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REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL Ano 4 · Número 2 · VERÃO ARTIGOS COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA RECENSÕES NA WEB CRÓNICA DA ACTUALIDADE

Revista de Finanças Públicas-4-2

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REVISTADEFINANÇASPÚBLICASEDIREITOFISCALAno 4 · Número 2 · verão

ARTIGOSCOMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIARECENSÕESNA WEBCRÓNICA DA ACTUALIDADE

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ÍNDICE

Editorial – Eduardo Paz Ferreira ......................................................... 9

O MEMORANDO DA TROIKA EM ANÁLISE

Apreciação geral, por Nuno Cunha Rodrigues ...................................... 15

Finanças Públicas e Concorrência e Regulação, por Miguel Mourae Silva ...................................................................................................... 19

Administração Fiscal e Segurança Social; Administração Públicapor Nazaré da Costa Cabral ..................................................................... 25

Política Fiscal, por Rogério M. Fernandes Ferreira ................................ 37

Regulação e Supervisão do Sector Financeiro e Sistema Judicial,por Luís Máximo dos Santos .................................................................. 47/55

Sector Empresarial Português, por João Pateira Ferreira .................... 59

ARTIGOS

Renato Gonçalves – E depois do ‘resgate’ (da Grécia, da Irlanda e dePortugal)? Outro ‘resgate’? ..................................................................... 71

Tiiu Albin – Commission Proposes a Directive on Common ConsolidatedTax Base (CCCTB) ................................................................................. 91

António Martins – Environmental damage and corporate tax policy .... 113

Rogério M. Fernandes Ferreira, Francisco Carvalho de Furtado,Marta Machado de Almeida e Luís Castilho – Do Regime dos vouchersno IVA ..................................................................................................... 125

Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes – O Julgamento da Responsa ‑bilidade Financeira no Tribunal de Contas ............................................. 139

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Betina Treiger Grupenmacher – Responsabilidade Fiscal, Renúnciade Receitas e Guerra Fiscal ..................................................................... 169

JURISPRUDÊNCIA

Clotilde Celorico Palma – Caso Salix – A Reforma da Directiva IVApelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Comentário ao Acórdãodo Tribunal de Justiça da União Europeia de 4 de Junho de 2009, CasoSalix, Processo C ‑102/08) ....................................................................... 191

Rogério M. Fernandes Ferreira, Francisco Carvalho Furtado,Ana Moutinho Nascimento, Pedro Saraiva Nércio e Nuno Barata– Reversões de Coimas para Administradores e Gerentes: desenvolvi ‑mentos recentes (Comentário aos Acórdãos do Tribunal Constitucionaln.os 24/2011, 26/2011 e 35/2011) ............................................................ 213

Paula Rosado Pereira – O Princípio da Não Retroactividade da LeiFiscal no campo da tributação autónoma de encargos (Comentário aoAcórdão nº 18/2011 do Tribunal Constitucional de 12/01/2011 – Pro ‑cesso nº 204/2010) .................................................................................. 217

Pedro Patrício Amorim – Anotação à primeira decisão de um tribunalsuperior sobre a aplicação da cláusula geral anti ‑abuso (Comentário aoAcórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Fevereirode 2011 – Processo n.º 04255/10) ........................................................... 224

Nuno Oliveira Garcia e José Almeida Fernandes – Cláusula Geral anti ‑ ‑abuso – Opus I (Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Adminis ‑trativo Sul de 15 de Fevereiro de 2011 – Processo n.º 04255/10) .......... 237

Síntese de acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia emmatéria fiscal do Trimestre ...................................................................... 247

Síntese de acórdãos do Tribunal Constitucional do Trimestre ............. 255

Síntese de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo do Tri ‑mestre ...................................................................................................... 257

Síntese de acórdãos do Tribunal de Contas do Trimestre ..................... 269

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7Índice

RECENSÕES

O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário de Pedro VidalMatos, por António Carlos dos Santos .................................................... 277

Leais, Imparciais & Liberais de José Manuel Moreira, por João RicardoCatarino ................................................................................................... 281

Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária porActos Ilegais – Notas Práticas de Jorge Lopes de Sousa, por RogérioFernandes Ferreira .................................................................................. 285

Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro de Carlos Moreno, por MiguelMoura e Silva .......................................................................................... 289

O Liberalismo em Questão Justiça, Valores e Distribuição Social,de João Ricardo Catarino por Carlos Baptista Lobo ............................... 293

Código dos Impostos Especiais de Consumo Anotado e Actualizadode A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, por Rogério FernandesFerreira .................................................................................................... 297

Publicações RecentesPor Marta Caldas ..................................................................................... 299

Na WEB

Visita ao Site Internacional Institute for New Economic Thinking (INET),por Nuno Cunha Rodrigues .................................................................... 303

CRÓNICA DE ACTUALIDADE

Cerimónia Comemorativa do Terceiro Aniversário da Revista deFinanças Públicas e Direito Fiscal ....................................................... 307

1.º Aniversário da Revista C&R, por João Miguel Ascenso ................ 313

Livro Verde sobre o futuro do IVA (documento 17491/10, fisc 151, de3 de Dezembro de 2010, da Comissão Europeia) – resposta do IDEFFà consulta pública da Comissão, por Alexandra Martins, Cidália Lança,Clotilde Celorico Palma, Rui Laires e Miguel Silva Pinto ..................... 315

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Ponto de situação dos trabalhos na União Europeia e na OCDE – Principais iniciativas entre Março e Maio de 2011, por BrigasAfonso, Clotilde Palma e Manuel Faustino ............................................ 331

1. Fiscalidade Directa ............................................................................. 3312. Imposto sobre o Valor Acrescentado .................................................. 3413. Impostos especiais de consumo harmonizados, imposto sobre veículos

e união aduaneira ............................................................................... 342

Conferência Internacional Conselho Europeu de 24 e 25 de Março:As Novas Vestes da União Europeia, por Eduardo Paz Ferreira .......... 345

Workshop “Advogar no Tribunal de Justiça da União Europeia”,por Nuno Cunha Rodrigues .................................................................... 355

Viagem ao Luxemburgo e a Estrasburgo no âmbito da Pós ‑gra ‑duação em Jurisprudência da União Europeia, por Nuno CunhaRodrigues ................................................................................................ 357

100 anos da Universidade de Lisboa, por João Miguel Ascenso ......... 359

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EDITORIALEduardo Paz Ferreira

1. Esta edição da Revista fecha num momento em que as nuvens que se acumularam sobre a União Europeia e, em particular, sobre a Grécia, Irlanda e Portugal, não param de se adensar, em larga medida por efeito da inacção dos dirigentes europeus e das suas declarações contraditórias que não param de incendiar os mercados.

A evolução da Grécia torna evidente a impossibilidade de resolver a situação destes países apenas pela aplicação de programas de austeridade, desenhados pelo Fundo Monetário Internacional, a Comissão e o Banco Central Europeu, que não parecem, sequer, assegurar a sustentabilidade das finanças públicas e, ainda menos, a possibilidade de crescimento económico desses países.

A descida do rating de Portugal pela agência Moodys originou um inesperado consenso em Portugal quanto aos malefícios destas agências que, alguns meses atrás, foram objecto de uma participação crime por parte de um grupo de economistas, com relevo para José Reis e Manuela Silva.

A decisão de descida do rating da República, a que se seguiu idêntica medida quanto aos mais importantes bancos portugueses, reflecte, acima de tudo, a descrença das agências nas virtualidades e potencialidades dos programas impostos aos países em maiores dificuldades.

2. Quaisquer que sejam as dúvidas quanto à eficácia do plano de ajuda, não parece possível afastá ‑lo sem que tal se revelasse profundamente negativo, mas torna ‑se imperativo lutar porque ele seja acompanhado de medidas, que apenas ao nível europeu podem ser adoptadas, no sentido de aliviar a pressão dos juros sobre as finanças públicas portuguesas.

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A circunstância do efeito de contágio, que os líderes europeus sem‑pre pensaram evitar, se ter feito sentir em Itália e Espanha veio tornar totalmente claro que aquilo que está em jogo é o próprio futuro do euro e que a ausência de um plano alternativo para a austeridade fará surgir um verdadeiro plano D de Death, como afirmou Wolfgang Munchau no Financial Times.

Chegados a este ponto não podemos deixar de nos interrogar porque é que os dirigentes dos países até agora atingidos pela crise – e até aqueles que, aparentemente, se lhes seguirão – não optaram por uma frente comum forte, em vez de apenas procurarem distanciar ‑se entre si.

3. Da mesma forma, há que assegurar uma maior flexibilidade em questões como a dos calendários das privatizações que, a manterem ‑se, trarão sérios prejuízos para o Estado português, obrigado a encontrar compradores (estrangeiros) que irão beneficiar da necessidade de venda rápida.

A forma como se destruiriam as golden shares, sem que ao Estado aproveitasse a mais ‑valia significativa dai resultante para as empresas e os seus accionistas, causa a maior perplexidade quanto a este processo, ao mesmo tempo que pode criar uma sensação de menor empenhamento na equidade na distribuição dos sacrifícios.

4. Uma opção por ir mais além do que aquilo que foi negociado com a troika, consubstanciada já no imposto extraordinário que vai recair praticamente apenas sobre os rendimentos do trabalho, significará forçosamente uma erosão da base social de apoio a medidas de contenção que irão piorar o quotidiano dos portugueses que disporão de cada vez menos rendimento e serão confrontados com uma redução substancial das prestações do Estado.

A extrema desigualdade na distribuição da riqueza – indicador em que Portugal apenas fica à frente da Letónia – torna especialmente difícil um programa deste tipo, que agravará sensivelmente a pobreza, o que não pode deixar de nos envergonhar a todos nós, ao mesmo tempo que cria condições para convulsões sociais do tipo já experimentado na Grécia.

5. O imposto extraordinário parece indicar à fiscalidade e, mais genericamente, às finanças públicas portuguesas, um caminho em que as

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11Editorial

preocupações de justiça cedem a meros critérios de eficiência económica, tornando a Constituição Financeira Portuguesa – de resto, já bastante desconsiderada – letra morta.

Na medida em que consideramos que a eficiência tem de ser sempre conjugada com a equidade, não deixaremos de acompanhar as decisões que forem surgindo e que não assentem numa adequada ponderação daqueles dois objectivos. Naturalmente que este tipo de análise não implicará menor atenção ao rigor técnico das medidas.

6. Este número da Revista inclui, assim, uma primeira aproximação aos aspectos centrais do memorando em que colaboram Nuno Cunha Rodrigues, Miguel Moura e Silva, Nazaré da Costa Cabral, Luís Máximo dos Santos, Rogério Fernandes Ferreira e João Pateira Ferreira. Iremos continuar esse trabalho no próximo número, que nos permitirá levar já em consideração os primeiros meses de governação e a primeira apreciação da execução do memorando por parte da troika.

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O mEmORANDODA TROIkA Em ANáLISE

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1.APRECIAçãO GERALNuno Cunha Rodrigues

O acordo em análise, designado por Memorando de Entendimento sobre as condicionalidades de política económica, foi assinado, no dia 17 de Maio, pelo Ministro de Estado e das Finanças, pelo Governador do Banco de Portugal e pela chamada troika (constituída pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Interna‑cional) envolvendo ainda os três maiores partidos políticos.1

Na mesma data, foi assinado o Memorando de Políticas Económicas e Financeiras que enquadra o acordo estabelecido com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e que se baseia nos mesmos pressupostos do acordo com a União Europeia.2

Em ambos os documentos são definidos os pressupostos que devem ser observados no âmbito do financiamento concedido pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional ao Estado Português sendo ambos aqui designados por Memorando.

Trata‑se de um verdadeiro programa de governo para os próximos três anos, desenhando um roteiro de medidas mais ou menos concretas que devem ser executadas, durante aquele período. Num ou noutro ponto, surgem pormenores que parecem inspirados em programas eleitorais dos partidos intervenientes.

1 A tradução em Português do acordo encontra‑se disponível em http://www.min‑‑financas.pt/informacao ‑economica/informacao ‑economica ‑diversa/memorando ‑de‑‑entendimento ‑sobre ‑as ‑condicionalidades ‑de ‑politica ‑economica

2 Este acordo está disponível, na versão em Português, em http://www.min ‑financas.pt/informacao ‑economica/informacao ‑economica ‑diversa/memorando ‑de ‑politicas‑‑economicas ‑e ‑financeiras ‑fmi

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O pano de fundo de ambos os acordos reside no problema actual da “dívida soberana” pretendendo ‑se, através dos objectivos fixados, libertar fluxos financeiros do Estado para o pagamento do serviço da dívida agora contraída junto da chamada troika e assegurar que, a longo prazo, as debi‑lidades estruturais da economia portuguesa sejam superadas, prevenindo crises económicas no futuro.

As medidas previstas são ambiciosas e permitem concretizar refor‑mas estruturais essenciais que ficam, a priori, politicamente justificadas. A este título, não deixa de ser criticável a circunstância de, em alguns casos, assentarem em pressupostos numéricos ou em medidas programá‑ticas, típicas das políticas financeiras determinadas pelo FMI na esteira do chamado consenso de Washington, que terá, aparentemente, contaminado a União Europeia de tal forma que alguns falam agora no consenso de Bruxelas ‑ sem que, em alguns casos, se compreendam os mecanismos ou medidas concretas com que se atingirão os objectivos. Referimo‑nos, por exemplo, ao anúncio de uma estratégia de “aperfeiçoamento das decisões relativas às despesas de capital” ou aos valores previstos para a redução do défice orçamental.

A receita postulada pelo Memorando é, aparentemente, simples: redução do deficit orçamental por via do aumento das receitas públicas e diminuição das despesas, tudo isto associado à reestruturação da economia, tendo em vista o necessário crescimento económico, o qual deve ultra‑passar o valor do défice por forma a evitar o aumento da dívida pública.

As medidas preconizadas no Memorando – que secunda outros cele‑brados com a Grécia e a Irlanda – representam, na verdade, uma limitação ao poder orçamental Português, incorporando vinculações orçamentais plurianuais que condicionam o legislador orçamental independentemente da natureza do memorando – podendo discutir‑se se estamos perante um acordo internacional ou um contrato de direito privado entre um Estado e organizações internacionais.

Nessa medida, a União Europeia – enquanto parte do memorando – consegue limitar o poder orçamental em aspectos específicos que, até aqui, ainda constituíam resquícios de soberania nacional no contexto europeu, tais como a política fiscal, a política da saúde ou até a dimensão e estru‑tura do sector empresarial do Estado o qual, como é sabido, se subordina, a nível europeu, ao princípio da neutralidade relativamente à formas de propriedade dos Estados‑membros (cfr. artigo 295.º do TFUE).

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17O memorando da troika em análise

Em todas estas áreas assiste‑se, com a aprovação do memorando, a uma intervenção directa – porquanto limitadora – da União Europeia.

A aprovação do memorando terá inclusive contribuído para ultrapas‑sar o debate surgido no ano passado em torno do chamado “visto prévio europeu” e do “semestre europeu” uma vez que, com a aprovação dos memorandos em vigor num conjunto de países – até ao momento Por‑tugal, Grécia e Irlanda – a União Europeia passou não apenas a apreciar previamente políticas orçamentais a serem aprovadas internamente pelos parlamentos nacionais – como se pretende com o “visto prévio europeu” ‑ mas também a impor orientações e políticas orçamentais específicas em diversas áreas que, até aqui, ainda repousavam no âmbito da soberania orçamental ainda ao dispor dos Estados‑membros.

Conseguiu‑se, desta forma, fazer entrar pela janela aquilo que apa‑rentemente, ainda se encontrava vedado pelos Tratados europeus.

O Memorando assenta na obtenção, pelo Estado Português, de ajuda financeira – sendo a aplicação do termo ajuda dificilmente compreensível, num cenário em que a taxa de juro aplicável ao Estado Português é muito superior à taxa de juro a que os credores se financiam.

Ora é justamente na taxa de juro que encontramos o nó górdio do Memorando.

Se, por um lado, o Memorando visa, a longo prazo, promover o crescimento da economia, sem o qual os sucessivos défices orçamentais implicarão o agravamento da dívida pública, a verdade é que, a curto e médio prazo, a taxa de juro a que Portugal se financiará – inferior à que obteria junto dos “mercados” mas superior à taxa de juro que a União Europeia consegue obter –terá implicações orçamentais directas.

Em rigor, foi o valor da taxa de juro associado ao financiamento que determinou a intervenção da troika e o consequente Memorando.

Podia ter sido equacionado um mecanismo que determinasse uma oscilação da taxa de juro em ralação com a verificação concomitante do cumprimento – ou incumprimento – das medidas previstas no Memorando.

Proporcionar ‑se ‑ia, dessa forma, um estímulo para a implementação das medidas.

Sempre se pode, no entanto, afirmar que a (pretensa) solidariedade da União Europeia, assente na união entre povos europeus, aponta para que a taxa de juro aplicada pela troika seja a melhor possível e que qualquer mecanismo que determinasse a oscilação das taxas de juro face ao eventual

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cumprimento – ou incumprimento – das medidas seria contraditório com essa solidariedade.

É porém certo que a taxa de juro aplicada ao Estado Português pela troika, sendo favorável comparativamente com a praticada pelos “merca‑dos”, não difere muito da que seria alcançada num cenário de intervenção singular do FMI sendo legítima a interrogação sobre onde pára, neste contexto, a solidariedade ou a ajuda europeia.

De toda a forma, o Memorando repousa em pressupostos ambiciosos ‑ alguns dificilmente atingíveis quando, por exemplo, se prevê um objec‑tivo para o défice público de 3% para 2013 – e procura, de forma séria e consistente, de harmonia com a agenda típica das instituições que integram a troika, dar um impulso estrutural à economia portuguesa, promovendo o crescimento económico.

O Memorando representa, a final, uma espécie de documento de paz entre David e Golias.

Pode discutir ‑se se era necessário esse documento de paz ou se a Europa não podia ter evitado o surgimento deste tipo de situações através da criação de mecanismos que assegurassem a coesão económica e social e a efectiva solidariedade entre Estados, também no domínio das finanças públicas, nomeadamente por via da aprovação de propostas recentemente difundidas de criação de obrigações europeias (eurobonds), como expres‑são da solidariedade europeia apregoada no passado ‑ basta ver o que se passou com a reunificação alemã que conduziu à consagração expressa, no Tratado de Roma, de um regime de excepção no tocante aos auxílios de Estado ‑ mas rapidamente esquecida aos primeiros sinais de derrocada do processo de construção europeia alegadamente provocada por países mais afastados do centro da Europa.

Releguemos esse debate para outra ocasião, concentrando‑nos agora na análise detalhada dos aspectos mais relevantes do Memorando.

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2.FINANçAS PÚBLICAS E CONCORRÊNCIAE REGULAçãOMiguel Moura e Silva

Finanças Públicas

No âmbito da ajuda financeira solicitada pelo Governo português, foi acordado com a chamada Troika um conjunto de memorandos, sendo o mais divulgado o Memorando de entendimento relativo à condicionalidade da ajuda a certas medidas de política económica. A falta de previsão de mecanismos de ajuda a países membros da zona Euro com dificuldades financeiras levou à criação de um mecanismo interino, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, e à sua articulação com os mecanismos do Fundo Monetário Internacional (FMI) – o verdadeiro lender of last resort da ordem económica instituída ainda no final da Segunda Grande Guerra.

O Memorando segue o modelo desenvolvido ao abrigo da política de condicionalidade no acesso aos fundos disponibilizados pelo FMI, o que explica a peculiar construção jurídica do mesmo como uma troca de instrumentos que não constitui um acordo em sentido próprio. Assim, o Memorando traduz as condições a que fica sujeita a continuação da ajuda financeira a Portugal, enquanto a Carta de Intenções do Governo português exprime o compromisso deste de cumprir um conjunto de medidas que mais não são do que a tradução das condições constantes do Memorando, mas agora como uma “promessa unilateral”.

Como não poderia deixar de ser, as medidas elencadas no Memo‑rando têm sobretudo incidência nas políticas financeiras. O objectivo em matéria de défice das administrações públicas é ajustado no Memorando face ao que tinha sido o compromisso anterior do Governo português, fixando ‑se em 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, 4,5% do PIB em 2012 e 3,0% do PIB em 2013. Regista ‑se, pois, um substancial

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abrandamento do ritmo de consolidação fiscal (note ‑se que o Orçamento de Estado para 2011 previa um défice neste ano de 4,6% do PIB, nível que apenas será atingido em 2012), sem dúvida fruto de previsões mais realistas quanto à evolução da economia portuguesa mas também da revisão em alta do valor do défice de anos anteriores, incluindo o de 2010.

No presente texto iremos tratar sobretudo dos aspectos ligados à despesa, uma vez que as receitas, sobretudo as fiscais e as receitas prove‑nientes das privatizações serão tratadas noutros comentários publicados no presente número da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal.

No lado da despesa, o Memorando traça uma estratégia orientada para a contracção da despesa social, de educação e de saúde, acompanhada de objectivos agregados de redução do aparelho da administração pública.

Quanto às medidas relativas à administração pública, prevê ‑se a realização, já em 2012 de poupanças anuais não inferiores a 500 milhões de euros, a que se somam poupanças de 195 milhões na educação, 550 milhões na saúde, 445 milhões pela redução de pensões, 150 milhões com a reforma das prestações de desemprego, uma redução de custos com trans‑ferências para as administrações local e regional de 175 milhões de euros, uma diminuição dos custos do subsector Fundos e Serviços Autónomos de 110 milhões e a poupança de 515 milhões de euros através de redução de custos no Sector Empresarial do Estado. O investimento público sofre também uma substancial redução, contribuindo com “poupanças” de 500 milhões de euros. Agregadas, estas diferentes rubricas representam um total de 3.140 milhões de euros (ainda que se contabilizem poupanças que podem ter um efeito meramente indirecto no Orçamento das Administra‑ções Públicas – caso das entidades integradas no Sector Empresarial do Estado que não devam ser requalificadas como Administração Pública de acordo com as regras de contabilidade nacional).

No ano de 2013, além da continuação dos objectivos anuais de poupança fixados já em 2012, são ainda previstos cortes adicionais de 100 milhões de euros nos sistemas de saúde para trabalhadores em funções públicas, de 375 milhões no sector da saúde, nova redução das transferências para as administrações local e regional de 175 milhões de euros, redução dos custos com o subsector Fundos e Serviços Autó‑nomos de 175 milhões de euros e contracção das despesas de capital em 350 milhões de euros, bem como a redução das despesas sociais em 350 milhões de euros.

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21O memorando da troika em análise

Olhando apenas para o lado da despesa, afigura ‑se que a tão propalada preocupação em “minimizar o impacto da consolidação orçamental nos grupos vulneráveis” é mais “lip ‑service” do que uma real orientação das políticas financeiras “acordadas” entre o Governo português e a Troika. Que não restem dúvidas: como dizia alguma imprensa estrangeira, estes são mesmo “cortes selváticos”!

Por outro lado, é difícil divisar neste Memorando uma verdadeira linha de orientação quanto à reforma do Estado (rectius, da Administração Pública). Naturalmente, não sendo este um programa de governo, podemos compreender a relativa generalidade dos termos em que são avançadas as medidas. No entanto, dados os curtos prazos para a execução das medidas (e as pesadas consequências financeiras de um incumprimento – o que quer que venha a ser definido como tal pela burocracia das entidades que compõem a Troika) teria sido útil uma indicação pelo menos do sentido das reformas em questão (a única excepção, talvez por já constar dos planos do Governo português, é a fusão dos serviços da Direcção ‑Geral das Contribuições e Impostos com a Direcção ‑Geral das Alfândegas). Assim sendo, o novo governo terá pouco tempo para antecipar o impacto dos cortes assumidos no Memorando, devendo para o efeito retomar o trabalho já desenvolvido no início deste século quanto à definição das funções do Estado. Será um exercício sem dúvida arriscado, pois sem uma rápida redefinição daquelas funções e consequente adaptação da estrutura existente, arriscamo ‑nos à total imobilização da administração pública.

Concorrência e Regulação

As políticas financeiras acordadas no Memorando da Troika con‑tribuem para a consolidação fiscal e redução do peso da dívida pública sobretudo por uma política de cortes brutais na despesa e de um aumento da já elevada carga tributária. Pôr os travões a fundo na economia pública não nos garante, todavia, que consigamos evitar o agravamento da situação da economia portuguesa; só o crescimento económico pode resolver a crise em que nos encontramos. Todavia, como já o PEC III reconhecia, o crescimento não depende do Estado, pelo menos não em medida relevante numa pequena economia aberta como é a nossa. Assim, é de saudar que o enfoque do Memorando nesta matéria seja dado à intervenção do Estado

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para desbloquear alguns dos nós górdios (como lhes chama Vítor Bento em obra recente) da nossa economia. O objectivo dificilmente poderá ser o de estabelecer um nexo directo entre as medidas acordadas e um aumento quantificável do Produto Interno Bruto português. No entanto, mesmo que nunca se tenha feito o estudo que em tempos propusemos sobre os custos da não concorrência, é inegável a existência de transferência de rendas do sector transaccionável para o sector não transaccionável (como sublinham, entre outros economistas, Vítor Bento). Para que esse lastro seja reduzido e as empresas exportadoras sejam correspondentemente desoneradas do seu peso, será necessário levar a cabo uma política agressiva de desregulação (no sentido de eliminação de entraves que operam como barreiras à entrada ou expansão) e de regulação ex ante e intervenção no sentido da defesa da concorrência ex post para combater as ineficiências que caracterizam ainda alguns sectores da economia nacional que estão, por várias razões, protegidos da pressão concorrencial.

A promoção da concorrência e da liberalização (efectiva) do mer‑cado nos sectores da energia (gás e electricidade), transportes, comu‑nicações (telecomunicações e comunicações postais) e outros serviços (incluindo as profissões liberais), são autonomizados pelo Memorando, com especial destaque para o transporte ferroviário, uma das áreas onde Portugal chegou a estar na vanguarda da regulação a nível europeu, apenas para ver anos de esforço e de empenhamento público invertidos nos últimos anos.

É importante registar que a introdução de uma cultura de con‑corrência e o reforço da regulação jurídico ‑económica de monopólios naturais e de monopólios históricos enfrentam em Portugal uma forte resistência política, económica e mesmo cultural. A isto acresce uma tendência nacional para reinventar a roda a cada passo – ou o equiva‑lente ao mito grego de Sísifo – revertendo as experiências de regulação e introduzindo novos modelos sem permitir explorar plenamente as virtualidades e defeitos dos modelos existentes (e impedindo que se aprenda com os erros cometidos – antes preferindo novos erros, numa acumulação de insucessos que desespera mesmo o mais fiel cultor da regulação e da concorrência).

O reforço da independência das autoridades reguladoras e da Autori‑dade da Concorrência são, por isso, objectivos essenciais do Memorando, sendo de salientar o papel atribuído à entidade reguladora dos caminhos‑

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23O memorando da troika em análise

‑de ‑ferro – área onde, como vimos, Portugal chegou a estar na vanguarda a nível europeu, com o trabalho desenvolvido pelo Instituto Nacional do Transporte Ferroviário, entretanto extinto e tendo sido integrada a função de regulação ferroviária numa unidade funcionalmente autónoma do novo Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, a Unidade de Regulação Ferroviária (v. § 5.3.i.). Todavia, é manifesta a falta de confiança na capa‑cidade de os órgãos constitucionalmente competentes para essa reforma a levarem a cabo com sucesso.

Parece ‑nos que seria evitável o embaraço de termos de recorrer a “especialistas reconhecidos internacionalmente”, para elaborar um relató‑rio que fundamentará a tomada de medidas “para implementar as melhores práticas internacionais identificadas, a fim de reforçar a independência dos reguladores onde necessário e em plena observância da legislação comunitária” (§ 7.21.). Com efeito, além do menosprezo que assim se manifesta por quem entre nós tem procurado defender a independência dos reguladores (face aos sectores regulados e face ao governo), correm‑‑se dois riscos: o primeiro é o de construir soluções sem adequação ao nosso ordenamento (ainda que, perante o atropelo manifestado pela nossa Constituição – certamente desfasada das actuais realidades, mas ainda assim a nossa Lei Fundamental – tal pareça quase de importância menor); o segundo é o de deslegitimar à partida os organismos que venham a beneficiar de tais reformas – passando a ser vistos como braços locais de uma burocracia distante e omnipotente (pelo menos enquanto durar o nosso “estado de necessidade orçamental”).

Curiosamente, apesar de serem apontados elementos muito concretos quanto à reforma da Lei da Concorrência – apontando a uma harmoni‑zação processual e substantiva com as regras europeias – nada se diz no Memorando quanto ao que, até hoje e na opinião deste autor mais minou a independência da Autoridade da Concorrência: a possibilidade de um recurso extraordinário das decisões de proibição de concentrações para o Ministro que tutela a área da economia. Este recurso, tendo sido usado apenas uma vez desde 2003, permite a re ‑governamentalização de decisões de natureza técnica e é um ponto obrigatório em qualquer futura revisão do regime jurídico da concorrência.

Concluindo, embora sejam de saudar os propósitos das medidas avançadas no domínio da regulação sectorial e da defesa da concorrência, parece ‑nos que a sua imposição e sobretudo os termos em que as mesmas

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serão definidas e aplicadas – num registo próximo da “romanização” dos “bárbaros Lusitanos” – podem impedir a sua sedimentação, sobretudo quando temos em conta que os países que integram a zona Euro que não recorreram à “ajuda” da Troika podem manter estruturas regulatórias (quando existem) que não respeitam os mesmos princípios deste Memorando.

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3.ADMINISTRAçãO FISCALE SEGURANçA SOCIAL;ADMINISTRAçãO PÚBLICANazaré da Costa Cabral

Administração Fiscal e Segurança Social

3.33. O Governo irá fundir os serviços da administração fiscal (DGCI), da administração aduaneira (DGAIEC) e de tecnologias de informação (DGITA) numa única entidade. (definição completa da nova estrutura no T4 – 2011 e implementado no T4 – 2012) e estudará os custos e benefícios de incluir na fusão as unidades de cobrança de receita da segurança social [T3 – 2011]. Prosseguirá com a fusão mais abrangente se a avaliação for favorável. [T1 – 2012] (bold nosso).

Muito se falou, nomeadamente na recente campanha eleitoral, da diminuição da taxa contributiva global (“taxa social única”) e do sentido mais ou menos evidente dessa diminuição. Em favor de uma redução mais acentuada, apontou ‑se o seu efeito catalisador junto das empresas, desoneradas assim de uma parte dos seus custos e as vantagens daqui resultantes sobre a economia e sobre o emprego. Em favor de uma redução mais suave e cautelosa, apontou ‑se o impacto negativo que uma tal medida teria sobre o equilíbrio financeiro da segurança social, obrigada quotidianamente aos seus compromissos de despesa e que assim, desfalcada de uma parte importante da sua receita, seria incapaz de assegurar. De todo o modo, a compensação desta far ‑se ‑ia por conta do reforço da consignação da receita fiscal, designadamente do acréscimo da receita do IVA, cujo agravamento, para que aponta de resto também o Memorando, encontra assim uma ponderosa justificação. O IVA aparece, aliás, agora, com uma nova ou renovada função extra ‑fiscal: ao refrear o ímpeto consumista dos portugueses e, nomeadamente, o consumo diri‑gido a bens importados, ele é apontado como instrumento fundamental

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da política macroeconómica externa do país, de reequilíbrio da nossa balança corrente.

A leitura do Memorando trouxe ‑nos todavia à evidência uma outra proposta, esta totalmente ignorada pela discussão política e mediática recente. Embora se aponte para a mera realização de estudos e não para uma concretização certa, abre ‑se a porta, agora, pela primeira vez no nosso país, à integração do sistema de cobrança fiscal e do sistema de cobrança da segurança social. Num estudo recente, analisámos esta questão com algum detalhe1. Recente, a este propósito, é também o rela‑tório preparado por Bakirtzi et aliud (2010)2. Vejamos então, de forma muito sumária, alguns aspectos relevantes.

A) Em termos puros, podemos considerar a existência de dois modelos opostos, ainda que depois possam, em cada caso, verificar ‑se nuances ou mitigações. O primeiro modelo, que podemos denominar de modelo dualista ou de separação (também chamado modelo “continen‑tal”) é marcado pela existência de dois sistemas paralelos de cobrança de receitas: por um lado, o sistema de cobrança na segurança social, por outro lado, o sistema de cobrança fiscal. Este modelo é aplicado em França, na Alemanha e como sabemos também aqui em Portugal. O segundo modelo, que denominamos modelo unitário ou de integração (ou ainda denominado modelo “anglo ‑saxónico”), é caracterizado pela integração dos dois sistemas de cobrança, num único sistema. Em certos países, como os Estados Unidos e a Austrália, tal modelo prevaleceu desde sempre. Outros países – historicamente marcados pelo modelo dualista – têm vindo a transitar, por razões de maior racionalização e eficiência, para soluções integradoras: o caso, por exemplo, da Itália, da Irlanda e sobretudo do Reino Unido, dos Países Baixos e da Suécia. De igual modo, algumas das chamadas economias de transição parecem caminhar, nos anos mais recentes, para a consagração do modelo unitário: o caso da Estónia, da Hungria, da Letónia e da Eslovénia.

1 Assim, CABRAL, Nazaré da Costa (2010). Contribuições para a Segurança Social – Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, n.º 12. Almedina, Coimbra, p. 187 ss.

2 BAKIRTZI, Effrosyni et aliud (2010). Case Studies in Merging the Administra‑tions of Social Security Contribution and Taxation, IBM for the Business of Government.

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27O memorando da troika em análise

B) Podemos depois equacionar soluções diferentes, algumas mitiga‑doras, dentro de cada modelo. Assim, o modelo dualista oscila entre uma solução de dualismo puro – herança da tradição previdencial, mas também paritária, de gestão do sistema de segurança social (o caso francês, ainda hoje) – e soluções mitigadoras no seio dos processos duais de cobrança fiscal e da segurança social. Assim, por exemplo:

a) Logo na fase inicial do processo de cobrança, utilização de elementos comuns, designadamente no plano da identificação tributária: por exemplo, um mesmo número de identificação dos contribuintes e da respectiva situação ou estatuto sócio ‑laboral (trabalhador por conta de outrem, independente ou outro); por exemplo também, no tocante às empresas, utilização da mesma identificação tributária e da respectiva situação (constituição, alterações ou modificações relevantes, extinção e encerramento de actividade);

b) Mantendo ‑se embora elementos de identificação próprios e distintos em cada sistema de colecta, reforço da cooperação entre as administrações fiscal e da segurança social e da troca de dados e de outras informações relevantes (aproveitando designadamente bases de dados constantes dos respectivos suportes informáticos). Esta troca de informações servirá, de resto também, para propósitos de fiscalização e de eventual aplicação de sanções;

c) Já na fase final do processo de cobrança, utilização de um pro‑cesso de execução tributário único e comum, quer no que diz respeito à aplicação das mesmas normas processuais, quer quanto à utilização de um só aparelho executivo, administrativo ou judiciário (secções de processo únicas).

d) De igual modo, o domínio contra ‑ordenacional e criminal pode ser integrado e regulado por uma só legislação e as sanções aplicadas pelas mesmas entidades (designadamente, pelos tribunais fiscais).

C) Por sua vez, no modelo unitário, podemos encontrar algumas variantes à solução pura de integração. A distinção fundamental que podemos identificar neste mesmo modelo é a que separa:

a) Em primeiro lugar, os sistemas de integração que mantém uma cisão clara entre o domínio tributário/contributivo e o domínio presta‑cional: aqui, a integração ocorre estritamente no plano contributivo, mas a atribuição dos benefícios ou prestações continua a ser feita por insti‑

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28Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

tuições próprias da Segurança Social, ao mesmo tempo que se mantém autónomas as regras de definição e atribuição de direitos e de cálculo das prestações;

b) Em segundo lugar, os sistemas de integração que, além de pro‑cederem à integração no plano contributivo/tributário estrito, acabam por integrar no “esquema fiscal” também a atribuição dos benefícios ou prestações sociais: aqui, ao mesmo tempo que as instituições gestoras da segurança social ficam esvaziadas das suas funções tradicionais no domínio das prestações, são as próprias regras de atribuição de direitos e de cálculo das prestações que se diluem na legislação fiscal, maxime na legislação sobre a tributação do rendimento pessoal. Estas soluções – que normalmente assentam no mecanismo do crédito de imposto – constituem claramente as soluções mais extremas de integração (do sistema de cobrança) da segurança social no sistema fiscal. O Imposto sobre o Rendimento Negativo constitui o exemplo estremado desta opção.

D) Quando falamos de integração, é importante atender às princi‑pais funções associadas aos sistemas de cobrança (fiscal e da segurança social). São elas:

– Função de registo, eventualmente com o recurso a um número de identificação de contribuinte único;

– Função de contabilidade e de reporte;– Função de cobrança propriamente dita;– Função de manutenção dos registos individuais;– Função de controlo sobre o processo de cobrança;– Função de recebimento de reclamações;– Função de transferência das receitas com as contribuições de

segurança social para as entidades competentes no pagamento de prestações (se for caso disso).

Tendo em conta estes parâmetros, o Relatório supra aponta as impli‑cações da opção pela integração (tendo em conta as experiências concretas levadas a cabo nos países que aderiram a este modelo).

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29O memorando da troika em análise

Deste modo:

Funções administrativasdo sistema de cobrança

Algumas práticas seguidasnas soluções de integração

Benefícios da opçãopela integração

Registo de contribuintes – Criação de um número único de identificação de contribuintes

– Simplificação e facilitação do processo de cobrança;

– Limitação das práticas de evasão

Contabilidade e reporte – Declarações fiscais unifi‑cadas;

– Harmonização do conceito de remuneração para efei‑tos fiscais e da segurança social;

– Generalização do uso de sistemas de informação e tecnologia (IT) e do recurso ao e ‑government

– Eliminação de operações duplicadas;

– Supressão de erros;– Minimização dos custos

administrativos a suportar pelos contribuintes;

– Acompanhamento instan‑tâneo das declarações con‑tributivas;

– Controlo mais eficiente dos pagamentos;

– Criação de bases de dados apropriadas para controlo e garantia de acesso aos benefícios sociais.

Cobrança propriamente dita

– Forma unificada de paga‑mento

– Simplificação dos processos de pagamento;

– Eliminação das operações de duplicação de pagamen‑tos;

– Melhor controlo;– Distribuição mais rápida e

segura das receitas assim colectadas.

Controlo – Cruzamento dos dados para verificação de consistência;

– Incorporação de dados nas bases electrónicas;

– Utilização de sistemas de IT apropriados;

– Poderes de “enforcement” concedidos aos serviços de cobrança

– Facilitação na identificação dos erros;

– Processos mais efectivos de cumprimento (“enfor‑cement”);

– Aumento das receitas;– Combate à fraude à segu‑

rança social

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30Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Funções administrativasdo sistema de cobrança

Algumas práticas seguidasnas soluções de integração

Benefícios da opçãopela integração

Transferênciadas receitas cobradas

– Transferências periódicas de receitas;

– Transferências através dos bancos ou de tesouros pú‑blicos;

– Pagamentos de compensa‑ção em caso de atrasos por parte dos empregadores, bancos ou serviços de co‑brança

– Aumento da rapidez nos pagamentos das prestações por parte da segurança so‑cial;

– Transferência atempada de fundos.

Fonte: Bakirtzi et aliud (2010), p. 14.

E) De um modo geral, aponta ‑se portanto como rationale para a uni‑ficação dos sistemas de cobrança fiscal e da segurança social o objectivo de uma maior performance na cobrança de receitas públicas de natureza tribu‑tária (Barrand et aliud, 20043). Concretizando, e ainda segundo estes auto‑res, constituem vantagens principais dessa integração: i) o aproveitamento cabal das sinergias que existem entre os dois tipos de organizações e das suas funções nucleares, ii) a redução esperada dos custos administrativos e de controlo. Quanto a este último ponto, espera ‑se, na verdade, que a integra‑ção dos sistemas elimine a duplicação das funções nucleares associadas ao processo de cobrança, poupando ‑se assim nos gastos com pessoal e dirigen‑tes dos serviços, nos equipamentos e espaços utilizados pelos funcionários e também nos custos de desenvolvimento de tecnologias e sua manutenção.

A efectivação desta integração não deixa, no entanto, de colocar diversos problemas importantes que nem todos os países terão condições para resolver.

O primeiro problema, de ordem conceitual ‑legislativa, prende ‑se com a necessidade proceder à uniformização dos conceitos “jus ‑tributários” relevantes. Esta matéria foi especialmente tratada por Williams (1997)4.

3 BARRAND, Peter et aliud (2004). Integrating a Unified Revenue Administration for Tax and Social Contribution Collections: Experiences of Central and Eastern Euro‑pean Countries, IMF Working Paper, WP/04/237. Disponível em: http://info.worldbank.org/etools/docs/library/238290/IMF_UnifiedCollection.pdf [último acesso: 03.07.2010].

4 WILLIAMS, David (1997). “Legal and institutional aspects of social security and taxations reforms”, Interactions of social security and tax systems, ISSA, OECD, Social Security Documentation, European Series, n.º 25, Geneva, pp. 29 ‑51.

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31O memorando da troika em análise

Para o autor, os conceitos que deverão ser aproximados, como condição prévia da uniformização, são sobretudo os conceitos de “empregador”, de “trabalhador”, de “trabalhador por conta de outrem”, de “trabalhador independente” e de “rendimentos do trabalho”5. Outras questões, ligadas a esta, deverão também ser resolvidas: por exemplo, a da identificação clara dos sujeitos passivos, principais e acessórios (tendo em vista, designa‑damente, a existência de mecanismos de retenção na fonte) e dos tipos de contribuintes em presença.

O segundo tipo de problemas é de ordem administrativa. E colocam‑‑se, ainda segundo Barrand et aliud, nas seguintes quatro áreas: i) O âmbito de actividade de cobrança que deve ser transferido da segurança social para o fisco; ii) a importância da utilização de um único número de iden‑tificação tributária; iii) o grau de integração dos processos de cobrança; iv) as soluções de controlo e registo que devem ser postas em prática.

Tendo por base o objectivo estratégico de melhoria da performance no sistema de cobrança, impõe ‑se, para uma efectiva integração, a imple‑mentação de alguns princípios fundamentais. Tais como:

a) Eliminação de tarefas duplicadas e atribuição selectiva de funções e competências a cada entidade envolvida;

b) Promoção, desde logo a nível legislativo, da troca permanente de informações relevantes entre as entidades;

c) Delimitação da informação a obter, sendo que só deve ser obtida e processada a informação estritamente necessária;

d) Escolha de um único período de tributação relevante e de um só método de preenchimento de declarações de rendimentos, em princípio a cargo das entidades empregadoras;

e) Ligação eventual entre as contribuições pagas e as prestações percebidas, ligação que é considerada a forma mais correcta de assegurar a simplificação administrativa de todo o processo tributário subjacente.

F) Esta alteração traduziria uma importante ruptura com a nossa tradição que tem até hoje apontado para a autonomia (praticamente inte‑gral) do sistema contributivo da segurança social relativamente ao sistema

5 Entre nós, tem ‑se caminhado para uma aproximação, ainda que com recuos pon‑tuais, do conceito de rendimento de trabalho relevante para efeitos fiscais e para efeitos de tributação para a segurança social.

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fiscal. Como dissemos antes, no texto atrás citado (p. 227), «… as soluções concretas dadas por cada ordenamento jurídico dependem das diferenças verificadas a nível de quatro parâmetros ou níveis principais: i) Estrutura e financiamento dos sistemas de segurança social subjacentes; ii) Planos conceitual e operativo; iii) Planos institucional e administrativo; iv) Planos “mental” e “cultural”». Chamámos então a atenção para o facto de que, no caso português, embora possamos ter, designadamente nos dois primeiros níveis, alguns embriões dessa integração, a verdade é que as diferenças nos planos institucional e administrativo e também nos planos mental e cultural, tendem a dificultar essa integração. E este aspecto, a tradição “autonómica” da segurança social portuguesa, enquanto eventual elemento de resistência, deve ser fortemente considerada, aquando da realização do estudo a que refere o Memorando.

Administração Pública

«O Governo tomará as seguintes medidas para aumentar a eficiência e a eficácia na Administração Pública:

Administração central, regional e local

Reorganizar a estrutura da administração local. Existem actualmente 308 municípios e 4.259 freguesias. Até Julho 2012, o Governo desenvol‑verá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significati‑vamente o número destas entidades. O Governo implementará estes pla‑nos baseado num acordo com a CE e o FMI. Estas alterações, que deverão entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral local, reforçarão a prestação do serviço público, aumentarão a eficiência e reduzirão custos.» (bold nosso).

Também aqui se propõe uma reforma de fundo na organização administrativa do Estado português a fazer recordar a reforma iniciada por Mouzinho da Silveira, há quase duzentos anos atrás6. A necessidade

6 Como refere SILVEIRA (1997, pp.68 ‑70), «… o primeiro esforço neste sentido (da reorganização do espaço) foi levado a cabo por Mouzinho da Silveira, através do decreto de 16 de Maio de 1832, que preconizava um sistema baseado em províncias, comarcas e concelhos. O decreto que estabelecia o desenho das novas circunscrições, datado de 28 de Junho de 1833, quando Mouzinho já havia abandonado o governo, introduzia alterações importantes nas províncias até então existentes (…) e nas comarcas. Ao mesmo tempo,

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para a redução de municípios e de freguesias que agora, segundo o Memorando, deverá ser concretizada até 2012, aparece justificada à luz fundamentalmente de critérios de eficiência microeconómica. Verifica ‑se que o actual desenho administrativo do território é marcado pela existên‑cia de circunscrições que se apartam cada vez mais do figurino óptimo de circunscrição e que segundo as propostas tradicionais, normativas, da Teoria do Federalismo Financeiro, devem corresponder a circunscrições de dimensão e densidade populacionais óptimas, o mesmo é dizer de popula‑ção intermédia7. Na verdade, como nos dizem PEREIRA et aliud (p. 312), se é certo que, por um lado, qualquer dimensão e densidade populacional deve ser suficientemente elevada para aproveitar as economias de escala para um número significativo de bens públicos locais, não é menos verdade que, por outro lado, tal dimensão não pode ser demasiadamente grande que provoque níveis de congestionamento elevados, com a consequente perda de capacidade e/ou de qualidade no acesso e no gozo desses bens8.

No caso português, encontramos justamente autarquias que ora são subdimensionadas (ou seja, têm uma população pouco densa e pouco numerosa), que por isso desaproveitam as economias de escala associa‑das à provisão de diversos bens públicos locais, ora são, pelo contrário, sobredimensionadas (com densidade populacional excessiva), conduzindo a fenómenos de congestionamento ou de sobrelotação no gozo de diversos bens públicos locais, tenham eles a forma de equipamentos sociais ou de serviços públicos. Este desajuste é o reflexo do desequilíbrio da organi‑zação do espaço em Portugal (embora não seja fenómeno exclusivo do nosso país): a fraca densidade populacional é o espelho da desertificação

determinava o início dos trabalhos de redefinição dos territórios concelhios. A contestação gerada por estas medidas (…) levou o parlamento a aprovar a lei de 25 de Abril de 1835 que dá origem ao sistema administrativo contemporâneo, baseado em distritos, concelhos e freguesias, estas últimas correspondendo às paróquias religiosas. O passo seguinte consis‑tiu na dramática redução do número de concelhos, de 816 para 315, operada pelo decreto de 6 de Novembro de 1836» (sublinhado nosso). Assim, SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da (1997), “Estado liberal e centralização. Reexame de um tema”, Luís Nuno Espinha da Silveira (Coord.), Poder Central, Poder Regional, Poder Local, uma perspectiva histó‑rica, Edições Cosmos, Lisboa, pp. 62 ‑84.

7 Para uma introdução ao tema, leia ‑se PEREIRA et aliud (2005). Economia e Finanças Públicas, Escolar Editora, Lisboa, pp. 306 ‑312.

8 Dadas as restrições ao uso de factores produtivos que impedem a provisão de mais bens públicos locais a custos médios constantes.

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de uma parte do território e acontece sobretudo nas zonas do interior; a elevada densidade populacional reflecte a macrocefalia em certos pólos urbanos e acontece primacialmente junto ao litoral.

O Memorando não avança com propostas que pudessem contrariar esse desequilíbrio; antes pelo contrário, aceita ‑o como inevitabilidade. Vem assim, por razões de eficiência microeconómica estrita, propor, designa damente para as autarquias de menor população, de população abaixo do óptimo, que as mesmas sejam objecto de fusão/eliminação. Esta ideia foi, desde logo, rejeitada pelas associações representativas das autar‑quias, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e Associação Nacional de Freguesias, tendo a primeira assumido a seguinte posição: «Portugal já é um dos países da União Europeia que tem Municípios com maior dimensão média, qualquer que seja o factor de análise, como por exemplo a sua demografia ou a sua área. A redução cega do número de Municípios é algo que não faz, por isso, qualquer sentido»9. Dir ‑se ‑á, à primeira vista, que tal oposição radica sobretudo em razões de ordem político ‑partidária: as autarquias sempre são um microcosmos de exercício de poder, de influência e de pressão política (“lobbying”). Aliás, as novas correntes do Federalismo Financeiro, identificadas pela expressão Econo‑mia Política do Federalismo Financeiro, contestando a herança normativa das primeiras gerações do Fiscal Federalism, têm chamado a atenção para o facto de que a organização administrativa e financeira de um país, a sua organização espacial, não depende só de argumentos económicos (neste sentido, Dafflon, 2006, p. 272)10. As organizações estaduais de níveis múltiplos constituem, isso sim, o epicentro das relações políticas e sociais existentes num dado Estado.

De todo o modo, afigura ‑se ‑nos que as razões daquele descontenta‑mento vão muito para lá de um mesquinho interesse de preservação do status quo político ‑partidário. Trata ‑se de razões mais fundas que a Eco‑nomia não apreende: a História de cada país, a sua situação geográfica, a cultura e as tradições, as relações sociais, as diferenças e as eventuais

9 Disponível em: http://www.cm ‑benavente.pt/benavente/NoticiasEventos/Noticias/anmp.htm [último acesso: 11.06.03].

10 DAFFLON, Bernard, (2006). “The assignment of functions to decentralized government: from theory to practice”, Ehtisham Ahmad e Giorgio Brosio (ed.), Handbook of Fiscal Federalism, Edward Elgar.

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tensões existentes entre grupos sociais, regiões ou nações de um país. Por isto, a tentativa de aplicar os conceitos da economia do bem ‑estar às experiências de descentralização territorial acaba por dar uma explicação muito insuficiente das soluções constitucionais encontradas.

No caso português, pesa uma tradição concelhia antiga; em certos casos, ela remonta ao período medieval, quando as primeiras cartas de foral granjearam aos concelhos a sua autonomia. A fusão de concelhos, implicando a diluição de uns em outros, com a consequente perda da sua identidade – o seu nome, os seus símbolos e a sua afirmação – contribuirá certamente, como já se fez notar, para o surgimento de tensões sociais dispensáveis e indesejáveis, até mesmo do ponto de vista económico. A identidade é factor de atractividade económica, por exemplo, no sector do turismo e da agricultura. A construção do espaço territorial óptimo, à luz dos mencionados critérios de eficiência (de um lado a proximidade do benefício, do outro, a existência de rendimentos crescentes à escala), pode fazer ‑se sem implicar necessariamente essa perturbação nas rela‑ções entre as pessoas, pondo em risco a coesão nacional. Os contributos e propostas mais recentes (também elas saídas da Economia Política do Federalismo Financeiro) apontam para outras soluções que implicam, de um modo geral, a via da contratualização (“Contract Federalism”)11 entre níveis de decisão do mesmo grau com vista a uma provisão mais eficiente dos bens públicos locais (permitindo um “up grading” na escala de provisão), se e quando necessário e nos termos contratualizados. Os exemplos de associações de municípios e a própria criação de entidades metropolitanas, para provisão de bens que beneficiam de importantes economias de escala (v.g. gestão de águas e tratamento de resíduos, trans‑portes colectivos, etc.), são exemplos, entre nós, deste tipo de soluções e que podem ser desenvolvidos. Outras alternativas, também elas pela via contratual, consistem em atribuir a provisão de um bem a um dos governos locais, mas que sirva também as populações das circunscrições vizinhas, mediante compensações pagas àquele por estas. Estas vias alternativas conducentes a um desenho diferenciado do território, a uma assimetria interna na provisão de bens públicos locais, em função das necessidades, da população abrangida e da sua dimensão, permitem, por outro lado, manter

11 SPAHN, Paul Bernd, (2006). “Contract federalism”, Ehtisham Ahmad e Giorgio Brosio (ed.), Handbook of Fiscal Federalism, Edward Elgar, 182 ‑197.

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36Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

a autonomia identitária de cada unidade administrativa, sem criar tensões entre governos locais vizinhos e destes em relação ao governo central.

Em suma, também aqui, a tradição “autonómica”, desta feita das autarquias locais portuguesas, maxime dos municípios, deve ser fortemente considerada, aquando da aprovação do plano de consolidação e de redução para que aponta o Memorando.

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4.POLÍTICA FISCALRogério M. Fernandes Ferreira (*)

Introdução

O Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, documento que contém as políticas económicas acor‑dadas com a União Europeia e que muitos apelidaram já de “Programa de Governo” para este e os próximos três anos, foi assinado em 17 de Maio, pelo Ministro de Estado e das Finanças, pelo Governador do Banco de Por‑tugal e pela Comissão Europeia. Nele foram estabelecidas medidas bastante ambiciosas, não só do ponto de vista da arrecadação de receita e redução da despesa do Estado, sem descurar o reforço da competitividade e as refor‑mas estruturais do Estado e nos diversos sectores económicos que, embora nalguns casos já estivessem previstas, não foram, ainda, contempladas.

No mesmo dia 17 de Maio, foi também assinado o Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, documento que delimita o objecto do acordo estabelecido com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o qual se fixa, naturalmente, nos mesmos parâmetros do acordo com a União Europeia. 1 Neste documento estabelece ‑se uma “redução substancial” da Taxa Social Única já em finais de Julho de 2011, tendo sido, ainda, inclu‑ídas as medidas consideradas críticas pelo FMI (structural benchmarks) e, bem assim, prazos para a respectiva concretização.

(*) Com a colaboração de Francisco de Carvalho Furtado, Mónica Respício Gonçalves, Marta Machado de Almeida e Maria de Ataíde Cordeiro.

1 Em anexo a este Memorando, encontra ‑se um Memorando de Entendimento Técnico, o qual contém as definições dos termos utilizados no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras.

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Cumpre reconhecer que a ausência de uma política fiscal concreta, declarada e consensual, e, sobretudo, a ausência de um entendimento (partidário) bem mais alargado quanto às finalidades e aos objectivos da(s) política(s) fiscal(ais) portuguesa(s) tornaram o sistema fiscal português refém da opacidade decorrente de uma proliferação desajustada de regimes especiais e de excepção, tornando muito difícil a previsibilidade e a sua interpretação e aplicação, mas também de nele poder ser lido um sentido de justiça mínimo. A preocupação central deve, pois, residir, de ora em diante, nesta incapacidade de alinhamento no sistema fiscal português de instruções precisas, claras e transparentes.

Neste ponto, as medidas apresentadas nos Memorandos e pelo Governo português e o ajustamento que as mesmas exigem e poten‑ciam no âmbito fiscal – v.g. as medidas relativas à redução estrutural de benefícios fiscais, incluindo a eliminação de isenções e os “cortes” que serão efectuados nas deduções ‑ oferecem‑nos uma clara oportunidade para parar e para reduzir e eliminar regimes especiais e excepcionais que proliferaram sem real justificação económica e social, fomentando, por esta via, a transparência e, principalmente, a estabilidade das leis e dos réditos fiscais.

O próximo Governo tem aliás, neste âmbito, já ao seu dispor uma cartilha inúmera de recomendações – algumas também, agora, obriga‑ções –, mais no âmbito, até, dos procedimentos do que das alterações estruturais, no recente relatório do Grupo de Trabalho sobre a Política Fiscal (Competitividade, Eficiência e Justiça no Sistema Fiscal, 2009 2) e que poderão permitir um salto qualitativo nos próximos anos ‑ anos em que, certamente, a receita fiscal se manterá no cerne da política orçamental. Na verdade, encontramos nas recomendações do referido relatório de 2009 a afirmação de que “o Grupo de Trabalho não propõe uma nova reforma fiscal, mas uma reestruturação de certos diplomas, a revisão de certas normas e a adopção de boas práticas que poderão aperfeiçoar o funcionamento do sistema fiscal, tornando ‑o mais eficaz, mais competitivo e menos injusto.”

As principais medidas que integram o pacote de ajuda internacional a Portugal incidirão, sobretudo, na redução da despesa, correspondendo

2 Cfr. http://www.min ‑financas.pt/inf_fiscal/GPFRelatorioGlobal_VFinal.pdf.

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39O memorando da troika em análise

apenas terço ao aumento de receita3 e irão ser concretizadas gradualmente no nosso ordenamento, designadamente na legislação fiscal. Foi, entre‑tanto, já publicado no sítio do Ministério das Finanças um documento4 no qual estão sistematizadas as medidas do Programa de Apoio Económico e Financeiro a Portugal até final de 2011 e constantes daquele Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica e do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras (especificando, designadamente, os prazos, as entidades envolvidas, as medidas que são benchmark estruturais e, ainda, o parágrafo correspondente dos Memo‑randos em causa).

Não obstante a existência de calendarização para concretização das medidas aprovadas, pode dizer ‑se que as mesmas intensificar ‑se ‑ão, em regra, já no próximo semestre, designadamente com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2012, o qual deve integrar já algumas dessas medidas, também previstas para 2013 e 2014.

Resta saber se um Governo de coligação terá a unidade e a coerên‑cia necessária, que todos desejamos, para concretizar as medidas que se impõem e que a seguir se descrevem, pois se a margem de negociação é maior também o consenso interno terá de ser mais alargado5.

A tributação das empresas

O agravamento dos encargos fiscais, que se prevê permita a obten‑ção de receita adicional de Eur. 150 Milhões em cada ano de 2012 e 2013, far ‑se ‑á sentir, desde logo, através da eliminação das taxas reduzidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), o que, na prática, deverá implicar não só a extinção da taxa reduzida de IRC de 12,5%, aplicável à parcela da matéria colectável até Eur. 12.500, mas, também, a eliminação de todas as taxas reduzidas previstas em regimes

3 Cfr. FRANCO, Francesco – “Economia e Política”, in Memorandum of Economic and Financial Policies – 11 Perspectives, Nova – School of Business & Economics, Maio de 2011, pág. 4.

4 Vd. http://www.min ‑financas.pt/inf_geral/SI_Medidas_PT.pdf5 Cfr. TAVARES, José – “Economia e Política”, in Memorandum of Economic and

Financial Policies – 11 Perspective”, Nova – School of Business & Economics, Maio de 2011, pág. 19.

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especiais de tributação, tais como as taxas de 15%, ou 10%, aplicáveis no âmbito do regime de benefícios fiscais relativos à interioridade. À extinção das taxas reduzidas acresce, em sede de IRC, a redução do período de reporte de prejuízos fiscais de quatro anos (seis anos para os prejuízos fiscais verificados anteriormente a 2010) para três anos. Esta é uma medida que poderá, nomeadamente, dificultar a realização de investimentos de médio e longo prazo, nos quais o chamado payback period seja superior aos três anos 6.

Prevê ‑se, ainda, a diminuição das deduções fiscais permitidas e a revogação de isenções fiscais subjectivas, tais como as relativas a pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social. Por outro lado, deverão ser eliminados os benefícios fiscais sujeitos ao prazo de caducidade geral de cinco anos, previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), já que o Memorando de Entendimento se refere, em particular, aos benefícios fiscais abrangidos pela “sunset clause” prevista no EBF.

Estará em causa, finalmente, a reavaliação dos benefícios fiscais, nomeadamente dos que caducam em virtude da referida cláusula de caducidade legal, como os relativos à criação de emprego e, bem assim, dos benefícios fiscais ao sistema financeiro e mercado de capitais, onde se incluirão os atribuídos às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR). De fora, por preverem um prazo específico de aplicação, ao abrigo de ressalva constante da própria “sunset clause”, poderão estar os atribuídos às empresas que operam na Zona Franca da Madeira, assim como os benefícios expressamente excluídos, ou seja, os aplicáveis a fundos de pensões e equiparáveis, ou no âmbito do regime público de capitalização, às contribuições das entidades patronais para regimes de segurança social, a fundos de poupança ‑reforma e planos de poupança‑‑reforma, a fundos de investimento, fundos de capital de risco e fundos de investimento imobiliário em recursos florestais e, bem assim, as isenções aplicáveis a bens imóveis.

6 Sobre a aplicação da lei no tempo em situação paralela decorrente da Lei do Orça‑mento do Estado para 2011 (Lei n.º 55 ‑A/2010, de 31 de Dezembro, artigo 99.º), vd. Des‑pacho n.º 735/2010 ‑XVIII, de 12 de Agosto, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

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Ainda em sede de IRC, deverá ser alterada a lei das finanças regio‑nais de modo a permitir o agravamento das taxas aplicáveis nas Regiões Autónomas, com o limite máximo de redução de 20%, relativamente às taxas aplicáveis no Continente, de onde resulta que a taxa de IRC actual‑mente aplicável na Região Autónoma dos Açores de 17,5%, deverá sofrer um aumento para, pelo menos, 20%, que é já a taxa de IRC aplicável na Região Autónoma da Madeira.

Merece referência, por último, a alteração prevista ao nível da tributação das viaturas em sede de IRC, prevendo ‑se um novo aumento das taxas de tributação autónoma relativas aos gastos das empresas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.

Salientamos, contudo, que se prevêem incentivos ao aumento da competitividade das empresas portuguesas através da diminuição dos seus encargos sociais e da diminuição da taxa social única a cargo das entidades empregadoras, desde que tal diminuição seja compensada com o aumento dos impostos sobre o consumo, conforme expressamente previsto no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras.

A tributação de particulares

Embora não se preveja um aumento geral das taxas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), vale aqui o que dis‑semos já relativamente ao agravamento das taxas aplicáveis nas Regiões Autónomas.

As principais medidas que afectarão os agregados familiares e que se prevê permitam a obtenção de receita de Eur. 150 Milhões, em 2012, e de Eur. 175 Milhões, em 2013, deverão reflectir ‑se na diminuição das deduções à colecta, desde logo, através da redução das categorias respec‑tivas e do estabelecimento de limites máximos, em função dos escalões de imposto, prevendo ‑se a sua redução nos escalões mais elevados e a eliminação no mais elevado, o que corresponde, na prática, ao alargamento do âmbito de aplicação de uma medida que já existe actualmente, embora apenas relativamente a algumas deduções à colecta. Será também introdu‑zido um limite máximo à dedução de despesas de saúde, que assumimos tratarem ‑se das despesas isentas de IVA ou sujeitas à taxa reduzida de 6% de IVA e que, actualmente, não têm qualquer limite na dedução.

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Prevê ‑se, também, contínua e progressiva convergência do regime de tributação das pensões e dos rendimentos de trabalho, o que poderá ser alcançado através da alteração das regras de dedução específica dos rendimentos da categoria H (pensões) de IRS. Ainda quanto aos rendi‑mentos do trabalho, prevê ‑se a revisão da tributação dos rendimentos em espécie, do que resultará, provavelmente, um agravamento da mesma ou um alargamento do seu âmbito. Por fim, realça ‑se que, apesar de aparente‑mente se prever que os benefícios sociais, como subsídios de desemprego, abono de família, maternidade e rendimento social de inserção, entre outros, passem a ser tributados em sede de IRS, foi já esclarecido pelo (anterior) Governo que os mesmos deverão, apenas, ser englobados para efeitos da determinação da taxa aplicável ao conjunto dos rendimentos, tal como sucede com outros rendimentos isentos. A concretização de ambas as medidas permitirá ao Estado arrecadar Eur. 150 Milhões, em cada ano de 2012 e 2013.

No que respeita à habitação, o objectivo é estimular o mercado de arrendamento. Assim, deverão ser eliminadas as deduções à colecta dos montantes incorridos na amortização do empréstimo à habitação, já em 2012, mesmo para contratos de empréstimo à habitação já em vigor, prevendo ‑se, também, a eliminação gradual da dedução à colecta dos juros relativos a estes contratos. No caso dos novos contratos de empréstimo à habitação, os agregados familiares ficarão impedidos de deduzir à colecta, quer os montantes amortizados, quer os juros incorridos. E também a dedução à colecta das rendas pagas pelos arrendatários será gradualmente eliminada. Assim se pretenderá diminuir o endividamento excessivo das famílias portuguesas e, simultaneamente, fomentar o mercado do arren‑damento e, em última análise, a própria mobilidade laboral, que é muito reduzida em Portugal.

Com impacto nos encargos da habitação, prevê ‑se, também, a reava‑liação do valor patrimonial tributário dos imóveis, de modo a permitir um aumento da receita de, pelo menos, Eur. 150 Milhões, em 2013, e por forma a que fique o mais próximo possível do valor de mercado. Para além do mais, prevê ‑se o aumento das taxas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o que terá como consequência um duplo agravamento da carga fiscal, neste sector, uma vez que o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário. O aumento do IMI, a incidir de modo mais penalizador sobre imóveis devolutos visará também promover o mercado do arrendamento,

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já que os arrendatários deverão poder continuar a deduzir, em sede de IRS, o IMI incorrido anualmente nas rendas auferidas. Neste sentido, também a isenção temporária de IMI prevista para imóveis adquiridos para habitação própria deverá ser revista no sentido da redução dos actuais prazos de quatro e oito anos, em função do valor do imóvel, medida da qual deverá resultar uma receita adicional de Eur. 250 Milhões, em 2012.

Prevê ‑se, por último, uma redução do Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis (IMT), o qual, certamente, incrementará as transmissões de imóveis, incentivando a compra e despromovendo a fraude decorrente da subavaliação do preço. Estes objectivos poderiam, porém, ser potenciados, de forma ainda mais adequada, através da rea‑valiação das isenções fiscais de IMT à aquisição de imóveis com destino à habitação que hoje já não têm justificação razoável perante o ratio de casas por cada agregado familiar (pela existência de um rácio, absoluta‑mente excessivo, de cerca de 4.500.000/5.000.000 de agregados familiares para cerca de 6.000.000/6.500.000 de prédios urbanos), o que permitiria, provavelmente, a diminuição da taxa do IMT para valores bem inferiores e a sua transformação em mera contribuição de registo.

A tributação do consumo

Nos impostos especiais do consumo, prevê ‑se a indexação dos seus aumentos à taxa de inflação e que as medidas sejam adoptadas já em 2012 e aprofundadas em 2013 e 2014, assim permitindo a obtenção de receita adicional de Eur. 250 Milhões, em 2012, e de Eur. 150 Milhões, em 2013.

Para o próximo ano de 2012 prevê ‑se, ainda, o aumento da carga fiscal na venda de veículos, através do aumento do Imposto sobre Veículos (ISV), bem como a eliminação de isenções aplicáveis em sede de Imposto Único de Circulação (IUC). Acresce que os impostos especiais sobre o tabaco sofrerão um agravamento, sendo introduzidos novos impostos sobre consumos específicos como a electricidade, em conformidade com o que prevê a Directiva Europeia n.º 2003/96, transposta já em diversos países.

Para permitir o aumento das receitas de IVA, no valor de Eur. 410 Milhões anuais, o Memorando de Entendimento prevê que algumas categorias de produtos e de serviços, actualmente inseridas nas Listas I e II da tabela anexa ao Código do IVA ‑ aos quais são aplicáveis as taxas

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reduzidas e intermédias, respectivamente ‑ sejam alteradas. Prevê ‑se ainda que alguns dos produtos e serviços actualmente inseridos na Lista I – como é o caso da electricidade e do gás – passem a estar sujeitos a taxas mais elevadas, isto é, à taxa intermédia ou à taxa normal, e que alguns dos produtos e serviços actualmente constantes na Lista II passem a estar sujeitos à taxa normal. Neste sentido, tais produtos sofrerão um aumento da taxa do IVA que hoje lhes é aplicável.

Para além do caso concreto da electricidade e do gás ‑ medidas que afectarão sobretudo os particulares ‑ o Memorando de Entendimento nada antecipa quanto aos bens e serviços cuja tributação será agravada. Recorda ‑se que, actualmente, a Lista I contempla, no seu elenco, produtos alimentares, bens de produção agrícola, prestações de serviços silvícolas, jornais, revistas, livros, produtos farmacêuticos, serviços de empreitadas, entre outros e que, por sua vez, a Lista II prevê a aplicação da taxa inter‑média a produtos para alimentação humana, prestações de serviços de alimentação e bebidas e, bem assim, outros bens, tais como o petróleo, gasóleo e utensílios agrícolas.

Salienta ‑se, para além disso, a redução de isenções várias previstas no Código do IVA. É vasto o elenco de isenções previsto no Código, no qual se inclui, entre outras, as operações imobiliárias, as operações financeiras, os serviços médicos, as prestações de serviço que têm por objecto o ensino, ou as efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa. Ainda no que diz respeito às isenções, prevê ‑se a isenção em sede de IVA no âmbito do serviço postal universal, medida que deverá ser concretizada já a partir de Setembro de 2011, referindo ‑se que esta era matéria já discutida pela Autoridade da Concorrência e no Parlamento Europeu.

De resto, não se antecipa quais as isenções que serão eliminadas, sendo, por isso, necessário aguardar para saber se a redução desses bene‑fícios fiscais passará por onerar, também nesta sede, as operações imobi‑liárias ou se, ao invés, estarão em causa outras isenções, tais como, por exemplo, a transmissão de direitos de autor ou as prestações de serviços efectuadas aos promotores por actores e desportistas.

Por último, a alteração à Lei das finanças regionais já acima referida resultará, também, num agravamento das taxas do IVA aplicáveis nas Regiões Autónomas.

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A Administração fiscal e o procedimento tributário

É prevista a fusão da Direcção ‑Geral dos Impostos (DGCI), da Direcção ‑Geral das Alfandegas e Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) e da Direcção ‑Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA), e pretende ‑se igualmente analisar os custos e benefícios de incluir as funções de cobrança da Segurança social, na referida fusão. Ambas as medidas serão objecto de estudo a efectuar já em Setembro de 2011.

Os recursos humanos afectos às acções de inspecção da Administra‑ção tributária serão aumentados, devendo passar a corresponder a, pelo menos, 30% do valor total dos funcionários, através, fundamentalmente, de re ‑alocação de outros sectores da Administração pública e tributária. Irão também ser reforçados os poderes de inspecção da Administração tributária e, bem assim, no que respeita à emissão de regras interpreta‑tivas, para garantir maior uniformidade na interpretação e na aplicação das normas tributárias. Será, ainda, realizado um relatório de avaliação do estado actual dos sistemas de informação e controlo existentes na Administração tributária, em função do qual deverão ser apresentadas novas propostas de reforma.

Por último, mas de extrema importância e representando um aumento da receita anual de um mínimo de Eur. 175 Milhões, a Administração tributária deverá preparar um plano estratégico, até finais de Outubro de 2011, a aplicar entre 2012 e 2014, e que versará essencialmente sobre combate à evasão, à fraude fiscal e à informalidade, reforço da inspecção tributária e aumento da receita através de mecanismos de gestão do risco.

Os tribunais fiscais e o processo tributário

Serão criadas secções especializadas nos Tribunais tributários, para analisar as questões fiscais mais complexas e para os processos de valor mais elevado, e prevê ‑se que os juízes possam ser coadjuvados por equipas técnicas especializadas. Em concreto, está prevista a criação de um grupo especial de juízes, já a partir do segundo semestre deste ano de 2011, afecto à resolução de litígios de valor superior a um milhão de euros que se encontrem pendentes nos Tribunais tributários, para que

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estejam findos em finais de 2012. Neste sentido, a nova lei da arbitragem tributária é também uma prioridade, prevendo ‑se já a sua concretização para o mês de Julho de 2011 no documento que sintetiza as medidas do Programa de Apoio Económico e Financeiro a Portugal a concretizar até ao final de 2011.

No âmbito do processo tributário, prevê ‑se que passem a ser aplica‑dos juros “especiais”, com taxas superiores às que se praticam no mercado, que incidirão sobre o valor da dívida em contencioso tributário, medida que traduz um incentivo ao pagamento pelos contribuintes, ao invés da prestação de garantia, quando a respectiva legalidade esteja a ser discutida em tribunal.

Para além disso, perante o não cumprimento de uma sentença, prevê‑‑se a aplicação de juros legais especiais, medida que julgamos atingir a Administração tributária, já que os sujeitos passivos, em caso de não cumprimento de uma decisão judicial, sempre terão prestado garantia para suspensão do processo de execução. Atendendo a que esta medida, não sendo clara, está inserida no capítulo dedicado ao incremento da celeridade da resolução de litígios, julgamos que tais juros especiais deverão estar sujeitos a uma taxa superior à taxa normalmente aplicável, por forma a obrigar a Administração tributária a cumprir com as decisões judiciais, evitando, assim, custos adicionais. No entanto, poderá, também, questionar ‑se a sujeição destes juros especiais a uma taxa mais baixa, desonerando, assim, afinal, o Estado dos custos pelo incumprimento das decisões judiciais que lhes sejam desfavoráveis.

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5.REGULAçãO E SUPERVISãODO SECTOR FINANCEIROLuís Máximo dos Santos

Imediatamente após as medidas sobre política orçamental, o Memo‑rando ocupa ‑se das medidas na área da regulação e supervisão do sector financeiro. Só por si esse facto diz bem da importância destas medidas na estratégia do programa de ajustamento económico e financeiro incorporado no Memorando. Nem outra coisa seria de esperar. Independentemente das causas nacionais da crise que motivou o pedido de ajuda internacional por parte de Portugal, é inegável que o furacão que atingiu a economia mundial a partir do Verão de 2007, em especial nos países desenvolvidos, teve no sistema financeiro o seu epicentro e isso não poderia deixar de se repercutir neste programa de ajustamento. Após um período inicial, em que alguns supuseram que o sistema financeiro português pudesse passar relativamente incólume, cedo se desvaneceu essa miragem com a inca‑pacidade de obter financiamentos no mercado internacional e a eclosão, a partir de meados de 2010, com a situação da Grécia, da crise das dívidas soberanas, que a partir daí não parou de se agravar.

O Memorando fixa os seguintes objectivos quanto ao sector finan‑ceiro: preservar a sua estabilidade, manter a liquidez e apoiar uma desala‑vancagem equilibrada e ordenada do sector bancário; concluir o processo relacionado com o Banco Português de Negócios e racionalizar a estrutura do banco público Caixa Geral de Depósitos; reforçar o enquadramento legal da reestruturação, saneamento e liquidação das instituições de cré‑dito, bem como do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) e do Fundo de Garantia de Crédito Agrícola Mútuo (FGCAM); reforçar o enquadramento legal de insolvência de empresas e de particulares.

Uma primeira nota se impõe: o Memorando, embora se refira a medidas relativas ao “sector financeiro”, dirige ‑se quase exclusivamente

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ao sector bancário. Com efeito, nada há em matéria de seguros1 ou de mercado de capitais.

Trata ‑se, por outro lado, de um enunciado bastante heterogéneo. Define objectivos de carácter geral, aplicáveis a todo o sistema bancário, a par de outros centrados em instituições específicas, como sucede nos casos do Banco Português de Negócios (BPN) e da Caixa Geral de Depósitos (CGD); prevê medidas de natureza operacional (por exemplo, na parte relativa às acções de monitorização) e outras de natureza legislativa (por exemplo, quanto à revisão da legislação que regula o FGD e o FGCAM e ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE).

