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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO CARLOS JAELSO ALBANESE CHAVES LUCIANO MENDES PEDRO GUENA ESPINHA SILVIO CÉSAR DE CASTRO O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

Será portanto científico o conhecimento de conceitos e ...€¦  · Web viewOs existencialistas que o seguiram, principalmente Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, e Maurice Merleau-Ponty,

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

CARLOS JAELSO ALBANESE CHAVES

LUCIANO MENDES

PEDRO GUENA ESPINHA

SILVIO CÉSAR DE CASTRO

O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

Maringá

2004

CARLOS JAELSO ALBANESE CHAVES

LUCIANO MENDES

PEDRO GUENA ESPINHA

SILVIO CÉSAR DE CASTRO

O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

Trabalho apresentado como um dos requisitos

para aprovação na disciplina Metodologia da

Pesquisa em Organizações do Programa de

Pós-Graduação em Administração, ministrada

pela Prof. Dra. Eliza Emilia Rezende Bernardo

Rocha.

Maringá

2004

Sumário

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................4

1 A FENOMENOLOGIA E SEUS CONCEITOS.................................................................6

2 FENOMENOLOGIA EMPÍRICA.......................................................................................8

3 O QUE É CIENTÍFICO?......................................................................................................9

4 EXEMPLOS DE PESQUISAS FENOMENOLÓGICAS................................................11

4.1 1º Exemplo: O rei está nu? A roupa nova do imperador................................................11

4.2 2º exemplo: Ter o Filho Internado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal: O

significado Para os Pais........................................................................................................13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:....................................................................................16

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende oferecer subsídios para compreensão e discussão do método

fenomenológico. Além de buscar uma contextualização histórica, pretende apresentar os

principais fundamentos da fenomenologia e finalmente a exposição de um exemplo de

pesquisa utilizando a abordagem fenomenológica.

A Fenomenologia surgiu no início do século XX, com Edmund Husserl. Hurssel iniciou sua

carreira como matemático, porém decidiu dedicar-se ao estudo da filosofia, onde teve grande

influencia de Franz Brentano e Carl Stumpf. Como matemático e lógico Husserl concebeu a

fenomenologia inicialmente como método para confrontar o psicologismo na lógica. Pretende

que a Filosofia se liberte do psicologismo, que não seja ciência do mundo físico mas que, no

entanto, utilize a observação e a sistematização, próprias do positivismo, no estudo de seus

objetos ideais. Husserl mais tarde ampliou a fenomenologia à totalidade do pensamento

humano, criando, com o método fenomenológico, uma "filosofia fenomenológica".

Sob esta ótica Husserl desejava criar uma forma nova de fazer filosofia, onde a essência das

coisas, o entendimento puro e sem pressupostos era o ponto de partida, de acordo com seu

discurso inaugural em Freiburg “Uma nova ciência fundamental, a Fenomenologia pura,

desenvolveu-se dentro da filosofia. Esta é uma ciência de um tipo inteiramente novo: sem fim.

Não é inferior em rigor a nenhuma das ciências modernas. Todos os ramos da Filosofia têm

raízes na Fenomenologia pura, através de cujo desenvolvimento, e apenas através dele, elas

obtêm sua própria força. A filosofia é possível como uma ciência definitivamente rigorosa

somente através da Fenomenologia pura” (apud Moreira, 2002, p.62). O método

fenomenológico pretendia servir de apoio às ciências físicas e naturais, uma vez que, era

considerado como o estudo das essências.

Dentro da corrente fenomenológica se desenvolveram cinco principais correntes filosóficas:

Fenomenologia Descritiva, Realista, Constitutiva, Existencial e Hermenêutica. O movimento

fenomenológico do qual Husserl foi o principal editor. Influiu não somente sobre filósofos,

mas também sobre psicólogos e sociólogos. Os existencialistas que o seguiram,

principalmente Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, e Maurice Merleau-Ponty, se intitularam

fenomenologistas. Heidegger dedicou a Husserl sua obra fundamental: “O Ser e o Tempo”.

