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SECÇÃO PEDAGÓGICA O LUGAR DO LATIM NO FUTURO 1.° CICLO DO LICEU (*) I 1. O tema que me foi proposto é realmente para mim aliciante, pela pertinência (melhor ainda, urgência) de que, em meu entender, se reveste; mas difícil de ser tratado aqui, pelos numerosos problemas que implica — e até porque, de facto, está já marcado (ao menos de momento) o lugar do Latim no futuro 1.° ciclo do Liceu: um lugar- zinho modesto, de favor, onde terá de arrumar-se, algo acanhado, entre companheiros confortavelmente instalados nas respectivas cadeiras. Todavia, dá-me certo prazer vir aqui, correspondendo ao honroso convite do Senhor Prof. Doutor Costa Pimpão, porque ainda me recuso a aceitar que seja «dos altos fados certo intento» que para sempre do Latim «se esqueçam os humanos». 2. Para falar verdade, não sei se consegui determinar com rigor o justo âmbito do tema proposto. Com efeito, há, de momento, um organigrama projectado para três anos de ciclo, e um programa elaborado para o 1.° deles. Só para o 3.° ano, bifurcado em duas secções (A e B), se anunciam, exclusiva- mente para a secção A, Elementos de Latim associados ao Português, num total de seis horas semanais (mais duas apenas que para a disci- plina de Português sem elementos de Latim, da secção B). Por outro lado, parece também prevista a possibilidade de uma unificação do ensino secundário ao nível do actual 2.° ciclo. (*) Comunicação apresentada no I Encontro dos Professores do Ensino Superior e Secundário de Língua e Literatura Portuguesas, Coimbra, 6-11 de Abril de 1970. 27

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SECÇÃO PEDAGÓGICA

O LUGAR DO LATIM

NO FUTURO 1.° CICLO DO LICEU (*)

I

1. O tema que me foi proposto é realmente para mim aliciante, pela pertinência (melhor ainda, urgência) de que, em meu entender, se reveste; mas difícil de ser tratado aqui, pelos numerosos problemas que implica — e até porque, de facto, está já marcado (ao menos de momento) o lugar do Latim no futuro 1.° ciclo do Liceu: um lugar­zinho modesto, de favor, onde terá de arrumar-se, algo acanhado, entre companheiros confortavelmente instalados nas respectivas cadeiras.

Todavia, dá-me certo prazer vir aqui, correspondendo ao honroso convite do Senhor Prof. Doutor Costa Pimpão, porque ainda me recuso a aceitar que seja «dos altos fados certo intento» que para sempre do Latim «se esqueçam os humanos».

2. Para falar verdade, não sei se consegui determinar com rigor o justo âmbito do tema proposto.

Com efeito, há, de momento, um organigrama projectado para três anos de ciclo, e um programa elaborado para o 1.° deles. Só para o 3.° ano, bifurcado em duas secções (A e B), se anunciam, exclusiva­mente para a secção A, Elementos de Latim associados ao Português, num total de seis horas semanais (mais duas apenas que para a disci­plina de Português sem elementos de Latim, da secção B). Por outro lado, parece também prevista a possibilidade de uma unificação do ensino secundário ao nível do actual 2.° ciclo.

(*) Comunicação apresentada no I Encontro dos Professores do Ensino Superior e Secundário de Língua e Literatura Portuguesas, Coimbra, 6-11 de Abril de 1970.

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Ora eu tive de pôr a mim mesma o problema: O lugar do Latim no futuro 1." ciclo, de harmonia com o organigrama projectado, ou O lugar do Latim no futuro 1." ciclo, segundo a minha própria maneira de pensar?

Mas é evidente que, ao ser-me proposto este tema, não se pretendia que eu apresentasse sugestões quanto aos Elementos de Latim a minis­trar, associados ao Português, no 3.° ano do futuro ciclo; e isto pela simples razão de que nenhuma ideia se fazia então ainda de tal orga­nigrama ou do que pudesse vir a ser o futuro 1.° ciclo do Liceu.