Não obstante o relevo de todas as demais, as medidas mais importan‑tes são as referentes à manutenção da liquidez – afinal a causa imediata da intervenção externa – e à desalavancagem do sector bancário, bem como ao reforço dos rácios de capital.

No que se refere à manutenção da liquidez no sector bancário, o Memorando estabelece que, com sujeição a aprovação ao abrigo das regras de concorrência da União Europeia, “as autoridades comprometem ‑se a facilitar a emissão de obrigações bancárias garantidas pelo Estado até ao montante de 35 mil milhões de euros, incluindo o previsto no pacote existente de medidas de apoio”, ou seja, comprometem ‑se a reforçar o limite máximo para concessão de garantias pessoais do Estado ao sector financeiro dos actuais 20 para 35 mil milhões de euros.

A medida mais dolorosa para o sector bancário ‑ e que no fundo tem de se verificar na generalidade do sector empresarial português, pri‑vado e público ‑ é a da desalavancagem. Os erros de gestão acumulados em anos vão agora ter de ser corrigidos sob imposição e tutela externa. É notório que no debate público e no discurso mediático a gravidade da dívida externa privada tem sido em larga medida omitida ou, pelo menos, subalternizada face à dívida pública.

O Memorando estabelece que “o Banco de Portugal e o BCE, em consulta com a Comissão Europeia e o FMI, estabelecerão objectivos periódicos claros de rácios de alavancagem e solicitarão aos bancos que apresentem, até final de Junho de 2011, planos de financiamento a médio prazo específicos para cada instituição alcançar uma posição de financia‑

1 Excepto nas referências à privatização do sector dos seguros da Caixa Geral de Depósitos (cf. pontos 2.5. e 3.3.).

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mento estável com base no mercado (market ‑based funding position)”. Serão realizadas revisões em conjunto com a Comissão e o FMI, e será examinada a viabilidade dos planos individuais dos bancos e as respectivas implicações quanto a rácios de alavancagem, bem como o impacto nos agregados de crédito e na economia como um todo, podendo o Banco de Portugal solicitar, quando necessário, ajustamentos aos planos.

Quanto aos requisitos de capital, o Memorando estabelece que “o Banco de Portugal dará instruções a todos os grupos bancários, sob sua supervisão, para atingirem um rácio de capital core Tier 1 de 9% até ao fim de 2011 e de 10% até ao fim de 2012, e para o manterem no futuro”. Os bancos terão de apresentar ao Banco de Portugal, até ao fim de Junho de 2011, planos que descrevam como tencionam atingir os novos requisitos de capital através de soluções de mercado.

Na eventualidade de os bancos não conseguirem atingir atempada‑mente os novos requisitos de capital, a necessidade de assegurar níveis de capital mais elevados poderá, temporariamente, requerer a utilização de fundos públicos no aumento dos níveis de capital dos bancos priva‑dos. Para este feito, as autoridades reforçarão o mecanismo de apoio à solvabilidade bancária, de acordo com as regras dos auxílios de Estado da União Europeia. Este mecanismo será concebido de forma a preservar, durante uma fase inicial, o controlo da gestão dos bancos pelos accionistas privados e a permitir ‑lhes a opção de recompra da participação do Estado. Os bancos que beneficiem de injecções de capital público serão sujeitos a regras e restrições específicas de gestão e a um processo de reestruturação, de acordo com os requisitos de concorrência e de auxílios de Estado da União Europeia, que incentivem soluções baseadas no mercado. Não fica claro quais os poderes que decorrem para o Estado de injectarem fundos públicos em bancos privados, tendo em conta que, como acima se referiu, “numa fase inicial, o mecanismo será concebido de forma a preservar o controlo da gestão dos bancos pelos accionistas privados”.

É previsível que a necessidade de reforço dos requisitos de capital, mesmo que se verifique sem a utilização capitais públicos (cenário que, apesar de tudo, temos como o mais provável), conduza a uma profunda recomposição accionista dos principais bancos portugueses, desse modo se gerando novos equilíbrios de poder na economia portuguesa.

Os pontos 2.6. a 2.9. do Memorando têm como destinatário o Banco de Portugal. Versam essencialmente sobre questões operacionais relativas

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à monitorização da solvabilidade e da liquidez bancária. Como aspecto digno de realce, refira ‑se o objectivo de se melhorar a informação dispo‑nibilizada pelo Banco de Portugal sobre empréstimos em incumprimento, através da criação de um novo rácio que não substitui, mas antes se adi‑ciona, ao já existente. A referência de que o Banco de Portugal “afectará novos recursos para o recrutamento de mais especialistas em supervisão bancária” é de um detalhe que nos parece algo deslocado num Memorando com estas características, embora possa ter o efeito útil de deixar claro que não se lhe aplicam as medidas de congelamento de admissões previstas para a função pública.

No plano relativo à reestruturação, saneamento e liquidação das ins‑tituições, o Memorando impõe a alteração da legislação sobre instituições de crédito em consulta com a Comissão, o BCE e o FMI, até ao final de Novembro de 2011, para, entre outras, “impor obrigações de reporte pré‑vias baseadas em requisitos e penalizações claras”. Ou seja, o Memorando aposta num reforço das medidas de carácter preventivo.

Por outro lado, o Banco de Portugal será autorizado a aplicar medidas correctivas para promover a implementação de um plano de recuperação. As instituições de crédito com riscos sistémicos terão de preparar planos de contingência de reestruturação, saneamento e liquidação sujeitos a revisão periódica. As alterações deverão introduzir um regime de reestru‑turação e saneamento das instituições de crédito em dificuldades que lhes permita, sob controlo oficial, manter o exercício da actividade, para pro‑mover a estabilidade financeira e a protecção dos depositantes. O regime estabelecerá requisitos claros para a sua aplicação e os instrumentos de reestruturação ao dispor das autoridades deverão incluir a recapitalização sem direitos de preferência dos accionistas, de acordo com o enquadra‑mento europeu relevante, a transferência de activos e passivos para outras instituições de crédito e um bridge ‑bank.

O regime do saneamento das instituições de crédito encontra ‑se actualmente previsto no Título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), composto pelos artigos 139.º a 153.º. Desde a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1993, sofreu apenas ligeiras alterações. Ora, independentemente do Memorando, cre‑mos que já há algum tempo que se justificava a revisão do regime relativo ao saneamento das instituições de crédito. Desde logo, tendo em conta o tempo decorrido desde a sua criação, que coincidiu com um período de

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profundas alterações, a todos os níveis, na actividade bancária, algumas das suas soluções tornaram ‑se insuficientes; além disso, a sua aplicação no caso do Banco Privado Português revelou que há ensinamentos a extrair susceptíveis de conduzir a alterações legislativas. O Memorando veio agora tornar essa alteração imperativa, sendo mesmo um domínio em que, a nosso ver, se poderá efectuar uma revisão que vá além dos aspectos nele mencionados.

Já quanto à matéria da liquidação das instituições de crédito, enten‑demos que o Memorando não foi muito feliz. De facto, o Memorando nesta matéria centra ‑se na previsão de algumas medidas de alteração ao CIRE – que em si mesmas reputamos acertadas2 – quando, quanto a nós, a verdadeira questão é a de saber até que ponto não deve existir um diploma legal que regule o mais exaustivamente possível a liquidação de instituições de crédito, desse modo reflectindo as suas profundas especifi‑cidades face às empresas comuns, aplicando ‑se o CIRE, subsidiariamente, de forma muito mais pontual e não como regra, como actualmente sucede. De facto, o regime de liquidação das instituições de crédito, actualmente contido no Decreto ‑Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, regula apenas aspectos muito pontuais da liquidação, remetendo em tudo o que nele não está regulado para o CIRE “com as necessárias adaptações” (cf. artigo 9.º, n.º 3, do Decreto ‑Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro), o que, se é fácil de escrever numa disposição legal, levanta inevitavelmente complexos problemas na sua aplicação.

Claro que o facto de não constar do Memorando em nada impede que o legislador nacional faça essa opção, necessariamente em prazo mais alargado do que aquele que está previsto no Memorando para a revisão do CIRE (final de Novembro de 2011), dada a complexidade da matéria. Uma última nota quanto a este ponto, para sublinhar que nos parece excessivo o facto de o Memorando ir ao detalhe de prever a revisão da legislação relativa à insolvência das pessoas singulares, fenómeno que não se nos

2 É o caso das alterações ao CIRE que visam: (i) introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de reestruturações; (ii) assegurar que os depositan‑tes garantidos e/ou os Fundos (tanto directamente como através de sub ‑rogação) gozem de prioridade sobre os credores não garantidos numa situação de insolvência de uma ins‑tituição de crédito e (iii) definir princípios gerais de reestruturação voluntária extrajudi‑cial em conformidade com as boas práticas internacionais.

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afigura ter uma dimensão que justifique ser objecto de um documento com estas características.

Quanto ao FGD e ao FGCAM o Memorando prevê o reforço da sua legislação, em consulta com a Comissão, o BCE e o FMI, até ao final de 2011. Visa ‑se “reforçar a protecção dos depositantes garantidos”, mas os Fundos em causa deverão “manter a possibilidade de financiar o saneamento de instituições de crédito em dificuldades e, em particular, de transferir os depósitos garantidos para outra instituição de crédito, mas não para as recapitalizar”. Essa assistência financeira terá como limite o montante dos depósitos garantidos que teriam de ser reembolsados em situação de liquidação, mas isso só será permitido “no caso de não prejudicar a capacidade dos Fundos exercerem a sua função principal”.

Deixámos propositadamente para o fim as referências que visam operadores específicos, ou seja, a CGD e o BPN.

Quanto à CGD, o Memorando estabelece que “a estrutura do grupo estatal CGD será racionalizada, de forma a aumentar a base de capital da sua actividade bancária central, conforme seja necessário”, esperando que a CGD “aumente o seu capital até ao novo nível requerido por via de recursos internos ao grupo, e que melhore a governação do grupo”. Além da definição de um “calendário mais ambicioso para a já anunciada venda do negócio segurador do grupo”, refere ‑se também “um programa para a alienação gradual de todas as subsidiárias non core e, se necessário, de uma redução das actividades no estrangeiro”.

Face a algumas operações mais controversas, é um facto que vinha a notar ‑se a necessidade de reequacionar alguns aspectos do modelo de actuação da CGD. Todavia, o Memorando é algo atrevido nesta matéria. A imposição da alienação das subsidiárias non core, ainda que gradual, e a eventualidade da redução das actividades no estrangeiro, são medidas que não deixam sequer à gestão da instituição a liberdade de escolher os meios para atingir determinados fins.

Quanto ao BPN, se é verdade que as autoridades nacionais deixaram arrastar o processo durante demasiado tempo, mesmo considerando toda a sua enorme complexidade, o objectivo de encontrar um comprador até ao fim de Julho de 2011, também não parece particularmente sensato. Mas o mais relevante de toda esta lamentável situação é a confirmação da socialização dos gigantescos prejuízos da instituição, numa escala sem precedentes no nosso sistema financeiro, prejuízos que reverteram em

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benefício próprio de um grupo de pessoas cuja responsabilidade tarda em apurar‑se. Em suma, os prejuízos foram assumidos pelos contribuintes, os lucros ficaram nos múltiplos beneficiários dos actos que conduziram o BPN a esta situação e agora o banco será vendido, sem preço mínimo, limpo de imparidades.

Em conclusão, podemos dizer que o memorando cobre, sem dúvida, as matérias em que se colocam os desafios mais importantes ao sector bancário português. Isto não significa, obviamente, que esgote o que há a fazer no sector, pois existem várias matérias relevantes que não estão cobertas pelo Memorando. Importa referir também que, apesar de tudo, as autoridades nacionais têm algum campo de acção no que toca ao modo de concretizar algumas das medidas previstas.

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6.SISTEMA JUDICIALLuís Máximo dos Santos

Uma das novidades deste programa de ajustamento é a de que o seu conteúdo vai muito para além das medidas directamente relacionadas com os objectivos económicos e financeiros. Assim, por exemplo, na parte relativa às medidas de enquadramento, o Memorando prevê um conjunto de medidas no domínio do sistema de justiça. Mas mesmo na parte respei‑tante à regulação bancária e financeira está prevista, como vimos, a revisão do CIRE, que é um diploma estruturante do edifício jurídico. E outras se encontram nos pontos 3.34.i. (estabelecimento de secções especializadas no âmbito dos tribunais fiscais direccionadas para o julgamento de casos de maior dimensão com a assistência de pessoal técnico especializado), 3.35.iii. (implementação da nova lei da arbitragem fiscal), 3.35.v. (criar, até ao segundo trimestre de 2012, um grupo de trabalho constituído por juízes para, até ao quatro trimestre de 2012, resolver os casos com valor superior a 1 milhão de euros, no âmbito dos tribunais tributários), 3.47 (reduzir o número de serviços desconcentrados no Ministério da Justiça), e 5.34. (melhorar o funcionamento da profissão de advogado, levando a cabo uma análise dos requisitos que afectam o exercício da actividade, eliminado os que não sejam justificados ou proporcionais).

Mas são os pontos 7.1. a 7.18. que condensam as principais medidas para o sector, por vezes repetindo algumas das anteriormente referidas (cf., por exemplo, ponto 7.14.)

O objectivo central é o de melhorar o funcionamento do sistema judicial, considerado “essencial para o funcionamento correcto e justo da economia”. Para isso, pretende ‑se: (i) assegurar de forma efectiva e atempada o cumprimento de contratos e de regras da concorrência; (ii) aumentar a eficiência através da reestruturação do sistema judicial e da

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adopção de novos modelos de gestão dos tribunais; (iii) reduzir a lentidão do sistema através da eliminação de pendências e facilitando mecanismos de resolução extrajudiciais.

Independentemente de se reconhecer que o balanço é insuficiente, há que dizer que estes objectivos há muito que são prosseguidos pelos diferentes Governos, não comportando, pois, nenhuma novidade.

O Memorando aposta nalgumas das reformas que, pelo menos desde 2005, foram lançadas ou aprofundadas pelos Governos: reorganização do mapa judiciário, incremento do recurso aos meios de resolução extrajudi‑cial de litígios, regime experimental de processo civil, operacionalização dos tribunais especializados em matéria de concorrência e direitos da propriedade intelectual.

A eliminação das pendências nos tribunais até ao segundo trimestre de 2013, assumida no ponto 7.1., afigura ‑se como a dimensão utópica num documento necessariamente tecnocrático.

Importa também realçar o compromisso de rever o Código de Processo Civil, devendo estar preparada, até ao final de 2011, uma proposta identi‑ficando as áreas ‑chave para aperfeiçoamento, nomeadamente: (i) consoli‑dando legislação para todos os processos de execução presentes a tribunal; (ii) conferindo aos juízes poderes para despachar processos de forma mais célere; (iii) reduzindo a carga administrativa dos juízes e (iv) impondo o cumprimento de prazos legais para os processos judiciais e, em particular, para os procedimentos de injunção e para os processos de insolvência.

Igualmente relevante é o propósito de, até ao final de 2011, avaliar a necessidade de secções especializadas nos tribunais de comércio com juízes especializados em processos de insolvência, bem como o de intro‑duzir medidas visando desincentivar a litigância de má fé.

Não é aqui o espaço para nos debruçarmos sobre os tão vastos e profundos problemas do sector da justiça. Sempre se dirá, contudo, que uma das principais razões para a sua tão longa subsistência é a contínua fraqueza do poder político democrático para enfrentar os grupos de interesses que paralisam o impulso reformador. A ausência de consensos políticos credíveis e alargados é a outra face desta moeda.

Por outro lado, com demasiada frequência, fruto de razões várias, as iniciativas reformadoras têm sido mal concebidas, gerando, por vezes mais problemas do que os que visavam resolver. O caso paradigmático – mas não único – foi o da reforma da acção executiva lançada em 2003.

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Importa, por isso, estar de sobreaviso. Com calendários tão apertados a probabilidade de se cometer erros aumenta. E há que reconhecer que este não é seguramente um domínio onde as instituições internacionais signatárias do Memorando nos possam oferecer uma especial expertise. Mais importante do que cumprir o Memorando é fazê ‑lo de forma correcta, sob pena de todo este esforço poder ser vão. Finalmente, temos há muito para nós que a melhoria do sistema de justiça passa por uma reforma de mentalidades ao nível dos seus protagonistas. E essa não há lei nem memorando que a assegure.

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7.SECTOR PÚBLICO EMPRESARIALPORTUGUÊSJoão Pateira Ferreira

1. Introdução

Iremos passar em revista os compromissos assumidos pelo Estado Português no “Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica”, relativos ao Sector Público Empresarial (SPE)1. Como veremos, tais compromissos representam a introdução de mudanças estruturais relevantes, embora não inovadoras, a nível da organização, con‑trolo e responsabilização da actuação do SPE, mas também a nível do seu redimensionamento, v.g., em consequência das operações de privatização que haviam sido anunciadas no Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010 ‑2013 (PEC), e que o Memorando reitera2.

1 O Memorando refere ‑se apenas ao Sector Empresarial do Estado, incluindo nele as empresas pertencentes às administrações central, local e regional (distinguindo os sectores apenas ocasionalmente em matéria de prazos diferenciados para implementação de medidas concretas). No texto, mantemo ‑nos fiéis à classificação tradicional que distingue o sector empresarial do Estado das entidades empresariais detidas pelas Autarquias e pelas Regiões Autónomas, enquanto subsectores distintos do Sector Público Empresarial. Cfr. António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I. 4.ª ed., Coimbra, 1996, pp. 143 e ss., Eduardo Paz Ferreira, Direito da Economia, AAFDL, Lisboa, 2004, pp. 215 e ss., Paulo Otero, Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra, 1998, pp. 77 e ss.

2 V.g., os responsáveis pelas negociações com Portugal do Fundo Monetário Internacional destacariam dois pontos quanto aos compromissos assumidos a nível do Sector Empresarial, por um lado em matéria de organização e controlo, e por outro lado a nível das privatizações anunciadas previamente ao pedido de auxílio internacional: “(…) targets are supported by strong structural reforms to restore control over public‑‑sector spending. As you know, one of the main problems has been runaway increases in spending, not least because of public ‑private partnerships (PPPs) and state ‑owned

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2. As medidas e os compromissos assumidos

O Memorando apresenta no seu Ponto 3, “medidas orçamentais estruturais”, um conjunto de compromissos específicos sobre o Sector Público Empresarial (§§ 3.22. a 3.30); não obstante, ao longo do docu‑mento, encontramos diversas referências directas ou indirectas às entidades públicas de natureza empresarial, independentemente da sua forma jurídica e da sua detenção pelas administrações central, regional ou local, e às participações empresariais do Estado, seja a nível da sua re ‑orçamentação pelo alargamento do perímetro de consolidação orçamental (cfr. §§ 3.13. e 3.14)3, como pela eliminação das golden ‑shares e dos direitos especiais do Estado, que são qualificadas como fazendo parte das “condições de enquadramento” (ou custos de contexto) da economia portuguesa (§ 7.19).

enterprises, and there’s much in the program to tighten control and scrutiny in these areas. (…) The privatization program in the agreement with the authorities is for the moment quite a bit based on their own plans and their own plans involve privatization in the transport, energy, communication, and insurance. And over the course of the coming two and a half, three years, this involves about 5 to 6 billion euros. What we are doing is we are encouraging and the authorities are planning to do reviews of the state ‑owned enterprises in order to see further scope for privatization. And they realize the importance of encouraging and accelerating the privatization program.” “Transcript of a Conference Call with IMF Mission Chief Poul Thomsen on the IMF Executive Board’s Approval of an Extended Fund Facility for Portugal”, de 20 de Maio de 2011, disponível em www.imf.org.

3 Como se refere no Relatório do Grupo de Trabalho para a Revisão da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), de 14 de Julho de 2010 (disponível em www.min‑‑financas.pt), “no caso português, acresce ainda o facto de não existir actualmente coincidência dos universos da contabilidade pública e da contabilidade nacional. De facto, tem ‑se assistido nos últimos anos à transformação de entidades pertencentes ao Sector Público Administrativo em entidades com estatuto de empresas ou fundações. Em muitos destes casos, as empresas deixam de ter expressão directa do Orçamento do Estado, embora a sua classificação em termos de contas nacionais não seja alterada. Esta situação implica uma perda de capacidade no acompanhamento orçamental destas entidades, contribuindo para a fragmentação da execução orçamental”. Nestes termos, o novo artigo 2.º, n.º 5 da LEO (revista e republicada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de Maio) determina que “para efeitos da presente lei, consideram ‑se integrados no sector público administrativo, como serviços e fundos autónomos, nos respectivos subsectores da administração central, regional e local e da segurança social, as entidades que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas em cada subsector no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do Orçamento.”

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As medidas previstas para este sector podem ser organizados em torno de dois grandes domínios: por um lado, as matérias relativas à organização do SPE, implicando o aprofundamento das regras e proce‑dimentos de controlo, onde se pugna por uma revisão do quadro legisla‑tivo actual4, pela definição de uma maior capacidade de intervenção da Administração Central sobre todo o SPE, o reforço da transparência e da responsabilização da gestão destas empresas e, finalmente, a estrutura de financiamento do SPE; por outro lado, o redimensionamento do SPE, atra‑vés de um programa de privatizações que, no essencial, segue o que havia sido já definido na revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para o triénio 2010 ‑2013, bem como a eliminação dos direitos especiais e golden ‑shares detidos pelo Estado Português em empresas privadas5.

2.1. A organização do SPE

Os compromissos assumidos no Memorando relativos à organização do SPE são reveladores das insuficiências estruturais actuais em matéria de controlo, organização e responsabilização da gestão das entidades empre‑

4 Cfr., em especial, o Decreto ‑Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime do Sector Empresarial do Estado e das Empresas Públicas, e a Lei n.º 53 ‑F/2006, de 29 de Dezembro, que aprova o regime jurídico do sector empresarial local. Há a referir que o primeiro dos diplomas citados (relativo ao SEE) foi profundamente revisto em 2007 (pelo Decreto ‑Lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto), tendo ‑se operado então um reforço dos instrumentos de controlo e de responsabilização da gestão das empresas públicas. Aliás, como nota Eduardo Paz Ferreira, Aspectos Gerais do Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, in Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, Eduardo Paz Ferreira (org.), Almedina, Coimbra, 2000, pp. 15 e ss., a introdução do RJSEE procurou inflectir uma tendência “liberalizante” em termos de controlo e organização das empre‑sas públicas, pela introdução de alguns mecanismos de controlo até então inexistentes.

5 Cfr. artigo 15.º da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril (Lei Quadro das Privatizações), n.º 1: “A título excepcional, e sempre que razões de interesse nacional o requeiram, o diploma que aprovar os estatutos da empresa a reprivatizar poderá prever, para garantia do inte‑resse público, que as deliberações respeitantes a determinadas matérias fiquem condi‑cionadas a confirmação por um administrador nomeado pelo Estado.”; e n.º 3: “Poderá ainda o diploma referido no n.º 1 do artigo 4.º, e também a título excepcional, sempre que razões de interesse nacional o requeiram, prever a existência de acções privilegiadas, destinadas a permanecer na titularidade do Estado, as quais, independentemente do seu número, concederão direito de veto quanto às alterações do pacto social e outras delibera‑ções respeitantes a determinadas matérias, devidamente tipificadas nos mesmos estatutos”.

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sariais do sector público; de facto, para além de medidas conjunturais de contenção de custos6, o Memorando incide na definição de um conjunto de medidas a adoptar naquelas áreas fundamentais, acrescentando ‑lhe ainda uma evidente preocupação de cariz financeiro relativo à estrutura de financiamento destas empresas, de forma a salvaguardar a sua susten‑tabilidade financeira e reduzir a exposição do Estado aos compromissos por si assumidos7.

Assim, quanto à organização do SPE, é assumido o compromisso de reforçar a sua “governação”, em especial pela avaliação da função accionista do Estado, de forma a dotar o Ministro das Finanças de um “papel decisivo” quanto a questões de ordem financeira, o que implicará necessariamente uma apreciação da implementação do actual quadro normativo neste domínio, até ao final de 20118.

Não obstante, os compromissos assumidos nesta matéria vão mais longe, ao definir ‑se que, concomitantemente à avaliação da função accio‑nista do Estado, deverá ser também avaliada a situação financeira do SPE, incluindo a exposição potencial do Estado e o âmbito de uma “privatização ordenada”, a que se seguirá uma “proposta de lei para regulamentar a criação e o funcionamento de empresas públicas a nível central, local e regional, devendo esta lei reforçar os poderes de monitorização da admi‑nistração central sobre todo o SEE” (§ 3.29), a apresentar à Assembleia da República no 1.º trimestre de 20129, fixando ‑se uma moratória para a

6 Assumindo ‑se o compromisso de reduzir custos no SPE com o objectivo de poupar, pelo menos, 515 milhões de euros, através das seguintes medidas: assegurar uma redução média permanente de, pelo menos, 15% dos custos operacionais, restringir sistemas de remuneração e de prestações acessórias, racionalizar os planos de investimento a médio prazo e aumentar as receitas de actividades mercantis (§ 1.16).

7 Refira ‑se que o PEC previa já um conjunto de medidas relativas ao sector empre‑sarial do Estado, a saber: “i) fixação de limites máximos para o crescimento anual do endi‑vidamento das empresas públicas não financeiras, até atingir um nível de 4% em 2013; ii) revisão dos encargos com sistemas de pensões e planos de saúde; iii) alinhar o SEE com as medidas de contenção salarial e de redução das despesas de funcionamento adop‑tadas na Administração Pública; iv) promoção de processos de reestruturação e reorga‑nização interna das empresas, tendo em vista a promoção de eficiência e a redução da despesa.” PEC 2010 ‑2013, pp.10, disponível em www.parlamento.pt.

8 Cfr. artigo 10.º e ss. do Regime do SEE.9 O que não se limitará, necessariamente, à governação financeira do SPE, mas

à própria definição do papel do Estado enquanto accionista, com meios e instrumentos

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criação de novas empresas da administração central, local e regional até que este processo esteja concluído.

Por outro lado, e para além das questões estruturais de base ante‑riores, deverá reforçar ‑se a monitorização e avaliação da boa gestão do SPE (pelo cumprimento dos critérios da economia, eficácia e eficiência), através da implementação de parâmetros de boa gestão e value for money, que deverão estar definidos até ao 1.º trimestre de 2012 (§ 1.7); pela impo‑sição do reporte mensal da execução orçamental do SPE e das parcerias público ‑privadas (até ao final do 3.º trimestre de 2011) (§ 3.3); e ainda pela publicação de contas trimestrais do SPE, a implementar até ao final do 4.º trimestre de 2011 (§ 3.8).

Finalmente, o Memorando revela uma grande preocupação com a exposição do Estado às contingências financeiras do SPE: desde logo, assume ‑se o compromisso de publicar, em anexo ao Orçamento do Estado (e já para a proposta de OE para 2012), um relatório anual abrangente sobre riscos orçamentais, que deve identificar as responsabilidades contingentes de todo o SPE e das parcerias público ‑privadas; em segundo lugar, e como referimos já, o perímetro de consolidação orçamental das Administrações Públicas passará a abranger as parcerias público ‑privadas e as entidades do SPE que tenham sido reclassificadas à luz das regras da contabilidade nacional, com reflexos no Orçamento do Estado, mas também a nível dos orçamentos regionais e locais.

Quanto ao financiamento das empresas públicas, há a evidenciar, por um lado, o reforço da transparência em matéria de exposição do Estado10, e por outro lado, o enfoque no financiamento próprio, através da revisão da estrutura de tarifas das empresas públicas, a fim de reduzir o grau de subsidiação e reforçar a sua sustentabilidade financeira, tendo como con‑sequência a desoneração (total ou parcial) dos contribuintes do financia‑mento destas entidades, e a repercussão nos utilizadores dos custos (a ser realizado entre Julho e Setembro de 2011), para além de se “rever o nível do serviço público prestado por todas as empresas públicas” até ao final

adequados de definição de objectivos de gestão e de responsabilização dos gestores públicos pela sua execução, dos limites de intervenção do Estado (de forma a salvaguardar essa função accionista de interferências políticas que, no limite, desresponsabilizam a própria gestão das empresas), e assegurar a transparência da gestão.

10 Sendo necessário concluir, até ao final de Julho de 2011, um relatório identifi‑cando as dez empresas que representam maiores riscos orçamentais (§ 3.22).

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do 3.º trimestre de 2011 (§ 3.24). Finalmente, serão aplicados limites ao endividamento (fonte de financiamento tradicional do sector, cuja garantia pelo Estado ou pelas entidades públicas regionais ou locais implica uma exposição elevada do erário público ao risco de incumprimento), devendo os planos de endividamento ser divulgados até ao final de Julho de 2011 para as empresas do sector empresarial do Estado, e para as empresas dos sectores regional e local até final de Setembro de 2011.

2.2. O redimensionamento do SPE

Muito embora os compromissos respeitantes à alienação de activos possam considerar ‑se meramente conjunturais, como consequência da necessidade de obtenção de receitas, o enfoque do redimensionamento do SPE nos principais activos empresariais ainda detidos pelo Estado, a imposição de uma avaliação dos activos empresariais da Administração Central, Local e Regional que, não fazendo parte do programa de priva‑tizações, sejam passíveis de uma “privatização ordenada” (§3.27), e a eliminação dos direitos especiais do Estado em empresas privatizadas assumem claramente uma natureza estrutural.

De facto, surgem como evidentes dois objectivos relacionados com o redimensionamento do SPE: em primeiro lugar, um objectivo financeiro, que, quanto a nós, menos significado assume. Os valores previstos para a privatização de activos referidos do Memorando (5,5 mil milhões de euros até 2013), respeitando à alienação integral ou parcial das partici‑pações detidas pelo Estado nos sectores dos transportes, comunicações, energia e seguros11, são não só reveladores do sucesso do processo de privatizações desenvolvido em Portugal desde a década de 1990 (com a

11 As empresas que serão total ou parcialmente privatizadas são a ANA – Aeroportos de Portugal, TAP, CP Carga, Galp, EDP, REN, Correios de Portugal, e Caixa Seguros Os compromissos assumidos implicam uma alienação “acelerada” da totalidade das acções da EDP e da REN, bem como da TAP, até ao final de 2011, devendo avançar ‑se com a iden‑tificação de duas grandes empresas adicionais para privatização até ao final de 2012, na altura da segunda avaliação trimestral (no final de 2011). Refira ‑se que o PEC 2010 ‑2013 identificava um conjunto mais alargado de empresas a privatizar, a saber: os Estaleiros Navais de Viana de Castelo, a Edisoft, a Eid, a Empordef IT (nos sectores da construção naval e defesa), a EMEF (nos transportes ferroviários), a INAPA (distribuição de papel), e a Sociedade Portuguesa de Empreendimentos (no sector mineiro).

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consequente redução dos activos empresariais relevantes na carteira de participações do Estado), como demonstram a pouca valia de mercado da maioria das empresas e participações empresariais públicas12, com impactos a nível da amortização da dívida pública eventualmente pouco significativos – sem trazer à colação a eventual assunção pelo Estado, directa ou indirectamente, de passivos destas empresas como forma de facilitar a sua alienação13.

O segundo objectivo, mais próximo da definição do papel do Estado num contexto de economia de mercado é, quanto a nós, mais impor‑tante, pelo cunho marcadamente liberalizante que imprime; assim, seja no contexto da privatização dos activos empresariais mais relevantes do Estado (com excepção das actividades nucleares da Caixa Geral de Depósitos, mas ainda assim impondo o seu redimensionamento), seja na eliminação “acelerada” (até Julho de 2011) dos resquícios de poder público sobre activos já privatizados (as golden ‑shares e outros direitos especiais)14, o Memorando impõe um Estado menos activo e, essencial‑mente, mais limitado nos instrumentos de acção económica, quer através de empresas por si controladas, como pela intervenção na gestão de empresas entretanto privatizadas. Se atendermos ainda ao destaque dado à regulação económica e à liberalização de sectores de actividade e de mercados, o Memorando sinaliza uma evidente e definitiva conversão do

12 Pense ‑se, por exemplo, na generalidade dos Hospitais Públicos, actualmente Enti‑dades Públicas Empresariais, na Estradas de Portugal, S.A. ou na Parque Escolar, S.A. A carteira de participações do Estado pode ser consultada em www.dgtf.pt.

13 Tenha ‑se em especial consideração o caso do Banco Português de Negócios, nacionalizado pela Lei n.º 62 ‑A/2008, de 11 de Novembro. Nos termos dos compromissos assumidos pelo Estado Português, este banco deverá ser privatizado, “de acordo com um calendário acelerado e sem definição de um preço mínimo”, devendo encontrar ‑se um comprador até ao final de Julho de 2011 (§§ 2.10 a 2.12), tarefa que se afigura facilitada tendo em conta que “logo que se encontre uma solução, os créditos da CGD sobre o BPN garantidos pelo Estado e todos os veículos especiais [que detêm os activos com imparidades e os activos bancários non core, entre outros, do BPN] serão transferidos para o Estado” (§ 2.12).

14 Matéria em relação à qual o toque de finados havia já soado, à luz das obriga‑ções de Portugal em matéria de liberdade de circulação de capitais na União Europeia. Recorde ‑se a este título o recente Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 2010, no processo C ‑171/08, Comissão c. Portugal, relativo à golden ‑share detida pelo Estado Português na Portugal Telecom, SGPS, S.A.

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“Estado Agente” em “Estado Regulador”, com reflexos necessários na configuração da Constituição Económica, cada vez mais uma ordnung da economia de mercado.

3. Em conclusão

A análise dos compromissos assumidos pelo Estado Português no “Memorando da Troika”, trouxe ‑nos à memória algumas fábulas de Esopo ou La Fontaine, evocativas da procrastinação, do adiamento do inevitável, e do que sucede aos que apenas agem quando confrontados com os resulta‑dos da sua própria inacção; mais prosaicamente, recordamos também que muitas das medidas agora assumidas eram já tidas por necessárias, v.g., no Relatório da OCDE sobre o processo orçamental português, de 200815.

Os compromissos assumidos por Portugal em 17 de Maio de 2011, como contrapartida de um empréstimo internacional necessário para assegurar a solvabilidade financeira do Estado, em particular as cerca de 20 medidas ou compromissos assumidos em relação ao Sector Público Empresarial, pecam apenas por não fazerem já parte intrínseca da organi‑zação da actuação pública através de entidades de natureza empresarial. Não se trata aqui de uma mudança radical ou de uma revolução sistémica no sector empresarial público, mas sim da sua organização em torno de parâmetros de controlo, responsabilização e transparência que deveriam

15 “As operações das empresas públicas escapam a um escrutínio detalhado por‑que a informação sobre as suas receitas e despesas não está incluída no orçamento. Para além disso (…), o facto das empresas públicas se financiarem muitas vezes através de empréstimos, irá continuar a mantê ‑las fora do escrutínio do Ministério das Finan‑ças e da Direcção Geral do Orçamento. Este é um motivo para preocupação e cuidado, especialmente quando o financiamento das empresas públicas assenta numa conjugação público ‑privado. As empresas públicas com tal sistema de financiamento são vulneráveis a choques financeiros que afectam o sector privado, nos quais as perdas serão suporta‑das pelo Estado, ou seja, pelo dinheiro dos contribuintes. O nível de endividamento das empresas públicas deveria ser revelado. Para promover maiores ganhos de eficiência, as demonstrações financeiras das empresas públicas, com ênfase nos subsídios governamen‑tais (i.e. empréstimos directos, garantias, etc.) deveriam ser incluídas no Orçamento do Estado, como um memorando ou em anexo, para que os decisores pudessem estar mais cientes da escala e abrangência dos eventuais riscos.” OCDE, Avaliação do Processo Orçamental em Portugal, 2008, pp. 71, disponível em www.dgo.pt.

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67O memorando da troika em análise

sempre nortear a actuação pública, cuja implementação era já necessária e conhecida antes das pressões financeiras insustentáveis tornarem inesca‑pável a intervenção externa. A forma como serão introduzidas e, acima de tudo, o ritmo acelerado da sua implementação, com pouca margem para uma análise ponderada do custo ‑benefício de algumas opções (em espe‑cial em matéria de alienação de activos) podiam, por isso, ser evitáveis.

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ARTIgOS

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José Renato GonçalvesProfessor da Faculdade de Direito de Lisboa

(Grupo de Ciências Jurídico ‑Económicas)

José Renato Gonçalves

E depois do ‘resgate’ (da Grécia, da Irlandae de Portugal)? Outro ‘resgate’?

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RESUMO:

Após o ‘resgate’ da Grécia, da Irlanda e de Portugal, importa apurar se os programas de ajustamento acordados poderão ser bem executados e se resolverão os desequilíbrios que obrigaram à apresentação do pedido de ajuda ou se, pelo contrário, será necessário activar um ’segundo resgate’.

Palavras ‑chave:Crise da dívida soberanaCrise do euro/crise da zona euroResgate financeiro da Grécia, da Irlanda e de Portugal

ABSTRACT:

After the bailouts of Greece, Ireland and Portugal, it is critical to find out if the economic adjustment programs could be well executed and if they will solve the imba‑lances that obliged the countries to ask for aid, or if, on the contrary, it will be necessary to activate a ‘second bailout’.

Keywords:Sovereign ‑debt crisis Euro crisis/eurozone (euro area) crisisBailouts of Greece, Ireland and Portugal

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73Artigos

Sumário: 1. O recurso ‘inevitável’ à ajuda financeira externa (por parte da Grécia, da Irlanda e de Portugal). 2. Os mecanismos de assistência financeira externa e suas implicações. 3. Os problemas reais e as vias para a sua resolução. A (in)adequação do ‘receituário’ às ‘patologias’. 4. E depois do ‘resgate’ (da Grécia, da Irlanda e de Portugal)? Outro ‘resgate’?

Uma das preocupações que têm vindo a ser colocadas com a maior pertinência desde que foram apresentados pedidos de ajuda externa, suces‑sivamente, pela Grécia, pela Irlanda e por Portugal, entre Abril de 2010 e Abril de 2011, respeita aos efeitos económicos e sociais dos respectivos programas de reajustamento, de natureza recessiva e sem garantias de exclusão de agravamentos, desejavelmente apenas transitórios, dos seve‑ros desequilíbrios iniciais, sobretudo nas contas públicas e nas contas das relações económicas com o exterior.

Se após a execução dos programas de reajustamento tornados ‘inevi‑táveis’ e ‘inadiáveis’ ocorrer uma deterioração significativa das situações de desequilíbrio inicialmente existentes, como já acontece no caso da Grécia (mas não, pelo menos por enquanto, na Irlanda, de acordo com as últimas avaliações, tanto da Comissão Europeia como do Fundo Monetário Internacional – FMI), não se deve excluir liminarmente a hipótese de resultados comparáveis em Portugal. Por isso se justifica a interrogação quanto à utilidade (ou desutilidade) dos compromissos entretanto assumi‑dos, os quais, na óptica de alguns observadores, de ‘ajuda’ pouco terão, por sujeitarem os seus beneficiários a efeitos recessivos, pró ‑cícliocos, para além de os juros exigidos serem demasiado elevados.

Assim, importa apurar, designadamente, se no quadro actual valerá mesmo a pena ou não o recurso aos mecanismos já criados para assistência financeira externa, e se, após a execução dos programas de ajustamento, a situação económica e social dos países em causa se tornará substancial‑mente mais robusta, ou se, ao invés, se poderão manter ou até ampliar as debilidades estruturais. Alternativamente, que outros mecanismos existem ou ‘deveriam’ surgir, mais apropriados ou melhor apetrechados, para responder e resolver satisfatoriamente aqueles problemas? É destas questões que trata o texto seguinte.

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1. O recurso ‘inevitável’ à ajuda financeira externa (por parte da Grécia, da Irlanda e de Portugal)

Não parecem subsistir dúvidas quanto à necessidade ou ‘inevitabi‑lidade’ do recurso urgente a assistência financeira externa por parte dos três países (Grécia, Irlanda e Portugal), pelo menos na altura em que o respectivo pedido foi efectivamente apresentado – os pedidos de ajuda de cada um dos três países foram apresentados em momentos diferentes, entre Abril de 2010 e Abril de 2011, em função de circunstâncias nacionais e também externas próprias, umas de natureza económica, estruturais e/ou conjunturais, outras de natureza política, para além do tipo e da amplitude dos desequilíbrios macroeconómicos (1).

Independentemente das especificidades nacionais de cada país – a Irlanda (e Portugal e também a Espanha) ser(em) muito diferente(s) da Grécia, como quase todos (e muito especialmente naqueles primeiros países) insistiram em repetir na altura do ‘resgate’ da Grécia… –, não

1 Ao considerar ‑se que, na altura em que foi apresentado (ou seja, entre Maio de 2010 e Maio de 2011), o pedido de ajuda dos três países era praticamente ‘inevitável’, não se pretende sustentar que nada poderia ter sido feito antes disso ou mesmo depois, depen‑dendo das situações concretas de cada país, e desde que por forma substancial e firme (como procuraram fazer alguns governos, incluindo o de Espanha). Independentemente das causas mais próximas e imediatas das crises das dívidas soberanas, incluindo movi‑mentos especulativos e dificuldades sérias de liquidez ou até de solvabilidade de várias instituições financeiras, o certo é que não faltaram os autores que em diversos estudos procuraram salientar a acumulação perigosa de grandes desequilíbrios macro ‑económicos em determinados países. Entre os muitos textos que procuraram salientar desde cedo essas dificuldades e a consequente insustentabilidade da evolução trilhada no quadro da união monetária europeia encontramos, em Portugal, vários da autoria dos Profs. Paulo de Pitta e Cunha (da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) e João Ferreira do amaral (do ISEG, da Universidade Técnica de Lisboa), para além de outros, por vezes qualificados como ‘catastrofistas’, como os do Dr. medina Carreira. O número desses trabalhos aumentou significativamente nos últimos anos, à medida que alastrava a crise de 2007 ‑2010. Entre eles, poder ‑se ‑á incluir o nosso O Euro e o Futuro de Portugal e da União Europeia. Deste ponto de vista, dificilmente se poderá afirmar que as dificuldades actuais de certos países constituem completa novidade, alheia à tendência não travada de acumulação de sucessivos e vultosos desequilíbrios macroeconómicos – mesmo que essa tendência possa nem sempre apresentar uma conexão imediata com as dificuldades con‑cretas da emissão de dívida soberana.

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poderiam (e, provavelmente, não deveriam, como agora muitos notam) ser afastadas várias semelhanças entre eles.

Antes de mais, os três países registavam (ou passaram a registar) grandes desequilíbrios macroeconómicos e, em especial, uma enorme dependência do financiamento externo. Alguns desses desequilíbrios eram, e continuam a ser, não só muito significativos como persistentes, nos casos da Grécia e de portugal, tendo ‑se repetido ano após ano, ganhando natureza estrutural e tornando ‑se, por isso, dificilmente sustentáveis a prazo – note‑‑se apenas, por agora, tanto a evolução como sobretudo a amplitude do défice externo português, medido pela repectiva conta corrente, durante a última década (em torno dos 10% do PIB por ano, em média, um dos mais elevados de todo o mundo) (2).

O crescente recurso e a consequente dependência do financiamento externo, imprescindíveis à alimentação dos défices nas relações económi‑cas com o estrangeiro, também eles crescentes, só em parte justificados pela crise financeira e económica de 2007 ‑2010, haveriam de repercutir ‑se, mais cedo do que tarde, mesmo que não imediatamente, no aumento dos custos (ou seja, das taxas de juro) a exigir pelos mercados para continuarem a satisfazer a procura de liquidez pelos países com deterioração acelerada nos níveis de risco.

Como era previsível desde há muito, a distinção entre devedores soberanos não deixaria de se ampliar em função do risco – o que só não se verificara anteriormente entre os países da área do Euro, desde a sua criação em 1999, por se ter suposto nos mercados, incorrectamente, que o risco não era nem deveria ser muito diverso entre os países da mesma área monetária e que estes dificilmente deixariam um dos parceiros entrar em incumprimento (precisamente ao arrepio do previsto nos Tratados, através da célebre norma de no bailout).

2 Para uma análise da situação económica e financeira de cada país e da sua evo‑lução, é muito útil a consulta dos dados coligidos tanto pelos organismos nacionais de estatísticas como, a nível europeu, pelo gabinete de estatísticas da Comissão Europeia (o Eurostat) e, a nível mundial, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), designadamente nos seus relatórios periódicos elaborados ao abrigo do Artigo IV dos respectivos Estatu‑tos. Da leitura, dir ‑se ‑ia quase premonitória, de alguns destes relatórios [o último sobre Portugal, relativo ao ano 2009, (só) foi publicado em Janeiro de 2010], dificilmente se poderia estranhar o subsequente recurso, ‘inevitável’ e ‘inadiável’, a assistência externa.

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A maior diferenciação entre devedores soberanos e o consequente agravamento dos juros exigidos sobretudo a alguns governos (no quadro europeu, especialmente à Grécia, à Irlanda e a Portugal, com variações significativas ao longo de 2010 e de 2011) tornaram excessivamente one‑roso o recurso ao endividamento por parte desses governos, aumentando as dúvidas sobre a capacidade de alguns deles para cumprirem todas as obrigações inerentes ao seu stock de dívida. O risco dos três países cita‑dos continuou a agravar ‑se assustadoramente, tanto por efeito do próprio funcionamento dos mercados financeiros, que com recurso crescente a novos instrumentos cuja referência é o próprio risco dos países, como por efeito de alertas de sucessivas reduções de rating por parte das empresas especializadas nesse campo, por vezes difíceis de compreender, pelo menos com base nas variações mais recentes das informações disponíveis.

Independentemente das causas, mediatas e imediatas, certo é que tudo se pareceu conjugar no sentido do agravamento dos custos do recur‑so ao crédito por parte dos governos mais dependentes dessa fonte de financiamento. Para alguns países, como a Grécia, a Irlanda e Portugal, a subida acelerada das taxas de juro chegou a atingir montantes de tal ordem – acima de 6%, 8%, 10% e mais – que, sem grande margem de dúvidas, se tornariam dificilmente sustentáveis, tendo em consideração as fracas perspectivas de crecimento para essas economias (no caso de Portugal, como insistiu o FMI em vários dos seus relatórios recentes com base nos dados compilados por aquela organização, a taxa de crescimento económico tinha sido uma das mais reduzidas de todo o mundo durante a década anterior).

A subida das taxas de juro exigidas a determinados países para níveis provavelmente insustentáveis coloca inevitavelmente a questão da própria necessidade de ‘reestruturação’ ou, pelo menos, de ‘reescalonamento’ das respectivas obrigações de dívida, o que até agora foi completamente afastado por todos os responsáveis europeus e nacionais, incluindo pelos membros da comissão executiva do BCE (que se referiram a uma tragédia com efeitos mais dramáticos do que os resultantes da falência do Lemon Brothers, em 2008) mas que deixou de o ser, pelo menos ‘por completo’, a partir do momento em que o presidente do Eurogrupo, Jean ‑Claude JunCker, por ocasião da reunião do ECOFIN de 16 e 17 de Maio de 2011, se referiu à hipótese de uma ‘reestruturação ligeira’ da dívida grega, que contemple uma dilatação dos prazos e uma redução das taxas de juro,

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condicionadas certamente a um reforço das reformas estruturais e do controlo do défice público.

Se nenhuma dessas situações, incluindo o eventual incumprimento do serviço da dívida (‘bancarrota’), deve ser considerada ‘inevitável’ – sem prejuízo de já o ser entendido dessa forma por vários observadores, desde títulos de imprensa especializada de referência internacional, como The Economist, como o seu já célebre ‘Plano B’, ou Finacial Times, até econo‑mistas de grande nomeada, incluindo talvez o mais mediático de todos, Paul krugman, na sua crónica dominical no The New York Times) – certo é que, após a prossecução de certo tipo de políticas e independentemente das suas maiores ou menores virtualidades (teóricas e práticas), desde que conduzam ou tenham conduzido a um forte agravamento de um conjunto de desequilíbrios macroeconómicos fundamentais, entre eles os défices externo e público e o stock da dívida externa e da dívida pública, podem perfeitamente tornar ‑se insuficientes outras saídas para além do recurso à assistência exerna (no primeiro caso) ou à ‘restruturação’ (mais ou menos ‘ligeira’) ou ao ‘reescalonamento’ da dívida pública (no segundo caso). Foi o que sucedeu já com o recurso à ajuda externa por parte dos três países (3). Poderá também suceder, eventualmente, algo de comparável com o cumprimento (ou não) pontual do stock da dívida pública.

2. Os mecanismos de assistência finaceira externa e suas implicações

Enquanto membro de organizações de cooperação monetária inter‑nacional como o Fundo Monetário Internacional (FMI), qualquer Estado pode exercer o direito ou direitos a assistência financeira, incluindo a utilização dos recursos disponíveis e considerados necessários, com o objectivo de ‘correcção’ ou de ‘reajustamento’ de situações de desequilí‑brio da respectiva balança de pagamentos, evitando assim a adopção de medidas nocivas à prosperidade nacional ou internacional, nos termos dos estatutos em vigor.

3 Entre os estudos mais recentes sobre Portugal, levando em conta os últimos dados estatísticos disponíveis, e considerando ‘inadiável’ o pedido de assistência financeira inter‑nacional concretizado no início de Abril de 2011, cfr. o Relatório Anual de 2010 do Banco de Portugal, publicado no dia 19 de Maio de 2011 (disponível no sítio < bportugal.pt >).

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O mesmo se poderia acrescentar em relação aos mecanismos de auxílio previstos no quadro da União Europeia e da zona euro. Como decorrência do princípio da solidariedade entre os Estados que compõem uma união económica e monetária, o n.º 2 do artigo 122.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) admite a possibilidade de concessão de ajuda financeira a um Estado membro em dificuldades ou sob grave ameaça de dificuldades devidas a ocorrências excepcionais que não possa controlar.

O problema é que, até Maio de 2010, não se encontrava previsto nenhum mecanismo desse tipo no quadro da União Europeia e da zona euro – para além do mecanismo de apoio financeiro de médio prazo às balanças de pagamentos dos Estados membros que ainda não adoptaram o euro, instituído pelo Regulamento (CE) n.º 332/2002, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2002 (JO L 53 de 23.2.2002), que se mantém (4).

O Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira só foi criado, ‘de emergência’, pelo Regulamento (UE) n.º 407/2010 do Conselho, de 11 de Maio de 2010 (JO L 118 de 12.5.2010), com o objectivo de preservar a estabilidade financeira europeia, de modo a permitir à União uma resposta ‘coordenada, rápida e eficaz a graves dificuldades registadas num dado Estado membro da área do euro’. A sua activação processa ‑se no âmbito de um apoio conjunto da União Europeia e do FMI.

Na sequência das decisões do Conselho ECOFIN de 9 de Maio de 2010, os Estados membros da área do euro constituíram, um mês depois, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European Financial Stability Facility – EFSF), habilitado a emitir obrigações ou outros instrumentos de dívida, cobertos por garantias prestadas por Estados da área do euro, de modo a reunir os recursos necessários à realização de empréstimos aos Estados membros que requeiram ajuda (5).

4 Actualmente, beneficiam dessa Facilidade de apoio à Balança de Pagamentos dos Estados membros da União Europeia que ainda não adoptaram o euro, criada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 332/2002, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2002, três países da Europa central e de leste: Letónia, Hungria e Roménia.

5 O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), com garantias dos Estados membros da área do euro que podem atingir os 440 mil milhões (ou ‘biliões’) de euros e lhe garantiram o rating máximo das agências de notação Standard & Poor’s, Fitch (AAA) e Moody’s (Aaa), constituído no dia 7 de Junho de 2010 no Luxemburgo, ao abrigo da lei luxemburguesa, integra uma rede de auxílio financeiro mais vasta que inclui o Mecanismo

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Ao fazer ‑se depender a assistência financeira externa da aprovação dos representantes dos governos dos Estados membros da União partici‑pantes na zona euro, passou a sujeitar ‑se também, de algum modo, à não oposição das opiniões públicas nacionais aos auxílios acordados com os Estados em situação económica e financeira menos favorável, opiniões essas que evoluem rapidamente, desde uma aceitação inicial praticamen‑te acrítica e quase generalizada até uma oposição mais recente mas não menos frontal, e não apenas na Europa central e do norte, o que não deixa de ser preocupante para os países visados (6).

Os auxílios financeiros referidos destinam ‑se, conforme é conhecido, a ‘corrigir’ ou ‘reajustar’ situações de desequilíbrio que, por quaisquer motivos, não foram prevenidos e/ou corrigidos anteriormente, com a preocupação de não prejudicar a prosperidade nacional e internacional. Perante a revelação de graves desequilíbrios económicos, os mecanis‑mos típicos de ajustamento obrigariam a uma correcção brusca do rumo seguido até aqui, na sequência da impossibilidade imediata de o Estado continuar a recorrer ao crédito, com efeitos dramáticos na redução da

Europeu de Estabilização Financeira (MEEF), com um montante de até 60 mil milhões de euros financiados pela Comissão Europeia e garantidos pelo Orçamento da União, e ainda o FMI, com um montante de até 250 mil milhões de euros. A ajuda conjunta dos três fundos pode atingir os 750 mil milhões de euros. Qualquer assistência financeira conjunta do FEEF/EFSF, do MEEF/EFSM e do FMI a um Estado membro fica sujeita a condições estritas de política económica e financeira negociadas por esse Estado com a Comissão Europeia em ligação com o Banco Central Europeu e com o FMI e depois aprovadas pelo Eurogrupo.

6 Se no início, após a criação do novo mecanismo de apoio financeiro, a sua acti‑vação foi considerada absolutamente necessária, com o passar dos meses aumentaram de tom as críticas e até ameaças, umas vezes mais veladas, outras vezes mais ostensivas, por parte de diversos responsáveis de governação e de partidos, no sentido de se restringirem ou mesmo de se eliminarem logo que possível esses financiamentos aos ‘países perifé‑ricos’, defendendo uma intensificação do controlo sobre o cumprimento das exigências feitas aos beneficiários dos auxílios (Grécia, Irlanda, Portugal). Na versão mais recente da chanceler alemã, angela merkel, no dia 18 de Maio de 2011, “não podemos todos ter a mesma moeda e alguns gozarem muitas e outros poucas férias, ou alguns irem para a reforma muito mais cedo do que os alemães”. Na síntese do comissário dos Assuntos Económicos e Monetários, olli rehn, no dia seguinte, ‘nos países da Europa central e do norte da Europa (Alemanha, Holanda, Finlândia…) e em outros países europeus há uma espécie de fadiga em relação ao apoio aos resgates, enquanto em alguns países da Europa do sul temos uma espécie de cansaço de reformas’.

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despesa nacional, sem excluir um eventual colapso do sistema financeiro ou de partes deste, com consequências nefastas generalizadas em todas as actividades, extremamente difíceis de estimar com precisão.

Embora evitando este tipo de efeitos nefastos imediatos, os progra‑mas de assistência financeira aos Estados que a eles recorram são condi‑cionais: procuram assegurar um reajustamento a prazo. Os receituários típicos do FMI e de outras organizações com missões similares e os efeitos da respectiva aplicação nos países que o decidem ou se vêem obrigados a adoptá ‑los, perante situações de grave desequilíbrio das respectivas balanças de pagamentos, têm sido severamente criticados justamente pelos seus efeitos económicos e sociais austeros e ‘insensíveis’. Mais ainda, por terem por objectivo a eliminação ou pelo menos a redução substancial dos desequilíbrios que estiveram na sua origem, os programas de ajustamento tendem a alhear ‑se do essencial – o reforço do potencial de crescimento e da taxa de emprego dos recursos disponíveis – tornando o próprio ajustamento insustentável.

Reduzir repentinamente a despesa e incentivar a poupança nacional com vista a eliminar o diferencial negativo nas relações com o exterior constituem efeitos possíveis, desejáveis ou ‘inevitáveis’ de políticas de reajustamento. No entanto, as repercussões económicas e sociais desse tipo de políticas de austeridade serão sempre restritivas para os rendimen‑tos disponíveis das pessoas e para as actividades em geral, com efeitos negativos nos índices de produção e de emprego, que aliás se poderão prolongar por vários anos.

Havendo desequilíbrios insustentáveis nos níveis de consumo e de poupança nacional, importará travá ‑los e corrigí ‑los, quanto antes. Mas não por forma cega, desprovida de sensibilidade social nas medidas acon‑selhadas (normalmente a partir do exterior, por organismos especializados em financiamento internacional aos Estados, como o FMI), porque essas políticas serão difíceis de suportar, no médio ou até no longo prazo. As pessoas compreendem e aceitam medidas de correcção transitórias, mas não ‘sem’ fim e resultados (quase) à vista, sob pena de resistências sociais crescentes às mesmas.

É preocupante a situação actual da Grécia, em que as medidas de ajustamento acordadas na sequência do pedido de auxílio de Abril de 2010, particularmente penosas, poderão ter de ser reforçadas, segundo o entendimento tanto da Comissão Europeia como do FMI, a fim de se

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poderem alcançar os objectivos de reajustamento antes acordados. A expe‑riência da Grécia – primeiro país da área do euro a necessitar de ajuda externa desta natureza desde que foi criada a nova moeda europeia – e a da Irlanda importam agora por poderem prefigurar o que eventualmente virá a ocorrer (ou não) com o caso português (7).

O êxito ou o fracasso (sempre relativo) dos programas de reajusta‑mento dependem, designadamente, de se pretender ‘apenas’ o reequilíbrio nominal de determinados agregados (mera redução ou eliminação pontual do défice externo, do défice público…) ou de se pretender ir mais além, reforçando efectivamente as condições ou o potencial de produção nacio‑nal por forma a tornar a economia mais competitiva, favorecendo assim uma expansão sustentada das actividades em geral e do emprego. Sem um reforço sustentável da taxa de crescimento, qualquer equilíbrio que se obtenha correrá o risco de claudicar, tornando eventualmente inúteis sacrifícios económicos e sociais entretanto sofridos.

3. Os problema reais e as vias para a sua resolução. A (in)adequação do ‘receituário’ às ‘patologias’

Consistindo o problema essencial numa situação de desequilíbrio profundo, ou de um conjunto de desequilíbrios profundos, de um país em relação ao exterior – com tradução simples num excesso de gastos e em poupaças diminutas –, situação que importa começar a corrigir quanto antes e por forma sustentável no médio e no longo prazo, afinal o que se encontra verdadeiramente em jogo é a capacidade de produzir (mais e melhor, com maior valor), e o seu reforço, não numa óptica isolada mas

7 Sobre o actual quadro macroeconómico ‘particularmente severo’ da economia portuguesa e as perspectivas para o seu futuro próximo, com uma recessão ‘de magni‑tude elevada’ em 2011 ‘que persistirá em 2012’ e será ‘acompanhada de uma contracção sem precedentes do rendimento disponível real das famílias e de novos aumentos da taxa de desemprego’, é essencial, uma vez mais, confrontar a análise mais recente do Banco de Portugal no seu Relatório Anual relativo a 2010, divulgado no dia 19 de Maio de 2011 (disponível no sítio < bportugal.pt >), para além dos relatórios periódiocos tanto do FMI como da OCDE, da Comissão Europeia e do BCE sobre o país e a zona euro, disponíveis nos respectivos sítios internet (< imf.org >, < oecd. org >, < europa.eu >/< epp.eurostat.ec.europa.eu > e < ecb.int >).

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comparada com os demais países (de uma área monetária, de uma união económica, do mundo). Fala ‑se a este propósito em perdas e em ganhos de competitividade de um país ou região.

Estando em jogo o grau relativo de competitividade de um país em face dos restantes, o desiderato fundamental consistirá em optimizar os factores produtivos disponíveis, contribuindo assim para o aumento (do valor) da produção total. Dos avanços na produtividade dos factores decorrem avanços na competitividade, dependendo isso (positiva e/ou negativamente) das políticas económicas prosseguidas. Todas as acções contam para o resultado final: as que são favoráveis (em parte ou na tota‑lidade) à competitividade, as que não o são, as que são ou não (em maior ou menor grau) contraditórias em relação a outras, podendo neutralizar ‑se ou reforçar ‑se reciprocamente, as que são e as que não são sustentáveis (financeiramente, ambientalmente, ao longo do tempo…). Como todas as acções contam, a respectiva avaliação é crucial, incluindo o confronto custos/benefícios (8).

Nada de mal há na ocorrência de uma situação transitória de dese‑quilíbrio ou de défice, seja nas contas externas de um país, seja nas contas públicas ou noutros agregados. As oscilações dos indicadores económicos são frequentes, têm as mais diversas causas, tanto económicas como ‘não económicas’, tanto naturais como sociais e humanas. Todavia, se a ocor‑rência de uma situação pontual de desequilíbrio não será especialmente preocupante, podendo mesmo traduzir uma decisão ou um conjunto de decisões estrategicamente acertadas e fundamentadas (em que assente um reforço futuro, substancial e sustentável, da produtividade nacional), já

8 Os vários desequilíbrios macro ‑económicos podem ser apurados a partir de pon‑tos de vista diversos e, quando reflectem um problema da perda de competitividade em relação ao exterior, são necessariamente acompanhados por ganhos efectivos de com‑petitividade e de quotas de exportação nos agregados correspondentes de outros países (v. g., num mundo com dois países, A e B, a perda de competitividade no país A, será acompanhada por um ganho de competitividade equiparável no país B). Esses desequilí‑brios macro ‑económicos que se verifiquem no conjunto das relações económicas realizadas entre um país e os restantes países do mundo revelam ‑se através de indicadores estatísti‑cos como o défice externo ‘global’ ou da balança de pagamentos e o (consequente) stock de endividamento externo ‘total’, no primeiro caso medido por determinados períodos de tempo, no segundo caso em determinado momento. O défice ou o excedente da balança de pagamentos compreende os défices e/ou excedentes da conta corrente, da conta finan‑ceira e da conta de capital, respeitantes a um dado ano ou trimestre).

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a ocorrência sucessiva dessas situações de desequilíbrio poderá tornar‑‑se preocupante, não tanto pela sua mera repetição mas sobretudo pela respectiva amplitude e pela seu somatório acumulado, o que, no limite, pode levantar dúvidas sérias sobre a capacidade de o devedor poder vir a cumprir as suas obrigações.

Referiu ‑se que, pelos mais diversos motivos, desde a circulação de simples rumores sem fundamento até reduções (eventualmente abusivas) de classificações atribuídas a certos títulos de dívida e respectivos emis‑sores, para além dos dados fundamentais, nada impede que os credores ou outros intervenientes nos mercados decidam restringir as condições exigidas aos seus potenciais clientes, e em especial a alguns deles, designadamente agravando ‑lhes as taxas de juro, entre outras condições limitadoras de empréstimo ou de transmissão de títulos, como o reforço de garantias e a ampliação das margens para negociação em certas pra‑ças (o que sucede agora). Receios crescentes quanto à eventualidade de incumprimento de todas ou de parte das obrigações de algum ou alguns dos credores, soberanos ou não, podem impedir por completo o acesso destes aos mercados financeiros (9).

Quando a informação disponível nos mercados da dívida soberana motive desconfiança em relação a determinado ou determinados devedo‑res, as taxas de juro aplicáveis tenderão a agravar ‑se ou a consolidar ‑se a um nível elevado, o que, no limite, sinalizará uma rejeição de mais

9 Sondagens recentes junto de investidores, empresários e analistas, efectuadas pela agência financeira Bloomberg (em Maio de 2011, disponível no respectivo sítio internet: < bloomberg.com >), indicam que a maioria dos inquiridos não tem dúvidas de que tanto a Grécia, como Portugal e a Irlanda não conseguirão escapar ao incumprimento das suas obrigações – no caso da Grécia, as certezas quanto a esse cenário rondam os 85% dos inquiridos! Os resultados não constituem novidade, conforme já se indicou: a imprensa especializada internacional (entre os títulos mais conhecidos, a necessidade da passagem ao chamado ‘Plano B’ tem sido especialmente defendida pelo semanário The Economist, disponível em < economist.com >) e vários economistas têm ‑se pronunciado claramente no sentido da ‘inevitabilidade’ de uma ‘reestruturação’ da dívida da Grécia, de Portugal e, eventualmente, de outros países que integram a zona euro, o que, oficialmente, só veio a ser admitido por alguns dos principais responsáveis pela zona euro no final de Maio de 2011 e apenas quanto a uma ‘reestruturação suave’ ou, mais especificamente, quanto a um ‘reescalonamento’ ou ‘recalendarização’ da dívida da Grécia, receando ‑se, no entanto, os efeitos em termos de credibilidade e de confiança junto dos mercados dos demais paí‑ses da zona euro com maiores dificuldades (Portugal, Irlanda, porventura a Espanha…).

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financiamento a esses interessados, situação de gravidade extrema, sobretudo para os países fortemente dependentes do endividamento externo – risco que não fica ultrapassado ou controlado após a obtenção de assistência financeira externa.

Voltemos ainda, mesmo que muito brevemente, às vias recorrente‑mente apresentadas, agora também, para a resolução do problema geral de perda de competitividade dos países (ou, mais precisamente, dos proble‑mas que atingem certos países, porque, apesar das similitudes existentes, deparamo ‑nos com múltiplas especificidades nacionais).

Independentemente do cenário acabado de resumir, note ‑se que enquanto um problema pontual, por exemplo de défice público, no caso de não ser particularmente elevado, poderá ser enfrentado com relativa facilidade através do recurso a uma subida das receitas e/ou a uma redução das despesas, o mesmo já não sucederá se for necessário o reajustamento de uma situação mais profunda e persistente de perda de competitividade nacional, designadamente reflectida em sucessivos registos de défices externos (v. g., de cerca de 10% por ano ao longo de mais de uma década, como no caso português, citado).

Se um ‘receituário’ de tipo recessivo pode ser eficaz no combate a uma determinada situação ou a um conjunto de ocorrências de défice público ou mesmo de défice externo, não bastará certamente, nem será minimamente apropriado, para um combate decisivo a uma tendência de perda sucessiva e significativa de competitividade de um país ou de um grupo de países. Para enfrentar eficazmente este tipo de problemas mais complexos, o programa de reajustamento deve assentar em políticas trans‑versais que incluam um conjunto de alterações estruturais apropriadas à obtenção de ganhos substanciais de produtividade e de competitividade, de modo a concretizar uma recuperação das contas externas.

Um receituário simplista e recessivo, do tipo FMI, nunca será apro‑priado ou suficiente para responder de modo minimamente satisfatório a um problema estrutural muito mais complexo e geral de perda de competi‑tividade de um país, assente em numerosos factores. Mesmo que em certa altura se revele ‘inevitável’ e ‘inadiável’ para um país, qualquer receituário de austeridade deverá ser sempre conjugado com outras medidas desti‑nadas a promover as condições de crescimento e de desenvolvimento e também com mecanismos satisfatórios de protecção dos riscos sociais, especialmente os mais graves.

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Para além de os programas de austeridade, baseados em cortes de despesas e/ou no aumento das receitas públicas, tenderem a restringir imediatamente as actividades em geral e, consequentemente, a taxa de emprego, podem não contribuir efectivamente para o reforço da com‑petitividade, que constitui, conforme se salientou, o verdadeiro desígnio de um país em época de máxima internacionalização económica ou de ‘globalização’.

4. E depois do ‘resgate’ (da Grécia, da Irlanda e de Portugal)? Outro ‘resgate’?

Após a concessão de assistência financeira internacional a um país, tudo poderá ficar ‘igual’, ‘melhorar’ ou então ‘piorar’. ‘Nada’ garante, sem margem para dúvidas, que a situação de um país beneficiário de um ‘resgate’ externo ficará melhor dentro de um, de dois ou mais anos. Tudo ou quase tudo dependerá dos termos e da qualidade do programa de ajustamento económico.

A situação actual da Grécia, um ano após o recurso a ajuda externa, é elucidativo do que um programa deste teor pode produzir, sem melhorias substanciais evidentes: diversos efeitos nocivos, desde uma redução dos rendimentos disponíveis até um aumento da taxa de desemprego, dificul‑dades no controlo do défice público, reacções sociais por vezes violentas contra as medidas adoptadas, aumento do stock da dívida, agravamento contínuo das taxas de juro exigidas nos mercados secundários da dívida (no intervalo dos 20 ‑30% para as obrigações a 2 e a 3 anos)…

Tudo isso é consentâneo com a preocupação crescente dos titulares de dívida pública emitida por países periféricos da área do euro, ‘do sul’ do continente, de se desfazerem desses títulos, por receio de que o risco corra apenas por sua conta em caso de incumprimento, consolidando assim, mais ainda, a suspeita de que o recurso à ‘reestruturação’ e/ou ao ‘reescalonamento’ da dívida da Grécia (bem como da Irlanda e de Portugal) será ‘inevitável’ – talvez o mais tardar em 2013.

A ‘reestruturação’ ou o ‘reescalonamento’ da dívida da Grécia, bem como a necessidade de reforço do auxílio financeiro já prestado ao país (no montante de 110 mil milhões de euros), passaram a estar em cima da mesa das negociações dos ministros de Economia e Finanças da União

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Europeia (ECOFIN) desde a reunião de 16 e 17 de Maio de 2011, em Bruxelas (mais precisamente, desde a reunião furtiva dos mesmos respon‑sáveis realizada no dia 6 de Maio no Luxemburgo). Ao concretizar ‑se esse cenário, terá de se definir, designadamente, como deverão ser repartidos os respectivos custos (entre os actuais possuidores de títulos da dívida e/ou os contribuintes). Para reduzir as perdas, as instituições financeiras com carteiras mais expostas à dívida dos países ‘periféricos’ procuraram ‘desfazer ‑se’ desses títulos, designadamente através do recurso aos mer‑cados secundários da dívida soberana, em que também passou a intervir o BCE com certa assiduidade, ao abrigo de programas excepcionais de cedência de liquidez a taxas especialmente reduzidas (10).

Entretanto, alguma imprensa continuou a insistir em cenários não menos tenebrosos para os países visados, incluindo o da (também já tida como) ‘inevitável’ ou então ‘muito provável’ saída da Grécia da zona euro, alegadamente analisada na mencionada reunião sigilosa de 6 de Maio de 2011, no Luxemburgo – prenunciando porventura o que poderia vir a acontecer sucessivamente com outros países incumpridores ou desprovi‑dos de maior credibilidade junto dos mercados, como que por ‘efeito de dominó’, podendo isso pôr em perigo a própria subsistência da zona euro.

Ao longo dos últimos meses, as preocupações relativas à sustentabi‑lidade da dívida soberana dos vários países europeus, designadamente no seio da zona euro, tenderam a concentrar ‑se em alguns países ditos ‘peri‑féricos’ – precisamente os que pediram ajuda financeira externa: Grécia, Irlanda e Portugal. Reduziu ‑se significativamente a pressão que se fizera sentir ao longo do ano 2010 sobre outros países com níveis elevados de endividamento público, grandes dificuldades em controlar os respectivos défices, muito dependentes do recurso ao crédito, com taxas reduzidas de crescimento e taxas elevadas de desemprego… como a Espanha, a Itália ou a Bélgica.

10 Segundo o Banco de Pagamentos Internacionais (Bank of International Settle‑ments – BIS), no relatório anual relativo a 2010, a redução da exposição das instituições financeiras aos países ‘do sul’ da Europa, incluindo a Espanha e a Itália (em relação aos quais também se temeu – e ainda se teme – que pudessem ser atingidos por ‘efeito de contá‑gio’), variou entre os 20 e os 30% (consoante os países – Grécia 30%, Irlanda 29%, Espanha e Itália 24%, Portugal 20%), até ao final de 2010 (no caso dos bancos norte ‑americanos, a redução da exposição à Grécia foi superior – 56% – embora contrabalançada por um aumento percentualmente não inferior da exposição a países core: Alemanha e França).

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Nesse sentido, alguns dos principais responsáveis europeus no domínio financeiro e monetário, desde o presidente do BCE, Jean‑‑Claude triChet, até ao ministro das Finanças da Alemanha, WolFgang SChaeuble, insistiram em sublinhar que as economias da Grécia, da Irlanda e de Portugal não representam mais de 6,5% da produção da zona euro, sendo por isso claramente excessiva a atenção mediática que lhes estava a ser dada, sintomática da crise do euro.

Isto não significa, como tem continuado a alertar o FMI, que as dificuldades que atingem especialmente a Grécia, a Irlanda e Portugal não possam ainda alastrar, mesmo perigosamente, para outros países com riscos financeiros também elevados, como sucedeu com os primeiros. No entanto, com o decurso do tempo, evidenciou ‑se uma demarcação cres‑centemente nítida entre os países que atravessam maiores dificuldades – Grécia, Irlanda e Portugal – e os restantes, que já teriam ultrapassado, de modo relativamente incólume, os grandes desafios da crise da dívida soberana. Certo é que alguns países da área do euro cresceram no primeiro trimestre de 2011 a taxas não registadas desde há muitos anos. A Alemanha cresceu a uma taxa anualizada de 6%. Segundo as previsões da prima‑vera, tanto da Comissão Europeia como da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e do FMI, em 2011 só dois países (Portugal e a Grécia) se manterão em recessão. E em 2012 apenas Portugal estará em recessão, por efeito das medidas restritivas assumidas no âmbito do programa de ajustamento negociado com o FMI, o BCE e a UE e aceite em Maio.

Admite ‑se que a redução da exposição às dívidas soberanas dos países com maiores dificuldades continue a um ritmo ainda mais acele‑rado por parte das várias instituições financeiras. Daí, talvez, a crescente pressão nos mercados secundários de dívida pública no sentido da subida das taxas de juro daqueles países, não travada significativamente após a concessão de ajuda financeira externa, antecipando ‑se assim, porventura, uma ‘reestruturação’ para 2013. A delimitação geográfica e também polí‑tica dos países incumpridores pode, por um lado, restringir os riscos de contágio dos principais problemas aí detectados para outros países e, por outro lado, pode servir de meio de incentivo e também de pressão para os primeiros no sentido de procurarem um reajustamento dos desequilíbrios mesmo que isso se revele particularmente ‘penoso’ (conforme declarou o presidente da Comissão, JoSé manuel durão barroSo), tanto do ponto

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de vista económico como social, embora necessário para robustecer as condições ou o potencial de crescimento.

Resta, assim, ‘inevitável’ e ‘inadiável’, para os países como a Grécia, a Irlanda e Portugal, a principal tarefa e a responsabilidade do reajustamento das respectivas economias, independentemente de tudo o resto – das causas desses desequilíbrios, da respectiva dimensão, das suas especificidades, todas distintas e inconfundíveis de país para país. Os programas de ajustamento terão, portanto, de ser diferentes em função da causa, da dimensão e da natureza específica dos desequilíbrios próprios de cada país. Por exemplo, uns poderão durar dois anos, outros ter de se prolongar por muito mais tempo. Importa sempre que os programas de ajustamento sejam flexíveis, de molde a se adaptarem e a responderem bem aos problemas específicos de cada país. A par do mero reequilíbrio dos indicadores que traduzem perda de competitividade num determinado período, importa sobretudo travar as tendências mais profundas e persis‑tentes de perda competitividade.