Foi seu discípulo, mas logo surgiram diferenças entre ele e o mestre. Discutir e absorver os

trabalhos de importantes filósofos na história da metafísica era, para Heidegger, uma tarefa

indispensável, enquanto Husserl repetidamente enfatizou a importância de um começo

radicalmente novo e, com poucas exceções (entre elas Descartes, Locke, Hume, e Kant),

queria excluir, por entre parênteses, a história da filosofia. Sartre segue estritamente o

pensamento de Husserl na análise da consciência em seus primeiros trabalhos, nos quais faz a

distinção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa aplicando o conceito de

intencionalidade de Husserl. Max Scheler realizou seu principal trabalho fenomenológico

com respeito a problemas do valor e da obrigação. Ampliou a idéia de intuição, colocando, ao

lado de uma intuição intelectual, outra de caráter emocional, fundamento da apreensão do

valor. Maurice Merleau-Ponty rejeitou a teoria do conhecimento intencional de Husserl

fundamentando sua própria teoria no comportamento corporal e na percepção.

A busca pelo conhecimento não tem caráter explicativo, causa, ou analítico, é em essência

descritiva. De acordo com Merleau-Ponty (apud Trivinos, 1987, p.43) a fenomenologia

nascente de uma ‘psicologia descritiva’, ou de retornar às ‘coisas mesmas’ foi primeiramente

o desmentido da ciência. “Tudo que sei de mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir da

minha visão pessoal ou de uma experiência de mundo sem a qual os símbolos da ciência nada

significariam. Todo o universo da ciência é constituído sobre o mundo vivido e, se quisermos

pensar na própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, convém

despertarmos primeiramente esta experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda”.

A fenomenologia é, portanto, uma ciência de objetos ideais. É uma ciência a priori, pois tem

que haver a filosofia para dizer se é verdade ou falsidade o que a ciência empírica, ou o

cientista, estão dizendo sobre o mundo físico.Segundo Husserl (apud Moreira, 2002, p.62):

“esta é uma ciência de um tipo inteiramente novo: sem fim. Não é inferior em rigor a nenhuma das ciências modernas. Todos os ramos da filosofia tem raízes na fenomenologia pura, através de cujo desenvolvimento, e apenas através dele, elas obtém sua própria força. A Filosofia é possível como uma ciência definitivamente rigorosa, somente através da Fenomenologia pura”

Mas, o que são esses objetos idéias aos quais se aplica a observação, e mesmo a

experimentação, segundo Husserl?

1 A FENOMENOLOGIA E SEUS CONCEITOS

Ventura (2004, p.4) busca uma conceituação do que seria fenomenologia. Recorrendo aos

conceitos expressos em dicionários ela coloca que: “Fenomenal é concernente às aparências

das coisas”; “Fenomenismo é uma doutrina universal que reduz toda realidade cognoscível

aos fenômenos da experiência sensível”; “fenômeno é o fato científico observável, sendo o

que se manifesta por si mesmo em determinado meio ou condição”; e por fim, a autora faz

uma conceituação de fenomenologia e relata que “é um estudo descritivo de um conjunto de

fenômenos [...] ou seja, um sistema filosófico em que se estudam os fenômenos interiores

considerados como ontológicos”.

Pode-se extrair ainda no livro de Moreira (2002, p.83-91) uma conceituação de

fenomenologia em vários trechos, expressa na seguinte frase

“[...] é uma ciência de essências puras [...], que tem como tarefa analisar as vivências

intencionais da consciência para ai perceber o sentido dos fenômenos [...], enfim, é a forma

pela qual o conhecimento do mundo se revela.”

As essências puras, de acordo com esse mesmo autor,

“[...] refere-se ao sentido ideal ou verdadeira de alguma coisa, dando um entendimento

comum ao fenômeno”. Moreira (2002, p.83-84) considera que o

“[...] o conhecimento das essências é a intuição”, e essa intuição

“[...] nos permitem distinguir e classificar os fatos”.