Por outro lado, penso que o verdadeiro e grande interesse destes ENCONTROS é justamente ventilar ideias, apresentar sugestões, expor pontos de vista, discutir problemas — todo um sério labor donde poderão surgir novos projectos, novos programas e um decisivo passo em frente para o desenvolvimento cultural do nosso País.

Portanto, deixarei aqui os meus pontos de vista, bons ou maus, sobre O lugar do Latim no futuro 1." ciclo; mas, como os vários aspectos, que gostaria de focar, me parecem incompatíveis com os 30 minutos de que disponho, esta comunicação incluirá apenas considerações de carácter muito geral e a enunciação de alguns problemas, para os quais peço e agradeço a atenção de V.as Ex.as:

1.° — Latim ao nível geral, Latim para um escol, Latim apenas como base para uma futura especialização no domínio da Linguística?

2.° — Compêndios, processos de ensino e motivações de interesse. 3.°^-Latim independente, ou Latim associado ao Português?

Claro que só muito ao de leve poderei aflorar estes proble­mas, que me parecem muito pertinentes, e deixarei de lado outros que teriam decerto também o seu interesse.

II

3. Antes de mais nada: Queremos nós, nestes perturbados e perturbantes tempos em que vivemos, promover uma educação integral do homem, ou tão somente prepará-lo para uma actividade rendosa no campo económico, truncando-o assim no que nele existe de verda­deiramente superior, como se de uma amputação moral se tratasse?

-O empolgante Progresso científico, o quase endeusamento da Técnica, a preocupação absorvente duma preparação prática visando

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um sólido lucro material têm relegado para segundo plano, quando não feito esquecer, os mais importantes valores humanos. E assim é que assistimos, inquietos, ao alucinante espectáculo duma sociedade paradoxal, capaz ao mesmo tempo da conquista da Lua e dos mais perturbantes desequilíbrios morais e psíquicos. E perguntamo-nos, angustiados e cépticos, que parcela de felicidade o deus Progresso e a deusa Técnica foram capazes de oferecer à Humanidade. E sen­timos porventura uma vertigem de medo, se procuramos fixar os olhos no futuro... A Humanidade de hoje tem qualquer coisa de despro­porcionado, de disforme: hipertrofia de cérebro e hipotrofia de sensi­bilidade. Apesar da aventura do Espaço, é uma Humanidade em crise.

E volto a perguntar: Pretendemos promover a educação integral do homem, ou tão somente prepará-lo para uma actividade material­mente lucrativa? E acrescento outra pergunta: Porquê a hipótese de um 5.° ano unificado?

Naturalmente, porque se supõe que todo o cidadão tem o direito de acesso a uma cultura geral mais completa, menos truncada, logo e implicitamente, a uma cultura em que os valores humanísticos se equilibrem com os valores científicos e técnicos.

Ora uma coisa me parece evidente: é a necessidade duma educação que vise o desenvolvimento harmónico de todas as potencialidades humanas — físicas, intelectuais, morais e estéticas; como quem diz: educação do corpo, da inteligência, da vontade e da sensibilidade. Estes me parecem os fundamentos, os quatro pilares em que assenta a formação integral da pessoa humana. Desenvolver um ou uns com atrofia dos outros parece-me absurdo (e quantas vezes perigoso). «Mens sana in corpore sano»; xaXòç xaí âyadóç — princípios clássicos de ideal de educação, que se me afiguram, ainda e sempre, muito válidos.

4. Mas que tem a ver o Latim com todas estas considerações? Apenas isto: é que o Latim (como o Grego, aliás, e talvez como nenhuma outra das disciplinas tradicionalmente curriculares) cobre três destes quatro aspectos de educação integral.

A UNESCO recomendou o estudo das línguas clássicas, precisa­mente por ver nelas um óptimo meio de realizar o superior objectivo da educação, que «é permitir não só a aquisição de noções de ordem técnica, mas ainda e sobretudo uma formação moral, intelectual e artística tão desenvolvida quanto possível».

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Realmente, quem porá em dúvida o alto poder formativo do Latim? Ele imprime ao pensamento sólidos hábitos de reflexão, impõe ao espírito uma disciplina firme e benéfica, conducente ao amor do equilíbrio, ao poder de análise, de crítica e de síntese, à construção lógica das ideias, à exigência de clareza, precisão e economia de expressão.