O objectivo essencial deverá ser, pois, a recuperação e os ganhos de competitividade nacional, a par do outro objectivo, de reajustamento de desequilíbrios nominais (que deixaram de poder ser travados por via do manuseio excepcional do instrumento cambial a partir do momento em que um país passa integre uma união monetária, com moeda e políticas monetária e cambial únicas). Nesse sentido parece ter ‑se caminhado nas negociações do Memorando estabelecido entre Portugal e a ‘troika’ (o FMI, a UE e o BCE) em Maio de 2011. Independentemente de todos os pormenores do Memorando, as soluções concretas deverão assentar em directrizes sólidas de promoção do crescimento e do desenvolvimento económico e social sustentável (11).

De qualquer modo, perante as dificuldades de aplicação dos pro‑gramas de ajustamento, devido aos seus efeitos económicos e sociais muito restritivos, e perante a insuficiência ou a falta de flexibilidade dos mecanismos de assistência financeira criados, não se pode excluir que ao

11 Para além das informações disponibilizadas pela ‘troika’ (Comissão Europeia/MEEF/FEEF/Eurogrupo, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), nos respectivos sítios internet, têm interesse os elementos inseridos no último Relatório anual do Banco de Portugal relativo a 2010, já citado, sobre o programa de ajustamento de Portugal na sequência da apresentação, em Abril de 2011, do pedido de assistência financeira internacional.

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primeiro ‘resgate’ tenha de se seguir outro ‘resgate’, certamente ainda mais restritivo e limitador do campo de acção do Estado ‘beneficiário’, mas ‘inevitável’, se se pretender impedir eficazmente uma ‘reestruturação’ desordenada da dívida pública de algum dos países ‘periféricos’ da zona euro – é o que está já a suceder com a Grécia, colocando o país à beira de um eventual abandono do euro.

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Tiiu Albin* PhD Candidate. Junior Researcher at Department of Tax Law of Law

Faculty of Maastricht University

Tiiu Albin

Commission Proposes a Directive on CommonConsolidated Tax Base (CCCTB)

* Tiiu Albin, LL.M ([email protected]).

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ABSTRACT:

On 16 March 2011, the Commission has adopted a proposal for a Council Directive on a CCCTB which establishes a system of unified rules for computing the tax base of businesses operating in the EU. The core purpose of the essay is to introduce the main principles established in the Draft Directive.

Keywords: Corporate taxationCCCTBHarmonisation of tax

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I. Introduction

The objective of the Treaty of Rome1 was to establish a single com‑mon market which would increase the volume and the gain from trade between the Member States.2 Article 3 of the Treaty on the Functioning of the European Union (hereinafter TFEU or the Treaty)3 calls for the establishment of an internal market4, one without obstacles of freedoms included in the TFEU. Still, doing business European ‑wide, businesses face the situation of struggling with (currently) 27 different tax regimes, which potentially leads to over ‑taxation and double taxation, high advisory, administrative and compliance costs, as well as tax ‑related restructuring costs, putting the businesses in a disadvantageous situation compared to multinationals from other parts of the world. Such a scenario runs counter to the priorities set for Europe 2020.5

The removal of obstacles resulting from the coexistence of Member States’ tax systems would improve market access, increase competition, and encourage investment and innovation. Therefore, during the past years, the European Commission (hereinafter Commission) had been analys‑ing a number of technical possibilities for providing companies with the necessary consolidated tax base for their pan ‑European activities, such as the Harmonised Tax Base6, the European Corporate Income Tax7, the

1 Treaty Establishing the European Community (1957).2 TA Kaye, ’Tax Discrimination: A Comparative Analysis of US and EU

Approaches’ in RS Avi ‑Yonah, JRJ Hines and M Lang (eds), Comparative Fiscal Fed‑eralism: Comparing the European Court of Justice and the US Supreme Court’s Tax Jurisprudence (EUCOTAX Series on European Taxation Kluwer Law International, London 2007) 227.

3 Consolidated Version of the Treaty on the Functioning of the European Union. 4 The European Economic Community has developed from a “Common Market” to

a "Single Market" and an “Internal Market”, and from “Economic and Monetary Union” to a “European Union”.

5 Communication from the Commission, ’EUROPE 2020 – A Strategy for smart, sustainable and inclusive growth’, COM(2010) 2020 from 3 March 2010.

6 An EU ‑wide group taxation system under which a single compulsory harmo‑nized tax base would apply across the EU. The HST rules would replace the applicable national rules.

7 An EU ‑wide group taxation system under which a new, single corporate tax code would apply across the EU. In the purest form, it would be administered by a new single

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Home State Taxation (hereinafter HST)8, and the Common Consolidated Corporate Tax base (hereinafter CCCTB). Due to the lack of support on the former two proposals from the Member States, the Commission had con‑tinued enhancing a combination of the latter two options, i.e. CCCTB for multinational enterprises (hereinafter MNEs) and a possible pilot scheme for HST with respect to small and medium size enterprises (hereinafter SMEs).9 Following the developments in the sphere of corporate taxation, it was concluded that companies would only be able to take full advantage of the European Internal Market (hereinafter EIM) if they had the pos‑sibility of using a CCCTB for their pan ‑European activities.10 As a result, on 16 March 2011, the Commission released11 a proposal for a Council Directive on a CCCTB12 (hereinafter draft Directive), accompanied by an impact assessment13, targeting both SMEs and MNEs.

authority, include the acceptance of the single EU ‑wide tax rate and the revenues would go to the Union budget to fund EU institutions and activities, with any excess allocated to Member States.

8 An European Union (hereinafter EU) ‑wide group taxation system under which the tax base for the entire group having cross ‑country activities would be computed on the basis of the tax rules applicable to the parent company (“home state”) tax rules which is subsequently shared between the countries involved on the basis of a predetermined formula and taxed by each country at its own tax rate.

9 As established in Commission of the European Communities, ’Company Taxation in the Internal Market’ (Commission Staff Working Paper, COM(2001)582 final Brussels 2001) and confirmed in Commission of the European Communities, ’An Internal Market without Company Tax Obstacles Achievements, Ongoing Initiatives and Remaining Chal‑lenges’ (Communication from the Commission to the Council, the European Parliament and the Economic and Social Committee, COM(2003)726 final Brussels 2003).

10 Commission of the European Communities, ’Commission Non ‑Paper to Infor‑mal Ecofin Council, 10 and 11 September 2004, A Common Consolidated EU Corporate Tax Base’ (2004) 1.

11 See also press release IP/11/319 from 16 March 2011 "European corporate tax base: making business easier and cheaper", available at http://europa.eu/rapid/pressRele‑asesAction.do?reference=IP/11/319&format=HTML&aged=0&language=EN&guiLanguage=en, accessed 16 March 2011.

12 COM(2011) 121/4, Proposal for a Council Directive on Common Consolidated Corporate Tax Base (CCCTB).

13 SEC(2011) 315 final, Commission Staff Working Document from 16 March 2011, available at http://ec.europa.eu/taxation_customs/resources/documents/taxation/company_tax/common_tax_base/com_sec_2011_315_impact_assesment_en.pdf, acces‑sed at 16 March 2011.

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The current essay aims to introduce the main principles14 established in the Draft Directive, supported by reasons underlying the initiative itself and future steps in the adoption of the Directive, in order to provide the reader with a comprehensive overview on the establishment and prospec‑tive application of the Directive.

II. Expected positive effects of CCCTB

The increase in the number of the EU Member States has brought along a number of obstacles on EU ‑wide corporate groups engaged in cross ‑border activities. The introduction of a CCCTB would establish a system of unified rules for computing the tax base of EU tax resident companies as well as to EU ‑located permanent establishments of third country companies. In particular, these rules would provide for a com‑mon framework for 1) the computation of each company’s (or permanent establishment’s) individual tax results, 2) the consolidation of those results (in case of group of companies), and 3) the apportionment of the consoli‑dated tax base to each related Member State via pre ‑determined formula.

Based on the main elements of the CCCTB, the system is expected to result in the following positive effects:

– Simplification – Companies which opt for the CCCTB would apply only one set of rules with respect to their pan ‑European activities instead of coping with (currently) 27 frequently changing national corporate taxation rules.

– No transfer pricing for intra ‑group transactions – Contrary to the most Member States’ domestic provisions based on separate accounting/arm’s length approach, the CCCTB rules would not include the necessity to price intra ‑group transactions at arm’s length because the sharing of the tax base between the related Member States would be done through a formula.

14 Taking into account that the Commission, at least not in the current state of affairs, has not put forward rules regarding enhanced cooperation, the article does not address matters concerning such application.

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– Reduction of administrative and compliance costs – Instead of calculating tax liability and submitting a tax return in conformity with the corresponding Member State’s national tax law as applied today, companies which opt for the system would mainly have to deal with only one tax administration ("one ‑stop ‑shop" approach). Surveys indicate that under CCCTB tax compliance costs would be reduced approximately 7 per cent and substantially save compli‑ance time.15

– Automatic loss off ‑set – CCCTB would introduce a solution for cross ‑border loss off ‑set within group of companies as a result of consolidation. Today, the absence of automatic consideration of losses within groups of companies16 can be regarded as one of the biggest tax obstacles to the EIM.

– Double taxation and double non ‑taxation – The existence of the network of double tax treaties between Member States and with third countries does not provide for an efficient solution for the elimination of double taxation and double non ‑taxation within the EIM because such treaties are designed to function in a bilateral context in the international arena, rather than in a closely integrated market.17 However, the CCCTB would eliminate the risk of dou‑ble taxation and double non ‑taxation within consolidated group because all intra ‑group transactions would be eliminated.18

– Limitation of tax planning, tax avoidance and evasion – The existing arm’s length/separate accounting approach for computing corporate tax base within each Member State provides for possi‑bilities for multinational corporate groups to shift taxable profits between EU countries in which they operate, typically through strategic manipulation of transfer prices of intra ‑group transac‑

15 CCCTB draft directive Explanatory Memorandum 5. 16 While losses of a foreign permanent establishment may usually be taken into

account at the level of the parent company, only few Member States provide for some form of cross ‑border off ‑set of losses within a group of companies. A Agúndez ‑García, ’The Delineation and Apportionment of an EU Consolidated Tax base for Multi ‑National Corporate Income Taxation: A Review of Issues and Options’ (Taxation Papers, European Commission, Luxembourg 2006) 7.

17 CCCTB draft directive Explanatory Memorandum 4. 18 Accordingly, bilateral tax treaties would no longer be applied within a CCCTB group.

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tions or by altering the financial structure of the group members.19 Considering that the CCCTB would not be based on separate accounting/arm’s length principle but on consolidation of group members’ tax results and apportionment of such base between the related Member States, the room for tax planning, tax avoidance, and tax evasion would become significantly narrower.

– Legal Certainty – The costs and uncertainties linked to action before the Court of Justice of the European Union (hereinafter CJEU) with respect to corporate taxation would lose its relevance due to the fact that the CCCTB system is designed specifically to comply with the Treaties20.

One might question whether the Commission is correct when it claims21 that the CCCTB proposal complies with the principles22 of subsidiarity23 and proportionality24. The author has sympathy towards the

19 A Agúndez ‑García, ’The Delineation and Apportionment of an EU Consolidated Tax base for Multi ‑National Corporate Income Taxation: A Review of Issues and Options’ (Taxation Papers, European Commission, Luxembourg 2006) 8.

20 TFEU and Treaty on European Union (hereinafter TEU). 21 As per subsidiarity, "[N]on ‑coordinated action, planned and implemented by each

Member State individually, would replicate the current situation, as companies would still need to deal with as many tax administrations as the number of Member States in which they are liable to tax". CCCTB draft directive Explanatory Memorandum 3(b). As per proportionality, see ibid. 3(c).

22 The two conditions were initially developed in the CJEU judgements and later integrated to the Treaty Establishing the European Community (Article 5). Today, the principles are included in the TEU (Article 5), as amended by the Lisbon Treaty (Article 3b), which refers to the Protocol on the respective application to be attached to both the TEU and the TFEU (see also infra note 102).

23 The principle of subsidiarity was presented to the public in 1990 with respect to the EU legislation in the field of direct taxation to facilitate replacing the initial aim of comprehensive harmonization of tax with the more modest aim of coordination, or approxi‑mation of national laws. J Rogers ‑Glabush, International Tax Glossary (IBFD, Amsterdam 2009) 406. It foresees that, in the areas which do not wall in the exclusive competence of the Union, it shall act only if: 1) the objectives of the Union cannot be sufficiently accom‑plished by the Member States individually, and 2) can be better achieved by the Union.

24 The principle of proportionality requires that any action by the Union should not go beyond what is necessary to achieve the objectives of the Treaty (i.e. it must be suitable and necessary).

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Commission’s statement about respecting the former concept because, taking into account the large number of cases brought before the CJEU as well as infringement procedures initiated against Member States by the Commission, Member States have indicated that little progress has been made with respect to the removal of (tax) obstacles within the EIM since its establishment. The author also believes that, in general, the principle of proportionality is respected because the system would be optional for companies.25

III. Core Elements of the Draft Directive

3.1 Scope

The CCCTB draft directive establishes a new26 set of rules only for the computation of corporate tax base which would be applied across the EU. This implies that the national financial accounting rules of the Mem‑ber States would remain in place but, as a second step, adjustment to the result of the Profit and Loss Account would have to be made according to the common rules27. Moreover, there is no intention to harmonise tax rates, and therefore, each Member State would apply its own rate(s) to the taxable base apportioned to it.

The CCCTB rules would be available to 1) single taxpayers, with respect to the calculation of their tax base but not to the consolidation, as well as to 2) groups of companies28, which would be entitled to consoli‑date on the basis of "all ‑in/all ‑out" principle. The latter principle implies that companies which fulfil the conditions for forming a CCCTB group

25 The author, however, expresses concern whether the proportionality principle is fully complied with because the Directive would also be available to eligible compa‑nies (either as a single taxpayer or a domestic group) which do not pursue cross ‑country activities.

26 It has not intended to align the provisions of the CCCTB with those of any spe‑cific Member State.

27 Note that this is not a "Tax Balance Sheet" approach. 28 It should be noted that a company resident in a Member State which maintains at

least one permanent establishment in one or more Member State cannot opt for the system as a single taxpayer but as a group together with the permanent establishment.

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have to consolidate if they opt into the system of common rules and, thus, avoid "cherry ‑picking".

Companies eligible for opting in the system can roughly be divided into two groups: 1) companies established in a Member State taking one of the forms listed in Annex I29 which are subject to one of the cor‑porate taxes listed in Annex II30, and 2) companies established outside the EU which have a similar form31 to one of the forms listed in Annex I and are subject to one of the corporate taxes listed in Annex II.32 The latter would effectively mean that companies established in a third country would be eligible with respect to their EU ‑located permanent establishments.

3.2 Definitions

The draft Directive provides for a definition of the fundamental concepts33 used throughout the (draft) Directive, including "taxpayer" (single, non ‑taxpayer, resident, non ‑resident, principal taxpayer), "group member", "revenues", etc.34 Furthermore, the definition of the notion of "permanent establishment" is provided for in the draft Directive35 which, in fact, is similar from the purpose and objective to the definition established by the OECD in its Model Tax Convention.

29 Thus, transparent entities of any type (partnerships, hybrid entities, etc), non‑‑profit organisations, trusts, foundations, investment funds, pension funds, etc would not be entitled to opt in the CCCTB system.

30 Annexes I and II can be amended according to the procedure of "delegated acts" as defined in Article 290 TFEU.

31 The list of third country company forms would be non ‑exhaustive and adopted annually, as defined in Article 3 of the draft Directive, in accordance with Article 291 TFEU on "implementing measures".

32 Chapter I of the draft Directive. 33 One should notice that, even though the draft Directive provides for a number

of definitions, on the basis of Article 7 of the proposal, all concepts which are not defined therein (e.g. dividends, subsidies, etc) would be determined in accordance with the appli‑cable national law but in line with the object and purpose of the Directive.

34 Article 4 of the draft Directive. 35 Article 5 of the draft Directive.

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3.3 Optional application

The CCCTB system aims to benefit both SMEs as well as MNEs. On the one hand, taking into account that not all businesses carry out cross‑‑country activities, the (draft) Directive purports an optional system in order to avoid forcing taxpayers to expand beyond their national territory and bear the cost of shifting to a new tax system. On the other hand, once a company opts in the system, it must do so with respect to all companies which meet the requirements for forming a group. Furthermore, the option would be binding for a minimum of five tax years which could be prolonged.36

The possibility to opt for or against the CCCTB system means that the national provisions would continue to apply. Furthermore, the Commission has not proposed to eliminate the existing specific provisions of the Member States’ tax systems (such as R&D regimes, notional interest deduction, deferred corporate tax system, etc). Nevertheless, once a company or a group of companies has opted for the system, national tax arrangements regulated by the Directive would cease to be applied. It is noteworthy that the provisions set forth by the (draft) Directive would apply despite whether there is a conflict between the rules as established in the (draft) Directive and agreements concluded between Member States.37

3.4 Common tax base

The CCCTB (draft) Directive proposes a broad tax base38 with low tax rates39. Generally speaking, all revenues would be taxable unless expressly listed as exempt. Taxable revenues would be reduced by deductible (business) expenses (including capital) and certain other items allowed to be deducted, such as costs relating to sales and expenses linked to the production, maintenance and securing of income, including cost

36 Article 105 of the draft Directive. 37 Articles 7 and 8 of the draft Directive. See also infra note 79 with respect to the

double tax treaties with third countries. 38 On the other hand, the possibility for cross ‑border loss relief would narrow the

tax base of a CCCTB group. 39 It should be reminded that tax rates would be fixed by Member States and

harmonised at the Union level.

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for R&D and for raising equity or debt for business purposes.40 The draft proposal also includes a list of non ‑deductible expenses as well as a clause that expenditure incurred for the benefit of shareholders is not deductible if it does not meet the arm’s length standard.41

The list of exempt revenues would include items such as received distributions of dividends, proceeds from the disposal of shares, income from a permanent establishment in a third country, etc.42

As a matter of principle, fixed assets43 would be depreciable for tax purposes, subject to certain exceptions44, either individually (e.g. buildings, long ‑life tangible assets, intangible assets) or in a pool (with an annual rate of 25 per cent of the depreciation base). The depreciation would have to be made by the economic owner of the asset.45

Losses suffered by a taxpayer or an EU ‑located permanent estab‑lishments could be carried forward indefinitely (based on first ‑in/first out (FIFO) principle46), but no loss carry ‑back would be allowed.47 If a single (non ‑consolidated) taxpayer left the system, unrelieved losses would be carried forward48 according to the rules of the system the taxpayer is moving to (the national law of the Member State).

40 Article 12 and 13 of the draft Directive.41 Article 14 and 15 of the draft Directive.42 Article 11 of the draft Directive. However, note the switch ‑over clause covered

under Article 73 of the draft Directive. 43 The definition of fixed assets is provided for in Article 4(14) of the draft Directive

and includes tangibles, intangibles acquired for a value, and financial assets. It is impor‑tant to notice that self ‑generated intangibles do not fall inside the scope of a ’fixed asset’.

44 The following types of fixed assets are non ‑depreciable: fixed tangible assets not subject to wear and tear and obsolescence, fixed intangible assets with an indefinite life or a value not eroded over time, and financial assets are not depreciable for tax pur‑poses under the CCCTB. However, in exceptional cases, non ‑depreciable assets may be depreciated, except for assets of which the disposal proceeds are tax exempt (e.g. shares).

45 Chapter VI of the draft Directive. 46 In general, as long as a tax system allowed unlimited carry ‑forward of losses,

the FIFO ‑method of loss off ‑set would not have a significant impact. On the contrary, if a company left the CCCTB system and therefore became subject to the national tax system of a Member State, the effect of FIFO included into the (draft) Directive might appear if the applicable national system used a limited carry ‑forward of losses.

47 Chapter VII of the draft Directive. 48 From the author’s point of view, the draft Directive, as published on 16 March

2011, contains a slight mismatch in the wording of the provision regarding loss ‑relief

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In addition to the general rules laid down in the (draft) Directive, Member States would be allowed to make further adjustments of the tax base apportioned to them in cases where it is explicitly allowed by the (draft) Directive (e.g. old losses, local taxes, some insurance provisions). On the opposite, national tax incentives would not be available for a tax‑payer which has opted in the system.

3.5 Consolidation

In the EU context, consolidation means an aggregation of group members’ individual tax bases, calculated separately, on the basis of common rules applicable across the group.49 As a result, a group tax base would be created which means that 1) profits and losses of individual group members would be set off against one another, 2) intra ‑group transactions (including distribution of dividends) would not give rise to profits or losses, and they would not be subject to transfer pricing rules, 3) internal restructurings without immediate tax consequences would become pos‑sible, and 4) no withholding tax or other source taxation would apply to transactions within the same group.

when leaving a group. Namely, according to Article 53 of the draft Directive, if a single taxpayer leaves the system, the losses incurred by the taxpayer which have not been set off against the taxable profits during the application of the rules of the CCCTB system would be carried forward in accordance with national corporate tax law it becomes subject to. However, in case of CCCTB groups, if a taxpayer leaves the system, the losses incurred by it before entering the group (either within the CCCTB system as a single taxpayer or under national law prior entering the system) shall be carried forward and may be set off according to the provisions of the (draft) Directive or applicable national law. Therefore, it could be interpreted that companies which have been part of a CCCTB group would be in an advantageous situation compared to single taxpayers applying the system because, once leaving the CCCTB system, the former might be in a position to benefit from a loss carry ‑back (provided that the respective national law foresees such a possibility) while for the latter, only loss carry ‑forward would be available. Also, it would obviously not be viable to require the national systems to make a difference with respect to loss relief granted to national companies which have not opted for the system and those which have opted for a system for a certain period of time. See, in particular, Articles 53, 64, and 69 of the draft Directive.

49 I Mitroyanni, Integration Approaches to Group Taxation in the European Internal Market (EUCOTAX Series on European Taxation, Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International 2008) 122.

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Eligibility for group membership and, thus, for consolidation would comprise of a 2 ‑part ‑test: 1) ownership (>75% of capital) and 2) control (>50% of voting rights) or rights to profits (>75% of rights giving entitlement to profit).50 The thresholds would have to be met throughout the year – otherwise, the company would have to leave the group. A company joining the group would have to meet the thresholds during the following 9 consecutive months as of joining – the failure to comply with these requirements would mean that the taxpayer would be treated as if it had never been a member of the group.

As per EU ‑located permanent establishments, eligible resident companies which opted for the system would have to form a group with all the permanent establishments located in other Memer States, as well as with all the permanent establishments of its qualifying subsidiaries resident in third countries.51

Third ‑country taxpayers would form a group with respect to all of its EU ‑located permanent establishments52 as well as all its qualifying subsidiaries.53

3.6 Business reorganisations

Business reorganisations as covered under the draft Directive can be divided into three core topics: 1) companies entering the group, 2) companies leaving the group, and 3) reorganisations within the group. Furthermore, the discussion can be limited to two issues: 1) losses and 2) hidden reserves (including self ‑generated intangible assets).

In the first situation – companies entering the group – unrelieved trading losses incurred by the taxpayer before entering a CCCTB group would be ring ‑fenced and carried forward to be set off against the taxpayer’s apportioned share.54 The reason for such an approach is that a Member State which participates in the consolidated group would not have to bear the cost of losses which had already been incurred. As a

50 Article 54 of the draft Directive. 51 Article 55(1) of the draft Directive. 52 Such permanent establishments would be treated as individual group members in

case of allocation of their apportioned share and all inbound and outbound group payments.53 Article 55(2) of the draft Directive.54 Article 64 of the draft Directive.

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consequence, pre ‑consolidated losses would be carried forward and set off according to the rules of the (draft) Directive (i.e. indefinite carry‑‑forward, provided that a company had opted in the CCCTB system as a single taxpayer prior joining the group) or the respective national law (i.e. prospective limited carry ‑forward).

The draft Directive contains a rule according to which gains and losses which had not been realised by the time a taxpayer entered a CCCTB group (so ‑called "hidden reserves" on entry) would be taxable in the Member State in which they arose. To avoid valuing fixed assets on enter‑ing the group, the whole gain or loss arising from the realisation would be allocated to the Member State of origin, provided that the transaction takes place within 5 years as of entering the group. Gains or losses realised after the 5 ‑year ‑period would be exclusively included into the common tax base and shared across the group.55 This rule, however, would not be applicable in case of self ‑generated intangible assets because the latter are not considered as fixed assets for the purposes of the (draft) Directive. Due to the fact that the value of self ‑generated assets is very difficult to identify and measure, a proxy would be used to deal with such gain or loss: an amount equal to the cost of R&D, marketing and advertising in the previ‑ous six years prior the entry would be added56 to the group’s tax base.57

The second situation – companies leaving the group – would include a straight ‑forward approach with respect to losses: no group trading losses would be attributed to the leaving company.58 Therefore, losses incurred during the period of consolidation would remain at the group level.59

55 Article 61 of the draft Directive. 56 In practice, this would mean that the cost is added to the value of the asset factor

attributed to the particular group member, i.e. increasing the taxpayer’s taxable share. 57 Article 92(2) of the draft Directive. 58 Article 69 of the draft Directive. 59 The author is of the opinion that Article 66(b) and (c), read in conjunction with

Article 69 of the draft Directive, should be tied with a specific anti ‑abuse provision. Namely, considering that no losses incurred during the group membership would be attributed to the company leaving the group, companies might, first, exclude a group member located in a low ‑tax country, by (artificial) restructurings and thereby cease to comply with the rules for qualification as set forth in Article 54 of the draft Directive, and, as a second step, terminate the group consisting of group members located in a high ‑tax Member State. In such a case, the country having a high tax rate would be obliged to bear all the losses that remained at the group level once the group is terminated. It seems that the current

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As per hidden reserves economically owned by a company leaving the group, the respective capital gains would be taxable upon realisation at the level of the leaving entity, provided that such alienation does not occur during a 3 ‑year ‑period as of the departure. The treatment of self ‑generated intangible assets, on the other hand, would trigger a recapture60 of the entire cost of R&D, marketing and advertising borne by the group during the previous five years. Accordingly, these costs would be added to the consolidated tax base because the group would not have any possibility to benefit from the future gain once the asset is realised. As a consequence, these costs would become deductible under the rules of the system which the leaving taxpayer is moving to.61

Last but not least, the rules for business reorganisations within a CCCTB group62 would be applied in conjunction with entering and leaving rules. Therefore, trading losses incurred during the period of consolida‑tion would have no impact, and pre ‑consolidation losses would continue to be ring ‑fenced.63

The over ‑arching principle in case of hidden reserves in the event of business restructurings64 within a CCCTB group is the principle of tax neutrality. However, if, as a result of the restructuring, the asset factor of the transferring taxpayer was substantially changed, a transitional period of five years would be applied, i.e. the transferring taxpayer would retain its

anti ‑abuse rules as provided for by the draft Directive would not cover such situations. Therefore, it should be considered whether a specific claw ‑back provision, targeted at artificial arrangements, which would, for instance, re ‑attribute a certain amount of losses to the company leaving the group prior subsequent termination of the group, should be included into the CCCTB Directive.

60 Note the difference in the treatment of self ‑generated intangible assets in under joining and leaving rules: the former refers to the matter of sharing while the latter is related to the matter of tax base.

61 Article 68 of the draft Directive. 62 Note that the term "business reorganisation" is not defined in the draft Direc‑

tive. However, generally speaking, such transactions would include both restructurings of functions, assets, and risks as well as changes in the legal ownership and/or control as a result of mergers, acquisitions, divisions, etc.

63 Thus, Articles 70 and 71, and rules established in Chapters VIII and X would be applied.

64 Similar treatment would apply to series of transactions between the group mem‑bers during a period of two years.

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entitlement to the revenues derived from the assets as long as it continued to be the economic owner of the asset.65

In the event of internal group reorganisations, self ‑generated intan‑gible assets would not have an impact on taxation because they would not be included in the asset factor and, therefore, their transfer from one group member to another would not influence the share of each related Member State. But if the group member to which such self ‑generated intangible assets were attributed to left the group (e.g. through the sale of shares), the underlying values of the intangibles would be recaptured66.67

3.7 Transactions between the group and entities outside the group

Broadly speaking, the transactions between the group and entities outside the group cover the following topics: 1) inbound payments to the group, 2) outbound payments by the group, 3) transactions with related entities, and 4) double tax treaties.

First, income from a permanent establishment located in a third country, as well as dividends (from both portfolio holding as well as from direct investment) and proceeds from a disposal of shares68 would be exempt69 (or exempted with progression70), unless switch ‑over71 to

65 Article 70 of the draft Directive. However, if the taxpayer does no longer exist or does not maintain a permanent establishment in the Member State from which the assets were transferred, it would be deemed to have a permanent establishment in that State for the purposes of applying the relevant rules.

66 One might consider whether the taxpayer should be given an opportunity to demonstrate that the transfer of an asset (economic ownership) to a particular group member as well as its departure from the group could be supported by acceptable commercial reasons and, therefore, avoid the recapture of the relevant costs in a later phase by the group.

67 Article 69 of the draft Directive. 68 Note the reservation for disallowing exempt share disposals in Article 75 of the

draft Directive. 69 This also implies that expenses related to exempt income would not be tax

deductible according to the general rule.70 Article 72 of the draft Directive. 71 The switch ‑over from exemption to credit can be applied only if the respective

double tax treaty with a third country allowed a switch ‑over to a credit and did not require (full) exemption. On the other hand, taking into account that the Directive would override the provisions as agreed on between Member States (Article 8 of the draft Directive), a switch ‑over could be applied despite the rules of the respective double tax treaty between Member States. See also infra note 79.

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credit would be made under specific anti ‑avoidance provisions.72 On the contrary, liquidation proceeds received in relation to a subsidiary outside the CCCTB group, as well as inbound interest and royalty payments would be included into the consolidated base. Double taxation of the latter types of income would be eliminated by means of (ordinary) credit73, calculated on country ‑by ‑country and source ‑by ‑source basis, and which would be shared among the group members according to the formula74 (without being included in the consolidated base).75

Next, withholding taxes charged (on the basis of the tax law of the Member State of the paying group member) on outbound interest and roy‑alty payments would be shared among the group members according to the formula (without being included in the consolidated base).76 On the oppo‑site, withholding taxes on dividends would not be shared because, differ‑ently from interest and royalties, dividends are after ‑tax payments and have not caused a previous deduction of the consolidated tax base of the group.

The policy with respect to transactions with associated enterprises is straightforward: all such dealing would be subject to transfer pricing rules, i.e. adjustment of pricing according to the arm’s length principle. It is noteworthy that the concept of "associated enterprises" is determined in the (draft) Directive.77

Finally, in order to respect the obligations under agreements with third countries, double tax treaties concluded between Member States and third countries would override conflicting rules contained in the (draft) Directive despite whether they are concluded before or after the adoption of the CCCTB Directive.78

72 Articles 11(c) ‑(e), 72, and 73 of the draft Directive. 73 The CCCTB system would not include full credit method and, therefore, excessive

credit could not be carried forward, unless an applicable double tax treaty with a third country foresaw such a possibility.

74 Accordingly, since such foreign income is included into each country’s taxable share, the total amount of available credit might be higher than the actual tax liability in the Member State of residence of the taxpayer.

75 Articles 10 and 76 of the draft Directive. 76 Article 77 of the draft Directive. 77 Chapter XIII of the draft Directive. 78 Article 8 of the draft Directive only deals with double tax treaties concluded

between Member States. Therefore, it can be concluded that such agreements with third countries would not be affected by the Directive. A question, however, whether such a

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3.8 Sharing mechanism

In addition to the common set of rules on the computation of (consolidated) corporate tax base, the CCCTB arena would include an element of apportionment. Namely, each Member State involved would receive its share according to a pre ‑determined formula. The latter would consist of three evenly weighted factors79: assets, payroll and sales.80

rigid distinction between the international agreements concluded between Member States and those with third countries is justified might arise. Namely, Article 351 TFEU reads that the rights and obligations arising from the pre ‑accession tax conventions between a Member State and a third country shall not be affected by the Treaties (though in case of conflicts between such convention and the EU law, the Member State concerned must take all appropriate steps to remove the incompatibilities established, including denunciation of that agreement, if necessary). Although the Treaties make no explicit reference to the status of post ‑accession agreements, based on the principle of supremacy of EU law as well as the commitment to transpose the acquis communautaire into the domestic law of each new Member State, one might attempt to interpret Article 351 TFEU as a contrario meaning that Member States shall keep their national tax systems in compliance with the EU law. In parallel to this discussion, it should be remembered that based on pacta sunt servanda Member States shall respect the provisions of international law, including the acceptance that third countries do not have to undertake commitments which go further than those agreed upon in double tax treaties.

79 Article 87 of the draft Directive includes a "safeguard clause" which entitles competent authorities, either on the request of the principal taxpayer or a competent authority, to use an adjusted formula if the general formula does not fairly represent the share of a group member. From the author’s point of view, it seems questionable whether the referred article would be applied in practice, mainly because the adjustment would require a unanimous agreement by all the competent authorities and because all adjustments of the formula trigger the adjustment of the tax base each related Member State would receive. In addition to prospective interests of the Member States with respect to their tax revenue, the safeguard clause would provide for a leeway for uncertainty among taxpayer with respect to their tax liability (as well as other related matters, such as credits from third countries, etc), because the draft Directive does not include a provision which would entitle the taxpayer to appeal against a prospective alternative formula agreed upon by the competent authorities (see, in particular, Articles 124 to 126 about appeals in CCCTB matters).

80 For sector specific activities, adjusted formula would be used to reflect the specificities of certain industries (e.g. credit institutions, insurance undertakings, oil and gas industry, and shipping, inland waterways transport and air transport. See Articles 98 ‑101 of the draft Directive.

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In particular:

– The asset ‑factor would consist of all fixed tangible assets81; – The labour ‑factor would comprise of both payroll and the number

of employees (each item counts for half); and – The sales ‑factor would follow the principle of destination and

consist of total sales of a group member (sales by destination).82

3.9 Anti ‑abuse rules

The CCCTB Directive would include a two ‑level anti ‑abuse provi‑sion: 1) General Anti ‑Abuse Rule (GAAR) and 2) specific rules.

The former approach – GAAR – would target artificial transactions the purpose of which is tax avoidance.83 The provision would be in line with the CJEU’s jurisprudence on wholly artificial arrangements, such as its landmark case Cadbury Schweppes84.

The GAAR would be coupled with a second layer of anti ‑abuse rules which would include specific provisions designed to curb abusive practices of a cross ‑border nature, including the following:

– Limitations on interest deductibility with respect to payments made to associated enterprises located in a low tax85 (or no taxation)

81 Thus, intangibles (both self ‑generated as well as purchased) and financial assets would be excluded from the formula because of their mobile nature.

82 Articles 86 to 97. 83 Article 80 of the draft Directive. 84 Case C ‑196/04, Cadbury Schweppes plc, Cadbury Schweppes Overseas Ltd v

Commissioners of Inland Revenue [2006], ECR I ‑7995. Accordingly, a national measure restricting the freedom of establishment with the purpose of preventing tax avoidance could justified only if it specifically relates to “wholly artificial arrangements” aimed at circum‑venting the application of the legislation of the Member State concerned, i.e., “arrangements which do not reflect economic reality, with a view to escaping the tax normally due on the profits generated by activities carried out on national territory.” The determination of a "wholly artificial arrangement" effectively means a case ‑by ‑case analysis in detecting both the subjective (intention to obtain a tax advantage) and an objective (the absence of an actual pursuit of a genuine economic activity) element. See, in particular, paragraph 55 of the case.

85 A "low ‑tax" in the CCCTB system would mean either a situation in which the statutory corporate tax rate is less than 40 per cent of the average statutory corporate tax

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third country which does not exchange information with the country of the payer. The (draft) provision includes the definition of "interest".86

– CFC ‑legislation would include the non ‑distributed income87 of a third country located CFC88 into the tax base. The (draft) provision includes a detailed definition of a CFC.89

In addition to the above ‑mentioned principles, the draft Directive contains a number of complementing provisions which aim to protect the group’s tax base, for instance, rules for dealing with self ‑generated intangible assets90, business reorganisations91, disallowance of exempt share disposals92, etc. Moreover, a switch ‑over from exemption to credit method would be applied if the dividends received, the entity of which the shares were disposed of, or the third country permanent establishment were subject to low taxation (or no taxation)93 in the State of source.94

rate applicable in the Member States or when the associated enterprise is subject to a special regime which would substantially lower its tax liability compared to the general regime. The average EU statutory corporate tax rate would be calculated on the basis of the latest data published by Eurostat in "Taxation trends in the European Union", avail‑able at http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/.

86 Article 81 of the draftt Directive. 87 Losses of a third ‑country CFC would not be included into the tax base, but could

be carried forward to be taken into account in the subsequent years. See Article 83 of the draft Directive for the computation of a CFCs income for CCCTB purposes.

88 Generally speaking, for the purpose of the draft Directive, a CFC is a company located in a low ‑tax third country without the exchange of information and in which is under the "definitive influence" of a group member. Furthermore, the CFC does not engage in genuine commercial activity which is indicated by the fact that more than 30% of its income is earned from ’tainted’ sources (e.g. passive income from interest and royalties derived from transactions with associated companies at more than 50%).

89 Article 82 of the draft Directive. 90 Article 68 of the draft Directive. 91 Article 70(2) of the draft Directive. 92 Article 75 of the draft Directive. 93 Low taxation would be defined equally as described in supra note 86. 94 Article 73 of the draft Directive.

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3.10 Administrative and procedural framework

The over ‑reaching principle of the system is the "one ‑stop ‑shop" approach which would allow groups with a taxable presence in more than one Member State to deal with a single tax authority across the EU (i.e. the principal tax authority95), including to file the consolidated tax return.

Further, the draft Directive contains a number of procedural rules on specific matters, including provisions for opting in the CCCTB and sub‑mission of tax returns, ruling mechanism, coupled with an interpretation panel and a scheme for the exchange of information, audits, and dispute settlement (arbitration with respect to disputes between Member States and appeals between taxpayers and tax authorities).96

IV. Conclusions and ways ahead

Undoubtedly, the CCCTB would help the European businesses to overcome a number of (tax) obstacles that they are currently facing with, and is therefore highly welcome. Notably, it has been referred to as an important initiative in the context of the Europe 2020 Strategy as well as in a series of major policy documents which attempt to remove obstacles to the single market and stimulate growth and job creation within the EU (Single Market Act97, Annual Growth Survey98, and the "Pact for the Euro" of 11 March 201199).

95 The "principal tax authority" is defined in Article 4(22) of the draft Directive, i.e. the competent authority of the Member State of the "principal taxpayer" as defined in Article 4(6) of the draft Directive.

96 Chapter XVII of the draft Directive. 97 COM(2010) 608 final/2, http://eur ‑lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?ur

i=COM:2010:0608:REV1:EN:PDF#page=2. For further information see http://ec.europa.eu/internal_market/smact/index_en.htm, accessed 15 April 2011.

98 COM(2011) 11 final, http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/en_final.pdf, accessed 15 April 2011.

99 http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/119809.pdf, accessed 15 April 2011.

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The Commission aims for the CCCTB proposal to be approved unanimously100 by the Council of the European Union, after consulting with the European Parliament and the Economic and Social Committee101, in year 2013. After that, Member States must transpose the Directive into their national law.102

100 By introducing the unanimity requirement for the Council (of Ministers), the Member States have effectively avoided giving the power to define direct taxes to the Union. As a result, each individual Member State possesses veto power over the prospective EU tax policies which the Council has considered for adoption. Although the EEC Treaty has been amended several times to allow for the adoption of various harmonisation measures by only a qualified majority vote for the Council, a unanimous vote has remained as a rule by the TFEU for tax legislation (Article 115 TFEU). The Commission has proposed a qualified majority voting for the introduction of minimum requirements in the tax field and the adoption of coordination provisions in order to remove direct obstacles to the exercise of the Treaty freedoms but has so far not been successful in this respect. Kaye 203 (supra note 3). To replace the unanimity rule with simple majority or qualified majority as defined in the Treaty (Article 238 TFEU), unanimous vote of all the Member States is required. McLure, ’The Long and Shadow History: Sovereignty, Tax Assignment, Legislation, and Judicial Decisions on Corporate Income Taxes in the US and the EU’ 125.

101 Article 115 TFEU. See also Protocols I (on the role of national Parliaments in the European Union) and II (on the application of the principles of subsidiarity and proportionality) to be annexed to the TEU, to the TFEU and, where applicable, to the Treaty establishing the European Atomic Energy Community.

102 Article 134 of the draft Directive does not yet provide for a specific date as from which the Member States must have already adopted and published the necessary laws, regulations and administrative provisions for the purposes of the Directive. Typically such deadline is between two or three years as of the approval by the Council, but it may vary in each particular case depending on the agreement between Member States.

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António Martins

Environmental damage and corporate tax policy

António Martins Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Doutor em Gestão. Professor de Fiscalidade.Consultor de Empresas

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ABSTRACT:

The corporate tax burden is an important determinant of business decisions.Dealing with the tax treatment of environmental costs resulting from operating

activities is an important issue for many companies. Provisions for future responsibilities are of particular concern for firms, and its tax treatment can be a major factor in shaping decisions.

Recently, the Portuguese accounting and tax rules for computing corporate profits were modified. In the area of provisions important changes occurred, as Portugal adopted an accounting framework based on IAS ‑IFRS. As provisions are estimates, the tax authorities tend to impose limits to the deductivity of provisions, given its nature and its potential for tax manipulation.

The purpose of this paper is to present a conceptual analysis of the tax treatment of provisions for environmental expenses in the recently changed Portuguese corporate tax code.

Firstly, the previous regime (POC/CIRC) will be discussed. Then, the new framework (SNC/CIRC) will be explained and its differences and similarities with the replaced system will be highlighted.

A final section will discuss if, as far as corporate policy is concerned, environmental protection has been granted a more favorable tax status, concluding it has not.

Although tax policy is just one avenue for dealing with environmental protection, it is however a relevant issue for companies dealing with environmental costs induced by their activities.

Key words: Environmental policyTax policy and environmentAccounting and environmentBook ‑Tax conformity

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1. Introduction

Taxes influence the investment, financing and dividend decisions of companies. (Scholes and Wolfson, 1991, Damodaran, 2001, Martins et al, 2009). One of the main factors that impacts taxable profits and the tax burden of companies is the way that corporate income taxation is more or less conformed to the accounting rules. That is, if corporate taxable revenue is subject to a set of rules – usually established in the corporate income tax code (CIT) – that are quite different from accounting standards, then corporate decision makers have a greater incentive to include the tax advantages or disadvantages in computing rates of return from certain assets. (Slemrod and Bakija, 2004; Sanches, 2006).

Usually, the CIT is, in many countries, very detailed about the accounting expenses that can also be deductible for tax purposes. Tax leg‑islators fear that if deductible expenses are not strictly detailed, taxpayers can inflate them to manipulate taxes due.

Many authors argue that the costs of complexity in the area of taxa‑tion would justify a progressive harmonization of accounting and tax rules.(Hanlon and Maydew, 2009; Lopes, 2008). However, in many countries (including Portugal) the course that has been followed is, in my view, at best not a trend for harmonization and, more probably, an increasing rift between tax and accounting rules.

When it comes to environmental related expenses, such as provi‑sions for future environmental liabilities, tax policy is an important tool for influencing when they are recorded. A more generous tax treatment (meaning that these expenses, when they are recognized, have a tax cost advantage over its accounting treatment) would send a signal to firms about how environmental related expenses are encouraged. Thus, if decision makers respond to incentives, tax policy could be an instrument for more environmental friendly decisions.

The purpose of this paper is to compare the accounting treatment that the recent introduction of International Financial Reporting Standards (IFRS ‑IAS) in Portugal established relatively to provisions for environ‑mental damages, and how the related changes in the CIT provide a tax framework that can be characterized as environmental friendly.

As I shall illustrate, with a hypothetical example, the tax treat‑ment could be more attuned with the accounting side. The solution

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that was adopted in the new CIT clearly restricts ‑ comparably to the accounting treatment – the tax deductivity of provisions for environ‑mental damages.

The paper is organized as follows. Section 2 deals with the account‑ing side of the issue, namely by describing how the aforementioned type of provision is to be recognized, the criteria for its computation and its impact on profits. Section 3 describes the tax treatment of the provision, as it is established in article 40 of the new CIT. Section 4 compares both, by presenting an hypothetical example, and concludes that the Portuguese tax legislation, as far as corporate income tax is concerned, is not particularly friendly towards this type of expense.

2. The treatment of provisions for environmental expenses in the new Portuguese accounting system

From January 2010 Portugal adopted the “Sistema de Normalização Contabilística (SNC)”. It is an IFRS ‑IAS based system, moving the Portu‑guese accounting concepts and practices towards the international trends defined by the IASB1.

Regarding provisions, one Accounting Standard (NCRF 21) deals with “Provisions, contingent liabilities and contingent assets”. (See Almeida et al, 2009). This standard states specific rules concerning:

– When is a provision recognized?– How to compute its recorded amount?– What are the specific rules (if any) for environmental related pro‑

visions?

The first question is of paramount importance. The fact that a provi‑sion is recognized or not directly affects the net income of a company. Thus, economic and financial measures of performance such as return

1 This is, in my view, not a radical change. The previous regime – based on the POC and Accounting Directives – had already introduced several features of IAS ‑IFRS. But the new regime is more systematic, more complete in terms of standards and makes a broader use of concepts such as “fair value”, “ “impairment charges”, “biological assets” and others.

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ratios, solvency ratios and others are influenced. As it is well known, a variety of stakeholders make decisions partly based on the reported per‑formance.(Damodaran, 2001).

The rule for recognizing a provision states that if it is probable2 that a future outflow arising from a present liability resulting from past events will occur, and an estimate can be made for that outflow, then a provision must be recognized.

Alternatively, if a reasonable estimate can not be made, a contingent liability must be disclosed in the Annex to the financial statements. Finally, if the possibility of future outflows is remote, then neither a provision nor a contingent liability is included in the financial reports.

It is obvious that provisions are, by nature, very dependent on fore‑casts of events. The outcome of a lawsuit, the outflows linked to warranties effectively used by customers, or the environmental expenses related to the cleaning of a mining site in five or ten years are, all of them, dependent on estimates of future expenses. The role of external experts can be quite important, as in many cases a firm has no internal expertise to forecast if a future probable outflow will happen and its magnitude.

On top of this, auditors must keep a detailed assessment of the rea‑sonableness of provisions, in order to check if the level of accuracy of financial reporting is appropriate. Some past events do not bode well for this task. (See Mulford and Comiskey, 2002; Toffler, 2003).

Given these sources of uncertainty related to the recognition of pro‑visions, what does the relevant Portuguese accounting standard (Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21 ‑ NCRF 21) establish regarding the process of computation? In general terms, §§ 35 to 46 of NCRF 21 deal with this question. The principle established in these norms is that the availability of a reliable estimate is the cornerstone of the process of computing a provision. This implies the ability to forecast future expenses, which must be based on a detailed plan where cost estimates have to be included.

The important question of how to deal with present estimates of expenses that will happen in latter periods is also treated in NCRF 21, by allowing the use of present value techniques.

2 In this context, “probable” means , according to NCRF 21, “more probable than not”.

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As far as environmental related provisions are concerned, § 39 establishes what types of expenses can be included when a provision is recognized.

When the present value is to be used, §§ 42 to 46 specify detailed rules for using this method. After stating the acceptability of discounting when the time value of expenses is “material”, the standard also establishes that a detailed plan, including a schedule for forecasted outflows, must be available to check the reasonableness of estimates.

It also deals with the questions related to discount rates, and the revisions of estimates whenever new information can impact the forecasted expenses related to environmental liabilities.

As the example used in section 4 is based on the present value of future outflows, it is worthwhile to develop this topic. In fact, when a provision is to be recognized by its present value, in future periods – until the expenses are really incurred with the correspondent outflows – the method of capitalization must be used in order to allocate to every period the additional cost resulting from the discount rate to the initial (present) value of the provision.

In applying the present value technique, the NCRF 21 sates that the discount rate should be before taxes and should also take into consideration “the time value of money and the specific risks of the liability”. Given that financial models such as the Capital Asset Pricing Model (CAPM) or Arbitrage Pricing Theory (APT) deal mainly with non ‑specific risks, an additional difficulty can arise here.

The computation of a risk premium that reasonably reflects the specific risk of a liability (such as the risk related to a future closing of a mining site) is quite complex. Many companies use rules of thumb, and do not employ sophisticated models to arrive at that risk premium.3

As an illustration of how to apply the present value method, if a mining company is operating in year 1 and (in the same year) recognizes a provision of 500 for environmental related expenses that are expected to be borne in year 5, and assuming a discount rate of 6%, then the recognized cost in year 1 is 500/1,064 , or 396.04.

3 See Martins( 2010) for an illustration – in the context of goodwill impairment tests – of how companies use the risk premium demanded by the CAPM.

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In year 2, the cost to be recognized is 0.06*396.04, or 23.76. In year 5, the amount of accumulated provision is, naturally, 500. But, and this is an important point, as I shall highlight later, the lion share of the cost is imputed to period 1. If the tax treatment of the provision follows this accounting method, then a considerable tax saving is made in the year of recognition, because de deductible costs will be much higher that in periods 2 to 5. But if is this is not the case – that is, if the tax deductivity follows a different rule when compared to the accounting treatment of the provisions– than significant tax advantages or disadvantages can arise. This is the topic for next section.

3. The tax treatment of provisions for environmental damages in the new CIT

The first thing worth stressing when comparing the provisions estab‑lished in the SNC with the ones which tax deductivity is permitted under the Portuguese CIT is the narrowness of the latter.

In fact, in the SNC the following provisions are allowed:

– Taxes– Warranties given to customers– Lawsuits– Job related injuries and professional illnesses– Environmental damages– Onerous contracts– Restructuring– Other provisions

In the CIT, the ones that are allowed for tax purposes are:

– Litigation processes and related liabilities– Warranties given to customers– Environmental damages

No significant surprise should arise here. Historically, tax legislators tend to be cautious when it comes to the tax deduction of expenses based on

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estimates. Thus, depreciations, impairment charges, provisions or changes in fair value have a quite detailed tax discipline. (See Martins, 2010). The main purpose of which is to set limits or conditions for the acceptance of these expenses in the computation of taxable income.

A second important point is that the Portuguese CIT deals with provisions in article 39. But a whole separate article (40) deals specifically with the tax treatment of the provision for environmental damages. What are then the main features arising from articles 39 and 40?

Article 39 establishes what types of provisions are tax deductible. (This list was already shown above). As far as the topic of this paper is concerned, it is of particular interest article 39, nº 3, which states: “When the provision is to be recognized by the present value, the expenses related to the discount method are also subject to this regime”.

This rule implies that, for example, when a provision for a liability arising from a lawsuit that is expected to be settled some years later, then the accounting and tax treatment are similar. If company ALFA expects to pay a former employee that sued the company an amount of 50 000 € to be disbursed 4 years latter, and if conditions for recognizing a provision are met (see section 2) and the discount rate is 6%, then, in year 1, the accounting and tax expense is 39 605 €.

Thus, from a tax policy perspective, and in what concerns provisions for environmental damages, three solutions are possible:

1 – According the same treatment, therefore allowing the accounting expense to be tax deductible;

2 – According a more favorable tax treatment, by allowing a higher deduction in early years, and therefore, coeteries paribus, increasing the present value of the tax deduction;

3 – Establish a more restrictive regime for tax deduction, thus creating a tax disadvantage when comparing it to the accounting treatment.

What solution did the Portuguese new CIT implemented? Article 40 of the CIT states:

“The annual expense…is equal to the estimated total costs to be incurred at the end of exploration of the site where environmental damage was done, divided by the number of years that are left to the end of the operating activities”.

This rule means that if company BETA Inc which is operating, say, a mine, is expecting to close its activities at year 6 and forecasts, at the end

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of year 1, an amount of 900 000 € to repair environmental damages, then the tax deductible amount for each year (1 to 6) is 900 000/6 = 150 000 €.

It is obvious that this is a very different regime from the accounting one, as far as present value is concerned. If its use was allowed for tax purposes, and supposing a discount rate of 6%, the tax expense in year 1 would be 672 532 €.

The tax regime is clearly less favorable than the one established in accounting rules. The case study presented below (section 4) will get into these differences in greater detail.

Before dealing with the quantitative impact of the tax/accounting differences, what reason can be envisaged to justify the disparity in the regimes for provisions for lawsuits or customer’s warranties on the one hand, and for environmental damages on the other hand?

It is always difficult trying to read the motives of tax legislators… In my view, the disparity can possibly be traced to the fact that in estimating future environmental liabilities companies have greater leeway, in comparison with the two other types of provisions.

In fact, future outflows related from a lawsuit or for warranties have a substantial external base to be estimated. This could be a motive influencing a more restrictive approach by tax legislators. In a lawsuit, an external part (the plaintiff) claims a certain amount to be settled by the defendant (the company). In warranties, the tax rule establishes a maximum percentage of annual expense that can be recognized for tax purposes, which is related to the average warranty expenses of the past 3 years.

But when it comes to environmental damages, a future estimate of expenses is dependent on the management own assessment. May be this greater potential flexibility induced a stricter tax regime.

What is clear is that the tax treatment of provisions for environmental damages is clearly less advantageous than the accounting treatment, and, on top of this, it is also less generous than the one granted to the other two types of tax deductible provisions. It can thus be concluded that the tax factor is a potential negative influence for the recognition of this provisions. The next section will provide some quantitative evidence, based on a hypothetical case.

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4. An illustration of the tax disadvantage

Let us suppose that company ALFA Inc is exploring a coal mining site. In year 1 it has estimated that the mine will be closed at the end of year 6. An amount of 1000 is estimated to be incurred in year 6 to deal with environmental damage.

Table 1 presents the accounting and tax costs that arise form this situation, according to the rules already shown in sections 2 and 3.

TABLE 1Accounting and tax recognition of a provision for environmental damage

Year 1 2 3 4 5 6

Accounting expense 747.3 44.8 47.5 50.4 53.4 56.6

Tax deductible exp. 166.6 166.6 166.6 166.6 166.6 166.6

Difference 580.7 – 121.8 – 119.1 – 116.2 – 113.2 – 110

Reconciliation of acc/tax (CIT ‑form 22)

+ 580.7 – 121.8 – 119.1 – 116.2 – 113.2 – 110

As can be seen in table 1, in year 1 the accounting regime allows cost recognition of 747.3, while for tax purposes the maximum deductible amount is 166.6. Thus an addition to taxable profit of 580.7 is mandatory by tax rules. The taxable income is higher because a very significant part of the cost (580.7) recognized in year 1 is not allowed for tax purposes. In the following years, the opposite happens. As the tax deduction is higher than the accounting expense, and then a deduction is done to taxable revenue.

But it is quite obvious that, on the whole, a non negligible tax disadvantage arises. This is because the bulk of the divergence happens in year 1, when the present value is higher.

Two additional points merit some reference: deferred taxes and the precise amount of tax disadvantage. Table 2 presents some data on these issues.

Assuming a CIT rate of 25%, at the end of year 1 a deferred tax asset must be recognized. It is equal to the temporary difference of 580.7*0.25= = 145.2.

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Naturally that in years 2 to 6 this difference is progressively elimi‑nated. The sum of all values in line (B) of table 2 is equal to 145.2; which is also the recorded amount in line (A) of table 2.

At year 6 deferred taxes are nil, because the reverse situation hap‑pens from years 2 to 6 (tax deduction higher that accounting cost), thus eliminating the tax asset created in year 1.

But although from the accounting side the cancellation of the deferred taxes gives the impression that no financial disadvantage occurs, it is clear the present value of future “excess” deductions – that is the present value of amounts shown in line (B) of table 2 ‑ is lower than 145,2.

These values, when discounted to year 1 at a discount rate of 6%, are equal to 122.5. Thus a difference of 142,5 – 122,5 = 20, arises form the different tax treatment. This is a quantitative assessment, to this particular case, of the tax disadvantage of provisions for environmental damages.

5. Conclusion

Recently, the Portuguese accounting and tax rules for computing corporate profits were changed. In the area of provisions important changes occurred, as Portugal adopted an accounting framework based on IAS‑‑IFRS. As provisions are estimates, the tax authorities tend to impose limits to the deductivity of provisions, given its nature and its potential for tax manipulation.

Year 1 2 3 4 5 6

Accounting expense 747.3 44.8 47.5 50.4 53.4 56.6

Tax deductible exp. 166.6 166.6 166.6 166.6 166.6 166.6

Difference 580.7 – 121.8 – 119.1 – 116.2 – 113.2 – 110

Deferred tax (A) 145,2

Deferred tax (B) 30.5 29,7 29 28.3 27.5

TABLE 2Deferred taxes and present value of tax disadvantage

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When it comes to environmental related expenses, such as provisions for future environmental liabilities, tax policy has a tool for influencing how these are recorded for tax purposes. A more generous tax treatment (meaning that these expenses, when they are recognized, have a tax advan‑tage over its accounting treatment) would send a signal to firms about how environmental related expenses are encouraged. Thus, if decision makers respond to incentives, tax policy could be a tool for more environmental friendly decisions.

As this paper shows, in Portugal, the tax treatment of provisions for environmental damages is less favorable – implying a financial dis‑advantage to firms – relatively to its accounting regime. Tax legislators were more restrictive to this type of expense, and that sends a negative signal for firms when it comes to the tax incentives/disincentives faced by companies which borne these kinds of costs.

References

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Rogério M. Fernandes Ferreira, Francisco Carvalho de Furtado, Marta Machado de Almeida e Luís Castilho

Do regime dos vouchers no IVA

Marta Machado de Almeida Advogada

Francisco Carvalho de Furtado Advogado

Luís Castilho Advogado

Rogério M. Fernandes Ferreira Advogado

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RESUMO:

Este artigo pretende elencar as diversas tipologias de vouchers geralmente utilizadas no âmbito das políticas comerciais levadas a cabo pelas empresas, clarificar o regime de IVA aplicável à sua transmissão e, bem assim, analisar as implicações de tal enquadramento em sede de direito à dedução.

Palavras ‑chave:IVAVouchers

ABSTRACT:

The aim of this article is to describe the various types of vouchers generally used in commercial campaigns carried out by companies, to clarify the VAT regime that applies to transmission of those vouchers and also to analyze the implications of their VAT status in respect of the right to deduction.

Keywords:VATVouchers

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1. Objecto

Apresentamos de seguida um estudo que nos foi solicitado, no âmbito da nossa actividade profissional, quanto ao regime de IVA aplicável na emissão e transmissão de vouchers.

No âmbito do estudo que nos foi solicitado, os vouchers comerciali‑zados são representativos de quantias pecuniárias pré ‑definidas e podem ser utilizados, pelos respectivos detentores, como meio de pagamento, aquando da aquisição de serviços, consubstanciados num conjunto de “experiências”, prestadas por outras entidades, de ora em diante desig‑nadas por parceiros.

Os vouchers são comercialmente apresentados através de um pack, composto pelo respectivo voucher, um guia de “experiências” e um DVD de apresentação das referidas “experiências” a que o voucher dá acesso.

Tais vouchers permitem aos seus detentores a possibilidade de fruí‑rem, num determinado prazo, das “experiências” constantes do elenco disponibilizado pelos parceiros, sendo certo que, na generalidade dos casos, no decurso da detenção do voucher, não se encontra definida, nem a natureza, nem o momento em que a experiência se materializará; nem, tão ‑pouco, a sua localização, uma vez que caberá ao detentor do voucher determinar esses elementos, quanto efectivar a sua escolha.

Os vouchers encontram ‑se também disponíveis em vários pontos de venda, designadamente através de uma loja e em quiosques da emitente dos mesmos, na internet, e noutros espaços comerciais.

Em traços gerais, a referida actividade de emissão de vouchers é desenvolvida da seguinte forma:

i) O Cliente entrega, regra geral, o valor facial do voucher à emi‑tente, recebendo, em troca, o correspondente voucher; residual‑mente, verificam ‑se situações em que, para além do voucher propriamente dito, se inclui um bem associado à temática da experiência respectiva; bem como situações em os referidos vouchers só poderão ser utilizados em experiências que já se encontram pré ‑definidas;

ii) O detentor do voucher escolhe uma das experiências oferecidas no catálogo da emitente e determina a respectiva data e o local;

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iii) O parceiro da emitente presta o serviço escolhido pelo detentor do voucher, facturando directamente ao Cliente a operação e recebendo em troca o voucher, como suporte de pagamento;

iv) a emitente do voucher reembolsa o parceiro pelo valor facial do voucher que lhe tenha sido remetido para o efeito; e

v) A emitente do voucher factura também ao parceiro um valor a título de comissão pela angariação de Cliente(s).

Em face do exposto, segue ‑se a tentativa de encontrarmos o enquadra‑mento concreto fiscal destas operações, em sede de IVA, atentas as parti‑cularidades do negócio em causa e associadas à transmissão dos vouchers.

2. O voucher: Conceito e tipologias

O voucher é um documento, em papel ou suporte electrónico, que confere ao seu detentor o direito à aquisição de um leque de bens e servi‑ços pré ‑determinados. Tal direito pode encontrar ‑se expresso num valor monetário, numa percentagem de desconto, ou num número de unidades de um determinado bem.

De acordo com entendimento já veiculado pela Comissão Europeia1, os vouchers podem ser classificados de acordo com as seguintes tipologias:

i) vouchers cedidos gratuitamente, os quais são emitidos, regra geral, como forma de promover determinado produto, consubs‑tanciando, na maior parte dos casos, um cupão de desconto (free voucher);

ii) vouchers que concedem ao seu titular o direito a usufruir ou adquirir um bem ou serviço pré ‑estabelecido (single purpose voucher); e,

iii) vouchers que servem de “veículo monetário” para uma multipli‑cidade de bens e serviços, a determinar pelo cliente no momento da sua utilização (multi purpose voucher).

1 Vide Consultation Paper on modernising the Value Added Tax treatment of vouchers and related issues http://ec.europa.eu/taxation_customs/resources/documents/common/consultations/tax/consultation_paper_vouchers_en.pdf.

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3. A consulta pública da Comissão Europeia

A Comissão Europeia submeteu a Consulta Pública, no decurso do ano de 2007, diversas questões relacionadas com o tratamento a conferir, em sede de IVA, à emissão de vouchers.

De acordo com o documento que sintetiza as diversas conclusões resultantes da referida consulta pública2, e tendo presente a tipologia de vouchers já referida na secção supra, concluí ‑se, em termos gerais, com referência ao respectivo enquadramento em sede de IVA, o seguinte:

i) no caso dos vouchers cedidos gratuitamente, considera ‑se que estes assumem a natureza de um desconto, pelo que, aquando da sua utilização, o seu valor não deve ser incluído na matéria tributável;

ii) no caso dos vouchers que concedem ao seu titular o direito a usufruir ou adquirir um bem ou serviço pré ‑estabelecido (single purpose voucher), considera ‑se que estes assumem a natureza de um adiantamento, pelo que, aquando da sua transmissão, deverá haver sujeição a IVA;

iii) no caso dos vouchers que servem de “veículo monetário” para uma multiplicidade de bens e serviços, a determinar pelo cliente no momento da sua utilização (multi purpose voucher), considera ‑se que deverá haver tributação, apenas, no momento da sua utilização.

Indica ‑se, ainda, no âmbito das conclusões resultantes desta Consulta Pública efectuada pela Comissão Europeia, a necessidade de uniformizar o conceito de voucher em momento prévio ao da harmonização da própria legislação dos Estados ‑Membros, sendo certo que a tipologia de vouchers, na qual se verificou uma maior dificuldade quanto ao seu enquadramento foram os que servem de “veículo monetário” para uma multiplicidade de bens e serviços, a determinar pelo Cliente no momento da sua utilização (multi purpose voucher).

2 Vide Summary of Results, Consultation Paper on “Modernising the Value Added Tax treatment of vouchers and related issues” http://ec.europa.eu/taxation_customs/resources/documents/common/consultations/tax/summary_report_consultation_vouchers_en.pdf.

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De acordo, ainda, com o sumário das conclusões veiculado, verifica‑‑se que a maioria das respostas à Consulta, com referência aos vouchers que podem ser utilizados em vários bens ou serviços a determinar pelo seu detentor (multi purpose voucher), considera ‑se que a sua transmissão consubstancia um serviço de cariz financeiro, reconhecendo, desde logo, a Comissão Europeia, que a solução avançada – nos termos da qual as referidas transmissões seriam enquadradas como operações isentas de IVA – teria o mérito de simplificar o enquadramento a conferir a esta situação.

A desfavor dessa posição, a Comissão Europeia reconhece, ainda, que tal entendimento, atento o mecanismo inerente ao funcionamento do IVA, poderia dar origem a desproporcionais restrições à capacidade de dedução das entidades que procedem à emissão e transmissão dos vouchers.

Não são conhecidas alterações legislativas nestas matérias desde o ano de 2007, altura em que ocorreu a referida Consulta Pública e foram vei‑culadas estas conclusões, tendo sido reconhecida, por parte das instâncias comunitárias, a necessidade de clarificar e harmonizar o enquadramento a conferir aos vouchers em sede de IVA.

4. O Entendimento da Administração tributária

A Administração tributária portuguesa pronunciou ‑se já, na década de noventa, sobre o enquadramento a conferir, em sede de IVA, às senhas e aos vales de refeição, tendo, a este propósito, concluído que as referi‑das senhas/vales deveriam ser enquadradas como meio de pagamento, utilizado pelos seus possuidores, aquando da aquisição de refeições ou de outros bens alimentares (cfr. Informação n.º 2603, de 22 de Dezembro de 1991, e Informação n.º 2138, de 6 de Agosto de 1992).

Neste sentido, considerou ‑se que tais “operações” se encontravam abrangidas pela isenção prevista nas alínea a) e c) do, então, número 28 [actual número 27) do artigo 9º do Código do IVA]. Recorde ‑se que estas normas dispõem que se encontram isentas de IVA as operações que consistam na “concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efectuada por quem os concedeu” e, bem

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assim, as “operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com excepção das operações de simples cobrança de dívidas” (sublinhado nosso).

Sendo a emissão das referidas senhas/vales enquadrada como uma operação isenta de imposto, a Administração tributária portuguesa referiu que a entidade que procedia à emissão de tais senhas desenvolvia uma actividade mista (isto é, simultaneamente, actividades que conferem direito à dedução e actividades que não conferem este direito), pelo que deveria proceder à dedução do IVA incorrido no âmbito da sua actividade de acordo com os métodos de dedução previstos (no artigo 23º) do Código do IVA: prorata e método da afectação real.

Contudo, refere também, por outro lado, a Administração tributária que, para efeitos de cálculo de prorata, uma vez que o valor das senhas/vales se destinava, somente, a reembolsar os restaurantes que aderiram ao sis‑tema, não sendo “sua propriedade”, apenas os juros decorrentes de apli‑cações financeiras de tais montantes (entre o período de tempo que medeia entre o recebimento e o reembolso ao fornecedor) deveriam influenciar a capacidade de dedução da entidade que procede à emissão das senhas/vales de refeição.

É de referir que, em sede de IRC, o nosso Supremo Tribunal Admi‑nistrativo já teve oportunidade de se pronunciar quanto ao enquadramento a conferir aos, então designados, cheques ‑auto, os quais consubstanciavam vouchers que poderiam ser utilizados para efeitos de aquisição de gasolina ou gasóleo, tendo concluído que a “aquisição destes cheques consiste na mera troca de meios de pagamento que não traduz um custo, pois só há despesa no momento em que é adquirido o combustível.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0893/08, 7 de Janeiro de 2009).

5. Dos vouchers “multi ‑purpose”

A generalidade dos vouchers objecto do nosso estudo integram a tipologia denominada por multi purpose voucher, porquanto consubstan‑ciam um “veículo monetário” para uma multiplicidade de bens e serviços, a determinar pelo Cliente no momento da sua utilização.

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Efectivamente, no momento da aquisição da voucher, o seu adqui‑rente e detentor sabe que poderá vir a usufruir de um determinado serviço, ou bem, dos constantes do elenco disponibilizado pelos parceiros da emi‑tente dos vouchers, sendo certo que, aquando da aquisição e no decurso da detenção do voucher, não se encontra ainda definida, nem a natureza, nem o momento em que a experiência se materializará, nem, tão ‑pouco, a sua localização, uma vez que caberá ao detentor do voucher determinar esses elementos, quanto efectivar a sua escolha.

Com efeito, segundo entendemos, apenas os vouchers que conce‑dem ao seu titular o direito a usufruir ou adquirir um bem ou serviço pré ‑estabelecido deverão ser enquadrados na tipologia dos denominados single purpose voucher.

Assim, iremos ainda analisar o enquadramento a conferir, em sede de IVA, quer à generalidade dos vouchers objecto deste nosso estudo, quer aos vouchers que incluem um bem associado (oferta) à temática da “experiência respectiva”, aos vouchers que apenas poderão ser utilizados em “experiências” que já se encontram pré ‑definidas e às situações em que os referidos vouchers não chegam a ser utilizados, no decurso do seu prazo de validade.

6. Dos “vouchers experiências”

Importa sublinhar que o IVA é um imposto sobre o consumo que incide sobre as seguintes realidades: transmissões de bens, prestações de serviços, importações de bens e, operações intracomunitárias (cfr. artigo 1.º do Código do IVA).

Na situação ora em apreço, trata ‑se da transmissão de vouchers, quer a Clientes, quer a distribuidores, por um determinado valor, o qual corresponde ao seu valor facial. Na verdade, ainda que tal transmissão corresponda à transmissão de um pack constituído por diversos componen‑tes, o valor pago pelo Cliente corresponde, em qualquer caso, apenas, ao valor do voucher, sendo certo que o pack propriamente dito não constituí, em si mesmo, um “produto vendável”.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no caso Argos [cfr. Argos Distribution Ltd v Customs and Excise Comissio‑ners (C ‑288/94)], veio concluir que o voucher não pode ser considerados,

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para efeitos de IVA, como “bem vendável”, em si mesmo, devendo, antes, ser de qualificar como o documento que incorpora a obrigação assumida por determinados prestadores de serviços de aceitar esse vale, em vez de dinheiro, pelo seu valor nominal.

Assim, e também em nossa opinião, os vouchers em causa no nosso estudo, transmitidos a clientes e distribuidores, – os quais possibilitam aos seus detentores a fruição de uma determinada experiência, – constituem, tão ‑somente, tal meio de pagamento. Efectivamente, em si mesmos, e até serem efectivamente utilizados, os vouchers limitam ‑se a informar os seus detentores sobre os serviços que poderão ser adquiridos e quais as entidades que o aceitam como forma de pagamento.

A transmissão dos vouchers aos Clientes e distribuidores não con‑substancia, pois, qualquer operação para efeitos de IVA, na medida em que, até à sua efectiva utilização, não se verifica qualquer prestação de serviços, nem qualquer transmissão de bens.

A favor deste entendimento, recordam ‑se as situações em que os vouchers adquiridos não chegam, sequer, a ser utilizados, situação em que se torna patente que a sua transmissão não consubstanciou qualquer prestação de serviço ou transmissão de bem.

Assim, neste casos, só haverá liquidação de IVA, por parte do parceiro da emitente dos vouchers, se e quando o voucher for utilizado, altura em que, inequivocamente, ocorrerá a prestação de um serviço ou a transmissão de um bem.

De referir é, ainda, que – ao contrário do que sucederia num voucher destinado à aquisição de um bem ou serviço pré ‑determinado, caso em que a correspondente “transmissão” deveria ser enquadrada como adian‑tamento e, como tal, ser sujeita a IVA –, no caso deste tipo de vouchers, tal enquadramento não poderá ser aplicável. É que a regra que determina a tributação em sede de IVA dos adiantamentos, conforme é, aliás, reco‑nhecido por jurisprudência do TJUE pressupõe a identificação do facto gerador, isto é, a identificação da prestação de serviço, ou da transmissão de bem envolvida, o que, aqui, não sucede.

Refere ‑se, a este propósito, o caso BUPA [cfr. BUPA Hospitals Ltd e outros v Commissioners of Customs & Excise (Case C ‑419/02)], em que o TJUE considerou: “Para que, em tal situação, o imposto se possa tornar exigível, é necessário que todos os elementos pertinentes do facto gerador, isto é, da futura entrega ou da futura prestação, já sejam conhecidos e, por

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conseguinte, em particular (…) no momento do pagamento por conta, os bens ou os serviços sejam especificamente identificados (sublinhado nosso).”

Com efeito, para que um determinado pagamento seja qualificado, para efeitos de IVA, como um adiantamento, é necessário que esteja determinado pelas partes, ab initio, qual o bem ou serviço a adquirir, determinação essa que também é curial para efeitos de cumprimento das obrigações declarativas (emissão de facturas) previstas no Código do IVA.

O entendimento, veiculado pela Administração tributária, e de acordo com o qual a transmissão de vouchers está sujeita, mas isenta, de IVA, em nossa opinião, não colhe, porquanto só fará sentido aferir da aplicabilidade, ou não, de determinada isenção, nos casos em que há sujeição a imposto, o que, conforme anteriormente referido, não parece que se possa verificar.

Em face do exposto, podemos avançar que, aquando da emissão das facturas referentes à disponibilização dos vouchers, aos seus Clientes e distribuidores, não deverá ser liquidado IVA, devendo ser feita a seguinte menção: “Artigo 1º do Código do IVA – Operação não sujeita”.

É de referir que (embora tal não seja o caso na legislação Portuguesa), outros Estado membros clarificaram o enquadramento a conferir, em sede de IVA, aos vouchers, concluindo pela sua não sujeição; como no caso do Reino Unido que, desde o Finance Act de 28 de Março de 2003, passou a incluir no Value Added Tax Act 1994 (Schedule 10A, número 3), uma norma que prevê a não sujeição a IVA da emissão de credit vouchers, cupões vendidos ao seu valor nominal emitidos por uma entidade que não presta os serviços a adquirir.

7. Dos “vouchers experiências” com ofertas

No que diz respeito, em concreto, aos vouchers que incluem um bem, associado à temática da “experiência” respectiva, o valor facial do voucher entregue corresponde ao montante pago pelo cliente aquando da sua entrega e aquisição, pelo que, à semelhança do referido anteriormente, tal voucher assumirá a natureza de meio de pagamento, consistindo o bem que lhe está – acessoriamente – associado, uma oferta.

Assim sendo, o enquadramento a conferir, em sede de IVA, à transmis‑são do voucher propriamente dito deverá ser idêntico ao referido anterior‑mente, devendo ‑se, quanto à oferta, aferir qual o regime que lhe é aplicável.

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Como regra geral, as transmissões gratuitas de bens encontram‑‑se sujeitas a IVA quando, relativamente a esses bens, ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (cfr. artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do Código do IVA). Contudo, excluem ‑se deste regime, nos termos do número 7 do artigo 3º do Código do IVA, os bens não destinados a posterior comercialização e os que, pelas suas carac‑terísticas ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil (0,5%) do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.

Assim, as ofertas integrantes dos vouchers ora em análise, quando o seu valor unitário não exceda os € 50, deverão, em nossa opinião, bene‑ficiar da aplicação do regime previsto para as ofertas, o qual se encontra regulamentado na Portaria nº 497/2008, de 24 de Junho, não sendo, assim, estas tributadas em sede de IVA.

No entanto, haverá sujeição a IVA quando a oferta, em termos unitá‑rios, ultrapassar os € 50 ou quando o correspondente valor global anual exceder cinco por mil (0,5%) do volume de negócios do sujeito passivo. Nestes casos, já haverá a obrigatoriedade de liquidação de IVA, o qual incidirá sobre o valor atribuído à oferta; e, por valor atribuído à oferta, para efeitos de IVA, deve entender ‑se o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações (cfr. artigo 16.º, número 2, alínea b), do Código do IVA).

