período não era requerido para financiar as exporta-ções exigidas para suportar o

desenvolvimento acelerado em curso na economia e sim para formar reservas.

Outro traço observado no período, de acordo com Cas-tro: “uma permissividade para com as importações, que au-mentaram, então, mais do que o requerido pelo crescimento econômico”. Ainda acrescenta que, não há evidência quanti-tativa relevante que correla-cione o aumento do produto real observado no país

O ENDIVIDAMENTO BRASILEIRO

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O ENDIVIDAMENTO BRASILEIRO entre 1964 e 1973 e o seu financiamento externo.

REFLEXOS DA CRISE DO PETRÓLEOO cenário econômico interna-cional, duramente abalado pela primeira crise do petró-leo ocorrida em 1973 e pelo aumento no valor das importa-ções dos bens de capital e dos insumos vitais à manutenção do nível de produção presente na economia brasileira, acarreta desequilíbrios no balanço de pagamentos, resultando em déficits no seu saldo de transa-ções correntes.

As receitas com as expor-tações do período não foram suficientes para cobrir referi-

dos déficits e as reservas foram então utiliza-

das, expondo

o quão frágil estava a situ-ação econômica do país em face dos novos acontecimentos externos.

Tratava-se na ocasião de financiar o crescimento ou en-frentar recessão econômica e, diante da dificuldade para

“vender” aos agentes sociais, dentre eles a própria socie-dade, políticas econômicas que implicassem em taxas de crescimento muito inferiores às verificadas durante o período imediatamente anterior aliada

ao entendimento e expecta-

tiva de que a crise internacio-nal não teria longa duração, o financiamento do crescimento, através de empréstimos exter-nos foi o caminho adotado.

O PESO DAS ESTATAISAs estatais fizeram a parte mais expressiva dos emprésti-mos externos para garantir a execução das principais me-tas do II Plano Nacional de Desenvolvimento datado de 1974. Diferentemente do pe-ríodo anterior, as mercadorias e serviços produtivos contribu-íram, de acordo com Castro, com aproximadamente 65% dos itens importados.

Segundo Castro, ”o cres-cimento da dívida externa durante o período 1974-78 pode portanto ser atribuído, mesmo no último biênio, aos choques externos que afeta-ram o componente comercial do balanço de pagamentos”.

As empresas estatais, prin-cipais tomadoras de emprés-timos externos e responsáveis

pelo endividamento do setor público, podem

ter seu papel no curso do

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“ As receitas com as

exportações do período não foram suficientes para cobrir referidos déficits.

desenvolvimento almejado no âmbito do II PND deturpado, se não for levado em conta a pauta das importações que realizavam. Os dispêndios com divisas se davam com insumos energéticos, insumos básicos e matérias primas e novamente de acordo com Castro: “que de metade das importações em 1973 pas-saram a repre-sentar 2/3 em 1978”.

Há que se destacar tam-bém que esses itens atendiam a demanda agre-gada interna, lembrando que os projetos governamentais contavam para serem executados com a iniciativa privada, objeto de redirecionamento das plan-tas produtivas para capaci-tar as industrias brasileiras na produção de bens de capitais, entre outros.

NEGOCIANDO A DÍVIDAEm 1979, o cenário interna-cional é mais uma vez alte-rado provocando novo dese-quilíbrio nas contas externas do país, com impactos no seu endividamento que se esten-derá até 1985.

A amortização da dívida foi duramente afetada pela expressiva elevação das ta-xas de juros externas, que passaram a dificultar a pra-tica corrente de rolagem da dívida. Em rela-ção as transa-ções correntes foi expandido o déficit em ra-zão da eleva-ção dos juros.

A condução da economia com o acréscimo dessas novas variáveis ingres-sa em nova etapa, gerindo as dificuldades do balanço de pagamentos, cuja parce-la significativa correspondia à divida externa.

Na ocasião, o então Minis-tro Mario Henrique Simonsen desejava promover a redução

da dívida externa, proposta lastreada no entendimento de que o país vivenciava um período intermediário de sua curva de endividamento, bem como propunha o estabele-cimento de uma política de curto e médio prazo para re-duzir as taxas de crescimento.

Essa estratégia contribui-ria, no seu modo de ver, com

a formação de recursos e s s e n c i a i s para fazer face aos no-vos desafios postos pelo cenário in-ternacional.