5. Muitos são, decerto, os depoimentos de grandes homens de Ciência em prol do valor formativo do Latim. Limitar-me-ei aqui a citar um, sem dúvida insuspeito. O famosíssimo Poincaré, consi­derado um dos mais rutilantes génios científicos de todos os tempos, a quem a Ciência ficou devendo inestimáveis progressos nos domínios da Engenharia, da Física, da Astronomia e sobretudo da Matemática, afirmou: «O que é certo é que os sábios que beneficiaram de formação clássica se dão por felizes, ao passo que aqueles que dela foram pri­vados o deploram geralmente. É que todos sentem confusamente que não só ao homem, mas também ao sábio, são úteis as Humani­dades» (1). E sabemos o que se passa hoje em França — a reacção de uma Nação contra a supressão do Latim da 6ème e da 5 è m e : for­mação de associações pro-Latim, ensino gratuito do Latim extra--curricularmente aos alunos dessas classes feito em muitas escolas, adesão de professores de todas as disciplinas às reclamações feitas, cartas ao Presidente da República, acusações directas ao Ministro (na Assembleia Nacional), responsabilizando-o por uma calamidade nacional, por um criminoso atentado, pelo qual será condenado pelas gerações futuras no tribunal da História (como se pode ler no n.° 166, de Janeiro passado, da Revue de la Franco-Ancienne).

6. Ninguém ignora também quanto de dignidade humana, de beleza moral, nos legaram tantos autores da Antiguidade Clássica. Sob este aspecto, insuspeitas serão também as palavras ditadas pela lúcida inteligência de Pio XII (que do Latim fez a magnífica apologia que todos nós conhecemos) e o que escreveu o bondosíssimo João XXIII: «A sabedoria dos autores gregos e latinos foi, muitas vezes, aurora anunciadora do Evangelho de Cristo» (1). E também ele viu nos estudos humanísticos «tudo quanto cultive e enriqueça a alma» e o antídoto contra o fanatismo da técnica, que torna os homens insensí-

(1) Citado por Geraldes Freire, in Valor e Actualidade dos Estudos Clássicos.

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veis, ou, como disse esse Pontífice, semelhantes às «máquinas que fabricam, frios, duros e sem amor» (1).

7. E, pela beleza perene, equilíbrio e harmonia, as literaturas clássicas são fontes de emoções estéticas e modelos de composição literária. Afinam o gosto e apuram a sensibilidade.

8. Parece, pois, provada a íntima relação do Latim com o pro­cesso formativo integral da pessoa humana, pelo muito que contribui para o desenvolvimento das suas potencialidades de tipo superior.

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9. Mas é evidente que o ensino do Latim não é apenas defensável pelo seu valor formativo; é-o também, entre outras razões, como pre­paração linguística (sobretudo para nós, os povos de línguas românicas).

10. É clara, é evidentíssima, a necessidade do Latim para um estudo consciente e uma compreensão mais perfeita da língua por­tuguesa — a nossa língua — aquela na qual alguém «quando imagina, com pouca corrupção crê que é latina». Vocabulário, ortografia, evoluções semânticas, processos de formação de palavras, estruturas morfológicas e sintácticas — de tudo se terá uma visão superior através do conhecimento do Latim. E não merecerá esta «última flor do Lácio», cheirando a pinhais e maresia, vibrando no vento o eco dos heróis e o sussurro das preces, não merecerá ela o amoroso culto de quantos a falam e escrevem, para que possa singrar pelas eras fora «soberba e altiva» e não «mais remendada que capa de pedinte»? Não é a língua o sagrado relicário das tradições e da cultura dum Povo? Não é ela a marca mais nítida, mais indelével, de individua­lização e autonomia? Não insistirei aqui mais neste aspecto, por razões óbvias de tempo; mas penso que todos nós sentimos ... que não é nada fácil, por exemplo, ensinar Os Lusíadas sem Latim.

