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    Srie

    Estudose

    Pesquisas

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    S A L V A D O R 2 0 0 8

    ASPECTOS GERAISDA CONDIO DE

    MORADIA NA BAHIA

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    Governo da Bahia

    Governo do Estado da BahiaJaques Wagner

    Secretaria do PlanejamentoRonald de Arantes Lobato

    Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da BahiaJos Geraldo dos Reis Santos

    Diretoria de PesquisasJos Ribeiro Soares Guimares

    Ficha Tcnica

    Coordenao de Pesquisas Sociais

    Laumar Neves de Souza

    Equipe Tcnica

    Cludia Monteiro Fernandes

    Daniela Franco Cerqueira

    Diva Maria Ferlin Lopes

    Flvia Santana Rodrigues

    Laumar Neves de Souza

    Lucas Marinho Lima

    Luis Andr de Aguiar Alves

    Patricia Chame Dias

    Marcelo Santana

    Reviso de Linguagem

    Vera Brito

    Coordenao de Biblioteca e Documentao

    Ana Paula Sampaio

    NORMALIZAO Raimundo Pereira Santos

    Coordenao de Disseminao de Informaes

    Mrcia Santos

    EDITORIADEARTEEESTILO Elisabete Cristina BarrettoPRODUOEXECUTIVAAnna SapucaiaPROJETOGRFICO Elisabete Barretto, Julio VilelaEDITORAO Autor Visual Comp. Grfica

    Av. Luiz Viana Filho, 435, 2 andar - CAB CEP 41750-002 Salvador - Bahia

    Tel.: (71) 3315-4822 / 3115-4707 Fax: (71) 3116-1781

    www.sei.ba.gov.br [email protected]

    Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia.

    Aspectos gerais da condio de moradia na Bahia.-

    Salvador: SEI, 2008. 134 p. il. (Srie estudos e pesquisas, 80).

    ISBN 978-85-85976-67-5

    1. Moradia Bahia. 2. Desenvolvimento social Bahia.

    I. Ttulo. II. Srie.

    CDU 351.778.5(813.8)

    Impresso: EGBA

    Tiragem: 800 exemplares

    Coordenao Editorial

    Patricia Chame Dias

    Sistematizao dos Dados

    Coordenao de Pesquisas Sociais

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    SUMRIO

    5 APRESENTAO

    9 INTRODUO E ELEMENTOS METODOLGICOS

    19 PANORAMA SOBRE O DFICIT HABITACIONAL NA BAHIA ENTRE 1991 E 2005

    Daniela Franco Cerqueira, Flvia Santana Rodrigues

    20 NOVOS APARATOS LEGAL E INSTITUCIONAL DA QUESTO

    HABITACIONAL NO BRASIL E NA BAHIA

    29 CONSIDERAES SOBRE A METODOLOGIA DE CLCULO DO DFICIT HABITACIONAL

    36 CARACTERSITCAS DO DFICT HABITACIONAL NA BAHIA

    48 CONSIDERAES FINAIS

    52 REFERNCIAS

    55 MORADIA NA BAHIA: COMPARAES E REFLEXES

    Patricia Chame Dias

    56 CONSIDERAES METODOLGICAS PRELIMINARES

    59 SOBRE A HABITABILIDADE: A ESTRUTURA DOS DOMICLIOS

    60 Material das paredes

    62 Tipos de coberturas

    66 SOBRE A DISPONIBILIDADE DE SERVIOS: O SANEAMENTO BSICO

    67 Abastecimento de gua

    72 Esgotamento sanitrio

    77 Destino do lixo

    81 CONSIDERAES GERAIS SOBRE AS CONDIES DE MORADIA NA BAHIA

    86 REFERNCIAS

    89 PRESENAS E AUSNCIAS DE BENS DURVEIS: 1995 E 2005

    Diva Maria Ferlin Lopes, Lucas Marinho Lima

    92 BENS DURVEIS NO NORDESTE, NA BAHIA E NA RMS

    94 A TICA DA NOPRESENA

    96 OUTROS ELEMENTOS: ILUMINAO ELTRICA E TELEFONE FIXO

    98 NMEROS ABSOLUTOS E RELATIVOS E OUTRAS COMPARAES

    103 BREVE ESTUDO DA DISTRIBUIO DOS BENS NOS DOMICLIOS

    SEGUNDO O RENDIMENTO MENSAL

    106 AUSNCIAS CONCOMITANTES, BREVE ABORDAGEM

    106 CONSIDERAES FINAIS

    107 REFERNCIAS

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    109 CARACTERSTICAS DAS FAMLIAS CONVIVENTES NA BAHIA:

    ALGUMAS OBSERVAES COM BASE NOS DADOS DAS PNADS DE 1995 E 2005

    Laumar Neves de Souza, Luis Andr de Aguiar Alves, Marcelo Santana

    113 MERCADO DE TRABALHO E ASPECTOS DEMOGRFICOS NOS ANOS 1990 E 2000

    118 PRESENA E CARACTERSTICAS DAS FAMLIAS CONVIVENTES NA BAHIA

    130 CONSIDERAES FINAIS

    132 REFERNCIAS

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    APRESENTAO

    A habitao uma necessidade bsica dos indivduos. Elemento essencial para sua sobrevi-

    vncia, representa a possibilidade de abrigo e de individualizao, constituindo-se no local da

    intimidade, da famlia, do repouso, onde os sujeitos se organizam para enfrentar os desafios

    cotidianos. Inclui-se, portanto, no rol dos elementos bsicos junto educao, renda e sa-

    de que possibilitam aos indivduos e aos grupos sociais desenvolverem suas capacidades,realizarem escolhas e inserirem-se de forma ativa na sociedade. Assim entendida, a habitao

    apresenta-se como uma necessidade social. No entanto, mesmo que a partir do ano de 2000

    tenha passado a figurar como um dos direitos de cidadania garantido constitucionalmente

    (com a publicao da Emenda Constitucional 26/2000), a moradia, sobretudo aquela que esteja

    dentro dos parmetros que a definem como adequada, permaneceu como algo escasso.

    O fato que a habitao se constitui (como h dcadas) em pauta de reivindicao de dife-

    rentes grupos sociais, especialmente daqueles que se inserem mais precariamente no mundo

    produtivo. Desse modo, embora o Estado brasileiro venha criando alternativas para a populao

    de menor renda e sem renda (seja na produo ou na qualificao de domiclios), bem como,criando e ampliando as estratgias de financiamento para os segmentos baixo, mdio e alto,

    esse investimento vem sendo insuficiente, e mesmo vem se reduzindo ao longo do tempo,

    o que resulta na persistncia da demanda por moradias. Do mesmo modo, permanecem os

    problemas referentes falta de saneamento bsico adequado, de infra-estruturas, de servi-

    os, de condies de acessibilidade requisitos que contribuem para uma boa condio de

    moradia para grande parte da populao brasileira.

    Na Bahia, estado localizado na regio Nordeste, que ao longo de sua histria acumulou inme-

    ros tipos de dficits sociais, essa situao tambm vem sendo evidenciada e, especialmente

    no que tange cobertura por servios pblicos, apresenta-se de forma mais severa do que

    em outras partes do pas. No raro verificar na mdia, na academia, nos discursos polticos, e

    mesmo por simples observao, as precrias e desiguais condies de moradia reinantes nesse

    estado. Tais desigualdades, que podem ser associadas classe social dos indivduos, tambm

    so decorrentes das diferentes formas e processos de ocupao do solo e de distribuio das

    dinmicas socioeconmicas. Contudo, apesar de evidente e urgente, assim como em outras

    partes do Brasil, a questo da moradia no tem sido objeto de uma ao governamental mais

    eficaz. Do mesmo modo, no tm sido comuns trabalhos que levantem dados, discutam e

    articulem informaes sobre diferentes aspectos relacionados moradia, sobretudo, que

    tratem das suas condies nas diferentes pores da Bahia.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    Considerando que a habitao um item fundamental ao desenvolvimento social, atentando

    para a situao anteriormente referida e no intuito de contribuir para o conhecimento das

    condies de moradia na Bahia, a Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia(SEI), atravs Coordenao de Pesquisas Sociais (COPES), elaborou este estudo.

    Composto de quatro textos que versam sobre diferentes temas relacionados moradia, este

    trabalho constitui-se um primeiro esforo desta Instituio para a apropriao e sistematiza-

    o de dados sobre o tema. Com isso, pretende-se levantar elementos que permitam pensar

    sobre a questo da moradia e que, conseqentemente, contribuam para a elaborao de

    polticas pblicas que tenham como meta a produo de moradia digna para a populao

    da Bahia, sobretudo para aquela parcela de menor renda, que depende essencialmente do

    Estado para o provimento de suas necessidades mais elementares.

    Por fim, agradecemos a Anderson Gomes de Oliveira, Lucas Marinho Lima e Mariana Gusmopor terem cedido, gentilmente, fotos de seus acervos, que contriburam para abrilhantar os

    textos que integram esta publicao.

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    o,2008

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    INTRODUO E ELEMENTOS METODOLGICOS

    Em um contexto histrico de extrema desigualdade, no qual, reconhecidamente, as aes

    do Estado na implantao e melhoria das infra-estruturas e servios pblicos se fizeram con-

    centradas social e espacialmente, onde o acesso renda adequada para o provimento das

    necessidades bsicas dos indivduos vem sendo cada vez mais restrito, as intervenes do

    Poder Pblico se fazem fundamentais para que a sociedade alcance o mnimo de bem-estare de segurana social. No entanto, frente incorporao dos pressupostos neoliberais nas

    distintas instncias governamentais iderio que tem dentre seus postulados a necessidade de

    diminuio do tamanho do Estado , as polticas sociais vm primando por serem focais.

    No entendimento de Ivo (2003, p. 7), no contexto poltico, econmico e ideolgico predomi-

    nante a partir dos anos 1990, onde as idias de desconcentrao e flexibilizao das polticas

    pblicas ganharam fora, as polticas sociais deixaram de ser tratadas como de responsabili-

    dade do Estado e converteram-se num compromisso de toda a sociedade. Ento, tais polticas

    deixaram de ser tratadas como estratgia para garantir os direitos sociais e assumiram um

    carter essencialmente compensatrio. Para a autora, os atendimentos das demandas sociais

    vm sendo realizados por programas implantados [...] margem da institucionalidade vi-

    gente no campo da proteo social (neste sentido, tm carter flexvel, sem se constiturem

    em direitos). Na presente lgica, a focalizao tornou-se um conceito central para formula-

    o das novas polticas sociais, na medida em que aparecia como uma ferramenta til para

    racionalizar os gastos sociais.

    Ainda que, como resultado da Constituio de 1988, uma srie de mecanismos tenha sido

    criada para que houvesse maior participao democrtica na definio das metas para as aes

    pblicas, inexistiram polticas que efetivamente garantissem o alcance dos direitos sociais,

    que, de fato, promovessem a alterao das estruturas que mantm a intensa desigualdade

    social da maioria da populao brasileira.