De referir é, por último, que a citada Portaria, no seu artigo 4º, deter‑mina a obrigatoriedade de os sujeitos passivos contabilizarem em contas apropriadas as amostras e ofertas, registando separadamente os bens que constituam existências próprias e aqueles que sejam adquiridos a terceiros.

8. Dos vouchers “single purpose”

Os vouchers a utilizar em “experiências” que já se encontram pré‑‑definidas devem integrar ‑se na tipologia dos vouchers que concedem ao seu titular o direito a usufruir ou adquirir um bem ou serviço pré‑

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‑estabelecido – single purpose voucher. O detentor deste tipo de vouchers não poderá, pois, tal como pressupomos, optar por outra experiência para além daquela que integra o pack adquirido.

Neste caso, o prestador do serviço e, bem assim, o preço (ou parte dele) estão pré ‑estabelecidos, encontrando ‑se, apenas, por definir o momento em que a experiência vai ser efectivamente usufruída.

Assim, tais vouchers não consubstanciam, apenas, mero meio de pagamento, que possa vir a ser utilizado para diversos e outros fins (“potenciais” prestações de serviços ou transmissões de bens), mas, sim, um efectivo adiantamento por conta de um serviço ou de uma transmis‑são de um bem, concreto, o qual se encontra, à data da sua transmissão, já definido.

Consequentemente, deverá proceder ‑se à liquidação do IVA devido aquando da transmissão deste tipo de vouchers aos Clientes e/ou distri‑buidores.

9. Dos vouchers não utilizados

Em conformidade com o acima exposto, nos casos em que os vou‑chers não chegam a ser usufruídos no decurso do seu prazo de validade, não haverá liquidação de IVA, porquanto também não chegou a ocorrer o facto tributável, isto é, a prestação de um serviço ou a transmissão de um bem.

Porém, no caso dos vouchers a utilizar em “experiências” que já se encontram pré ‑definidas, caso os mesmos não cheguem a ser utilizados, não haverá também lugar a qualquer devolução/regularização do IVA liquidado.

É de notar que, nos termos das conclusões à Consulta Publica efec‑tuada, e já acima referida, pela Comissão Europeia, se refere a possibili‑dade de vir a ficcionar uma operação tributável, no decurso do prazo de validade do referido voucher. Contudo, à luz da legislação actualmente em vigor e na ausência de disposição específica para estes casos, em nossa opinião, não haverá tributação, em sede de IVA, no momento em que se verificar o decurso do prazo de validade do voucher.

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10. Da possibilidade de dedução do IVA

De acordo com os princípios inerentes ao funcionamento do IVA, os sujeitos passivos, apenas, podem deduzir o imposto que tenha sido suportado na aquisição de bens e serviços, caso os mesmos tenham sido utilizados para a realização de operações sujeitas e não isentas de IVA (cfr. artigo 20.º n.º1 Código do IVA).

Para efeitos de IVA, a actividade que está aqui em causa consiste na prestação de serviços de angariação de clientela, sendo a sua remuneração a comissão cobrada aos seus parceiros, no momento em que os vouchers são utilizados.

Sendo certo que, em nossa opinião, o entendimento de acordo com qual a emissão de vouchers deve ser configurada como actividade isenta de IVA não é o mais adequado, por não existir uma prestação de serviços aquando da aquisição dos vouchers, dever ‑se ‑á considerar, em conformidade, que se poderá, no entanto, proceder à dedução do IVA incorrido no decurso da sua actividade (a qual, recorde ‑se, se consubstancia, para efeitos de IVA, numa actividade de angariação de clientela aos seus parceiros), porquanto a comissão auferida dos parceiros estará, em qualquer caso, sujeita a imposto.

De referir é, a favor desta última conclusão, que a anterior redacção do artigo 23º, número 4, do Código do IVA, – nos termos da qual se esta‑belecia que deveriam ser incluídas no denominador do prorata, o montante anual do volume de negócios, isto é, de todas as operações efectuadas (imposto excluído) pelo sujeito passivo, incluindo as transmissões de bens e prestações de serviços isentas ou fora do campo de incidência do imposto – foi substituída por redacção que dispõe que deve ser incluído no denominador do prorata o montante anual (imposto excluído), de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica.

Contudo, atendendo ao entendimento já veiculado pela Administra‑ção tributária na década de noventa, importa referir alguma possibilidade de a referida Administração vir a considerar que a emissão de vouchers consubstancia, afinal, uma actividade isenta de IVA; e, neste caso, impor‑tará ainda analisar se tal actividade irá influenciar, ou não, a capacidade de dedução das entidades envolvidas.

A este propósito, recorda ‑se que, de acordo ainda com o entendimento da Administração tributária já veiculado a este respeito, – o qual, em nossa

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opinião, releva alguma incongruência com o entendimento veiculado a propósito da sujeição, e subsequente isenção, da actividade de emissão de vouchers –, apenas os juros decorrentes de aplicações financeiras de tais montantes entre o período de tempo que medeia entre o recebimento e o reembolso ao fornecedor (e não o referido valor recebido pela transmis‑são dos vouchers) deverão influenciar (no denominador) a capacidade de dedução da entidade que procede à emissão de vouchers.

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Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes

O Julgamento da Responsabilidade Financeirano Tribunal de Contas

Carlos Alberto Lourenço Morais AntunesJuiz Conselheiro no Tribunal de Contas

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RESUMO:

A função jurisdicional do Tribunal de Contas. As competências da Secção Jurisdicio‑nal. O âmbito e estruturação normativa do julgamento das responsabilidades financeiras. O conceito de responsabilidade financeira. Os sujeitos de responsabilidade financeira. A responsabilidade financeira e responsabilidades conexas. O processo jurisdicional. A avaliação da culpa. As causas de extinção das responsabilidades financeiras.

Palavras ‑chave:A actividade jurisdicional do Tribunal de Contas.O Processo Jurisdicional.A Responsabilidade Financeira

ABSTRACT:

The jurisdictional activity of the Tribunal de Contas. Jurisdictional Proceedings. Financial Liability: concept, types, consequences. The valuation of the blame. Causes of the extinction of financial liability.

Key Words:The jurisdictional activity of the Tribunal de ContasJurisdictional ProccedingsFinancial Liability

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Sumário: I – A Tribunal de Contas de Portugal. II – A função jurisdicional do Tribu‑nal de Contas: A) Organização da actividade jurisdicional; B) Os procedimentos na secção jurisdicional: 1. Competências da Secção Jurisdicional; 2. Âmbito e estruturação norma‑tiva do julgamento das responsabilidades financeiras; 3. O conceito de responsabilidade financeira; 4. Os sujeitos de responsabilidade financeira; 5. Responsabilidade financeira e Responsabilidades conexas; 6. O Processo Jurisdicional: 6.1. 1ª instância; 6.2. Recursos; 6.3. Princípios orientadores do processo jurisdicional; 7. A avaliação da culpa; os montantes das multas; 8. Causas de extinção das responsabilidades financeiras; 9. Reflexões finais.

I. O Tribunal de Contas de Portugal

A actividade jurisdicional do Tribunal de Contas de Portugal pres‑supõe que se dê a conhecer os aspectos essenciais, as linhas mestras que estruturam e definem este órgão de soberania.

Vejamos, então, ainda que de forma muito sucinta, como se estrutura e integra o Tribunal de Contas no ordenamento jurídico ‑constitucional de Portugal.

O Tribunal de Contas é um órgão constitucional, colegial, estando consagrado como uma das categorias de Tribunais (art.º 209º, n.º 1, al. c), da CRP).

Como tribunal, o Tribunal de Contas é um órgão de soberania (art.º 110º da CRP), aplicando ‑se ‑lhe os princípios gerais estabelecidos na Constituição para os tribunais – art.º 202º e segs. –, de que desta‑camos os seguintes:

– Princípio da Independência e da exclusiva sujeição à lei (art.º 203º);– Direito à coadjuvação das outras autoridades (art.º 202º);– Princípios da fundamentação, da obrigatoriedade e da prevalência

das decisões (art.º 205º);– Princípio da publicidade (art.º 206º).

Estes princípios, valores ou padrões de actuação encontram ‑se igualmente consagrados na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC)1 em vigor, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto,

1 As referências ulteriores a artigos sem qualquer especificação reportam ‑se à actual redacção da Lei nº 98/97.

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com as alterações introduzidas pela Lei nº 48/06, de 29 de Agosto, que a republicou, pela Lei n.º 35/07, de 13 de Agosto, e pelo artº 140º da Lei nº 3 ‑B/2010, de 28 de Abril, e em que também são previstas, na linha do disposto no art.º 216º da CRP, como garantias de independência do Tri‑bunal de Contas, o autogoverno, a inamovibilidade e a irresponsabilidade dos seus juízes e a exclusiva sujeição destes à lei (art.º7.º).

– O Tribunal de Contas tem características distintivas de outras ordens de tribunais, desde logo porque a sua competência não se restringe à função jurisdicional: tem, ainda, impor‑tantes funções de controlo prévio de legalidade e de auditoria dos dinheiros públicos enquanto órgão supremo de controlo externo e independente da actividade financeira, nos domínios das receitas, das despesas e do património públicos.

O Tribunal de Contas, no âmbito do sistema de controlo financeiro nacional é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas (cf. art.º 214º da CRP), devendo, nomeadamente, os serviços de controlo e inspecção da Administração Pública comunicar ‑lhe os seus programas anuais e plurianuais de actividades e respectivos relatórios de actividades e remeter ‑lhe os relatórios das suas acções quando contenham matéria de interesse para o Tribunal (cf. art.º 12º ‑n.º 2).

O Tribunal está estruturado, na sede, em três Secções, com com‑petências específicas:

a) A 1.ª Secção, encarregada da fiscalização prévia dos actos e contratos da Administração e que tem por fim verificar se aqueles estão conformes às leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria. Pode ainda, exercer fiscalização concomitante através de auditorias a actos administrativos que impliquem despesas de pessoal, a contratos que não estejam sujeitos à fiscalização prévia bem como à execução de contratos que foram visados (artºs 44.º a 50º);

b) A 2.ª Secção, encarregada da fiscalização concomitante e suces‑siva (conforme ocorra durante ou após a respectiva gerência) de verifica‑ção, controlo e auditoria dos dinheiros públicos e comunitários, avaliando

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os respectivos sistemas de controlo interno, apreciando a legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão financeira (art.º 50.º);

c) A 3.ª Secção, encarregada da preparação e do julgamento dos processos de efectivação de responsabilidades por infracções financeiras, (art.º 58.º e 79.º ‑n.º2).

Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira funcionam Secções Regionais, presididas por um juiz e que exercem a jurisdição e poderes de controlo financeiro na área da respectiva Região Autónoma (arts. 3º e 4º).

Sublinhe ‑se que o âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas foi significativamente ampliado com a Lei nº 48/06 a que já aludimos. Desde então, e para além das entidades que integram o denominado sector público administrativo, também passaram a estar sujeitas à jurisdição do Tribunal, entre outras, as entidades públicas empresariais, empresas municipais, concessionárias da gestão de empresas públicas, de sociedades de capitais públicos ou de sociedades de economia mista controladas bem como todas as entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos (art.º 2º).

Em síntese, poderemos afirmar que a jurisdição e controlo do Tribu‑nal vai até onde existam dinheiros ou outros valores públicos.

II. A função jurisdicional do Tribunal de Contas

A) Arganização da actividade jurisdicional

O Tribunal de Contas integra, como já referido, a organização judici‑ária portuguesa, e, como os restantes Tribunais, exerce, no âmbito das suas competências constitucionalmente consagradas, a função jurisdicional.

A Lei nº 98/97 restringia à 3ª Secção e aos Juízes das Secções Regionais dos Açores e da Madeira o exercício da função jurisdicional do Tribunal. Este quadro de competência veio a ser alterado com as Leis nºs 48/06 e 35/07, a que já fizemos referência, as quais atribuíram a todos os Juízes do Tribunal poderes de cariz jurisdicional.

Assim, a competência para a aplicação de multas nos processos aos responsáveis pelo incumprimento de prazos legais de remessa de contas,

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de documentação legalmente exigível, de processos relativos a actos e contratos sujeitos a fiscalização prévia bem como por falta de colaboração com o Tribunal e outras infracções de cariz adjectivo e processual, passou a ser própria dos Juízes dos respectivos processos (art.º 77º ‑nº 4 e 78º ‑nº 4 ‑e), passando a 3ª Secção a intervir somente na fase de recurso destas decisões (art.º 79º ‑nº 1 ‑c)).

Também todos os Juízes passaram a poder relevar a responsabilidade por infracção financeira sancionatória evidenciada nos respectivos rela‑tórios uma vez verificados todos os requisitos previstos no art.º 65 ‑nº 8) da LOPTC, na redacção da Lei nº 35/07, e que são:

a) Evidenciar ‑se que a acção ou omissão resultam de mera negli‑gência;

b) Não existir recomendação anterior do Tribunal ou de órgão de controlo interno para correcção da irregularidade detectada;

c) Ser a primeira vez que o autor da acção ou omissão é objecto de censura pelo Tribunal ou órgão de controlo interno.

Sublinhe ‑se que o instituto da relevação extingue a responsabilidade sancionatória, nos termos do disposto no art.º 69º ‑nº 2 ‑e).

Os poderes jurisdicionais atribuídos a todos os juízes não se con‑fundem com o núcleo relevante da actividade jurisdicional do Tribunal: o julgamento, no âmbito de um processo jurisdicional próprio, dos respon‑sáveis financeiros por infracções à legalidade financeira.

É um processo jurisdicional similar aos processos cíveis e penais nos Tribunais Judiciais, que culmina com uma audiência pública, onde é feita a prova testemunhal, os depoimentos dos Demandados, os quais estão, obrigatoriamente, representados por advogado, com a presença do Ministério Público, na busca comum da verdade material.

O julgamento dos processos está atribuído à 3.ª Secção e, nas Secções Regionais, ao juiz da Região a que os factos não dizem respeito.

Os juízes que integram a Secção, bem como o Juiz da Secção Regional não intervêm previamente em qualquer dos procedimentos que conduziram à dedução da acusação, daí se reforçando a independência do julgador, completamente alheio às posições anteriormente assumidas nas outras Secções.

No intuito de acautelar a tecnicidade e qualidade das decisões juris‑dicionais do Tribunal, cujas decisões judiciais devem ter a superioridade

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e qualidade inerentes às decisões de qualquer Supremo Tribunal, a Lei estabeleceu um conjunto de exigências ao nível do recrutamento dos Juízes da Secção de julgamento e do Ministério Público.

Assim, e quanto aos Juízes da Secção, a LOPTC determina que a colocação dos Juízes na Secção Jurisdicional e nas Secções Regionais deve recair, prioritariamente, nos Juízes oriundos das magistraturas art.º 15.º ‑‑n.º 4 e 18.º ‑n.º 4.

Este requisito adicional às já exigentes condições gerais para con‑correr a Juiz do Tribunal permite e garante uma expectativa de qualidade das decisões judiciais: só podem concorrer a Juiz do Tribunal os magis‑trados com, pelo menos, 10 anos na respectiva magistratura, que exerçam já funções em Tribunais Superiores e classificados com nota superior a Bom ‑art.º19.º ‑n.º1 ‑a).

Também o Ministério Público é um quadro superior da respectiva magistratura, já que são procuradores ‑gerais ‑adjuntos – o nível máximo da magistratura do M.ºP.º ‑ quem representa o Procurador ‑Geral da República no Tribunal de Contas ‑art.º29.º ‑n.º1.

B) Os procedimentos na secção jurisdicional

1. Competências da Secção Jurisdicional

– A Secção Jurisdicional funciona em 1.ª instância com um juiz, a quem compete a preparação e o julgamento dos processos de julgamento de contas e de responsabilidades financeiras (art.º 79º ‑n.os 2 e 3).

O processo de julgamento de contas utiliza ‑se quando as responsa‑bilidades resultam evidenciadas em relatórios de verificação externa de contas enquanto que o processo de julgamento de responsabilidades finan‑ceiras visa apurar as infracções evidenciadas em relatórios das acções de controlo do Tribunal elaborados fora do processo de verificação externa ou em relatórios dos órgãos de controlo interno.

A competência da Secção não se esgota na preparação e julgamento destes processos.

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Assim, e de acordo como art.º79.º à 3.ª Secção, em plenário, compete:a) Julgar os recursos das decisões proferidas em 1.ªinstância, na sede

e nas secções regionais;b) Julgar os recursos dos emolumentos fixados nos processos de

verificação de contas e nos de auditoria;c) Julgar os recursos das decisões de aplicação de multas proferidas

nas 1ª e 2ª Secções e nas secções regionais;d) Julgar os pedidos de revisão das decisões transitadas em julgado,

proferidas pelo plenário ou em 1.ªinstância.

2. Âmbito e estruturação normativa do julgamento das responsabili‑dades financeiras

O processo jurisdicional visa apurar se foram cometidos factos ou omissões que justificam a responsabilidade financeira que vem imputada ao (s) Demandado (s).

Na verdade, no âmbito da análise dos procedimentos, dos actos e dos contratos sujeitos à fiscalização prévia e concomitante o Tribunal pode detectar situações susceptíveis de responsabilidade financeira por se enquadrarem no conceito de “infracção financeira”:

“Todo o facto culposo, punido com multa e podendo gerar a obriga‑ção de repor, praticado em violação da disciplina dos dinheiros públicos por aqueles que devem concorrer para que aquela seja observada”.2

Idêntica situação pode ocorrer quer no decurso dos processos de verificação externa de contas ou de auditorias quer nas acções dos órgãos de controlo interno, determinando a Lei que os processos deverão ser remetidos ao Ministério Público, a fim de serem desencadeados eventuais procedimentos jurisdicionais (art.º57.º).

A Lei nº 98/97 atribuía, exclusivamente, ao Ministério Público, competência para requerer o julgamento dos responsáveis pelas infracções financeiras detectadas.

2 Revemo ‑nos na noção proposta por Amável Raposo in “A nova Lei Orgânica do Tribunal de Contas e a Responsabilidade Financeira” texto integrado no Seminário “Novas Perspectivas de Direito Público” que decorreu em Lisboa em 26 e 27 de Abril de 1999.

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No entanto, com a Lei nº 48/06, o direito de acção foi alargado aos órgãos de direcção, superintendência ou tutela sobre os visados nos relató‑rios das acções de controlo do Tribunal bem como aos órgãos de controlo interno responsáveis pelos relatórios das acções que tenham remetido ao Tribunal (art.º 89º ‑nº 1 ‑b) e c)).

Este direito é, porém, subsidiário pois só pode ser exercido no prazo de 30 dias a contar da publicação do despacho do Ministério Público que declare não requerer procedimento jurisdicional, publicação que vem sendo feita na 2ª série do Diário da República.

Importa esclarecer que o M. P. não está vinculado às qualificações jurídicas dos factos constantes dos respectivos relatórios da 1ª e 2ª Sec‑ções do Tribunal, podendo, pois, em despacho fundamentado, determinar o arquivamento do procedimento se considerar que não estão adquiridos todos os pressupostos para o requerimento de julgamento (art.º89.º). No entanto, e no que respeita à matéria de facto, o Ministério Público está limitado aos factos constantes dos relatórios, só tendo legitimidade para realizar as diligências complementares que entender adequadas e que se relacionem com os factos apurados (art.º 29º ‑nº 6).

O legislador, ao elencar, de forma taxativa, as entidades com legi‑timidade para introduzirem em juízo requerimentos de julgamento de responsabilidade financeira excluiu a possibilidade de, individualmente, ser accionado o julgamento. Assim, nenhum cidadão, ainda que invocando agir em representação de entidade, associação ou outra pessoa colectiva pública tem legitimidade para requerer o julgamento de responsáveis financeiros, mesmo que exerçam ou tenham exercido funções e por factos ocorridos nesse exercício na entidade ou associação em causa.

É uma opção que, numa primeira análise, poderia ser criticável mas que, em nosso entender, tem toda a justificação e pertinência: os interesses públicos devem estar salvaguardados de acções individuais que, em regra, escondem quezílias partidárias e pessoais, vinganças e ressentimentos que, decerto, contribuiriam para uma litigiosidade perversa que facilmente bloquearia a Secção de julgamento. Daí que as petições e denúncias indi‑viduais devam ser canalizadas, previamente, para os órgãos de controlo interno e ou para o Tribunal que, internamente, accionará os mecanismos legais de averiguação e controlo de que dispõe.

Em síntese, podemos salientar, como o ponto essencial no desenho legislativo do processo jurisdicional, a separação nítida entre as entidades

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que averiguam, que acusam e que julgam num procedimento articulado, global e coerente e que, esquematicamente se descreve:

– Num primeiro momento, e na sequência de verificações externas ou de auditoria, constatam ‑se factos que podem ser susceptíveis de responsabilidade financeira;

– Tais factos são levados aos relatórios produzidos nas 1.ª e 2.ª Sec‑ções;

– E remetidos, com o respectivo processo, ao Ministério Público;– O Ministério Público está limitado aos factos constantes dos rela‑

tórios, não tendo autonomia investigatória;– Mas não está vinculado à qualificação jurídica que foi feita aos

factos, podendo, assim, analisar com total independência as provas apresentadas e decidir ‑se pela acusação ou pelo arquivamento do processo;

– O Ministério Público é a única entidade com legitimidade própria para instaurar processo jurisdicional;

– Os órgãos de direcção, superintendência ou tutela relativamente aos visados nos relatórios das acções de controlo do Tribunal bem como os órgãos de controlo interno relativamente aos seus relatórios só a título subsidiário têm legitimidade para instaurar procedimento jurisdicional.

– O procedimento jurisdicional não pode ser accionado por cidadão agindo quer individualmente quer em representação de outras entidades, públicas ou privadas.

– Os juízes da Secção Jurisdicional bem como os juízes das Secções Regionais não intervêm, directa ou indirectamente, nos procedi‑mentos que determinaram o pedido de julgamento.

3. O conceito de responsabilidade financeira

O processo jurisdicional regulado nos artigos 89.º e sgs. julga as responsabilidades financeiras detectadas no âmbito do controlo financeiro das outras duas Secções e dos órgãos de controlo interno.

Abordaremos, pois, ainda que de uma forma sucinta, o conceito de “responsabilidade financeira”, o qual é indissociável da prática de infrac‑ção financeira – conceito que já definimos.

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Assim, e num ensaio sobre a delimitação do conceito diríamos que “a responsabilidade financeira é a situação jurídica em que se coloca o agente que, investido no dever de observância da disciplina dos dinheiros ou valores públicos, pratica, por acção ou omissão, um facto culposo em violação daquela disciplina, ficando sujeito quer a sanções pecuniárias quer à obrigação de reposição de quantias ao património público”.

Em razão do objecto, a responsabilidade financeira pode ser reinte‑gratória ou sancionatória.

– A responsabilidade será reintegratória quando o responsável deva repor as importâncias abrangidas pela infracção, e ocor‑rerá quando se tenha apurado que ao mesmo, culposamente, foi imputada uma acção ou omissão que tenha determinado alcances, desvios de dinheiros ou valores públicos ou pagamentos indevidos (art.º 59º).

Existirá alcance quando, independentemente da acção de respon‑sável, haja desaparecimento de dinheiro ou de outros valores do Estado ou de outras entidades públicas (n.º 2 do art.º 59º) identificando ‑se com a situação clássica do responsável não ter em cofre ou com saída devida‑mente documentada qualquer quantia ou valor que aí devia existir.

O desvio de dinheiros ou valores públicos verificar ‑se ‑á quando, por acção intencional de agente público que a eles tenha funcionalmente acesso, ocorrer a perda, absoluta ou relativa, desses dinheiros ou valores (art.º 59º ‑nº 3).

O conceito de “pagamentos indevidos” está expresso no n.º 4 do art.º 59.º:

“Pagamentos ilegais que causarem dano para o erário público, incluindo aqueles a que corresponda contraprestação efectiva que não seja adequada ou proporcional à prossecução das atribuições da entidade em causa ou aos usos normais de determinada actividade”.

Para além das situações referenciadas, o Tribunal poderá condenar os responsáveis na reposição das importâncias não arrecadadas em prejuízo do património público pela não liquidação, cobrança ou entrega de receitas devido a culpa grave ou dolo daqueles (art.º 60º).

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Poderá, ainda, o Tribunal condenar os responsáveis na reposição das quantias correspondentes à indemnização que a entidade pública for obrigada a pagar pela violação de normas financeiras e da contratação pública. (art.º 59º ‑nº 5).

– A responsabilidade sancionatória ocorre quando, por acção ou omissão, culposamente, se violam normas financeiras atinentes à assunção, autorização, pagamentos de despesas, não liquidação, cobrança ou entrega de receitas, utilização indevida de fundos, adian‑tamentos não permitidos e outras, enunciando a LOPTC, no artigo 65.º, algumas das concretas condutas violadoras da legalidade financeira.

Em regra, a responsabilidade sancionatória ocorre sempre que se evidenciam factos susceptíveis de responsabilidade reintegratória. Bastará relembrar que os alcances, desvios de dinheiro, pagamentos indevidos, não liquidação de receitas, só se concretizam se forem, simultaneamente, violados os princípios estruturantes da assunção, autorização e pagamento das despesas públicas bem como os relativos à gestão e controlo orça‑mental de tesouraria e de património, factos constitutivos de infracções financeiras sancionatórias previstos no art.º 65º.

Na responsabilidade sancionatória, os responsáveis são exclusiva‑mente condenados em multas que têm, como limite mínimo, 15 (UC) e, como limite máximo, 150 Unidades de Conta (UC), correspondendo, actualmente, cada Unidade a 102,00 Euros.

4. Os sujeitos de responsabilidade financeira

A responsabilidade financeira pressupõe, sempre, um facto ilícito porque violador de norma financeira, e que se estabeleça o nexo de impu‑tação do facto à acção ou omissão de um determinado sujeito.

A Lei estabelece uma distinção entre responsabilidade directa e subsidiária consoante a intervenção do sujeito tenha sido a causa imediata ou indirecta do facto ilícito.

A Lei elenca e define os sujeitos de responsabilidade financeira nos artigos relativos à responsabilidade reintegratória (artº 61º a 64º) mas vem, no artº 67º ‑nº 3, estipular que tais normas são aplicáveis à responsabilidade sancionatória, ainda que com as necessárias adaptações.

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Temos, pois, um quadro global normativo referenciador dos sujeitos de responsabilidade financeira.

Detenhamo ‑nos, então, sobre a responsabilidade directa. Assim, a responsabilidade pela reposição das quantias ao património público recai sobre o agente ou agentes da acção (artº 61º ‑nº 1).

O princípio geral é, pois, o de imputar a responsabilidade ao autor do facto, a quem o praticou ou a quem o omitiu e tinha o dever funcional de o praticar.

Os agentes do facto são, nos termos do referido artigo 61º, os seguintes:3

1. Os membros do Governo que praticaram o acto danoso para o património público sem terem ouvido os serviços competentes ou, tendo ‑os ouvido e sido esclarecidos em conformidade com as leis, tenham decidido de forma diferente;

2. Os gerentes, dirigentes ou membros dos órgãos de gestão, e os exactores;

3. Os funcionários ou agentes que, nas suas informações para os responsáveis, não esclareçam os assuntos de harmonia com a Lei.

Resulta do exposto que a responsabilidade dos membros do Governo não ocorrerá se e quando tiverem decidido de acordo com os pareceres e informações que lhes foram presentes, regime prudente porque não se alheia da vastidão de propostas e informações que diariamente são pre‑sentes ao decisor governamental.

Esta limitação não é aplicável aos gerentes e dirigentes das entidades públicas que deverão, pois, adoptar uma conduta cuidada e ponderada face às informações e pareceres dos serviços.

A Jurisprudência da 3ªSecção tem, a este propósito, sido uniforme e pacífica, censurando condutas de responsáveis que alegam ter ‑se limitado aderir às informações dos Serviços ou a não ter conhecimentos jurídicos e ou preparação técnica bastante para infirmar as propostas que lhes são presentes.

Como se decidiu entre muitos outros, no Acórdão nº 03/07, de 27.06.07 do Plenário da 3ª Secção:

3 O artº 61º ‑nº 2 delimita a responsabilidade dos membros do Governo nos termos e condições fixadas no artº 36º do Decreto nº 22257, de 25 de Fevereiro de 1933.

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“A própria circunstância de não terem consciência de que estavam a violar disposições legais e a cometer infracções, quando são pessoas investidas no exercício de funções públicas com especiais responsabilida‑des no domínio da gestão de recursos públicos, sujeitos a uma disciplina jurídica específica, não pode deixar de merecer um juízo de censura”.

Não se conclua que nenhuma consequência resulta para os funcioná‑rios que informem os dirigentes dos Serviços em desconformidade com a lei, pois, como se referiu, os funcionários incorrem em responsabilidade finan‑ceira se, da adesão a informação ilegal, ocorrer a prática de um facto ilícito.

É difícil sustentar que estamos, ainda, em sede de responsabilidade directa porque os funcionários não são os agentes do facto ilícito; porém, e porque a responsabilidade só se verificará se o facto for praticado, o legislador terá estendido o conceito de responsabilidade directa face ao nexo de causalidade que se julga surpreender entre a informação ilegal, a decisão e a prática do facto, sendo pacífico que esta responsabilidade do funcionário não exclui a responsabilidade do decisor, devendo, caso a caso, avaliar ‑se a conduta do decisor e da que seria exigível a um decisor prudente perante tal circunstancialismo.

A responsabilidade subsidiária está prevista no artº 62º ‑nº 3 e ocorre quando, apesar de não terem praticado o facto ilícito, os dirigentes, por acção ou omissão, tenham descurado deveres de fiscalização e vigilância que propiciaram a prática do facto.

Assim:

– Os membros do Governo, os gerentes e demais dirigentes elencados podem, mesmo que sejam estranhos ao facto ilícito, ser subsidiariamente responsáveis com o agente do facto se se verificarem os seguintes pressupostos:

1. O facto só foi praticado por aquele agente por permissão ou ordem do dirigente uma vez que tais funções não lhe estavam confiadas e não se verificara a falta ou o impedimento do agente competente;

2. O agente fora designado para aquele cargo por decisão do diri‑gente, apesar de já ser reconhecida a sua inidoneidade moral;

3. O dirigente desprezara, com culpa grave, as suas funções de fiscalização.

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A natureza deste tipo de responsabilidade (subsidiária) deter‑mina que os dirigentes só serão accionados se:

– O dano ao património não for, voluntariamente, reposto, pelo agente do facto;

– Se os bens do agente do facto não forem suficientes para ressarcir o património público.

A responsabilidade subsidiária só ocorre quando se verifique respon‑sabilidade financeira reintegratória como se consagra no nº 3 do artº 62º.

Nos termos do artº 63º, a responsabilidade financeira directa ou subsidiária é solidária, sem prejuízo do direito de regresso. Assim, e nos termos do artº 497º ‑nº 2 do C. Civil, o direito de regresso está limitado à medida das respectivas culpas e das consequências que delas resultaram, sendo que pode ser ilidida a presunção que aí se prevê de que são iguais as culpas dos responsáveis.

O direito de regresso deve ser accionado nos tribunais cíveis uma vez que a L.O.P.T.C. não prevê este tipo de acção jurisdicional, sendo, pois, estranha ao Tribunal de Contas.

Assim, e sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4, deverá relevar ‑se o prazo de prescrição do direito previsto no artº 498º ‑nº 2 do C. Civil – 3 anos – não lhe sendo aplicável o regime prescricional consagrado no artº 70º da L.O.P.T.C.

Este regime é estranho às situações de responsabilidade sancionató‑ria, como decorre, expressamente, do artº 67º ‑nº 3, que só manda aplicar, “com as necessárias adaptações” o regime dos artigos 61º e 62º. Aliás, não poderia ser outro o enquadramento legal uma vez que os conceitos de subsidiariedade e solidariedade nas culpas não são adequados à res‑ponsabilidade sancionatória, de natureza exclusivamente punitiva em que só o pagamento da multa por cada responsável permite a extinção das responsabilidades respectivas.

Assim, o pagamento voluntário de multa peticionada ao agente directo da acção não determina a extinção do procedimento sancionatório que, eventualmente, tenha sido accionado a responsável estranho ao facto e no condicionalismo estatuído no nº 3 do artº 62º. Esta afigura ‑se ‑nos ser a interpretação mais adequada da remissão constante do nº 3 do artº 67º da L.O.P.T.C.

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5. Responsabilidade financeira e Responsabilidades conexas

O julgamento da responsabilidade financeira dos titulares dos Orga‑nismos sujeitos à sua jurisdição é uma competência constitucionalmente deferida pelo art.º 214º ‑nº 1 ‑c) da Constituição da República.

A exclusividade da jurisdição financeira no Tribunal não prejudica, porém, que, do mesmo facto, resulte outro tipo de responsabilidade, cujo conhecimento compete a outros Tribunais Judiciais.

Estamos a falar, designadamente, de responsabilidades criminais, disciplinares, cíveis, administrativas, que são da competência de outros Tribunais, pelo que há sempre um permanente intercâmbio de informações com os Tribunais em que decorrem ou já decorreram processos por factos que também estão em análise no Tribunal de Contas.

Aliás, a Lei prevê, expressamente, que, para além da responsabilidade financeira, o mesmo facto possa dar origem a outros procedimentos e res‑ponsabilidades, em casos de alcance, desvio de dinheiros e pagamentos indevidos (art.º 59º ‑nº 1).

Na verdade, os factos integradores destes ilícitos financeiros são sub‑sumíveis, igualmente, a tipos legais de crime (designadamente peculato, burla) impondo o artº 71º do Código do Processo Penal, como regra, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deva ser deduzido no processo penal respectivo.

Por seu lado, importa reter que a obrigação de reposição das impor‑tâncias abrangidas por infracção reintegratória não exclui a possibilidade de ser instaurada acção de responsabilidade civil peticionado a obrigação de indemnizar o Estado pelos prejuízos causados (artº 798º do C. Civil).

A identidade dos factos constitutivos de responsabilidade financeira e susceptíveis de integrarem ilícitos criminais e ou pedidos de indemnização civil não permitem nem justificam, em nosso entender, qualquer suspensão do procedimento financeiro.

Na verdade, e sob pena de desconsideração total das competências constitucionalmente atribuídas, o apuramento e efectivação da respon‑sabilidade financeira evidenciada nos factos constantes dos relatórios do Tribunal e dos Órgãos de Controlo Interno não tem que sobrestar ou aguardar pelo apuramento de eventuais responsabilidades de outra natu‑reza, emergentes dos mesmos factos pendentes noutros Tribunais.4

4 É a doutrina do parecer da P.G.R. nº 14/2000, votado na sessão de 31 de Maio de 2001 do respectivo Conselho Consultivo.

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Relembra ‑se que o conceito de responsabilidade financeira tem pressupostos, finalidades e consequências próprias que a diferenciam, de forma clara, de outros tipos de responsabilidade.

Anota ‑se, a este propósito, que a obrigação de repor objectiva ‑se num certo montante, em quantia determinada (o equivalente ao alcance, ao desvio, ao pagamento indevido, etc.), valor que terá de ser apurado nos processos de auditoria e ou outros procedimentos de controlo legalmente estatuídos. Ora, no âmbito da responsabilidade civil, o cálculo da indem‑nização é mais lato compreendendo não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado (o Estado) deixou de obter em consequência da lesão e, ainda, danos futuros (artº 564º do C. Civil).

Acresce que uma absolvição em processo crime pode não prejudicar o processo neste Tribunal, bastando, para tal, serem diversas as exigências conceituais para a censurabilidade do facto: num caso exigir ‑se a prova do dolo do agente, no outro ser suficiente a mera negligência, como é a regra do procedimento financeiro.

6. O Processo Jurisdicional

O legislador de 97 estruturou o processo jurisdicional como um processo simplificado, ainda que garantindo todos os meios de defesa dos Demandados, num contraditório pleno e com audiência pública de julgamento. Os processos são decididos, em 1.ªinstância, por um só juiz (art.º79º ‑n. 3).

Daí que os artigos relativos à marcha do processo em 1.ª instância se reduzam a seis (90.º a 96.º). No entanto, e para precaver quaisquer omis‑sões, o legislador determinou a aplicação subsidiária do C.P.Civil, sem prejuízo da aplicação do C.P.Penal sempre que esteja em causa matéria sancionatória (art.º80.º).

6.1. O processo jurisdicional no Tribunal caracteriza ‑se, em 1.ª ins‑tância, pelos seguintes elementos relevantes:

– Requerimento inicial do Mº Pº, única entidade com legitimidade própria para requerer o julgamento de infracções financeiras. No requerimento devem constar todos os factos relevantes e todas as provas, as razões de direito, o montante concreto da multa a aplicar e/ou da reposição a efectuar pelo Demandado. Podem deduzir ‑se

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pedidos cumulativos, ainda que por diferentes infracções, com as correspondentes imputações subjectivas. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas a cada facto.Como já foi sublinhado, o requerimento inicial pode ser apresen‑tado pelas entidades que tenham poderes de direcção ou tutela sobre os visados nos relatórios do Tribunal e pelos órgãos de controlo interno relativamente aos seus relatórios enviados ao Tribunal se o M.º P.º não requerer o procedimento jurisdicional.

– Citação pessoal do Demandado, o qual pode efectuar o pagamento voluntário do pedido constante do requerimento inicial, finalizando o processo, ou contestar o mesmo em 30 dias. O prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias a pedido do citado se a complexidade ou o volume das questões em análise o justificar;

– A contestação é deduzida por artigos e deve conter todas as provas a produzir, mas a falta de contestação não tem efeitos cominatórios;

– O Demandado é obrigatoriamente representado por advogado, que deverá ser nomeado pelo Tribunal nos termos da legislação aplicável se o Demandado não constituir advogado;

– Após a contestação é realizada a audiência pública de julgamento, dispondo o Tribunal de meios audiovisuais de gravação. À audi‑ência aplica ‑se o regime do processo sumário do C. P. Civil, com as necessárias adaptações;

– O Juiz, na sentença, não está vinculado ao montante peticionado e, em caso de condenação em reposição de quantias, fixará a data a partir da qual são devidos os juros de mora.Afigura ‑se ‑nos que esta norma é passível de juízo de inconstitucio‑nalidade, designadamente no âmbito dos processos por infracções sancionatórias, por violação das garantias do processo criminal assegurados pelo artº 32º ‑5 da C.R.P., bem como pelos artigos 358º e 359º do C.P.P. sobre a alteração dos factos da acusação/pronúncia.Esta disposição é, aliás, anómala mesmo no âmbito processual civil em que, como é sabido, há muito vigora o princípio do juiz não poder condenar em quantias superior ou em objecto diverso do que se pedir (artº 661º ‑nº 1 do CPC).

– O Juiz pode autorizar o pagamento do montante da condenação até quatro prestações trimestrais, se tal for requerido até ao trânsito em julgado e com juros de mora, se for caso disso.

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– O não pagamento voluntário determina o envio de certidão para subsequente instauração de processo de execução fiscal, pois o Tribunal não tem competência executiva.

Como resulta do exposto, o processo é simplificado, permitindo a obtenção de decisões finais céleres, num prazo médio de seis meses.

6.2. Vejamos, agora, a fase dos recursos e demais meios de impugna‑ção das decisões da 1ª instância proferidas na sede e nas secções regio‑nais, assinalando, desde logo, que todas as decisões finais são recorríveis (art.º 96.º)

Este conceito integra todas as decisões que ponham termo ao pro‑cesso ou que conheçam de questões que, não pondo termo ao processo, excluam da apreciação final certos factos articulados pelo M.ºP.º ou pelos Demandados. Serão, designadamente, os casos em que o Juiz tenha deci‑dido excluir do processo factualidade alegada pelo Mº.Pº. porque a mesma não integrava a auditoria ou quando se tenha decidido pela ilegitimidade de alguns dos Demandados. 5

Independentemente da interposição de recursos, podem, ainda, as partes socorrer ‑se dos outros meios de impugnação das decisões judiciais previstas nos Códigos de Processo Civil (sendo objecto do processo a responsabilidade reintegratória) ou de Processo Penal (sempre que se discutir a responsabilidade sancionatória) e que, como já dissemos, são supletivamente aplicáveis.

5 No Acórdão nº 01/2001, de 24 de Janeiro, o Plenário da 3ª Secção decidiu que o despacho proferido em 1ª instância que julgara procedente a excepção de litispendência relativamente a parte do objecto processual era recorrível por constituir uma “decisão final”. Para tal conclusão argumentou ‑se que “a realidade concernente à efectivação de responsabilidades financeiras impõe que se interpretem as normas plasmadas no nos 2 e 3 do artº 96º da Lei nº 98/97, de 27 de Agosto, de forma a que as exigências específicas e complexas da realidade financeira a julgar, se reflictam na obrigatoriedade de, em princí‑pio, o objecto processual financeiro (enquanto fenómeno a ser avaliado judicialmente) deva ser incídivel. Por outras palavras e agora numa óptica teleológica, diremos que também constituirão “decisão final” para os efeitos do artº 96º ‑nº 3 da Lei nº 98/97, pelo menos todas aquelas decisões que substancialmente forem susceptíveis de conduzir ao desmem‑bramento do objecto processual da relação jurídico ‑financeira proposta a julgamento”

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Assim, são, entre outras, admissíveis a arguição de nulidades, a reclamação contra a retenção de um recurso. Também se contempla, expressamente, no art.º98.º ‑n.º1 a reclamação para o plenário da Secção do despacho que não admitiu um recurso.

Os recursos são apreciados em plenário da 3.ªSecção, não podendo ser relatados pelo juiz que proferiu a decisão em 1.ª instância, o qual não intervém no julgamento do recurso. É obrigatória a constituição de advogado por parte dos Demandados, devendo o M.ºPº emitir parecer sobre o teor do recurso, salvo se for o recorrente, pois aí será ouvida a parte contrária.

No recurso, para além da matéria de direito, conhece ‑se da eventual insuficiência, contradição ou obscuridade da matéria de facto, podendo ordenar ‑se a repetição do julgamento em 1.ªinstância. Não há, assim, possibilidade de renovação da prova em recurso, nem há audiência pública de julgamento. O recurso é decidido em sessão, com o relator a apresentar um projecto de acórdão, sendo a sessão presidida pelo Presidente a quem cabe dirigir a discussão e votar em caso de empate (art.º100.º).

Para além de julgar os recursos das decisões da 1ª instância, o plenário da 3ª Secção julga os recursos dos emolumentos fixados nos processos de auditoria e verificação de contas das outras Secções do Tribunal. Embora a Lei só se refira à 2ª Secção e às Secções Regionais (artº 79º ‑nº 1 ‑b)) nada permite excluir as auditorias de fiscalização concomitante da 1ª Secção que são, em tudo, idênticas às efectivadas nas restantes Secções.

Relembra ‑se, por último, que o exercício do poder jurisdicional dos restantes Juízes do Tribunal é recorrível para o Plenário da Secção: as suas decisões de aplicação de multas, nos casos previstos no artº 66º e para que são competentes os Juízes relatores dos respectivos processos (artº 77º‑‑nº 4, 78º ‑nº 4 ‑e), 106º ‑nº 3 e 107º ‑nº 3) são susceptíveis de recurso para o plenário da 3ª Secção (artº 79º ‑nº 1 ‑c)).

Nesta matéria, é pertinente questionarmo ‑nos sobre se são recorrí‑veis para o plenário da 3ª Secção as decisões dos Juízes proferidas nas restantes Secções que relevem a responsabilidade por infracção financeira sancionatória evidenciada nos respectivos relatórios.

Este instituto, já o assinalámos, encontra ‑se previsto no artº 65º ‑nº 8 e exige que se verifiquem todos os requisitos aí elencados.

Em nosso entender, esta decisão é jurisdicional pelo que é suscep‑tível de recurso.

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É jurisdicional porque, ainda que proferida em sede de auditoria, tipifica factos como infracções financeiras, avalia o elemento subjectivo naquelas, decidindo da existência e do grau de culpa do(s) agente(s) e, relevando a responsabilidade, determina uma extinção do procedimento sancionatório, nos termos do artº 69º ‑nº 2 ‑e), tudo manifestações inequí‑vocas do poder jurisdicional, porque afectam e põem em crise compor‑tamentos e actuações de terceiros individualizados, com consequências imediatas na esfera jurídica daqueles.

Assim, entendemos que, quer a decisão de relevação quer a decisão de não relevação têm conteúdo material próprio das decisões jurisdicionais devendo, sempre, ser fundamentadas e são susceptíveis de recurso para a 3ª Secção quer pelo Ministério Público quer pelos Visados pelo juízo sobre a ilegalidade e a culpa ínsitos e necessários à decisão. É que se os Visados não dispusessem da faculdade de ver reapreciadas e reexamina‑das, em sede judiciária, os juízos sobre a existência de infracção que lhes foi imputada e do respectivo grau de culpa estariam em causa princípios básicos e estruturantes de um Estado de Direito em que, constitucional‑mente, se assegura a todos os acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (artº 20º da C.R.P.).

Sublinhe ‑se que o instituto é aplicável quando só está em causa responsabilidade financeira sancionatória em que, como é sabido, se assegura aos Visados os mais amplos direitos de audiência, de defesa e de reapreciação de uma primeira decisão jurisdicional.

E não nos parece defensável afirmar ‑se que o recurso de uma decisão de relevação de responsabilidade não faria sentido porque o Visado veria extinguir ‑se a sua responsabilidade financeira. É que, como já referido, para tal decisão há pronúncia e decisão prévia que considerou evidenciada uma infracção financeira, pelo que o Visado tem o direito legítimo, em caso de discordância, de ver declarado, jurisdicionalmente, que afinal, e como era seu entendimento, não praticara qualquer infracção por aqueles factos que lhe eram imputados.

Do exposto, somos de opinião que, mesmo carecendo de base legal expressa, deverá ser admitido recurso de decisão de relevação de respon‑sabilidade financeira sancionatória nos termos do artº 65º ‑nº 8 ou que indefira e desatenda pedido de relevação expressamente formulado no processo pelos Visados porque se julga ser o entendimento conforme os princípios constitucionais.

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O art.º101.º prevê, ainda, a possibilidade de recurso extraordinário de decisões proferidas em plenário da 3.ªSecção.

Assim, se for proferida uma decisão do plenário da 3.ª Secção, que, no domínio da mesma legislação, e relativamente à mesma questão funda‑mental de direito, tenha optado por solução oposta a outra anteriormente proferida, pode ser interposto recurso extraordinário da última decisão para fixação de jurisprudência.

O recurso pode ser interposto pelo M.ºP.º ou pelos Demandados e é decidido pelo Plenário Geral do Tribunal e a doutrina que for fixada no Acórdão será obrigatória para o Tribunal, enquanto a lei não for modi‑ficada.

Se o relator entender, porém, que não existe a alegada oposição de julgados, leva o projecto de Acórdão ao respectivo plenário da 3.ªSecção. O recurso considera ‑se findo se o plenário deliberar que não há oposição.

Ainda no âmbito dos recursos extraordinários, a 3ª Secção, em Plenário, julga os pedidos de revisão das decisões transitadas em julgado proferidas, quer pelo plenário, quer em 1ª instância (artº 79º ‑nº 2 ‑d)).

Este recurso extraordinário é regido pelas disposições constantes do Código de Processo Civil para o recurso de revisão (artº 101º ‑nº 4), ou seja, o regime dos artºs. 771º a 778º daquele Código mas com as neces‑sárias adaptações. Será designadamente, a hipótese de “transacções” em que a decisão se fundou pois são incompatíveis com a natureza pública e indisponível da jurisdição financeira.

No entanto, já a exclusão do depoimento testemunhal como fun‑damento do processo de revisão se deverá aplicar nesta jurisdição, referenciando ‑se que tal exclusão não foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2010 in D.R. II série, de 15.12.

Cabe, por último, referir que as decisões do plenário da 3.ª Secção proferidas no âmbito de recursos podem, ainda, ser recorríveis para o Tribunal Constitucional, designadamente se o M.ºP.º ou os Demandados entenderem que a decisão aplicou preceitos já julgados anteriormente inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional ou se fez uma apreciação inconstitucional dos preceitos, ou, ainda, se considerou inaplicáveis nor‑mas por entender serem inconstitucionais.

A decisão final do Tribunal Constitucional pode determinar a revo‑gação do Acórdão da 3.ªSecção, a fim de ser proferido novo Acórdão em conformidade com o entendimento daquele Tribunal.

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6.3 Princípios orientadores do processo jurisdicional

A introdução no Tribunal de um processo jurisdicional de acordo com os princípios estruturantes dos processos judiciais constituiu uma das principais e sábias decisões do legislador de 1997. Na verdade, o julga‑mento das responsabilidades financeiras em processo próprio, submetido ao princípio do contraditório e com audiência pública de julgamento veio aproximar, ainda mais, o Tribunal dos Tribunais Judiciais, reforçando e consolidando a sua vertente jurisdicional .

O processo jurisdicional, conduzido por Magistrados, visa apurar a verdade dos factos imputados aos responsáveis financeiros num ambiente processual que permite e efectiva todos os meios de defesa dos Deman‑dados garantidos pelos Códigos do Processo Civil e Penal.

Assim:

– Os Demandados têm direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência sem que, no entanto, a tal sejam obrigados e sem que o silêncio possa desfavorecê ‑lo (artº 343º ‑nº 1 do C.P.P., bem como podem, sempre, recusar ‑se a responder a algumas ou todas as perguntas sem que isso os possa desfavorecer (artº 345º ‑nº 1 do C.P.P.).

– No caso do Demandado declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o Juiz, sob pena de nulidade, pergunta ‑lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção – (artº 344º ‑nº 1 do C.P.P.).

– Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de forma‑ção da convicção do Juiz, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (artº 355º ‑nº 1 do C.P.P.).

– O ónus da prova dos factos constitutivos da infracção bem como da culpa do agente compete ao Ministério Público ou à entidade que requereu o julgamento, uma vez que a responsabilidade objectiva é totalmente estranha à responsabilidade financeira: é, sempre, necessário que fique provado que a materialidade constitutiva da infracção resulta de acção ou omissão culposa do agente.

Os princípios gerais que acabámos de descrever devem ser rigoro‑samente observáveis na maioria dos processos de julgamento no Tribunal pois, como já se referiu, sempre que se evidenciam factos susceptíveis de responsabilidade reintegratória também se indicia responsabilidade sancionatória por violação de normas financeiras.

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Daí que, em regra, nos processos de julgamento, o Juiz deva aplicar, subsidiariamente, o C. P. Penal e, logo, os princípios que enunciámos.

No entanto, em situações pontuais, poderemos estar a julgar, exclu‑sivamente, a responsabilidade reintegratória dos agentes: serão os casos em que a responsabilidade sancionatória inerente aos factos geradores da responsabilidade reintegratória não foi accionada, designadamente, por‑que foi extinta pelo pagamento voluntário das multas em causa ou pelo decurso do prazo prescricional.

Nos processos em que só se discuta a responsabilidade reintegratória é aplicável o C. P. Civil e os seus princípios norteadores (artº 80º a) em que o garantismo processual penal se dilui no principio geral de igualdade das partes.

A aplicação, a título subsidiário, da lei processual civil no julgamento da responsabilidade reintegratória veio, em nossa opinião, introduzir des‑necessários factores de instabilidade ao processo jurisdicional financeiro que se bastava com a subsidiariedade do processo penal e dos princípios que o enformam, e que melhor se adequam às especificidades do conceito de responsabilidade financeira assente na prova de factos conducentes ao estabelecimento da culpa do agente.

Na verdade, a culpa é, quase sempre a questão central do julgamento porque os factos apurados, nas auditorias e outros relatórios não suscitam, por norma polemização.

A ambiguidade processual vem, aliás, justificando, designadamente em situações que indiciam alcances, desvio de dinheiros ou valores públicos, uma eventual inversão do ónus da prova da culpa, agora, da responsabilidade dos Demandados. Invocam ‑se, para tal, os princípios relativos aos contratos de depósito e às obrigações de um fiel depositário (artº 1187º C. Civil) para justificar que incumbe ao responsável a quem foram entregues dinheiros ou valores públicos demonstrar que os admi‑nistrou de acordo com a lei e de forma diligente e cuidada.

Acresce que, com a Lei nº 48/06, foi introduzido um novo nº 6 ao artigo 61º, em sede de responsabilidade reintegratória, do seguinte teor:

“Aos visados compete assegurar a cooperação e a boa ‑fé processual com o Tribunal, sendo ‑lhes garantido, para efeitos de demonstração da utilização de dinheiros e outros valores públicos colocados à sua disposição de forma legal, regular e conforme aos princípios da boa ‑gestão, o acesso a toda a informação disponível necessária ao exercício do contraditório”.

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A redacção do preceito permite o entendimento de que os respon‑sáveis financeiros têm a obrigação de demonstrarem que utilizaram os dinheiros e valores públicos que lhes foram entregues como um cuidadoso e diligente gestor público, e para os fins a que se destinaram.

Assim, e nesta matéria, poder ‑se ‑ia enunciar, como princípio geral, que uma vez demonstrada a entrega dos dinheiros e outros valores públi‑cos pelo Ministério Público, deverá o Demandado justificar que nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada, designadamente, pelo desapare‑cimento ou aplicação para fins não legais nem previstos.

7. A avaliação da culpa; os montantes das multas

I. A responsabilidade financeira exige, sempre, a prova da culpa do agente – art.º61.º ‑n.º5 e 67.º ‑n.º3;

II. A negligência permite a redução ou a relevação da responsabili‑dade financeira reintegratória ‑ art.º64.º ‑n.º2;

III. O grau de culpa é avaliado tendo em atenção as competências do cargo, a índole das funções do responsável, o volume dos valores e fundos movimentados, o grau de acatamento de eventuais recomenda‑ções do Tribunal, o montante da lesão patrimonial e os meios humanos e materiais existentes no serviço ou organismo em causa – art.º64.º ‑n.º1;

IV. A graduação das multas tem em atenção a gravidade do facto, o grau de culpa, o montante da lesão, o nível hierárquico, a situação eco‑nómica e os antecedentes do agente e o grau de acatamento de anteriores recomendações do Tribunal – artº 67º ‑nº 2.

Como resulta dos princípios e normas citadas o regime instituído pela L.O.P.T.C. é lacunar e fragmentado. Na verdade, não se entende porque é que a possibilidade de redução e relevação de responsabilidades seja restrita à responsabilidade reintegratória excluindo o artº 67º ‑nº 3 a sua aplicabilidade no âmbito da responsabilidade sancionatória, uma vez que são comuns os princípios avaliadores do grau de culpa (artº 64º ‑nº 1).

A este propósito, tem ‑se suscitado a questão da aplicabilidade, no âmbito do processo jurisdicional, do instituto da relevação de responsa‑bilidades previsto no artº 65º ‑nº 8 da L.O.P.T.C.

A jurisprudência da 3ª Secção vem entendendo que o instituto não é apli‑cável em processo jurisdicional, estando restrita às 1ª e 2ª Secções. Revemo‑‑nos nessa jurisprudência, que, aliás, subscrevemos, nos seguintes termos:

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“O instituto foi introduzido na L.O.P.T.C. pela Lei nº 48/06, de 29 de Agosto, que para além do mais, veio adicionar um novo número (7) ao artº 65º – responsabilidades financeiras sancionatórias. A relevação das responsabilidades passou, assim, a ser uma nova competência das 1ª e 2ª Secções verificados os pressupostos e os requisitos da estatuição legal.

A Lei nº35/07, de 13 de Agosto, veio alterar o enquadramento legal do instituto da relevação das responsabilidades por infracção financeira apenas passível de multa, fazendo desaparecer a exigência da multa ser voluntariamente paga, pressuposto que na verdade, era incoerente e contraditório com o regime de extinção do procedimento sancionatório pelo pagamento da multa e que constava do artº 69º ‑nº 2 ‑d) da L.O.P.T.C.

No entanto, o legislador manteve a delimitação da competência para a aplicação do instituto às 1ª e 2ª Secções (artº 65º ‑nº 8 da L.O.P.T.C., redacção introduzida pela Lei nº 35/07).

Justifica ‑se, plenamente, a expressa delimitação da competência reiterada pelo legislador em 2006 e 2007.

Na verdade, no âmbito da 3ª Secção o apuramento de todo o cir‑cunstancialismo fáctico em que ocorreu a infracção bem como todos os elementos aferidores e graduadores da culpa é mais amplo, garantístico, decorrendo de toda a prova existente e carreada aos autos, sujeita a regras exigentes e próprias e num contraditório total de que a audiência de julgamento é o expoente máximo. Daí que a graduação das multas tenha em consideração, entre outros factores, o grau de culpa (artº 67º ‑nº 2 da L.O.P.T.C.) sendo a culpa e o respectivo grau apurada de acordo com os princípios estabelecidos e sedimentados há muito no nosso ordenamento jurídico ‑penal.

O instituto da “relevação das responsabilidades” baseia ‑se, pois, num juízo prévio, primário e falível – estamos a falar de indícios suficien‑tes de negligência; no processo jurisdicional, como sabemos, os indícios suficientes nada valem para apurar e declarar a culpa e o seu grau”.6

Embora afastando a aplicabilidade deste instituto, tem sido pacífico o entendimento de que, em processo jurisdicional por responsabilidade sancionatória, devem ser aplicados os institutos penais da atenuação espe‑cial e da dispensa da pena (artº 72º, 73º e 74º do C. Penal).

6 Sentença nº 05/2010, de 30.04.10, in www.tcontas.pt

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Na realidade, a jurisprudência da 3ª Secção tem vindo a aceitar, no âmbito da responsabilidade financeira sancionatória, a aplicação subsi diária daqueles institutos tendo em conta a similitude dos princípios ordenadores do direito penal e sancionatório (vidé, entre outras, as Sentenças nº 01/02, de 24 de Janeiro; nº 04/03, de 5 de Maio; nº 08/03, de 15 de Maio; nº 11/03, de 2 de Julho; nº 14/05, de 21 de Dezembro; nº 06/06, de 7 de Julho, nº 03/08, de 20 de Maio; Acórdão do Plenário nº 04/09, de 26 de Outubro).

8. Causas de extinção das responsabilidades financeiras (art.º69.º e 70.º da LOPTC):

I. Prescrição – dez ou cinco anos, conforme se trate de respon‑sabilidade reintegratória ou sancionatória; o prazo inicia ‑se na data da infracção, ou, não sendo possível apurá ‑la, desde o último dia da gerência; suspende ‑se com a entrada da conta ou o início da auditoria até à audição do responsável, sem poder ultrapassar dois anos;

II. Pagamento da quantia a repor ou da multa;III. Morte do responsável em responsabilidade sancionatória;IV. Amnistia em responsabilidade sancionatória;V. Relevação das responsabilidades.Tem sido suscitada a questão de, em caso de falecimento do respon‑

sável financeiro, não ser processualmente admissível a acção prosseguir com os herdeiros habilitados do “de cujos” quando esteja em causa a responsabilidade reintegratória. Mas, em nossa opinião, sem fundamento.

Na verdade, e como acabamos de referir, a morte do responsável financeiro só extingue o procedimento sancionatório, em consonância com os princípios estruturantes dos processos sancionatórios em que só está em causa e eventual aplicação de uma sanção (multa) ao concreto agente.

A responsabilidade reintegratória, como já sublinhámos, ocorrerá quando o responsável deva repor as importâncias abrangidas pela infracção (artº 59º da LOPTC), ou seja, na obrigação de reposição dos dinheiros públi‑cos ou de outros valores desaparecidos, desviados, indevidamente pagos, em consequência de pagamento de indemnização por entidade pública ou, ainda, pelas receitas públicas não cobradas, nos termos e circunstâncias estatuídos nos nos 2, 3, 4, e 5 do artº 59º, 60º e 61º ‑nº 1 da L.O.P.T.C.

O núcleo da previsão legal incide sobre o empobrecimento do patri‑mónio público por acção ou omissão de um concreto agente. A respon‑

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sabilidade reintegratória tem, pois, uma natureza indemnizatória que só se extingue pela prescrição ou pelo “pagamento da quantia a repor em qualquer momento” (artº 69º ‑nº 1 da L.O.P.T.C.

O conceito, a noção de empobrecimento, sendo o núcleo fundamental da previsão normativa, poderá suscitar reservas quando estão em causa paga‑mentos a que corresponderam contraprestação efectiva (nº 4 do artº 59º).

Entendemos, porém, que, mesmo nestas situações, o património público ficou empobrecido pois se despenderam dinheiros públicos em bens ou serviços estranhos às atribuições da entidade pública e ou da actividade em causa. Os dinheiros públicos só podem ter as contrapres‑tações legalmente definidas e não quaisquer outras: é o clássico exemplo de responsáveis de um Hospital procederem à aquisição de elefantes.

Afigura ‑se ‑nos despisciendo vir a defender ‑se que a responsabilidade reintegratória se extingue, também, com a morte do agente porque, tam‑bém aqui, se exige sempre uma actuação culposa do agente (artº 61º ‑nº 5 da L.O.P.T.C.).

É certo que não há responsabilidade financeira sem culpa e que a responsabilidade é pessoal. Tal só significa que não são susceptíveis de responsabilização as entidades públicas onde tais factos ocorreram mas, sim, os responsáveis daquelas que, no exercício das suas funções públi‑cas, violaram as normas financeiras que deveriam cumprir, devendo, em caso de prejuízos ao património público, repor as quantias em causa. A responsabilidade financeira é, sempre, uma responsabilidade individual.

É, pois, distinto e diferenciador o regime estatuído para a responsa‑bilidade sancionatória e para a responsabilidade reintegratória: a morte do agente só determina a extinção do procedimento no que respeita à sanção pela violação da disciplina financeira.

Gerando ‑se uma obrigação de reposição do agente, esta integra o acervo da herança em caso de falecimento daquele. 7

9. Reflexões finais

Será, porventura, prematuro fazer uma avaliação global da activi‑dade jurisdicional da 3ª Secção e das Secções Regionais uma vez que se

7 Neste sentido, João FranCo do Carmo “As responsabilidades financeiras no âmbito da gestão pública” – Revista do Tribunal de Contas, nº 35, pág. 88.

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verificavam alguns constrangimentos que se repercutiram, negativamente, no funcionamento da 3ª Secção.

Esclareça ‑se, desde já, que a 3ª Secção não tem qualquer interferência no maior ou menor número de processos que movimenta. A sua proactivi‑dade é nula, limita ‑se a receber os processos instaurados pelo M. Público ou pelas entidades a quem a lei atribui o direito de acção, subsidiário, se e quando o M. Público não requerer procedimento jurisdicional.

Por sua vez, o M. Público só tem a iniciativa de requerer o julgamento com base nos factos apurados nos relatórios das acções de controlo do Tri‑bunal e do controlo interno, estando vinculado à factualidade ali apurada e limitado à realização de diligências complementares que se relacionem com essa factualidade.

Acresce que os responsáveis poderão, antes da propositura da acção, procederem ao pagamento voluntário, quer das multas quer das quantias a repor, extinguindo as correspondentes responsabilidades (artº 69º ‑nº 1 e 2 ‑d), procedimento que o Ministério Público vem seguindo com sucesso face ao considerável volume dos pagamentos voluntariamente efectuados.

Todos estes factores propiciam que à 3ª Secção seja distribuído um número consideravelmente menor do que os dos processos com evidenciação de infracções apuradas no Tribunal. A via é estreita porque, como se disse, aprovado relatório com infracções, é necessário que o Ministério Público:

a) Concorde que a factualidade ali apurada integra infracções finan‑ceiras;

b) Avalie se a prova recolhida é bastante para o sucesso da acção;c) Conclua que foram observados todos os requisitos e exigências

legais relativas à audição dos eventuais responsáveis, especificamente, o direito do serem ouvidos sobre os factos que lhe são imputados, a respectiva qualificação, o regime legal e os montantes a pagar ou a repor (artº 13º ‑nº 2);

d) Que tenha um acervo documental e factual que lhe permita, com probabilidade séria, estabelecer a imputação dos factos materiais integra‑dores das infracções aos concretos agentes da acção ou omissão;

e) Que, finalmente, não ocorra o pagamento voluntário.

Outro tipo de constrangimentos surgiu directamente relacionado com a implementação do Processo Jurisdicional. Compreender ‑se ‑á que a novidade absoluta de se instalar uma Secção de julgamento público da responsabilidade financeira tenha causado algum sobressalto: novos meios

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humanos e logísticos, exigências próprias da constituição e funcionamento de uma Secção jurisdicional com um processo próprio mas muito lacunar em que as dúvidas e perplexidades sobre o “iter” processualmente ade‑quado se suscitavam permanentemente afectaram a desejável estabilização funcional da Secção.

Mais tarde, com a entrada em vigor das Leis nº 48/06 e 35/07 foram introduzidas alterações relevantes em sede do processo de julgamento bem como de conceitos estruturantes como o já referido conceito de “paga‑mentos indevidos”. Também o âmbito da jurisdição foi alargado a todo o sector empresarial público e às entidades, mesmo privadas, desde que beneficiárias de fundos públicos, o que se saúda, mas que não foi acom‑panhado de uma reformulação do catálogo infraccional próprio do sector público administrativo mas estranho aos novos domínios de jurisdição.

Esta questão assume grande relevância, impondo, em novo entendi‑mento, uma urgente mas aprofundada reflexão e reformulação dos tipos infraccionais sob pena de, por ausência de estatuição legal, a generalidade das infracções elencadas no artº 65º da L.O.P.T.C. não serem susceptíveis de aplicação directa aos novos sectores que se integram na competência e jurisdição deste Tribunal.

As vicissitudes e constrangimentos descritos justificam que tenhamos recolhido os dados referentes ao último quinquénio (anos 2005 a 2009 inclusive) para elucidar a actividade desenvolvida no âmbito do processo jurisdicional.

Assim:

– Foram pagas voluntariamente antes do julgamento pelos Deman‑dados multas no valor global de 131.939,00€;

– Foram aplicadas, por sentenças, multas aos Demandados no valor global de 181.395,00€;

– Foram, voluntariamente, feitas reposições pelos Demandados no valor global de 13.430,00€;

– Foram ordenadas, por sentença, reposições no valor global de 904.930,00€;

– A quantia global recuperada para o património público foi de 1.231.694,00 Euros.

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Betina Treiger Grupenmacher

Responsabilidade Fiscal, Renúncia de Receitase Guerra Fiscal

Betina Treiger GrupenmacherAdvogada.

Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.Professora Universitária

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170Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

RESUMO:

Trata ‑se de estudo acerca da responsabilidade fiscal dos gestores públicos. Investiga‑‑se a constitucionalidade dos arts. 11 e 14 da LC 101/2000 que limitam o poder de tributar, vedando a renúncia de receitas, sem indicação da respectiva medida de compensação e do impacto orçamentário ‑financeiro.

Palavras ‑chave:Responsabilidade fiscalRenúncia de receitaConstitucionalidade

ABSTACT:

The study, focusing on the fiscal responsibilities of public managers, examines the constitutional aspects of articles 11 and 14 form LC 101/2000. These articles impose limits to the taxing authority by forbidding revenue surrender without a measure that compensates the impacts of the surrender on the overall budget.

Key words:Fiscal responsibilitiesRevenue surrenderConstitutional aspects

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171Artigos

1. Introdução

A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, dispõe acerca da responsabilidade do administrador público na gestão das finanças públicas e, ao fazê ‑lo, disciplina, em seus artigos 11 a 14, a instituição, arrecadação e renúncia da receita pública.

São vigas mestras do constitucionalismo brasileiro o Princípio Repu‑blicano e o Federativo que, por esta razão, estão em posição de supremacia em relação aos demais princípios constitucionais.1

Ao inserir o Princípio Republicano no art. 1º do Texto Constitucional2 e bem assim, ao estabelecer os princípios que regem a atividade da Admi‑nistração Pública no art. 373, quais sejam, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o legislador constituinte criou as amarras necessárias para que a atuação do administrador público, em todas as esferas, em respeito a “res publica”, se desse de forma transparente e ética. Nas palavras do saudoso Geraldo Ataliba:

Todos os mandamentos constitucionais que estabelecem os com‑plexos e sofisticados sistemas de controle, fiscalização, responsabiliza‑ção e representatividade, bem como os mecanismos de equilíbrio, har‑monia (checks and balances do direito norte ‑americano, aqui adaptados pela mão genial de Ruy) e demais procedimentos a serem observados no relacionamento entre os poderes, reforçam e garantem o princípio republicano, realçando sua função primacial no sistema jurídico.4

1 Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Geraldo Ataliba, a este respeito posiciona ‑se no sentido de que “no Brasil, os princípios mais importantes são os da fede‑ração e da República. Por isso, exercem função capitular da mais transcendental impor‑tância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais, cuja exegese e apli‑cação jamais poderão ensejar menoscabo ou detrimento para a força , eficácia e extensão dos primeiros.” In.: ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª Ed. Atualizada por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 1988. p. 36.

2 “Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui ‑se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (…)”

3 “Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princí‑pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte (…)”

4 ATALIBA, op. cit., p. 37.

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A necessidade de regulamentação por lei complementar dos arts. 1635 e também dos artigos 1656 e 1677 da Constituição Federal, que estabelecem princípios orçamentários, indica a absoluta pertinência e imprescindibilidade

5 Art. 163. Lei complementar disporá sobre:I – finanças públicas;II – dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais

entidades controladas pelo Poder Público;III – concessão de garantias pelas entidades públicas;IV – emissão e resgate de títulos da dívida pública;V – fiscalização financeira da administração pública direta e indireta;VI – operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios;VII – compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União,

resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desen‑volvimento regional.

6 “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:I – o plano plurianual;II – as diretrizes orçamentárias;III – os orçamentos anuais.§ 1.º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as

diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capi‑tal e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2.º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

§ 3.º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.

§ 4.º Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Cons‑tituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Con‑gresso Nacional.

§ 5.º A lei orçamentária anual compreenderá:I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e enti‑

dades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público;

II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indireta‑mente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações ins‑tituídos e mantidos pelo poder público.

§ 6.º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regiona‑lizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

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173Artigos

da Lei Complementar 101/2000, que há dez anos cuidou de disciplinar em nível infraconstitucional, a matéria em questão.

§ 7.º Os orçamentos previstos no § 5.º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter ‑regionais, segundo critério populacional.

§ 8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de cré‑ditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

§ 9.º Cabe à lei complementar:I – dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a orga‑

nização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;II – estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta

e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.7 “Art. 167. São vedados:I – o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os

créditos orçamentários ou adicionais;III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas

de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determi‑nado pelo art. 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8.º;

V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legisla‑tiva e sem indicação dos recursos correspondentes;

VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

VII – a concessão ou utilização de créditos ilimitados;VIII – a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamen‑

tos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5.º;

IX – a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa.§ 1.º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá

ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

§ 2.º Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incor‑porados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente.

§ 3.º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a des‑pesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou cala‑midade pública, observado o disposto no art. 62.”

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É de se ressaltar o mérito do referido instrumento normativo que procurou restabelecer a moral e a ética no âmbito da administração pública e, em certa medida, logrou êxito no alcance de tal propósito.

Afirma ‑se, “em certa medida”, pois como é notório, os escândalos envolvendo o desvio de recursos públicos não se esgotaram com a edi‑ção da Lei Complementar 101/2000. É fato, no entanto, que os agentes públicos passaram a se conduzir, com maior freqüência, de acordo com as regras impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, observando, sobretudo, a transparência e as limitações impostas no trato com a despesa pública. Efetivamente, a prática reiterada de atos lesivos ao patrimônio e interesse públicos por parte dos gestores da “res pública”, além de impor a responsabilização daqueles comprovadamente corruptos, conduziu à “retomada da consciência ética neste país”8. Tem ‑se por certo que a ética foi, em muitos pontos, observada ao longo desses dez anos de vigência da, assim denominada, Lei de Responsabilidade Fiscal, posto que a partir de sua edição, passaram, os administradores públicos, a atuar com maior zelo no que diz respeito a receita e a despesa públicas, observando com maior rigor a aplicação dos mecanismos de fiscalização financeira e orçamentária e, com isso, implementando os princípios éticos e morais norteadores do Estado Democrático de Direito.

2. A competência tributária e renúncia fiscal

Consoante leciona Roque Antonio Carrazza, “a competência tribu‑tária é a faculdade de editar leis que criem in abstracto, tributos.”9

A competência tributária, dentre outras, possui a característica de ser facultativa, ou seja, as Pessoas Políticas de Direito Púbico – União, Estados, Municípios e Distrito Federal – podem, ou não, através de seus respectivos Poderes Legislativos, exercê ‑las, criando abstratamente as regras ‑matrizes de incidência dos tributos de sua competência.

8 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributá‑rio. Vol V ( o orçamento na Constituição) 2ª ed., Rio de Janeiro. Ed. Renovar. 2000, p. 42.

9 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 10ª ed. Revista. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 287.

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A facultatividade é, assim, característica intrínseca à competência tributária.

Editada a lei instituidora do tributo, exaure ‑se a competência tribu‑tária. Surge então ao sujeito ativo da relação jurídica tributária – União, Estados, Municípios e o Distrito Federal – o direito subjetivo de exigir a prestação tributária.

Considerando que a arrecadação dos tributos é uma faculdade ine‑rente à atividade exercida pelo Poder Executivo na seara tributária, pode este, de acordo com a conveniência e os reclamos do interesse público, arrecadar ou não tributos, além de reduzir o seu pagamento.

Nesse sentido pontua Roque Antonio Carrazza:

Obviamente, quem pode tributar (criar unilateralmente o tributo, com base em normas constitucionais), pode, igualmente, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo do tributo, ou ambas), diminuí ‑la (adotando o procedimento inverso) ou até, suprimi ‑la, através da não ‑tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo jurídico das isenções. Pode ainda, perdoar débitos tributá‑rios já nascidos ou parcelá ‑los, anistiando, se entender que é o caso, as eventuais infrações tributárias cometidas.10

Sendo o exercício da competência tributária uma prerrogativa legis‑lativa e inexistindo mecanismos de ordem constitucional que obriguem o legislativo a criar tributos, a facultatividade é ilação necessária a que se chega a partir da interpretação sistemática do Texto Constitucional e por esta razão não se pode afirmar, em relação à competência tributária, que a inércia do legislador caracterizaria uma omissão inconstitucional.

Segundo ensina Clèmerson Merlin Clève, “as normas constitucionais definidoras da competência legislativa da União, dos Estados e dos Muni‑cípios, não são suficientes para, diante de inércia legislativa prolongada, fundamentar a inconstitucionalidade por omissão.”11

Efetivamente, não há, em relação à competência tributária um “dever” de legislar, ou seja, não há ordem constitucional de legislar,

10 CARRAZZA, op. cit., p. 290.11 CLÈVE, Clèmersom Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade

no Direito Brasileiro. 2ª . ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 325.

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hipótese em que a inércia do legislador consubstanciaria uma inconstitu‑cionalidade por omissão. O que há, em matéria de competência tributária, é a atribuição de uma faculdade às Pessoas Políticas de Direito Público, para, “em querendo”, criar tributos.