Sem apoio para implantá--la, é substituído no ministé-rio por Antonio Delfim Netto, responsável pela condução da economia no período do milagre brasileiro que, con-trariamente a proposta ante-rior, defendia o endividamen-to acelerado, justificando-o pela adoção paralela de uma política de ajustamento da balança comercial visan-do a redução dos desequilí-brios futuros.

Encerrando a década, ca-beria acrescentar que as so-luções propostas pelo Ministro Delfim Neto não obtiveram êxito, comprometendo a po-sição de liquidez do país, já em 1980; queda das reservas internacionais líquidas; difi-culdade de captação de no-vos empréstimos; aumento da

contratação de emprésti-mos de curto prazo, entre outros.

S e g u n d o G r e m a u d , o endivida-

mento externo tem um peso e significado diferente para os anos 70 e 80. Na década de 1970 foi empregado para responder e contornar o que o autor chama de constrangi-mentos externos e na década de 1980, o endividamento ex-terno se transforma no próprio gerador dos constrangimentos.

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as mercadorias e serviços produtivos contribuíram com cerca de 65% dos itens im-portados.

as soluções pro-postas pelo Ministro Delfim Neto não obtive-ram êxito

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o legado econômicopara os anos 80

Parque industrial da Imasa, em Ijuí, no ano de 1973, entre as ruas 21 de abril e José Gabriel

Em que pese a enormidade dos problemas enfrentados

pelo Brasil no decorrer da dé-cada de 80, também chamada de a década perdida, é inques-tionável que todo o esforço de redirecionamento do parque industrial brasileiro desenhado pelo II Plano Nacional de De-senvolvimento em 1974, cujas principais metas não foram abortadas, mas implementadas, enobreceram a industrialização no país.

Assim diz Castro, “amadure-cidos os principais resultados da marcha forçada empreen-dida em 1974, emerge, a me-ados dos anos 1980, uma ou-tra economia” com capacidade ampliada de produção de pe-tróleo, eletricidade, insumos bá-sicos e bens de capital.

A matriz energética amplia-da é utilizada e impacta em todas as atividades e os itens relativos aos bens de capital, embora não sejam de uso uni-versal passam a contar com ver-satilidade e graus variados de avanço tecnológico.

A indústria de produtos de consumo duráveis não foi des-continuada, em que pese não ser priorizada pelo II PND e seu crescimento lhe confere condi-ções de acessar o mercado in-ternacional, como foi o caso dos veículos produzidos no Brasil.

Os anos 1970 deixam como legado para a década de 80 um avantajado parque indus-trial no campo da energia, me-talurgia, química, bens de ca-pital, cuja diversidade poderia amparar um número variado de estratégias, além de um setor dinâmico de bens denominados luxuosos com acesso ao merca-do externo.

Como dificuldade os anos 1980 herdam um estado com reduzida capacidade de finan-ciamento, em virtude dos gastos para a implementação do II PND, a qual foi efetivada me-diante financiamento externo.

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finalmentes

Separar a gestão econômica da gestão política em um

regime autoritário não é tarefa fácil. A especificidade dos anos 1970 e que importa para as decisões econômicas da época foi justamente a troca de co-mando no poder central (1974) com alteração do grupo que fez o Golpe de 1964. Portan-to, tratava-se da continuidade do regime, porém com pessoas que buscariam flexibilizá-lo e, qualquer desastre nos rumos da economia poderia afetar o projeto político do grupo re-cém-instalado no poder e pro-vocar o retorno da então cha-mada “linha dura”, aderente aos princípios que nortearam a ação militar de 1964.

Somando-se a isso, existia a expectativa do setor produtivo e da sociedade pela manu-tenção das elevadas taxas de crescimento verificadas no pe-ríodo imediatamente anterior, denominado milagre brasileiro.

No entanto, a economia in-ternacional daquele ano foi duramente afetada pelo pri-meiro choque do petróleo (1973), ocasião em que os pa-íses produtores, integrantes da OPEP quadruplicaram o preço do barril.

As consequências foram mui-to além do impacto da eleva-ção do preço do combustível e sua abrangência dizia respeito à matriz energética, cujos pro-dutos derivados eram essen-ciais à produção industrial e à manutenção do crescimento econômico.