A intencionalidade ou noesis, segundo Moreira (2002, p.84-85), “lida com o problema

imanente-transcendente [...], que faz o mundo aparecer como fenômeno [...], que define o

modo de ser da consciência como um transcender.”. O autor relata ainda que isso se deve a

“[...] característica da consciência de ser consciente de algo[...]. Ventura (2004, p.5) coloca

que, “segundo esse pensamento, todas as coisas estão ai, independente do fato de as

percebermos. A consciência é constituída por atos, chamados ‘noesis’, que visam algum

componente do mundo, chamados ‘noemas’, é a consciência que dá realidade ao mundo”.

A evidência apodítica lida com a capacidade transcendente e intencionada da consciência,

sendo assim, Moreira (2002, p.86) conceitua essa evidencia da seguinte forma:

“[...] um saber certo e indubitável [...], que exclui a possibilidade de dúvidas e erros [...],

enfim, uma adequação completa entre o intencionado e o dado”. Ventura (2004, p.5)

considera, na mesma linha de Moreira (2002), que “[...] a apoditicidade é a impossibilidade de

conceber a não-existência, é a coisa perfeita, completa, universal e necessária”. Essa mesma

autora expõe ainda que “[...] nem o eu no mundo, nem a vida psíquica são evidentes em si,

pois não são coisas das quais se pode ter certeza, somente o ego puro, a mente e o que

acontece nela, são apodítico”.

Para se entender o trabalho de Husserl, alguns conceitos ainda são importantes, como: atitude

natural, atitude fenomenológica, redução eidética e redução fenomenológica. Recorrer-se-á

ao trabalho de Moreira (2002, p.83-91) para a atribuição desses conceitos: a atitude natural

refere-se ao senso comum [...], de saber ingênuo [...], vê os objetos como sendo exteriores e

reais [...], que partem de um objetividade dada, sem questioná-la”;a atitude fenomenológica

considera que

“[...] o mundo é o que ele é para consciência [...] enfim, um fenômeno [...], ela não nega o

mundo apenas não se preocupa com o real [...], porque o objeto de pesquisa é constituído na

consciência”; a redução eidética refere-se

“[...] a forma pela qual o filósofo se move da consciência de objetos individuais e

concretos para o domínio transempírico das essências puras atingindo a intuição do eidos

(forma) de uma coisa”.e, por fim, a redução fenomenológica ou epoqué que é o

“[...] método de investigação que consiste [...] na suspensão de crenças nas tradições e nas

ciências [...] para examinar todos os conteúdos da consciência [...], como puramente dados

[...], descrevendo-os em sua pureza”(MOREIRA, 2002).

Para entender melhor esses conceitos recorremos ao trabalho de Ventura (2004, p.5) e

destacamos o seguinte parágrafo:

“[...] para a fenomenologia transcendental, o objetivo de estudo é o “eu”. Busca ver como pensei o eu que eu estava pensando. E o “eu”é um conjunto de pensamentos vividos, mais a capacidade de pensar. O “eu” não é imóvel – fica enriquecido com o próprio pensamento (reflexibilidade). Assim, todas as aquisições formam o ego (são todos os hábitos, decisões, o passado com lembrança, etc.). Quando o ego percebe os outros egos, eu os sintetizo no meu ego. Assim, o humano é essa comunidade de egos. Esse ego é função de todos os outros egos”.

Na visão de Ray (citado por Ventura, 2004, p.5) a fenomenologia é a interpretação que cada

um dá, conforme suas próprias lentes. Com isso, a fenomenologia tenta revelar o significado

essencial dos empreendimentos humanos, remetendo à questão de “como nós sabemos”.