    Quando se pensa em polticas que visem a promover a melhoria da qualidade de vida algo

    cada vez mais referido nos planos governamentais e nas agendas dos organismos multilaterais

    , a situao apresenta uma outra gama de complexidade. Alm dos direcionamentos que a

    questo social vem tomando no mbito das polticas pblicas que so estruturantes, visto

    que definem as formas de interveno , no h um consenso relativo sobre o conceito de

    qualidade de vida, o que est associado multiplicidade de facetas sob as quais pode ser

    abordada. Fundamentalmente, possvel analis-la a partir de trs dimenses:

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    [...] relacionando-a aos aspectos individuais (modo, condies, estilos de vida,

    percepo de bem-estar, espiritualidade, objetivos de vida, relaes sociais),

    coletivos (desenvolvimento humano, comunidades saudveis, sustentabili-

    dade e ecologia humana) e polticos (democracia, direitos humanos e sociais)(KEINERT, 2004, p. 4).

    Depreende-se, portanto, que tal qualidade resulte de um conjunto de elementos que vo

    desde a satisfao das necessidades vitais, s condies que possibilitem ao indivduo uma

    participao ativa na sociedade. Sendo assim, habitao alimentao, sade, educao, mas,

    tambm, segurana, cultura, lazer e possibilidade de acesso a emprego e renda aparecem

    como elementos a serem articulados para compor uma pauta de ao que vise a diminuir a

    precariedade das condies de vida de uma populao. Essa situao resulta em dificuldade

    de construo de polticas que promovam sua melhoria efetiva j que, para isso, seria neces-

    srio articular uma srie de instncias e agentes. Sobretudo, a existncia de uma ampla gamade elementos que podem ser objeto de aes focalizadas inviabiliza a necessria noo de

    totalidade no trato dessa problemtica.

    Aceitando-se como vlida a idia de que os programas com focos muito bem delimitados,

    por mtodos e critrios racionais, permitem tratar dos problemas sociais sem alterar as causas

    que os produziram e, que isso, ainda que resulte em melhorias a curto prazo no minimizam

    a possibilidade de persistncia de tais problemas, entende-se a necessidade de desenvolver

    estudos que, sem perder de vista a dinmica da totalidade, abordem com maior profundidade

    determinados aspectos da realidade. Sendo assim, a par de toda discusso sobre o conceito

    e sobre as mltiplas possibilidades de tratar da qualidade de vida, o aprofundamento do

    estudo de questes sobre habitao considerado um dos itens fundamentais para sua

    compreenso.

    Essa noo se baseia no pressuposto de que a habitao no se restringe ao plano da casa

    (do morar). Alm de ser crucial para a sobrevivncia individual e social do homem afinal

    o seu lugar no mundo a moradia resultante de um conjunto de prticas sociais acumula-

    das historicamente, e, simultaneamente, um local onde se realizam prticas indispensveis

    para a reproduo social. Por isso mesmo, a anlise das condies de moradia envolvem

    discusses que versam no apenas sobre sua disponibilidade em termos quantitativos e

    qualitativos, mas, igualmente, sua localizao e as possibilidades a ela inerentes de acesso

    a equipamentos, aos servios pblicos, s estruturas de lazer e de comrcio e, destaque-se,

    ao mercado de trabalho.

    No Brasil, duas linhas de discusso norteiam grande parte das anlises sobre a habitao: a

    primeira versa sobre a carncia de moradias e a segunda trata das condies dos domiclios.

    Cada uma impe inmeras reflexes. Pode-se abordar o papel do Estado na produo de

    unidades habitacionais para os diferentes segmentos sociais e a crescente importncia do

    mercado nesse processo; a localizao do domiclio e a desigualdade de caractersticas a ela

    associadas; a disponibilidade de servios de saneamento; as formas de morar e a sociabili-

    dade, dentre outros assuntos. Mas, o fato que, se a relao entre habitao e condies de

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    vida permeia as discusses cientficas h muito (a exemplo do trabalho escrito por Engels,

    em 1845, intitulado A condio da classe trabalhadora na Inglaterra), no Brasil, essa relao

    apareceu com destaque a partir do processo de industrializao, ensejado com a Revoluode 1930 e aprofundado dcadas seguintes, o que acarretou, dentre outras coisas, uma intensa,

    acelerada e desordenada urbanizao.

    Assim como nos demais pases latino-americanos, onde a industrializao iniciou-se mais

    tardiamente em relao ao que ocorreu em boa parte da Europa, no Brasil esse processo

    provocou uma intensa emigrao de moradores de locais empobrecidos, onde o emprego

    era escasso e as condies de vida precrias, para outros que estavam se apresentando

    como prsperos: as grandes cidades, especialmente as do Sudeste. Esse direcionamento

    migratrio, longe de ser casual, decorreu dos intensos investimentos pblicos e privados

    realizados nessas reas, voltados implantao da lgica e de estruturas que favorecessema expanso da industrializao, circunstncia que, evidentemente, resultou na criao de

    um amplo e diversificado mercado de trabalho. Tal situao, frente estagnao existente

    em outras regies, em especial no Nordeste, tornou os grandes centros urbanos em plo

    de atrao migratria.

    Entende-se, pois, que a urbanizao brasileira (vista aqui como aumento da populao urba-

    na, mas tambm, do desenvolvimento de complexas dinmicas que caracterizam as cidades

    capitalistas) pode ser considerada como resultante dos interesses das grandes empresas, por

    isso mesmo, conforme Santos (1996, p. 96), foi uma urbanizao corporativa, constituda por

    [...] uma expanso capitalista devorante de recursos pblicos, uma vez que so [processos]orientados para os investimentos econmicos, em detrimento dos gastos sociais.

    Sob essa lgica, os imigrantes e os no-migrantes das grandes aglomeraes, embora tendo

    acesso a um amplo mercado de trabalho, no encontraram polticas pblicas que tivessem

    como uma de suas prioridades a promoo de uma condio de vida adequada, o que incluiria

    o provimento e a adequao da moradia. Tendo em vista que a submisso da cidade ao capital

    se ampliou com o passar do tempo, o que teve como um de seus produtos o aumento da

    especulao imobiliria, a terra urbana tornou-se uma mercadoria cara e, portanto, escassa.

    Essa situao colaborou para a ampliao do problema da carncia de residncias, obrigando

    uma parcela expressiva da populao a buscar alternativas em outros lugares, especialmente

    nas periferias das cidades. Assim, ocorreu a expanso urbana no pas; expanso essa que se

    refere ao aumento da ocupao espacial j que a estrutura urbana no avanou to rapida-

    mente para esses lugares. Nessas condies, no difcil entender porque para tais reas se

    deslocaram os mais pobres, aqueles que no tinham como habitar em locais mais centrais

    submetidos a uma intensa especulao.

    No se pode desconhecer que a estrutura dos lugares e a condio da moradia esto asso-

    ciadas classe social dos indivduos que l residem e que a diferena entre os lugares e as

    possibilidades de habitar esto associadas ao peso que o mercado imobilirio teve e tem na

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    INTRODUOEELEMENTOSMETODOLGICOS

    associao ou movimento organizado de trabalhadores rurais. De forma geral, a habitao

    rural marcada pela precariedade na edificao, em muito produzida por autoconstruo,

    destinada prioritariamente moradia de seu construtor portanto, no assume um carterde mercadoria. Com relao ao acesso aos servios pblicos, em especial os de saneamento,

    a prpria organizao do espao rural onde os domiclios so dispersos se constitui num

    obstculo e justificativa para a reduzida expanso das redes de distribuio de gua e para a

    implantao de formas adequadas de esgotamento sanitrio. Do mesmo modo, essa mesma

    disperso e as restritas possibilidades de circulao, interferem no acesso a servios de sade

    e educao, por exemplo.

    O fato que ainda que existam projetos de mbito federal (normalmente em parceria com

    outras instncias governamentais) que disponibilizavam a habitao e saneamento para os

    moradores rurais, inexiste de fato um programa nacional de habitao especfico para essas

    reas. Apenas em 2003, o Ministrio das Cidades1passou a disponibilizar aos trabalhadores

    rurais acesso a recursos para subsidiar a construo de habitaes no meio rural. Em 2006,

    foi publicada a lei que estabelece as diretrizes da poltica nacional da agricultura familiar e

    empreendimentos familiares rurais, que trata da habitao como um dos elementos a serem

    compatibilizados para que se alcancem as metas de tal poltica. No entanto, muito embora o

    montante de investimentos disponibilizado para equacionar questes referentes moradia

    rural tenha sido crescente nos ltimos anos, frente ao dficit acumulado historicamente, ainda

    insuficiente para atender demanda. Alm disso, no contempla adequadamente as espe-

    cificidades do meio rural, assim como no atende s necessidades especficas de cada regio.

    Desse modo, as estratgias de produo da habitao rural ainda esto, em muito, vinculadas

    s possibilidades individuais. Ademais, as polticas pblicas voltadas ao seu provimento e qua-

    lificao dos domiclios esto ainda mais defasadas do que o que verificado no urbano.

    Na Bahia, a situao no se apresenta muito distinta. Se muitos emigraram desse estado para o

    Sudeste, tambm se observou intenso fluxo de pessoas do interior em direo Salvador, sua

    maior cidade e tambm a maior capital nordestina. Tal situao, em funo das especificidades

    locais, ocorreu antes mesmo que o Estado ingressasse efetivamente no processo de industria-

    lizao nacional. Santos (1958) apontou que contriburam para esse processo a pobreza das

    reas semi-ridas e a decadncia da economia da cana-de-acar praticada no Recncavo.

    Nesse contexto, nos anos 1940-1950, em Salvador ocorreu ampliao significativa de sua

    populao e rea ocupada. Esse processo incidiu sobre o mercado imobilirio: ocorreu inten-

    sificao da procura por novas habitaes, elevao dos aluguis e a implantao de novos

    loteamentos. Porm, isso no foi suficiente para responder s especificidades da demanda

    por moradia, que era composta, predominantemente, de pessoas de baixa renda e sem maior

    capacidade de insero na economia urbana. Eis que ocorreu a intensificao das reas de

    ocupao espontneas, algumas da quais organizadas de forma coletiva. Tais ocupaes

    1 As principais competncias do Ministrio das Cidades so tratar da poltica de desenvolvimento urbano e das polticas

    setoriais de habitao, saneamento ambiental, transporte urbano e trnsito.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    que, a partir de ento, assumiram a denominao de invaso , aconteceram, sobretudo, nas

    periferias da cidade, que no dispunham de infra-estrutura, onde as condies de vida eram

    extremamente precrias, o que resultou, nas palavras de Santos (1958), na construo debairros inumanos. Essa situao de ampliao das reas ocupadas por moradias rudimentares

    no foi particular de Salvador. Nas diversas reas urbanas da Bahia, independente do porte

    de populao, com menor ou maior intensidade, essa situao se fez evidente.