11. Mas o Latim será igualmente um belo auxiliar (e pelas mesmas razões) do ensino do Francês; como aliás o será de grande número de

(1) Citado por Geraldes Freire, in Valar e Actualidade dos Estudos Clássicos.

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línguas europeias (latinas e até não latinas), as línguas mais vulgar­mente aprendidas entre nós. Experiências feitas na França, por exemplo, demonstraram que os alunos das classes de Latim, precisa­mente nos mesmos ditados, cometem reduzidíssimo número de erros ortográficos e, de qualquer modo, uma percentagem nitidamente inferior à dos seus colegas das «modernas».

12. Por outro lado, o extraordinário desenvolvimento científico e o desdobramento da Ciência em ramos cada vez mais numerosos, os conceitos novos que vão surgindo, os novos objectos que a inte­ligência humana vai incessantemente criando — tudo isto, que não pertence a esta ou àquela Nação, mas passa imediatamente a patri­mónio comum da Humanidade, tudo isto dá origem a numerosas formações lexicológicas em todas as línguas cultas; ou melhor: dá origem a um rico vocabulário internacional, apenas diferenciado nos aspectos fonéticos. E esta vasta terminologia técnica, científica, sempre em crescimento, tira o seu direito de cidadania universal das suas origens naturalmente — necessariamente, melhor diria — latina e grega; por outras palavras: das duas línguas de cultura comuns a todo o mundo.

IV

13. Mas o Latim também não será de forma alguma alheio a uma melhor compreensão da Antiguidade, por permitir uma penetração mais profunda no que a Civilização Romana teve de específico e que, queiramos ou não, transitou em grande parte para a nossa própria civilização. A nossa cultura herdámo-la em linha recta dos Romanos, e o Latim é o veículo mais eficaz para nos introduzir nesse seu mundo. Considerado sob esse aspecto, que tem também a sua importância, penso que seria interessante articular o programa de Latim com o da História. Mas o que me parece de capital importância é a orga­nização dos compêndios neste sentido,- o que, diga-se de passagem, deveria também estar previsto nos Programas. Seriam precisos com­pêndios profusamente ilustrados, com notas históricas, largas notícias sobre costumes, instituições, lendas, religião, a vida diária em Roma (privada e pública), a vida castrense. Textos em português e textos em latim — tudo devidamente distribuído e graduado através do ciclo, de modo que os alunos sentissem o fervilhar da vida no grande «fórum»;

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admirassem o requinte das «tabernae novae»; olhassem com.: respeito, reconhecendo-o pelo gorro, o «Flamen Dialis»; seguissem com os olhos maravilhados o imponente cortejo do triunfo subindo a «Via Sacra»; encontrassem sem hesitação o «praetorium» depois de trans­posta a porta dos «castra»; se reclinassem com prazer num leito de «triclinium», purificassem o corpo e recreassem o espírito nos bal­neários e nos jardins das «thermae» imperiais.

O actual livro único para o 6.° ano é já uma tentativa, no que diz respeito a ilustrações e até a pequenos trechos redigidos em latim sobre a vida romana; mas eu estou a referir-me a compêndios para um futuro 1.° ciclo, tal como o concebo. É claro que os textos latinos, que de início teriam de ser organizados (e bem assim possíveis exer­cícios) deveriam também pôr em relevo a proximidade das duas línguas — latina e portuguesa —, mas respeitando sempre a ordem espontânea das palavras no período latino, com inversões apenas onde fossem justificáveis à luz do próprio latim.

14. O problema dos compêndios prende-se, por um lado, ao do Latim como meio de penetração no Mundo Antigo e de alarga­mento cultural; por outro, prende-se aos problemas de processos de ensino e de motivações de interesse, que, a meu ver, são da mais alta importância.