2 FENOMENOLOGIA EMPÍRICA

O pesquisador deve voltar seu estudo diretamente sobre o fenômeno, libertando-se de teorias,

pressuposições ou hipóteses explicativas. No método fenomenológico não existem hipóteses,

mas sim dúvidas. Empiricamente quem vive a experiência não é o pesquisador mas, sim o

sujeito da pesquisa, que as descreve para o pesquisador na forma de relatos, entrevistas e

escritas de próprio punho.

A fenomenologia como método, segundo Moreira (2002, p. 108) deve ser utilizado nos casos

em que o fenômeno precisa de maiores esclarecimentos e existe pouca bibliografia para ou

quase nada sobre o assunto abordado, a experiência vivida através da voz da pessoa enriquece

as descrições, tempo e recursos para a pesquisa e audiência que o estudo sofrerá. Ele enfatiza

que se pode aprender com o relato dos sujeitos através da descrição de como certa experiência

foi vivenciada.

Giorgio, (apud Moreira, 2002, p. 110), esclarece que:

“...o método fenomenológico destina-se a empreender pesquisas sobre fenômenos humanos, tais como vividos e experienciados. Esse empreendimento dá-se através de descrições de experiências dos sujeitos que experienciaram os fenômenos em estudo”.

Desta forma podemos afirmar que o método fenomenológico é o mais apropriado para

questões centrais da experiência humana. No entanto nem mesmo Edmund Husserl, descreveu

rigorosamente como se faz a utilização do método fenomenológico, onde a coleta de dados

por diversas vezes acaba por se confundir com os resultados. No método fenomenológico,

segundo Moreira (2002, p. 118) as principais estratégias para coleta de dados são:

“a. Entrevista: os participantes descrevem verbalmente suas experiências de um fenômeno.

b. Descrição escrita de experiências pelo próprio participante.

c. Relatos autobiográficos em forma escrita ou oral

d. Observação participante: aqui. o pesquisador parte das observações do comportamento verbal e não-verbal dos participantes, de seu meio ambiente, das anotações que ele mesmo fez quando em campo, de áudio e videoteipes disponíveis, etc.”.

Dentre vários métodos fenomenológicos, como de Colaizzi, Sanders, Van Kaam, Moreira

descreve o de Giorgio como o mais conhecido e mais utilizado, sendo que todos os métodos

possuem os mesmos componentes principais. Método de Giorgio (Moreira 2002, p. 123):

“Os passos são os seguintes:

a. Leitura geral da descrição ( pode ser uma entrevista transcrita). para ter um senso geral de tudo o que foi colocado.

b. Tendo o sentido do todo, o pesquisador volta ao início do texto e lê novamente, com o objetivo de discriminar ‘unidades de sentido” dentro da perspectiva que lhe interessa - sociológica. psicológica. etc. . e sempre com torno no fenômeno estudado.

c. Uma vez delineadas as unidades de sentido. O pesquisador corre por todas as unidades de sentido e expressa o que elas contêm (da perspectiva que lhe interessa) de uma forma mais direta: isso vale principalmente para as unidades de sentido mais reveladoras do fenômeno sob consideração.

d. Por último, o pesquisador sintetiza todas as unidades de sentido transfromadas em uma declaração consistente com relação a experiência do sujeito. Essa declaração vai se chamar: “estrutura da experiência””.

3 O QUE É CIENTÍFICO?

Segundo Moreira (2002, p.143):

“Será, portanto, científico o conhecimento de conceitos e leis que permitam explicar e prever os fenômenos com a máxima exatidão possível, de forma independente do maior número possível de fatores. Um conceito importante associado não só à pesquisa experimental, mas a qualquer tipo de pesquisa, é o de validade do delineamento”.

Validade interna – relaciona-se à adequação da estrutura da pesquisa para se alcançar os

resultados esperados;

Validade externa – relaciona-se à capacidade de generalizar ou representar os resultados.

Para se considerar um fenômeno como “científico”, ele possuir aplicabilidade a um grande

número de fenômenos do mesmo tipo, isto é, ele deve ser generalizável.