    Mais recentemente, ainda que tenham sido implementados programas visando melhoria das

    condies de vida, alguma das quais voltadas habitao, os antigos problemas no foram

    equacionados adequadamente. Anlises mais recentes do conta de que a estruturao das

    reas urbana na Bahia continuou refletindo as desigualdades sociais, o que se evidencia nos

    contrastes entre a [...] cidade formal caracterizada por reas com boa oferta de infra-estrutura,

    reguladas pelo mercado imobilirio e normalmente atendendo legislao urbanstica [...]

    e a [...] cidade informal caracterizada pela implantao de loteamentos irregulares e clan-

    destinos, bem como por invases de reas pblicas e privadas [...] (PEREIRA; SOUZA, 2006, p.

    137). Estas ltimas so ocupadas por pessoas de baixa renda, que no tm possibilidade de

    acesso aos produtos oferecidos pelo mercado imobilirio e que no foram contempladas

    pelas pouco efetivas polticas de habitao de interesse social.

    No meio rural, embora haja polticas estaduais que visem ao combate pobreza, onde um

    dos objetivos a ampliao da infra-estrutura e dos servios de saneamento, ainda no se

    observam mudanas significativas no que se refere s condies de moradia, o que se reflete

    nas demandas que as organizaes da sociedade civil continuam trazendo ao governo2.

    Nesse contexto, o estudo dos problemas que envolvem a habitao mantm-se pertinente e

    necessrio. Todavia, nos ltimos anos, tm sido escassos os trabalhos que discutam o assunto

    de forma ampla ou que tratem das distintas situaes existentes no estado.

    Ciente dessa situao e na tentativa de colaborar para o preenchimento dessa lacuna, apre-

    senta-se este estudo, cujo objetivo discutir aspectos relevantes para a anlise das condies

    de moradia na Bahia. Para isso, adotou-se como principal base de dados a Pesquisa Nacional

    por Amostra de Domiclios (PNAD), dos anos de 1995 e 2005, e, como unidade de referncia,

    foram utilizados os domiclios particulares permanentes3. Com isso, cotejando os dados dis-

    ponibilizados por essa pesquisa com os obtidos por outras fontes estatsticas (especialmente

    os censos demogrficos), associado ao levantamento terico sobre o tema e elaborao de

    um panorama econmico desse perodo, discutiram-se os processos que resultaram na situa-

    o encontrada nesse estado. Na tentativa de dar mais consistncia a essa discusso, sempre

    que possvel, os dados da Bahia foram confrontados com os de outras unidades geogrficas.

    Em outros termos, tentando verificar a relevncia dos valores observados, compararam-se

    2 De acordo com o relatrio do ltimo PPA Participativo (2008-2011), o desenvolvimento da infra-estrutura, envolvendohabitao, saneamento e energia, foi o quarto item mais reivindicado.3 Nas notas metodolgicas da PNAD descrevem-se como domiclios particulares aqueles destinados especificamente habitao de uma pessoa ou grupo de pessoas, cujo relacionamento ditado por laos de parentesco, dependnciadomstica ou normas de convivncia. A caracterstica permanente atribuda queles domiclios localizados em casa,

    apartamento ou cmodo e destinados moradia, no tendo outros usos como propsito.

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    INTRODUOEELEMENTOSMETODOLGICOS

    os dados da Bahia com os do Brasil, do Nordeste, e com os aferidos na Regio Metropolitana

    de Salvador (RMS), sua rea mais densa e urbanizada.

    Fundamentalmente, neste trabalho as discusses versaram em torno de trs temas.

    O primeiro se refere disponibilidade da habitao. A preocupao, neste caso, foi dimensionar

    a carncia de unidades habitacionais no estado. Com esse objetivo, tendo como referncia

    o levantamento bibliogrfico voltado ao tema, Daniela Franco Cerqueira e Flvia Santana

    Rodrigues elaboraram um texto denominado Panorama sobre o dficit habitacional na Bahia

    entre 1991 e 2005, em que o intuito foi demonstrar como esse dficit se alterou no perodo

    referido. Para tanto, diferindo dos demais trabalhos desta publicao, utilizaram predomi-

    nantemente os dados e a metodologia da Fundao Joo Pinheiro (FJP). Tal opo decorreu

    da ampla aceitao e utilizao que essa metodologia vem tendo tanto na academia quanto

    em diferentes esferas de governo, o que possibilita a comparao do presente estudo comoutros que versam sobre o mesmo tema em diferentes contextos.

    Cerqueira e Rodrigues organizaram seu trabalho contemplando, inicialmente, uma discusso

    sobre a metodologia da FJP e sobre o conceito de dficit habitacional por ela elaborado

    que incorpora como elementos: moradias precrias; domiclios improvisados; e coabitao

    familiar. Adotando as propostas da FJP, apresentaram os dficits total, urbano e rural da Bahia,

    comparando-os com o da RMS, do Nordeste e do Brasil. Alm disso, os referidos autores se

    preocuparam em averiguar os diferenciais do dficit habitacional por faixa de renda e sua

    taxa de crescimento e tambm em discutir, tendo como base a importncia de cada um dos

    componentes do dficit total, o papel do Estado na manuteno dessa situao.Observe-se que a linha metodolgica adotada fez com que esse texto seguisse uma escala

    temporal distinta da observada nos demais trabalhos desta publicao (1991, 2000 e 2005).

    Contudo, consideraram todas as unidades espaciais propostas (Brasil, Nordeste, Bahia e RMS),

    diferenciando as informaes para as reas urbana e rural.

    A segunda discusso, feita em dois textos, versa sobre o ato de morar. No primeiro, intitulado

    Moradia na Bahia: comparaes e reflexes, Patricia Chame Dias preocupou-se em verificar as

    condies objetivas de moradia a partir do levantamento das caractersticas dos domiclios.

    No segundo, Diva Maria Ferlin Lopes e Lucas Marinho Lima analisaram a presena e a ausncia

    de determinados bens durveis nos domiclios, como elementos que implicam condies demaior conforto e salubridade para os moradores.

    Em seu texto, Dias, trabalhou com dois grupos de dados. Baseada em diferentes autores, consi-

    derou necessrio, para alcanar o objetivo proposto, levantar informaes sobre as condies

    de habitabilidade e sobre a disponibilidade de servios de saneamento bsico.

    Para avaliar o primeiro item, condies de habitabilidade, fundamentada principalmente

    nos estudos da Organizao das Naes Unidas (ONU) sobre moradia adequada, a au-

    tora selecionou indicadores que denotassem as caractersticas fsicas do domiclio que

    tm como funo proporcionar salubridade adequada e possibilitar sua distino dos

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    demais: material das paredes e material das coberturas. Como servios de saneamento,

    considerando os inmeros trabalhos sobre o tema, mas, principalmente, a Lei n. 11.445,

    de 2007, utilizou-se informaes sobre os tipos de abastecimento de gua, as formas deesgotamento sanitrio e o destino do lixo. Todas essas informaes foram levantadas para

    a Bahia e comparadas com as da RMS, do Nordeste e do Brasil, para os meios urbano e

    rural, considerando os anos de 1995 e 2005.

    Partindo do pressuposto de que a condio de moradia de uma determinada populao est

    profundamente associada s polticas pblicas, ao longo do seu texto, Patricia Dias tratou

    do papel do Estado na manuteno das diferenas entre as condies de vida existente nos

    espaos geogrficos analisados. Igualmente, discutiu a desigualdade de acesso aos servios

    pblicos como algo que limita as possibilidades do exerccio da cidadania.

    No trabalho de Lopes e Lima, denominado Presenas e ausncias de bens durveis: 1995 e 2005,

    a preocupao foi verificar o nvel de conforto e bem-estar existente nos domiclios, o que foi

    associado presena (ou ausncia) de determinados bens durveis no seu interior. Seguindo a

    metodologia da PNAD, consideraram como tais bens os seguintes itens: fogo, filtro de gua,

    rdio, televiso, geladeira, freezer e mquina de lavar roupas. Levantaram ainda informaes

    sobra a disponibilidade de energia eltrica e de telefone fixo no domiclio.

    Para compreender os dados da Bahia, os autores fizeram comparaes com o Nordeste e

    com a RMS, em 1995 e em 2005. Acrescente-se que, alm de apresentarem tais dados como

    tradicionalmente vem sendo feito, Lopes e Lima aprofundaram seu estudo abordando a ticada no-presena, ou seja, verificando quantos, do total de domiclios, no possuam determi-

    nado bem. Outra estratgia interessante foi a de desagregar os dados da RMS do conjunto

    estadual e os da Bahia da totalidade nordestina.

    Na terceira vertente de discusso, o foco recai sobre a forma como as famlias se distribuem

    nos domiclios. Especificamente, Laumar Neves de Souza, Luis Andr de Aguiar Alves e Mar-

    celo Santana elaboraram um estudo cujo objetivo foi comparar determinadas caractersticas

    socioeconmicas das famlias conviventes4da Bahia em dois momentos distintos, em 1995

    e em 2005. Tal estudo, intitulado Caractersticas das famlias conviventes na Bahia: algumas

    observaes com base nos dados das PNADs de 1995 e de 2005 , foi balizado por duas idias

    centrais. A primeira a de que frente s alteraes econmicas, socioculturais e demogrficas

    ocorridas principalmente na segunda metade do sculo XX, a famlia vem experimentando

    redefinies quanto sua organizao e papel social. A segunda a de que, com a exacer-

    bao do modelo neoliberal e seus reflexos na precarizao das relaes de trabalho e na

    diminuio da quantidade empregos formais, houve declnio da renda familiar com conse-

    qente crescimento da dificuldade de garantia das condies de sobrevivncia.

    4 Famlias conviventes so aquelas que, por diferentes razes, habitam num mesmo domiclio.

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    INTRODUOEELEMENTOSMETODOLGICOS

    Aps elaborao dessa discusso, tomando como referncia o conceito de famlia proposto

    pelo IBGE, fazendo uso de microdados5, os autores trabalharam no intuito de distinguir o

    perfil das famlias primrias e secundrias6

    considerando as seguintes caractersticas: distri-buio etria; taxa defecundidade; tipo de arranjo familiar; rendimento familiar per capita

    e nmero mdio de componentes. Tendo em vista a preocupao com o detalhamento das

    informaes levantadas, os autores optaram por trabalhar uma nica unidade geogrfica, a

    Bahia, observando as mudanas ocorridas no estado entre 1995 e 2005.

    Souza, Alves e Santana, entendendo que as relaes familiares so fundamentais na formao

    individual e na prpria reproduo social e, verificando que as famlias primrias apresen-

    taram uma condio socioeconmica superior ao das famlias secundrias, consideraram a

    convivncia familiar como uma estratgia adotada para minimizar os efeitos das dinmicas

    econmicas que predominaram no pas e na Bahia.

