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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM-PE: UM CASO DE
INJUSTIÇA AMBIENTAL
RECIFE
2010
LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM-PE: UM CASO DE
INJUSTIÇA AMBIENTAL
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à coordenação do Curso de
Ciências Biológicas, da Universidade
Federal de Pernambuco, como parte dos
requisitos à obtenção do grau de Bacharel
em Ciências Biológicas.
Orientador:
Dr. Pedro Castelo Branco Silveira
(Coordenação Geral de Estudos
Ambientais e da Amazônia – Fundação
Joaquim Nabuco).
RECIFE
2010
DEDICATÓRIA
À minha querida avó Porcina Morais de Souza e a minha
mãe Luzinete Morais da Silva (in memoriam), pelo
aprendizado e por seus exemplos de vida, que me
impulsionaram sempre na condução de meus passos. Dedico
também a minha tia Mª Auxiliadora e ao meu irmão Josmar
Luiz pelo apoio e carinho durante a realização deste trabalho.
”No fundo da prática científica existe um discurso que
diz: nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo
momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma
verdade talvez adormecida, mas que no entanto está
somente à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós
cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os
instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela
está presente aqui e em todo lugar”.
Foucault.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos são muitos, mas primeiramente agradeço a Deus por ter me
proporcionado a oportunidade de conhecer maravilhosas pessoas, que permanecerão
para sempre em minha memória.
Agradeço ao meu orientador Pedro Silveira, que antes de tudo é um grande
amigo, pela ajuda e compreensão nessa jornada antropológica a qual decidi trilhar.
Sempre acreditando e compartilhando preciosos momentos de dificuldades, descobertas,
dúvidas, conflitos e soluções. Seus ensinamentos sempre me proporcionaram um amplo
aprendizado e especificamente na realização deste trabalho, foram imensamente
valiosos.
Agradeço ao demais Professores que aceitaram participar como membros na
banca desta monografia, Cristiano Ramalho, Simone Teixeira e Beatriz Mesquita.
Voltando um pouco no tempo, agradeço aos ensinamentos da Prof. Cecília
Patrícia Alves Costa (CCB-UFPE), que me despertaram para as questões
socioambientais e me impulsionaram a sempre buscar compreender tais questões.
Quero agradecer a todos que tornaram possível este trabalho: a Beatriz Mesquita
e ao Allan Monteiro da FUNDAJ que enriqueceram meu trabalho com suas sugestões,
ao Frei Sinésio Araújo por seu apoio, dedicação e contribuição durante todos os
momentos de minha pesquisa e durante a coleta das entrevistas, ao Plácido Júnior pelas
informações, contribuições e parceria, às Irmãs Franciscanas Bernadinas de Barra de
Sirinhaém (Lucia, Gilbetânia, Celeste e Joice) por me acolherem tão gentilmente e com
tanto amor durante minha estadia em Sirinhaém, ao Severino Santos (Bill) da CPP pela
sua dedicação em me ajudar em vários momentos através de materiais de pesquisa, das
“caronas” até Sirinhaém e pelas conversas tão enriquecedoras ao meu trabalho, ao Luiz
Otávio Corrêa do IBAMA que esteve sempre disponível em me ajudar em qualquer
solicitação e aos profs. Gilberto Rodrigues e Clóvis Cavalcanti pelo apoio.
Agradecimentos especiais a todos de Sirinhaém, aos pescadores e pescadoras
que carinhosamente me receberam e me ajudaram na realização deste trabalho. A todos
da Colônia Z-6 de Barra de Sirinhaém, representados nas figuras de Ronaldo e Arlene, e
aos ex-moradores das ilhas. Admiro suas lutas e essa sabedoria sobre o meio ambiente,
algo tão inerente ao peculiar modo de vida que vocês estabelecem com a natureza.
Espero ver um dia a pesca artesanal adquirindo seu real valor e para isso é
preciso força e união para não sucumbir às estratégias dos que visam suprimir essa
prática produtiva em nome dos projetos de desenvolvimento.