Observa José Joaquim Gomes Canotilho que: “a omissão legislativa inconstitucional significa que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto pela Constituição. Não se trata, pois, apenas de um sim‑ples negativo “não fazer” trata ‑se, sim, pois, apenas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explícita estava constitucionalmente obrigado.”12

É certo que não há, na Constituição Federal, qualquer dispositivo que estabeleça que União, Estados, Municípios e Distrito Federal estão consti‑tucionalmente obrigados a legislar instituindo concretamente tributos. Ao revés, a Carta de 1988 estabelece, explicitamente, em seu art. 145 que as Pessoas Políticas de Direito Público “poderão” instituir os tributos nele enumerados, quais sejam, impostos, taxas e contribuição de melhoria.13

Neste dispositivo, o legislador constituinte utilizou, intencional‑mente, o termo “poderão”, pois pretendeu atribuir uma faculdade ao legislador infraconstitucional. Se, por outro lado, sua intenção fosse a de estabelecer um dever inafastável de legislar instituindo tributos, teria certamente empregado a expressão “deverão instituir os seguintes tri‑butos”. Não o fez, no entanto. Preferiu a atribuição de uma prerrogativa à imposição de um dever, com o que imprimiu ao exercício da competência

12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982. p. 331.

13 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão ins‑tituir os seguintes tributos:

I – impostos;II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva

ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.§ 1.º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direi‑tos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econô‑micas do contribuinte.

§ “2.º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.”

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177Artigos

tributária a nota da FACULTATIVIDADE. O modal deôntico empregado no art. 145 da CF/88, foi certamente o de “permitir”, e não o de “obrigar”.

Paulo de Barros Carvalho, a respeito, ensina:

É propriedade das normas em geral e das proposições jurídico‑‑normativas em particular expressaram ‑se por intermédio do conectivo dever ‑ser, o que nos leva a denominar deôntico o sistema do direito positivo. Umas como outras, portanto, exibem o dever ‑ser modalizado em permitido, obrigatório ou proibido, com o que se exaure a possibi‑lidade normativa da conduta. Qualquer comportamento caberá sempre num dos três modais deônticos, não havendo lugar para uma quarta alternativa (lei deôntica do quarto excluído).14

Muito embora a instituição e o aumento de tributos seja uma prer‑rogativa das Pessoas Políticas de Direito Público, o art. 11 da Lei Com‑plementar nº 10115, em certa medida, impôs aos gestores no âmbito da administração pública o dever de criar tributos, ao preceituar constituírem “requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência cons‑titucional do ente da Federação”.

O art. 14 da mesma Lei Complementar 101/2000, estabeleceu, por sua vez, restrições para a concessão ou ampliação de incentivo ou benefí‑cio de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, impondo a demonstração de que tal renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e de que não afeta as metas de resultados fiscais e ainda deve estar acompanhada de medidas de compensação.16

14 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª edição, revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva 2000. p. 137.

15 “Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos cada competência cons‑titucional do ente da Federação.

Parágrafo único. “É vedada a realização de transferências voluntárias para o entre que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.”

16 “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tri‑butária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário ‑financeiro no exercício em que deve indiciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

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A despeito de termos defendido outrora17 a imprecisão técnica da mencionada regra, após dez danos de vigência e aplicação da Lei Com‑plementar 101/2000, mudamos o nosso entendimento.

Efetivamente, a competência tributária era, antes da edição da Lei Complementar 101/2000, e ainda é, facultativa, ou seja, as Pessoas Polí‑ticas de Direito Público podem deixar de instituir ou arrecadar os tributos que estão na sua competência constitucional impositiva, no entanto após a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, se deixarem de instituí ‑los ou arrecadá ‑los tal comportamento se compreende como renúncia de receita e, nessa hipótese,como anteriormente expostos, devem, em contrapartida, apresentar estimativa de impacto orçamentário financeiro da medida adotada, demonstrando de que forma se fará a compensação da perda de receita a fim de que não restem afetadas as metas de resultados fiscais previstos na respectiva lei orçamentária anual, a fim de que se opere o equilíbrio das finanças públicas.

No entanto, a lei complementar de que se cuida no presente estudo, apresenta uma inconsistência que tem se mostrado de todo concreta ao longo desses dez anos de sua vigência, sobretudo no que diz respeito aos pequenos municípios. Referida inconsistência reside na imposição de res‑

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resul‑tados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1.º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, con‑cessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefí‑cios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2.º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso;

§ 3.º O disposto neste artigo não se aplica:I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V dos

art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;“II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos

custos de cobrança.”17 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Aspectos Relevantes da Lei de Responsabi‑

lidade Fiscal. Coordenador Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo. 2001. Ed. Dialética. p. 9.

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ponsabilidade aos gestores desencadeada pela inação do Poder Legislativo no que diz respeito a instituição dos tributos.

Como enfatizado em linhas anteriores, a instituição de tributos é prerrogativa exclusiva do Poder Legislativo nas esferas Federal, Estadual, Municipal e Distrital. É nesse aspecto que reside a apontada inconsistên‑cia do texto legal em questão. Se o legislador complementar pretendia responsabilizar os integrantes do Poder Executivo por supostos atos de improbidade administrativa, não poderia impor ‑lhes o dever de instituir tributos, atividade que lhes foge às atribuições constitucionais.

No entanto, pragmaticamente, o que se tem observado em relação ao cumprimento da regra inserta no art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal é uma sincronia entre o Poder Executivo e o Legislativo, especialmente no âmbito municipal, no sentido de que uma vez enviada a mensagem para instituição de tributos pelo Poder Executivo ao Legislativo, este, visando afastar a responsabilidade decorrente de eventual renúncia de receita, se dá pressa em aprová ‑la.

É certo que não se pode afirmar ser este o comportamento adotado por aproximadamente 6.000 entidades federativas. No entanto não se tem observado, com freqüência, a responsabilização de Estados e Municípios por terem deixado de instituir tributos de sua competência impositiva, o que, de resto, leva a crer que a Lei de Responsabilidade Fiscal tem sido, preponderantemente, observada, no que diz respeito à instituição de tribu‑tos, ou se assim não for, que os Tribunais Superiores têm entendido que a competência tributária é, efetivamente, facultativa, e quando não exercida pelo Poder Legislativo , não pode o Poder Executivo ser responsabilizado por tal inércia.

3. O princípio federativo e a renúncia de receita

O Princípio Federativo decorre do Princípio Republicano. A propó‑sito leciona citado Geraldo Ataliba:

Pela descentralização política em que se traduz a federação – como bem anota Celso Antônio Bandeira de Mello – melhor funciona a representatividade e de maneira mais enfática o povo exerce as suas prerrogativas de cidadania e autogoverno. Se os Estados federados se

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organizam por suas Constituições (art. 25), emanadas de poder cons‑tituinte próprio (Ana Cândida da C. Ferraz, O Poder Constituinte do Estado Federado), e se se regem pelas suas próprias leis, realizam em plenitude o regime republicano e nele devem ter todos os encargos não nacionais e não locais (Raul Machado Horta).18

Sendo o Brasil uma República Federativa, na dicção do art. 1º da Constituição Federal, há aqui uma necessária “descentralização política”, que implica na existência de duas ordens jurídicas distintas: a federal, titularizada pela União, e a federada (ou estadual), na qual cada Estado membro exerce sua autonomia.19

Ao reconstruir o federalismo brasileiro a partir do modelo centrali‑zador adotado pelos Textos de 1967 ‑6920, a Constituição de 1988 incluiu os Municípios como integrantes da Federação brasileira, atribuindo ‑lhes competências legislativas e administrativas próprias e, conseqüentemente, autonomia para autogovernar ‑se.

Assim, em nosso Sistema Constitucional, como decorrência de uma discriminação rígida de competências, a União detém o atributo da sobera‑nia, enquanto os Estados–Membros e Municípios são autônomos, se lhes aplicando o disposto nos artigos 2521 e 3022, que prevêem a capacidade de

18 ATALIBA, op. cit., p. 43 ‑44.19 BARROSO, Luiz Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2001. p. 142.20 Ver nesse sentido: HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional.

Estado Federal e Tendências do Federalismo contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 525, e Luiz Roberto Barroso, op. cit., p. 144.

21 “Art. 25. Os Estados organizam ‑se e regem ‑se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

§ 1.º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

§ 2.º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão a empresa estatal, com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado.

§ 3.º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropo‑litanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Muni‑cípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”

22 “Art. 30. Compete aos Municípios:I – legislar sobre assuntos de interesse local;II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

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auto ‑organização e de auto ‑regulação através da criação de ordenamento jurídico próprio.

Segundo Raul Machado Horta, “A Constituição de 1988 modernizou a repartição das competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A repartição de competências serve para identificar as tendências do federalismo constitucional. Pode ser a sede da centrali‑zação, com sacrifício da autonomia, como pode se converter na peça do fortalecimento da autonomia”.23

Houve, certamente, na Constituição de 1988, uma modernização do federalismo brasileiro, o que se deu a partir da inclusão dos Municípios na “união indissolúvel da República Federativa”, operando ‑se o fortale‑cimento efetivo das autonomias estadual e municipal.

A Constituição brasileira contempla, outrossim, extenso rol de princípios que orientam a interpretação da legislação infraconstitucio‑nal. Dentre os princípios constitucionais de mais alta relevância está o Princípio Federativo, que, inclusive, é cláusula pétrea, não podendo em conseqüência ser alterado, sequer por emenda constitucional.24

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos pra‑zos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual;V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,

os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem cará‑ter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, progra‑mas de educação pré ‑escolar e de ensino fundamental;

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante pla‑nejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico ‑cultural local, observada a legis‑lação e a ação fiscalizadora federal e estadual.”

23 HORTA, op. cit., p. 523.24 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal;II – do Presidente da República;III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,

manifestando ‑se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

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São numerosos os dispositivos constitucionais que revelam mecanis‑mos de proteção ao Pacto Federativo. Com o propósito de por a salvo de qualquer investida a forma federativa de Estado, há também no âmbito do Sistema Tributário regras protetivas da mesma. Exemplo típico de tal pro‑pósito do legislador constituinte é a regra inserta no art. 155, XII, “g”, que determina incumbir à lei complementar ”regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”, em decorrência da qual qualquer renúncia de receita por parte dos Estados há de ser previamente aprovada pelo CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária.25

Ao lado do Princípio Federativo, o Texto Constitucional contempla também os Princípios da Autonomia dos Estados e bem assim dos Muni‑cípios, em decorrência dos quais podem estes, exercer em sua plenitude, a competência tributária que lhes foi outorgada pela Magna Carta. No entanto há de se ressalvar que, se é certo que Estados e Municípios podem autogovernar ‑se e legislar acerca das matérias de sua competência, é certo também que se o exercício de tal competência resultar em risco ao Pacto Federativo, o Princípio da Autonomia dos Estados e Municípios sede diante do Princípio Federativo.

§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando ‑se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Depu‑tados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I – a forma federativa de Estado;II – o voto direto, secreto, universal e periódico;III – a separação dos Poderes;IV – os direitos e garantias individuais.§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada

não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.25 Fórum no qual se reúnem secretários das fazendas de todos os estados e delibe‑

ram sobre a concessão de benefícios fiscais tais como, isenções, reduções de base de cál‑culo, remissão, anistia, subsídio, crédito presumido etc, com o propósito de harmonizar as legislações tributárias dos vários Estados .

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Exemplos há no Texto Constitucional que demonstram a prevalência do Princípio Federativo frente aos Princípios da Autonomia Estadual e Municipal. De fora a parte a apontada regra, que impõe a aprovação pelo CONFAZ de benefícios fiscais em matéria de ICMS, a qual é bastante em si mesma para demonstrar a pujança do Princípio Federativo frente a todos os demais princípios constitucionais, há outras regras que asseguram tal precedência. É exemplo típico do que aqui se afirma a norma criada pela EC n26 que alterou o art. 156 da Constituição Federal, a qual veda aos municípios conceder isenções e benefícios fiscais em matéria de ISS, limitando a fixação da alíquota em 2%.

Estabelecendo restrições ao pleno exercício da competência tri‑butária, os artigos 11 e 14 da Lei Complementar 101/2000 anularam obliquamente faculdades legislativas e administrativas atribuídas pelo Texto Constitucional a Estados e Municípios. A propósito de tais regras, manifestamo ‑nos anteriormente no sentido de que revelavam inequívoco descompasso com o Texto Supremo, por serem materialmente incompatí‑veis27 com os princípios e normas constitucionais apontados, concluindo, na oportunidade, pela sua inconstitucionalidade.

Revendo tal entendimento hoje pensamos estarmos, naquela opor‑tunidade, equivocados, a uma, pois a despeito de a regra do art. 11 e bem assim a do art. 14 da Lei Complementar101/2000 anularem obliquamente restrita parcela da competência tributária dos Estados e Municípios o

26 Art. 2º O § 3º do art. 156 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 156 (…)§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei

complementar:I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais

serão concedidos e revogados.27 Clèmerson Clève, definindo “inconstitucionalidade”, afirma: “Em resumo, diz‑

‑se que a inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal), com algum preceito ou princípio constitucional.” CLÈVE, op. cit., p.36, Exemplo de dispositivo desta natureza é o que prevê a vedação da isenção heterônoma, contido no art. 151, III, verbis: “Art. 151. É vedado à União: (…) III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”

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fazem em nome da preservação do Pacto Federativo, “cláusula de pedra” do Sistema Constitucional brasileiro, a duas, pois não há impedimento, de caráter absoluto, à renúncia de receita.

Decorrência natural do poder de autogoverno e de auto regulação é a atribuição aos Estados ‑membros e Municípios, obedecidas as compe‑tências outorgadas pelo Texto Constitucional, do poder de instituir ou não tributos, arrecadar ou não tributos, conceder ou não isenções, benefícios e incentivos fiscais, sem que qualquer uma destas posturas gere, prima facie, responsabilização dos respectivos gestores, ainda que o façam ao arrepio dos preceitos contidos na Lei Complementar nº 101/2000.

Em matéria tributária o legislador complementar tem a sua incum‑bência previamente estabelecida na CF/88, a qual se circunscreve a editar normas gerais, e regular as limitações Constitucionais ao Poder de Tributar28, não lhe sendo dado restringir ou ampliar direitos e deveres constitucionalmente estabelecidos.

Ao estabelecer as regras contidas nos artigos 11 e 14 da Lei Complementar 101/2000, o legislador complementar buscou coibir exonerações e benefícios fiscais que, no seu entender, caracterizariam infração ao Princípio Federativo e bem assim ao da Indisponibilidade dos Bens Públicos.

Merecem destaque as palavras de Régis Fernandes de Oliveira:

Todas as formas de renúncias de receita levam a odiosas situações, normalmente em prejuízo do erário. Objetivam, evidentemente, melhoria das condições locais. No entanto, as medidas são feitas de forma arbi‑

28 “Art. 146. Cabe à lei complementar:I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios;II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente

sobre:a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos

discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades

cooperativas.

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trária e sem qualquer fundamento legal. Basta a elas o cunho político responsável. Agora, a lei corta quaisquer tentativas de benefício inde‑vido, em detrimento de outro ente federativo ou mesmo em detrimento da União ou do Estado que, ao final, irá suportar a renúncia mediante repasse de seus recursos. 29

Em conclusão, os arts. 11 e 14 da Lei Complementar 101/2000 não estabelecem vedação à renúncia fiscal, o que fazem é impor ao “renun‑ciante” o dever de informar de onde obterá os recursos necessários ao cumprimento das metas orçamentárias.30

Merece análise ainda o conflito dos Princípios Federativo e da Autonomia dos entes federados que se revela a partir da interpretação dos dispositivos em questão.

De há muito se investiga no âmbito doutrinário assim como no jurisprudencial qual a solução cabível diante do conflito de princípios. Acreditamos que alguns princípios constitucionais revelam maior densi‑dade semântica que outros, razão pela qual entendemos que diante de uma antinomia de princípios há de prevalecer aquele que revele superioridade hierárquica.

Na esteira de tal entendimento, pensamos que diante do conflito de princípios revelado pela “interpretação em conformidade com a constituição”, do disposto nos arts. 11 e 14 da Lei Complementar 101/2000, há de prevalecer o Princípio Federativo ante a sua condição de superioridade hierárquica. Nessa medida, perfeitamente aceitáveis e aplicáveis as normas em questão, prevalecendo sobre as prerrogativas dos Estados e Municípios de conceder benefícios fiscais reveladores de renúncia de receita.

Esse é também o entendimento de Robert Alexy para quem, na hipó‑tese de conflito de princípios um deles prevalece sobre o outro dado o seu grau de superior importância. Tal condição atribui ‑lhe precedência a qual se verte no critério solucionador da colisão. Segundo entende, ao contrá‑rio do que se opera com as regras, na hipótese de conflito de princípios a tensão não se soluciona declarando ‑se um deles inválido.

29 OLIVEIRA, Regis Fernando de. Responsabilidade Fiscal. p. 46.30 OLIVEIRA, Régis Fernandes. Responsabilidade Fiscal. 2ª Ed. São Paulo. Ed.

Revista dos Tribunais. 2002, p 46.

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Merecem destaque as lições do festejado autor:

As colisões de princípios devem ser solucionadas de maneira totalmente distinta. Quando dois princípios entram em colisão ‑ tal como é o caso quando segundo um princípio algo está proibido e segundo outro princípio está permitido ‑ um dos princípios tem que ceder ante outro. Mas, isto não significa declarar inválido ao princípio desprezado nem que o princípio desprezado tenha que introduzir uma cláusula de exceção. Mas o que sucede é que sob determinadas circunstâncias um dos princípios precede ao outro. Sob outras circunstâncias a questão de precedência pode ser solucionada de maneira inversa. Isto é, o que se quer dizer quando se afirma que nos casos concretos os princípios têm diferente peso e que prevalece o princípio com maior peso. Os conflitos de regras se resolvem pela dimensão de validade; a colisão de princípios ‑ como só podem entrar em colisão princípios válidos ‑ têm lugar mais além da dimensão de validade, a dimensão de peso.31

Robert Alexy adota, portanto, critério para distinguir os princípios das regras. Segundo seu entendimento os princípios são “mandados de otimização”, o que significa que “ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes”.32 Nessa linha de raciocínio entende Alexy que ao contrário das regras, em relação às quais o conflito se soluciona introduzindo ‑se uma regra de exceção que elimina o conflito declarando a invalidade de uma das normas conflitantes, expurgando ‑a do ordenamento jurídico, pois expressam mandamentos definitivos33, os princípios determinam que uma dada conduta deva ser realizada, obedecidas as condições fáticas e jurídicas, até o limite do possível. Segundo afirma o autor, “El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos”.34

31 ALEXY, Robert. op cit, p. 89.32 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales, p.87.33 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales, p.88.34 ALEXY, Robert. op cit, p. 80.

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4. Conclusão

Decorridos dez anos da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, é possível afirmar que a observância das regras objeto do presente estudo representou, em boa medida, a retomada da ética e, sobretudo, da morali‑dade no âmbito da administração pública, coibindo a adoção de compor‑tamentos por parte dos gestores públicos, impeditivos do cumprimento dos objetivos estabelecidos nas Leis de Diretrizes Orçamentárias e assim também das leis orçamentárias anuais dos entes federativos.

É possível concluir afinal que o que legislador complementar não pretendeu com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal impedir o legítimo exercício da competência constitucional tributária, pretendeu sim criar mecanismos eficientes tendentes a coibir a atuação irresponsável dos gestores da “coisa pública”.

As normas contidas nos arts. 11 e 14 da Lei Complementar 101/2000, para além de não agredirem a autonomia do Estado e Municípios, fortale‑cem o Pacto Federativo posto que alicerçadas nos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

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COmENTáRIOSDE juRISPRuDêNCIA

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CASO SALIX – A REFORMA DA DIRECTIVA IVA PELO TRIBUNAL DE JUSTIçA DA UNIãO EUROPEIA

COMENTÁRIO AO ACÓRDãO DO TRIBUNAL DE JUSTIçA DA UNIãO EUROPEIA DE 4 DE JUNHO DE 2009, CASO SALIX, PROCESSO C ‑102/08

Clotilde Celorico Palma1

1. Nota introdutória

O Caso Salix2 é um relevante marco na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no que toca ao desajustado tratamento anacrónico das entidades públicas em imposto sobre o valor acrescentado, repondo o princípio da neutralidade numa área particularmente sensível.

Neste sentido, poderemos afirmar que se trata de uma “revolução” num domínio em que o Tribunal tinha vindo a ser, até à data, extrema‑mente tradicional, pondo em sério risco o princípio nuclear do IVA da neutralidade do imposto.

Está essencialmente em causa na situação em apreço o disposto no artigo 13.º, n.º1, da Directiva IVA3, ex. artigo 4.º, n.º5, da Sexta Directiva4, norma a que corresponde o artigo 2.º, n.os 2, 3 e 4, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

1 Advogada especialista em Direito Fiscal e Docente Universitária2 Acórdão de 4 de Junho de 2009, Caso Salix, Proc. C ‑102/08, Colect., p. I ‑4629,

n.os 67 a 76.3 Publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006. Essencialmente, esta

Directiva veio reformular o texto da Sexta Directiva (trata ‑se de uma reformulação basi‑camente formal, atendendo ao facto de o seu texto se encontrar excessivamente denso, dadas as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas desde a sua aprovação). Com a reformulação passou a ter 414 artigos (tinha 53). Note ‑se, todavia, que foram revogadas várias directivas de IVA, pelo que poderemos passar a designar a “nova” Directiva, abre‑viadamente, como Directiva IVA (a Directiva do sistema comum vigente). As Directivas revogadas pela Directiva 2006/112/CE constam do respectivo Anexo XI.

4 Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, publicada no JO n.º L 145, de 13.6.77.

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2. A regra geral de sujeição a IVA das entidades públicas

A Directiva IVA trata do conceito de sujeito passivo nos seus arti‑gos 9.º (ex. artigo 4.º da Sexta Directiva) e seguintes. De acordo com o artigo 9.º, n.º 1, consagra ‑se um conceito amplo de “sujeito passivo”, tendo em conta os referidos atributos da generalidade e neutralidade do imposto – “Entende ‑se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade”.

Em conformidade com as regras da Directiva IVA, o CIVA, no seu artigo 2.º, determina que, regra geral, para que uma pessoa singular ou colectiva seja qualificada como sujeito passivo deste imposto é necessá‑rio que exerça uma actividade económica, conceito que, de acordo com o nosso Código, se concretiza no exercício de actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e das profissões livres.

Isto é, o Estado e demais entidades públicas são, em conformidade com o disposto nas regras do IVA, sujeitos passivos do imposto. Esta é a regra geral. Todavia, esta regra comporta excepções que poderão ser penalizadoras para os sujeitos passivos pondo seriamente em causa o princípio da neutralidade5.

3. A delimitação negativa de incidência das entidades púbicas

O artigo 13.º da Directiva IVA prevê uma delimitação negativa da incidência relativamente aos Estados, regiões, autarquias locais e outros organismos de direito público. De acordo com esta norma, tais entidades não são consideradas sujeitos passivos do imposto relativamente às acti‑vidades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas actividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações. Na prática, esta regra

5 Sobre esta temática veja ‑se, da autora, “As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade”, Almedina, Dezembro de 2010 e “A história do IVA nas portagens das pontes sobre o Tejo”, Cadernos de Ciên‑cia e Técnica Fiscal, n.º 424, Julho ‑Dezembro 2009.

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193Comentários de Jurisprudência

traduz ‑se no facto de os organismos de direito público não liquidarem IVA nas referidas actividades, não lhes sendo, contudo, concedido o direito à dedução do imposto suportado para a respectiva realização, facto que poderá ser penalizador, podendo funcionar, em boa verdade como “um presente envenenado” a tais entidades, que se vêm obrigadas a reflectir esse custo nos preços que praticam bem como à adopção de condutas desviantes, como, por exemplo, a evitar o recurso ao outsourcing. Neste sentido, o exercício da autoridade pública é equiparado à actuação de um consumidor privado.

Mas esta regra geral de não sujeição, que por sua vez consubstan‑cia uma excepção à regra geral de sujeição a IVA de todas as entidades, privadas ou públicas, está, por sua vez, sujeita a diversas excepções previstas, desde logo, no próprio artigo 13.º, determinando ‑se que as entidades públicas, quando efectuarem essas actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas. Acresce que tais entidades são, contudo, consideradas como sujeitos passivos do imposto relativamente às acti‑vidades referidas no Anexo I da Directiva IVA, caso estas não sejam insignificantes.

Conclui ‑se, assim, que o artigo 13.º da Directiva IVA estabelece um regime diferenciado no que respeita aos casos em que o Estado e demais entidades públicas devem ser considerados sujeitos passivos. O primeiro parágrafo do n.º 1 do artigo 13.º da Directiva exclui da tributação geral as entidades públicas, ainda que exercendo uma actividade económica na acepção do respectivo artigo 9.º. Todavia, nos termos do segundo parágrafo da aludida norma, o Estado e os organismos de direito público são con‑siderados sujeitos passivos, em derrogação do primeiro parágrafo, caso a sua não sujeição a tributação possa conduzir a distorções de concorrência significativas. A ideia subjacente à referida disposição parece consistir na possibilidade de determinados organismos públicos – mesmo que reali‑zem as respectivas operações no âmbito dos seus poderes de autoridade – entrarem em concorrência com as operações realizadas por operadores privados. Conclui ‑se, assim, que tem por objectivo assegurar a neutra‑lidade fiscal. Por último, nos termos do terceiro parágrafo, as entidades públicas são sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere a determinadas actividades enumeradas no Anexo I, desde

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que não sejam exercidas de forma não insignificante, pretendendo ‑se, igualmente, assegurar a neutralidade fiscal.

Este emaranhado de regras constante do no n.º 1 do artigo 13.º da Directiva IVA é assaz problemático.

Com efeito, o âmbito de aplicação da delimitação negativa de incidência fica dependente do preenchimento dos conceitos de orga‑nismos de direito público6 e de actividades ou operações exercidas

6 A distinção entre entidades públicas e privadas e a delimitação entre a sujeição de umas e outras a um regime de direito público ou a um regime de direito privado, suscita muitas dúvidas desde logo a nível interno no ordenamento jurídico de cada um dos Estados membros. Como se salienta na análise levada a efeito pela Ernst & Young, Value Added Tax: A study of the Methods of Taxation of Public Bodies, 1998, p. 9, existem mesmo Esta‑dos membros que não fazem a distinção entre direito público e direito privado, exemplifi‑cando como na Irlanda, no Reino Unido, na Dinamarca, em Itália e na Alemanha se fez a transposição da Directiva no que se reporta à referência a “organismo de direito público”.

Entre nós, a distinção entre entidades públicas e privadas foi largamente estudada, nomeadamente por Marcello Caetano (in Tratado Elementar de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1944, e Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 9.ª Edição, Alme‑dina, Coimbra, 1980, pp. 182 e ss.), Sérvulo Correia (Noções de Direito Administrativo, Danúbio, Lisboa, 1981, pp. 137 e ss.), Freitas do Amaral (Curso de Direito Administra‑tivo I, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 581 e ss.), Marcelo Rebelo de Sousa (Lições de Direito Administrativo, Lex, Lisboa, 1999, pp. 142 e ss.) e Vital Moreira (Administração Autónoma e Associações Públicas, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 257 e ss.).

De acordo com a orientação tradicional, a origem e a natureza das missões atribu‑ídas às entidades públicas, explicam o facto de serem sujeitas a uma disciplina jurídica específica, autónoma em relação ao regime jurídico aplicável às entidades privadas. Ora, esta distinção tem sido posta em causa devido a diversos factores, nomeadamente, o facto de as pessoas públicas utilizarem frequentemente o direito privado, de se assistir cada vez mais à criação de entidades privadas para a prossecução de tarefas públicas e para a reali‑zação de fins públicos, de a justiça administrativa se alargar à resolução de conflitos entre entidades privadas, de a titularidade de direitos fundamentais deixar de estar reservada a pessoas privadas, etc. Como salienta Pedro Gonçalves (Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 249 e ss.) todos estes factores representam os sinais visíveis da quebra de um princípio de conexão e de continuidade lógica entre “per‑sonalidade pública ‑tarefa pública ‑direito público”: há tarefas públicas executadas por pes‑soas privadas e tarefas privadas executadas por pessoas públicas, o direito privado regula a actuação de entidades públicas e, em certas circunstâncias, o direito público é chamado a regular a actuação de entidades privadas. Tal como salienta reportando ‑se, nomeada‑mente, ao Direito da contratação pública da União Europeia, verifica ‑se um “aspecto revo‑lucionário”, que consiste no facto de sujeitos dotados de personalidade de direito privado ficarem enquadrados na categoria dos organismos de direito público e, consequentemente,

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na sua qualidade de autoridades públicas. Ora, estes conceitos não se encontram definidos.

No nosso Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na esteira da legislação comunitária, o Estado e demais pessoas colectivas de direito público são tratados como normais sujeitos passivos do IVA, sendo enqua‑drados nas regras gerais de incidência subjectiva do imposto previstas no respectivo artigo 2.º, n.º 1.

As normas relativas à delimitação negativa de incidência do Estado e demais pessoas colectivas de direito público encontram ‑se transpostas para o ordenamento jurídico interno, constando, desde o início da respec‑tiva vigência, dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 2.º do CIVA. De acordo com este normativo, o Estado e as restantes pessoas colectivas de direito público não são sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no âmbito do seu ius imperii, ou seja, quando actuam no âmbito dos seus poderes de autoridade, ainda que tais operações sejam efectuadas a título oneroso e desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência7.

Em conformidade com as regras comunitárias, esta regra contempla excepções de acordo com as quais a sujeição a IVA destas entidades deve sempre ocorrer: quando a não sujeição originar distorções de concorrên‑cia relativamente a outras entidades, nomeadamente empresas privadas, ou quando, ainda que tais distorções se não verifiquem, as actividades sejam exercidas de forma significativa e respeitem a telecomunicações, distribuição de água, gás e electricidade, transporte de bens ou de pes‑soas, serviços portuários e aeroportuários, produção de bens para venda, agricultura, feiras e exposições de carácter comercial, armazenagem, cantinas ou serviços de radiodifusão e televisão (cfr. o disposto no n.º 3 do artigo 2.º do Código do IVA)8.

sujeitos a procedimentos pré ‑contratuais de direito público. Como nota a este propósito, “entidades tão privadas – tão ‘verdadeiramente privadas’ – como as IPSS, são ‘apanha‑das’ pela definição de ‘organismo de direito público’” (op. cit., p. 252).

7 Tal como se determina no artigo 2.º, n.º 2, do Código do IVA, “O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência”.

8 De acordo com o n.º 3 do artigo 2.º do CIVA, “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público referidas no número anterior são, em qualquer caso, sujei‑

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Ou seja, tal como se verifica nas regras da Directiva IVA, nos ter‑mos desse normativo consagra ‑se uma presunção elidível. Presume ‑se que a actividade mencionada é exercida de forma significativa, isto é, provoca distorções de concorrência, sendo, todavia, possível demonstrar o contrário.

Para o efeito, prevê ‑se ainda, no n.º 4 da referida disposição legal, que o Ministro das Finanças definirá, casuisticamente, as actividades susceptíveis de originar distorções de concorrência ou aquelas que são exercidas de forma não significativa9.

Isto é, de acordo com a legislação nacional e em conformidade com a Directiva, 10 para apurarmos da aplicação da regra de delimita‑ção negativa de incidência do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, importa, para além de analisarmos o que se entende por “organismo de direito público” e “operações efectuadas como autorida‑des públicas”, saber o que se entende por “distorções de concorrência significativas”.

tos passivos do imposto quando exerçam algumas das seguintes actividades e pelas ope‑rações tributáveis delas decorrentes, salvo quando se verifique que as exercem de forma não significativa (…)”.

9 Assim, determina ‑se que, “Para efeitos dos n.os 2 e 3 do presente artigo, o Minis‑tro das Finanças define, caso a caso, as actividades susceptíveis de originar distorções de concorrência ou aquelas que são exercidas de forma não significativa”. A compatibilidade desta norma com as regras comunitárias esteve em causa no Caso Fazenda Pública/Muni‑cípio do Porto, Acórdão de 4 de Dezembro de 2000, Proc. C ‑446/98, Colect., p., I ‑11435, tendo o TJUE concluído que não violava as referidas regras.

10 Tal como nota Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coorde‑nação internacional, Lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 152, nota 175, “O Código do IVA português, nesta matéria de sujeição dos organismos públicos, acompanha muito de perto as for‑mulações da directiva, deixando a concretização das “cláusulas gerais” (“distorções de concorrência” ou “exercício de actividade de forma não significativa”) para des‑pachos e regulamentos administrativos da competência do Ministro das Finanças (cf. n.º 4 do art. 2.º), o que pode ser discutível, quanto à constitucionalidade. Não falta também (n.º 2 do art. 2.º) uma lista de actividades em relação às quais nunca o Estado deixará de ser considerado sujeito passivo, lista esta que coincide com a do Anexo D da directiva (cf. n.º 3 do art. 2.º) ”. Saliente ‑se que Xavier de Basto fazia esta aprecia‑ção antes do Caso Fazenda Pública/Município do Porto, Acórdão de 4 de Dezembro de 2000, Proc. C ‑446/98, já cit.

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3.1 A interpretação restritiva do TJUE

Em conformidade com a jurisprudência do TJUE sobre o disposto no artigo 4.º, n.º 5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, têm de estar preenchidos cumulativamente dois requisitos para que a regra da não sujeição se aplique, a saber: i) A prática de actividades por um organismo de direito público; (ii) Exercidas na sua qualidade de autoridade pública11.

O Advogado Geral Lenz, nas suas conclusões apresentadas em 12 de Fevereiro de 1987 no Caso Comissão/Países Baixos, também sufragou esta orientação, salientando que os organismos públicos não devem ser sujeitos passivos apenas quando actuem como autoridades públicas no sentido restrito do termo12.

O TJUE, no Caso Comune di Carpaneto I, salientou que, na medida em que esta norma condiciona a não sujeição dos organismos de direito público ao requisito de que actuem no exercício das respectivas funções públicas, considera não tributáveis aquelas actividades que os organismos de direito público exerçam na sua qualidade de sujeitos de direito público e não como sujeitos de direito privado13. O único critério que permite com clareza, de acordo com o TJUE, distinguir estas duas categorias de actividades é, consequentemente, o do regime jurídico aplicável por referência ao direito nacional.

Conforme salientou, os organismos de direito público a que se refere a norma de delimitação negativa da incidência praticam actividades no exercício das respectivas funções públicas, no sentido desta disposição, quando as realizem no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio. Pelo contrário, quando actuam nas mesmas condições jurídicas dos operadores económicos privados, não se pode considerar que desenvolvem actividades

11 Sobre a jurisprudência do TJCE relativamente a esta matéria veja ‑se Ben J. Terra e Julie Kajus, A Guide to the Sixth VAT Directive, Commentary to the Value Added Tax of the European Community, IBFD Publications, November 1994 e A Guide to the European VAT Directives, Volume 1, IBFD Publications, 2007, e Ismael Jiménez Com‑paired, Administraciones Públicas e Impuesto sobre el Valor Añadido, La Ley, 1.ª edi‑ción, junio 2007.

12 Conclusões do Advogado Geral Lenz, apresentadas em 12 de Fevereiro de 1987, Proc. 235/85, Colect., p. I ‑1471, n.º 37.

13 Acórdão de 17 de Outubro de 1989, Caso Comune di Carpaneto I, Proc. apensos 231/87 e 129/88, Colect., p. I ‑3233.

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no exercício das suas funções públicas. Compete ao juiz nacional qualificar a actividade tendo em consideração este critério.

Relativamente ao primeiro requisito relativo à natureza de organismo de direito público do operador, o Tribunal declarou que uma actividade exercida por um particular não está abrangida pela delimitação negativa de incidência pelo simples facto de essa actividade consistir na prática de actos que consubstanciam prerrogativas da autoridade pública. De acordo com o seu entendimento, quando uma actividade que consiste em praticar actos abrangidos por prerrogativas de autoridade pública é confiada a um terceiro independente ou é exercida por entidades não integradas na organização da Administração Pública, sob a forma de uma actividade económica independente, a exclusão prevista na delimitação negativa de incidência não é aplicável14.

3.2 A questão das distorções de concorrência

Nas suas conclusões apresentadas a 12 de Junho de 2008 no Caso Isle of Wight Council e o, Miguel Poiares Maduro, vem proceder a uma análise cuidada dos objectivos subjacentes à regra de delimitação nega‑tiva de incidência. Neste contexto, salienta ‑nos que a razão de ser da derrogação da sujeição das actividades económicas ao IVA aí prevista, assenta na frágil presunção de que as actividades exercidas pelos orga‑nismos públicos, na qualidade de autoridades públicas, são actividades de natureza essencialmente regulamentar relacionadas com a utilização de prerrogativas de poder público15. Como nota, nestas condições, a não sujeição destas actividades ao IVA não tem, em princípio, um efeito anti concorrencial em relação às actividades exercidas pelo sector privado, dado que são geralmente exercidas a título exclusivo ou quase exclusivo pelo sector público. Nestes termos, regista que a neutralidade fiscal é, assim, respeitada. Contudo, tal como observa, esta presunção não deixa de ser uma presunção frágil. Com efeito, apesar de a definição dos

14 V., neste sentido, Acórdãos de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, já cit., n.º 22, e de 25 de Julho de 1991, Caso Ayuntamiento de Sevilla, Colect., p. I ‑4247, n.º 20.

15 Conclusões apresentadas pelo Advogado Geral Miguel Poiares Maduro a 12 de Junho de 2008 no Caso Isle of Wight and Others, Proc. C ‑288/07, Colect., p. I ‑7203, n.os 15 a 18, secundadas pelo Tribunal no seu Acórdão de 16 de Setembro (n.os 42 e 43).

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organismos públicos agindo na qualidade de autoridades públicas assentar em critérios comunitários, depende da organização interna de cada Estado membro, pelo que há fortes probabilidades de algumas dessas actividades desempenhadas pelos organismos públicos serem igualmente confiadas ao sector privado. Assim, actividades de “natureza essencialmente econó‑mica” podem preencher as condições da derrogação prevista no primeiro parágrafo do artigo 4.º, n.º 5, da Sexta Directiva, quando o direito nacional faça intervir o organismo público no âmbito de um “regime jurídico que lhe é próprio”, uma vez que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal, a especificidade desse regime determina a qualificação como actividade exercida na qualidade de autoridade pública. A não sujeição dessas actividades “essencialmente económicas” pode gerar distorções de concorrência, dado que, em regra, as referidas actividades são ou podem ser geralmente exercidas, paralela ou principalmente, pelo sector privado. A não sujeição conduziria, assim, a um desvio ao sistema do IVA que se baseia, antes de mais, no princípio da neutralidade fiscal.

Neste contexto, conclui que foi principalmente esta hipótese que o legislador comunitário pretendeu evitar ao prever, no terceiro parágrafo do artigo 4.º, n.º 5, da Sexta Directiva, a sujeição ao IVA de determina‑das actividades enumeradas de forma precisa no respectivo Anexo D16. Pelo que o segundo parágrafo do artigo 4.º, n.º 5, da Sexta Directiva, à semelhança do seu terceiro parágrafo, consubstancia uma derrogação à não sujeição, pelo que deve ser interpretado no sentido de que partilha da mesma lógica do terceiro parágrafo, isto é, a de restabelecer o princípio da sujeição das actividades de natureza económica ao IVA17.

No que se reporta à delimitação negativa de incidência das entidades públicas, o Tribunal tinha vindo a entender que, dado ser uma excepção à regra geral de sujeição, deverá interpretada em termos restritos.

A análise da jurisprudência do TJUE evidencia que devem encontrar‑‑se preenchidas duas condições para que se aplique a regra de delimitação

16 Como salienta nas suas conclusões, ibidem, n.º 17, “Resulta claramente da lei‑tura deste parágrafo que a sujeição se aplica independentemente da existência de uma concorrência efectiva ou potencial ao nível de determinados mercados locais nos quais as referidas actividades também podem ser exercidas por organismos públicos no âmbito de um regime jurídico que lhes é próprio. Só importa a natureza da actividade em causa”.

17 Conclusões apresentadas pelo Advogado Geral Miguel Poiares Maduro, ibidem, n.º 18.

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negativa da incidência: o exercício de actividades por uma pessoa colectiva de direito público e que esse exercício ocorra no âmbito dos seus poderes de autoridade18

Isto significa que, por um lado, as actividades prosseguidas pelas pessoas colectivas de direito público não se encontram automaticamente excluídas da sujeição a imposto sobre o valor acrescentado, mas apenas as actividades prosseguidas enquanto autoridades públicas e, por outro lado, que uma actividade exercida por uma entidade privada não se encontra não sujeita a este imposto pelo simples facto de ser exercida com prerrogativas de autoridade. Idêntica interpretação é feita pela Comissão e, regra geral, pela nossa Administração Fiscal.

Em geral a jurisprudência tem vindo a salientar que a Directiva tem em vista a harmonização das legislações em matéria de IVA e de não onerar os organismos de direito público com o IVA, sem razão que o justifique, por actividades que se inscrevam no âmbito dos poderes públicos, bem como garantir a neutralidade do imposto19.

Como o TJUE defendeu no Caso Comune di Carpaneto I, os Estados membros “devem assegurar a sujeição dos organismos de direito público pelas actividades que exerçam na qualidade de autoridades públicas, no caso de tais actividades poderem ser igualmente desenvolvidas, em concorrência com tais organismos por particulares, num regime de direito privado ou ainda com base em concessões administrativas, se a sua não sujeição for susceptível de provocar distorções importantes na concorrência” 20.

18 Cfr. Acórdão de 25 de Julho de 1991, Caso Ayuntamiento de Sevilla, Proc. C ‑202/90, já cit., n.º 18, Acórdão de 11 de Julho de 1985, Caso Comissão/ Alemanha, Proc. 107/84, Rec., p. 2663 e Acórdão de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/ Países Baixos, Proc. 235/85, já cit.

19 Vide, neste sentido, o Acórdão de 17 de Outubro de 1989, Procs apensos C ‑231/87 e C ‑129/88, Caso Comune di Carpaneto I, já cit., n.º 22, e as conclusões do Advogado Geral Alber apresentadas a 29 de Junho de 2000, no Caso Fazenda Pública/Município do Porto, em que foi proferido o Acórdão de 4 de Dezembro de 2000, Proc. C ‑446/98, já cit., n.º 54.

20 Cfr. o segundo parágrafo do nº1 do sumário do citado acórdão Comune di Carpaneto I, bem como os nºs 22 e 23 do mesmo, a seguir transcritos: “22 ‑ Verifica ‑se também que o segundo parágrafo desta disposição (n.º 5 do artigo 4.º da Sexta Directiva) prevê uma derrogação à regra da não tributação dos organismos de direito público pelas actividades ou operações que realizam enquanto autoridades públicas quando a sua não tributação conduzisse a distorções de concorrência significativas. Considera assim, por

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A sujeição a imposto é, neste contexto, obrigatória, traduzindo ‑se no fim da excepção de não tributação (isto é, da delimitação negativa de incidência) e o regresso à situação normal, em nome de um princípio de neutralidade. Por outro lado, a concorrência com particulares (que pode decorrer de um regime de concessão administrativa) não tem que ser efectiva, contentando ‑se o Acórdão com a concorrência potencial.

O TJUE desde o início que vem salientando que o artigo 4.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, visa garantir o respeito do prin‑cípio da neutralidade fiscal21. De acordo com o Tribunal, este parágrafo pretende garantir que determinadas categorias de actividades económicas cuja importância resulta do seu objecto, não sejam excluídas do IVA por serem realizadas por organismos de direito público no exercício das res‑pectivas funções públicas22.

Como se reconhece, o segundo parágrafo do artigo 13.º, n.º 1, da Directiva IVA, vem atenuar a não sujeição regulada no primeiro pará‑grafo. Dito de outra forma, vem excepcionar a excepção (ou regra geral). O objectivo desta regra consiste em evitar a não sujeição relativamente a actividades realizadas num regime de direito público em que a entidade pública as desenvolve nas mesmas condições jurídicas que os demais ope‑radores privados. Esta norma foi consagrada na Directiva, em princípio, para evitar distorções significativas de concorrência.

forma a assegurar a neutralidade do imposto, objectivo primeiro da sexta directiva, a situação em que os organismos de direito público exercem, no quadro do regime jurídico que lhes é próprio, as actividades que podem ser igualmente exercidas, em concorrência com eles, por particulares no regime de direito privado ou ainda na base de concessões administrativas”. “23. Nestes termos, os Estados ‑membros são obrigados, por força do terceiro parágrafo do artigo 189.º do Tratado (hoje do TFUE), a assegurar a tributação dos organismos de direito público quando a sua não tributação seja susceptível de originar distorções de concorrência significativas. Em contrapartida não são obrigados a transpor textualmente este critério para o seu direito nacional nem a especificar limites quantitativos de não tributação”.

21 Veja ‑se, nomeadamente, o Acórdão de 8 de Junho de 2006, Caso Halle, Proc. C‑430/04, Colect., p. I‑4999, n.º 24, o Acórdão de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, Proc. C‑498/03, já cit., n.º 41, e o Acórdão de 16 de Setembro de 2008, Proc. C ‑288/07, Caso Isle of Wight Council e o., já cit., n.º 24.

22 Acórdão de 17 de Outubro de 1989, Caso Comune di Carpaneto I, Procs apen‑sos C ‑231/87 e C ‑129/88, já cit., n.º 90.

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Como o TJUE salientou no Caso Comune di Carpaneto I, o segundo parágrafo desta regra prevê uma derrogação à norma de não sujeição dos organismos de direito público para as actividades ou operações que exerçam enquanto autoridades públicas na medida em que a não sujeição conduza a distorções de concorrência significativas.

No Caso Halle23, o TJUE veio notar que importava recordar que o artigo 4. º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, visa garantir o respeito do princípio da neutralidade fiscal que se opõe, designadamente, a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em con‑corrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA24.

Neste Caso25 o TJUE reconhece que a cláusula da Directiva também tem por objectivo proteger os concorrentes privados, na medida em que a não sujeição dos operadores públicos possa distorcer gravemente a concorrência26. Este Caso é muito importante precisamente porque vem reconhecer que a cláusula da Directiva tem igualmente por objectivo proteger a concorrência dos operadores privados, no sentido de que se as entidades públicas não forem sujeitos passivos podem causar distorções de concorrência.

23 Acórdão de 8 de Junho de 2004, Caso Halle, Proc. C ‑430/04, já cit., n.º 24.24 No que concerne à questão relativa às distorções de concorrência, note ‑se que,

recentemente, a Comissão decidiu iniciar um processo de infracção junto do TJUE contra a Finlândia, devido ao tratamento concedido aos serviços de assistência jurídica remune‑rados prestados por escritórios públicos (Comunicado de imprensa IP/08/139, de 31 de Janeiro de 2008.). Tal como explicita, na Finlândia não incide IVA sobre este tipo de ser‑viços, ao passo que o mesmo tipo de serviços prestado por um advogado privado é tribu‑tado. Ora, a Comissão entende que nas circunstâncias descritas a diferença de tratamento provoca distorções de concorrência significativas. Esta situação é idêntica à que se verifica em Portugal desde a privatização dos notários, relativamente ao exercício do notariado pelos notários públicos sem sujeição a IVA.

25 Acórdão de 8 de Junho de 2006, Proc. C ‑430/04, já cit. O TJUE neste Caso con‑cluiu que, se a não sujeição provocasse distorções de concorrência, a exploração de um crematório público seria tributada. Incumbiria ao órgão jurisdicional competente a nível nacional apreciar as circunstâncias económicas que pudessem justificar, no caso concreto, uma excepção à regra de não sujeição dos organismos de direito público.

26 Tal como nota Jiménez Compaired, “VAT and Public Bodies in EC Member States”, Intertax, n.os 6/7, Volume 36, June/July 2008, p. 269.

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203Comentários de Jurisprudência

4. A revolução Salix

No Caso Salix o TJUE vai muito mais além do que foi no Caso Halle. Uma das questões suscitadas era precisamente a de saber se “só pode

haver ‘distorções de concorrência significativas’, na acepção do artigo 4.º, n.º 5, quarto parágrafo, em conjugação com o segundo parágrafo, da Sexta Directiva […], se a não sujeição ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em detrimento de um sujeito passivo concorrente, ou pode igualmente haver distorções se a não sujeição ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em seu próprio prejuízo?» 27.

27 Acórdão de 4 de Junho de 2009, Caso Salix, Proc. C ‑102/08, já cit. Neste Caso esteve em apreciação o facto de a Salix, sociedade de locação de bens imobiliários, pes‑soa colectiva de direito privado, ter celebrado um contrato de locação financeira de bens imóveis com a Industrie und Handelskammer Offenbach (câmara de comércio e indús‑tria de Offenbach, a seguir “IHK”), organismo de direito público. Por via deste contrato, comprometeu‑se a entregar à IHK, por um período de locação de 27 anos, um edifício de escritórios ainda a construir, com um parque de estacionamento subterrâneo.

A Salix terminou o referido edifício e colocou‑o à disposição da IHK, que destinou uma parte dos escritórios à sua própria utilização e sublocou por longa duração os res‑tantes escritórios a terceiros, sujeitos passivos de IVA. Relativamente ao parque de esta‑cionamento subterrâneo, a IHK também reservou uma parte dos lugares para sua própria utilização, sublocou por longa duração outra parte aos locatários dos escritórios e dispo‑nibilizou, por curta duração e a título oneroso, os restantes lugares a pessoas estranhas ao edifício. Para poder deduzir o IVA pago a montante nas operações relativas à construção do edifício respeitante à parte do imóvel sublocado pela IHK, a Salix renunciou à isen‑ção das operações de locação, considerando assim ter direito à dedução, visto que locou o edifício para os fins da empresa de um outro empresário, a saber, a IHK que, por sua vez, o utiliza parcialmente para as operações com direito à dedução do imposto pago a mon‑tante. Contudo, no âmbito de uma inspecção efectuada à Salix, o inspector recusou‑lhe a dedução para a parte do edifício sublocado por longa duração, com o fundamento de que a IHK, ao realizar essa sublocação, não actuou na qualidade de “empresário”, na acepção do § 9, n.º 1, da UstG (legislação alemã do IVA), mas sim como não sujeito passivo. A não sujeição da IHK ao imposto impediu a Salix de beneficiar do direito à dedução do IVA pago a montante. Uma das questões prejudiciais suscitada consistiu em saber se só pode haver “distorções de concorrência significativas”, na acepção do artigo 4.º, n.º 5, quarto parágrafo, em conjugação com o segundo parágrafo, da Sexta Directiva, se a não sujei‑ção ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em detrimento de um sujeito passivo concorrente, ou pode igualmente haver distorções se a não sujeição ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em seu próprio prejuízo.

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204Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Ora, o TJUE concluiu que pode igualmente haver "distorções de concorrência significativas", se a não sujeição ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em seu próprio prejuízo. O Tribunal vem reconhecer expressamente que o artigo 4.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, deve ser inter‑pretado no sentido de que os organismos de direito público devem ser qualificados como sujeitos passivos relativamente às actividades ou às operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas não apenas quando a sua não sujeição ao imposto, por força do primeiro ou do quarto parágrafo da referida disposição, conduzir a distorções de concorrência significativas em detrimento dos seus concorrentes privados, mas também quando conduzir a tais distorções em seu próprio prejuízo. Estava o facto de uma entidade, por ser abrangida na delimitação negativa de incidência, ficar prejudicada em virtude de não poder exercer o seu direito à dedução do imposto suportado.

Tal como a Salix, o Governo alemão e a Comissão observaram, a redacção do artigo 4.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, visa indistintamente todas as “distorções de concorrência significativas”, inde‑pendentemente de quem as sofra. Ora, a não sujeição desses organismos ao imposto que leva à sua exclusão do direito à dedução do IVA pago a montante, pode igualmente conduzir a distorções de concorrência em detrimento de quem não seja sujeito passivo. Uma vez que a concorrência é falseada, seja em benefício dos organismos de direito público ou dos seus concorrentes privados, tem de se considerar que o princípio da neutrali‑dade fiscal, expressão do princípio da igualdade de tratamento em matéria de IVA, é violado. Como defenderam, esta interpretação inscreve‑se na lógica da protecção da concorrência em si mesma, independentemente da qualidade subjectiva do operador individual em causa.

Em sentido contrário, a Irlanda observou que, mesmo que a redacção do normativo em causa não especifique o conceito de «distorções de con‑corrência significativas», visa excluir os organismos de direito público do âmbito da Directiva, nunca tendo sido intenção do legislador comunitário permitir a estes organismos invocar essa excepção para obterem o estatuto de operadores sujeitos a imposto pelas suas actividades28.

28 Invocava ainda que, além do mais, tal interpretação esvaziaria de sentido o poder de apreciação concedido aos Estados membros pelo quarto parágrafo da referida disposi‑

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205Comentários de Jurisprudência

Como o TJUE notou, em primeiro lugar, há que recordar que o normativo em causa não especifica as pessoas que visa proteger dessas distorções de concorrência significativas geradas pela não sujeição dos organismos de direito público ao imposto.

Neste contexto, o Tribunal denotou que, ao prever uma derrogação da não sujeição dos organismos de direito público relativamente às acti‑vidades ou operações que as entidades públicas exerçam na qualidade de autoridades públicas, visa repor a regra geral da Directiva, segundo a qual toda a actividade de natureza económica está, em princípio, sujeita a IVA, pelo que o artigo 4.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, não pode ser objecto de interpretação restritiva29.

Por outro lado, e aqui encontramos a fundamentação mais signifi‑cativa deste aresto, invocou a natureza essencial do exercício do direito à dedução do imposto suportado, salientando que não se pode excluir que a não sujeição a imposto de um organismo de direito público que exerce determinadas actividades e operações que impedem o referido direito à dedução do IVA possa ter repercussões na cadeia de entregas de bens e de prestações de serviços em detrimento dos sujeitos passivos que operam no sector privado.

Em suma, a fundamentação deste Acórdão, baseia ‑se, essencialmente, nos seguintes fundamentos:

a) Os organismos de direito públicos devem ser considerados, quando exerçam actividades ou operações na qualidade de autoridades públicas, sujeitos passivos relativamente a tais actividades ou operações «desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas»;

b) A redacção da Directiva IVA (tal como a da Sexta Directiva) não especifica as pessoas que visa proteger dessas distorções de concorrência significativas geradas pela não sujeição dos organismos de direito público ao imposto;

c) A Directiva IVA, ao prever uma derrogação da não sujeição dos organismos de direito público relativamente às actividades ou operações

ção, sendo contrária ao objectivo definido pelo segundo parágrafo da mesma disposição que é, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, proteger os concorrentes privados da actividade dos organismos de direito público.

29 N.os 67 a 76 do Acórdão.

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que exerçam na qualidade de autoridades públicas, visa repor a regra geral, segundo a qual toda a actividade de natureza económica está, em princípio, submetida a IVA. Por conseguinte, esta derrogação que repõe a regra geral não pode ser objecto de interpretação restritiva30;

d) No que diz respeito aos objectivos desta derrogação relativa às distorções de concorrência significativas, nada indica que a redacção do artigo 13.º da Directiva IVA se destina a assegurar que os organismos de direito público sofram as consequências das distorções de concorrência significativas que a sua não sujeição ao imposto, por força do normativo comunitário, pode ocasionar;

e) O direito à dedução é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo ‑se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante31. Na realidade, o regime das deduções destina‑se a libertar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. Por conseguinte, o sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as activi‑dades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, sujeitas ao IVA32. Daqui se conclui que, em princípio, o direito à dedução é aplicável a toda a cadeia de entregas de bens e de prestações de serviços efectuadas pelos sujeitos passivos agindo nessa qualidade para os fins das actividades económicas de outros sujeitos passivos33.

f) Ora, não se pode excluir que a não sujeição a imposto de um orga‑nismo de direito público que exerce determinadas actividades e operações que impedem o referido direito à dedução do IVA possa ter repercussões

30 Veja ‑se Acórdão de, Caso Isle of Wight Council, já referido, n.º 38.31 Vide, designadamente, Acórdãos de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz,

Proc. C‑62/93, Colect., p. I‑1883, n.º 18, de 21 de Março de 2000, Caso Gabalfrisa, Procs. C‑110/98 a C‑147/98, Colect., p. I‑1577, n.º 43, assim como de 6 de Julho de 2006, Caso Kittel, Proc.s C‑439/04 e C‑440/04, Colect., p. I‑6161, n.º 47.

32 Vide, nomeadamente, Acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Caso Abbey National, Proc. C‑408/98, Colect., p. I‑1361, n.º 24, e de 21 de Abril de 2005, Caso HE, Proc. C‑25/03, Colect., p. I‑3123, n.º 70, assim como o Caso Kittel, já referido, n.º 48.

33 Cfr., neste sentido, Acórdãos de 12 de Janeiro de 2006, Caso Optigen, Proc.s C‑354/03, C‑355/03 e C‑484/03, Colect., p. I‑483, n.º 52, assim como o Caso Kittel, já referido, n.º 45.

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na cadeia de entregas de bens e de prestações de serviços em detrimento dos sujeitos passivos que operam no sector privado.34

g) Resulta do exposto que o conceito de distorções de concor‑rência significativas visa também as distorções de concorrência em prejuízo dos organismos de direito público, pelo que o normativo em causa deve ser interpretado no sentido de que os organismos de direito público devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou às operações que exercem na qualidade de autoridades públicas não apenas quando a sua não sujeição ao imposto conduzir a distorções de concorrência significativas em detrimento dos seus con‑correntes privados, mas também quando conduzir a tais distorções em seu próprio prejuízo.

5. Conclusões

A sujeição a imposto sobre o valor acrescentado do Estado e demais organismos de direito público é relevante por motivos diversos. Desde logo, porque afecta directamente os recursos próprios da União Europeia, mas, por outro lado, a característica fundamental da neutralidade do imposto pode ser seriamente atingida. Quanto maior for o âmbito da excepção da delimitação negativa de incidência do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, maior será o risco de os sectores público e privado concorrerem entre si relativamente às mesmas activida‑des, permitindo ‑se a oferta de um preço mais baixo aos consumidores e, eventualmente, a obtenção de uma vantagem competitiva sobre o sector privado. Mas o efeito concorrencial poderá ocorrer no sentido inverso, dada a penalização que a não dedução do imposto implica para as entida‑des públicas abrangidas pela delimitação negativa de incidência. Acresce que a tão almejada uniformidade da aplicação do IVA na União Europeia seria posta em causa.

No plano jurídico, e em conformidade com o entendimento do TJUE, o princípio da neutralidade fiscal inclui igualmente dois outros princípios

34 Com efeito, a não sujeição da IHK ao imposto impediu a Salix de beneficiar do direito à dedução do IVA pago a montante.

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frequentemente invocados pela Comissão: o da uniformidade do imposto e o da eliminação das distorções de concorrência35.

Nos casos de interpretação das regras relativas ao conceito de sujeito passivo constantes do artigo 4.º da Sexta Directiva, actual artigo 9.º da Directiva IVA, o TJUE tem vindo a sustentar as suas decisões, em grande medida, nas características básicas da generalidade e da neutralidade do IVA36.

As consequências do princípio da neutralidade do imposto são diversas e projectam ‑se, permanentemente, nos mais diversos aspectos da respectiva configuração e aplicação prática. Desde logo, ao nível da sua concepção e acolhimento quer nas directivas quer na transposição nas diversas legislações nacionais dos Estados membros, o imposto deverá respeitar este princípio. Por outro lado, a actuação das instâncias comu‑nitárias e nacionais encontra ‑se, igualmente, sujeita à observância deste princípio, sob pena de se desvirtuar o imposto tal como foi concebido e transposto. Em suma, na concepção, na aplicação e na interpretação do sistema comum do IVA, o legislador, os tribunais e os demais intérpretes e aplicadores das normas, deverão ter em consideração este princípio fundamental do imposto.

Conforme o TJUE salientou no Caso Hong Kong37, é necessária uma definição o mais ampla possível de sujeito passivo para evitar distorções de concorrência.

Com efeito, nos mercados actuam operadores públicos e privados. No plano do IVA, haverá distorção de concorrência, sempre que um determinado regime de IVA atribua vantagens a uns operadores em rela‑ção a outros. Do ponto de vista dos operadores públicos, poderemos ter assim vantagens atribuídas a operadores públicos em relação a outros operadores, públicos ou privados. Ou desvantagens de que sofrem certos operadores públicos perante outros operadores, nomeadamente privados. Neste sentido, uma forma de desvirtuar as condições de concorrência seria o alargamento desmesurado dos conceitos de organismo de direito público

35 Vide, neste sentido, o oitavo considerando da Primeira Directiva, bem como o Acórdão de 11 de Junho de 1998, Caso Fischer, Proc. C ‑283/95, Colect., p. I ‑3369, n.os 21 e 27.

36 Mas é sobretudo nos Acórdãos relativos ao artigo 33.º da Sexta Directiva, actual artigo 401.º da Directiva IVA, que o TJUE vem desenvolver as características básicas deste imposto.

37 Acórdão de 1 de Abril de 1982, Proc. 89/81, Rec., p. 1277.

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209Comentários de Jurisprudência

ou de poderes de autoridade com o objectivo de pôr em causa a neutrali‑dade do IVA, evitando ou limitando, deste modo, o exercício do direito à dedução a uns operadores, ao mesmo tempo que o reconhecia a outros.

Por isso, a existência de distorções de concorrência não se suscita apenas em relação aos concorrentes de um determinado operador econó‑mico, prejudicando ‑os, mas também em relação a esse mesmo operador, prejudicando este e pondo em causa a sua posição no mercado concorren‑cial, como ocorre se lhe for indevidamente negado o exercício do direito à dedução.

Como adequadamente a Salix, o Governo alemão e a Comissão observaram e o TJUE conclui, a redacção do normativo em causa visa indistintamente todas as «distorções de concorrência significativas», independentemente de quem as sofra. É o que decorre da jurisprudência analisada, que vem, na realidade, repor o princípio de neutralidade do imposto numa disposição que ao longo dos anos simboliza o anacronismo das regras do IVA e que é apontada no Livro Verde apresentado em 1 de Dezembro de 2010, como uma das áreas prioritárias a ter em consideração38.

Ora, entendemos, que é ao objectivo das distorções de concorrência que se deve ir buscar o fundamento e os limites da sujeição ou da exclusão das entidades públicas a IVA. Com efeito, entendemos que o artigo 13.º da Directiva IVA não consagra uma exclusão geral das entidades públi‑cas do âmbito de aplicação do imposto, consubstanciando ‑se como uma excepção ao artigo 9.º. Na realidade, o que o legislador quis foi excluir

38 Bruxelas, 1.12.2010, COM (2010) 695 final, {SEC (2010) 1455 final}. A Comis‑são convida todas as partes interessadas a enviar as suas contribuições em resposta às perguntas colocadas no presente Livro Verde até 31 de Maio de 2011, de preferência em formato Word e por correio electrónico para TAXUD ‑VAT ‑[email protected].

As contribuições serão publicadas na Internet em http://ec.europa.eu/taxation_cus‑toms/index_en.htm.

No mesmo sítio Web será igualmente publicado um relatório que resume as con‑clusões tiradas das contribuições.

Com base nas conclusões que podem resultar deste debate e, conforme o anun‑ciado no programa de trabalho da Comissão para 2011 (COM (2010) 623 de 27.10.2010, Programa de trabalho da Comissão para 2011), apresentará até finais de 2011 uma comu‑nicação que indicará as áreas prioritárias em que seriam convenientes outras acções ao nível da UE. Sobre esta matéria veja ‑se, da autora, “O Livro Verde sobre o Futuro do IVA – Algumas reflexões”, em vias de publicação no número de Inverno de 2011 da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do IDEFF da Faculdade de Direito de Lisboa.

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determinadas operações do âmbito de aplicação do imposto através da técnica de negar a qualificação de sujeito passivo às entidades públicas39. Há mais de trinta anos atrás, poderá compreender ‑se que o legislador tenha comtemplado este tratamento socorrendo ‑se do elemento subjectivo, dado que as actividades de interesse público que estavam em causa eram, à data, prosseguidas em regime de monopólio ou quase, por entidades de direito público. Desde então o mundo mudou muito e mudou muito nesse contexto.

Atendendo à diversidade das legislações nacionais e na falta de uma ordem jurídica que pudesse servir de referência, o legislador comuni‑tário não pode concretizar mais o critério geral que permite distinguir as operações sujeitas e não sujeitas. Apesar de o objectivo subjacente consistir no facto de pretender impedir que a não sujeição atente contra a generalidade e a neutralidade do imposto o legislador, em vez de se reportar a estes princípios, refere ‑se ao resultado a que poderá conduzir a respectiva violação: a produção de distorções de concorrência signi‑ficativas.

O conceito de distorção, de significado e perfis nem sempre claros, tem sido analisado fundamentalmente pela ciência económica. Trata ‑se de um conceito com um claro conteúdo de natureza económica, que foi utilizado pelo legislador comunitário como conceito fulcral para efeitos da delimitação da sujeição a IVA das entidades públicas. O objectivo de evitar distorções de concorrência aparece intimamente relacionado com o núcleo de princípios enformadores da designada constituição económica da União Europeia, como os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, e com os postulados do liberalismo económico (salvaguarda das condições de concorrência e da livre circulação de mercadorias), nos quais se tem inspirado o processo de harmonização fiscal e, em especial, o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.

Poderemos afirmar que existe uma distorção de concorrência se um organismo público não sujeito ao imposto concorrer com entidades

39 Tal como nota, Gabriel Casado Ollero, “El IVA y las operaciones de los entes públicos”, Impuestos, II/1986, trata ‑se de uma exclusão objectiva, uma vez que se excluem determinadas operações atendendo à respectiva natureza, mas motivada pela ausência do elemento subjectivo do imposto.

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privadas relativamente às mesmas actividades e possa, consequentemente, oferecer bens ou serviços mais baratos devido à não sujeição40.

Mas, consistindo o principal problema da delimitação negativa de incidência na impossibilidade de dedução do imposto suportado e dos respectivos efeitos de distorção de concorrência, poderemos igualmente afirmar que existe uma distorção de concorrência se um organismo de direito público não sujeito a imposto concorrer com entidades privadas, sendo penalizado em relação a estas pela impossibilidade de deduzir o IVA suportado, tal como se verifica na situação controvertida.

Aguardamos pois com grandes expectativas os resultados dos tra‑balhos que se anunciam nesta domínio bem como desenvolvimentos da jurisprudência Salix.

40 Veja ‑se, neste sentido, L. J. Constantinesco, “La constitution économique de la CEE”, Revue Trimestrielle de Droit Européen, 1977, p. 275.

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REVERSÕES DE COIMAS PARA ADMINISTRADORES E GERENTES: DESENVOLVIMENTOS RECENTES

(COMENTÁRIO AOS ACÓRDãOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.os 24/2011, 26/2011 E 35/2011)

Rogério M. Fernandes Ferreira, Francisco Carvalho Furtado, Ana Moutinho Nascimento, Pedro Saraiva Nércio e Nuno Barata

O Acórdão n.º 24/2011, de 12 de Janeiro de 2011, do Tribunal Cons‑titucional pronunciou ‑se no sentido da inconstitucionalidade do Regime Geral das Infracções Tributárias (“RGIT”), na parte em que dispõe quanto à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos mon‑tantes correspondentes às coimas aplicadas às sociedades no âmbito de processo de contra ‑ordenação fiscal, efectivada através do mecanismo da reversão no processo de execução fiscal originariamente instaurado contra a sociedade devedora.

O RGIT prevê, a responsabilidade civil subsidiária de administrado‑res, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas pelas multas e coimas de que estas sejam devedoras.

Entendeu, o Tribunal Constitucional, com a prolação deste Acórdão, que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pre‑vista no RGIT viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, aderindo à fundamentação de Acórdão anterior (n.º 481/2010, de 9 de Dezembro de 2010), e que se havia já pronunciado pela inconstitucionalidade do preceito equivalente do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), e que precedeu o RGIT na previsão da responsabilidade subsidiária por multas e coimas tributárias.

Apesar de conceder na razoabilidade da imputação da responsabi‑lidade pelas coimas a administradores e gerentes, uma vez que a pessoa colectiva age, necessariamente, através dos indivíduos que integram os seus órgãos, o Tribunal Constitucional não ignora, no entanto, que a forma como esta imputação é construída, apesar da referência expressa a

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uma responsabilização civil, conduz, inevitavelmente, à transmissão da responsabilidade contra ‑ordenacional da pessoa colectiva para os seus administradores ou gerentes.

No entender do Tribunal Constitucional, ainda que ambas as respon‑sabilidades (civil e contra ‑ordenacional) possam assentar em pressupostos diversos – a responsabilidade contra ‑ordenacional na violação de uma infracção tributária e a responsabilidade civil no facto de o administrador ou gerente, em incumprimento dos seus deveres funcionais, não ter asse‑gurado a solvabilidade da pessoa colectiva para o pagamento da coima em que esta foi condenada –, não comprometendo, assim, o princípio da pessoalidade das penas quanto ao seu fundamento, tal princípio estará sempre comprometido quanto ao objecto, uma vez que ao gerente ou administrador é, objectivamente, transmitida uma pena aplicada a outrem e que teve em consideração as especificidades jurídicas e culposas desta.

Sendo a culpa imputável ao responsável subsidiário uma das condi‑ções do nascimento da situação de responsabilidade contra ‑ordenacional, no caso de reversão da execução fiscal tal culpa é desconsiderada na determinação da sanção aplicável, uma vez que o factor atinente à pes‑soa do responsável subsidiário na concretização da medida da coima é completamente ignorado, sendo ‑lhe aplicado o montante sancionatório que resulta, apenas, da valoração da conduta do devedor originário. Ao fazê ‑lo, a reversão não gradua as circunstâncias que dizem, pessoalmente, respeito ao responsável subsidiário, tal como a modalidade da culpa, a gravidade e a situação económica.

Para além da desvalorização dos elementos de responsabilização referentes à culpa, o Tribunal Constitucional sustenta que a reversão das dívidas referentes a multas ou coimas implica, ainda, a desconsideração do facto de a moldura sancionatória aplicada ser diferentemente fixada em função do tipo de agente, consoante este seja pessoa colectiva ou pessoa singular (note ‑se que os limites mínimos e máximos das coimas são ele‑vados ao dobro no caso das pessoas colectivas). Assim, a responsabilidade subsidiária, no caso das multas e coimas fiscais, implica que se imponha a uma pessoa singular (gerente ou administrador) o cumprimento de uma sanção fixada dentro de uma moldura estabelecida para uma pessoa colectiva, e que configura uma pessoa de natureza distinta. Ora, de acordo também com o Tribunal Constitucional, tal imposição implica, por um lado, uma violação do princípio da igualdade, uma vez que se trata de

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forma igual situações de responsabilidade que são estruturalmente dife‑rentes. Por outro lado, estará em causa o princípio da proporcionalidade, uma vez que é imputada a uma pessoa singular uma sanção que foi espe‑cialmente agravada em virtude de o agente a punir ser, originariamente, uma pessoa colectiva.

Em síntese, a desconsideração do facto de a moldura sancionatória ser diferente consoante esteja em causa uma pessoa singular ou colectiva contraria os princípios, constitucionais, da igualdade e da proporciona‑lidade e, bem assim, a desconsideração da graduação concreta da culpa do administrador ou gerente, que contraria, por seu lado, o princípio constitucional da culpa, levaram a que o Tribunal Constitucional se pro‑nunciasse pela inconstitucionalidade da disposição legal que permite a responsabilização dos administradores ou gerentes pelo pagamento das coimas aplicadas às sociedades.

Parece ‑nos, pois, correcto o referido Acórdão, ao repudiar que um terceiro (o administrador ou gerente) possa vir a cumprir a pena em que outro foi condenado em função de um específico grau de culpa, pena esta especialmente agravada atenta a natureza jurídica deste último (pessoa colectiva).

No entanto, esta questão constitucional não tem sido pacífica na jurisprudência, uma vez que, pela não inconstitucionalidade da respon‑sabilidade subsidiária por multas e coimas tributárias, foram proferidos três Acórdãos, em Março de 2009 (n.os 129/2009 e n.º 150/2009) e em Janeiro de 2011 (n.º 35/2011).

Contudo, um Acórdão mais recente (n.º 26/2011, de 12 de Janeiro), publicado em Diário da República, em 9 de Março de 2011, poderá, em conjunto com os dois Acórdãos já atrás referidos (n.os 481/2010 e 24/2011), “desequilibrar” a questão, a favor da inconstitucionalidade da responsa‑bilidade subsidiária por multas e coimas tributárias.

Com efeito, de acordo com a Constituição, o Tribunal Constitucio‑nal poderá declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma, sempre que a mesma norma tenha sido julgada “inconstitucional” por aquele Tribunal em três casos concretos (indepen‑dentemente do número de casos em que a norma tenha sido julgada não inconstitucional), o que se verificou agora, com a prolação deste último Acórdão. Contudo, os referidos (alguns pelo menos) Acórdãos que se pronunciaram pela inconstitucionalidade não terão ainda transitado em

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julgado ‑ encontrando ‑se presentemente a correr recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional ‑, pelo que a questão da inconstitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes por multas e coimas tributárias ficará, ainda, em aberto mais algum tempo, pelo menos até ao trânsito em julgado dos referidos Acórdãos.

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O PRINCÍPIO DA NãO RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL NO CAMPO DA TRIBUTAçãO AUTÓNOMA DE ENCARGOS

COMENTÁRIO AO ACÓRDãO Nº 18/2011 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE 12/01/2011 – PROCESSO Nº 204/2010

Paula Rosado Pereira1

No presente acórdão, o Tribunal Constitucional é novamente cha‑mado a pronunciar ‑se sobre a compatibilidade de uma alteração de regime fiscal com o princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, e ainda com o princípio da protecção da confiança.

Trata ‑se, neste caso, de uma alteração ao regime da tributação autó‑noma incidente sobre as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros. O Tribunal Constitucional pronuncia ‑se sobre a questão da constitucionalidade da norma do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na medida em que faz retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a alteração introduzida pela Lei ao artigo 81.º, n.º 3 do Código do IRC, referente a taxas de tributação autónoma.

A Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, alterou a redacção dos n.os 3 e 4 do então artigo 81.º do Código do IRC, designadamente aumentando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

A referida Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Contudo, o respectivo artigo 5.º determinou que as alterações introduzidas pela Lei ao artigo 81.º do Código do IRC produzissem efeitos desde 1 de Janeiro de 2008.

1 Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogada.

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Deste modo, a Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, ao alterar a redac‑ção dada ao n.º 3 do artigo 81.º do Código do IRC, operou um agravamento da taxa de tributação autónoma aplicável às despesas de representação e aos encargos com certas viaturas. Destacava ‑se a particularidade de, em virtude da retroacção de efeitos da Lei a 1 de Janeiro, tal agravamento ser aplicável aos encargos já realizados pelos contribuintes no decurso do ano de 2008 e até à data de entrada em vigor da Lei.

O acórdão do Tribunal Constitucional foi proferido na sequência de uma impugnação judicial apresentada por um contribuinte, relativamente à liquidação de IRC do ano de 2008, no que respeita à tributação autónoma incidente sobre as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros. O contribuinte invocou a inconstitucionalidade do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na medida em que a aludida norma determinava que o agravamento da taxa de tributação autónoma de 5% para 10%, sobre as despesas e encargos em apreço, produzisse efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008.

Foi, assim, invocada a inconstitucionalidade da norma por:

– Violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consa‑grado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portu‑guesa; e ainda por

– Violação do princípio da protecção da confiança.

O contribuinte obteve decisão favorável do Tribunal Administra‑tivo e Fiscal de Braga, que declarou a inconstitucionalidade material da norma em questão, na parte em que fazia retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a aplicação do novo regime de tributação autónoma resultante da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro.

Na sequência desta decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional.