    Longe de pretender esgotar cada um dos temas aqui tratados, os autores dos textos que

    integram esta publicao entendem ter proporcionado ao leitor um significativo conjunto

    de dados e discusses que possam contribuir para o entendimento de como se encontram

    as condies de moradia na Bahia. Ademais, espera-se que esse entendimento estimule a

    abertura para aprofundamentos em torno da temtica e, com isso, favorea a elaborao de

    um programa de habitao que produza cada vez melhores condies de moradia.

    REFERNCIAS

    CORRA, Roberto Lobato. O espao urbano. So Paulo: tica, 1989.

    IVO, Anete Leal. Polticas sociais de combate pobreza nos anos 1990: novas teses, novos paradigmas.In: SUPERINTENDNCIA DE ESTUDOS ECONMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Pobreza e desigualdadessociais. Salvador: SEI, 2003 (Srie estudos e pesquisas, 63). p. 7-27.

    KEINERT, Tnia Margarete Mezzomo. Qualidade de vida e avaliao de polticas pblicas. Boletim doInstituto de Sade, So Paulo, n. 32, p. 4. abr. 2004. Disponvel em: Acesso em: 22 mar. 2008.

    MARICATO, Maricato. O ministrio das cidades e a poltica nacional de desenvolvimento urbano. IPEA,Polticas Sociais: acompanhamento e anlise, Braslia, n. 12, p.211-220, fev. 2006.

    PEREIRA, Gilberto Corso; SOUZA, ngela Gordilho. Condies de moradia e infra-estrutura urbana. In:

    CARVALHO, Inai M. M.; PEREIRA, Gilberto Corso (Org.). Como anda Salvador. EDUFBA: Salvador, 2006.p. 137-154.

    ROLNIK, Raquel. A construo de uma poltica fundiria e de planejamento urbano para o pas.Polticas Sociais: acompanhamento e anlise, Braslia, n. 12, p.199-210, fev. 2006.

    SANTOS, Milton.A urbanizao brasileira. 3. ed. So Paulo: HUCITEC, 1996.

    ______. O centro da cidade do Salvador. Estudo de geografia urbana. Salvador: Progresso, 1958.

    5 Microdados consistem no menor nvel de agregao dos dados de uma pesquisa, retratados na forma de cdigosnumricos.6 As famliasprimriasso aquelas famlias conviventes qual pertence o responsvel pelo domiclio e as secundriasso

    aquelas que coabitam no domiclio com a primria.

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    PANORAMA SOBRE O DFICIT HABITACIONALNA BAHIA ENTRE 1991 E 2005

    Daniela Franco Cerqueira *Flvia Santana Rodrigues **

    O acesso moradia sempre representou uma demanda de difcil realizao para grande

    parte da populao, particularmente para os estratos de menor renda. Mais recentemente,

    a flexibilizao do mercado de trabalho, o aumento do desemprego e a diminuio da

    renda do trabalho ampliaram o contingente de famlias que ainda no conseguiu concre-

    tizar esse objetivo.

    Acrescente-se a isso que, na dcada de 1990, as propostas de reduo da interveno do Es-

    tado na economia, e mesmo no mbito social, refletiram-se na reduo de polticas pblicas

    (nos mbitos estadual e federal) voltadas para o equacionamento da questo habitacional

    no Brasil como um todo e, na Bahia, em particular. Em decorrncia dessa situao, a primeira

    metade dos anos 2000 foi marcada pelo surgimento de diversos movimentos sociais que

    tinham e ainda tm como eixo principal de organizao a reivindicao por moradia os

    chamados Sem-teto.

    A ampliao do nmero de famlias sem moradia ou em habitaes inadequadas serve como

    argumento inconteste das pautas de reivindicao dos movimentos sociais e de agentes da

    opinio pblica que tambm pressionam o Estado para encontrar solues para essa questo.

    Conseqentemente, o crescimento da presso social sobre a ao governamental nas reas

    de planejamento e de infra-estrutura urbana contribui para que haja um redirecionamento

    de investimentos e programas pblicos voltados para o tema habitao. Chama-se a ateno

    para estes dois movimentos que ocorrem em paralelo e se influenciam mutuamente: amplia-

    o sistemtica de uma massa de pessoas desprovidas de moradia, dentre outros direitos

    constitucionais, com inmeras conseqncias sociais adversas, e criao de iniciativas de

    intervenes pblicas no setor habitacional. Desse modo, a mensurao do chamado dficit

    habitacional constitui importante balizador dos resultados dessas polticas destinadas diminuio das carncias habitacionais no estado.

    As crescentes dificuldades de obteno de um local para morar no pas e, especialmente, em

    seus grandes centros urbanos, tomam propores preocupantes para o convvio social. Exem-

    plos disso o crescimento das favelas e invases, onde se erguem diferentes tipos de moradias

    precrias1, que traduzem e reproduzem pssimas condies de sobrevivncia daqueles que

    * Economista pela UFBA e Mestre em Economia pela UNICAMP. Tcnica da SEI. [email protected]

    ** Economista pela UFBA e Especialista em Polticas Pblicas e Gesto Governamental pela UNIFACS. Tcnica da [email protected]

    1Cortios, cabeas de porco, etc.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    no possuem renda suficiente para residir em domiclios e locais com o mnimo de condies

    e infra-estrutura adequadas. Essa precariedade das condies de moradia consiste em um

    dos fatores que pode mascarar situaes de dficit habitacional. Problema que se apresentade forma diferente do ponto de vista espacial, sendo mais grave nas reas urbanas e regies

    metropolitanas do que no meio rural, devido, dentre outros fatores, s emigraes das pessoas

    no sentido do campo para as cidades, em busca de mais oportunidades de trabalho, o que

    produz desdobramentos na atual densidade populacional.

    Levando-se em considerao esses aspectos, pretende-se demonstrar como o dficit habi-

    tacional na Bahia evoluiu entre 1991 e 2005.

    Com base na diversidade de procedimentos tcnicos de mensurao do dficit habita-

    cional, neste estudo se fez a opo de aplicar a metodologia da Fundao Joo Pinheiro

    (FJP), que a mais usual em diferentes trabalhos sobre o tema, sendo adotada oficialmen-te pelo governo federal (Ministrio das Cidades), pela maioria dos governos estaduais,

    por governos municipais, universidades, centros de pesquisas e entidades profissionais.

    Nesse sentido, selecionaram-se tabulaes j sistematizadas pela FJP, com base nos Cen-

    sos Demogrficos dos anos de 1991 e 2000 e nos microdados da PNAD de 2005, fontes

    estatsticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Esses dados tm essa

    periodicidade visando comparabilidade temporal, sendo que 2005 constitui-se no ano

    mais recente disponibilizado.

    Este texto est estruturado em trs sees. Na primeira apresentam-se os mecanismos legais

    e institucionais e a poltica de habitao do pas e da Bahia, criados nas dcadas de 1990 e2000. Na segunda, debate-se a metodologia para estimar o clculo do dficit habitacional

    realizada pela FJP, explicando os conceitos e limitaes de seus componentes. Na terceira,

    so analisados os dados estatsticos de dficit habitacional da Bahia, comparando-os com

    os do Brasil, Nordeste e Regio Metropolitana de Salvador (RMS). Busca-se ainda, identificar

    as particularidades desse dficit na Bahia meios urbano e rural. Por fim, apresentam-se as

    consideraes finais.

    NOVOS APARATOS LEGAL E INSTITUCIONAL DA QUESTO

    HABITACIONAL NO BRASIL E NA BAHIA

    A partir do final da dcada de 1980, com a Constituio de 1988 e, mais acentuadamente, ao

    longo dos anos 1990, foram criados mecanismos administrativos no pas que vm auxiliando a

    modificao das polticas habitacionais, desde a fase de sua concepo at a de execuo.

    Durante a dcada de 1990, dois aspectos que caracterizam a interveno governamental na

    rea habitacional devem ser destacados, sendo o primeiro o constante reordenamento do

    arranjo institucional do setor2e o segundo, a aplicao de programas alternativos, executados

    2 De acordo com Santos (1999), reformulaes freqentes j vinham acontecendo nos rgos responsveis pelas questesurbanas e habitacionais, no final dos anos 1980, com a transformao do Ministrio do Desenvolvimento Urbano (MDU), criado

    em 1985, em Ministrio da Habitao, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MHU), posteriormente em Ministrio

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    PANORAMASOBREODFICITHABITACIONALNABAHIAENTRE1991 E2005

    majoritariamente com recursos oramentrios e do Sistema Financeiro de Habitao (SFH)3,

    em particular, do Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS).

    Em 1990, por exemplo, no governo Collor foi feita uma reformulao geral da estrutura admi-nistrativa federal, ficando a Secretaria Nacional de Habitao (SNH)4subordinada ao Ministrio

    de Ao Social (MAS). Outro rearranjo institucional foi a criao do Conselho curador do FGTS

    que, segundo informaes oficiais, serviria para melhorar a distribuio dos recursos oriundos

    desse fundo e do Oramento Geral da Unio (OGU) para a populao de baixa renda.

    Aps a criao da SNH, lanou-se o Plano de Ao Imediata para Habitao (PAIH). Somente

    em 1991 formularam-se as diretrizes da Poltica Nacional de Habitao (PNH). Como exemplos

    de programas iniciais desse perodo tm-se: o de Construo e Recuperao de Habitaes e

    reas Degradadas, o de Ao Imediata para Habitao e o de Habitao Popular. Entretanto,

    as polticas e programas habitacionais do ano 1990 no se mostraram suficientes para revertera tendncia de crescimento do dficit de moradias, [...] estimado em cerca de 10 milhes de

    unidades5 (Souza, 1992, p. 12).

    No final de 1992, outra reforma administrativa federal foi realizada, agora j no governo Itamar

    Franco, com a criao do Ministrio do Bem-estar Social (MBES) ao qual passou a se vincular

    a Secretaria de Habitao. A partir dessa medida, se reorganiza a PNH, reformulam-se pro-

    gramas antigos e novos so lanados: Nacional de Habitao Rural; Nacional de Tecnologia

    da Habitao; Doao de reas Pblicas para Implementao de Programas Habitacionais;

    Urbanizao de reas e Regularizao Fundiria e de Habitao Popular. O MAS ainda continua

    responsvel pela coordenao da PNH, mas novamente o objetivo proposto pelos programassofre restries na tentativa de diminuir o dficit habitacional devido:

    A permanncia do quadro de recesso econmica atravessado pelo pas com

    particular impacto sobre a performance da principal fonte de financiamento

    da poltica habitacional, o FGTS ao lado de decises de poltica macroe-

    conmica, de generalizada restrio dos investimentos pblicos, reduziram

    s suas reais dimenses as ambiciosas metas do Ministrio da Ao Social

    (SOUZA et al, 1993, p. 11).