As razões do Estado Empre-sário ficaram inteligíveis pelo papel determinante na con-dução e implementação dire-ta por meio de suas empresas das metas do II PND, bem como pelo seu papel indutor, asse-

gurando demandas à iniciativa privada.

Também ficou claro o desa-linhamento entre grande parte do setor produtivo e a política econômica do período. A não aderência estava presente en-tre os setores responsáveis pelos bens de consumo duráveis, não priorizados pelo II PND e pela ausência de projetos capazes de conduzir o país à auto-sufici-ência de insumos básicos.

Em relação às práticas espe-culativas que redundaram na ciranda financeira como op-ção relativamente à aplicação de recursos no setor produtivo, pode-se dizer que decorreram da ausência de riscos, ganhos rápidos e descolamento das re-ais necessidades de um projeto maior – um projeto de país – alicerçado em estratégias de longo prazo. Parece tratar-se da impessoalidade do capital, cuja natureza é a de se repro-duzir em escalas ampliadas.

Para Castro, “as propostas centrais (do II PND) encontram--se profundamente marcadas pela consciência de que o mun-do se encontrava mergulhado em grave crise, que tornou pa-tente a vulnerabilidade da eco-nomia brasileira” e que seriam necessárias profundas altera-

ções no parque industrial, ha-bilitando-o para a suficiência energética e para a produção de insumos básicos, fazendo-se, portanto a opção pelo finan-ciamento do investimento.

No primeiro momento havia a disponibilidade internacional dos petrodólares, que perdurou até os países desenvolvidos re-cuperarem sua capacidade de captar créditos e, num segun-do momento a elevação das ta-xas dos juros internacionais.

Essas mudanças aumentaram os custos do financiamento e o endividamento das empresas estatais, deteriorando a capa-cidade de financiamento do Estado, com impactos na econo-mia dos anos 1980.

Para finalizar, assumindo o ponto de vista de Castro no que ele denomina de “estratégia de 74” e “marcha forçada da eco-nomia brasileira”, entende-se que as opções implementadas no período contribuíram para a ampliação das escalas e da estrutura do parque produtivo brasileiro, sustentaram as ne-cessárias taxas de crescimento da economia da época e re-direcionaram sua expansão de modo irreversível, buscando a suficiência do país no plano energético e de insumos bási-cos.

O II Plano Nacional de De-senvolvimento assumiu o proje-to de industrialização nacional, fazendo-o preponderantemen-te na forma de estado empre-sário, enfrentando as carências de investimento produtivo na-quelas áreas em que, de modo geral, o capital local não tem interesse de alocar-se em fun-ção dos retornos condicionados pelo longo prazo, altos riscos de investimentos e elevada densidade tecnológica.

O distanciamento temporal é essencial para ampliar a compreensão das realidades históricas. Embora próxima a década de 70, hoje é mais tangível apreciá-la com a objetividade possível às análises, subtraído o envolvimento emocional pertinente à complexidade política do período, cuja sociedade organizada já ansiava pela amplia-ção das liberdades e pela democracia.

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“ mundanças na

década de 70 impacta-ram os anos seguintes: custos de financiamento e o endividamento das empresas estatais au-mentaram, reduzindo a capacidade de financia-mento do Estado

finalmentes • Gremaud, Patrick Amauri; Vasconcelos, Marco Antonio Sandoval;Tonedo Júnior, Rudnei. Economia Brasileira Contempo-rânea. São Paulo, Atlas,1999. • Castro, Antonio Barros de; Souza, Francisco Eduardo Pires de. A Economia Brasileira em Marcha Forçada. São Paulo, Paz e Terra, 2004.• Castro, Antonio Barros de. 7 Ensaios sobre a Economia Brasi-leira. São Paulo, Forense Universitária, 1980.• Vicentino, Cláudio; Dorigo, Gianpaolo. História do Brasil. Editora Scipione, 1997.• O Estado de São Paulo, Fev a Março de1975. Série de Reportagens sobre o Gigantismo Estatal.• Gazeta Mercantil, 9-11.7.1977. Sobre Dependência Externa.

para saber mais

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19Visita do então presidente Ernesto Geisel à cidade de Marechal Cândido Ron-

don, no dia 19 de março de 1976. O motivo principal foi a abertura simbólica da colheita da soja, que naquele ano produziu 200 mil toneladas.