Urge «refrescar» o Latim, torná-lo mais vivo, mais atraente, menos mumificado, mais «manejável», tendo em conta o vocabulário básico (que já está estudado, por exemplo, em França) e a utilização criteriosamente doseada de conversação latina (sobretudo nas classes de iniciação) e de meios audiovisuais: projecções, observação de gra­vuras, de reproduções de obras célebres, de reconstituições de monumen­tos; gravações de curtos diálogos, audições de passos de poetas, ;etc. É claro que se põe aqui outro problema, que é o da pronúncia a adoptar (e pessoalmente penso que já era tempo de ser adoptada a pronúncia restaurada). Ainda outros processos podem ser utilizados, como pequenas improvisações feitas pelos alunos sobre assuntos em estudo e baseadas em textos lidos, etc. O que é necessário é mentalizar os alunos para aceitarem o Latim, não como língua morta, mas como uma língua literária fixada, que ao mesmo tempo ainda vive, embora sob formas profundamente evoluídas, em muitos milhões de seres humanos. Há necessidade de fazer do Latim e da vida latina qualquer coisa de familiar aos alunos, de vivo e de vivido, em vez daquela coisa

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fastidiosa que começa a aterrá-los antes mesmo de a conhecerem. Claro que outras motivações de interesse poderão ser encontradas. Uma das mais recentes aulas de Latim que dei foi perto daqui, em Conímbriga, onde, a nível de 6.° ano (ou seja, de iniciação), foi com­pletado o estudo da cidade e da casa romanas.

Mas, quanto a compêndios, processos de ensino e motivações de interesse, deixo aqui apenas este breve apontamento.

15. Outro importante problema a considerar é o seguinte: Latim independente, ou Latim associado ao Português?

Quanto a mim, parece-me que o ideal seria o Latim independente, ensinado em cada turma pelo mesmo professor de Português, para que houvesse uma articulação o mais possível estruturada entre o ensino das duas disciplinas. Isto no plano ideal; mas não haveria propria­mente inconveniência em que os professores fossem diferentes.

O facto de me parecer preferível o Latim independente é que eu não consigo — sinceramente não consigo — encarar o Latim como tendo a exclusiva finalidade de subsidiar o estudo da língua materna. Esse, quanto a mim, é um dos seus objectivos, e muito importante, mas de forma nenhuma o único.

16. Se essa fosse a única função do Latim, naturalmente que ele pouco teria a fazer em tantos países de língua não latina, onde, diga-se de passagem, é muito mais estimado que entre nós. Para falar de alguns países de línguas não românicas e das respectivas posições em face do Latim, referir-me-ei apenas aos mais representativos no xadrez internacional.

A Alemanha dos nossos dias tem, nos Ginásios Humanísticos, nove anos de Latim (do 1.° ao último); noutro tipo de Ginásio, sete anos, também obrigatórios; só num terceiro tipo o Latim é disciplina de opção, por cinco anos.

Na Inglaterra, ainda há pouco as crianças começavam a estudar Latim com oito anos, no ensino elementar; actualmente foi suprimido das escolas elementares oficiais, mas os colégios mantêm-no normal­mente. No Liceu, está em igualdade com as outras disciplinas, dado que não há um «curriculum» fixo, mas sim opções.

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A Rússia intensificou, desde 1954, o ensino do Latim, introdu-zindo-o em 32 escolas médias experimentais. O Prof. Doutor Costa Ramalho, no seu opúsculo «Pio XII, a Rússia... e o Latim», revela-nos um curioso documento em que se expõem as vantagens que os Russos encontraram no estudo do Latim. Confesso que ignoro a situa­ção actual (1).

A sociedade norte-americana dos nossos dias é ainda, dum modo geral, uma sociedade sem Latim e sem Grego. Mas o sector que se manteve fiel às Humanidades Clássicas enveredou pela especialização profunda. Todavia, assiste-se, neste momento, a um ressurgimento do Latim. Os latinistas cerraram fileiras, organizaram-se em nume­rosas associações que tiabalharam e trabalham activamente para resti­tuir ao Latim verdadeiro prestígio e mentalizar as pessoas no sentido de verem na cultura latina os méritos que ela de facto tem. E assim é que, desde 1965 e sobretudo 1967, a oficialização do Latim ao nível secundário ensinado por seis anos, a começar à volta dos onze, tem dado bons resultados e feito crescer o interesse de alunos e professores por esta língua. Alguns distritos federais, como o de Colúmbia, intro-duzem-no um ano antes, portanto estendem-no por sete anos. Os alunos que escolheram Latim, neste distrito, aumentaram de 80% de 1966 para 1967 (2).