    Como aponta Santos (1999), entre os anos de 1995 a 1998, a atuao do governo no setor

    de habitao nos programas propostos pela nova PNH foi direcionada para tentar remediar

    alguns pontos crticos do modelo de interveno pblica baseado no SFH, a saber: deficinciano aproveitamento lquido das fontes de recursos (FGTS); beneficiamento das classes mdia

    e mdia alta nos financiamentos de moradia, em detrimento dos segmentos de menor renda

    (responsveis pela quase totalidade do dficit habitacional), atravs de subsdios significa-

    da Habitao e Bem-Estar Social (MBES), sendo extinto em 1989 e as suas atribuies passadas ao Ministrio do Interior.3 O SFH foi institudo pela Lei n. 4.380, em 21 de agosto de 1964, sendo destinado a facilitar e promover a construo ea aquisio da casa prpria ou moradia.4 Essa secretaria tinha como atribuies elaborar diretrizes para a poltica nacional de habitao e realizar o monitoramentoe avaliao dos programas e projetos habitacionais.5 Para obter informaes sobre essa metodologia de clculo consultar Souza (1992). Vale enfatizar que tal estimativade dficit habitacional bastante superior da Fundao Joo Pinheiro, que, em 1991 (um ano depois), era de

    aproximadamente cinco milhes e meio de domiclios, ou seja, praticamente a metade desse valor.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    tivos do oramento da Unio e insuficincia no atendimento das necessidades de moradia

    da populao, em face da limitada quantidade de habitaes construdas, correspondendo

    a 17,7% do total produzido no pas.Assim, esse autor faz um acompanhamento dos programas e aes governamentais aplica-

    dos durante o perodo 1995-1998, que passaram a ser focalizados em reas habitacionais

    degradadas e habitadas por populaes com renda mensal inferior a trs salrios mnimos.

    O Pr-moradia e o Habitar Brasil foram os dois principais programas federais, encarregados

    da produo de moradias, de urbanizao em geral e de favelas e da promoo de melhoria

    habitacional e infra-estrutura. Segundo informaes da Caixa Econmica Federal (agente

    financeiro, tcnico e operacional e responsvel pela implementao dos dois programas),

    os recursos provenientes do Habitar Brasil vieram de um acordo firmado entre a Unio e o

    BID, sendo destinados para o programa e operados por essa instituio um volume de US$

    390 milhes. J o Pr-moradia foi implementado por meio da concesso de financiamentos

    com recursos do FGTS.

    Tais mudanas avanaram no sentido de tentar dirimir algumas deficincias que as po-

    lticas urbanas e de habitao apresentavam e pelas quais eram criticadas. Por um lado,

    a crtica se refere ao seu carter tradicionalmente setorializado, sem articulao com as

    demais polticas pblicas e, por outro, reporta-se fragmentao e descontinuidade das

    aes propostas entre as trs esferas de governo. Ademais, tentou-se organizar melhor

    a estrutura institucional do setor habitacional em contraposio aos anos anteriores, su-

    prindo a ausncia de uma poltica nacional de desenvolvimento urbano e a escassez de

    recursos oramentrios.

    No governo Fernando Henrique Cardoso, o sistema de financiamento cresceu atravs da

    ampliao das linhas de crditos para transaes envolvendo os imveis usados. Com isso,

    o mercado imobilirio foi aquecido pelo melhor aproveitamento do SFH para os muturios.

    Antes dessa gesto, o SFH funcionava atravs de uma agncia central, o Banco Nacional

    de Habitao (BNH)6e tinha como principal fonte de recursos o Fundo de Garantia por

    Tempo de Servio (FGTS). A iniciativa governamental era centralizada, principalmente, na

    esfera federal e havia um direcionamento do modelo de financiamento ao mercado de

    imveis que tinham sido custeados pelo prprio sistema, no contemplando o segmento

    de imveis usados (BAHIA, 2006).

    Posteriormente, outras medidas foram tomadas com relao questo habitacional, com a

    promoo de mudanas no ambiente institucional, nas legislaes ambiental e sobre o uso

    do solo urbano e, por conseguinte, no tipo de poltica voltada a esse setor. Assim sendo,

    em 2001, foi criado o Estatuto das Cidades7para regulamentar o desenvolvimento urbano

    no Brasil. Vale ressaltar tambm que, nesse mesmo ano, algumas resolues foram criadas

    6 Criado, juntamente com o SFH, pela Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964 e extinto pelo Decreto-lei n. 2.291, de 21 denovembro de 1986. Aps o seu fechamento, as atividades do BNH foram incorporadas pela Caixa Econmica Federal.7 Tem como princpios o combate especulao imobiliria e a promoo da regularizao fundiria das construes

    urbanas. Estabelece aos municpios a apresentao de planos diretores participativos de desenvolvimento urbano.

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    PANORAMASOBREODFICITHABITACIONALNABAHIAENTRE1991 E2005

    no sentido de propiciar maior controle e interveno administrativos sobre o uso e a posse

    da terra urbana. Nesse sentido, regulamentou-se a Lei n. 10.257, em 10 de julho de 2001,

    que criava as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)8

    . Alm de dar maior nfase ao aten-dimento da demanda por moradia para a populao de baixa renda, a dimenso ambiental

    tem sido incorporada progressivamente nos programas e polticas urbanas e de habitao,

    com a exigncia do rgo ambiental competente de que, quando houver ocupao e uso do

    espao fsico, os construtores de novas moradias devem executar Estudo Prvio de Impacto

    Ambiental (EIA) e elaborar Relatrios de Impacto Ambiental (RIMA), ambos submetidos

    aos princpios e objetivos da Lei Nacional n 6.938, de 31 de agosto de 1981, e do Cdigo

    Estadual do Meio Ambiente.

    Em 2003, criou-se o Ministrio das Cidades, durante o primeiro governo de Lus Incio

    Lula da Silva. Em 2004, atravs de decreto presidencial, foi instaurado o Conselho das

    Cidades. Logo na seqncia, em 2005, com a Lei n. 11.124, foram implantados o Sistema

    Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS), o Fundo Nacional de Habitao de

    Interesse Social (FNHIS)9e o seu conselho gestor. O SNHIS tem como objeto a habitao

    de interesse social- direcionada para a populao de menor poder aquisitivo, com renda

    de at trs salrios mnimos.

    Por meio dessas instituies e instrumentos, o governo federal pretendeu conseguir maior

    participao da populao10, usando consulta nos processos de concepo e implementao

    das polticas habitacionais. Com isso, buscava-se conferir maior transparncia e envolvimento

    da sociedade no auxlio formulao de diretrizes para a PNH, que integra a Poltica Nacio-

    nal de Desenvolvimento Urbano (PNDU). No obstante, a descentralizao da gesto com o

    objetivo de incorporar diferentes segmentos da sociedade no planejamento e nas decises

    governamentais no tem sido exitosa. Isto porque as parcerias estabelecidas entre associaes

    e setor pblico tm limitaes, de um lado, devido natureza e ao modo de funcionamento

    dessas associaes, que no conseguem atender a todas as exigncias institucionais em

    termos de gesto, e de outro, pela tendncia da coordenao local favorecer os interesses

    de grupos fechados (REGINENSI, 2005).

    8 De acordo com o trabalho Bahia (2006), as ZEIS constituem-se em reas ocupadas por populaes de baixa renda que

    precisam de obras de urbanizao, compreendendo tambm aquelas reas que esto vazias e podem ser encaminhadaspara a habitao de interesse social.9 Tem como fontes de recursos: o OGU, o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), dotaes, recursos deemprstimos externos e internos, contribuies e doaes de pessoas fsicas ou jurdicas, de entidades e organismos decooperao nacionais ou internacionais e receitas de operaes realizadas com recursos do FNHIS. Informao disponvelno site do Ministrio das Cidades: www.cidades.gov.br. Acessado em: 25 abr. 2008.10 O Estatuto das Cidades prev diversas instncias de participao popular, como: conselhos de desenvolvimento urbano,fruns regionais, municipais e estaduais e conferncias de desenvolvimento urbano. Alm disso, adotam-se plebiscitose referendos como forma de envolver e consultar a populao. Conforme Rolnik (2006), de fato, a participao dosmunicpios aumentou no financiamento e na administrao dessas polticas, embora algumas ressalvas existam na maiorparte deles, dada a pouca capacidade financeira e de gesto para apresentar uma resposta adequada ao tema. Deve-sepontuar tambm a forte influncia que as alianas e acordos polticos exercem, muitas vezes impedindo uma efetivaparticipao popular e da sociedade organizada no processo de formulao das polticas e programas habitacionais,devido ao privilgio dado aos interesses e especulao de grandes grupos do setor imobilirio e do setor da indstria

    da construo, implicando, assim, em uma correlao desigual de poder e de decises.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    Destarte, necessrio ressaltar que o novo ambiente institucional e normativo ainda no tem

    sido suficiente para reduzir o acentuado dficit de moradias para grande parte dos brasilei-

    ros. Segundo dados da FJP, em 2005, o dficit habitacional total11

    brasileiro era de 7.902.699domiclios, representando 14,9% do conjunto global de domiclios particulares12.

    O Nordeste compe 34,7% desse dficit e a Bahia o estado dessa regio com o maior re-

    sultado, correspondendo a 24,0% da carncia total de moradias nordestina e, em relao ao

    total do pas, o dficit baiano correspondia a 8,3%. Vale observar que a regio Nordeste tem

    a segunda colocao no pas no que tange necessidade de construo de novas moradias,

    ficando aqum apenas da Sudeste (36,7%).

    preciso considerar que, embora alguns avanos tenham sido feitos com os novos espaos de

    comunicao criados, no se pode menosprezar que, no campo poltico, a adoo do receiturio

    neoliberal gerou insuficincia e a desarticulao dos investimentos pblicos das diferentesesferas de governo, voltados para o desenvolvimento urbano, provocando desdobramentos

    restritivos do ponto de vista da gesto das polticas habitacionais (BAHIA, 2006).

    A diminuio da interveno estatal e a contrao dos gastos pblicos em diversas reas,

    privilegiando-se como metas perseguir maiores nveis de austeridades fiscal e monetria,

    tambm se registrou na rea habitacional, sendo que a retrao dos investimentos federais

    na maioria dos estados criou a necessidade de rever a conduo das polticas e programas

    estatais em curso. Para Pelegrino (2005), o Brasil um pas desprovido de polticas pbli-

    cas efetivamente includentes devido a uma conjuntura marcada pelo recuo do Estado no

    enfrentamento das questes sociais. Essa autora defende que uma poltica habitacionalconseqente para a populao de baixa renda seria a distribuio de renda e da riqueza

    socialmente produzidas.