Este concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, pronunciando ‑se pela não inconstitucionalidade material da norma do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro – o que fez após analisar a questão na perspectiva do princípio da não retroactividade da lei fiscal e também do princípio da protecção da confiança.

Vejamos, então, cada um destes princípios.

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219Comentários de Jurisprudência

Princípio da não retroactividade da lei fiscal

O Tribunal Constitucional entendeu que não se verificava a invocada inconstitucionalidade material por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição. Na sua apreciação, remeteu para a doutrina do Acórdão n.º 399/2010, que considerou inteiramente transponível para o caso vertente.

Recorde ‑se que, no Acórdão n.º 399/2010, de 27 de Outubro de 2010, o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade das alterações introduzidas pela Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, e pela Lei n.º 12 ‑A/2010, de 30 de Junho – respectivamente a criação de um escalão adicional de tributação em sede de IRS, com a taxa de 45%, e o aumento do valor das taxas de todos os escalões de IRS – na sequência de pedido, apresentado pelo Presidente da República, de apreciação sucessiva da eventual incons‑titucionalidade das normas em apreço, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.

Reiterando o entendimento firmado no aludido Acórdão n.º 399/2010 – o qual, por seu turno, já seguia a linha de jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional – este sustentou que o artigo 103.º n.º 3 da Constituição apenas proíbe a retroactividade autêntica ou própria da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. Assim, encontram ‑se excluídas do âmbito da aludida proi‑bição as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram na vigência da lei nova, como sucede quando a lei nova é aprovada até ao final do ano a que corresponde o imposto.

Com base neste entendimento, o Tribunal Constitucional entende que não são inconstitucionais as normas fiscais que produzem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, continuando a formar ‑se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei. É o que sucede relativamente aos impostos periódicos, como o IRS ou o IRC, em que os factos tributários são de formação sucessiva. Trata ‑se, nestes casos, de situações de retroactividade inautêntica, não cobertas pela regra do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.

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220Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Contudo, e salvo melhor opinião, não nos parece correcto concluir que a situação em análise no presente acórdão – relativa à tributação autónoma de encargos – seja similar à do Acórdão n.º 399/2010, nem que a doutrina deste acórdão seja “inteiramente transponível para o caso vertente”, conforme sustenta o Tribunal Constitucional.

Com efeito – e tal como refere o Conselheiro Vítor Gomes, no seu Voto de Vencido – as situações são distintas. Contrariamente ao que ocorre no IRS, objecto do Acórdão n.º 399/2010 – que é um imposto periódico, e em que o facto tributário é de formação sucessiva, só estando integral‑mente concretizado a 31 de Dezembro do ano em causa ‑, na tributação autónoma cada despesa corresponde a um facto tributário autónomo e de formação instantânea. Não se trata, pois, de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas. Precisamente por esta ordem de motivos, não podem ser invocados, na análise das questões de retroactividade no contexto da tributação autó‑noma de encargos, argumentos semelhantes àqueles que são aplicados relativamente aos impostos periódicos.

O Conselheiro Vítor Gomes votou, portanto, no sentido da incons‑titucionalidade, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, da norma do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3 do Código do IRC.

Embora a tributação autónoma de encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respectivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, a tributação autónoma é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. O apuramento do montante tributável em sede de tributação autónoma é uma mera soma de valores correspondentes a factos tributários autónomos (cada despesa ou encargo), para efeitos da aplicação da taxa de tributação autónoma legalmente pre‑vista. Deste modo, na tributação autónoma não existe um facto tributário de formação sucessiva – que apenas está completo no fim do período de tributação, como ocorre nos impostos periódicos –, mas sim um facto tributário de formação instantânea.

Assim, e salvo melhor opinião, a aplicação de um agravamento da taxa de tributação autónoma, relativamente a encargos incorridos previamente à entrada em vigor da nova lei que prevê tal agravamento, corresponde a uma aplicação de lei nova a um facto tributário inteiramente

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ocorrido no passado. Verifica ‑se, portanto, nesse caso, uma situação de retroactividade autêntica, inconstitucional por força do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – tal como foi, aliás, apontado pelo Conselheiro Vítor Gomes no seu Voto de Vencido.

Princípio da protecção da confiança

Mesmo que se estivesse, efectivamente, perante uma situação de retroactividade inautêntica – como sustenta o Tribunal Constitucional – ainda assim a norma em apreço poderia ser inconstitucional em virtude de violação ao princípio da protecção da confiança.

Deste modo, num segundo momento, o Tribunal Constitucional ana‑lisa a questão à luz do princípio da protecção da confiança, o qual postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadão e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado”.

Na linha da sua jurisprudência anterior, igualmente acolhida pelo Acórdão nº 399/2010, o Tribunal Constitucional sustenta que a tutela do princípio da protecção da confiança, na ponderação da eventual inconsti‑tucionalidade de normas dotadas de retroactividade inautêntica, depende da verificação de dois pressupostos essenciais:

“a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda,

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar ‑se prevalecentes (deve recorrer ‑se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)”.

A concretização dos referidos pressupostos depende, nos termos da jurisprudência do Tribunal Constitucional, do preenchimento de quatro requi‑sitos ou “testes”. Deste modo, uma situação só merecerá a tutela jurídico‑‑constitucional da confiança quando, cumulativamente, se verifique que:

– O Estado/legislador encetou comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade;

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– Tais expectativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões;

– Os privados tenham feito planos de vida tendo em conta a pers‑pectiva de continuidade do “comportamento” do Estado;

Não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em pon‑deração, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

Relativamente ao caso em análise, considerou o Tribunal Constitucio‑nal que “por inverificação de dois dos requisitos da protecção da confiança, não há motivo para sustentar ser materialmente inconstitucional a falada norma do artigo 5.º da Lei n.º 68/2008, de 5 de Dezembro”.

Na sua apreciação da questão da tutela da confiança, o Tribunal Constitucional começa por afirmar que “o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afectando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis”.

Passando depois ao “teste” quanto ao preenchimento dos quatro requisitos de que depende a tutela jurídico ‑constitucional da confiança, o Tribunal Constitucional sustenta que:

– No caso em análise não pode afirmar ‑se que o Estado tenha ence‑tado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade da taxa de tributação mais favorável que vinha sendo aplicada;

– Pelo contrário, os contribuintes poderiam sempre contar com a possibilidade de alteração do regime legal de tributação autónoma, com base em razões de interesse público.

Quanto ao primeiro aspecto, afigura ‑se ‑nos que a actuação do Estado susceptível de gerar nos privados expectativas de continuidade de um determinado regime fiscal pode decorrer quer de acções quer de omissões deste. Assim, poderá pelo menos questionar ‑se se o Estado, ao manter em vigor, até ao início de Dezembro de 2008, um determinado regime de tributação autónoma sobre as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros com uma taxa de 5%, não terá assumido um comportamento capaz de gerar nos privados a expectativa de que

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tal regime seria o aplicável relativamente ao ano de 2008 ‑ sobretudo se a tributação autónoma for vista como tendo carácter anual, conforme é pressuposto pelo Tribunal Constitucional.

Relativamente ao segundo aspecto, caberia, eventualmente, efectuar‑‑se uma análise mais detida quanto ao princípio da proporcionalidade – crucial no contexto da prevalência de direitos ou interesses constitu‑cionalmente protegidos sobre as expectativas dos contribuintes relativa‑mente à continuidade de um regime fiscal pelo qual tenham pautado as suas opções de vida. Com efeito – e sem prejuízo da referida prevalência das razões de interesse público – não pode deixar de reflectir ‑se que, em termos gerais, se tal prevalência for automática e desacompanhada de uma análise nos termos do princípio da proporcionalidade, que avalie as circunstâncias do caso, isso acaba por tornar inoperante o princípio da protecção da confiança dos contribuintes relativamente às situações de retroactividade inautêntica.

O Tribunal Constitucional considera ainda que, ao estar ‑se perante encargos que, por natureza, são indispensáveis para a realização dos pro‑veitos ou ganhos que estão sujeitos a imposto, na acepção do artigo 23º, nº 1 do Código do IRC, não é aceitável a alegação de que o contribuinte teria incorrido em despesas, na perspectiva da continuidade do regime legal anteriormente existente, que já não efectuaria caso pudesse contar entretanto com um agravamento da taxa de tributação.

A este propósito, o Tribunal Constitucional afirma que “se essas des‑pesas eram efectivamente necessárias ao desenvolvimento da actividade da empresa e à obtenção do lucro, elas não deixariam de ser realizadas mesmo que fosse já conhecida ou previsível uma alteração da taxa de tributação aplicável”.

Não podemos, salvo o devido respeito, concordar com esta conclu‑são. Defrontando ‑se com um amplo leque de escolhas quanto à forma de desenvolver a sua actividade, o contribuinte tem, em cada momento, que tomar as decisões de gestão que se afigurem mais eficientes e ade‑quadas – designadamente no que toca aos gastos que decide efectuar. Até porque a opção pela realização de um determinado tipo de gasto em prol da actividade desenvolvida envolve sempre um custo de oportunidade, prescindindo ‑se de dar outra utilização aos meios financeiros disponíveis na empresa. Assim, não só o contribuinte tem sempre que fazer escolhas, entre diversos tipos de gastos necessários à actividade, como o juízo de

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eficiência tendente à realização dessas escolhas é viciado pelas alterações imprevistas do regime fiscal que lhes está associado.

Deste modo, não nos parece que o facto de estarmos perante gastos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, na acepção do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, invalide o argumento de que, caso o contribuinte pudesse contar com um agravamento para o dobro da taxa de tributação autónoma incidente sobre as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, teria tomado decisões de gestão diferentes, não incorrendo no mesmo valor de gastos sujeitos à tributação autónoma em apreço.

Além do mais, conforme reconhece o próprio Tribunal Constitucio‑nal, “a nova redacção dada aos n.os 3 e 4 do artigo 81.º pela Lei n.º 60/2008 […] pretende não só desincentivar a realização de despesa como estimular as empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosa do ponto de vista do interesse público”. Ora, a prossecução de tais finalidades não se revela possível no que toca a despesas já realizadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei.

Concluindo, o Acórdão nº 18/2011 confirma ‑nos que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, em matéria de aplicação tanto do princípio da não retroactividade da lei fiscal como da tutela jurídico ‑constitucional da confiança em situações consideradas por aquele tribunal como de retro‑actividade inautêntica, se encontra perfeitamente consolidada. Todavia, é fundamental que a aplicação da linha jurisprudencial já definida assente numa análise das especificidades de cada caso, designadamente no que toca ao seu enquadramento em termos de retroactividade. E que os testes relativos à tutela do princípio da protecção da confiança ‑ mesmo quando se esteja em presença de razões de interesse público para a não continui‑dade de determinado regime fiscal mais favorável, como é característico dos tempos de dificuldade nas finanças públicas ‑ sejam sempre aplicados com pleno respeito pelo princípio constitucional da proporcionalidade.

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ANOTAçãO À PRIMEIRA DECISãO DE UM TRIBUNAL SUPERIOR SOBRE A APLICAçãO DA CLÁUSULA GERAL ANTI ‑ABUSO

COMENTÁRIO AO ACÓRDãO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL DE 15 DE FEVEREIRO DE 2011 (PROCESSO Nº 04255/10)

Pedro Patrício Amorim1

1. Este acórdão2 constitui a primeira decisão de um tribunal supe‑rior sobre a aplicação da designada cláusula geral anti ‑abuso, prevista no número 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária (LGT).

Poderá parecer estranho que, existindo a cláusula geral anti ‑abuso há quase 12 anos3, só agora surja a primeira decisão de um tribunal superior sobre a matéria.

Isto explica ‑se, não pela tão proclamada morosidade dos tribunais tributários, mas pelo facto da Administração Tributária muito raramente lançar mão desta disposição. Tal deve ‑se por diversos motivos, que vão desde a desmesurada profusão de normas específicas anti ‑abuso no nosso ordenamento jurídico4, até à complexidade da fundamentação da decisão da aplicação da norma geral anti ‑abuso.

1 É devido um especial agradecimento ao Drs. Diogo Ortigão Ramos e Pedro Vidal Matos pela profícua discussão sobre as consequências deste acórdão e pela cola‑boração no processo de revisão. As opiniões expressas nesta anotação comprometem apenas o autor.

2 Disponível, em texto integral, no site do ITIJ, em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/4e0ebda5744f203f802568720050bb79?CreateDocument

3 A Cláusula Geral Anti ‑Abuso constava inicialmente do artigo 32º ‑A do Código do Processo Tributário. Com o Decreto ‑Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, foi transposta para a LGT, a sua óbvia sede própria.

4 Como bem destaca Saldanha Sanches (Cfr. J.L. Saldanha Sanches, “Os limites do planeamento fiscal”, 2006, Coimbra Editora, páginas 208, e segs), as normas específicas anti ‑abuso, sobretudo se interpretadas literalmente, podem facilmente subverter alguns princípios fundamentais da tributação do rendimento. Um exemplo, que consideramos par‑ticularmente demonstrativo, é o da aplicação cega do nº7 do artigo 23º do Código do IRC, que conduz a uma discriminação arbitrária do tratamento fiscal de componentes negativas

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Embora seja matéria de particular interesse, sobretudo em sede da análise dos comportamentos da Administração Tributária, dos contribuin‑tes e dos consultores fiscais, a explicitação das razões da muito escassa aplicação da cláusula geral anti ‑abuso ultrapassa manifestamente a eco‑nomia da presente anotação.

O que é certo que a inexistência de casos de aplicação da cláusula geral anti ‑abuso por parte da Administração Tributária, fez com que esta disposição se tenha transformado uma espécie de “espada de Damocles” que pendia sobre os contribuintes5.

Daí que se possa afirmar que a simples existência deste acórdão, mesmo que não concordemos com a decisão em concreto, é bastante relevante, quer para os contribuintes, quer para a própria Administração Tributária.

Para os contribuintes6, este acórdão permite conhecer a forma como a Administração Tributária interpreta, quer a norma procedimental (artigo 63º do CPPT), quer a norma material (número 2 do artigo 38º da LGT).

Para a Administração Tributária, o facto de ter saído vencedora neste processo, confere seguramente algum conforto na aplicação da cláusula geral anti ‑abuso e também deveria, desejavelmente, servir para “arrefe‑cer” os seus ímpetos de criação e aplicação indiscriminada de normas específicas anti ‑abuso7.

dos lucros dos grupos societários aquando da transmissão de partes sociais adquiridas ou alienadas a sociedades do respectivo grupo, em violação dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.

5 Embora, pelo menos os contribuintes mais avisados, já não a levassem muito a sério. Esta situação poderia ter sido invertida, em Junho de 2010, quando foi feita pela DGCI a única divulgação dos esquemas ou actuações de planeamento fiscal tidos como abusivos (ao abrigo do artigo 15º do DL nº 29/2008, de 25 de Fevereiro). Curiosamente, ou talvez não, relativamente a todos os “esquemas” divulgados (apenas 13), entre as “possibilidades de actuação” foi sempre apontada a “eventual aplicação da cláusula geral anti ‑abuso (nº 2 do artigo 38º da LGT”, sempre em conjunto com outras disposições com alguma característica de normas específicas anti ‑abuso (v.g. sobretudo do Código do IRC, nomeadamente o artigo 23º, artigo 51º nº 10 e o artigo 63º).

6 E para os próprios consultores fiscais, que invocam, algumas vezes de forma excessiva, a potencial aplicação da cláusula geral anti ‑abuso.

7 Receamos que tal possa não vir a acontecer, sobretudo no actual contexto de pro‑funda crise económica que está a conduzir a um inevitável decréscimo da receita fiscal

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227Comentários de Jurisprudência

2. Cumpre, antes de mais, precisar que neste recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) estava apenas em causa o Despa‑cho do Director ‑Geral dos Impostos, que autorizou, no caso concreto, a aplicação das disposições anti ‑abuso para efeitos da determinação da matéria colectável em sede de IRC, acto que foi objecto de impugnação pelo contribuinte8.

Significa isto, que a legalidade da liquidação adicional de IRC não foi directamente sindicada pelo TCAS, tendo sido apenas apreciada a autorização de aplicação da cláusula geral anti ‑abuso.

No entanto, ao avaliar o cumprimento dos requisitos especiais de fundamentação previstos no nº 9 do artigo 63º do CPPT, o TCAS pronunciou ‑se efectivamente sobre a existência de “negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurí‑dicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos” (cfr. o nº 2 da mesma disposição legal), uma vez que a existência de tais negócios ou actos jurídicos é uma condição para a autorização prevista no nº 7 do mesmo preceito legal.

3. Recorde ‑se que consagração legal da cláusula geral anti ‑abuso foi uma decisão controversa, criticada por uma parte da doutrina. Sempre sustentamos que tal doutrina não tinha razão9. No entanto, um mérito

(que será seguramente muito significativo nos próximos anos, também ao nível do IRC). É que a aplicação indiscriminada de normas específicas anti ‑abuso conduz a aumentos de cobrança muito mais rápidos, ainda que, em alguns casos, tal aumento pode ser apenas temporário ou mesmo meramente estatístico, por força das reclamações e impugnações dos contribuintes.

8 Através de acção administrativa especial apresentada ao abrigo do nº 10 do artigo 63º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), preceito que estatui que “a autorização referida no nº 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo”. Quanto a este meio de reacção, embora não acompanhemos integralmente o Conselheiro Lopes de Sousa, quando sustenta que o acto de autorização não é um acto imediatamente lesivo (cfr. página 500, do “Código do Procedimento e Processo Tributá‑rio” – Volume II, Áreas Editora, 2006), não podemos deixar de assinalar que esta posição reforça seguramente a bondade da opção do legislador que, ao consagrar expressamente, no artigo 63º do CPPT, a recorribilidade do acto de autorização, pretendeu justamente excluir esta matéria da regra da impugnação unitária, consagrada no artigo 54º do CPPT.

9 Tais críticas denotavam, além do mais, algum “provincianismo fiscal”, porquanto a grande maioria dos países ocidentais ou já tinham cláusulas anti ‑abuso nos respectivos

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teremos de lhe de reconhecer: o de ter levado o nosso legislador a rodear de grandes cautelas a aplicação das disposições anti ‑abuso10.

Tais cautelas estão, sobretudo, reflectidas no procedimento de aplica‑ção das normas anti ‑abuso, constante do artigo 63º do CPPT, que, por força deste contexto histórico, assumiu um carácter marcadamente garantístico.

E foi justamente sobre as duas mais controversas questões suscitadas por este preceito – a caducidade do direito de instaurar o procedimento e a verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti ‑abuso – que incidiu a pronúncia do TCAS no acórdão que agora se comenta.

Antes de passarmos a uma análise mais detalhada dos fundamentos da decisão, não podemos deixar de destacar a invulgar extensão do texto do acórdão, bem como a grande diversidade da doutrina que aí é citada11.

4. Vejamos então os factos que foram a apreciados neste acórdão do TCAS.

Em termos sintéticos, o que estava em causa era um planeamento fis‑cal12 que consistia na interposição de sociedades sedeadas na Zona Franca da Madeira (ZFM) para financiar outras sociedades do grupo, por forma a transformar juros em dividendos não tributáveis, por força do regime da

ordenamentos jurídicos (e.g. Alemanha, França, Espanha, etc.), ou tinham perfeitamente consolidada na jurisprudência a doutrina do abuso comercial, que não atribui relevância às práticas que só visem fins fiscais (e.g. EUA e Canadá).

10 Estas cautelas foram provavelmente excessivas, como bem demonstra a evolu‑ção da cláusula geral anti ‑abuso espanhola (art. 15 da Ley General Tributaria) no sentido da diminuição do ónus probatório da administração tributária. Interrogamo ‑nos mesmo se algum excesso de zelo do nosso legislador não poderá ter originado alguns efeitos per‑versos, nomeadamente a massificação das normas específicas anti ‑abuso.

11 Admitimos que tal se possa ficar a dever à consciência do pioneirismo da deci‑são. Para além de invulgarmente abundante, a doutrina citada para fundamentar a decisão tem também elementos inovadores, inspirando ‑se fortemente numa referência doutrinal que consta de uma apresentação em PowerPoint. Embora o Relator não o refira expres‑samente “o estudo “Cláusulas anti ‑abuso e direitos e garantias dos contribuintes” de CLOTILDE CELORICO PALMA», trata ‑se de uma apresentação desta distinta Professora efectuada na Conferências «Direitos e garantias dos contribuintes e as prerrogativas da Administração Fiscal», promovidas pela CTOC (hoje OTOC) em Julho de 2007 (confe‑rências onde também participamos, desenvolvendo o tema das “Penhoras Electrónicas”). O ficheiro da apresentação está, ainda hoje, disponível no seguinte endereço http://www.otoc.pt/noticias_site/detalhes.php?id=5547&t=Q29tdW5pY2Fkb3M=

12 Relativamente popular no final da década de 90 do século passado.

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eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, então constante do artigo 46º do Código do IRC13.

O TCAS considerou que a Autora (a empresa Recheio) usou a socie‑dade PSQ (“empresa sedeada na Zona Franca da Madeira, isenta de I.R.C. ao abrigo do disposto no art.º 41, n.º 1”), para conceder emprésti‑mos a outras empresas do grupo e que, a troco dos empréstimos, recebia juros isentos que posteriormente passava ao Recheio como dividen dos não tributáveis.

Por isso o tribunal considerou que, sem a interposição da PSQ, a Re cheio teria recebido “juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da Autora nos termos do art.º 20, n.º 1, al. c)”, em vez de “divi‑dendos dedutíveis ao abrigo do art.º 46, do C.I.R.C.”

Para reforçar a sua argumentação, o tribunal deu como provados os factos aduzidos pela Administração Tributária14, nomeadamente os apresentados no sentido de demonstrar que a PSQ era uma “socie dade instrumental”, como seja o facto dos respectivos gerentes serem “pagos directamente pela Jerónimo Martins Serviços ou pela Jerónimo Martins, SGPS, S.A, empresa que detém 84% da Recheio e 89% da PSQ".

A Autora argumentou que o que esteve em julgamento foram factos ocorridos entre 1995 e 1997, altura em que a Recheio transferiu prestações suplementares para a PSQ, situada na Zona Franca da Madeira. E, assim sendo, quando em 2004 a Administração Tributária iniciou o procedimento de aplicação das normas anti ‑abuso, já tinha decorrido o prazo de três anos, previsto no nº 3 do artigo 63º do CPPT.

O TCAS não concordou com esta leitura do preceito, considerando que "a contagem de tal prazo só se pode iniciar aquando da dedução

13 De referir que, com a Lei n.º 55 ‑B/2004, de 30 de Dezembro (que aprovou o Orça‑mento do Estado para 2005), ocorreu uma significativa alteração ao artigo 46º do Código do IRC, através do aditamento de um nº 10, com a seguinte redacção: “O regime estabe‑lecido neste artigo não se aplica, procedendo ‑se, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto, quando se conclua existir abuso de formas jurídicas dirigidas à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos, o que se verifica quando os lucros distribuídos não tenham sido sujeitos a tributação efectiva ou tenham origem em rendimentos aos quais esse regime não seja aplicável”.

14 Destaca ‑se que a decisão de aplicação da cláusula geral anti ‑abuso foi juridica‑mente fundamentada por um parecer do Centro de Estudos Fiscais, datado de 3.8.2004, parcialmente transcrito no acórdão.

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dos dividendos, porque só nesse momento é que se torna evidente que a operação foi feita com o intuito de evitar pagar imposto. Como os referi‑dos dividendos foram distribuídos entre 2000 e 2002, é esse o prazo que deve servir para começar a contar o prazo de notificação (que ocorre em 2004). Considera ‑se que o que está aqui em causa é uma sucessão de actos/negócios coordenados entre si, que, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal".

A Autora alegou ainda que a interpretação do nº 2 do artigo 38º da LGT adoptada pela Administração Tributária “condiciona a sua liber‑dade de gestão empresarial e a tomada de opções que visam obter todas as vantagens fiscais possíveis” e que, por isso, violaria o disposto no artigo 103º da CRP.

O TCAS rechaçou também esta linha de argumentação, conside‑rando que não sendo o direito à gestão empresarial absoluto, este tem de subordinar ‑se ao interesse geral da sociedade, à equilibrada concorrência entre empresas, e às necessidades de arrecadação de receita.

E vai mesmo mais longe15, ao considerar que “pretender, como pre‑tende a A. tentar iludir a fuga ao Fisco como se tratasse de um ataque do R. à boa gestão e liberdade negocial apenas pode ser interpretado como um expediente destinado a evitar a realização da justiça e a descoberta da verdade material sendo, outrossim, descabida a afirmação da A. de que com a sua actuação a AT violou o princípio da boa fé e de que devia esta identificar o negócio que ficou oculto.”

5. Cumpre, em primeiro lugar, analisar se andou bem o TCAS ao con‑siderar que o direito à aplicação da norma anti ‑abuso ainda não tinha cadu‑cado em 2004, ano em que a Administração Tributária encetou o procedi‑mento de aplicação das normas anti ‑abuso previsto no artigo 63º do CPPT.

O nº 3 artigo 63º do CPPT determina que este procedimento “pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebra‑ção do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso”.

15 Interrogamo ‑nos se não terá ido longe de mais em algumas apreciações que extravasam manifestamente a apreciação jurídica dos factos, em linha com uma corrente jurisprudencial recente (nos últimos tempos, também bem visível no Tribunal Constitu‑cional), de cunho mais “justiceiro” que jurídico.

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231Comentários de Jurisprudência

Na nossa opinião, do texto deste preceito resulta claramente que, três anos depois da realização do acto ou negócio jurídico fraudulento e artificioso que pode ser desconsiderado pela Administração Tributária, os efeitos jurídicos desse mesmo acto ou negócio consolidam ‑se no que concerne às suas consequências fiscais. Ou seja, tais efeitos tornam ‑se irrevisíveis à luz dos preceitos que regem a matéria do abuso de direito na área da fiscalidade, deixando os correspondentes actos ou negócios de poderem ser “objecto da aplicação das disposições anti ‑abuso”.

Entendemos, assim, que o nº 3 do 63º do CPPT nada mais é que uma regra especial de caducidade, que encontra plena justificação nos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica.

Ou seja, estamos perante uma daquelas situações em que o princípio da segurança jurídica necessariamente impõe a estabilidade das relações jurídico ‑tributárias.

Não nos parece que, face ao texto da lei, seja possível atender a qualquer outro critério, nomeadamente ao critério dos próprios “efeitos do acto”, que o TCAS adoptou para fundamentar a decisão ora em apreciação.

Não vale a pena especular grandemente sobre esta questão. É que nem o texto da lei o permite (a norma procedimental, tal como a norma material, está centrada no acto ou negócio jurídico e utiliza intencional‑mente as expressões “celebração do negócio” e “realização do acto”), nem a sua ratio o autoriza (a norma é marcada pela obtenção da segurança jurídica pela passagem de um certo período de tempo após esses mesmos actos, independentemente dos seus efeitos).

Se assim não fosse, como em muitos casos os efeitos se podem pro‑longar ao longo do tempo, a função garantística do prazo seria subvertida por completo16.

Para estes casos, uma vez que a situação se encontra consolidada, apenas a mudança da lei sem efeitos retroactivos17, poderá evitar a econo‑mia fiscal considerada indevida.

16 Conduzindo mesmo, em muitos casos, a prazos de abertura do procedimento de aplicação das normas anti ‑abuso muito mais longos que os actuais prazos de caducidade e prescrição.

17 Como aliás veio efectivamente a ocorrer, com o aditamento de um nº 10 ao artigo 46º do IRC, efectuado pela Lei n.º 55 ‑B/2004, de 30 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2005).

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De resto, foi esta a posição tomada pela Administração Tributária no Parecer n.º 350/200318, em de sede do qual, embora a questão do prazo tenha sido tratada de forma acidental, é afirmado claramente, na conclusão b), que “a referida cláusula só pode ser aplicada em procedimento autónomo a iniciar nos três anos posteriores ao referido negócio jurídico”.

Ora, no caso em apreciação, em 2004, estavam já integralmente realizados, há mais de três anos, os actos e negócios jurídicos que a Admi‑nistração Tributária considerou (e demonstrou) serem abusivos.

O TCAS tentou contrair semelhante entendimento, afirmando que o texto do nº 3 artigo 63º do CPPT, não afasta a possibilidade do proce‑dimento de aplicação das normas anti ‑abuso poder ser iniciado apenas quando os fins de elisão fiscal sejam “determináveis qualitativamente e quantitativamente” (no caso através do acto de dedução dos dividendos), de acordo com a denominada "step transaction doctrine".

Por muito que possamos reconhecer a bondade de tal doutrina19, o certo é que esbarra frontalmente com o texto da lei que, como vimos, está centrada no acto ou negócio jurídico e utiliza as expressões “celebração do negócio” e “realização do acto” e não as expressões “efeito do negócio” ou “finalidade do acto”.

Sendo a letra da lei incontornável, há que atender ao disposto no nº 2 do artigo 9º do Código Civil20, onde se dispõe que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfei‑tamente expresso.”

18 Parecer n.º 350/2003, de 24.10.2003, da Direcção dos Serviços de Justiça e do Contencioso, da autoria de António Lima Guerreiro (disponível na InforFisco).

19 Pensamos que o nº 3 do artigo 63º do CPPT deveria ser reformulado no sentido de alargar o prazo de três anos, ou a sua forma de contagem, permitindo minimamente a aplicação da “step transaction doctrine” (embora rodeado de algumas cautelas para evi‑tar alguns “excessos” da Administração Tributária). Esta reformulação poderia mesmo passar pela sua eliminação e consequente alteração das regras de caducidade dos arti‑gos 45º e 46º da LGT.

20 Aplicável por força do nº 1 do artigo 11º da LGT que determina que “na deter‑minação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplica‑ção das leis”

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233Comentários de Jurisprudência

Parece ‑nos assim, salvo melhor, que andou mal o TCAS quando considerou que o prazo para a abertura do procedimento de aplicação das normas anti ‑abuso não se encontrava já esgotado em 2004.

6. Em segundo lugar, cabe apreciar a avaliação que o TCAS fez dos “negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos”, uma vez que a existência de tais negócios ou actos jurídicos é uma condição para que possa ser concedida a autorização de aplicação das normas anti ‑abuso, prevista no nº 7 do 63º do CPPT.

Também aqui a decisão do tribunal nos suscita bastantes reservas, que de seguida explicitaremos de forma necessariamente sintética.

A primeira reserva prende ‑se com uma circunstância óbvia – o facto de o TCAS parecer ter ignorado que a Zona Franca da Madeira (ZFM) é, acima de tudo, um instrumento de concorrência fiscal do Estado português, aprovado pela Comissão Europeia como um regime de ajudas de Estado21.

A ZFM constitui um regime de benefício fiscal especial para as empresas que aí operem, caso tais empresas satisfaçam determinadas condições22.

Assim, a Administração Tributária deveria, antes de mais, ter apu‑rado se a sociedade sedeada na ZFM reunia ou não todos os pressupostos para aí se encontrar instalada, e se a sua actividade respeitava ou não os requisitos que conferem o direito à isenção.

E questão era muito simples: se não estava devidamente instalada ou não preenchia os requisitos, estava sujeita a imposto. Se estava devi‑damente instalada e preenchia todos requisitos, não vemos como possa estar sujeita a imposto nem como a sua actividade possa ser considerada abusiva.

21 Nos termos dos artigos 107º e 108º do Tratado sobre o Funcionamento da EU (TFUE).

22 A economia da presente anotação impede ‑nos sequer de elencar tais condições. Para uma visão panorâmica do regime da ZFM vigente em 2004 ver, entre outros: João Fernandes (“Regi‑mes especiais instituídos pela nova legislação no âmbito da Zona Franca da Madeira”, Fisco nº 58 (Out. 1993) págs. 26 ‑34) e Rui Barreira (“Problemas do regime fiscal da zona off ‑shore da Madeira”, Fisco nº 33 (JULHO 1991) Págs. 18 ‑21) .

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A segunda reserva prende ‑se com outra circunstância que, no nosso entender, é também bastante óbvia.

Se o aproveitamento do benefício fiscal concedido às empresas que operam na ZFM para beneficiar da aplicação do artigo 46º fosse abusivo, o novo nº 10 do artigo 46º do Código do IRC23 teria sido redundante e nada teria justificado a sua introdução.

A Administração Tributária poderia sempre reagir, contra comporta‑mentos semelhantes aos que constam do acórdão em apreciação, mediante a simples invocação da cláusula geral anti ‑abuso.

Qual o sentido de uma alteração legislativa em 2005 se o comporta‑mento, apontado pela Administração Tributária como tendo ocorrido entre 2000 e 2002, já era susceptível de desconsideração por meio da invocação da cláusula geral anti ‑abuso?

Na verdade, parece poder concluir ‑se que, antes da aprovação do nº 10 do artigo 46º do Código do IRC, tais comportamentos não eram pura e simplesmente passíveis de desconsideração. Tendo sido por esta razão, e com essa finalidade, que o legislador introduziu no final de 2004 (para produzir efeitos a partir de 2005) o novo n.º 10 do artigo 46º do Código do IRC.

Ao agir contra comportamentos anteriores, depois de ter reconhecido a necessidade de lei expressa, o Estado parece estar, paradoxalmente, a venire contra factum proprium.

Ao modificar a lei, passando exigir especificamente como condição de aplicação do artigo 46º do Código do IRC a não existência “de abuso de formas jurídicas”, o legislador veio reconhecer que, nesta matéria, a situ‑ação jurídica dos contribuintes só podia ser alterada por alterações legisla‑tivas que, por imposição constitucional, apenas se aplicam para o futuro24.

7. Este acórdão suscita seguramente muitas outras interrogações, que bem merecem posteriores aprofundamentos.

23 Aditado pela Lei n.º 55 ‑B/2004, de 30 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2005).

24 Recorde ‑se que o legislador do Orçamento do Estado para 2005 nunca pretendeu conferir ao nº 10 qualquer efeito retroactivo ou mesmo interpretativo, pelo que não está aqui em causa a recente (e controversa) jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o sentido da proibição expressa da retroactividade, introduzida no nº 3 do artigo 103º da CRP pela Revisão de 97.

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De qualquer modo, espera ‑se que outras decisões de aplicação da cláusula geral anti ‑abuso que a Administração Tributária venha a tomar (ou já tenha tomado), não incidam apenas sobre a aplicação do artigo 46º do Código do IRC por entidades sedeadas na ZFM. O nº 2 do artigo 38º da LGT tem seguramente outras aplicações bem mais adequadas e prementes.

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CLÁUSULA GERAL ANTI ‑ABUSO – OPUS I

COMENTÁRIO AO ACÓRDãO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL DE 15 DE FEVEREIRO DE 2011 (PROCESSO Nº 04255/10)

Nuno Oliveira Garcia e José Almeida Fernandes

SUMáRIO PARCIAL:

«O elemento sancionatório ínsito na referida estatuição é a ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à Adm. Fiscal, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão, os quais se verificaram no caso vertente, porquanto:

a) Os negócios jurídicos em causa nos presentes autos prendem ‑se com os emprésti‑mos realizados pela A. a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial, através de uma sua participada, de forma pré ‑planeada, como o demonstra o facto de, em regra, a canalização dos fluxos financeiros da A. para aquela empresa serem seguidamente remeti‑dos às empresas terceiras beneficiárias de tais empréstimos, igualmente se devendo levar em consideração que os gerentes de tal participada eram quadros integrados no grupo empre‑sarial em causa, o que lhes permitia tomar as deliberações adequadas e oportunas relativa‑mente aos empréstimos a conceder, tudo visando a minimização dos impostos a suportar.

b) O segundo pressuposto também se verifica já que foi utilizada a situação tributária da empresa participada, a qual beneficia de isenção de IRC (no âmbito do desenvolvimento das suas actividades na Zona Franca da Madeira – cfr. Decreto Regulamentar n.º 53/82, de 23/8), para efectuar os empréstimos de capitais a entidades terceiras e beneficiando da correspondente recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis ao abrigo do art. 46.º do CIRC, em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. nos termos do art. 20.º, n.º 1, al. c), do CIRC.

c) Também no caso concreto ocorre o terceiro pressuposto, pois a motivação fiscal do contribuinte assentou no facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal e está demonstrado que, de modo deliberado a A. utilizou a sua comparticipada para conceder os empréstimos a outras empresas por forma a socorrer ‑se do seu estatuto de isenção em sede de IRC para eliminar a tributação fiscal, convertendo os juros pagos em resultado de tais empréstimos em dividendos, dedutíveis ao abrigo do art. 46.º do CIRC.

d) Por fim, quanto ao quarto pressuposto, que se liga à reprovação normativo‑‑sistemática da vantagem obtida (cfr. art. 63.º, n.º 2, do CPPT), o comportamento da A. revela ‑se anti ‑jurídico, atento o espírito da norma isentadora do imposto (cfr. Decreto Regulamentar n.º 53/82, de 23/8), desde logo, porque a única actividade económica que a dita participada desenvolve na Zona Franca da Madeira consiste na aplicação das

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prestações suplementares que a mesma recebe da A. e transfere de seguida para entidades terceiras, não possuindo quaisquer meios físicos para a prossecução do seu objecto social.

Esta concepção anti ‑juridicista é a também acolhida ao nível das instâncias juris‑dicionais comunitárias manifestada na prolação de diversos acórdãos do TJCE, em que pontifica o acórdão «Cadbury Schwepps», respeitante ao processo C ‑196/04, de 12/9/2006, no qual se decidiu que quando a minimização da tributação «diga apenas respeito aos expedientes puramente artificiais destinados a contornar o imposto nacional normalmente devido não deverá aceitar ‑se a posição do sujeito passivo, a não ser que seja demonstrado que a referida sociedade controlada está realmente implantada no Estado ‑Membro de acolhimento e aí exerce actividades económicas efectivas», o que não sucede no caso em apreciação, como o revela a materialidade apurada.

A interpretação da norma constante do art. 38.º, n.º 2, da LGT, deve ser operada em conformidade com a Constituição, sob pena de declaração da inconstitucionalidade da mesma, nomeadamente devido à violação do disposto no art. 103.º da Constituição da Repú‑blica, o que passando muito embora pelo respeito pela liberdade de opção quanto às formas de gestão empresariais visando obter todas as vantagens fiscais possíveis, assim devendo ser restringidas as limitações públicas a tal liberdade de opção empresarial, não deve ser entendida como um direito absoluto, mas apenas aceitável no plano de razoabilidade com base num relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à óbvia constatação da existência de direitos conflituantes (cfr. art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República).

Comentário

Mais de uma década depois da introdução no ordenamento nacional – primeiro no CPT no artigo 32.º ‑A e depois no n.º 2 do artigo 38.º da LGT – de uma norma que seria rapidamente baptizada pela doutrina por «cláusula geral anti ‑abuso» (adiante apenas CGAA), surge publicada a primeira deci‑são de um tribunal relativamente a um processo no qual a Administração fiscal invocou a referida norma. Trata ‑se, também, de uma das primeiras decisões a versar sobre o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, apesar do disposto neste artigo se referir genericamente a «disposições antiabuso» (cit., itálico nosso) enquanto «quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia […] de negócios ou actos celebrados com manifesto abuso» (cit., itálico nosso) pressupondo a sua utilização para outros casos que não apenas os fundados na aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT.1

1 Com muito menor desenvolvimento, e sobre a (não) aplicação do artigo 63.º do CPPT ao disposto na norma anti ‑abuso relativa a pagamentos a entidades não residentes sujeitas a regime fiscal privilegiado, v. o acórdão do STA de 28 de Maio de 2008 no pro‑cesso n.º 188/08.

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Vejamos de seguida, sucintamente, os cinco pontos que consideramos essenciais neste importante acórdão do TCA ‑Sul, começando (i) por referir o procedimento próprio referido no artigo 63.º do CPPT, (ii) indagando, depois, sobre o conceito anglo ‑saxónico de step transaction e a sua utili‑zação na determinação do momento a partir do qual se inicia o período de contagem do prazo especial de caducidade do procedimento da CGAA, e (iii) analisando criticamente o modo como o TCA ‑Sul lidou com o jul‑gamento da matéria de facto. Faremos também (iv) uma breve referência aos elementos da CGAA considerados no acórdão, e terminaremos com (v) um enfoque no direito comunitário recorrendo a recentes decisões do Tribunal de Justiça.

1. O objecto do acórdão em análise é o «despacho do Director ‑Geral dos Impostos […] que autorizou a aplicação das disposições anti ‑abuso» (cit.), acto esse que decorre da necessidade imposta pelo n.º 7 do artigo 63.º do CPPT de uma prévia e obrigatória autorização da aplicação da CGAA pelo dirigente máximo do serviço e que a lei qualifica como um acto destacável ao expressamente estipular, no n.º 10 do artigo 63.º do CPPT, que é esse acto passível de recurso contencioso autónomo.2

2 Um caso de recurso autónomo consagrado pela jurisprudência ocorreu no âmbito do regime de consolidação aplicável a grupos de empresas que vigorou até 2001, tendo‑‑se fixado o entendimento de que o acto que procedeu à cessação do regime era passível de recurso, não cabendo reagir dos actos de liquidação adicional resultantes dessa ces‑sação (com a excepção de eventuais vícios próprios) – assim, entre outros e por todos, v. os acórdãos do STA no processo n.º 0531/02, de 10 de Julho de 2002 e no processo n.º 0714/04, de 11 de Abril de 2004. Este entendimento resultou do facto do Código do IRC, no âmbito do extinto regime de consolidação, fazer depender a aplicação deste regime de uma autorização do Ministro das Finanças (era o disposto no então artigo 59.º do Código do IRC), havendo também lugar a um acto expresso de cessação. Ao invés, o vigente Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos actuais artigos 69.º a 71.º do Código do IRC, não está subordinado a nenhuma autoriza‑ção do Ministro das Finanças ou da Administração fiscal, não se verificando a existência de qualquer acto autónomo de cessação do regime especial. Nesta medida, e apesar das evidentes vantagens a nível da celeridade e coerência processuais patentes no anterior regime (i.e., recurso do acto de cessação e discussão das liquidações adicionais quanto a eventuais vícios próprios), a actual configuração legal apenas permite a reacção às liqui‑dações adicionais decorrentes da cessão do RETGS.

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A necessidade de assegurar que na aplicação da CGAA se respeita, dada a sua natureza operativa específica, em particular, o princípio da segurança jurídica, impeliu o legislador no sentido do reforço das garantias dos contribuintes mediante a definição de um iter procedimental próprio com acrescidas exigências formais.

Contudo, refira ‑se que, na lição do Juiz ‑Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, «os efeitos do acto do dirigente máximo do serviço consistem em permitir, sem impor, à entidade que dirige o procedimento que faça aplicação da disposição antiabuso e, por isso, não resulta dele a definição da posição definitiva da Administração perante o contribuinte» (cit.).3

Nessa medida, importa precisar que no presente acórdão não se dis‑cute a legalidade do acto de correcção da matéria tributável e a subsequente liquidação adicional decorrente da aplicação da CGAA, o qual deverá ser objecto de impugnação contenciosa em sede própria.

Mais, a impugnação de ambos os actos – o acto de autorização pelo dirigente máximo dos serviços e o acto de aplicação da CGAA – pode ocorrer em simultâneo, sem que haja qualquer obstáculo a que um seja apreciado antes de outro e muito menos que exista qualquer situação de litispendência entre essa duas possíveis impugnações judiciais dada a necessária autonomia de vícios. Os vícios que podem afectar o acto des‑tacável apenas podem ser impugnados na impugnação desse mesmo acto destacável e não também no acto consequente de aplicação da CGAA. Apenas existirá uma eventual relação de prejudicialidade decorrente do facto de um possível anulação do acto destacável de autorização em que se baseou a aplicação da CGAA acarretar a nulidade superveniente deste último acto.4

Deste modo, a decisão do presente acórdão não prejudica que em sede de impugnação judicial do acto de liquidação consequente da aplicação da CGAA se venha a entender diferentemente que a aplicação da CGAA encontra ‑se ferida de uma possível ilegalidade à luz da análise dos vícios

3 Cfr. Jorge Lopes de Sousa (Lisboa, 2006) Código do Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado,5 I Vol., p. 500.

4 Cfr. Jorge Lopes de Sousa (Lisboa, 2006), pp. 868 ‑869, relativamente à impugna‑bilidade do acto de destacável de fixação da matéria colectável e a sua relação com a impugnação do consequente acto de liquidação, considerações essas que por eadem ratio são também aplicáveis à relação entre o acto destacável de autorização da aplicação da CGAA e o consequente acto de liquidação decorrente dessa aplicação.

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próprios desse acto. O título da presente anotação é, pois, justificado precisamente porque esta é provavelmente apenas a primeira opus sobre a matéria…

2. Importa agora realçar, ainda que de forma sucinta, a recepção do conceito anglo ‑saxónico de construção jurisprudencial step transaction pelos nossos tribunais, o qual parece, aliás, decisivo pelo Tribunal para efeitos de determinação do momento a partir do qual se deve iniciar o período de contagem do prazo de caducidade especial constante do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT. O TCA ‑Sul é claro nesta matéria ao afirmar que a data relevante para a contagem desse prazo de caducidade é a data do último negócio jurídico dessa step transaction – no caso, «a data da recep‑ção dos acréscimos patrimoniais como dividendos» (cit.) – sendo que é essa a data (e não o final do exercício em sede de impostos periódicos ou de cumprimento das obrigações declarativas referentes a essa transacção) a data inicial de contagem.

Apesar de introduzida neste acórdão, a plena recepção do conceito de step transaction precisará, parece ‑nos, ainda de desenvolvimento adicional pela nossa jurisprudência5, porque, por exemplo, pode ‑se legitimamente questionar se identicamente a natureza não abusiva de uma transacção analisada na sua totalidade poderá ser invocada pelos contribuintes6 e aceite pelos nossos Tribunais para obstar à aplicação de normas anti ‑abuso

5 Desde logo, a necessidade de desenvolver critérios para definir quando um conjunto de transacções é passível de ser entendido de forma compósita, o que no contexto da jurisprudência americana deu origem aos denominados binding agreement, mutual interdependence e end result tests para densificar a step transaction doctrine ou, na jurisprudência inglesa, resultou na criação de uma doutrina própria anti ‑abuso sujeita a quatro requisitos discriminados do seguinte modo: «(1) that the series of transactions was, at the time when the intermediate transaction was entered into, pre ‑ordained in order to produce a given result; (2) that the transaction had no other purpose than tax mitigation; (3) that there was at that time no practical likelihood that the pre ‑planned events would not take place in the order ordained, so that the intermediate transaction was not even contemplated practically as having an independent life, and (4) that the pre ‑ordained events did in fact take place» – Craven v. White [1989] AC 398 (HL), pp. 514 (cit.).

6 Cfr. J.E. Seagram v. Commissioner [104 T.C. (1995)] que, a título de exemplo, ilustra um caso nos EUA em que o contribuinte procura aplicar a step transaction doctrine no contexto de um litígio sobre o tratamento de uma reestruturação para obter uma determinada caracterização fiscalmente mais favorável.

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(v.g., normas específicas) a alguns dos passos intermédios dessa transacção que sejam isoladamente passíveis de um juízo de artificialidade.

3. Quanto à discussão da matéria de facto, e não obstante não dis‑pormos de elementos que permitam discordar do julgamento efectuado, a sensibilidade do tema do abuso em matéria fiscal sugere ‑se ‑nos que a apreciação da factualidade deve ser cuidada e pormenorizada. Na verdade, se como o próprio TCA ‑Sul reconhece, o cerne da questão passa por decidir se o Autor agiu contra legem ou extra legem (na distinção entre fraude e abuso), não se vê como tal exame possa dispensar a meticulosa verificação de todos os elementos invocados por ambas as partes.

Não se discute, certamente, o princípio da livre apreciação do julga‑dor. Todavia, um processo que depende da íntima convicção do juiz perante um conjunto de operações comerciais válidas afigura ‑se incompatível, quer com a não pronuncia sobre a totalidade dos factos invocados, quer com adopção de fórmulas gerais que instigam a uma análise dos factos menos precisa com seja a remessa para a factualidade expressa no relatório da Inspecção Tributária.

In casu, o julgamento da matéria de facto, sobretudo no âmbito da primeira instância, parece ter não sido completamente sensível a duas preocupações muito actuais em matéria de fundamentação do juízo pro‑batório. Uma dessas preocupações é que a convicção do juiz não pode ser um estado de fé, impondo ‑se sim como um estado crítico.7 É, por isso, que o julgador não pode limitar ‑se a aderir a uma das teses (cfr. artigo 158.º, n.º 2, do CPC), mas antes indicar os fundamentos que demonstrem a rea‑lização de uma reflexão independente às teses das partes.

A segunda preocupação é que a necessária íntima convicção do juiz – fórmula que o acórdão do TCA ‑Sul repete em defesa do juízo da primeira instância – não é hoje outra coisa que a prudente convicção do juiz acerca de cada facto. Ora, a prudente convicção sobre cada facto implica não só a análise crítica de todos os factos invocados pelas partes, mas também a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador, posto que a convicção não dispensa a análise crítica das provas, a sua valoração, e a justificação do valor relativo que atribuiu a cada meio ou elemento de prova. Da leitura do

7 Cfr. Marta João Dias, «A fundamentação do juízo probatório – Breves conside‑rações, in Julgar n.º 13 (2011), pp. 175 ‑199, p. 178.

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acórdão em análise fica ‑se com a sensação que pouco dessa valoração foi efectuada (ao que acresce o facto do TCA ‑Sul não ter superado a inércia da decisão anterior).

Isto não significa que nos inclinemos para um caso de nulidade de sentença, tal como alegado pela recorrente, mas sim que o grau de exi‑gência no juízo probatório deve ser sempre altíssimo e não vemos como, em matéria de abuso de direito, tal grau de exigência possa ser menor, bem pelo contrário.

Quanto maior é margem de actuação criada pelo legislador fiscal maior é a necessidade de uma decisão que escrutine exaustivamente os pressupostos e a fundamentação da actuação administrativa. A existência de uma norma geral anti ‑abuso (como seja o n.º 2 do artigo 38.º da LGT) pressupõe, mais ainda do que deve suceder com as cláusulas anti ‑abuso específicas,8 um exigente exame judicial à sua aplicação concreta.

4. O TCA ‑Sul, aderindo à matriz analítica do tribunal de primeira instância, interpretou a CGAA como consagrando quatro pressupostos para sua aplicação (i.e., a verificação dos elemento meio, resultado, intelectual e normativo), na esteira do defendido na doutrina nacional por Gustavo Lopes Courinha.9

Apesar de ser sempre passível de discussão a exacta configuração dos pressupostos da CGAA – empresa dificultada pela própria tentativa de síntese de diferentes doutrinas sobre a conceptualização do abuso no direito fiscal presente na nossa CGAA –, admite ‑se que a opção pelo recurso à verificação dos elementos efectuada como operativa. Mas, já na sua concreta aferição afigura ‑se que a análise jurisprudencial poderia ser mais precisa e detalhada dado que, em grande medida, a aparente cons‑tatação da verificação dos pressupostos parecer decorrer da impressiva constatação da existência de transacções com uma empresa residente na Zona Franca da Madeira e desta beneficiar aí de um regime de isenção, o que se afigura por si só insuficiente.

8 Mais a mais quando algumas das normas anti ‑abusos existentes no nosso orde‑namento jurídico carecem de ser interpretadas de forma restritiva, como se procurou demonstrar em Nuno de Oliveira Garcia, «Prejuízos, Menos e Mais ‑Valias – Casos de Aplicação de Normas Anti ‑Abuso Específicas no Código do IRC», in Fiscalidade, n.º 29 (2007), pp. 105 ‑125.

9 Cfr. Gustavo Lopes Courinha (Coimbra, 2009) A Cláusula Geral Anti ‑abuso no Direito Tributário,2 pp. 167 a 197.

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Raciocínio particularmente evidente quando se afirma que existe um comportamento anti ‑jurídico decorrente, em grande medida, da pretensa utilização abusiva da isenção concedida às sociedades da Zona Franca Madeira decorrente da simples opção do contribuinte de recorrer a uma sociedade sujeita a esse regime de tributação. Mas, o legislador português, de forma consciente e assumida, aceita que sociedades residentes em Por‑tugal detenham sociedades que se encontrem licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira e beneficiar do regime especial previsto para essas sociedades. E, também de forma consciente e assumida, permitia em 2000, 2001 e 2002, que as sociedades residentes em Portugal beneficiassem do regime da eliminação da dupla tributação económica relativamente aos rendimentos distribuídos por sociedades instaladas na Zona Franca da Madeira. Razão pela qual se poderia mesmo discutir se o caso em análise não corresponderia, afinal, a uma lacuna (intencional?) do nosso sistema tributário, sendo que certamente não deve a CGAA ser a forma adequada de proceder à integração dessa lacuna.

5. O TCA ‑Sul invoca ainda a jurisprudência comunitária, em con‑creto o acórdão Cadbury ‑Schewepps (C ‑196/04), a qual pode revelar‑‑se efectivamente um instrumento útil para a nossa jurisprudência na análise das questões suscitadas pelo fenómeno do abuso de direito no domínio tributário. Mas, não se deve olvidar que a matéria do abuso de direito foi objecto de desenvolvimento subsequente desde o acórdão Cadbury ‑Schewepps. Concretamente, quanto à densificação do conceito de «expediente puramente artificial», expressamente citado pelo TCA‑‑Sul, decorre hoje da própria jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que o simples facto de uma sociedade ser caracterizada como uma «caixa de correio» (letterbox) pode ser insuficiente para um juízo negativo de carácter abusivo,10 porque uma análise de substância

10 Cfr. Acórdão Eurofood IFSC (C ‑34/04) em que se decidiu que «a presunção sim‑ples prevista pelo legislador comunitário em favor da sede estatutária dessa sociedade só pode ser ilidida se elementos objectivos e determináveis por terceiros permitirem con‑cluir pela existência de uma situação real diferente daquela que a localização da referida sede é suposto reflectir […] Tal pode ser, nomeadamente, o caso de uma sociedade «caixa de correio», que não exerce qualquer actividade no território do Estado‑Membro onde está situada a sua sede estatutária […] quando uma sociedade exerce a sua actividade no território do Estado‑Membro onde se situa a respectiva sede estatutária, o simples facto

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económica deve ser apropriada ao tipo de actividade das sociedades e evidentemente que determinadas actividades podem ser prosseguidas sem a necessidade meios humanos ou físicos relevantes (v.g., caso das sociedades gestoras de participações sociais), sendo igualmente irrelevante se uma sociedade realiza ou não determinadas transacções no quadro das suas transacções comerciais normais11. Recentemente, no acórdão RBS Deutschland (C ‑277/09) o Tribunal de Justiça reafirmou que «o facto de os serviços terem sido fornecidos a uma sociedade estabelecida num Estado ‑Membro por uma sociedade estabelecida noutro Estado ‑Membro e de os termos das transacções realizadas terem sido escolhidos em fun‑ção de considerações próprias dos operadores económicos interessados não pode ser considerado constitutivo de um abuso de direito […] que os sujeitos passivos têm geralmente a liberdade de escolher as estruturas organizacionais e as modalidades transaccionais que considerem mais adequadas às suas actividades económicas e com o objectivo de limitar os seus encargos fiscais» (cit., § 52 a 53, itálico nosso).

Nota final

O acórdão do TCA ‑Sul n.º 04255/10, de 15 de Fevereiro de 2011, versa sobre a autorização da aplicação da CGAA. Trata ‑se da primeira decisão publicada, sendo susceptível de se identificar nela algumas maté‑rias sensíveis que, certamente, serão abordadas noutros processos nos quais igualmente esteja em causa a aplicação da CGAA.

Dois desses aspectos são essencialmente formais, e respeitam ao procedimento próprio previsto no artigo 63.º do CPPT e no prazo especial de caducidade previsto no n.º 3 deste artigo. Quanto ao primeiro ponto, dúvidas não nos restam que a impugnação do acto de autorização e do acto de aplicação da CGAA pode ocorrer em simultâneo (e que a impugnação

de as suas decisões económicas serem ou poderem ser controladas por uma sociedade‑‑mãe noutro Estado‑Membro não é suficiente para ilidir a presunção prevista pelo regu‑lamento» (cit., § 34 a 36).

11 Cfr. Acórdão Weald Leasing (C ‑103/09): «a constatação da existência de uma prática abusiva não resulta da natureza das transacções comerciais normalmente efectua‑das pelo autor das operações em causa, mas do objecto, da finalidade e dos efeitos dessas mesmas operações» (cit. § 44).

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do acto de liquidação consequente da aplicação da CGAA pode ter um desfecho oposto sobre a aplicação da CGAA à luz dos vícios próprios desse acto); quanto ao segundo ponto, sustentamos que não se deve proceder a uma recepção acrítica do conceito de step transaction e que a mesma carece de adicional desenvolvimento jurisprudencial para a sua densificação.

Um outro assunto que se afigura essencial é a matéria da prova, e, em especial, a sua valoração numa área onde o escrutínio do elemento subjec‑tivo subjacente à prática de determinados negócios se afigura central. Esta centralidade não é compatível com meros juízos de fé e remissões para documentos da Inspecção Tributária; carece de ser esmiuçada e sobre cada facto deve ser feito um juízo específico de valoração.

A importância de um processo como este também não parece ser totalmente compaginável com algumas alusões do TCA ‑Sul que careciam de maior desenvolvimento e aprofundamento. Veja ‑se, a este respeito, que os quatros pressupostos da GCAA escolhidos pelo tribunal são satisfeitos quase exclusivamente pela constatação da existência de transacções com uma empresa residente na Zona Franca da Madeira e da opção do contri‑buinte em recorrer a uma sociedade sujeita a esse regime fiscal. E veja ‑se também que a própria jurisprudência comunitária a propósito do conceito de «expediente puramente artificial» permite concluir que o simples facto de uma sociedade ser caracterizada como uma letterbox ou não realizar determinadas transacções no quadro das suas transacções comerciais normais não é, por si só, suficiente para um juízo sobre o seu carácter abusivo, carecendo de uma análise ao tipo de actividade da sociedade.

Por fim, um pequeno apontamento quanto à não publicação online das decisões da primeira instância e à reserva quanto à identificação das partes. É naturalmente discutível, desde logo por ser inútil, o acto de omissão da identificação das partes no sumário do acórdão quando tal pre‑ocupação não se reflecte em todo o texto. Por outro lado, a não publicação online das decisões da primeira instância (i.e., tribunais tributários), em contraponto com as do TCA e STA, é susceptível de produzir distorções quanto à decisão de recorrer. Tendo em consideração a exposição e o denominado risco reputacional, mais a mais em processos nos quais se discute o eventual carácter abusivo de determinadas operações, a primeira instância oferece um anonimato que a segunda instância não consegue aparentemente garantir o que pode influenciar, de forma inadmissível, a decisão de recorrer.

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SÍNTESE DE ACÓRDãOS DO TRIBUNAL DE JUSTIçADA UNIãO EUROPEIA EM MATÉRIA FISCALDO TRIMESTRE

Processo C ‑199/10 (Quinta Secção) de 22 de Novembro de 2010, Caso Secilpar – Segundo o Tribunal, os artigos 56.º CE e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados ‑Membros que prevê uma retenção na fonte de 15 % sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado ‑Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado ‑Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado ‑Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Ainda para o tribunal, só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado ‑Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha.

Processo C ‑155/09 (Primeira Secção) de 20 de Janeiro de 2011, Caso Comissão v. Grécia – Segundo o Tribunal, a República Helénica, tendo isentado do imposto sobre a transmissão de imóveis, em aplicação do artigo 1.º, n.os 1 e 3, segundo parágrafo, da Lei 1078/1980, apenas os residentes a título permanente no território nacional, enquanto os não residentes que tenham a intenção de se vir a instalar nesse território não estão isentos do referido imposto, e tendo isentado do mesmo imposto, sob certas condições, apenas os nacionais gregos ou as pessoas de origem grega

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aquando da aquisição de uma primeira residência no território nacional, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 12.º CE, 18.º CE, 39.º CE e 43.º CE, bem como dos artigos 4.º, 28.º e 31.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.

Processo C ‑25/10 (Terceira Secção) de 10 de Fevereiro de 2011, Caso Missionswerk Werner Heukelbach – Segundo o Tribunal a transmissão de uma herança configura o exercício da livre circulação de capital, pelo que entende que o artigo 63.º TFUE entende que opõe ‑se à legislação de um Estado ‑Membro que reserva a possibilidade de benefi‑ciar de uma taxa reduzida de imposto sucessório aos organismos sem fins lucrativos que têm a sua sede operacional nesse Estado ‑Membro ou no Estado ‑Membro no qual o de cujus residia efectivamente ou tinha o seu local de trabalho, no momento da sua morte, ou no qual anteriormente tinha efectivamente residido ou tido o seu local de trabalho.

Processos C ‑436/08 e 437/08 (Oitava Secção) de 11 de Fevereiro de 2011, Casos Haribo e Salinen – Neste processo agregado, o Tribunal teve oportunidade de se pronunciar sobre as diferenças de tratamento fiscal entre os dividendos de fonte interna e externa. Para o Tribunal, o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado ‑Membro que prevê a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas relativamente aos dividendos de carteiras de títulos provenientes de participações em sociedades residentes e que subordina essa isenção relativamente aos dividendos de carteiras de títulos provenientes de participações em sociedades estabelecidas nos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu à existência de um acordo completo de assistência mútua em matéria administrativa e de cobrança entre o Estado ‑Membro e o Estado terceiro em causa, na medida em que, para atingir os objectivos da legislação em causa, apenas é necessária a existência de um acordo de assistência mútua em matéria administrativa.

Paralelamente, o Tribunal acrescentou que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado ‑Membro que isenta de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas os dividendos de carteiras de títulos que uma sociedade resi‑dente recebe de outra sociedade residente, ao passo que sujeita a esse

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imposto os dividendos de carteiras de títulos que uma sociedade residente recebe de uma sociedade estabelecida noutro Estado ‑Membro ou num Estado terceiro parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, desde que, porém, o imposto pago no Estado de residência desta última socie‑dade seja imputado no imposto devido no Estado ‑Membro da sociedade beneficiária e os encargos administrativos a que a sociedade beneficiária está sujeita para poder beneficiar dessa imputação não sejam excessivos. As informações reclamadas pela administração fiscal nacional à sociedade beneficiária de dividendos relativas ao imposto que incidiu efectivamente sobre os lucros da sociedade distribuidora de dividendos no seu Estado de residência são inerentes ao próprio funcionamento do método de imputa‑ção e não podem ser considerados encargos administrativos excessivos.

Por outro lado, segundo aquela instância judicial, o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que, para prevenir uma dupla tributação económica, isenta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas os dividendos de carteiras de títulos recebidos por uma sociedade residente e distribuídos por outra sociedade residente e que, relativamente aos dividendos distri‑buídos por uma sociedade estabelecida num Estado terceiro que não seja parte no acordo EEE, não prevê nem a isenção dos dividendos nem um sistema de imputação do imposto pago pela sociedade distribuidora no seu Estado de residência.

Mas, sempre ressalva que o artigo 63.º TFUE não se opõe à prática de uma autoridade fiscal que, relativamente aos dividendos provenientes de certos Estados terceiros, aplica o método de imputação abaixo de determinado limite de participação da sociedade beneficiária no capital da sociedade distribuidora e o método de isenção acima desse limite, ao passo que aplica sistematicamente o método de isenção relativamente aos dividendos de origem nacional, desde que, porém, os mecanismos em causa destinados a prevenir ou a atenuar a tributação em cadeia dos rendimentos distribuídos conduzam a um resultado equivalente. O facto de a administração fiscal nacional reclamar informações à sociedade benefi‑ciária dos dividendos relativas ao imposto que incidiu efectivamente sobre os rendimentos da sociedade distribuidora de dividendos no Estado terceiro de residência desta última sociedade é inerente ao próprio funcionamento do método de imputação e não afecta, enquanto tal, a equivalência entre métodos de isenção e de imputação.

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Por fim, o Tribunal decidiu que o artigo 63.º TFUE deve ser inter‑pretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que concede às sociedades residentes a possibilidade de reportar as perdas sofridas durante um exercício fiscal aos exercícios fiscais ulteriores e que previne a dupla tributação económica dos dividendos mediante a aplicação do método de isenção aos dividendos de origem nacional, ao passo que aplica o método de imputação aos dividendos distribuídos por sociedades estabelecidas noutro Estado ‑Membro ou num Estado terceiro, na medida em que essa regulamentação não admita, no caso de aplicação do método de imputação, o reporte da imputação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas pago no Estado ‑Membro onde se encontra estabelecida a sociedade distribuidora dos dividendos aos exercícios seguintes se, relativamente ao exercício durante o qual recebeu os dividendos de origem estrangeira, a sociedade beneficiária tiver registado uma perda de exploração; por isso, o artigo 63.º não obriga um Estado ‑Membro a prever, na sua legislação fiscal, a impu‑tação do imposto cobrado sobre os dividendos através de retenção na fonte noutro Estado ‑Membro ou num Estado terceiro, a fim de prevenir a dupla tributação jurídica dos dividendos recebidos por uma sociedade estabelecida no primeiro Estado, tributação essa que resulta do exer‑cício paralelo, pelos Estados ‑Membros em causa, da sua competência fiscal respectiva.

Acórdão de 10 de Março de 2011Processos apensos C ‑497/09, C ‑499/09, C ‑501/09 e C ‑502/09, Caso Bog

“Fiscalidade – IVA – Sexta Directiva 77/388/CEE – Artigos 5.º e 6.º – Qualificação de uma actividade comercial como ‘entrega de bens’ ou ‘prestação de serviços’ – Fornecimento de refeições ou de alimentos prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de res‑tauração – Fornecimento, num cinema, de pipocas e de chips ‘tortilla’ (‘nachos’) para consumo imediato – Caterer ao domicílio – Anexo H, categoria 1 – Interpretação dos termos ‘produtos alimentares’”

Os artigos 5.º e 6.º da Sexta Directiva, conforme alterada pela Direc‑tiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, devem ser interpretados no sentido de que:

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O fornecimento de pratos ou de alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato em estabelecimentos ou veículos de restauração ou nos bares dos cinemas, constitui uma entrega de bens, na acepção do referido artigo 5.º, quando uma análise qualitativa do conjunto da operação revele que os elementos de prestação de serviços que precedem e acompanham a entrega dos alimentos não são prepon‑derantes.

Salvo nos casos em que um caterer ao domicílio se limita a entregar pratos estandardizados, sem outro elemento de serviço suplementar, ou em que outras circunstâncias particulares demonstrem que a entrega dos pratos representa o elemento predominante de uma operação, as actividades de catering ao domicílio constituem prestações de serviços na acepção do referido artigo 6.º

No caso de entrega de bens, o conceito de "produtos alimentares" que consta do anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva, conforme alterada pela Directiva 92/111, deve ser interpretado no sentido de que abrange igualmente os pratos e refeições que tenham sido cozidos, assados, fritos ou preparados de outro modo para consumo imediato.

Acórdão de 10 de Março de 2011Processo C ‑540/09, Caso Skandinaviska Enskilda Banken

“Reenvio prejudicial – Sexta Directiva IVA – Artigo 13.º, B, alínea d), ponto 5 – Isenções – Garantia de subscrição (‘underwriting guaran‑tee’) prestada mediante a cobrança de uma comissão, por instituições de crédito, às sociedades emissoras, no âmbito de emissões de acções no mercado de capitais – Operações relativas a valores mobiliários”

O artigo 13.º, B, alínea d), ponto 5, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que a isenção de IVA nele prevista inclui os serviços prestados por uma instituição de crédito sob a forma de garantia de subscrição concedida a título oneroso a uma sociedade que pretende emitir acções, nos termos da qual essa instituição se compromete a adquirir as acções não subscritas no fim do período de subscrição.

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Acórdão de 3 de Março de 2011,Processo C ‑203/10, Caso Auto Nikolovi

“Directiva 2006/112/CE – Imposto sobre o valor acrescentado – Peças usadas para automóveis – Importação na União por um sujeito passivo revendedor – Regime da margem de lucro ou regime normal do IVA – Constituição do direito a dedução – Efeito directo”

O artigo 314.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA), deve ser interpretado no sentido de que o regime de tributação da margem de lucro não é aplicável a entregas de bens como as peças usadas para automóveis, importados na União pelo próprio sujeito passivo revendedor e que estão sujeitos ao regime normal do imposto sobre o valor acrescentado.

O artigo 320.º, n.os 1, primeiro parágrafo, e 2, da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que difere, até à entrega posterior sujeita ao regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, o direito do sujeito passivo revendedor a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago, nos termos do referido regime, quando da importação de bens que não sejam objectos de arte, de colecção ou antiguidades.

Os artigos 314.º e 320.º, n.os 1, primeiro parágrafo, e 2, da Directiva 2006/112 têm efeito directo, o que permite a um particular invocá ‑los num tribunal nacional com o objectivo de afastar a aplicação de uma regula‑mentação nacional incompatível com essas disposições.

Acórdão de 3 de Março de 2011Processo C ‑41/09, Caso Comissão Europeia/Reino dos Países Baixos

“Incumprimento de Estado – Imposto sobre o valor acrescentado – Sexta Directiva IVA – Directiva 2006/112/CE – Aplicação de uma taxa reduzida – Animais vivos normalmente destinados à preparação de alimentos para consumo humano ou animal – Entrega, importação e aquisição de cavalos”

Ao aplicar uma taxa reduzida do imposto sobre o valor acrescentado à totalidade das entregas, importações e aquisições intracomunitárias de cavalos, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe

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253Comentários de Jurisprudência

incumbem por força do artigo 12.º, conjugado com o anexo H, da Sexta Directiva conforme alterada pela Directiva 2006/18/CE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 2006, e dos artigos 96.º a 99.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE, conjugados com o anexo III.

CLOTILDE CELORICO PALMAGUSTAVO LOPES COURINHA

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SÍNTESE DE ACÓRDãOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONALDO TRIMESTRE

ACÓRDÃO N.º 89/2011

Não julga inconstitucional a norma do artigo 77.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, interpretada no sentido de atribuir legiti‑midade a um ex ‑sócio para instauração da acção social de reparação de danos contra administradores, em caso de transmissão forçada das suas participações sociais, por acto de nacionalização. Consequentemente, nega, nessa parte, provimento ao recurso

ACÓRDÃO N.º 92/2011

«A., S.A., notificada do acórdão n.º 18/2011, proferido nos presen‑tes autos de impugnação judicial da liquidação do IRC relativa ao ano de 2008, e pelo qual se decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 5º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, vem requerer a reforma do acórdão por lapso manifesto, nos termos do artigo 169º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, e, bem assim, pedir a sua aclaração. (…)»

O Tribunal Constitucional decide indeferir o pedido de aclaração, considerando que não existe qualquer questão de ilegalidade qualificada.

ACÓRDÃO N.º 146/2011

Não julga inconstitucional a norma do artigo 105.º, n.º 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

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256Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

ACÓRDÃO N.º 226/2011

Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 41.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro (“aprova o regime das contra ‑ordenações laborais e de segurança social”), na parte em que exige o prévio acordo da autoridade administrativa para a retirada da acusação pelo Ministério Público. Em consequência, concedeu provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o precedente juízo.

GUILHERME WALDEMAR D’OLIVEIRA MARTINS ANA RITA CHACIM

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SÍNTESE DOS ACÓRDãOS DO SUPREMO TRIBUNALADMINISTRATIVO DO TRIMESTRE

IMPOSTO /FIGURAS AFINSIMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO

IRC

Acórdão do STA (2.ª) de 22 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0791/10

Juros compensatórios/decisão da Comissão EuropeiaA questão da eventual retroactividade fiscal decorrente da decisão

da Comissão Europeia de recuperar os auxílios concretizados nas redu‑ções de taxas previstas no artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20/11 deveria ter sido ser suscitada – como foi – em sede de sindicância judicial dessa decisão da Comissão.

Tendo o TJUE decidido que a Comissão das Comunidades Europeias, ao declarar incompatível com o mercado comum a parte do regime de auxí‑lios referida no n.º 1, na medida em que se aplica às empresas que exercem actividades financeiras, não cometeu um erro manifesto de apreciação, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito, a liquidação impugnada nos autos limitou ‑se a dar cumprimento à decisão da Comissão, pelo que, não lhe sendo assacados vícios próprios, não é susceptível de anulação.

Não são devidos juros compensatórios se o contribuinte, ao proceder à autoliquidação de IRC, se limitou a respeitar o enquadramento legal vigente na altura e de acordo com o qual aplicou taxa reduzida constante do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A de 20 de Janeiro, a qual só mais tarde veio a ser considerada pela Comissão das Comuni‑dades Europeias como incompatível com o mercado comum (Decisão de 11 de Dezembro de 2002).

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258Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

IMPOSTO SOBRE A DESPESAIVA

Acórdão do STA (2.ª) de 13 ‑04 ‑2011, Processo n.º 0986/10

IVA/trespasseNão constitui um verdadeiro trespasse o negócio em que o transmi‑

tente cede o seu estabelecimento comercial instalado em local arrendado sem que o adquirente lhe suceda na posição de arrendatário, antes cele‑brando um novo contrato de arrendamento.

O pagamento efectuado ao titular do estabelecimento pelo suposto trespassário, a título de compensação pela renúncia ao arrendamento, está sujeito a IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA.

Acórdão do STA (2.ª) de 03 ‑05 ‑2011, Processo n.º 033/11

IVA/duplicação de colectaPor força do que dispõe o n.º 11 do artigo 22.º do CIVA, os pedidos

de reembolso serão indeferidos quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo que tenha cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.

Do ponto de vista da lei – por falta das “três identidades” do conceito legal de duplicação de colecta (idêntico tributo pelo mesmo facto tributário e pelo mesmo período de tempo), e sobretudo pelo modus operandi pró‑prio do funcionamento do IVA como sistema de “crédito de imposto” –, o IVA que (uma sociedade) tenha feito constar de facturas por ela emitidas, só por ela é devido e, uma vez que tenha sido pago, não transforma em “duplicação de colecta” a dívida de IVA própria de outro sujeito passivo.

Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da LGT (artigo 96.º, n.º 1 do CIVA).

Sempre que o imposto liquidado pelos serviços ou pelo sujeito passivo não seja pago até ao termo dos prazos legais estabelecidos, são devidos juros de mora, nos termos do artigo 44.º da LGT (artigo 96.º, n.º 2 do CIVA).

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259Comentários de Jurisprudência

PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Acórdão do STA (2.ª) de 10 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0126/11

Ineptidão da petição inicialO indeferimento liminar deve ser cautelosamente decretado

justificando ‑se, nomeadamente, em casos em que a continuação do pro‑cesso constitua manifesto desperdício da actividade judicial, o que não se verifica no caso em que a julgada contradição entre o pedido e a causa de pedir respeita apenas à devedora originária e pode ser interpretado como destinando ‑se a fundamentar o pedido de arresto relativo aos bens do responsável subsidiário.

O arresto de bens do responsável subsidiário pode ter lugar em momento anterior à reversão da execução fiscal (cfr. os artigos 9.º n.º 3 e 136.º n.º 1 do CPPT) desde que seja feita prova, não apenas dos requi‑sitos próprios do arresto previstos no n.º 1 do artigo 136.º do CPPT, mas igualmente de que o responsável reúne as condições de ser chamado à execução por via da reversão, o que implica, a prova da gerência de facto e da (fundada) insuficiência de bens da devedora originária.