17. Passemos agora uma vista de olhos pelos países de línguas latinas. Parece haver, dum modo geral, certa tendência para reduzir um pouco o ensino do Latim. Mesmo assim, nada que se pareça, nem de longe, com o que se passa entre nós.

A França, com toda a sua tradição clássica, suprimiu dois anos de Latim. Os alunos parece que vao passar a ter Latim a partir da 4 è m e , o que corresponde precisamente ao nosso 3.° ano, 1.° do futuro 1.° ciclo. Mas há já iniciação latina, para todos os alunos, na 5 . è m e

Todavia, o problema que se levantou a propósito da supressão do Latim

(1) O leitor de Português na Universidade de Toulouse esclareceu que a sua colega de Russo nessa Universidade lê os jornais portugueses, devido ao conheci­mento que tem da língua latina.

(2) O Prof. Doutor Costa Ramalho informou que actualmente nos Estados Unidos da América do Norte o número de alunos que estuda Latim é superior à soma de todos os alunos que estudam todas as outras línguas estrangeiras.

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na 6.eme está longe de ter sido resolvido, portanto não se sabe ao certo se o Latim regressará ou não ao 1.° ano do Liceu.

Na Itália, também de tão fortes tradições latinas, o Latim sofreu alguma redução. Na «scuola media inferiore» (o 1.° ciclo, unificado, de três anos), o Latim desapareceu do 1.° ano e passou, no 2.°, a ser associado ao Italiano, num total de nove horas semanais; no 3.°, entra como disciplina autónoma, de opção, com quatro horas semanais. A «scuola media superiore» (ou seja, o 2.° ciclo) desdobra-se em vários ramos: clássico, científico, técnico e de magistério. Só o clássico dá acesso a todas as Faculdades, incluindo os Institutos Politécnicos. O «esame di. maturità clássica» (que corresponde, números redondos, ao nosso exame de 7.° ano de Letras) inclui duas provas escritas de Língua e Literatura Latinas: versão de latim para italiano (quatro horas) e versão de italiano para latim (quatro horas), mais uma prova oral sobre os vários autores do Programa e ainda outros dois à escolha, um do período arcaico e outro do séc. i d. C.

Em Espanha, há um ciclo unificado de quatro anos. O Latim entra no 3.° ano e continua no 4.°, com três horas semanais, portanto seis no fim do ciclo. No ciclo superior, há uma cisão entre Letras e Ciências. Em Letras, no 5.° ano, há seis horas semanais de Latim, e no 6.° há três. Posso acrescentar, como aliás é do conhecimento de muitos dos presentes, que está em elaboração uma reforma do ciclo superior, que pode alterar estes números para mais ou para menos; mas o ciclo elementar funciona já segundo uma recente reforma (de 1967), como sucede com o nosso ciclo preparatório, e é sobre ele que se está articulando a reforma do ciclo seguinte, como é óbvio.

Quanto à Roménia, posso esclarecer que o Liceu tem duas secções, com bifurcação no 2.° ano, prolongando-se pelo 3.° e 4.°. Logo no 1.° ano (comum a todos os alunos), o Latim entra com duas horas semanais; é uma fase de iniciação, com trechos fabricados, tendo em vista proporcionar aos alunos os primeiros contactos com a civilização latina e com o latim (considerado como base duma cultura europeia, duma larga parte duma cultura universal e como língua-mãe que é do romeno) e procurando ainda pôr em evidência as relações das duas línguas: a romena e a latina. A partir do 2.p ano, os alunos da secção «humana» aprofundam os conhecimentos de Latim, já com extractos de autores latinos. Em alguns liceus, há uma secção clássica (com Grego), com quatro horas semanais de Latim, em que esta dis­ciplina se estuda com mais profundidade.

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18. Ao confrontar tudo isto com o que se passa há tanto tempo no nosso País, sinto-me constrangida, pensando que qualquer adoles­cente italiano ou alemão, de língua latina ou não latina, faria enca-vacar muitos estudantes de Filologia Clássica (e de outras Filologias...) das nossas Universidades.