    O relativo encolhimento da ao estatal em determinadas reas sociais, observado em alguns

    estudos (GOMES; PELEGRINO, 2005; GUIMARES, 2005), faz com que os programas adota-

    dos na rea de habitao assumam um novo padro de focalizao. Tal alterao da forma

    de atuao do estado brasileiro se exacerba a partir da dcada de 1990, com a aplicao de

    uma srie de mudanas marcantes e estruturais, como: a abertura econmica, via processo de

    privatizaes e o aumento dos fluxos financeiros na economia; a reduo dos gastos pblicos,

    visando obter austeridades fiscais e monetrias crescentes; a reestruturao produtiva, atravs

    da flexibilizao e precarizao das relaes e condies de trabalho 13. Com efeito, a opo

    11 Tal dficit foi calculado valendo-se de uma metodologia que considera trs componentes: a coabitao familiar, o nusexcessivo com aluguel e a habitao precria. A explicao sobre essa metodologia ser detalhada no segundo item eanalisada na terceira seo deste estudo.12 Segundo a PNAD, os 53.095.391 de domiclios particulares no Brasil, em 2005, compreendem as habitaesimprovisadas e as permanentes. Note-se que as moradias improvisadas so consideradas componente no clculo dodficit habitacional e as permanentes podem conter situaes (coabitao familiar, nus excessivo com aluguel e materialconstrutivo rstico) que as colocam entre aquelas que devem ser repostas ou substitudas tambm.13 Uma das formas de flexibilizao ocorre atravs do processo de terceirizao ou transferncia das relaes e custoscontratuais de trabalho de diversas atividades e funes sendo as mais comuns as de limpeza, segurana e informtica, de uma empresa para um estabelecimento terceiro ou subcontratado. Outra forma de terceirizao a demissode trabalhadores ligados a determinadas atividades na empresa e as suas recontrataes, organizados sob a forma de

    cooperativas. O objetivo dessa medida consiste em reduzir os custos fixos das empresas com mo-de-obra e implica

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    por esse modelo de desenvolvimento vem impulsionando a ampliao da concentrao de

    renda, da desigualdade e da excluso social para a maioria da populao. Por conseguinte,

    cresce a participao do dficit habitacional urbano no total do dficit, refletido pelo aumentode indivduos desprovidos de moradia, demonstrando um dos efeitos das transformaes

    econmicas na deteriorao das condies de vida das pessoas.

    Desde ento, observa-se que vrias dessas medidas continuam sendo mantidas e neste ce-

    nrio que, em 2003, h o surgimento e organizao do Movimento dos Sem-Teto de Salvador

    (MSTS), que se estrutura na luta por moradia no espao urbano e, a despeito das propostas do

    estado para o setor de habitao, vem crescendo progressivamente. Tal movimento inspirou-

    se e nasceu concomitantemente com outros movimentos de sem-tetos, organizados em

    So Paulo, Belm e Pernambuco, que emergiram devido ao agravamento das situaes de

    misria, excluso e ausncias de direitos de muitos brasileiros. Uma das aes do MSTS pode

    ser observada na Foto 1, que revela uma, dentre as inmeras ocupaes do movimento na

    cidade, realizada no bairro de Fazenda Coutos.

    Foto 1 Ocupao Quilombo da Lagoa, Fazenda Coutos, Salvador RMS 2007

    Mesmo em face de uma poltica restritiva no plano macroeconmico, nos anos 1990, a poltica

    habitacional do estado da Bahia tem a injeo de recursos federais. De 1994 a 1997, h uma

    na fragilizao da capacidade de negociao dos trabalhadores por seus direitos (enfraquecimento das organizaessindicais) e os desmobiliza enquanto categoria homognea, em decorrncia da fragmentao interna criada na empresa,que passa a ter funcionrios que pertencem instituio e outros que so apenas prestadores de servios, sem nenhumvnculo formal com esta. A flexibilizao uma forma de precarizao do trabalho e, alm dela, h tambm o crescimentoda informalidade (trabalho sem arteira de trabalho assinada, ocupao conta-prpria, trabalho no-remunerado em ajudaa membro do domiclio, na construo para o prprio uso ou na produo para o prprio consumo) e do desemprego, por

    meio, dentre outros motivos, do processo de inovao tecnolgica.

    Fonte:LucasLima,2007

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    ampliao das despesas pblicas empenhadas no setor de habitao. A partir de 1998 at 2003,

    registra-se uma acentuada diminuio do oramento pblico e de 2004 em diante os gastos

    voltam a ser destinados a esse segmento de forma crescente, conforme se pode observar naTabela 1. Ainda que, a partir de 2000, os gastos do governo tenham sido reduzidos devido

    separao das despesas de urbanismo das de habitao, vale ressaltar a pequena represen-

    tatividade que o setor de habitao tem no total geral das despesas do Estado em toda essa

    srie temporal e a perda de participao contnua que ocorre entre os anos de 1997 at 2003.

    Tabela 1Despesa empenhada, por funo de governo do setor habitacional e total geral Administraodireta e indireta Bahia 1994-2007 (em mil R$)

    Anos Habitao e urbanismo (A) Total geral (B) A/B

    1994 27.122,78 2.051.807,09 1,3

    1995 27.653,85 3.994.264,77 0,7

    1996 83.329,11 4.647.909,28 1,8

    1997 196.919,42 5.362.660,41 3,7

    1998 170.548,80 8.267.803,70 2,1

    1999 101.871,08 6.122.156,56 1,7

    Anos Habitao (A) Total geral (B) A/B

    2000 43.960,38 6.365.095,72 0,7

    2001 22.137,20 8.464.450,09 0,3

    2002 7.388,06 9.632.686,77 0,1

    2003 4.521,83 11.178.936,12 0

    2004 70.749,08 12.961.886,34 0,5

    2005 117.440,00 14.348.143,00 0,8

    2006 128.750,00 15.853.588,00 0,8

    2007 51.231,00 16.930.379,00 0,3

    Fonte: 1) Balano Geral do Estado 1994-2004. Salvador: SEFAZ.

    2) SEFAZ/ SAF/ SICOF/ DICOP. 2005-2007.

    Nota: Atravs da Portaria n 42, de 14 de abril de 1999, as funes, que consistem no maior nvel de agregao das diversas reas dedespesas relacionadas ao setor pblico, so atualizadas e a funo habitao e urbanismo se subdivide em habitao e urbanismo.

    Na dcada de 1990, na Bahia, as intervenes governamentais mais relevantes ocorreram

    entre 1995 e 1996, quando as aes so impulsionadas atravs do Programa Viver Melhor14e

    de outras aes realizadas pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia

    (CONDER), substituta da Habitao e Urbanizao do Estado da Bahia S/A (URBIS).

    14 Segundo os autores do trabalho Bahia (2006), o Programa Viver Melhor foi aplicado em Salvador e no interior do estado,tendo como fontes de recursos na sua primeira etapa: o FGTS; o programa Habitar Brasil BID (HBB), por meio do contrato deemprstimo celebrado entre a Unio, via recursos do OGU e o BID; o Fundo de Combate e Erradicao da Pobreza (FUNCEP) eo Programa de Administrao Municipal e Desenvolvimento de Infra-Estrutura Urbana (PRODUR), pelo Governo do estadoda Bahia e o Programa de Subsdio a Habitao de Interesse Social (PSH), com recursos da Secretaria do Tesouro Nacional.Atualmente, esse programa est na segunda etapa, cujo incio foi em 2005 e est prevista para ser finalizada em 2010. Os

    recursos so provenientes da

    parceria com o Banco Mundial, emprstimo do BIRD e de contrapartida do governo estadual.

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    PANORAMASOBREODFICITHABITACIONALNABAHIAENTRE1991 E2005

    O Programa Viver Melhor faz parte de uma estratgia mais ampla de organizao criada

    por alguns estados15(So Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Recife) para conseguir

    captar repasses federais, elaborando polticas habitacionais prprias. Essas iniciativasocorreram diante das reformulaes institucionais no mbito nacional e da descentraliza-

    o do SFH, que serviram de estmulo para a criao dos sistemas estaduais de habitao

    autnomos. No obstante, para Azevedo (2007, p. 30), o nico estado que obteve xito

    na configurao completa de seu sistema foi So Paulo, porque no estava submetido a

    restries como: [...] a dependncia de verbas oramentrias e a inexistncia de fontes

    de recursos especficos e constantes [que] pressupem a sujeio dessas iniciativas s

    prioridades conjunturais do governo.

    O Programa Viver Melhor traz em seus princpios a preocupao com as condies de ha-

    bitabilidade da populao, bem como com a elevao de sua qualidade de vida. Para isso,,

    incorpora em suas aes elementos que tambm so contemplados em polticas e progra-

    mas mais recentes no mbito nacional, tais como: o envolvimento comunitrio, a promoo

    social por meio de aes educativas e de gerao de renda. O Programa tem como objetivos

    fundamentais16: a recuperao de reas degradadas e melhorias habitacionais, atravs da re-

    alizao de obras de infra-estrutura urbana (gua, esgoto, energia, drenagem, pavimentao,

    contenes e obras complementares de urbanizao); regularizao fundiria; construo de

    novas moradias para famlias que sejam remanejadas de reas insalubres e de risco.

    Embora um dos produtos finais (moradia padro), que so resultantes da execuo do

    programa Viver Melhor assegure, pelo menos em tese, o atendimento das necessidades m-

    nimas de habitabilidade das famlias beneficirias, efetivamente, tais necessidades no so

    contempladas. Isso ocorre porque essas residncias, na maioria dos casos, no possuem um

    espao interno suficiente culturalmente reconhecido pela nossa sociedade para se morar o

    que compromete a circulao e o repouso no interior da casa dos indivduos, especialmente

    daqueles que integram famlias numerosas. Alm disso, tal como afirma Oliveira (2007), as

    casas-padro produzidas pela CONDER, para o programa Viver Melhor, so entregues sem

    qualquer tipo de revestimento interno ou pintura. Como conseqncia dessa situao, fazem-

    se necessrias modificaes nas casas do programa, muitas vezes com uso de materiais de

    construo precrios e inadequados, como poder ser percebido na Foto 2 (OLIVEIRA, 2007).

    A exemplo do que ocorre no plano nacional, outra iniciativa recente do governo do Estado daBahia na rea de desenvolvimento urbano consiste na criao da Poltica Estadual de Habitao

    de Interesse Social (PEHIS)17. Segundo informaes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano

    da Bahia (SEDUR), essa poltica se apia na metodologia de clculo da FJP, que formula um

    conceito de necessidades habitacionais compreendido por duas dimenses a serem solucio-

    15 Segundo Azevedo (2007), ao longo dos anos 1990, a maioria dos estados preferiu aplicar programas nacionais,mantendo a dependncia dos recursos federais.16 Informaes disponveis no site da Conder: www.conder.ba.gov.br. Acessado em: 23 out. 2007.17 Instituda pelo decreto de Lei n. 17.007/2007. Maiores detalhamentos sobre a PEHIS e a proposta de projeto de leipara a sua criao, ver: BAHIA. Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia. Poltica Estadual de Habitao de Interesse

    Social PEHIS. Salvador: SEDUR, 2006. 214 p. Disponvel em: www.sedur.ba.gov.br. Acesso em: 20 set. 2007.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    nadas (dficit habitacional e inadequao de moradias) e define como habitao de interesse

    social as moradias que so destinadas s populaes que recebem, formal ou informalmente,

    at trs salrios mnimos de rendimentos (BAHIA, 2006).