Validade interna de um método fenomenológico: A validade interna é a condição

necessária para a validade externa. Compreende a coleta de informações, realizada

principalmente por entrevistas abertas. Existem algumas precauções que devem ser tomadas

ou observadas ao se utilizar às entrevistas abertas:

Autenticidade do relato (oral ou escrito) – informações escondidas por desejos de

privacidade ou influência social, perguntas diretas podem resultar em respostas

inventadas ou evasivas (a experiência do entrevistador pode captar tais desvios).

Interação entre o pesquisador e o sujeito – pode ocorrer empatia ou falta d empatia. O

desvio pode correr dependendo da forma como o pesquisador vai dirigir-se ao

entrevistado, como vai conduzir a pesquisa.

Quanto melhor for a descrição da amostra utilizada de sujeitos, maiores serão as

probabilidades de análise da validade interna por parte do leitor ou usuário da pesquisa. Os

questionários devem ser representativos da visão de mundo do pesquisador e não do

entrevistado.

Validade externa de um método fenomenológico: Conforme as características dos sujeitos

componentes da amostra, os resultados obtidos podem ser mais ou menos generalizáveis. As

dimensões de generalização podem ser: estatísticas e lógicas.

Ao se tomar uma amostra para um estudo deve-se conhecer a população teórica. A

população teórica é compreendida como sendo o total de sujeitos passíveis que ostentam as

características desejáveis nos elementos da amostra. A parcela da população teórica como

maior facilidade de arregimentação (que possui a maior facilidade de ser contatada) é

considerada como população trabalho, é dessa população que sairá a população definitiva

que irá compor a amostra. Cada sujeito escolhido para a pesquisa tem em princípio a mesma

probabilidade de ser escolhido dentro da população trabalho, sendo assim a generalização

estatística, que é composta por amostra probabilística.

Generalização lógica ocorre quando a amostra tomada não será estatística e freqüentemente

intencional, composta por sujeitos que foram escolhidos exatamente por causa de certas

características que os habilitam a fazer parte da amostra.

Na pesquisa qualitativa em geral e no método fenomenológico em particular, o objeto é o de

explorar e de desvelar conhecimentos, através da experiência vivida do sujeito (descoberta de

conhecimentos e não contexto de verificação).

4 EXEMPLOS DE PESQUISAS FENOMENOLÓGICAS

4.1 1º Exemplo: O rei está nu? A roupa nova do imperador

Hans Christian Andersen (apud Ventura 2004, p. 2), descreve o conto a seguir:

“Muitos anos atrás, havia um imperador que gostava de roupas bonitas, mais do que qualquer

outra coisa no mundo. Na verdade, vestir-se ocupava todo tempo do mundo... de qualquer

forma, a vida era alegre na cidade... estrangeiros chegavam a toda hora, e um dia, apareceu

uma dupla de espertalhões. Bem, isso é o que eles eram, mas se diziam tecelões. Diziam

também que o pano que teciam, além de uma beleza estonteante, tinha propriedades mágicas:

tanto no tear como transformado em roupas, era invisível para quem não estivesse à altura de

seu posto ou para os muito estúpidos, ‘Excelente!’, pensou o imperador. ‘Eis minha chance de

descobrir quais dos meus súditos não servem para os postos que ocupam e poderei separar os

espertos dos tolos. E deu aos impostores uma grande quantia em dinheiro para que pudessem

começar o trabalho imediatamente. Na mesma hora o tear foi montado e agiram como se

estivessem trabalhando com afinco. Mas, na realidade, não havia nada no tear...(e, assim,

continuaram fingindo que trabalhavam, pedindo sempre mais e mais dinheiro).

Passado um tempo, (o imperador mandou o primeiro-ministro – ver como andavam os

trabalhos. Não foi ele próprio, por receio de não conseguir ver o tecido). ‘Deus nos acuda!’,

pensou o velho. ‘Não consigo enxergar pano algum’ Mas não disse nada... ‘Será que sou

incapaz para ser ministro?