Acórdão do STA (2.ª) de 10 ‑03 ‑2011, Processo n.º 042/11

Nulidade da citação/impugnação judicialA nulidade da citação não constitui fundamento de impugnação judicial.Constituindo o acto de citação para a execução fiscal um acto proces‑

sual, praticado no âmbito de um processo judicial, a invalidade desse acto tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT.

A falta de entrega ao citado dos elementos essenciais da liquidação do imposto que constitui a dívida exequenda consubstancia uma nuli‑dade secundária enquadrável no artigo 198.º do CPC, que tem de ser arguida pelo interessado no prazo para a dedução de oposição (n.º 2 do artigo 198.º), pelo que estando ultrapassado esse prazo na data em que é apresentada a impugnação não ocorre a possibilidade de convolação para a forma processual adequada.

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260Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Acórdão do STA (2.ª) de 10 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0716/10

Sentença/anulaçãoO tribunal de 1ª Instância deve determinar a matéria de facto que con‑

sidera provada e não provada em ordem à solução de direito que considera aplicável, e se o não fizer justifica ‑se a anulação oficiosa da sentença pelo Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo da norma contida no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil.

Acórdão do STA (2.ª) de 10 ‑03 ‑2011, Processo n.º 022/11

Revisão da matéria tributávelNa impugnação judicial do acto tributário de liquidação em que a

matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquida‑ção tiver por base acordo no processo de revisão da matéria tributável (artigo 86.º, n.º 4 da LGT).

Este procedimento não se traduz, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal, já que o contribuinte pode escolher livremente o seu perito e este, por certo, procederá sempre de acordo com os poderes que aquele lhe delegou, pois não está vinculado a nenhum acordo ou a agir com total independência e fora dos seus poderes de representação.

Acórdão do STA (2.ª) de 10 ‑03 ‑2011, Processo n.º 01004/10

Prazo de prescriçãoA questão da prescrição é de conhecimento oficioso mesmo em sede

de impugnação judicial tendo em vista a eventual inutilidade superveniente da lide.

Para determinar se o prazo de prescrição aplicável é o do CPT ou o da LGT apenas há que atentar no que estabelece o artigo 297.º, n.º 1 do CC, de acordo com o qual a regra é a aplicação do novo prazo, a não ser que da aplicação do mesmo, ainda que mais curto, resulte um termo mais tardio do que o que resultaria da lei antiga.

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261Comentários de Jurisprudência

Verificando ‑se a ocorrência, antes de 1 de Janeiro de 2007 (data da entrada em vigor da Lei n.º 53.º ‑A/2006, de 29 de Dezembro), de várias causas de interrupção da prescrição da prescrição – citação do executado e dedução de impugnação judicial ‑ cada uma delas produz os seus efeitos próprios no decurso do prazo.

As causas de interrupção da prescrição ocorridas antes da alteração do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, introduzida pela Lei 53 ‑A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminação do período de tempo anterior à sua ocorrência e suspensão do decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.

Por força do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à Lei 53 ‑A/2006, de 29/12, a impugnação judicial interrompe o prazo de prescrição, cessando, porém, esse efeito se este processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando ‑se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao que decorreu até à data da autuação do processo.

Embora tal norma esteja hoje revogada, a mesma continua a ser aplicável aos factos interruptivos pretéritos cujo período de paragem se completou antes da entrada em vigor da Lei n.º 53 ‑A/2006, de 29/12.

A paragem da execução fiscal por motivo de prestação de garantia pela executada é ‑lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela.

Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPPT, suspenso o processo de execução, na sequência da interposição de impugnação judicial e da prestação de garantia, o prazo de prescrição manter ‑se ‑á suspenso enquanto durar aquela suspensão.

Acórdão do STA (2.ª) de 17 ‑03 ‑2011, Processo n.º 01049/10

Interrupção da prescriçãoCitado o responsável originário para os termos da execução, o efeito

interruptivo provocado por esse facto não ocorre em relação ao responsável subsidiário, se este foi citado já depois de decorrido o prazo de cinco anos posteriores à liquidação (artº 48º, nº 3 da LGT). A dedução de oposição

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262Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

à execução fiscal acompanhada de prestação de garantia, com vista à suspensão da referida execução, não está contemplada como facto com eficácia suspensiva na previsão do nº 3 do artº 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99 de 26/6.

Acórdão do STA (2.ª) de 22 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0983/10

Oposição à execução fiscal/ Interrupção da prescriçãoA citação do oponente para os termos da execução fiscal determina

a interrupção da prescrição nos termos do disposto no artº 49º, nº 1 da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artº. 326, nº 1 do Código Civil).

O pedido de revisão da matéria colectável não é factor interruptivo da prescrição, uma vez que tal efeito não lhe é conferido pelo artº 49º, nº 1 da LGT.

Este preceito legal só contempla o pedido de revisão oficiosa da liquidação previsto no artº. 78º da LGT, o que é coisa diferente.

Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário)de 17 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0876/09

Revisão da matéria colectável/responsável subsidiárioO responsável subsidiário pode formular pedido de revisão da maté‑

ria colectável apurada através de métodos indirectos na sequência da sua citação no processo executivo, data a partir da qual se deve contar o prazo de trinta dias previsto para o efeito no n.º 1 do artigo 91.º da LGT.

Acórdão do STA (2.ª) de 30 ‑03 ‑2011, Processo n.º 092/11

Representação em juízo de Institutos PúblicosJulgando o Mmº Juiz que a Fazenda Pública carecia de legitimi‑

dade para assegurar a representação em juízo do Instituto de Emprego e Formação Profissional, impunha ‑se que procedesse à anulação de todo o processado a partir do despacho que ordenara a notificação da Fazenda

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263Comentários de Jurisprudência

Pública para contestar, dando sem efeito tudo o que por esta fora prati‑cado, e que determinasse a notificação daquele Instituto para responder à oposição, prosseguindo, assim, com os termos do processo.

Acórdão do STA (2.ª) de 30 ‑03 ‑2011, Processo n.º 013/11

Caducidade de garantia/IndemnizaçãoNos termos do artigo 183.º ‑A do CPPT, a caducidade da garantia

prestada conferia ao interessado o direito a ser indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 53.º da LGT.

O direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo ‑se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT.

Acórdão do STA (2.ª) de 17 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0136/11

Arresto/Bens comuns do casalNo arresto de bens comuns do casal destinado a garantir a cobrança

de dívidas da exclusiva responsabilidade do devedor ‑arrestado não há lugar à citação do cônjuge para requerer a separação de bens. Essa cita‑ção, prevista no artigo 220.º do CPPT, é exclusiva do processo executivo, pelo que só quando o arresto é convertido em penhora, nos termos do artigo 846.º do CPC, é que o cônjuge do executado deve ser citado para requerer a separação de bens.

Acórdão do STA (2.ª) de 06 ‑04 ‑2011, Processo n.º 0234/11

Prescrição/sucessão de leis no tempo Respeitando a dívida exequenda a direitos e demais imposições

devidos à Alfândega de Lisboa por mercadoria despachada conforme

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bilhetes de importação cujas certidões constam do processo executivo, é ‑lhe aplicável, atenta a respectiva natureza, o prazo de prescrição pró‑prio das obrigações tributárias e não o das obrigações civis de natureza periódica.

É com referência à data da entrada em vigor da LGT que há ‑de determinar ‑se qual o prazo de prescrição a aplicar ‑ se o de 10 anos pre‑visto no CPT, se o de 8 previsto na LGT, contado este desde a data da sua entrada em elegendo como aplicável o prazo novo, considerado em abstracto, ou seja, sem ponderar a interferência de causas de suspensão ou interrupção da prescrição que possam vir a ocorrer na vigência da lei nova (cfr. Jorge loPeS de SouSa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tri‑butária: Notas Práticas, 2.ª ed., Lisboa, Áreas editora, 2010, pp. 94/95), salvo se o estabelecido na lei antiga, concretamente considerado, primeiro se perfizer, em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil (aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto ‑Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).

A atribuição à citação do responsável subsidiário do efeito inter‑ruptivo a ele associado pelo n.º 1 do artigo 49.º da LGT não se traduz na aplicação de lei nova a situações pretéritas, pois que o prazo de prescrição não se completara ainda à data em que a citação teve lugar e os efeitos jurídicos dos factos são determinados pela lei vigente à data da sua ocor‑rência (cfr. a parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil).

O actual n.º 3 do artigo 49.º da LGT – que limita a interrupção da prescrição a uma vez –, apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, não se aplicando aos factos interruptivos ocorridos em data anterior.

Embora o responsável subsidiário tenha sido citado muito para além do 5.º ano posterior ao da liquidação, como o facto com efeito interruptivo em relação ao devedor originário ocorreu na vigência do CPT, e não da LGT, a eficácia dessa interrupção em relação ao responsável subsidiário não está subordinada à verificação da condição da citação do responsável subsidiário até ao 5.º ano a contar da liquidação (artigo 48.º n.º 3 da LGT), pois que tal condição apenas foi introduzida pela LGT pelo que apenas é aplicável às interrupções da prescrição relativas ao devedor principal que tenham ocorrido já na vigência desta lei.

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265Comentários de Jurisprudência

IMPOSTO SOBRE O PATRIMÓNIO

IMT

Acórdão do STA (2.ª) de 10 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0386/10

Procuração irrevogávelA outorga de procuração irrevogável que confira poderes de alienação

de imóveis ao mandatário, considera ‑se transmissão onerosa determinando a liquidação e o pagamento de IMT antes da outorga notarial da respectiva procuração (artigos 2º, nº 3, alínea c) e 22º, nº 2, ambos do CIMT).

Deste modo, ainda que o negócio para o qual a procuração foi outor‑gada não chegue a realizar ‑se, não é aplicável o disposto nos artigos 22º, nº 4 e 44º, nº 1 ambos do CIMT, uma vez que para efeitos de IMT o acto translativo concretizou ‑se.

Todavia, pode haver lugar a anulação proporcional do imposto, ao abrigo do artigo 45º do CIMT, se, antes de decorridos oito anos sobre a transmissão, vier a verificar ‑se a resolução do contrato.

IMI

Acórdão do STA (2.ª) de 17 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0964/10

Avaliação de imóveis/fundamentaçãoUm acto encontra ‑se suficientemente fundamentado quando dele é

possível extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente, permitindo ao interessado conhecer, assim, as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática.

O coeficiente de localização previsto no artigo 42.º do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as seguintes características: acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

Também o zonamento que consiste na determinação das zonas homo‑géneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada

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266Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º do CIMI é aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU.

Neste contexto, a fundamentação exigível para a aplicação destes valores apenas se pode circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia respectivos, ao estabelecimento do coeficiente de localização e das percentagens referidas e à invocação do quadro legal que lhe é aplicável.

INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS

Acórdão do STA (2.ª) de 22 ‑03 ‑2011, Processo n.º 01037/10

Contra ‑ordenação fiscalA descrição sumária dos factos prevista no artigo 79.º, n.º 1, alínea b)

do RGIT como requisito da decisão administrativa da aplicação da coima visa assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados.

O facto tipificado como contra ‑ordenação no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT reporta ‑se à tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.

Neste sentido, a falta de entrega da prestação tributária de IVA não preenche o tipo legal de contra ‑ordenação acima referido, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.

Acórdão do STA (2.ª) de 30 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0757/10

Concurso de contra ‑ordenaçõesEmbora a aplicação da regra de punição do concurso de contra‑

‑ordenações constante do artigo 25.º do RGIT seja logicamente posterior à decisão sobre a verificação destas, entendendo ‑se que, sendo aplicada uma coima única, recomenda ‑se que seja organizado pela autoridade

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267Comentários de Jurisprudência

competente um único processo e seja proferida uma única decisão de aplicação de coima, e estando fixado no probatório que o comportamento de que a recorrente foi acusada nos presentes autos repetiu ‑se várias vezes ao longo do ano de 2004 e 2005, para além de que dos próprios elementos constantes da decisão administrativa de aplicação da coima decorria que a sua prática era "frequente" e a recorrente trouxera ao processo informação e documentação referente à existência de dez outros processos de contra‑‑ordenação tributários, afigura ‑se admissível, por razões de economia processual, o prévio conhecimento da questão eleita como decidenda e bem assim que, assumida a consequência de anulação da decisão adminis‑trativa de aplicação da coima para que a situação fosse contemplada à luz da (nova redacção) do artigo 25.º do RGIT, se considerassem prejudicadas as questões suscitadas pela recorrente, tanto mais que também essa nova decisão de aplicação de coima única sempre seria susceptível de recurso, não havendo, nessa medida, prejuízo para a recorrente.

Não sendo possível ao tribunal "a quo" fixar a coima única aplicá‑vel às contra ‑ordenações fiscais em concurso nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, justifica ‑se a anulação da decisão administrativa de aplicação da coima e a remessa dos autos à Administração fiscal para que esta o faça.

SIGILO BANCÁRIO

Acórdão do STA (2.ª) de 30 ‑03 ‑2011, Processo n.º 0196/11

Derrogação do sigilo bancárioAo abrigo do artigo 63.º ‑B, n.º 2, alínea a) da LGT (na redacção dada

pela Lei 55 ‑B/2004, de 30 de Dezembro), a Administração Tributária tem o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos pas‑sivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada.

Estando, nos termos do artigo 63.º ‑C da LGT, os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimenta‑

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dos os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida, bem como todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, ou quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos, os movimentos constantes das referidas contas bancárias revestem a natureza de operações registáveis na contabilidade, pelo que os respectivos documentos terão que ser entendidos como de suporte a registos contabilísticos de sujeito passivo de IRC.

ANA LEAL NUNO OLIVEIRA GARCIA

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SÍNTESE DE ACÓRDãOS DO TRIBUNAL DE CONTASDO TRIMESTRE

1.ª SECÇÃO (FISCALIzAÇÃO PRéVIA)

Acórdão n.º 5/2011 ‑22.03.2011. ‑ 1ª S/PL

Endividamento líquido. Plano Plurianual de Investimentos. Cabi‑mento orçamental. Recusa do visto

1. Atenta a situação de excesso de endividamento líquido apresen‑tado pela autarquia e a ausência de algum despacho de excepcionamento a proferir pela entidade competente [Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento], não só o financiamento por abertura de crédito em instituição bancária não existe, como não está minimamente assegurado.

2. O Plano Plurianual de Investimentos [doravante, PPI], para se assumir como um real instrumento de gestão previsional, deve elencar os investimentos a realizar, os respectivos encargos e fontes de financiamento.

3. Ao autorizar a celebração do contrato e a despesa correspondente sem estarem assegurados os financiamentos previstos no PPI violou‑‑se o disposto nos n.os 2.3.1. e 2.3.3., do POCAL, normas de natureza financeira;

4. Ao inscrever em cabimentação receitas não asseguradas, infringiu‑‑se, ainda, o disposto no art.º 42.º, n.º 6, al. b), da Lei de Enquadramento Orçamental;

5. Ao adiantar ‑se uma informação de cabimentação sem correspon‑dência material infringiu ‑se, ainda, o disposto nos n.os 2.3.4.2. e 2.6.1., ainda do POCAL, e com referência ao disposto no art.º 42.º, da Lei de Enquadramento Orçamental;

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270Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

6. Nos termos, do art.º 44.º, n.º 3, al. b), ainda da LOPTC, a descon‑formidade dos actos e contratos que implique encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras constitui fundamento de recusa do visto.

Acórdão n.º 7/2011 – 05.04.2011 – 1ª S/PL

Empreitada de obras públicas. Concurso público urgente. Marcas comerciais. Recusa do visto1

1. De acordo com o disposto no artigo 52º, nº2, do DL nº 72 ‑A/2010 de 18 de Junho, pode adoptar ‑se o procedimento de concurso público urgente (previsto nos artigos 155º e ss do Código dos Contratos Públicos), na celebração de contratos de empreitada, desde que:

a) Se trate de um projecto co ‑financiado por fundos comunitários;b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do

artigo 19º do CCP, ec) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.2. A adopção deste procedimento pressupõe a verificação de uma

situação de urgência, a qual tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses colectivos.

3. No caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo mínimo para a apresentação de propostas é de 20 dias, só podendo ser reduzido a 9 dias, no caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, tudo de harmonia com o disposto no artigo 135º, nº1, do CCP.

4. O prazo de 48 horas concedido para a apresentação de propostas é insuficiente para a elaboração completa, fundamentada e consistente de propostas e não permite o acesso ao concurso do mais vasto leque

1 Sobre o mesmo assunto foram ainda proferidos os Acórdãos n.os 9/11, de 29/04/11, proferido no RO n.º 09/11, 10/11, de 03/05/2011, proferido no RO n.º 5/11, e 11/11, de 3/05/11, proferido no RO n.º 3/11.

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271Comentários de Jurisprudência

possível de concorrentes, o que acarreta a inobservância dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da concorrência.

5. A utilização do procedimento de concurso público urgente, nos termos referidos no ponto anterior, e sem se verificar uma situação de urgência, não garante o respeito pelos princípios da legalidade, da propor‑cionalidade, da igualdade e da concorrência, o que é susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato e constitui o fundamento de recusa do visto estabelecido na alínea c), do nº 3, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

6. A inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão “ou equivalente” viola o disposto no artigo 49º, nos 12 e 13, do CCP e, sendo susceptível de afectar negativa‑mente a concorrência, constitui ilegalidade que pode alterar o resultado financeiro do contrato, o que tipifica o fundamento de recusa de visto estabelecido no artigo 44º, nº 3, alínea c), da citada Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

Acórdão n.º 8/2011 – 12.04.2011 – 1ª S/PL

Empreitada de obras públicas. Urgência imperiosa. Dever de fun‑damentação do acto. Concessão do visto

1. Em matéria de fiscalização prévia, é possível ao juiz de recurso proceder à reapreciação da matéria de facto, ampliando ‑a, quando estejam em causa elementos novos trazidos ao processo que sejam relevantes para a questão a decidir.

2. A interpretação das excepções à obrigatoriedade de utilização de procedimentos concursais deve ser “estrita”, ou seja, deve garantir a máxima salvaguarda da concorrência.

3. Isso implica que se avaliem com rigor as excepções à regra con‑correncial e um acrescido dever de fundamentação do acto que assente na verificação da excepção, ao qual se impõe que, para além de a invocar em termos de direito, a demonstre em termos factuais, sob pena de insu‑ficiência de fundamentação, o que, nos termos da lei, equivale à falta de fundamentação e origina a ilegalidade desse acto ‑ cfr. artigo 125.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.

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272Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

4. Verifica ‑se urgência imperiosa quando um procedimento necessite de ser acelerado para a conclusão de obras públicas cuja demora origina‑ria, para o Estado, o pagamento de elevados encargos financeiros, tanto maiores quanto maior for o atraso verificado.

5. O processo de construção dos acessos viários ao novo Hospital de Braga decorreu durante vários anos, tendo existido tempo mais do que suficiente para a realização de um procedimento concursal.

6. Apesar das graves falhas de coordenação, as circunstâncias do caso apontam para a verificação concreta dos pressupostos estabelecidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos, no que concerne à entidade adjudicante, legitimando o recurso ao ajuste directo.

7. Assim, é dado provimento ao recurso, concedendo o visto ao contrato, mas recomendando ao Estado:

– Uma real coordenação e monitorização dos projectos que envolvem várias entidades;

– A salvaguarda de processos concorrenciais relativamente à cons‑trução das restantes fases da Variante à EN 103;

– O apuramento de responsabilidades caso o Estado seja forçado a pagar compensações por atrasos na abertura do Hospital.

3.ª SECÇÃO (RESPONSABILIDADE FINANCEIRA)

Acórdão nº 1/2011 ‑ RO n.º 3 ‑SRM/2010 ‑ 3ª Secção ‑PL

Contrato de empréstimo. Contrato de abertura de crédito. Dívida flutuante. Dívida fundada. Responsabilidade financeira sancionatória

1. Transitado em julgado o Acórdão do Plenário da 3ª Secção que decidiu “caracterizar os contratos celebrados nos autos como contratos de empréstimo e de abertura de crédito a que se refere o artº 23º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto” consolidou ‑se, quanto a estes contratos objecto do processo, o entendimento jurídico adoptado pelo Acórdão do Plenário (artº 671º do CPC) pelo que, em obediência ao entendimento do Plenário, a Sentença ora recorrida caracterizou os contratos como contratos de empréstimo e de abertura de crédito referidos no artº 23º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto.

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273Comentários de Jurisprudência

2. Tais contratos tinham uma vigência superior a um exercício económico e como tal os créditos deles resultantes integravam a dívida pública fundada, só podendo ser destinados em investimentos, saneamento ou reequilíbrio financeiro dos municípios (artº 24º ‑nº 2 da Lei nº 42/98).

3. Tendo uma vigência superior a um exercício económico, não só foram celebrados sem observância dos requisitos estabelecidos nos artigos 23º nº 5 da Lei nº 42/98, porque se destinaram ao pagamento de bens e serviços correntes, como não foram remetidos à fiscalização prévia deste Tribunal (artº 46º ‑nº 1 ‑a) da LOPTC).

4. Pelo exposto, confirma ‑se a douta Sentença nº 01/10 que condenou dois dos Demandados, em cúmulo jurídico, na multa única de 4.000,00 €, cada um, por duas infracções financeiras puníveis nos termos do disposto no artº 65 ‑nº 1 ‑alínea b) e f), nº 2 e nº 5 da Lei nº 98/97.

Acórdão n.º 4/11 – RO n.º 8 ‑SRM/2010 ‑ 3.ª Secção – PL

Pagamentos indevidos. Execução orçamental. Responsabilidade financeira reintegratória

1. O Demandado, na qualidade de Vereador, foi condenado a repor nos cofres da autarquia a quantia total de 19.164,80 €, referentes a um almoço (623,50 €), vários serviços de cocktail (17.263,61 €) e a passa‑gens aéreas a favor da esposa do Prefeito de Trairi (1.277,74 €), a que acrescem os juros de mora legais, tudo nos termos do disposto no artigo 3.º do CPA, no artigo 82.º da Lei n.º 169/99, de 18/09, e artigos 59.º, n.º 2, e 61.º, n.º 5, da Lei n.º 98/97, de 26/08, na redacção original.

2. As despesas autorizadas pelo Demandado não foram objecto de requisição nem de cabimento prévio e registo de compromisso, nem a documentação a eles referentes justificava a contratação dos serviços.

3. As despesas em causa são consideradas pagamentos indevidos por serem demasiado genéricas, não apresentando justificações que per‑mitam estabelecer uma conexão entre estas e acontecimentos desportivos potencialmente susceptíveis de fomentar o acréscimo de turismo na cidade e Região, por serem desconhecidas as razões que motivaram as despesas e cabia ao demandado demonstrar a sua adequação ao interesse público municipal, dentro do princípio de prestação de contas que baliza toda a

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274Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

gestão e utilização de dinheiros públicos, o que não foi feito nem sequer especificadamente alegado; da matéria de facto não resulta qualquer jus‑tificação para a realização destes gastos de dinheiro público nem eventual ligação a acontecimentos que fossem atractivos, em termos de fomentar o acréscimo de turismo na cidade e Região.

4. O Demandado, apesar de conhecer as normas legais relativas à assunção, autorização e pagamento das despesas, não procedeu com o especial cuidado a que estava obrigado, qual seja o de certificar expres‑samente da legalidade dos actos em causa.

5. Como consequência, esta conduta do Demandado é negligente e suficiente para decidir que agiu com culpa e que, portanto, deve ser con‑denado na reposição nos cofres camarários daquelas quantias;

6. Daí que, face à ligeireza com que foram executados todos estes procedimentos e às consequências que tiveram para o erário público, se afigure justa e adequada a sua reposição integral, já que não se provaram quaisquer especiais circunstâncias que pudessem justificar eventuais reduções ou relevações.

ALEXANDRA PESSANHA NUNO CUNHA RODRIGUES

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RECENSõES

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1. Tive o ensejo de conhecer o mestre Pedro Vidal Matos numa conferência da OTOC sobre “Direitos e Garantias dos Contribuintes e Prerrogativas da Administração Fiscal” em que o jovem advogado da Sociedade Cuatrecasas, Gonçalves Pereira abordou a questão da respon‑sabilidade tributária. Ficou para mim claro estar perante um fiscalista com densidade teórica, sentido prático e dimensão crítica. O seu curriculum vitae ‑ Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, em 2002, Pós ‑graduado em Direito das Empresas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 2004, em Fiscali‑dade pelo Instituto Superior de Gestão, em 2005 e em Justiça Administra‑tiva e Fiscal pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 2007 – atestava o progressivo interesse do autor pelas questões fiscais, em especial, as relativas ao contencioso tributário, administrativo e judicial.

2. Foi assim com grande satisfação que aceitei o convite da Uni‑versidade Nova para arguir a dissertação de mestrado de Pedro Vidal Matos intitulada O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, em boa hora publicada, no ano passado, pelas prestigiadas Coimbra Edi‑tora e Wolters Kluwer. O livro e a defesa da dissertação (orientada pelo Prof. Vasco Guimarães) confirmam as impressões iniciais: trata ‑se de uma monografia bem estruturada, com inegável interesse teórico e prático em matéria pouco analisada entre nós.

O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário

PEDRO VIDAL MATOS

Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010

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278Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

Descontando uma breve introdução ao tema (capítulo I) e as con‑clusões da investigação (capítulo IV), o livro divide ‑se em duas partes: uma sobre o procedimento tributário (capítulo II), outra sobre o princípio inquisitório (capítulo III).

3. No capítulo II, o autor mostra ‑nos que a especificidade do pro‑cedimento tributário em relação ao procedimento administrativo comum decorre, não tanto (ou não apenas) da particular posição de alheamento assumida pela Administração Tributária nas relações jurídicas tributárias e do facto do procedimento tributário ser um procedimento de massas, mas da intensidade que reveste nesta matéria o princípio da legalidade fiscal, um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional. Segundo o autor, a própria liquidação e cobrança está abrangida pela reserva de lei prevista no artigo 103.º/2 da CRP, pois são actos que interferem com as garantias dos contribuintes. Este princípio vincula o legislador a um objectivo: garantir uma correcta repartição dos encargos tributários.

4. No capítulo III, o autor desenvolve o tema do princípio do inquisitório. Este princípio, necessariamente acolhido no artigo 58.º da Lei Geral Tributária (em detrimento do princípio do dispositivo), tem os seus fundamentos no referido princípio da legalidade, concretizando ‑se num dever para a Administração Tributária e num interesse legalmente dos contribuintes.

Este dever identifica ‑se com a descoberta da verdade, uma verdade pragmaticamente identificada com um juízo valorativo de suficiente rele‑vância probatória dos factos recolhidos administrativamente para que uma dada hipótese possa ser assumida como verdadeira.

É, porém um dever com limites (princípio da proporcionalidade e da legalidade da acção administrativa) e com possíveis excepções, desde que estas tenham efectiva consagração legal e sejam conformes ao princípio da proporcionalidade (em sentido lato). Um dever que tem que ser articulado com o dever de colaboração dos contribuintes, configurado como um dever de fornecimento à Administração de meios de prova para valoração desta. Além disso, haverá que compatibilizar aquele dever com os preceitos que regulam as presunções e a distribuição do ónus da prova.

No final do seu iter argumentativo, no essencial, o autor conclui, de forma, a meu ver, lógica, pela anulabilidade (prevista no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo) dos actos ilegais decorrentes da preterição de diligências instrutórias determinadas pelo dever de inquirir.

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279Recensões

Esta breve síntese está longe de reflectir o interesse e a novidade da obra. Só a sua leitura atenta poderá colmatar as lacunas de uma simples recensão.

ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS

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Pode parecer estranho que se faça numa revista de fiscalidade uma recensão a um livro que, aparentemente nada tem a ver com as questões tributárias. Mas não é. Os sistemas fiscais integram uma ordem de valores socialmente relevante. Quando tal ordem é vista sob a perspectiva dos valores normativos toma a designação de direito financeiro. Este é o ramo do direito que regula a actividade financeira do Estado através de regimes próprios para tutela de interesses públicos colectivos relevantes. O direito financeiro é, assim, o complexo de normas jurídicas que regula a obtenção dos meios financeiros necessários ao funcionamento dos entes públicos e ainda à gestão dos demais bens que são propriedade de tais entes. Ele é, pois, um ramo do Direito público que disciplina três áreas essenciais que são o direito das receitas públicas, o direito das despesas públicas e o direito de administração ou gestão financeira.

Ora, o fenómeno financeiro público influencia hoje, como raramente, ou talvez nunca antes nas sociedades humanas, a atitude das elites, onde o acesso ao poder representa a possibilidade de gerir fatias crescentes da riqueza nacional dos Estados, do seu produto interno gerados pelo mercado e seus agentes. Estas são vazadas na esfera colectiva através de máquinas tributárias amplas, tuteladoras dos factos da vida social fiscalmente rele‑vantes que cerceiam a vida e a liberdade dos cidadãos em nome de um racional ou lógica de acção colectiva que continua crescendo.

Leais, Imparciais & Liberais

JOSÉ MANUEL MOREIRA

Editora bnomics, 2009

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282Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

É o que se designa de intervenção económica – a actividade pela qual o Estado modifica o modo como os agentes económicos numa situ‑ação de plena liberdade actuariam, quer através das políticas económicas quer através de acções pontuais, tendo em vista a melhoria da eficiência económica da sociedade geral. Neste campo, o Estado condiciona, orienta e altera as opções económicas dos agentes no mercado, procurando dar à sua actuação isolada um sentido de conjunto, isto é, leva ‑los a adoptar comportamentos pelos quais eles obtenham os resultados que pretendem, ou outros similares, ao mesmo tempo que orientam os seus esforços e recursos num sentido que é benéfico para todos.

Uma tal orientação do comportamento dos agentes económicos pode conseguir ‑se umas vezes alterando, outras não, os quadros gerais do desenvolvimento da actividade económica. É o que sucede, por exemplo, com a concessão de incentivos fiscais a empresas que se instalem em regiões economicamente menos desenvolvidas ou com a pela atribuição de incentivos financeiros que incitem os agentes económicos a investir na melhoria das condições de produção ou em sectores de actividade tecnologicamente mais evoluídos ou de ponta.

Pois bem, é da problemática da actuação pública globalmente considerada que este livro trata. Nele se ligam a ética, a economia e a gestão dos recursos públicos como realidades que devem fazer parte do mesmo todo. Porque os valores estão presentes em tudo, permeiam as nossas instituições, os nossos desígnios e aspirações mais profundas, ao mesmo tempo que se manifestam nas acções do quotidiano, é importante que reflictamos sobre o modo como devemos lidar com os climas sociais modernos, claramente propensos ao clientelismo e aos enviesamentos ideológicos.

Não se trata de um livro – composto por uma séria de textos publi‑cados sob a forma de artigos – que busca consensos. Pelo contrário, é notória a intenção do autor de provocar a reflexão, de questionar ideias profundamente arraigadas, sobre que repousam, despoticamente, os sis‑temas fiscais e financeiros públicos dos nossos dias.

E não é para menos. As finanças públicas e a fiscalidade contem‑porâneas assentam sobre ideias velhas mas que ninguém ousa questionar, de intervenção alargada dos poderes públicos no meio social a partir dos vastíssimos recursos retirados aos cidadãos sob a forma de tributos, cres‑centemente mal distribuídos e não raro, danosamente gastos.

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O autor, que dispõe de uma formação académica multidisciplinar e profunda, no dizer de Vítor Bento, que o prefacia, foi os primeiros a dedicar ‑se entre nós aos estudos sobre a escola austríaca do pensamento económico, seus fundamentos, valores e atributos relevantes para uma melhor compreensão e modelação das sociedades do nosso tempo. Nos seus escritos, tem dado a conhecer o pensamento da escolha pública como alternativa às evidentes falhas de governo, revalorizando a sociedade civil, governos fortemente reguladores, mercados livres e balizados por regras claras e actuantes e, ao mesmo tempo, questionado por esta via os limites da imposição tributária, a justiça da tributação, da distribuição da carga fis‑cal e a omnipresente questão do seu impacto sobre a liberdade individual.

Estamos perante um conjunto de artigos espelham uma reflexão madura sobre governança, competitividade e políticas públicas, impostos e civilização, a liberdade e o bem, o liberalismo e democracia, o Estado, ora benfeitor ora malfeitor, entre tantos outros. Um acervo que é também um “ensaio” com linhas orientadoras claras sobre uma outra forma de ver que nos obriga a pensar outras tantas ideias pré estabelecidas e que, por isso, também os que se ocupam das coisas da fiscalidade e das finanças públicas dos nossos tempos não podem deixar de ler.

JOãO RICARDO CATARINO

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A informatização e automação dos procedimentos e deveres tribu‑tários e a procura de uma maior eficácia na fiscalização e no lançamento e na liquidação e cobrança dos impostos e de outros tributos por parte da Administração tributária, e dos seus diversos órgãos e agentes, num momento em que a politica fiscal e as receitas tributárias, por razões de défice orçamental, irão certamente dominar grande parte das preo‑cupações dos governos dos anos mais próximos, justificam uma leitura bem cuidada deste livro do Conselheiro Lopes de Sousa. Tal como em relação ao n.º 1 desta Colecção – o seu Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária –, estaremos certamente perante a “cartilha” pela qual os nossos tribunais administrativos e fiscais, incluindo os superiores, e a própria Administração tributária irão procurar basear as soluções para as dúvi‑das que a jurisprudência e a doutrina administrativa irão perscrutando na aplicação do Direito tributário e, mais especificamente, no exercício do direito a indemnizar por actos ilícitos da Administração tributária e dos seus órgãos, funcionários e agentes.

Lopes de Sousa parte da enunciação do principio geral, em matéria de responsabilidade civil do Estado e das entidades públicas e, de forma solidária, dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação e direitos, liberdades e garantias ou

Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais – Notas Práticas

JORGE LOPES DE SOUSA

Áreas Editora, Colecção Áreas Global ‑ Direito 3, 2010

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prejuízo para outrem, tal como decorre, directamente, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, do novo Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas e que se pretende aplicável em tudo o que não esteja previsto em lei (tributária) especial. Assim entendendo, mesmo quando não esteja prevista, especial‑mente, a reparação dos danos, através de juros indemnizatórios e juros de mora, que não fica excluída a possibilidade da sua reparação, incluindo dos danos que excedam os respectivos montantes, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas. Com efeito, entende o Autor o direito, designadamente, aos juros indemnizatórios, não como uma designação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm o direito a ser indemnizados por actos da Administração tributária, nem como uma limitação do dever indemnizatório da Administração, mas como uma mera indicação das situações em que será de presumir ‑ é disso que se trata, de uma presunção ‑ a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade da Administração pela ocorrência do dano.

Respondendo, concretamente, a várias das questões suscitadas pela doutrina e nos tribunais portugueses e a outras que vai enunciando ao longo da sua obra, e citando a jurisprudencial e a doutrina pertinentes a propósito de cada problema, delimita então o regime constitucional do direito de indemnização por actos ilícitos e define os requisitos do regime geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outros entes públicos, esclarecendo o âmbito da responsabilidade pessoal e do direito de regresso decorrente da responsabilidade dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes da Administração tributária. Aqui inclui a subordinação à Constituição do regime especial da reparação de danos dos contribuintes e do direito a juros indemnizatórios e a juros de mora e a sua cumulação, referindo ‑se, em especial, ao erro imputável e não imputável aos serviços, à anulação por vício não substancial e de forma ou procedimental e às questões da aplicação no tempo das normas e das taxas dos juros em causa, incluindo a sua forma de contagem, passando, a seguir, às formas de obter indemnização para além destes juros, através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo e da possibilidade de utilização da acção judicial comum.

É aqui que nos chama, designadamente, a atenção, nos casos em que legalmente não esteja especificamente prevista a atribuição de juros indemnizatórios, e em que o contribuinte se sinta lesado nos seus

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direitos patrimoniais que este não está impedido de exigir judicialmente a reparação, o que lhe é assegurado pela Constituição e pelo referido Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. Com efeito, segundo o Autor, Conselheiro no STA e Presidente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, os casos em que há direito a juros indemnizatórios, numa interpretação combatível com a Constituição, devem ser entendidos, não como uma designação exaustiva daqueles em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração tributária, nem como uma limitação do dever indem‑nizatório, mas como uma indicação das situações em que é de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade daquela Administração pela ocorrência do mesmo.

Só depois se dedica à responsabilidade por actos ilegais da Adminis‑tração tributária em situações tributárias mais especificas. Primeiro, no âmbito da execução fiscal, em caso de ilegalidade da penhora, das rever‑sões ilegais, das anulações de venda, da não declaração da prescrição ou de continuação indevida do processo, bem como da não conclusão do processo no prazo legalmente estabelecido ou de prosseguimento da execução sem citação dos credores ou do cônjuge do executado.

As questões decorrentes do direito a indemnização por prestação de garantia indevida e por caducidade da garantia prestada ficam para final e incluem a explicitação dos meios ao dispor para as obter, designadamente em sede de execução de julgados e de liquidação em execução de sen‑tença e, bem assim, em acção por responsabilidade civil extracontratual, terminando a obra com tema e as questões relativas à responsabilidade por informações ilegais prestadas aos contribuintes.

ROGÉRIO M. FERNANDES FERREIRA

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1. Relendo este livro após o Memorando de Entendimento entre o Estado Português e a famigerada troika, é difícil evitar um pensamento cínico: quão previsível era o caminho que este país acabou por seguir escassos meses após a publicação deste ensaio do juiz Carlos Moreno.

2. O pequeno ensaio do juiz Carlos Moreno, publicado após a sua jubilação do Tribunal de Contas, divide ‑se em três partes. Na primeira, o autor oferece ‑nos uma breve introdução aos rudimentos das Finanças Públicas e vai identificando algumas das debilidades do actual ordena‑mento jurídico português. A segunda parte integra uma pequena galeria dos horrores financeiros das duas últimas décadas, com o apropriado título “Das PPP à Casa da Música: 18 anos de maus gastos públicos”. A terceira parte, de leitura indispensável para o cidadão comum e, sobretudo, para os que têm responsabilidades políticas no país, avança com um conjunto despretensioso de propostas para melhorar a gestão financeira pública em Portugal, com um capítulo autónomo para o Tribunal de Contas.

3. Muito embora o autor, modestamente, incite o leitor conhecedor de Finanças Públicas a saltar directamente para as restantes partes do livro, a primeira parte (que ocupa quase metade do total da obra) é muito mais do que uma introdução teórica. É também uma introdução aos grandes problemas financeiros com que o país se debate. As principais linhas de força do texto são a desorçamentação concretizada no aumento do

Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro

CARLOS MORENO

Caderno, 2010

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endividamento das empresas públicas e na grande Némesis do autor, as Parcerias Público ‑Privadas.

Sublinhe ‑se que o autor não cai na crítica fácil a um generalizado despesismo sem rosto. A título de exemplo, veja ‑se o seu comentário certeiro ao aumento da dívida das empresas públicas:

“Grande parte desta dívida é consequência do não cumprimento pelo Estado das suas obrigações de accionista/tutela e do não financiamento justo, por parte do mesmo, das obrigações de serviço público cometidas a tais empresas” (p. 43).

Mas se o Estado não cumpre com estas obrigações, os seus pecados orçamentais vão ainda mais longe, através da utilização, sobretudo no âmbito das infra ‑estruturas rodoviárias, de uma empresa pública como vector multiplicador da despesa pública e como véu que encobre esses encargos (p. 47).

Especialmente perturbador, para o autor e para qualquer cidadão preocupado com a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas é o peso futuro das PPP:

“É com séria preocupação que observo que, relativamente aos encar‑gos previstos com as PPP, constantes do OE para 2010, só para o período de dez anos compreendido entre 2014 e 2023, os respectivos montantes anuais médios se situam no elevado patamar de cerca de 1.500 milhões de euros.

Estes preocupantes montantes foram calculados pelos responsáveis que prepararam o Orçamento, já com a dedução das receitas de portagem que esperam vir, eventualmente, a cobrar no futuro” (p. 51).

Também a gestão financeira do próprio Ministério das Finanças não escapa à severa (mas certeira) crítica do juiz Carlos Moreno:

“O Orçamento do Estado para 2009 foi exemplo de deficiente pre‑visão e execução financeira pública do ponto de vista técnico. Apesar de corrigido duas vezes, quando, já em Março de 2010, foi anunciado que o défice orçamental de 2009 tinha ficado em 9,4% do PIB, o responsável pela sua preparação e execução declarou publicamente que isso constituía uma grande surpresa.

O que é tecnicamente inaceitável, mesmo num ano muito difícil para correcta previsões e execuções. Três meses após o encerramento da execução do Orçamento do Estado, tecnicamente nada justifica que o responsável pela sua preparação e execução desconheça, até à surpresa, os respectivos resultados” (p. 59).

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Aliás, sendo este o alto exemplo dado pelos responsáveis pela previ‑são e execução orçamental, ainda assim Carlos Moreno procura clarificar, em linguagem acessível, as boas regras de gestão financeira. O seu livro recomenda ‑se, neste ponto em especial, a todos os que têm responsabilida‑des em matéria orçamental. Como o autor destas linhas pode testemunhar, ainda encontramos em alguns altos dirigentes da nossa administração pública a confusão entre os conceitos de economia, eficiência e eficácia (quanto a estes dois últimos, com a frequente interrogação sobre se não serão eles sinónimos!).

Desengane ‑se também quem julgue que as altas funções desem‑penhadas pelo juiz Carlos Moreno o impedem de criticar o próprio Tribunal de Contas. Em boa verdade, a percepção de que o prestígio daquele tribunal, em muito devido aos seus presidentes, em particular o saudoso Prof. Doutor Sousa Franco (ao tempo, a mais temida “força de bloqueio”), não serviu para prevenir ou remediar o colapso financeiro do Estado português encontra aqui uma singela explicação: a falta de meios, a inadequação das competências dos seus recursos humanos para as novas missões de controlo orçamental externo e até a necessidade de reforço da sua independência. Os seguintes excertos são especialmente reveladores:

“Apesar da missão de auditor externo do Estado (...) ser crucial, para a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas e para a correcção técnica da gestão dos dinheiros dos contribuintes, o Tribunal não conseguiu ainda desempenhá ‑la em plenitude” (p. 91).

“Entre os seus mais de 550 funcionários, só cerca de 100 terão na realidade e substancialmente competências, formação e treino no terreno desejáveis e exigíveis a auditores públicos” (p. 91).

“O Tribunal também não tinha [em 2010] meios suficientes para avaliar a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas” (p. 92).

4. Todavia, o papel de principais “vilões” nesta crónica do mau gasto dos dinheiros públicos (sem nunca deixar de contestar o primarismo anti‑‑democrático em que algum discurso populista tende a cair) é atribuído aos políticos com responsabilidades executivas, a nível nacional, regional e local. E à vertigem de novo ‑riquismo dos decisores políticos, potenciada pelo recurso a aparentemente milagrosas engenharias financeiras, junta ‑se a um dos principais problemas identificados por Carlos Moreno para nos levar à presente situação financeira (posta a nu pela crise financeira inter‑nacional), a saber, os vícios decorrentes de colocar nas mãos de voláteis

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consultores privados a defesa do interesse público aquando da negociação desses contratos, com as pequenas caixas de Pandora financeiras que são as subsequentes renegociações, exaustivamente elencadas ao longo da segunda parte deste livro.

5. Resta saber qual será o impacto desta obra, em especial quanto às interessantes recomendações que nos dá na sua terceira e última parte. Julgamos especialmente pertinentes as recomendações que visam a orga‑nização e funcionamento do Tribunal de Contas. Afinal o facto de o livro de o trabalho do juiz Carlos Moreno no Tribunal de Contas ter ganho mais visibilidade após a sua jubilação do que durante o exercício das suas funções é bem demonstrativo da necessidade de repensar a estrutura, as competências e, em última análise, as próprias garantias de independência do Tribunal de Contas. Só assim poderemos garantir que aquilo que o juiz Carlos Moreno designa como “segredos” das nossas finanças públicas seja mais do que (mais uma) verdade inconsequente.

MIGUEL MOURA E SILVA

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O ensaio que João Ricardo Catarino publica, vem na linha dos estudos que o autor vem realizando sobre a temática dos valores fundacionais dos nossos modelos sociais, projectada na administração pública e na questão financeira pública.

Já anteriormente o autor, na investigação de doutoramento Redis‑tribuição tributária, Estado social e escolha individual1, dedicou as suas energias ao estudo dos valores associados ao paradigma redistributivo tão amplamente utilizado como instrumento para o aprofundamento da ideia de justiça social tão disseminada.

Agora, discorre sobre a evolução do conceito da justiça distributiva, percorrendo o pensamento de autores clássicos, como Aristóteles e Platão, evidenciando que a distribuição no meio social, na perspectiva do que o todo social deve a cada um, dizia originalmente respeito ao mérito. E que o mérito ou reconhecimento era o resultado de uma actividade prévia do sujeito, merecedora do apreço da sociedade pela sua acção meritória. Tem o autor em vista demonstrar como tais ideais valorativos, construídos a partir do contributo de um conjunto de autores significativo, se projectam hoje no modo como edificamos os nossos sistemas sociais, com evidente

1 Publicado pela Almedina, Colecção teses, 2008.

O Liberalismo em QuestãoJustiça, Valores e Distribuição Social

JOãO RICARDO CATARINO

Universidade Técnica de LisboaInstituto superior de Ciências Sociais e Políticas, 2009

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reflexão sobre as questões da redistributividade através da acção pública, materializadas na ciência das finanças (públicas) e nos sistemas tributários.

Depois, o autor discorre sobre o pensamento contemporâneo da revolução francesa, com Jean ‑Jacques Rousseau evidenciando o modo como, aos poucos, a questão da distribuição das propriedades ou posses no meio social se veio a tornar uma questão essencialmente política.

Francois ‑Noel Babeuf, Thomas Paine, Armand de la Meuse e Gottlib Fichte são autores igualmente tratados. O estudo do seu pensamento visa evidenciar que, no seu percurso evolutivo, a ideia de distribuir se dissociou totalmente do mérito para se agregar definitivamente ao direito a certa medida de participação na riqueza disponível. Thomas Paine, de finais do século XIX, é igualmente estudado pelo autor para evidenciar que, nesta época, a noção de justiça distributiva havia já evoluído no sentido de ser vista como um direito à garantia de distribuição dos recursos sociais disponíveis.

Outro dos autores igualmente tratados, que aqui nos merece uma referência expressa é Herbert Spencer pela peculiaridade do seu pensa‑mento. Nesta obra traz ‑se à atenção a defesa que Spencer fazia da ideia da “sobrevivência do mais apto”, expressão que usou até mesmo antes de Darwin. Com isso, Spencer defendia que a ajuda aos mais desfavore‑cidos era contra natura e, de algum modo, contrária ao processo orgânico segundo o qual os menos aptos deveriam ser eliminados. Finalmente, é posto em destaque o facto de tais deveres sociais se haverem transformado, aos poucos, em direitos subjectivos constitucionalmente consagrados dos mais desfavorecidos a receber algo como contrapartida da sua condição social, sem carecerem de dar alguma em troca.

O capítulo II é usado para conferir os valores fundacionais das ins‑tituições sociais do nosso tempo. Nele o autor procura demonstrar que tais valores, tão transversais, têm por fundamento o ideal liberal, estão no âmago do nosso modelo social e não podem, por isso, ser desconsiderados na acção das instituições públicas.

Depois, no capítulo III, são apreciadas as bases fundacionais do nosso modelo político ‑social onde, a partir do estruturante pensamento de John Locke e da valorização das ideias de liberdade, propriedade e res‑ponsabilidade, se discorre sobre as diferenciadas matrizes do pensamento liberal, com especial destaque para as ideais de um liberalismo europeu continental, mas próximo de uma ampla intervenção pública como meio por excelência para corrigir os desequilíbrios sociais.

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O autor passa a tratar, nos capítulos IV e V, da dicotomia entre os modelos sociais que valorizam a liberdade individual como a primeira das virtudes para o funcionamento do modelo social, como sucede de forma mais evidente nos modelos anglo ‑saxónicos, com os modelos mais próximos da diluição da responsabilidade do sujeito na responsabilidade colectiva. E salienta a evolução verificada a partir dos valores liberais mais valorizados pelas revoluções inglesa e americana, por um lado, e a revolução francesa, por outro. Evidencia também que tais posicionamentos de partida geraram consequências diversas que, por estarem tão arraigadas no pensamento colectivo, dificultam hoje a mudança dos modelos sociais das sociedades ocidentais, que agora enfrentam um ambiente económico e concorrencial aberto.

Assim, o autor destaca que se, por um lado, o modelo centrado na pessoa do sujeito como o primeiro responsável pelo seu próprio destino, a acção pública tende a ter uma natureza correctiva complementar, nos modelos onde a responsabilidade individual se consumiu na responsa‑bilidade colectiva, a acção pública se assume como a forma primeira de resolver os desequilíbrios sociais. E que, há nisto uma dialéctica: mais responsabilidade colectiva pública coloca o Estado na primeira linha da satisfação das necessidades sociais mas tende a fazer diminuir a liberdade individual.

Curiosa é, a final, a referência ao pensamento de Amartya Sen, ainda relativamente pouco tratado entre nós, na colocação que faz do problema do desenvolvimento humano. Um melhor Estado social é, pois, o cerne deste ensaio onde os excessos de gasto público, o chamamento das finan‑ças públicas e dos sistemas fiscais ao cumprimento de tão diversificadas tarefas leva o autor a propor uma reflexão alargada sobre os valores, os métodos e a qualidade das finanças públicas contemporâneas.

A busca de um novo racional para o Estado social é, assim, o centro, a razão e o objecto de estudo deste interessante ensaio que agora está, entre nós, disponível, merecendo uma leitura atenta.

CARLOS BAPTISTA LOBO

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Acaba de ser publicada pela Coimbra Editora a 3.ª Edição do “Código dos Impostos Especiais de Consumo – Anotado e actualizado” da autoria de António Brigas Afonso e Manuel Teixeira Fernandes. Fazendo desde já uma declaração de interesses, registo que prefaciei a referida obra em resposta a um simpático convite dos dois autores de quem sou amigo de longa data. Com a modéstia que é seu timbre, os dois autores titulam a obra como “anotação”, mas na verdade não se limitam a tal, fazendo antes pertinentes “comentários” às opções do legislador da nova versão do Código dos IEC aprovada pelo Decreto ‑Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.

O regime fiscal dos produtos sujeitos a Impostos Especiais de Con‑sumo e, principalmente, a Circulação Intracomunitária em Suspensão do Imposto têm por base os Estatutos de Entreposto Fiscal, Depositário Autorizado, Destinatário Registado, Destinatário Registado Temporário e Expedidor Registado e as Garantias de Circulação e de Armazenagem, constituindo estas um significativo encargo para os operadores económicos do sector. Assim, numa altura em que tanto se fala em custos de contexto suportados pelos operadores económicos portugueses, não podiam os autores deixar passar em claro o facto de ter sido eliminada a possibilidade de a garantia, em sede destes impostos, poder assumir a forma de hipoteca. E, será mesmo de nos interrogarmos sobre se poderia o legislador ordinário

Código dos Impostos Especiais de ConsumoAnotado e Actualizado

A. BRIGAS AFONSO e MANUEL T. FERNANDES

Wolters Kluwer/Coimbra Editora 2011

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seguir esta via, sem se ter munido da competente autorização legislativa, dado estar em causa a redução das Garantias dos Contribuintes.

Os temas clássicos, de que são exemplos a “responsabilização fiscal objectiva do expedidor na circulação intracomunitária em suspensão do imposto” e as “perdas por causas fortuitas ou de força maior” continuam a merecem um tratamento aprofundado por parte dos autores. Igualmente é relevada a criação da figura estatutária do expedidor autorizado, que vem colmatar uma lacuna do anterior quadro legal ao permitir integrar no Regime de Circulação Intracomunitária em Suspensão as importações de produtos sujeitos a IEC. E o mesmo acontece com as novíssimas matérias que as preocupações, quer de simplificação e modernização administrativa, quer ambientais e de saúde pública, trouxeram para a ribalta do discurso técnico e académico, como são os casos do (agora) “obrigatório suporte electrónico do documento que titula a circulação intracomunitária dos produtos em suspensão do imposto”, do “enquadramento fiscal dos estabe‑lecimentos de tratamento dos óleos usados e de resíduos ” e da “tributação da electricidade”. Esta tributação da electricidade está prevista comuni‑tariamente desde 2003 e Portugal só não procedia a tal tributação por ter beneficiado de uma derrogação que terminou em 31/12/2009. Os autores não deixam de manifestar a sua estranheza por não se ter aproveitado a oportunidade da edição do novo Código dos IEC para corrigir a situação.

O novo Código dos IEC, que agora é objecto de anotação, constitui, assim, a base da modernização dos suportes administrativos da Circulação Intracomunitária dos Produtos em Suspensão do Imposto.

ROGÉRIO M. FERNANDES FERREIRA

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PUBLICAÇÕES RECENTES

• Clotilde Celorico Palma, Enquadramento das Operações Financeiras em Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º 13 da Colecção Cadernos IDEFF, Almedina 2011

• Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tribu‑tário – 4.ª edição, Coimbra Editora, 2011

• Sónia Monteiro, Liliana Pereira, Suzana Costa, A Fiscalidade como Instrumento de Recuperação Económica, Vida Económica, 2011

• Diogo Leite de Campos, Susana Cirera Soutelinho, Legislação Fiscal 2011, Petrony 2011

• João Ricardo Catarino, Princípios de Finanças Públicas, Almedina 2011

• Nuno de Oliveira Garcia, Contencioso de Taxas – Liquidação, Audição e Fundamentação, Almedina 2011

• Paulo Cardoso, Roteiro de Justiça Fiscal – Os poderes da Administração Tributária versus as garantias dos contribuintes, Vida Económica, 2011

• Maria Manuel Busto, Regime Jurídico do Novo Código Contributivo – Código dos regimes contributivos do sistema previdencial de segurança social, E&B Data 2011

• Paulo Marques, Elogio do Imposto ‑ A Relação do Estado com os Con‑tribuintes, Coimbra Editora 2011

• Rita Calçada Pires, Tributação Internacional do Rendimento Empre‑sarial gerado através do comércio Electrónico – Desvendar mitos e construir realidades, Almedina 2011

• Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade – Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011

• Matthieu Houser, Les fondements du budget de l’union europeenne. Tome 1 ‑comprendre les ressources et utiliser les sub, Editions Eska, 2011

• Matthieu Houser, Les fondements de budget de l’union européenne: Tome 2 : Identifier les ressources et utiliser les dépenses, Editions Eska, 2011

• Philippe Oudenot, Fiscalité des groupes et des restructurations, Lexis‑Nexis, 2011

• Franco Gallo, Las razones del fisco ética y justicia en los tributos, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2011

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300Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal

• Mª Esther Sánchez López, Intercambio de información tributaria entre Estados, Bosch Casa Editorial, S.A., 2011

• Anxo Penalonga, Homo economicus una explicación del mundo a través de la economía, Gestión 2000, 2011

• Nigel Feetham, Tax Arbitrage: Trawling the International Tax System, Spiramus Press, 2011

• Robert Z. Aliber, The New International Money Game, Palgrave Macmillan; 7th edition, 2011

• Inter ‑American Development Bank, The Local Alternative: Decentra‑lization and Economic Development, Palgrave Macmillan, 2011

• Geert Bekaert and Robert J. Hodrick, International Financial Mana‑gement, Prentice Hall; 2 edition, 2011

• Philip Molyneux, Bank Performance, Risk and Firm Financing (Palgrave Macmillan Studies in Banking and Financial Institutions), Palgrave Macmillan, 2011

• Michael H. Moffett, Arthur I. Stonehill and David K. Eiteman, Funda‑mentals of Multinational Finance, Prentice Hall; 4 edition, 2011

• Paul Davidson, Post Keynesian Macroeconomic Theory: A Foundation for Successful Economic Policies for the Twenty ‑first Century, Edward Elgar Publishing Ltd; 2nd Revised edition, 2011

• Toichiro Asada, Peter Flaschel, Tarik Mouakil and Chrsitian Proano, Asset Markets, Portfolio Choice and Macroeconomic Activity: A Keynesian Perspective, Palgrave Macmillan, 2011

MARTA CALDAS

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NA wEB

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Por Nuno Cunha Rodrigues

SITE DA INTERNACIONAL INSTITUTE FOR NEW ECONOMIC THINKING (INET) http://ineteconomics.org/

O Instituto foi criado para estimular e acelerar o desenvolvimento de um novo pensamento económico capaz de permitir encontrar soluções para os desafios do século XXI uma vez que a recente crise económica veio por a nú as deficiências das actuais teorias económicas.

O Instituto propõe‑se alterar o paradigma do pensamento económico através da concessão de apoio financeiro à investigação e da constituição de uma “rede social”.

Esta “rede social” – que é o INET ‑ é composta actualmente por Pré‑mios Nobel da Economia – como Amartya Sen, George Arthur Akerlof, James Heckman ou Joseph Stiglitz ‑, professores, estudantes e pessoas que pretendem contribuir para um novo pensamento económico, sendo financiada por George Soros e por Jim Balsillie.

No site podemos encontrar vídeos contendo pequenas conferências e entrevistas sobre temas actuais, como de Carl ‑Ludwig Holtfrerich, que nos explica como a dívida norte‑americana do século XIX pode contribuir para explicar a crise da dívida soberana europeia actual; de Kevin O`Rourke, que nos procura esclarecer sobre a crise na Irlanda ou uma interessante entre‑vista a Jean‑Pisany Ferry sobre a actual crise da dívida soberana na Europa.

No site podemos ainda encontrar vídeos da conferência de Bretton Woods que decorreu entre 8 e 11 de Abril de 2011, intitulada “Crisis and Renewal: International Political Economy at the Crossroads” e onde participaram, entre outros, Paul Volcker; George Soros; Joseph Stiglitz; André Sapir; Philippe Aghion; Martim Wolf; Larry Summers; Gordon Brown; Keneth Rogoff e Jean‑Paul Fitoussi.

O site inclui ainda uma zona que contém um blog no qual podem participar membros do INET podendo, noutro local do site, qualquer

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pessoa inscrever‑se no INET nomeadamente para fazer parte da respectiva mailing list.

Através deste endereço electrónico podem ser apresentadas candi‑daturas a financiamento de projectos de investigação em domínios como soluções para a crise financeira; políticas económicas e provisão de bens públicos ou políticas económicas de distribuição da riqueza ou governo das sociedades.

Registe‑se que no ano de 2010, o financiamento total concedido pelo INET a projectos de investigação ascendeu a mais de 7 milhões de euros.

O site do INET representa, por tudo isto, uma lufada de ar fresco no panorama do actual pensamento económico, permitindo buscar, de forma simples e acessível, novidades no pensamento de autores contemporâneos mais ou menos conhecidos.

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CRóNICADE ACTuALIDADE

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CERIMÓNIA COMEMORATIVA DO TERCEIRO ANIVERSÁRIODA REVISTA DE FINANçAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL

Eduardo Paz Ferreira

Foi num ambiente de grande entusiasmo e amizade que o IDEFF comemorou o terceiro ano da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal.

Os Lisbon Swingers, José Barata‑Moura, Horácio Negrão, Doris Himmer e Balula Cid‑Trio ajudaram a criar o ambiente festivo de uma noite na qual quisemos brindar ao futuro da nossa revista e do nosso País.

Aqui recordamos a intervenção do nosso Director:Estamos aqui hoje reunidos para celebrar o terceiro aniversário da

Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal.A Revista começou a ser publicada na Primavera de 2008 e todas

as primaveras convocamos os nossos amigos e colaboradores para um encontro, com o qual pretendemos iniciar um novo ano com a mesma energia e sentido de renovação com que lançámos a Revista três anos atrás.

Celebramos mais um aniversário com a alegria e orgulho que resultam do sentimento de termos cumprido o nosso dever para com a Universidade e a comunidade em que nos inserimos.

Em tempos duros e num panorama editorial obviamente difícil, temos cumprido os objectivos a que nos propusemos. Fomentámos o debate científico, assegurámos a apreciação regular da jurisprudência mais relevante nas áreas da fiscalidade e finanças públicas, demos conta das inovações legislativas, apreciámos muitos das principais obras publicadas e fizemo ‑lo, sempre, com a preocupação de assegurar a pluralidade do debate e a sua qualidade.

Ao fim de três anos, podemos orgulhar ‑nos de ter publicado cento e vinte e sete artigos de cento e quatro autores, cinquenta e três comentários de jurisprudência e recenseado oitenta e três livros, entre‑tanto publicados.

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Mais do que os números – e vivemos tempos em que são eles que falam mais alto – interessam ‑nos, no entanto, as pessoas que estão por trás. Tivemos a honra de acolher contribuições dos mais relevantes auto‑res da área das finanças e da fiscalidade. Alegrou ‑nos, especialmente, a possibilidade de trazer para o centro do debate contribuições de autores mais jovens ou que até agora não tinham tido espaço para expor as suas ideias.

Juntámos, assim, gerações distintas, saberes diferenciados, perspec‑tivas plurais. Paralelamente, no IDEFF e no Instituto Europeu lançámos inúmeras iniciativas, com destaque para duas conferências de grande fôlego – Vir o Fundo ou Ir ao Fundo e As Novas Vestes da União Euro‑peia –, ao mesmo tempo que desenvolvíamos um leque muito amplo de pós ‑graduações em matérias tão diversificadas como o direito fiscal e o direito europeu, o direito dos mercados financeiros e a concorrência e regulação, as finanças públicas e a contabilidade para juristas.

As nossas conferências trouxeram até à Faculdade de Direito deze‑nas das mais relevantes personalidades do mundo económico, financeiro e jurídico. Nas nossas pós ‑graduações pudemos contar com um naipe impar de docentes.

Aos que me perguntam como conseguimos levar tudo isso a cabo dou sempre a mesma resposta: trabalho, trabalho, trabalho.

Trabalho das direcções do IDEFF e do Instituto Europeu, trabalho de todos os nossos colaboradores e amigos.

E é isso que nos permite conseguir resultados e é isso que nos permite estar aqui hoje, com grande honra na Reitoria desta Universidade, onde se têm estado a desenrolar com enorme pujança as comemorações dos cem anos da sua fundação.

Na pessoa do Vice ‑Reitor, Professor Vasconcelos Tavares, exemplo ímpar de qualidades humanas e científicas, quero expressar a minha pro‑funda admiração pelo trabalho da equipa reitoral.

Agrada ‑nos, sobremaneira, pensar que um dos resultados da nossa actividade foi a criação de uma verdadeira rede em que a sabedoria se entrelaça com afectos e cumplicidades.

Utilizamos o melhor que nos oferecem as redes sociais para divulgar o nosso trabalho, mas é no contacto, no trabalho e no convívio pessoal que forjamos amizades e parcerias, como este jantar claramente atesta.

Nestes três anos fomos muitos a aprender a trabalhar em conjunto e daqui nasceram iniciativas como a do congresso de direito fiscal, que

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co ‑organizamos com a Almedina, e que anualmente reúne o que de melhor temos na área.

À Almedina, nas pessoas do engenheiro Carlos Pinto e da Paula Valente, com quem interagimos com maior regularidade, dirijo a expressão da minha admiração pela intensa e qualificada actividade editorial, bem como o meu agradecimento por terem feito este percurso connosco.

Para a nossa caminhada foi decisivo o exemplo de grandes profes‑sores que nos inspiraram e nos constituíram na responsabilidade de pros‑seguir o seu trabalho. Saúdo de forma particularmente calorosa e grata os Professores Paulo Pitta e Cunha e Jorge Miranda, assegurando ‑lhe que tudo faremos para merecer a confiança que sempre em nós depositaram. Evoco, com especial emoção, o Professor Sousa Franco, cuja memória está sempre presente entre nós. Atrevo ‑me, de resto, a pensar que talvez o país não fosse o mesmo, nem os mesmos os actores políticos se a morte o não tivesse levado tão cedo.

A estes e outros grandes mestres, como ao Reitor Sampaio da Nóvoa, devemos também a compreensão da importância da Universidade se abrir à sociedade e colocar os seus conhecimentos ao serviço da comunidade.

O Professor Pitta e Cunha teve um papel fundamental na integração europeia de Portugal e orientou a formação da generalidade dos quadros portugueses que estiveram associados à negociação. Ao Professor Jorge Miranda devemos a nossa gratidão pelo seu trabalho decisivo na Assem‑bleia Constituinte. O Professor Sousa Franco ganhou o respeito dos por‑tugueses nos diversos postos que ocupou.

Reunimo ‑nos hoje para uma Festa. Fazêmo ‑lo com a certeza de que a merecemos. Com a certeza de que quem trabalha tem direito ao prazer e ao divertimento. Como está escrito no Livro de Eclesiaste, “Tudo tem seu tempo, há um momento oportuno para cada empreendimento debaixo do céu. Tempo de nascer, tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de colher a planta. Há um tempo de chorar e um tempo de rir”.

A todos quantos nos ajudaram a construir esta festa, vão os nossos agradecimentos. Desde logo, à magnífica orquestra que nos vai acom‑panhar neste serão, na pessoa do Professor António Pinto Barbosa. Ao Dr. Horácio Negrão e aos seus cúmplices musicais, que nos deliciaram com a sua música.

Ao Cais da Vila, primeiro de uma série de restaurantes que Horácio Negrão e Edgar Gouveia, irão abrir por todo o país, graças à sua inex‑

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cedível energia e criatividade, e à Murganheira agradecemos a oferta do champanhe. Agradecimentos também à Dr.ª Mónica Ferreira, sempre presente na preparação das festas da Revista, bem como à Professora Luísa Cerdeira por todo o seu apoio. Uma última palavra de gratidão para todos os funcionários da Reitoria, que ajudaram à criação deste espaço, assim como para as Dr.ªs Marta Caldas, a Carla Sá e Natália Leite, pelo seu incansável trabalho de organização.

O Gabinete de Solidariedade da Faculdade de Direito está hoje connosco e merece uma palavra de apoio pela actividade que tem desen‑volvido. Estou certo que todos quereremos contribuir para ajudar os estudantes mais carenciados, o que podemos fazer numa banca situada à saída da sala.

A sociedade portuguesa alterou ‑se muito nas últimas décadas. Do culto das honradas formiguinhas e do anátema das cigarras, passámos à mais profunda admiração pelas cigarras.

A casa portuguesa, pobre mas honrada, imortalizada na voz de Amália, com as quatro paredes caiadas, um cheirinho a alecrim e o luar a substituir a cortina, encheu ‑se de plasmas, consolas de jogos, pilhas de DVDS, toda a espécie de gadgets informáticos.

No caminho quanto de nós fomos capazes de se empenhar em cau‑sas cívicas? Quantos, pela desistência, não ajudamos a fechar as salas de cinema? Quantos não substituímos o debate político, social e cultural pelo futebolístico e, ainda por cima, pouco atento ao jogo e muito mais aos milhões das vedetas, aos seus caprichos, aos seus escândalos, às suas vidas amorosas e aos seus namoros? Quantos não ajudamos as audiências recordes de inescrupulentos concursos televisivos que se aproveitam das debilidades e fraquezas de quantos buscam a glória a qualquer preço?

Chegou o tempo de pormos fim a este estado de coisas, de romper com a apatia e o conformismo, de assumir o futuro nas nossas mãos. De lutarmos por nós e pelos nossos filhos. É tempo de marcar reencontro com os nossos valores. É tempo de buscar no nosso passado a energia para o futuro.

Talvez tenhamos confiado demasiado no Estado, entendido como uma entidade abstracta, apta a resolver todos os nossos problemas. A vivência dos nossos dias ensina ‑nos que tal não pode continuar.

Não podemos abdicar de pedir ao Estado que crie as condições para uma vida decente em sociedade, mas temos de ensaiar, nós próprios,

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modelos de convivialidade e formas de organização que nos assegurem um Mundo mais justo, em que a seriedade e competência tenham um lugar de honra e o trabalho seja revalorizado e entendido como a primeira fonte riqueza.

A Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, o IDEFF e o Instituto Europeu continuarão o seu trabalho, convosco e ao vosso lado.

Neste espírito, convido ‑vos a ajudar ‑nos a apagar o bolo de anos e a levantar as nossas taças ao futuro da Revista mas, sobretudo, ao do nosso país que queremos livre, justo, solidário e desenvolvido. Na nossa história passada encontraremos inspiração e motivo de orgulho, na enorme quali‑dade dos nossos escritores, pintores, realizadores, actores, músicos, cien‑tistas, investigadores, professores a força da criatividade e do empenho.

Nos anos de democracia e, com todas as imperfeições bem patentes no aprofundamento da desigualdade social e nas dificuldades financeiras que atravessamos, criamos uma rede muito vasta de protecção sanitária, combatemos a miséria e a exclusão, generalizámos a segurança social, elevámos em muito o nível de escolaridade e o acesso ao ensino supe‑rior, desenvolvemos uma excelente rede de comunicações, inovamos em diversas áreas empresariais, descolonizámos e mantivemos laços fraternos com as novas nações, abrimo ‑nos ao Mundo.

Merecemos, pois, festejar e brindar com a certeza das nossas forças, reafirmando o compromisso de colocar a nossa inteligência, energia e determinação ao serviço de Portugal.

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1.º ANIVERSÁRIO DA REVISTA DE CONCORRÊNCIAE REGULAçãO

João Miguel Ascenso

A Revista de Concorrência e Regulação (C&R) foi criada no início de 2010 por iniciativa do IDEFF e da Autoridade da Concorrência, num projecto comum e impar na sociedade científica portuguesa.

Terminado um ano de publicações trimestrais constantes, a Revista C&R celebrou o seu primeiro aniversário no dia 14 de Abril, através da rea‑lização de uma conferência no espaço da Fundação Calouste Gulbenkian.

Esta conferência contou com as intervenções do Presidente do Conselho da Autoridade da Concorrência, Professor Manuel Sebastião e do Vice ‑Presidente do IDEFF, Professor Luís Morais, que fizeram inter‑venções institucionais de agradecimento e de balanço do primeiro ano da Revista, não esquecendo de enunciar os objectivos futuros desta parceria.

Seguiu ‑se a intervenção do Professor Daniel Bessa que, através de uma perspectiva económica, dissertou sobre os benefícios e desvantagens que a regulação pode ter no desenvolvimento económico português, numa intervenção intitulada “O contributo da política de concorrência para a competitividade da economia e das empresas portuguesas”.

Posteriormente, o Professor Jean François Bellis da Université Libre de Bruxelles, reputado especialista na área de Direito da Concorrência e Regulação, dissertou criticamente sobre a reforma do regime das restrições verticais à concorrência no âmbito do Direito da União Europeia. Através do recurso a casos decididos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentou criticamente a sua posição face a esta reforma.

Tratou ‑se portanto de uma Conferência que procurou sintetizar o trabalho desenvolvido pela Revista C&R no último ano de publicações, na medida em que deu espaço a autores nacionais e internacionais, per‑mitiu a análise do direito interno e do direito da União Europeia e apelou

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à interdisciplinaridade entre Direito e Economia que tem particular inci‑dência e importância nesta área, confirmando que a Revista C&R está num bom caminho para continuar a ter o sucesso e reputação que já conseguiu com apenas um ano de publicações.

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LIVRO VERDE SOBRE O FUTURO DO IVA(DOCUMENTO 17491/10, FISC 151, DE 3 DE DEZEMBRO DE 2010, DA COMISSãO EUROPEIA) – RESPOSTA DO IDEFF À CONSULTA PÚBLICA DA COMISSãO1

Alexandra Martins, Cidália Lança, Clotilde Celorico Palma,Rui Laires e Miguel Silva Pinto

P1 Considera que as disposições de IVA actualmente aplicáveis ao comércio intra‑UE são suficientemente adaptadas ao mercado único ou constituem um obstáculo à maximização das vantagens deste mercado?

P2 Em caso de resposta afirmativa à segunda parte da pergunta anterior, quais seriam as disposições mais adequadas em matéria de IVA para reger as operações intra ‑UE? Na sua opinião a tributação no Estado‑‑Membro de origem continua a ser um objectivo pertinente e realizável?

P1 As disposições actuais carecem de vários problemas, fundamen‑talmente relacionados com o problema da fraude e evasão fiscais e com os encargos administrativos decorrentes de certos regimes, tais como o regime das vendas à distância.

P2 Parece ‑nos mais realista manter o sistema actual de tributação no destino com aperfeiçoamentos, como, por exemplo, a introdução de um mecanismo tipo de balcão único para as vendas à distância.

A proposta apresentada em 1995 por Vanistendael, de tributação no país de origem às taxas do país de destino, que vem corroborar a tese defendida por Maurice Lauré, poderia ser analisada. Os expedidores

1 As presentes respostas reflectem as análises levadas a efeito na Conferência reali‑zada pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “A reforma do IVA – O Livro Verde da Comissão sobre o futuro do IVA”, ocorrida a 30 de Março de 2011.

Representam um contributo do IDEFF para a reforma deste imposto, veiculando as ideias de um vasto conjunto de oradores.

As respostas foram redigidas por Alexandra Martins, Cidália Lança, Clotilde Celo‑rico Palma, Rui Laires e Miguel Silva Pinto, sintetizando algumas perspectivas pessoais desenvolvidas por cada um desses oradores.

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calculariam os montantes do IVA do país de destino, mencioná ‑lo ‑iam à parte nas suas declarações fiscais e as administrações fiscais do país de origem transferi ‑lo ‑iam para os países de destino.

P3 Considera que as regras de IVA em vigor para administrações públicas e sociedades gestoras de participações são aceitáveis, nomea‑damente em termos de neutralidade fiscal? Caso a sua resposta seja negativa, queira justificar.

P4 Encontrou outros problemas relativos ao âmbito de aplicação do IVA?

P5 O que deve ser feito para superar esses problemas?

P3 Em relação às entidades públicas, as regras actuais são manifes‑tamente desadequadas da realidade actual, embora o Acórdão Salix tenha vindo melhorar a situação caso os Estados membros façam utilização desta jurisprudência.

A manutenção da situação é insustentável, tendo entrado em ruptura com o princípio da neutralidade.

Quanto à tributação das operações das sociedades gestoras de par‑ticipações relacionadas, nomeadamente, com a gestão de acções ou com funções de tesouraria, dever ‑se ‑ia clarificar a Directiva IVA.

P4 Outro problema relacionado com esta questão é a da tributação dos subsídios, cujo tratamento deveria ser revisto em conformidade com as propostas que a Comissão anteriormente abordou.

P5 As regras relativas às entidades públicas carecem de revisão urgente, devendo associar ‑se esta questão à análise dos mecanismos de reembolso do IVA instituídos por certos Estados membros, a favor de entidades públicas e organizações não governamentais.

A nosso ver, seria preferível adoptar ‑se uma solução de tributa‑ção generalizada, à semelhança do que se verifica na Nova Zelândia, salvaguardando ‑se, contudo, situações peculiares onde a aplicação de taxas reduzidas deverá merecer ponderação adequada.

P6 Quais as isenções de IVA actualmente aplicáveis que não devem ser mantidas? Por favor explique por que razão considera serem problemáticas. Existem isenções que devem ser mantidas e, em caso afirmativo, porquê?

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A Sexta Directiva representou um grande avanço em relação ao sistema comum do IVA que constava inicialmente constava da Segunda Directiva, especialmente em matéria de harmonização das isenções. Para além de ter deixado várias portas abertas para que cada Estado membro pudesse manter certas isenções internas (a título transitório, mas até à data vigentes), a adopção da Sexta Directiva representou um grande esforço de compromisso por parte dos então apenas oito Estados membros, sendo um momento que dificilmente se repetirá.