VI

19. Tenho estado a fazer a apologia do ensino do Latim e penso que, por tudo quanto disse, já ficou implicitamente dada resposta a uma pergunta formulada: Latim ao nível geral, Latim para um escol, ou Latim apenas como base para uma futura especialização? Claro que, quanto a mim, a resposta será: Latim ao nível geral, a começar no 3.° ano do ensino secundário, 1.° ano do futuro 1.° ciclo — e não apenas para uma minoria, na secção A do 3.° ano, reduzido, aliás, a alguns Elementos.

20. Argumentarão muitos que o Latim não faz falta para a Medi­cina, a Química, a Biologia, a Geografia. Não pensava assim Poin-caré... E não pensa ainda assim a maior parte dos homens de Ciência na França dos nossos dias. E, na verdade, o Latim interessa-lhes, quer no atinente aos vocabulários técnicos, quer (o que é mais impor­tante ainda) no que respeita ao processo foimativo do indivíduo. Mas suponhamos que era assim. Pelo mesmo tipo de raciocínio (que francamente me parece errado), também o especialista de Huma­nidades Clássicas, o professor de línguas estrangeiras modernas, o historiador, o empregado bancário, o contabilista prescindiriam linda­mente da Química, da Física ou da Botânica. Todavia, ninguém se lembrou ainda de suprimir do «curriculum» do curso geral do Liceu essas disciplinas. E será o Latim menos digno que elas de figurar num quadro de matérias destinadas a formar uma verdadeira cultural O Latim, venerável progenitor da nossa língua, único capaz de no-la fazer conhecer com perfeição; o Latim, verdadeira chave de toda a latinidade, cuja herança devemos orgulhar-nos de ter recebido; o Latim, processo inestimável de disciplina mental e de apuramento da sensi­bilidade?

Se se considera que é preciso iniciar os nossos adolescentes em todas as matérias, para que, ao contacto com elas, possam, por um lado, adquirir uma cultura geral, e, por outro, disponham de elementos

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que lhes permitam a escolha da sua futura profissão — porque privá--los, então, do contacto com o Latim? Só os alunos que se destinam às Faculdades de Letras e Direito é que têm, actualmente, nos dois anos do ciclo complementar, um fugidio contacto com esta língua. E em que condições se faz, nesses dois anos, o estudo do Latim? Como pode aprender-se o Latim «de afogadilho», sem tempo para uma assi­milação gradual e sem tempo para lhe pedir todo o processo formativo que ele pode e deve dar?

21. Será possível ainda argumentar-se que a inclusão do Latim no curso geral iria sobrecarregar os alunos, já terrivelmente asfixiados pelas tarefas escolares. De acordo. De acordo, se o resto se man­tiver como está. Mas o que me parece é que os Programas de certas disciplinas precisam urgentemente de ser aliviados e organizados de tal sorte que ajudem mesmo ao processo formativo integral dos alunos, os preparem para a vida, lhes permitam escolher conscientemente a futura profissão, de modo a que mais tarde a possam exercer com dignidade e eficiência, e lhes dêem uma verdadeira cultura geral, não uma pseudo-erudição, que se esvai, se pulveriza, com o último exame.

Agora que os programas estão a ser revistos e refundidos, decerto com todo o critério, no sentido de os aliviar de muitos pormenores desnecessários ao processo formativo do aluno, por requererem apenas uma memorização fatigante e até nociva (e que deveriam ser relegados para anos de especialização), eu penso que caberá ao Latim o lugar a que tem direito no futuro 1.° ciclo liceal (ou mesmo ciclo unificado) — o que, pelas razões expostas, me parece da mais premente necessidade.

MARIA DO CéU NOVAIS DE FARIA

(Professora metodóloga do Io grupo, do Liceu Normal de Pedro Nunes)

BIBLIOGRAFIA

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COSTA RAMALHO — Pio XII, a Rússia e... o Latim, Porto, 1954.

Caesarodunum — n.° 4—1969 — Orleans, C.R.D.P.

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Cahiers Pédagogiques — Diversos.

Programas Oficiais do Ensino Secundário de vários Países.