Pouco tempo depois o imperador enviou um conselheiro honesto para verificar como estava

indo o trabalho... Mas aconteceu com ele a mesma coisa que acontecera com o ministro...

Então, ele admirou o tecido que não podia ver. – Sim, sim, muito lindo... Cores esplêndidas...

Magnífico desenho – e relatou ao imperador que a estampa do tecido era magnífica!’

A notícia do maravilhoso tecido logo correu pela cidade. Finalmente, o imperador foi vê-lo

com seus próprios olhos... ‘Isso é terrível!’, pensou o imperador. ‘Não consigo enxergar nada

nos teares! Serei estúpido? E então falou: ‘que tecido charmoso... lindo! Tem nossa total

aprovação’... E o imperador deu a cada um dos trapaceiros uma condecoração honorária e o

título de Oficial do Tear da Corte Imperial.

Na véspera da grande procissão, os farsantes ainda trabalhavam em sua tarefa imaginária: a

confecção da roupa... Finalmente anunciaram: - A roupa está pronta! – E o imperador dirigiu-

se aos aposentos... Os trapaceiros continuaram: - Se sua alteza fizer a gentileza de tirar a

roupa que está usando agora, teremos a honra de vesti-lo com o novo traje; pode ver o efeito

neste grande espelho... O imperador virava-se de um lado e de outro em frente ao espelho. –

Como está elegante! Como lhe cai bem! – murmuravam os cortesão. – Que tecido rico! As

cores são esplêndidas! Vocês já viram manto mais magnífico? – ninguém ousava admitir que

não via nada...

E assim o imperador saiu andando majestosamente na procissão, debaixo do esplêndido

dossel. As pessoas nas ruas ou nas janelas gritavam coisas como ‘Essa roupa nova é

maravilhosa!’, ‘Como ele está magnífico!’, ‘Que elegância!’. Pode imaginar? Ninguém

ousava admitir que não conseguia ver roupa alguma. Isso significaria que essa pessoa era uma

idiota, ou que não servia para seu posto. Na verdade, nenhum dos deslumbrantes trajes do

imperador jamais havia sido tão elogiado. Então, num momento de silêncio, ouviu-se uma voz

de criança, intrigada. – Ele não está vestindo nada! – Sshh! – disse o pai da criança. – Essas

crianças falam cada bobagem!

Mas um sussurro espalhou-se pela multidão. ‘Uma criança ali disse que o imperador está nu’.

‘O imperador está nu!’Logo todos murmuravam: - Ele está nu! Finalmente, o próprio

imperador achou que eles poderiam estar certos. Mas aí pensou. ‘Se eu parar agora, vou

estragar a procissão e isso não pode acontecer’. Então ele continuou caminhando, mais

altivamente que antes. Quanto aos artesãos, continuaram carregando a cauda do manto que

não existia”.

A ao analisar o conto A Roupa Nova do Imperador, Ventura (2004), faz as seguintes

colocações:

A roupa do imperador – representa o sistema que constrói normas, convenções.

Representa ainda, os valores que estão previamente constituídos (verdade absoluta);

Os súditos vêem de acordo como o que está socialmente acordado, estabelecido,

construído, legitimado;

Os tecelões podem ser interpretados como ambição desmedida que prega peças;

O primeiro-ministro legitima o tecido invisível porque têm algo a perder, a partir daí o

tecido se torna real na mente das pessoas;

A condecoração honorária dos tecelões é a oficialização ou institucionalização da

verdade sobre aquela roupa, forma de legitimar a estupidez do rei e a conveniência dos

súditos;

A procissão representa a vida social;

A criança representa o EGO-PURO, aquele que só constrói pela própria experiência,

sem levar em consideração outros egos;

Criança (ego-puro) olhando (noesis – ato intencional de olhar um objeto) o rei

(noema) vê um rei nu, independente da experiência dos outros. Noema objeto

percebido;

A criança só vê o objeto em seu estado puro (epoqué) encontrando a verdade absoluta

(apodicidade). A criança representa o pesquisador que tenta livrar-se dos pressupostos

para chegar a apodicidade (verdade absoluta) sobre o fenômeno.