    Foto 2 Expanso da casa embrio, conjunto habitacional Moradas da Lagoa, Valria, Salvador RMS

    O processo de elaborao da PEHIS na Bahia aproveitou-se do marco institucional nacional e

    do panorama habitacional estadual como diretrizes. Atravs da realizao de eventos e estu-

    dos18, foi discutida uma srie de questes sobre a PEHIS, que dizem respeito aos seus marcos

    conceituais delimitadores e envolvem, basicamente, o pblico-alvo, as fontes de financiamento

    da poltica e dos beneficirios, a qualificao das moradias, o modelo de gesto, o planeja-

    mento, as necessidades habitacionais, a produo de habitaes do estado, a regularizao

    fundiria, o sistema de informaes, a capacitao e a avaliao (BAHIA, 2006).

    A partir das indicaes obtidas nos eventos, diversos desafios foram suscitados, que deveriam

    ser equacionados na PEHIS, sendo alguns de suma relevncia. Um deles a necessidade de coor-

    denao do ambiente institucional e dos diferentes interesses dos atores sociais envolvidos, por

    meio de um trabalho conjunto e articulado entre os mltiplos agentes e nveis da administrao

    pblica (federal, estadual e municipal), do ponto de vista inter ou intragovernamental. Outros

    desafios se referem desburocratizao da gesto dos recursos do Fundo Estadual de Habita-

    18 Os eventos constituem-se de dois seminrios, sendo o primeiro de abertura da formulao da PEHIS, em outubrode 2005, e o segundo de discusso das notas tcnicas da poltica, realizado no final do ms de abril de 2006 e cincoaudincias pblicas regionais, para discusso da minuta da lei de criao da PEHIS. O estudo feito para subsidiar a criaoda PEHIS contempla a aplicao de questionrios, atravs de duas sondagens de opinio dos agentes interessados, que

    participaram dos seminrios: CONDER, SEDUR, prefeituras, movimentos sociais, organizaes da sociedade civil, etc.

    Fonte:Oliveira,2007

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    o de Interesse Social (FEHIS), visto que uma parte desses recursos proveniente do Fundo

    de Combate Pobreza que gerido pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate

    Pobreza (SEDES) e no pela SEDUR e definio clara de critrios para o subsdio integralaos estratos de menor rendimento da populao, de forma estvel e assegurada pelos cofres

    pblicos, visando a permitir a concesso de moradias dignas a esse contingente de pessoas.

    Aplicando-se a lgica atual de ao governamental para o setor de habitao, que d nfase

    ao interesse social, a SEDUR, em seu site, est divulgando informaes sobre o seu mais novo

    programa, Dias Melhores, que compreende o Programa de Subsdio Habitao de Interesse

    Social (PSH)19. Assim, na Bahia, atualmente, tem-se a PEHIS, que mais ampla e o PSH, mais

    especfico, trazendo como diferencial um outro recorte dos beneficirios, que passa da faixa

    de pessoas que ganham at trs salrios mnimos para aquelas que pertencem a estratos de

    renda familiar menores, de at um salrio mnimo.

    Aps pontuar alguns dos aparatos institucionais criados e vigentes no plano estadual e nacio-

    nal mais recente, algumas ressalvas devem ser feitas em relao s polticas habitacionais tais

    como so formuladas. Uma importante ressalva que, conforme observa Guimares (2005), a

    segregao do espao uma finalidade, um objetivo que se configura nas polticas habitacionais,

    sendo, dessa forma, propagada por vrias geraes de urbanistas e pensadores da cidade, seus

    agentes promotores. Quando se constroem as habitaes de interesse social, novamente se

    segmenta o espao e, conseqentemente, a populao que nele reside, nesse caso, as famlias

    de baixo poder aquisitivo, do restante da sociedade. Isso acontece porque os locais escolhidos

    para abrigar esse tipo de poltica so, normalmente, mais afastados dos lugares em que residem

    os indivduos que auferem rendimentos maiores. Desse modo, a discriminao ocorre atravs

    da reduo das possibilidades dessa populao realizar trocas e de se relacionar com pessoas

    que pertencem a grupos que possuem capacidades econmicas diferentes (GUIMARES, 2005).

    Em alguma medida, essa breve caracterizao do cenrio institucional montado para o setor

    de habitao til para se conhecer um pouco da nova legislao, das fontes de recursos e

    dos espaos criados para regular a questo habitacional no pas e, mais especificamente, na

    Bahia, bem como as suas limitaes. Certamente, esses so elementos importantes para se

    tentar criar mecanismos de articulao entre as polticas urbana, fundiria e de saneamento

    e, de certo modo, combater o dficit de moradias e as mazelas sociais que dele decorrem.

    CONSIDERAES SOBRE A METODOLOGIA DE CLCULO DO DFICIT HABITACIONAL

    O dficit habitacional bruto calculado confrontando-se o total de domiclios particulares

    permanentes (estoque de moradias) e o total de famlias residentes. A dimenso do dficit

    apreendida atravs da insuficincia de moradias frente ao nmero de famlias coabitando

    em um mesmo domiclio. Essa a definio bsica de dficit de moradias, existindo outros

    19 Alm de ser restrito ao segmento da populao de at um salrio mnimo de renda familiar, o PSH destina-se aos moradoresdas reas urbana e rural e tem como um de seus critrios de prioridade, que o beneficirio seja mulher chefe de famlia. Outrainformao interessante que uma de suas diretrizes se refere ao local de atendimento, que deve englobar reas sujeitas

    a fatores de risco, insalubridade ou degradao ambiental. Mais informaes sobre o PSH consultar: www.sedur.ba.gov.br.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    conceitos mais elaborados e robustos do ponto de vista dos critrios metodolgicos adotados,

    como por exemplo, o que foi desenvolvido pela FJP e que ser detalhado em breve.

    A controvrsia na forma de mensurao do dficit de acesso habitao faz parte da conside-rvel divergncia que h entre os estudos que buscam mensurar o problema habitacional do

    Brasil, visto que alguns adotam uma abordagem estritamente econmica, ao passo que outros

    aplicam uma lgica que incorpora as necessidades habitacionais, atravs da observao das

    condies de vida da populao20. Esses distintos recortes metodolgicos fazem com que os

    resultados tenham uma variao enorme. Conforme o relato de Gonalves (1998, p. 1):

    As tentativas de estimao do dficit habitacional ou, de uma forma mais

    ampla, das condies gerais de moradia no Brasil, tm se mostrado bastante

    discrepantes. As tentativas de dimensionar o acrscimo necessrio ao atual

    estoque de domiclios com vistas a superar o dficit de habitaes tm re-

    sultado em nmeros que vo desde 4 milhes at 20 milhes de unidades,conforme a amplitude do critrio adotado.

    Uma discordncia metodolgica existente entre as vrias possibilidades de mensurao do

    dficit habitacional, segundo Gonalves (1998), a discricionariedade excessiva ou quantidade

    demasiada de componentes que compromete sua estimao, dificultando o seu mapeamento

    e/ou acompanhamento temporal. Alguns estudiosos defendem que a estimao se restrinja

    a um conjunto de elementos bsicos, que estejam presentes em qualquer conceito de dfi-

    cit. Apesar de esse mtodo ser conservador tem a vantagem de garantir maior preciso aos

    parmetros de mensurao. Como contraponto, tem seus componentes menos sujeitos a

    distores associadas s heterogeneidades socioeconmicas.Com o aumento de concentrao da populao nas cidades maiores e mdias, a demanda por

    moradia adequada no se restringe mais, to somente, aos grandes centros metropolitanos.

    Isto torna mais importante para os gestores pblicos, responsveis pelo planejamento na rea

    de infra-estrutura urbana, a escolha de uma metodologia de clculo do dficit habitacional

    que resulte em um indicador que seja mais prximo da realidade em que se pretende atuar,

    por meio de polticas pblicas destinadas reduo da carncia de moradia.

    A seleo adequada dos critrios de definio metodolgica ganha cada vez maior relevncia

    quando se incorpora, histrica carncia de moradias, o cenrio de ampliao dos mecanismos

    de precarizao e desestruturao do mercado de trabalho, exacerbando a desigualdade ehierarquizao da sociedade brasileira, com um expressivo contingente de pessoas despro-

    vido de renda suficiente para adquirir uma moradia. Diante dessas diferenas sociais to

    acentuadas, torna-se inadequado tentar padronizar as necessidades habitacionais atravs,

    apenas, dos estratos de renda domiciliar ou da famlia, visto que com essa opo amplia-se

    a possibilidade de no se conseguir apreender toda a complexidade social, no que se refere

    aos mltiplos interesses internos a cada grupo populacional de rendimento.

    20 Deve-se lembrar que a investigao das condies de habitao da populao abrange variveis que demonstram anecessidade de se repor parte do estoque atual de domiclios, devido precariedade e inadequao de muitas moradias,

    redimensionando o dficit na sua viso incremental de estoque domiciliar.

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    A mensurao adequada do dficit habitacional tambm se traduz em um relevante parmetro

    para o Sistema Financeiro de Habitao. Na dcada de 1990, com a implementao do Plano

    Real, mais especificamente a partir de 1993, foi possvel reordenar os mecanismos de finan-ciamento imobilirio. Isto porque, com a estabilizao da economia, os agentes econmicos

    conseguiram ampliar seus horizontes de planejamento e, com isso, as tentativas de atualizar

    a estimao do dficit habitacional (com novos critrios que contemplam a evoluo das

    necessidades de habitao e qualidade de vida) tiveram novo vigor.

    Nesse cenrio, a FJP desenvolveu uma metodologia de dimensionamento do dficit habita-

    cional resultado de uma parceria realizada com o Ministrio das Cidades, o Banco Interame-

    ricano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    (PNUD) com o intuito de permitir um acompanhamento temporal mais atual de indicadores

    de habitao para o Brasil e seus subespaos. Essa metodologia serve de referncia nacional,

    por conter uma concepo mais ampla das necessidades habitacionais e procura, atravs dos

    microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) do ano de 1999 e de

    dados preliminares do Censo Demogrfico 2000, rever os valores obtidos em trabalho que

    realizou anteriormente, chamado Dficit Habitacional no Brasil, lanado em 1995, com infor-

    maes do ano de 1991. Mais recentemente, a FJP, atendendo a uma demanda do Ministrio

    das Cidades de aprimoramento dessa metodologia, refez os clculos do dficit habitacional,

    atualizando seus dados para os anos de 2004 e 2005, com base na PNAD.

    Para o clculo do dficit habitacional, a FJP contempla uma perspectiva maior do que a

    usada na do dficit habitacional bruto. A concepo adotada a de que as necessidades

    habitacionais envolvem mais do que a existncia de um local para morar, compreendendo

    as condies desejveis de habitabilidade, que so investigadas atravs da identificao

    do dficit habitacional somado s habitaes inadequadas, sendo estas analisadas quando

    localizadas somente em reas urbanas e nas regies metropolitanas. A idia contida nesse

    tipo de raciocnio a de que os domiclios devem possuir requisitos mnimos de construo

    e de conservao para serem considerados habitveis.