Na actual Directiva do IVA, as isenções nas operações internas já relativamente uniformizadas constam dos seus artigos 132.º e 135.º. Quanto às previstas no artigo 132.º da Directiva do IVA, as mesmas, conforme decorre da própria epígrafe desse artigo, respeitam a actividades de interesse geral. Com efeito, as isenções previstas no referido artigo respeitam a serviços públicos postais, a assistência médica e sanitária, a assistência e segurança sociais, a protecção da infância, juventude e ido‑sos, a educação, ensino e formação profissional, a actividades políticas, sindicais, religiosas, cívicas, etc., a desporto e educação física, e a serviços culturais. Afigura ‑se muito improvável que os governos e as opiniões públicas dos Estados membros aceitem restringir ou eliminar as isenções do IVA em áreas tão sensíveis e reputadas como de grande relevância social. Demonstrativos dessas dificuldades têm sido os resultados infru‑tíferos de sugestões e propostas da Comissão nos últimos vinte e cinco anos, no sentido de se limitar ou racionalizar as isenções em causa. A este respeito, veja ‑se a não aprovação da proposta de Décima Nona Directiva apresentada em meados dos anos 80, bem como as propostas de reflexão em sentido congénere ao referido no «Livro Verde», que já constavam do Programa para o Mercado Único de 1996.

Quanto ao artigo 135.º da Directiva do IVA, ao qual se atribui a natureza de isenções técnicas por respeitarem a áreas em que o sistema do IVA dificilmente pode ser aplicável, a sua relevância em termos de interesse geral é inexistente ou menor (salvo talvez no caso da locação de imóveis para habitação). As referidas dificuldades técnicas, nomeadamente na determinação do valor tributável das operações, parecem, no entanto, difíceis de ultrapassar.

P7 Na sua opinião, o sistema de tributação do transporte de passageiros em vigor é fonte de problemas por razões ligadas à

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neutralidade fiscal ou por outros motivos? O IVA deveria ser apli‑cado ao transporte de passageiros independentemente dos meios de transporte utilizados?

Segundo se sabe, a disposição transitória que permite a isenção nos transportes internacionais de passageiros vem sendo utilizada num grande número de Estados membros, parecendo difícil a obtenção de um acordo, necessariamente unânime, para a sua eliminação. Na medida em que os Estados membros isentem os transportes internacionais de passageiros independentemente do meio de transporte em causa, não se vislumbra uma especial colisão com o princípio da neutralidade fiscal.

P8 O que deve ser feito para superar esses problemas?

Nas circunstâncias descritas na resposta às duas questões anteriores, a possibilidade de virem a ser reduzidas as isenções actualmente existentes, embora seja remota, parece só ser de cogitar em relação a algumas das isenções que vêm previstas no artigo 135.º da Directiva do IVA, desde que prévios estudos profundos, de natureza essencialmente técnica, pudessem vir a permitir definir as regras para a inserção no sistema comum do IVA de actividades enumeradas naquela disposição.

P9 Quais são, na sua opinião, os principais problemas colocados pelo direito à dedução?

P10 Na sua opinião, que alterações seriam desejáveis para melhorar a neutralidade e equidade das regras relativas à dedução de IVA pago a montante?

P9 O exercício do direito à dedução não se encontra suficiente‑mente harmonizado nos diversos Estados membros, dando azo a situa‑ções que colocam em causa o princípio da neutralidade. Há despesas que são indedutíveis em determinados Estados membros e dedutíveis noutros e que são afectas ao exercício da actividade profissional dos sujeitos passivos.

A flexibilidade da Directiva IVA, ao prever diversas regras opcio‑nais ou facultativas no domínio do direito à dedução, permite que cada Estado membro apresente diferenças significativas nesta matéria. Em

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consequência, uma empresa que opere nos diversos Estados membros depara ‑se com diferenças materiais em diversos pontos:

a) Despesas excluídas do direito à dedução;b) Pressupostos formais exigidos para o exercício do direito à dedu‑

ção (v.g. requisitos das facturas e documentos equivalentes);c) Condições para obtenção de reembolsos (garantias exigidas,

dilação temporal, entre outros);d) Funcionamento do regime de regularização das deduções, com

particular relevância no caso dos bens do activo fixo tangível, intangível e propriedades de investimento;

e) Regularização de IVA nos créditos incobráveis e nos casos de fraude.

Associamos duas consequências prejudiciais a estas disparidades de regimes: diferentes condições de concorrência nos diversos Estados membros e custos de cumprimento elevados para as empresas que se estabeleçam e/ou que desenvolvam actividades em mais de um Estado membro.

Nas situações de utilização mista dos recursos – bens e serviços – adquiridos pelos sujeitos passivos suscitam ‑se questões relativas às moda‑lidades e critérios de determinação da dedução parcial.

Referimo ‑nos, designadamente, aos seguintes casos:

a) Uso parcial em actividades não profissionais ou empresariais (“uso próprio do sujeito passivo, do seu pessoal ou para fins alheios à empresa”)

Com efeito, apesar das recentes melhorias introduzidas pelo artigo 168.º ‑A da Directiva IVA, este preceito apenas abrange de forma imperativa os bens imóveis, deixando para os Estados membros a opção quanto a outros bens e serviços. Por outro lado, em matéria de determi‑nação da parcela do IVA dedutível, a norma remete para os critérios do artigo 173.º que correspondem ao pro rata de dedução geral ou sectorial, ou à afectação com base na utilização efectiva (afectação real). Ora, nos dois primeiros casos, o critério da percentagem de dedução não comporta operações que estejam fora do âmbito da actividade da empresa, pelo que não parece de aplicação possível ao uso não profissional/empresarial. Na última hipótese, de afectação com base na utilização efectiva, não existem quaisquer linhas orientadoras quanto à forma da sua medição.

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b) Uso parcial em actividades “não económicas” A Directiva não estabelece os métodos e critérios de repartição do

IVA incorrido a montante entre actividades económicas e actividades não económicas, considerando ‑se que estes se inserem nos poderes de apreciação dos Estados ‑Membros (Acórdão Securenta, C ‑437/06, de 13 de Março). Esta omissão suscita problemas no exercício do direito à dedução, quer nas holdings mistas, quer em sociedades operacionais que adquiram, detenham ou alienem participações sociais.

c) Uso parcial em actividades isentas A Directiva IVA deixa aos Estados membros diversas opções rela‑

tivamente aos métodos da percentagem de dedução ou da afectação real. Adicionalmente, no que se refere ao método da afectação real não são estabelecidas linhas orientadoras da sua aplicação concreta. Assim, na prática, a aplicação dos métodos de dedução parcial nos diversos Estados ‑Membros gera diferenças substanciais em situações que deviam ser comparáveis, conforme sucede, com frequência, no sector financeiro.

P10 Poderia ser ponderado o aperfeiçoamento das regras relativas ao direito à dedução. Nesse contexto, poderiam ser analisadas várias ques‑tões, tais como as limitações do exercício do direito à dedução (admitindo para certas despesas um mínimo de percentagem do direito à dedução), a dedução parcial, as opções e as regularizações, incluindo situações que envolvam insolventes e fraudes comprovadas.

P11 Quais são os principais problemas relativos às regras de IVA em vigor para serviços internacionais em termos de concorrência e de neutralidade fiscal ou a outro nível?

P12 O que deve ser feito para superar esses problemas? Na sua opinião é necessária maior coordenação internacional?

P11 A diferença das taxas e as distintas interpretações e aplicações que são dadas a certos conceitos, fazendo variar o âmbito de aplicação do impostos.

A diferente qualificação das operações nos Estados membros é pas‑sível de originar casos de não tributação ou de dupla tributação, quer no âmbito das regras de localização das operações, quer, também, da aplicação

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de normas de isenção, inexistindo mecanismos para dirimir conflitos desta natureza, ao contrário do que ocorre com a aplicação dos Tratados de Dupla Tributação, celebrados de acordo com a Convenção Modelo da OCDE.

A neutralidade das operações intra ‑grupo, em particular nos sectores isentos de IVA – saúde, educação, financeiro, segurador e imobiliário –, constitui um problema no contexto da internacionalização no seio do mer‑cado da União Europeia e um factor fundamental de competitividade dos grupos empresariais no caso de sectores isentos ou parcialmente isentos.

Relativamente à neutralidade e transparência no tratamento das prestações de serviços em grupos de empresas internacionais, deverá privilegiar ‑se a natureza do serviço.

P12 A definição de abordagens acordadas internacionalmente para evitar a dupla tributação ou a não tributação de serviços é muito importante e poderá passar, nomeadamente, pela inclusão em Regulamentos de aplicação.

Quanto aos grupos de IVA, afigura ‑se que a estratégia da Comissão em delinear linhas de orientação é bastante positiva, sendo matéria que poderia igualmente acolher ‑se num Regulamento de aplicação das regras da Directiva IVA.

Nestas matérias justifica ‑se uma maior coordenação internacional. Deve, no entanto, ser acompanhada por mecanismos institucionais dotados de maior capacidade de reacção a situações fraude e de evasão, por parte dos sujeitos passivos.

P13 Quais são, no caso de existirem, as disposições da legislação da UE em matéria de IVA que devem ser consagradas por um regulamento do Conselho em vez de o serem por uma directiva?

P14 Na sua opinião, as normas de execução devem ser previstas por uma decisão da Comissão?

P15 Se esta solução não for exequível, poderiam ser úteis orienta‑ções sobre a nova legislação da UE em matéria de IVA, mesmo que não fossem juridicamente vinculativas para os Estados ‑Membros? A publicação deste tipo de orientações apresenta, na sua opinião, algu‑mas desvantagens?

P16 De um modo mais geral, o que pensa que deveria ser feito para melhorar o processo legislativo, a sua transparência e o papel das partes interessadas no processo, desde a fase inicial (redacção da proposta) até à fase final (aplicação nacional)?

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P13 A utilização de regulamentos de aplicação da Directiva IVA afigura ‑se ‑nos bastante útil quando estamos perante regras de interpre‑tação. Idealmente as matérias relativas à delimitação de incidência, sub‑jectiva e objectiva (operações tributáveis e valor tributável), localização e deduções deviam obedecer a um padrão uniformizado.

P14 Permitir à Comissão a adopção de decisões de execução com o consentimento da maioria dos Estados membros não nos parece uma boa solução.

P15 A publicação deste tipo de orientações é, a nosso ver, bastante positiva.

As decisões do Comité IVA deveriam ser mais divulgadas e publi‑cadas pelas Administrações Fiscais.

P16 A transposição de novas regras muito antes da sua entrada em vigor tem a vantagem de as Administrações poderem dar a conhecer aos seus contribuintes as novas regras de forma a se adptarem às mesmas, devendo prever ‑se um procedimento para simplificar e coordenar o pro‑cesso de aplicação nacional ao nível da UE.

P17 Sentiu alguma dificuldade em consequência das excepções con‑cedidas aos Estados membros? Em caso afirmativo, por favor descreva essas dificuldades.

Não há provas concretas de que medidas derrogatórias, tomadas por outros Estados membros ao abrigo do artigo 395º da Directiva 2006/112/CE de 28.11.2006, com vista a combater a fraude ou evasão fiscais, tenham causado a deslocação de esquemas fraudulentos para Portugal.

Todavia, nalguns sectores económicos, caracterizados por tran‑sacções de montante elevado relativamente a bens corpóreos que podem ser facilmente transportados (caso dos telefones portáteis e circuitos integrados, entre outros), não são de excluir os riscos de uma eventual transferência de esquemas fraudulentos de um país, que tenha introduzido uma derrogação às regras da Directiva IVA (nomea‑damente um mecanismo de reverse charge), para um país vizinho que não tenha tomado medidas idênticas. Nesse sentido, justifica ‑se a avaliação ex post das consequências, com impacto transfronteiriço, da introdução de medidas derrogatórias individuais às regras comuns do IVA.

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P18 Na sua opinião, o procedimento actualmente em vigor para con‑ceder excepções a título individual é satisfatório? Em caso de resposta negativa, como poderia ser melhorado?

O procedimento para a concessão de derrogações à Directiva é bas‑tante moroso e burocrático (prazo de conclusão de 8 meses que pode ser interrompido, caso, por exemplo, sejam pedidas informações complemen‑tares ao país requerente por parte da Comissão Europeia), não parecendo adequado a responder a situações urgentes de fraude que necessitem de resposta rápida.

Merece, por isso, ser analisado um método alternativo de resposta célere que permita a um Estado membro tomar medidas rapidamente, na pendência da apreciação de um pedido de derrogação ao abrigo do artigo 395º da Directiva IVA. Todavia, um tal mecanismo não deverá constituir um desvio à regra da unanimidade em matéria da tomada de decisões no domínio fiscal. Assim, deve ser ponderada a agilização e simplificação do procedimento conducente à autorização pelo Conselho da introdução de medidas excepcionais que visem combater determinadas situações de fraude ou evasão fiscal ao IVA.

P19 Considera que a actual estrutura de taxas cria obstáculos importantes ao bom funcionamento do mercado único (distorção da concorrência) ou um tratamento desigual de produtos comparáveis, nomeadamente dos serviços em linha em comparação com os bens e serviços de conteúdo semelhante ou implica custos de conformidade significativos para as empresas? Em caso afirmativo, em que situações?

P20 Preferiria que não existisse nenhuma taxa de IVA reduzida (ou uma lista muito curta), o que poderia permitir que os Estados ‑Membros aplicassem uma taxa de IVA normal mais baixa? Ou apoiaria a aplicação uniforme na UE de uma lista obrigatória de taxas de IVA reduzidas, nomeadamente para responder aos objectivos políticos específicos definidos na estratégia «Europa 2020»?

P19 Existem distorções de concorrência significativas em virtude da actual estrutura de taxas, nomeadamente em situações transfronteiriças relativas, designadamente, ao consumo de bens alimentares e combus‑tíveis.

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Por outro lado, existem casos em que produtos semelhantes mere‑cem taxas distintas, como, por exemplo, a venda on line e off line de publicações.

P20 A aplicação de taxas reduzidas do imposto deveria ser delimitada a uma lista curta.

P21 Quais são os principais problemas que encontrou no que diz respeito às regras em vigor relativas às obrigações em matéria de IVA?

P22 O que deve ser feito a nível da UE para superar estes problemas?P23 Qual a sua opinião, em especial no que respeita à viabilidade e

pertinência das medidas sugeridas, nomeadamente as estabelecidas no plano de redução do IVA (n.os 6 a 15) e no parecer do Grupo de Alto Nível?

P21 Os principais problemas respeitam à existência de duplicação de obrigações e de obrigações declarativas desnecessárias. A esta situação acresce ainda o facto de a Directiva facturação recentemente aprovada não cumprir os objectivos que a proposta da Comissão visava e, com excepção feita às alterações em matéria de facturação electrónica, não introduzir qualquer simplificação ou verdadeira harmonização em matéria de facturação.

P22 A UE deveria alterar a Directiva IVA no sentido de eliminar algumas das obrigações declarativas que aí são previstas e harmonizar os prazos de entrega de outras. Por exemplo, a aprovação da Directiva de redução dos prazos de entrega das declarações recapitulativas, ao introduzir diferentes prazos e opções para os Estados membros tornou mais complexo o cumprimento desta obrigação por parte de operadores que actuam em vários Estados. Simultaneamente, parece ter frustrado o objectivo prosseguido de luta contra a fraude, por as diferentes periodi‑cidades terem tornar mais difícil às administrações fiscais o cruzamento da informação.

P23 Programa de redução dos encargos administrativos:Proposta n.º 6 – Considera ‑se aceitável a eliminação da declaração

anual.Proposta n.º 7 – Esta proposta não tem em consideração que os

Estados membros têm dimensão muito diferenciada, pelo que os limiares propostos podem não se mostrar ajustados para todas as economias. De

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qualquer forma, seria positivo haver uma harmonização da periodicidade da declaração do IVA, bem como dos respectivos prazos de entrega e de pagamento do imposto.

Proposta n.º 8 – Medida cuja introdução seria fundamental.Proposta n.º 9 – Obrigação a eliminar.Proposta n.º 10 – Obrigação a eliminar.Proposta n.º 11 – Considera ‑se que esta proposta tem bastante inte‑

resse e que carece de ser mais aprofundada. Não é muito claro como se processaria o exercício do direito à dedução.

Proposta n.º 12 – Total apoio a uma medida deste teor.Proposta n.º 13 – Total apoio a este tipo de medidas, até porque

reduzem os custos de cumprimentos por parte dos operadores económicos. Proposta n.º 14 – Total apoio a esta medida. Proposta n.º 15 – Total apoio a uma medida deste teor.Proposta n.º 16 – Considera ‑se fundamental que a adopção de Grupos

IVA pelos Estados membros esteja sujeita a um conjunto de princípios uniformes. Parece ‑nos, todavia, que a proposta de dar um âmbito transfron‑teiriço dos Grupos IVA ou a possibilidade de desconsiderar as transferên‑cias intracomunitárias de bens dentro de membros do Grupo são sugestões que dificilmente serão aceites pelos Estados membros, por potenciarem situações de fraude e possível redução de receitas fiscais. Tendo presente que a adopção dos Grupos IVA é uma faculdade não utilizada por todos os Estados membros, a eficácia deste tipo de medidas enquanto instrumento de simplificação será sempre limitada a alguns Estados membros.

P24 Considera que o regime de isenção actualmente aplicável às pequenas empresas deveria ser revisto e, em caso afirmativo, quais deveriam ser os principais elementos dessa revisão?

P25 Deveriam ser consideradas medidas de simplificação adicionais e quais deveriam ser os seus principais elementos?

P26 Na sua opinião, os regimes aplicáveis às pequenas empresas respondem satisfatoriamente às necessidades dos pequenos agricultores?

P24 – O regime funciona adequadamente. O único problema que o caracteriza é o facto de os limiares de isenção – pelo menos, em diver‑sos Estados membros – serem demasiado baixos, o que faz com que um elevadíssimo número de operadores, com reduzido volume de negócios

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fiquem sujeitos ao regime normal do IVA e ao cumprimento de todas as obrigações dele decorrentes.

P25 – Seria oportuno definir princípios comuns para a aplicação de um regime forfetário às pequenas empresas, que se situem acima do limiar de isenção.

P26 – Sim.

P27 Considera o conceito do balcão único como uma medida de simplificação pertinente? Em caso afirmativo, quais deveriam ser as características deste mecanismo?

O balcão único pode ser uma medida de simplificação muito importante, desde que o seu âmbito de aplicação seja alargado a todas as operações B2C. O mecanismo de balcão único alargado não deveria ser muito diferente daquele que já se encontra previsto na Directiva IVA, ou seja, deveria prever unicamente a entrega de declarações peri‑ódicas de IVA, eventualmente com periodicidade mais alargada (com dispensa do cumprimento de outras obrigações declarativas previstas no Estado membro de consumo), pagamento do IVA devido num único ponto de contacto, junto da administração do Estado membro de esta‑belecimento.

P28 Considera que as regras em matéria de IVA actualmente em vigor criam dificuldades para as operações transfronteiras dentro da mesma empresa ou do mesmo grupo? Como propõe que essas dificuldades possam ser resolvidas?

No que respeita aos serviços, as regras aplicáveis (tributação no destino como regra geral nas operações entre empresas) ou não tribu‑tação (nas operações dentro da mesma empresa) não criam quaisquer dificuldades para as operações transfronteiras. No caso das transmissões de bens, considera ‑se que deixar de considerar como operação tributável as transferências de bens realizadas por grandes empresas entre Estados membros poderia potenciar situações de fraude e também, por falta de medidas de controlo, pôr em causa o princípio da tributação no destino das transacções intracomunitárias de bens. Nesta matéria, o maior problema reside no diferente tratamento às transferências para as necessidades

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da própria empresa, já que um número significativo admite medidas de simplificação, mas estas não são de aplicação uniforme nem são adoptadas por todos os Estados membros.

P29 Na sua opinião, em que domínios da legislação relativa ao IVA devem ser incentivadas sinergias com outra legislação fiscal ou aduaneira?

Todas as matérias que envolvam obrigações declarativas (ou de pagamento) deveriam ser articuladas com outros domínios da legislação comunitária, não só nos domínios fiscal e aduaneiro, mas em certos casos, também comercial e contabilístico.

P30/31 Qual a sua opinião sobre os vários modelos alternativos de cobrança do IVA, designadamente do pagamento fraccionado facultativo como forma de combate à fraude do operador fictício?

Na verdade, dos 4 modelos, enunciados no livro verde, de melho‑ramento e modernização da cobrança do IVA, apenas 1, a inversão de pagamento, consiste numa forma alternativa de cobrança, uma vez que sugere que o cliente deixe de pagar o IVA directamente ao respectivo fornecedor para o entregar ao Estado. Todas as outras modalidades consistem, sobretudo, no fornecimento antecipado à administração fiscal dos dados relativos a determinadas operações consideradas de risco, proporcionando a esta a possibilidade de proceder atempadamente ao respectivo controlo.

Ora, a inversão do pagamento apresenta de facto algumas vantagens em termos de eficácia de luta contra a fraude do operador fictício, uma vez que elimina o principal factor de risco, ou seja, o ponto de cobrança do imposto deixa de ser o vendedor, para passar a ser o cliente, que paga o IVA directamente ao Estado. Dado que alguns Estados membros activam, em situações deste tipo, determinados mecanismos que visam a recuperação do imposto perdido, ou através da responsabilização solidária do cliente pela dívida, ou através da recusa do exercício do direito à dedução do IVA pela sua parte, o método proposto dá também maior segurança jurídica ao cliente que fica, desse modo, protegido face a um eventual incumprimento por parte do fornecedor.

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Entendemos, por isso, que as potencialidades deste mecanismo merecem ser exploradas. Todavia, a sua aplicação sistemática a todas as operações defronta ‑se com várias dificuldades, como sejam os elevados custos que decorreriam para as empresas e para as administrações da gestão de novos sistemas de pagamento, feitos através de intermediários finan‑ceiros, o impacto a nível do exercício do direito à dedução e cash flow dos sujeitos passivos, a co ‑existência com modelos de cobrança tradicionais e a descaracterização do imposto, assente no modelo de pagamentos fraccio‑nados. Por isso, a inversão de pagamento deve ser ponderada, sobretudo, numa perspectiva de modalidade de cobrança pontual, relativamente a operações tipificadas como de risco elevado de fraude. A este respeito, deve igualmente ser analisada a possibilidade dessa forma de cobrança ser imposta aos operadores económicos. A par deste mecanismo poderia ser instituído um sistema electrónico de troca de dados, entre as empresas e as autoridades fiscais, que permitiria a estas últimas ter conhecimento dos elementos relativos às operações de risco em tempo real.

P32 Apoiaria as sugestões do livro verde para uma gestão do sistema do IVA mais eficaz e moderna?

O livro verde faz várias sugestões quanto ao melhoramento das relações entre as empresas e as administrações fiscais no que se refere à gestão do imposto. Algumas das ideias avançadas consistem na criação de um fórum europeu de debate permanente, a elaboração de orientações sobre a simplificação das práticas administrativas, o desenvolvimento de parcerias e de decisões antecipadas sobre o tratamento fiscal de certas ope‑rações, bem como dos aspectos informáticos ligados à gestão do imposto.

Cabe antes do mais lembrar que os aspectos ligados à gestão do imposto caiem no âmbito da soberania própria dos Estados membros. Dificilmente se antevê, portanto, que estes aceitem conferir competências à Comissão nesta matéria. No entanto, dado o seu papel institucional e a sua visão de conjunto sobre o IVA a nível da UE, a Comissão poderia dinamizar iniciativas no sentido de desenvolver o diálogo permanente entre os sectores público e privado quanto à modernização e simplificação dos aspectos práticos do funcionamento do imposto. A este respeito, o inter‑câmbio de boas práticas e experiências entre administrações e empresas também poderia ser estimulado. Ressalve ‑se, contudo, que estas iniciativas

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apenas parecem fazer sentido se tiverem como objecto situações e soluções na sua dimensão comunitária, portanto, sem desvios para a resolução de problemas individuais ou de conflitos bilaterais.

P33 Que aspectos, com excepção dos já mencionados, devem ser considerados no âmbito do futuro do sistema de IVA da UE? Que solu‑ção recomendaria?

A existência de casos de dupla tributação em sede de IVA, decor‑rentes de divergências na interpretação das normas da Directiva por duas administrações fiscais diferentes (apesar da conformidade dessa inter‑pretação com as regras comuns), ou da diferente qualificação da mesma operação, transversal a mais de um Estado membro, na área das operações intracomunitárias (transmissão versus aquisição intracomunitária de bens, conceito de meios de transporte novos), poderia justificar uma nova ini‑ciativa comunitária.

A própria Comissão reconheceu essa realidade, na sua Comunicação de Outubro de 2003 (COM(2003) 614 final), admitindo a hipótese de criar um mecanismo de supressão da dupla tributação em casos individuais, com o intuito de assegurar a aplicação mais uniforme das regras comuns do IVA. Todavia, após uma consulta pública efectuada em 2007, aban‑donou esse projecto. Há cerca de um ano, o Relatório apresentado pelo ex ‑Comissário Europeu Mário Monti ao Presidente da Comissão Europeia, voltava a referir uma medida fiscal dessa natureza como importante, no contexto de uma estratégia de relançamento do Mercado Interno.

A Comissão poderia considerar a pertinência de uma iniciativa nesta área, não sob a forma de um mecanismo de eliminação de casos individuais de dupla tributação (que levantou reservas intransponíveis à concretização do projecto de 2003), mas através de uma medida de soft law (por exem‑plo, uma recomendação, ou uma resolução) que estabelecesse princípios orientadores que possibilitariam encontrar soluções coordenadas para casos de dupla tributação. Note ‑se que, no domínio da fiscalidade directa, já foram adoptadas medidas de coordenação fiscal, como é o caso das Resoluções do Conselho em matéria de regras de tributação à saída e de normas relativas às sociedades controladas e subcapitalização.

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PONTO DE SITUAçãO DOS TRABALHOS NA UNIãO EUROPEIAE NA OCDE – PRINCIPAIS INICIATIVAS ENTRE MARçOE MAIO DE 2011

Manuel Faustino, Clotilde Celorico Palma e A. Brigas Afonso

1. FISCALIDADE DIRECTA

I – UNIÃO EUROPEIA

1. A Comissão pediu à Bélgica para modificar o seu regime de tribu‑tação das doações de bens imóveis na região de Bruxelas ‑capital (IP/11/159)

A Comissão solicitou oficialmente à Bélgica que modifique a norma do código do imposto sobre sucessões da região de Bruxelas ‑capital que consagra a aplicação de uma taxa reduzida nas doações de bens imóveis nesta região. Com efeito, para beneficiar desta disposição, o interessado deve residir em Bruxelas há pelo menos cinco anos, o que a Comissão considera incompatível com a liberdade de estada, a livre circulação de trabalhadores e o direito de estabelecimento previstos pelo tratado. O pedido revestiu a forma de parecer fundamentado.

2. A Comissão pediu à França para modificar algumas normas fiscais discriminatórias em matéria de aluguer para habitação (IP/11/160)

A Comissão solicitou oficialmente à França que modifique as normas que permitem aos investidores no imobiliário novo habitacional situ‑ado em França beneficiar do regime de amortizações aceleradas, mas não o permitem para investimentos similares realizados no estrangeiro. A Comissão considera que estas normas são incompatíveis com a livre

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circulação de capitais, princípio fundamental do mercado único da UE. O pedido revestiu a forma de parecer fundamentado.

3. A Comissão pediu à Grécia para modificar a sua amnistia fiscal por considerá ‑la discriminatória (IP/11/161)

A Comissão solicitou oficialmente à Grécia que modifique as suas disposições fiscais que criaram uma discriminação em relação aos activos detidos no estrangeiro por residentes gregos. No quadro da amnistia fiscal grega, os activos que sejam transferidos para uma conta bancária na Grécia beneficiam de uma taxa de imposto mais baixa do que os que se mantiverem no exterior. A Comissão considera que estas normas discriminatórias são incompatíveis com a livre prestação de serviços e a livre circulação de capitais previstas pelo tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE) e pelo acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE). O pedido revestiu a forma de parecer fundamentado.

4. A Comissão pediu à Espanha para modificar algumas normas em matéria de imposto sobre as sucessões e doações, por considerá‑‑las discriminatórias (IP/11/162)

A Comissão solicitou oficialmente à Espanha que modifique as suas normas fiscais relativas ao imposto sobre as sucessões e doa‑ções que prevêem uma tributação mais elevada para os não resi‑dentes e para os activos detidos no estrangeiro. Estas normas são incompatíveis com a livre circulação de trabalhadores e de capitais, consagradas pelo Tratado. O pedido revestiu a forma de parecer fundamentado.

5. A Comissão pediu a Alemanha para modificar as suas normas discriminatórias em matéria de imposto sobre as sucessões (IP/11/294)

A Comissão solicitou oficialmente à Alemanha que modifique a sua legislação em matéria de imposto sobre as sucessões e doações que submete a uma discriminação (no que diz respeito à isenção de base)

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os residentes noutros Estados membros da UE, contrariamente ao que prevê a legislação da UE sobre a livre circulação de capitais. O pedido revestiu a forma de parecer fundamentado

6. A Comissão pediu ao Reno ‑Unido para modificar o seu regime de tributação de bens imóveis considerado discriminatório em rela‑ção a pessoas que estudem no estrangeiro (IP/11/295)

A Comissão pediu oficialmente ao Reino ‑Unido para modificar as suas regras relativas ao imposto predial local aplicável aos estudantes porque são discriminatórias para os estudantes sujeitos aos impos‑tos locais («Council tax») que prosseguem os seus estudos noutros Estados membros da UE (não beneficiam da redução de imposto que a lei lhes concede se prosseguirem os seus estudos em Inglaterra ou no País de Gales). A omissão considera que estas disposições legis‑lativas discriminatórias constituem uma infracção à legislação da União Europeia relativa à liberdade de circulação de pessoas e que elas dissuadem os estudantes de exerceram o seu direito de estudar noutro Estado membro da UE. O pedido revestiu a forma de parecer fundamentado.

7. Base tributável europeia para as empresas: fazer negócios com mais facilidade e menos encargos(IP/11/319)

A Comissão Europeia propôs um sistema comum para o cálculo da matéria colectável das empresas com actividade na EU [COM(2011) 121 Final – 2011/0058 (CNS), de 16 de Março de 2011].O objectivo desta proposta é reduzir significativamente os encargos administrati‑vos, custos de conformidade e incertezas jurídicas que as empresas enfrentam actualmente na União, perante 27 sistemas nacionais diferentes, para determinarem a respectiva matéria colectável.Com a matéria colectável comum consolidada do imposto sobre as socie‑dades (MCCCI), tal como proposta, as empresas beneficiarão de um sistema de «balcão único» para o preenchimento das suas declarações fiscais, podendo assim consolidar a totalidade dos lucros e perdas que obtiverem em toda a UE.Os Estados ‑Membros conservarão inte‑gralmente o direito soberano de fixar as respectivas taxas do imposto

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sobre as sociedades.Segundo as estimativas da Comissão, a MCCCI permitirá que, anualmente, as empresas de toda a UE poupem 700 milhões de euros com a redução dos custos de conformidade e 1,3 mil milhões por meio da consolidação.Por outro lado, as empresas que pretendam expandir ‑se além ‑fronteiras beneficiarão de poupan‑ças que poderão chegar a mil milhões de euros.A MCCCI tornará também a UE um mercado muito mais atractivo para o investimento estrangeiro.NOTA: Com esta proposta, apresentada três anos depois da data prevista, terão terminado as interrogações que o projecto MCCCIS vinha suscitando. Considera ‑se, assim, da maior utilidade relembrar que o tema foi abordado no Relatório do Grupo da o Estudo da Polí‑tica Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, Cadernos CTF, n.º 209, pp. 391/418 e para ele remeter os leitores. Conjuntamente com a Comunicação, foram ainda divulgados os documentos de trabalho SEC(2011) 315 final e SEC(2011) 316 final, bem como o MEMO 11/171, Perguntas e respostas sobre a MCCCIS, que constitui uma espécie de FAQ e transmite uma visão mais prá‑tica, através do método da pergunta ‑resposta, do funcionamento do modelo ora proposto.

8. Para um diálogo entre a União Europeia e os Estados Unidos sobre o «ForeignAccountTaxComplianceAct» (IP/11/78)

Numa carta dirigida às autoridades fiscais dos Estados Unidos, a Presidência da Hungria do Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia pediram às autoridades competente dos EUA para iniciarem um diálogo sobre a melhor forma de atingir os objectivos estabele‑cidos pela legislação dos EUA designada como o «Foreign Account Tax Compliance Act» (FATC). Este texto tem como objectivo permitir que as autoridades fiscais dos Estados Unidos obtenham informações sobre os investimentos feitos por residentes dos EUA em instituições financeiras estrangeiras, incluindo a Europa. Os seus objectivos neste domínio são similares aos da directiva da EU relativa à tributação da poupança, que prevê o intercâmbio de informações entre as auto‑ridades fiscais dos Estados ‑Membros. No entanto, as disposições da FACT impõem um pesado ónus sobre as instituições financeiras na

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EU (ou seja, incluindo bancos, fundos de investimento e companhias de seguros). Dados os instrumentos existentes para troca de infor‑mações entre as autoridades fiscais, e à luz das discussões em curso sobre o alargamento do âmbito da directiva relativa à tributação da poupança, que é uma prioridade para a Presidência da Hungria bem como para Comissão, ambas convidaram as autoridades dos EUA a considerar as sinergias que permitam a ambas as partes alcançar os seus objectivos comuns ao melhor custo e sem danos para as suas empresas.

9. A Comissão pediu à Bélgica para modificar as suas normas sobre tributação das mais ‑valias (IP/11/421)

A Comissão pediu formalmente à Bélgica para modificar as suas nor‑mas de tributação das mais ‑valias, porque elas discriminam os activos situados fora da Bélgica (em sede de reinvestimento e consequente diferimento da tributação) e, consequentemente, infringem as liber‑dades fundamentais do mercado único (liberdade de estabelecimento, livre prestação de serviços e livre circulação de capitais). O pedido foi feito sob a forma de parecer fundamentado.

10. A Comissão leva a Bélgica ao TJUE por tributação discriminató‑ria das sociedades de investimento estrangeiras (IP/11/422)

A Comissão decidiu propor no TJUE uma acção contra a Bélgica por tributação discriminatória das sociedades de investimento estrangeiro (discriminação que consiste no facto de as sociedades de investi‑mento nacionais belgas não pagarem, na prática, imposto sobre os juros e dividendos provenientes da Bélgica, pois são reembolsadas integralmente da retenção na fonte sofrida e o mesmo não se passa com as sociedades de investimento estrangeiras, que estão sujeitas a uma retenção na fonte de 15% ou 25% sobre juros e dividendos pro‑venientes da Bélgica, sem possibilidades de restituição). A Comissão considera que esta discriminação é contrária às regras do mercado único em matéria de livre circulação de capitais e de liberdade de estabelecimento.

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11. A Comissão leva a Bélgica ao TJUE por tributação discriminatória dos fundos de investimento islandeses e noruegueses (IP/11/423)

A Comissão decidiu propor no TJUE uma acção contra a Bélgica por tributação discriminatório de alguns fundos de investimento islande‑ses e noruegueses, em violação das regras da União Europeia sobre a livre circulação de capitais e a livre prestação de serviços. Concreta‑mente, a Bélgica não concede a isenção para as mais ‑valias realizadas com a cessão de unidades de alguns fundos de investimento estabe‑lecidos na Islândia e na Noruega, enquanto concede essa isenção no caso de unidades de participação no caso de fundos de investimento estabelecidos em qualquer parte da UE. A Comissão considera que esta diferença de tratamento restringe a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 40.º do acordo sobre o EEE e a livre prestação de serviços garantida pelo artigo 36.º do mesmo Acordo.

12. A Comissão pede à Bélgica para modificar duas normas discri‑minatórias em matéria de imposto sobre as sucessões (IP/11/425)

A Comissão pediu oficialmente à Bélgica para modificar dois aspectos da sua legislação em matéria de imposto sobre as sucessões e doa‑ções que impõem uma discriminação aos herdeiros e beneficiários de doações não residentes e às entidades estrangeiras. Por um lado, tais beneficiários devem prestar uma caução, sob pena de verem bloque‑ados todos os bens objecto de transmissão por morte ou de doação. Por outro lado, segundo a legislação vigente na Valónia, determina‑das entidades públicas ou entidades organizações sem fins lucrativos beneficiam de uma isenção ou de uma redução de imposto, enquanto as suas congéneres não residentes devem pagar a totalidade. A Comissão considera que estes dois aspectos são contrários à legislação da UE sobre a livre circulação de capitais. Os pedidos da Comissão revesti‑ram a forma de pareceres fundamentados.

13. A Comissão pede à Bélgica para modificar a sua legislação rela‑tiva ao imposto sobre bens imóveis (IP/11/427)

A Comissão pediu oficialmente à Bélgica para modificar a sua legis‑lação fiscal que prevê uma isenção fiscal relativamente a alguns bens

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imóveis (nomeadamente se afectos ao sector da saúde ou da educação, ou se forem objecto de contratos especiais de locação) situados na Bélgica, a fim de respeitar a regulamentação da UE sobre a livre circu‑lação de capitais. Com efeito, os residentes belgas são tributados por rendimentos de imóveis em situação comparável, situados no estran‑geiro. A Comissão considera que as normas actuais são susceptíveis de dissuadir os residentes belgas de investir noutros Estados membros da UE. O pedido da Comissão revestiu a forma de parecer fundamentado.

14. A Comissão leva a Holanda ao Tribunal de Justiça por discrimina‑ção fiscal contra organizações de caridade estrangeiras (IP/11/429)

A Comissão decidiu instaurar um processo contra a Holanda no TJUE porque o tratamento fiscal que ela aplica aos donativos destinados a instituições de caridade é discriminatório e contrário às regras da EU relativas à livre circulação de capitais. O alívio fiscal associado aos donativos apenas se aplica aos efectuados a favor de instituições de caridade registadas na Holanda e não se aplica aos donativos efectu‑ados a organizações de caridade estrangeiras.

15. Colecção Taxation Papers

A Colecção Taxations Papers foi neste período acrescida com uma nova publicação:− N.º 27 – The Role of Housing Tax Provisionsinthe 2008 Financial Crisis, Thomas Hemmelgarn, GaetanNicodeme, and Ernesto Zangari

II. OCDE

1. Lutar contra o planeamento fiscal agressivo mediante a melhoria da transparência e da comunicação de informações

O planeamento fiscal agressivo põe em causa as receitas fiscais de numerosos países. Os montantes em jogo são muito grandes, como o demonstram algumas decisões e acordos recentes. Vários países adoptaram estratégias para obstaculizar o planeamento fiscal agres‑sivo. A base de toda a estratégia deste tipo consiste em assegurar a

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disponibilidade em tempo oportuno de informação precisa e com‑pleta, o que os controles clássicos não permitem por si só obter. A disponibilidade de tal informação em tempo oportuno é essencial para permitir aos governos a identificação, em tempo útil, dos sectores de risco decidir rapidamente se e como responder a estes riscos, o que oferecer igualmente aos contribuintes uma grande certeza. Para serem mais efectivas, as administrações fiscais procuram cada vez mais tra‑balhar em tempo real. Muitos países desenvolveram, em matéria de comunicação de informações, iniciativas complementares visando melhorar a sua capacidade de detectar a planificação fiscal e de lhe responder rapidamente.O RELATORIO “Lutar contra o planeamento fiscal Agressivo pela melhoria da transparência e da comunicação de informações”, divul‑gado em Fevereiro de 2011, aprovado por todos os países membros da OCDE, descreve as estratégias adoptadas por estes países. Aborda um conjunto significativo de iniciativas que vão das regras relativas à comunicação prévia obrigatória de informações às formas de disci‑plina de cooperação fiscal.

2. Protocolo que actualiza a Convenção sobre Assistência Adminis‑trativa Mútua em matéria fiscal. Assinaturas

Com a assinatura pela Espanha e pela Bélgica, são já 20 os países da OCDE que assinaram o Protocolo que modifica a Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em matéria fiscal. Este Protocolo foi a resposta a um pedido do G20 e estabelece um quadro multila‑teral para a troca de informações com fins fiscais, actualiza todas as normas da convenção sobre troca de informação e abre a Convenção modificada a todos os países. A Convenção modificada entrou em vigor em 1 de Junho de 2011.

3. A OCDE reencontra os comentadores do sector privado sobre as questões de avaliação dos activos incorpóreos para fins de deter‑minação de preços de transferência

Entre 21 e 23 de Março de 2011, os delegados da Sessão Especial do Grupo de Trabalho n.º 6 sobre os aspectos dos preços de transferên‑

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cia dos activos incorpóreos (Sessão Especial do GT6) encontraram‑‑se com os representantes do sector privado para discutir a avaliação dos activos incorpóreos para efeitos de determinação de preços de transferência.

4. Combater a delinquência financeira

Mais de 150 participantes de mais de 54 países, entre os quais Portu‑gal, participaram na primeira conferência internacional «Fiscalidade e Delinquência» organizada pela OCDE e acolhida pelo governo Norueguês, em Oslo. A Conferência reuniu representantes de diver‑sas agências governamentais de países da OCDE e não OCDE, repre‑sentantes das administrações fiscais, de ministérios das finanças e da justiça, de Unidades de Inteligência financeira, de bancos centrais, do GAFI, organizações internacionais, bem como o mundo empre‑sarial e as ONG.A conferência chegou às seguintes conclusões:

1. Os crimes fiscais são crimes graves e devem ser perseguido como tal. Os participantes saudaram as discussões dentro do GAFI sobre crimes tributários como crimes subjacentes ao branqueamento de capitais.

2. Mudar o comportamento é fundamental e exige mensagens públi‑cas claras, e consistentes.

3. As empresas podem desempenhar um papel fundamental, dando o exemplo através de controlos internos, política e estruturas para garantir o cumprimento.

4. Há um claro benefício para a cooperação inter ‑agências, abran‑gendo os impostos, as sanções, as autoridades de aplicação da lei anti ‑branqueamento e, eventualmente, outras agências.

5. Existem diferentes modelos para a cooperação internacional e devem ser revistos para aumentar a cooperação em matéria fiscal e a criminalidade, como um fórum para investigadores criminais que reúna diferentes órgãos governamentais de países em desen‑volvimento e países desenvolvidos.

6. É preciso identificar e preencher as lacunas políticas, legislati‑vas e operacionais que impedem a cooperação efectiva, interna e internacional.

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7. Os países em desenvolvimento também podem beneficiar da «Abordagem conjunta do Governo» e, em particular, melhorias significativas poderiam ser alcançados através da detecção precoce, da investigação eficaz, da perseguição e recuperação de activos através da utilização de ferramentas adequadas.

Na base destes resultados e do forte interesse em continuar o diálogo inter ‑agências e partilha de experiências iniciadas em Oslo, a OCDE, em colaboração com outras organizações internacionais e as partes interessadas, irá:

1. Estabelecer um diálogo global sobre a colaboração inter ‑agências para melhor combater os crimes financeiros, incluindo os fluxos financeiros ilícitos. Uma plataforma para compartilhar experiên‑cias operacionais poderia apoiar esse diálogo.

2. Imediatamente antecipará as questões debatidas em Oslo, por meio de uma task force da OCDE (Task Force on Tax Crimes and other Crimes), que incidirá sobre como:

– Melhorar a inter ‑cooperação, mediante o inventário dos diferen‑tes modelos de cooperação, as suas vantagens e desafios com vista ao desenvolvimento de padrões de melhores práticas, e com um foco particular na contribuição que as administrações fiscais podem dar nesse domínio.

– Melhorar o conhecimento e a utilização de mecanismos de coo‑peração internacional catalogando todas formas e instrumentos relevantes para a cooperação internacional no combate ao crime financeiro.

– Dar apoio ao desenvolvimento sustentável e de transparência fiscal, procurando avaliar áreas maiores de benefício para os países em desenvolvimento a partir da “Abordagem conjunta do Governo”.

5. Fórum mundial sobre a transparência fiscal

Com a adesão do Gana, da Geórgia e da Nigéria, o Fórum mundial conta já com 101 membros e outros vão aderir proximamente. Isto significa que o Fórum mundial sobre a transparência fiscal reúne já mais de metade do mundo.

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Entretanto, foram publicados mais alguns relatórios sobre a transpa‑rência dos sistemas fiscais e sobre a troca de informações para fins fiscais que avaliam a capacidade dos membros do Fórum para acabar com a fraude fiscal internacional. Assim, os relatórios sobre Aruba, as Bahamas, a Bélgica, a Estónia e o Gana avaliam os respectivos quadros jurídicos relativos à troca de informações para fins ficais. Os relatórios sobre o Canadá e a Alemanha avaliam, por seu turno, os quadros jurídicos e a sua aplicação prática em matéria de trocas de informações para fins fiscais.

6. Beneficiário efectivo

O Comité dos assuntos fiscais da OCDE aceita comentários do público sobre as propostas de modificação aos Comentários sobre os artigos 10.º, 11.º e 12.º do Modelo de Convenção fiscal da OCDE, sobre a interpretação da expressão «beneficiário efectivo».A expressão «beneficiário efectivo», tal como é utilizada nestes artigos da Convenção Modelo da OCDE deu lugar a diferentes interpretações pelos tribunais e pelas administrações fiscais. Tendo em conta os riscos de dupla tributação e de não tributação resultantes destas diferentes interpretações, o Comité dos Assuntos Fiscais desenvolveu propostas tendo em vista precisar a interpretação a dar à expressão «benefici‑ário efectivo» constante do Modelo de Convenção. É este projecto, que inclui propostas de modificação aos Comentários dos artigos já mencionados, que está em discussão pública até 15 de Julho de 2011.

2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

1. Comissão solicita à Alemanha que alargue o âmbito de aplicação das isenções dos grupos autónomos de pessoas (comunicado de imprensa IP/11/428 de 6 de Abril de 2011)

A Comissão Europeia veio solicitar à Alemanha que alargue a todos os sectores de actividade o âmbito das isenções de IVA aplicáveis em caso de partilha de custos relativas a prestações de serviços efectuadas por grupos autónomos de pessoas, dado serem apenas aplicáveis no sector das limpezas e da saúde.

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2. Publicação do Regulamento de aplicação da Directiva IVA

Foi publicado o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, do Conselho, de 15 de Março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Directiva IVA, revogando o Regulamento (CE) n. º 1777/2005, do Conselho, de 17 de Outubro de 2005 (JO L 77/1 de 23.3.2011)

3. Publicação do estudo sobre o IVA no sector público

Foi publicado pela Comissão Europeia o estudo VAT IN THE PUBLIC SECTOR AND EXEMPTIONS IN THE PUBLIC INTEREST, final report for TAXUD/2009/DE/316|March 1, 2011, Copenhagen Eco‑nomics and KPMG AG.

3. IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO HARMONIzADOS,IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS E UNIÃO ADUANEIRA

1. União Aduaneira – Acórdão do TJUE sobre classificação pautal

Nos termos do Acórdão do TJUE proferido em 15.04.2011 nos Proc. n.os C‑288/09 e C‑289/09, os descodificadores com uma unidade de disco rígido (Sky+box) devem ser classificados como aparelhos de comunicação e não como aparelhos de gravação, dado que o TJUE considerou que os aparelhos que executam várias funções, devem ser classificados de acordo com a função principal, que neste caso é a recepção de imagens via satélite e não como aparelhos de gravação, que neste caso é meramente acessória da função de recepção de imagens. Em consequência, estes aparelhos são livres de direitos de importação e não são tributados pela taxa de 13,9% aplicável aos aparelhos de gravação.

2. União Aduaneira – Regras de Origem Preferenciais

Em 15.04.2011, o Conselho da União Europeia adoptou uma decisão que autoriza a Comissão Europeia a assinar a Convenção regional sobre as regras pan ‑euro ‑mediterrânica de origens preferenciais. A Convenção irá substituir o sistema pan ‑euro ‑mediterrânico actual das regras de origem com base em 60 protocolos individuais aplicáveis a países terceiros.

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As partes contratantes da Convenção são a União Europeia, as Ilhas Faroé, os Estados da EFTA, Turquia, os parceiros do Sul do Mediterrâneo que participam no "Processo de Barcelona", e os Balcãs Ocidentais.

3. Impostos especiais de consumo (IEC) – Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP)

A Comissão Europeia apresentou, em 13.4.2011, uma proposta de revisão da Directiva 2003/96/CE, habitualmente designada por Directiva de tributação dos produtos energéticos, culminando um processo iniciado em Julho de 2009, com a apresentação e início de discussão com os Estados‑‑Membros de um primeiro documento de trabalho sobre a matéria, a qual vai agora ser objecto de discussão pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu.

A proposta da Comissão assenta em 3 elementos ‑chave:

– introduzir uma distinção entre tributação do CO2 e tributação do consumo energia, favorecendo as fontes de energia renováveis e o consumo de fontes de energia que emitam menos CO2;

– promover uma abordagem mais coerente e consistente em matéria de fiscalidade da energia em toda a UE, eliminado, por exemplo, a possibilidade de diferenciação de taxas entre as utilizações comer‑cial e não comercial de gasóleo rodoviário;

– assegurar uma abordagem comum para a tributação do CO2, como complemento do regime comunitário de comércio de licenças de emissão de gases com efeitos de estufa, através da aplicação de um imposto sobre o CO2 aos sectores não abrangidos por aquele regime (transportes, famílias, agricultura e pequenas indústrias).

– Pretende ‑se que a nova Directiva entre em vigor a partir de 2013, tudo dependendo da rapidez do acordo ao nível do Conselho Euro‑peu, estando previstos na proposta períodos de derrogação para algumas disposições.

4. Fiscalidade automóvel – Comissão Europeia envia parecer funda‑mentado ao Chipre

A Comissão Europeia enviou, em 6.04.2011, um parecer fundamen‑tado ao Chipre, solicitando ‑lhe a alteração do imposto especial sobre moto‑

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ciclos de segunda mão, considerando que é discriminatório dos motociclos usados adquiridos noutro Estado ‑Membro (IP/11/426).

5. Estudos – A Influência dos Impostos na Inovação Tecnológica

A Comissão Europeia publicou, em 23.02.2011, um estudo (Innova‑tion of Energy Technologies: the Role of Taxes) que aborda as relações entre a tributação da energia e a inovação. O estudo sublinha que a tribu‑tação tem um importante papel na indução da inovação, que poderá ser complementada com outros instrumentos de política pública, tais como bolsas de estudo.

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CONFERÊNCIA INTERNACIONAL CONSELHO EUROPEU DE 24E 25 DE MARçO: NOVAS VESTES DA UNIãO EUROPEIA?

Eduardo Paz Ferreira

A 4 de Julho de 2011, no Centro de Congressos de Lisboa, ocorreu mais uma Conferência Internacional em parceria com o IDEFF e a OTOC, organizada por Eduardo Paz Ferreira, Domingues de Azevedo, Clotilde Celorico Palma e Nuno Cunha Rodrigues, que juntou um elenco de reputados universitários, banqueiros, economistas, políticos, jornalistas e peritos em assuntos europeus, num debate vivo muito alargado.

Aqui recordamos a intervenção inicial do Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira:

A todos quero desejar as mais calorosas boas vindas a esta confe‑rência que nos reúne, hoje, dando sequência à reflexão que temos vindo a promover desde que a crise financeira de 2007/8 e os seus subsequentes desenvolvimentos desafiaram todo o Mundo mas, muito em especial, a Europa e Portugal a tomarem decisões capitais para o seu futuro e para o bem ‑estar dos cidadãos.

A todos quantos nos apoiaram nesta iniciativa expresso a minha mais profunda gratidão. Permitam ‑me que destaque, em especial, o Senhor Reitor que tem sempre uma palavra de estímulo e ânimo, ao mesmo tempo que representa para todos nós um exemplo de empenho universitário e cívico; a Senhora Vice ‑Reitora, Professora Maria Amélia Loução, que nos dá, mais uma vez, a honra da sua presença e com quem tenho o grato prazer de trabalhar num projecto muito estimulante da Universidade de Lisboa e o Professor Vera Cruz, sempre generoso em relação ao IDEFF e atento ao pulsar da Escola.

Permitir ‑me ‑ão que agradeça aos nossos apoiantes: ao Millennium‑bcp, nas pessoas dos Drs. Carlos Santos Ferreira e Paulo Macedo, tra‑dicionais parceiros de trabalho e à Ernst &Young, com quem iniciamos

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uma cooperação que esperamos frutuosa, bem como às direcções da Associação Académica da Faculdade e da ELSA, às quais presto a minha homenagem pela forma como se empenham em aprofundar os conheci‑mentos dos estudantes e em fazê ‑los participar nas reflexões urgentes da contemporaneidade.

Não me esqueço que esta conferência só existe graças às qualifica‑das personalidades que, com generosidade e sacrifício, se dispuseram a partilhar connosco a sua visão da actualidade. Encontraremos pessoas que todos respeitamos e que, na diversidade dos seus pontos de vista e áreas profissionais, comungam do mesmo sentido de dever cívico.

É esse mesmo sentido de dever cívico que inspira quantos se decidi‑ram a dispor do dia para estar aqui presentes, num gesto que representa a negação da indiferença e a manifestação de que não baixam os braços em relação à realidade que nos rodeia por mais pesada que ela seja.

Como muitos estarão recordados, há dois meses promovemos a conferência Portugal 2011: Vir o Fundo ou Ir ao Fundo, que teve um enorme impacto e permitiu concluir maioritariamente que havia alterna‑tivas diferentes. Dois meses depois, juntamo ‑nos de novo, num contexto muito mais preocupante e no qual a resposta que vem ‑ ou não vem ‑ da União Europeia é decisiva.

A conferência foi programada num momento em que nada fazia prever a queda do Governo e a crise política. Longe de mim, no entanto, pensar que esses acontecimentos foram neutros ou destituídos de impacto sobre as matérias que hoje vamos debater.

Obviamente que, nalguns aspectos, a evolução política tornou o debate mais premente e mais necessário, até para evitar que engrossem as fileiras dos desanimados. Mas importa que fique claro que este não é um debate sobre as convergências e divergências no seio do sistema partidário português.

O título da conferência foi longamente debatido com o núcleo de pessoas do meu círculo profissional e pessoal que normalmente me ajudam a reflectir e a organizar estes acontecimentos.

Este debate prévio levou a que a conferência fosse mudando de título. Num primeiro momento, chamou ‑se “E agora, com a Europa” – para destacar o aparente afastamento do Fundo Monetário Interna‑cional e a decisão da União em criar mecanismos sólidos de apoio aos países membros em dificuldade. O que entretanto se passou deu razão

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aos críticos do título que, mais provavelmente, deveria ser “E, agora, sem a Europa”.

E isso é tanto mais verdadeiro quanto o modelo a que a Europa acabou por aderir não só é profundamente subsidiário do FMI, como pres‑supõe sempre a intervenção conjunta daquela organização internacional.

Uma segunda hipótese de título foi “Novas Vestes para uma Velha Senhora”. Neste caso fui convencido pelo argumento que a União Euro‑peia ainda era uma senhora jovem, ainda que nela se pudessem detectar alguns sinais de reumático, segundo alguns, ou de obesidade excessiva, na opinião de outros, enquanto que outros ainda – os optimistas – apenas encontravam manifestações de uma crise de crescimento.

E, assim, acabamos por colocar em título a interrogação: Novas Vestes para a União Europeia?, que seria compatível com um final feliz, em que todos concordássemos que os dirigentes europeus tinham tido a coragem de mudar as coisas ou com um mais pessimista, que se orientasse no sentido de considerar insuficiente ou até inadequada a resposta europeia.

Uma vasta maioria dos analistas considerou os resultados dos Con‑selhos insatisfatórios, a metodologia incompreensível e os timings inade‑quados. Alguns limitaram ‑se a pôr a tónica em que os resultados foram, apesar de tudo, melhores do que era a proposta inicial franco ‑alemã, ponto que creio que fará a unanimidade, mas que não é, em si mesmo, decisivo para a valoração do que saiu da reunião.

Entre aqueles que com maior elegância assumiram a defesa da jovem senhora, há que destacar Lorenzo Bini Smaghi, membro do con‑selho executivo do Banco Central Europeu e um potencial candidato à sucessão do actual Presidente que, reconhecendo embora, que a crise apanhou a Europa impreparada, sustenta que esta respondeu com uma energia inesperada.

Creio fazer justiça a Bini Smaghi transcrevendo um parágrafo que sintetiza, exemplarmente, as razões que encontra para estar satisfeito com a resposta europeia: “Em menos de doze meses, a estrutura institucional do euro mudou radicalmente. É interessante olharmos para onde estava o euro há doze meses atrás. Em menos de um ano, os países da área euro aprovaram um pacote de ajuda à Grécia de 110 biliões de euros, com contrapartida, num programa de ajustamento estrutural e financeiro drástico; aprovaram a criação de um fundo europeu de estabilidade

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financeira de 440 biliões, inspirado no FMI. O Pacto de Estabilidade e Crescimento foi ajustado para tornar mais rigorosa a política financeira e as sanções mais automáticas. Um sistema de vigilância macro ‑económica para identificar e contrariar os desequilíbrios na área do euro. Vários países adoptaram medidas de ajustamento financeiro e implementaram reformas estruturais, enquanto que a União Europeia criava três novas autoridades de supervisão: para os valores mobiliários, para os mercados e para os seguros, bem como o Conselho Europeu para o risco sistémico. Outro ponto importante foi o reforço da coordenação ao mais alto nível governamental.”

Fora da esfera política e das instituições comunitárias é, no entanto, claramente mais difícil encontrar quem partilhe o entusiasmo de Bini Sma‑ghi. Tivemos recentemente tomadas claras de posição de Georges Soros, Wolfgang Munchau, Paul De Grawe, Desmon Lachman ou Paul Krugman (apenas para recordar alguns nomes), apontando os erros e insuficiências da resposta europeia. Ao longo deste dia de trabalho teremos seguramente ocasião de confrontar estes pontos de vista.

Com todo o respeito pelas opiniões diversas que seguramente se manifestarão, encaminho ‑me no sentido de que a história tem um fim infe‑liz que, mesmo que não seja definitivo, deixou já atrás de si um impressivo rasto de danos directos e colaterais.

Se pensarmos na oração da serenidade: “Concedei ‑me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras", sou tentado a pensar que seguramente faltou coragem e sabedoria e que se tendeu a confundir serenidade com abdicação.

A União Económica e Monetária representou um passo enorme no caminho da integração europeia, mas constituiu uma experiência em que eram evidentes as debilidades – ocultadas pelos primeiros dez anos de euforia –, que se impunha corrigir.

É por demais conhecida a forma como se desenrolou a unificação europeia, através de uma estratégia gradualista, em que a passos mais inovadores corresponderam respostas adequadas. A criação do mercado interno conduziu à UEM que, simultaneamente, o impulsionou e dele bene‑ficiou. Já o passo político subsequente, que se deveria ter consubstanciado na Constituição Europeia, acabou por ser substituído pela irrelevância em que se traduz o Tratado de Lisboa.

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Ora, como os mecanismos criados pelo Tratado se revelaram desa‑justados para gerir qualquer tipo de crise, os Conselhos de Março de 2011 apareciam como a ocasião para encontrar soluções que corrigissem os defeitos que vinham sendo assinalados aos mecanismos da UEM, ao mesmo tempo que constituiriam resposta firme à crise das dívidas sobe‑ranas, tranquilizando os mercados, como há tanto se esperava.

Nada disso aconteceu. A ideia de governação económica, que apa‑recia a todos os observadores como uma exigência absoluta para um pro‑cesso de união económica e monetária, teve uma concretização totalmente perversa, que tolhe as mãos dos Estados, sem criar qualquer contrapartida de natureza federal para compensar a ausência dos instrumentos nacionais.

A obsessão pela introdução de regras rígidas e de controlos por instituições não responsabilizadas democraticamente, ganharam novo e decisivo fôlego, também em matéria de finanças públicas. Pelo contrá‑rio, em matéria de solidariedade e entreajuda entre os países da União, continuou a assistir ‑se ao espectáculo deplorável de hesitações, vagos compromissos e adiamentos, que em nada veio tranquilizar os mercados, ou auxiliar os países em situação particularmente grave.

Em suma, aquilo que sabemos hoje é que a Europa não foi capaz de uma resposta firme e decidida, que contribuísse para acalmar os mercados e estancar a crise da divida soberana. Sem ignorar os factores de irracionalidade ou a vontade especulativa de muitos agentes no mer‑cado, não será razoável aceitar a desconfiança quando se atrasa e adia sistematicamente as decisões necessárias e se trata alguns países como parentes indesejáveis?

Paul de Grauwe aponta, com exemplar lucidez, as razões porque o Mecanismo Europeu de Estabilidade não dará mais estabilidade e vai até piorar a situação.

Na origem dos Conselhos de Março esteve o acordo entre Berlim e Paris em torno de um plano, inicialmente chamado para a competitividade, e que representaria uma ambiciosa e articulada proposta de refundação dos mecanismos do Euro.

Por estranho que parecesse, a inesperada convergência de Berlim e Paris, poderia conduzir a uma réstea de esperança para quantos recordaram que a unificação europeia se fizera largamente em torno do acordo entre Schuman e Adenauer. Só que, na remake do filme, há novos protagonis‑tas: Sarkosy e Merkel, aos quais, sem lhes questionar qualidades, falta a

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determinação e a visão de futuro, forjada na terrível experiência da Guerra, agora substituída por taticismos eleitorais.

Alguns de nós, mais idosos, ou mais influenciados pelo pensamento personalista de Jean ‑Marie Domenach, recordar ‑se ‑ão da oposição que ele moveu à criação de uma Europa a seis, que constituísse um polo de poder que ignoraria o resto da Europa. Somos vinte e sete países hoje, mas a realidade continua a ser a mesma. Berlim domina e, generosamente, aceita que Paris possa juntar ‑se ‑lhe. Paris, grato, esquece ‑se de causas que anteriormente assumira como suas.

Assistimos, então, perplexos, a uma situação em que a chanceler Merkel visita as províncias do império ou chama à capital os indígenas menos relevantes; distribui certificados de comportamento; questiona os decisores nacionais e até interpela as oposições.

Ao mesmo tempo, esquecida a origem da crise, os seus principais responsáveis nem sequer se limitam a tentar passar despercebidos, antes ostentam a arrogância que o sentimento de impunidade lhes permite. As agências de rating entretêm ‑se a descer ratings aos mesmos países ou empresas com dias ou horas de intervalos, sem que nada justifique a rapidez das oscilações, e, esta semana, até Alan Greenspan, seguramente um dos maiores responsáveis pela crise de 2008, ousou investir contra as tímidas tentativas de re ‑regulação financeira, do alto da sua sobranceria.

Poderá – é certo – ser ‑se tentado a ver, no quanto digo e no quanto dizem outros portugueses, a expressão de tresloucadas cigarras que que‑rem continuar a viver à custa das abnegadas formigas teutónicas. Todos os vícios de um lado. Todas as virtudes do outro.

Convirá, então, recorrer ao insuspeito Martin Wolf, cuja voz é bom aqui ouvir porque a sensatez não abunda neste mundo e que, depois de recordar a ligação entre a crise no sistema bancário e nas finanças públicas, afirmou: “Seria útil – e honesto – que o governo alemão e os governos dos outros países credores explicassem às suas populações que estão a salvar as poupanças delas ao ajudarem os países periféricos. A alternativa seria aceitar a perda dos empréstimos feitos e recapitalizar directamente os bancos. Admitir isso seria admitir que as suas políticas tinham errado, o que seria sem dúvida uma ajuda”.

Na realidade podemos ir mais longe. A admissão de que foram cometidos erros quer pelos virtuosos quer pelos pecadores é uma condi‑ção para criar a vontade política de reforçar o sistema. Terríveis desafios

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mantêm ‑se à nossa frente e seria mais fácil que todos confessassem a sua contribuição para a confusão. Quer aqueles que emprestaram loucamente quer aqueles que se endividaram loucamente estão implicados. Como disse a ministra das finanças francesa, Christinne Lagarde, ‘it takes two to tango’”.

Ainda na passada sexta ‑feira, Desmond Lachman se interrogava, no Financial Times, sobre quão longe teria de ir a recessão em Portugal, Irlanda e Grécia, para a União Europeia e o Fundo Monetário Internacio‑nal se convencerem que os problemas dos países da periferia não são de liquidez mas de solvabilidade e, como tal, não podem ser corrigidos só por contracção financeira, num sistema de taxas de câmbio rígidas.

E vem bem a propósito, o seu comentário: “Oscar Wilde escreveu e foi amplamente repetido que se perder um parente pode ser considerado azar, perder dois parece falta de cuidado. E, então, haverá que perguntar o que dizer sobre o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia que, depois de perderem efectivamente a Grécia e a Irlanda através da prescrição standard de aperto financeiro draconiano, parecem decididos a perder um terceiro país: Portugal”.

Todos notaram que tenho recorrido a várias citações recolhidas na imprensa internacional. Como sabem, Portugal voltou a ter um relevo, nesse meio, que não conhecia desde a Revolução dos cravos ou dos agitados tempos que a seguiram. Alguns textos são grosseiros, a raiar o ofensivo. Não é, por acaso, que a mentira do 1 de Abril do The Indepen‑dent foi a venda de Cristiano Ronaldo à Espanha para amortizar a dívida pública portuguesa.

Noutros casos, as reflexões são interessantes e o humor mais fino. É o caso da suposta carta da Irlanda para Portugal, publicada no mesmo The Independent e da qual me permito ler, uma passagem, no original:

Anyway, I notice now that you are under pressure to accept a bailout but your politicians are claiming to be determined not to take it. It will, they say, be over their dead bodies. In my experience that means you'll be getting a bailout soon, probably on a Sunday. First let me give you a tip on the nuances of the English language. Given that English is your second language, you may think that the words 'bailout' and 'aid' imply that you will be getting help from our European brethren to get you out of your current difficulties. English is our first language and that's what we thought bailout and aid meant. Allow me to warn you, not only will this

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bailout, when it is inevitably forced on you, not get you out of your current troubles, it will actually prolong your troubles for generations to come.

For this you will be expected to be grateful”.Mais duvidosa é a sugestão do Financial Times de integração de

Portugal no Brasil, que causou viva indignação – até mesmo editoriais – entre nós, e forçou o autor do texto a explicar que o escrevera como provocação intelectual e que reflectia a diferença entre as estimulantes políticas económicas e sociais e brasileiras e as da moribunda Europa, da qual nada haveria a esperar.

É essa sensação da Europa moribunda que me leva a crer que as novas vestes são, afinal as velhas ou, pior ainda que, tal como sucedia no conto de Hans Christian Andersen, que tanto nos divertiu na infância, o Rei ou, mais adequadamente, a rainha saiu à rua, a mostrar as novas vestes e afinal, enganada pelo alfaiate e vítima da própria vaidade e vacuidade, ia nua. Até agora, ainda nenhuma criança o gritou. Mas, mais cedo ou mais tarde, não será esse o grito comum do conjunto das populações europeias? E será que manterão a serenidade para continuar a aceitar sacrifícios violentos e sem qualquer contrapartida, só para garantir o pagamento dos credores externos?

Talvez que os que, mais do que de histórias de infância, se recor‑dam de outras mais recentes e bem mais dramáticas, se lembrem antes da terrível narrativa de Simon Leys, As Novas Vestes do Presidente Mao e, mesmo sem acreditarem que o número de vítimas corresponda ao da Revolução Cultural, não deixem de temer que se esteja a procurar uma compressão total do pensamento político e cultural, com a formatação de todos nós em discípulos da austeridade e da indiferença à política social.

Porém, como não quero acabar em tom de pessimismo, vou invocar, de novo, Bini Smaghi, de quem antes discordei, mas que talvez porque tem, afinal tantas dúvidas como eu, acabou o seu discurso, afirmando estar convencido que “nos tempos de crise, a Europa tem qualquer coisa extra que faz com que ela avance na direcção correcta. A combinação de raízes históricas comuns e de diversidade cultural entre os seus países, a mistura de cooperação e competição entre eles tem sido e continua a ser uma fonte de progresso e riqueza. Estou à espera de sabedoria”.

Queremos acreditar nisso. Mas a política de cega austeridade e de recessão dos países, que Amartya Sen criticou recentemente na Universi‑dade de Coimbra, dizendo que os dirigentes europeus recorrem à estratégia

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do “sangue, suor e lágrimas” ‑ a mesma com que Winston Churchill apelou ao povo inglês para o sacrifício que a segunda guerra lhes iria impor – para resolver a crise da dívida soberana, não parece um sinal de sabedoria.

Provavelmente Orwel tinha razão quando afirmou que “ver o que está à frente do nariz requer uma luta constante”. Pela nossa parte perma‑neceremos empenhados nessa luta. Estou seguro que assim o farão todos os que aqui estão e esta é uma razão para ter esperança.

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WORKSHOP “ADVOGAR NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA”

Nuno Cunha Rodrigues

Numa iniciativa conjunta do Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa e do IDEFF, no dia 7 de Abril de 2011 teve lugar, no Auditório da Faculdade de Direito de Lisboa, o workshop subordinado ao tema “Advogar no Tribunal de Justiça da União Europeia”, no âmbito da pós ‑graduação em Jurisprudência da União Europeia.

Procurou‑se, através deste workshop, relatar a experiência do con‑tacto com instituições europeias e, em particular, com o Tribunal de Justiça da União Europeia, vivida por advogados.

O workshop teve 195 participantes tendo sido oradores o Presidente do IDEFF, Professor Eduardo Paz Ferreira, o Dr. Nuno Ruiz, o Dr. Carlos Botelho Moniz, o Dr. Gonçalo Anastácio e o Dr. Miguel Mendes Pereira.

Todos os oradores são reconhecidos especialistas em Direito da União Europeia e tiveram ocasião de transmitir a experiência quotidiana no contacto com instituições europeias e, em particular, com o Tribunal de Justiça da União Europeia.

No final da sessão os participantes puderam colocar questões ao oradores, sendo unanimemente reconhecida a mais‑valia deste workshop que permitiu compreender as especificidade que envolve a actuação de um advogado perante instituições europeias e, em particular, face o Tribunal de Justiça da União Europeia.

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VIAGEM AO LUXEMBURGO E A ESTRASBURGO NO ÂMBITO DA PÓS‑GRADUAçãO EM JURISPRUDÊNCIA DA UNIãO EUROPEIA

Nuno Cunha Rodrigues

No âmbito da pós ‑graduação em jurisprudência da União Europeia, teve lugar, entre os dias 20 e 24 de Junho de 2011, a semana de trabalho no Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo.

Participaram na viagem dezanove pessoas, entre docentes e alunos da pós‑graduação, na qual se incluíam magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, advogados, doutorandos e mestrandos.

Nesta semana de trabalho, os alunos tiveram ocasião de assistir a conferências realizadas por juízes do Tribunal de Justiça da União Euro‑peia – como o Juiz‑Conselheiro Cunha Rodrigues; a Juíza Rosario Silva de Lapuerta ou o Juiz Konrad Schiemann – por advogados‑gerais – como a Advogada‑Geral Eleanor Sharpston – e por referendários – como os Drs. António José Robalo Cordeiro; Luc Weitzel ou Frédérique Rolin.

Os participantes tiveram ainda a oportunidade de assistir a audiências e visitar as instalações do Tribunal.

Durante a semana de trabalho, os participantes foram recebidos pelo Embaixador de Portugal no Luxemburgo e tiveram oportunidade de se inserirem na vida quotidiana, assistindo aos festejos do Dia Nacional do Luxemburgo.

O Instituto Europeu organizou ainda uma deslocação a Estrasburgo, durante a qual os participantes visitaram o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com o apoio do Juiz Paulo Pinto de Albuquerque, assistindo a uma palestra do Dr. Abel de Campos, jurista do Tribunal, bem como a uma comunicação do Juiz Paulo Pinto de Albuquerque.

No decorrer da mesma viagem realizou‑se uma visita à Universidade de Estrasburgo onde os participantes foram recebidos pelo Professor Vlad Cons‑tantinesco que proferiu uma comunicação sobre as relações entre o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

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Houve ainda tempo para efectuar uma breve visita à cidade de Estrasburgo.

A viagem permitiu a todos conhecer e contactar de perto com tri‑bunais europeus, materializando desta forma o contacto com instituições que apenas formalmente conheciam.

A viagem representou, para todos, um sucesso, culminando o final de um ano de aprendizagem no âmbito de uma pós‑graduação inovadora a nível europeu.

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CERIMÓNIA DE COMEMORAçãO DO CENTENÁRIODA UNIVERSIDADE DE LISBOA

João Miguel Ascenso

No dia 21 de Março a Universidade de Lisboa realizou na sua Aula Magna a cerimónia comemorativa do seu centenário, num cerimonial muito bem organizado e repleto de simbologia e solenidade, próprio de uma Instituição com a importância histórica que a Universidade tem, enquanto baluarte da cultura e intelectualidade portuguesa e enquanto motor de desenvolvimento científico e humano do país.

A cerimónia presidida pelo Presidente da Assembleia da República, Sr. Dr. Jaime Gama, iniciou ‑se com discursos dos representantes dos três corpos universitários: Professores, Estudantes e Funcionários não‑‑docentes.

O discurso da representante dos funcionários não docentes foi rea‑lizado pela Dra. Maria Leal, que recordou a importância que este corpo tem e sempre teve na concretização diária da Universidade.

Tiago Gonçalves, Presidente da Associação Académica da Univer‑sidade de Lisboa e representante do corpo estudantil nesta cerimónia, reflectiu sobre a degradação do sistema de acção social das Universidades, que impede a democratização e a igualdade de acesso a todos os que pre‑tendam frequentar o Ensino Superior. Recordou, ainda, que os estudantes são o substrato da Universidade e a importância histórica que tiveram na passagem do regime ditatorial para o regime democrático.

Seguidamente, em representação da Universidade e do corpo docente, o Magnífico Reitor da Universidade, Professor Doutor António Sampaio da Nóvoa, identificou a Universidade como motor de desenvolvimento da sociedade portuguesa e como bastião da liberdade e do pensamento crítico e científico produzido em Portugal. Relembrou, ainda, que os três primeiros Presidentes da República eleitos democraticamente foram alunos

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da Universidade de Lisboa, bem como grande parte da sociedade civil que tem mantido uma cidadania activa em Portugal, destacando a importância que a Universidade tem tido na Democracia Portuguesa.

Nesta cerimónia, em que se procurou relembrar o passado, valorizar o presente e projectar o futuro foi recordado o trabalho desenvolvido pelo Professor Orlando de Carvalho, através de uma peça de Catarina Alves Costa, seguindo ‑se a intervenção da Professora Doutora Carmo Fonseca, Prémio Pessoa, que apresentou os projectos desenvolvidos e a desenvolver pelo Instituto de Medicina Molecular, sendo posteriormente atribuído o Prémio Universidade de Lisboa 2011 ao Professor Doutor Jorge Miranda, pelo trabalho desenvolvido na área da Ciência do Direito, em particular nas áreas do Direito Constitucional e dos Direitos Fundamentais, bem como pela importante intervenção cívica que tem mantido ao longo da sua vida.

A cerimónia foi encerrada com a intervenção do Sr. Presidente da As‑sembleia da República, não sem antes ter sido concedido o Doutoramento Honoris Causa a António Lobo Antunes, marco da literatura portuguesa, sendo a laudatio proferida pelo Professor Doutor José Barata Moura.

A cerimónia terminou com o cortejo académico, que juntou Profes‑sores e Alunos, que fechou as portas da Aula Magna com a solenidade que uma celebração como a comemoração dos 100 anos da Universidade de Lisboa merece.