4.2 2º exemplo: Ter o Filho Internado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal: O significado Para os Pais.

Conforme Gomes (1992), esta pesquisa buscou investigar o significado, para os pais, de ter o

filho na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Foram realizadas entrevistas com onze (11)

pais que vivenciavam esta experiência, sobre as seguintes questões norteadoras: “O que é para

você ter o filho internado na UTI Neonatal?” e “Como você enfrenta esta situação?”.

As indagações da pesquisadora foram dirigidas para a necessidade de coletar descrições e

aproximar-se de experiências que fossem vivenciadas por pais de recém-nascidos internados

na UTI (sujeitos a pesquisa), que estivessem dispostos a participar do estudo, e ao fazerem

não se sentissem pressionados com a solicitação, mas fosse desejo de cada um, descrever sua

experiência vivida.

As questões das entrevistas foram elaboradas de forma não estruturada e apresentadas de

maneira que permitisse que os sujeitos falassem de forma livre, sem serem interrompidos.

Todos os participantes (voluntários) foram entrevistados em horários de visita ao seu filho

internado. Antes da entrevista a pesquisadora pedia-lhes o consentimento para gravar a fala.

As descrições foram analisadas na perspectiva fenomenológica a as unidades de significado

emergidas revelaram que “ter um filho na UTI” era considerado como sendo uma experiência

geradora de sentimentos de temos, dúvida preocupação, revolta, culpa, esperança aceitação,

impotência e além disso, mudança na sua rotina de vida. Os pais da criança hospitalizada,

procurando constantemente por novas informações referentes ao estado clínico do filho,

aproximam-se e familiarizam-se com o mundo da UTI, considerado tanto como lugar estranho

e assustador quanto seguro trazendo a possibilidade de vida. Assim sendo, com o progresso de

saúde do recém-nascido, os pais deixam de vê-lo como ser-doente e percebem-se felizes com

a sua existência real. A partir do mostrar-se do fenômeno a reflexão foi realizada, trazendo

alguns subsídios para se repensar o cuidado neonatológico, no sentido de resgatar o ser-doente

e o ser-pai de uma criança na UTI.

As entrevistas revelaram 11 temáticas, as quais foram evidenciadas na análise (comuns aos

sujeitos da pesquisa), As essências estão representadas a seguir:

A UTI como local que preserva a vida e dispensa cuidados especiais ao filho;

Dificuldades para enfrentar a internação do filho recém-nascido;

Necessidade de obter esclarecimentos sobre o quadro clínico do filho;

Sentimento de revolta, culpa e angustia;

Duvidas, medos e preocupações com o prognóstico do filho;

Sentimentos de esperança e de aceitação;

Percepção de que o nascimento do filho trouxe-lhes mudanças da vida pessoal,

familiar e profissional;

Sentimento de impotência perante o sofrimento do filho;

Sentimento de desespero ao ver o filho ligado a sofisticados aparelhos para mantê-lo

vivo;

Sentimento de alegria e felicidade pela evolução favorável do estado de saúde do

filho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DARTIGUES, André. O que é Fenomenologia? Rio de Janeiro: Eldorado, 1973.

GOMES, Maria Magda Ferreira. Ter o Filho Internado na Unidade de Terapia Intensiva

Neonatal: O significado para os pais. Dissertação (mestrado em enfermagem pediátrica) -

Escola Paulista de Medicina: São Paulo, 1992.

LYOTARD, Jean-François. A Fenomenologia. São Paulo: Edições 70, 1983.

MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico da pesquisa. São Paulo: Pioneira

Thomson, 2002.

TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Editora Atlas, 1990.

VENTURA, Elvira Cruvinel Ferreira. O rei está nu?: Pensando fenomelogicamente a roupa

nova do imperador. São Paulo: Cadernos EBAPE.BR – Volume II – Número 1 – Março 2004.