    O dficit habitacional21, adotado pela FJP, tem como componentes: as moradias precrias,

    construdas com materiais de parede e de cobertura no-durveis (domiclios rsticos); os

    domiclios improvisados, que so os locais ou recintos usados como moradia na data do

    Censo, mas cuja construo no previa fins residenciais22; a coabitao familiar23, medidapela soma das famlias conviventes secundrias com as que vivem em cmodos cedidos ou

    21 Um dos elementos integrantes do clculo do dficit habitacional da FJP a depreciao nos domiclios com 50 anosde vida til e se baseou nos dados dos Censos de 1950 e de 2000 para estimar o estoque degradado por envelhecimentoque precisa ser reposto. Alm disso, foi utilizado o Levantamento do Cadastro de Imveis da Prefeitura de Belo Horizonte,para agregar informaes sobre a idade e o uso atual das edificaes desse municpio, o que serviu como parmetro parao clculo de depreciao nas grandes metrpoles brasileiras. Tal componente foi considerado apenas para o ano 2000,sendo retirado dos anos 2004 e 2005 devido aos problemas estatsticos associados sua estimao.22 O IBGE considera como exemplos de moradias adaptadas os seguintes espaos: loja, veculo, sala comercial, prdio emconstruo, embaixo de marquises ou pontes, barraca, gruta, embarcao, tenda, vago, bancos de praa e jardins etc.23 Para a FJP, a incluso dos cmodos cedidos ou alugados na coabitao familiar foi feita porque se acredita que eles mascaramuma real situao de coabitao em domiclios distintos, pelo menos do ponto de vista formal, j que, para o IBGE, a denominao

    atual de cmodo dada ao domiclio que ocupe um ou mais cmodos de uma casa de cmodos, cortio, cabea-de-porco etc.

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    alugados24e aqueles domiclios (casas, apartamentos urbanos durveis25) que tenham gastos

    com aluguel que representem 30% de sua renda familiar26, que deve ser, no mximo, de at

    trs salrios mnimos.As Fotos 3 e 4 so exemplos de dois componentes do dficit habitacional, representando,

    a primeira delas, os domiclios precrios e a segunda, uma das formas de improvisao

    de domiclio.

    Foto 3 Domiclio precrio, ocupao Quilombo da Lagoa, Fazenda Coutos, bairro de Salvador RMS 2007

    Na referida metodologia da FJP, a demanda demogrfica no um componente do clculo

    do dficit habitacional, ou seja, a quantidade de moradias que precisam ser construdas pro-

    porcionalmente ao crescimento populacional em um dado perodo de tempo.

    24 A convivncia familiar um tema investigado em outro artigo desta publicao e o seu conceito difere da coabitaofamiliar definida pela FJP (adotada nesse trabalho como componente do dficit habitacional), por limitar a definio defamlia apenas ao critrio de grau de parentesco, para, ento, selecionar as famlias secundrias e primrias.25 De acordo com o IBGE, na metodologia da PNAD, investiga-se a caracterstica de durabilidade do material usado naconstruo das paredes externas do prdio e da cobertura em que se situa o domiclio particular permanente. Tal tipo dedomiclio considerado durvel para o primeiro item quando as suas paredes externas forem construdas principalmentede alvenaria (tijolo, adobe, pedra, concreto pr-moldado ou aparente), taipa revestida, madeira aparelhada ou recobertasde mrmore, metal, vidro ou lambris e, para o segundo, quando a cobertura do domiclio fosse predominantemente detelha de barro cozido, cimento-amianto, alumnio-madeira, plstico, acrlico ou similares, laje de concreto ou madeiraaparelhada. Disponvel em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 1 abr. 2008.26 Para domiclios em que existam famlias convivendo, mede-se o nus excessivo com aluguel, levando-se emconsiderao apenas a renda da famlia principal. Esse procedimento feito para evitar duplicidade de contagem das

    famlias secundrias, j computadas no subitem da coabitao familiar.

    Fonte:LucasLima

    ,2007

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    PANORAMASOBREODFICITHABITACIONALNABAHIAENTRE1991 E2005

    Foto 4 Domiclio improvisado, Rio Vermelho, bairro de Salvador RMS 2008

    As inadequaes dos domiclios so investigadas atravs de um conceito de habitaes com

    as seguintes caractersticas: moradias com carncia na oferta de servios de infra-estrutura

    domiciliar bsica (abastecimento de gua, energia eltrica, esgotamento sanitrio e destinodo lixo); residncias que so desprovidas de unidade sanitria domiciliar interna, ou seja,

    sem banheiro de uso exclusivo do domiclio; inadequao fundiria urbana27; residncias

    com adensamento interno excessivo, configurado pela existncia de mais de trs moradores

    por dormitrio28e aqueles inadequados em funo da depreciao, que requerem reformas.

    Essa metodologia da FJP faz um refinamento qualitativo da questo habitacional no pas,

    visto que incorpora critrios relacionados a melhorias das condies de vida. Com o intuito

    de atualizar a metodologia anterior, j mencionada, alguns itens foram incorporados ao

    novo clculo do dficit habitacional por essa fundao, para o ano de 2000, o que foi feito

    tomando por base as mudanas das condies de vida da sociedade brasileira e a discus-so sobre as melhorias na qualidade de moradia das pessoas, como pode ser observado

    no quadro a seguir:

    27 Corresponde aos domiclios ilegais no que se refere ao acesso terra. Procura-se investigar, com esse item, o problemade posse da terra em reas de ocupao popular, como: favelas, vilas etc. Essa irregularidade identificada na PNAD,atravs da informao de domiclios durveis prprios cujos moradores declararam no ter a propriedade do terreno,somente responsabilizando-se pela construo da moradia.28 Seleciona-se apenas o nmero de pessoas da famlia principal em relao ao nmero de dormitrios (cmodo usadopermanentemente com essa finalidade por morador do domiclio), excluindo-se as famlias secundrias para o clculo doadensamento excessivo no interior do domiclio. Entende-se por famlias secundrias, aquelas formadas por, no mnimo,duas pessoas, que convivem em um mesmo domiclio com outra, denominada de principal. Esse fenmeno observadoem casas, apartamentos e cmodos prprios urbanos, deixando de fora os cmodos alugados ou cedidos para evitar a

    dupla contagem, uma vez que eles j so usados para dimensionar a coabitao disfarada.

    Fonte:MarianaGusmo,200

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    ASPECTOSGERAISDACONDIODEMORADIANABAHIA

    Quadro 1Principais componentes e ajustes metodolgicos da metodologia de necessidades

    habitacionais da FJPNecessidades habitacionais

    Dficit habitacional

    1991 2000 2005

    Renda mdia domiciliar Renda mdia familiar Renda mdia familiar

    A. Reposio do estoquea Domiclios rsticos

    A. Reposio do estoquea.1 Domiclios rsticosa.2 Depreciao

    A. Reposio do estoquea Domiclios rsticos

    B. Incremento do estoqueb.1 Domiclios improvisadosb.2 Coabitao familiar

    b.2.1 Famlias conviventes secundriasb.2.2 Cmodos alugados e cedidos(coabitao disfarada)

    B. Incremento do estoqueb.1 Domiclios improvisadosb.2 Coabitao familiar

    b.2.1 Famlias conviventes secundriasb.2.2 Cmodos alugados e cedidos(coabitao disfarada)b.3 nus excessivo com aluguel

    B. Incremento do estoqueb.1 Domiclios improvisadosb.2 Coabitao familiar

    b.2.1 Famlias conviventes secundriasb.2.2 Cmodos alugados e cedidos(coabitao disfarada)b.3 nus excessivo com aluguel

    Inadequao dos domiclios

    1991 2000 2004 e 2005

    Renda mdia domiciliar Renda mdia familiar Renda mdia familiar

    Densidade excessiva de moradores pordormitrio

    nus excessivo com aluguel Inadequao da infra-estrutura- Carncia de infra-estrutura- Infra-estrutura inadequada- Qualidade da infra-estrutura fsica

    Densidade excessiva de moradores pordormitrio

    Densidade excessiva de moradores pordormitrio

    Carncia de servios de infra-estrutura(energia eltrica, abastecimento de gua,esgotamento sanitrio e coleta de lixo)

    Inadequao fundiria urbana Inadequados em funo da depreciao Inexistncia de unidade sanitria domiciliar

    interna

    Carncia de servios de infra-estrutura(energia eltrica, abastecimento de gua,esgotamento sanitrio e coleta de lixo)

    Inadequao fundiria urbana Inadequados em funo da depreciao Inexistncia de unidade sanitria domiciliar

    interna

    Fonte: Fundao Joo Pinheiro, 2006.

    Uma vez detalhados os componentes pertinentes metodologia de necessidades habita-

    cionais da FJP, pode-se perceber como esta vem evoluindo e sendo atualizada ao longo do

    tempo. Alm dessa Fundao, outros autores reconhecem que existem diferentes critrios

    que podem ser relevantes para dimensionar o dficit habitacional, embora alguns tenham

    a sua mensurao impossibilitada atravs das fontes estatsticas oficiais. Alves e Cavenaghi

    (2006) chamam a ateno para algumas limitaes encontradas na metodologia da FJP. A

    primeira restrio observada que, embora se reconhea no Censo Demogrfico a fonte

    mais ampla de informao das unidades habitacionais de um pas, enfatiza-se o seu limite

    referente s informaes domiciliares. No obstante o IBGE contabilize as informaes dos

    domiclios particulares ou coletivos, permanentes ou improvisados e no-ocupados (vagos,

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    PANORAMASOBREODFICITHABITACIONALNABAHIAENTRE1991 E2005

    de uso ocasional ou fechados)29, s investiga as caractersticas dos particulares permanentes

    ocupados. Sobre os coletivos, improvisados30e no-ocupados h apenas os quantitativos

    totais, inexistindo, portanto, informaes que compreendem as suas caractersticas externasda construo e internas de moradia.

    Essa discusso sobre as restries impostas pelas fontes estatsticas disponveis indica a

    necessidade da incluso de novos questionamentos s pesquisas que busquem detalhar as

    informaes relativas aos quantitativos dos domiclios coletivos, no-ocupados e improvi-

    sados no Brasil e nos seus diversos subespaos geogrficos. Essa medida poderia revelar a

    urgncia no atendimento de demandas habitacionais, que atualmente esto vindo tona

    sem uma preciso adequada de seu dimensionamento, como no caso da superlotao de

    alguns domiclios coletivos (presdios e cadeias). H tambm o reconhecimento de que,

    caso fossem maiores as informaes a respeito da causa dos domiclios no-ocupados, seria

    possvel destinar parte deles minimizao do dficit habitacional. Quanto aos domiclios

    improvisados, a baixa representatividade deles decorre da forma como so pesquisados, im-

    plicando na subestimao e na dissimulao do grave quadro de um contingente expressivo

    de pessoas residindo em unidades inapropriadas moradia, que deveriam integrar o cmputo

    da estimativa do dficit habitacional.

    Outra dificuldade que afeta o dimensionamento do dficit