Aos amigos, agradeço imensamente pela compreensão durante os períodos de
ausência, pelo apoio e carinho: Paula Carolina e Célia Fernanda; Kelma; Yana;
Amanda; Júlia; Ivson; Daniele Xavier; Juliana; Michele; Lindinalva; Dayana;
Valdemar; Clarissa; Thatiana, Caio e Diego “o trio do CTG”; a Prof. Lucilene Antunes;
Charles; Júnia e Bruna pelas conversas, pensamentos e opiniões que contribuíram
imensamente na realização deste trabalho e pela paciência em escutar sempre o mesmo
assunto durante este período.
“Quem me dera pudesse compreender
Os segredos e mistérios dessa vida
Esse arranjo de chegadas e partidas
Essa trama de pessoas que se encontram
Se entrelaçam
E misturadas ganham outra direção
Quem me dera pudesse responder
Quem sou eu nessa mistura tão bonita
Tantos outros, sou na vida um Zé da Silva
Sofro as dores de outros nomes
Rio os risos de outras graças
Trago em mim as falas dessa multidão
Quem me dera pudesse compreender”.
Pe. Fábio de Melo
Sumário
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................. 9
LISTA DE TABELAS E QUADROS ...................................................................................... 10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................. 11
RESUMO ................................................................................................................................... 12
ABSTRACT ............................................................................................................................... 13
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................... 14
1. INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA ........................................................... 17
1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental ........................... 24
1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil ........................................................... 24
1.3. As Resex Marinhas no Brasil ........................................................................................... 27
1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental ............................................... 29
2. OBJETIVOS .......................................................................................................................... 32
2.1. Objetivos Gerais ............................................................................................................... 32
2.2. Objetivos específicos ........................................................................................................ 32
3. METODOLOGIA ................................................................................................................. 33
3.1. Área de Estudo ................................................................................................................. 37
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 41
4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos ............................................... 41
4.2. Memórias de um lugar ...................................................................................................... 43
4.3. O acirramento dos conflitos ............................................................................................. 51
4.4. O processo de criação da Resex e suas dificuldades ........................................................ 57
4.5. Pontos de vista .................................................................................................................. 63
4.6. Resex: um benefício para todos ou um entrave ao desenvolvimento ............................... 74
4.7. O conflito socioambiental frente ao contexto histórico, político e econômico de PE ...... 82
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 91
ANEXOS ........................................................................................................................ 97
APÊNDICES .................................................................................................................. 98
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil ................................................... 28
Figura 2: Comunidade do Casado .................................................................................. 37
Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém ............................................................... 37
Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento .......................................................... 37
Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab .............................................................. 37
Figura 6: Indústria sucroalcooleira ................................................................................. 39
Figura 7: Pesca Artesanal ............................................................................................... 39
Figura 8: Imagem de satélite do complexo estuarino do Rio Sirinhaém ......................... 40
Figura 9: Mapa do Estuário do rio Sirinhaém- Antigos locais de ocupação dos
moradores das Ilhas (APÊNDICE 2). ............................................................................ 102
10
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1: Categorias de unidades de conservação no Brasil .......................................... 24
Quadro 1: Cronologia dos documentos presentes nos seis volumes do processo de
criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca, IBAMA nº 02019. 000307/2006-31 (APÊNDICE
1) .................................................................................................................................... 99
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA – Área de Proteção Ambiental
CNPT - Centro Nacional de Populações Tradicionais
CONSEMA - Conselho Estadual de Meio Ambiente
CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores
CPRH – Agencia Estadual de Meio Ambiente e Recursos hídricos
CPT – Comissão Pastoral da Terra
DIUSP - Diretoria de Uso Sustentável e Populações Tradicionais
GRPU – Gerência Regional do Patrimônio da União
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
MMA – Ministério do Meio Ambiente
ONG – Organização Não Governamental
MPA – Ministério de Pesca e Aqüicultura
RESEX – Reserva Extrativista
SECTMA – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SPU – Secretaria do Patrimônio da União
UC – Unidade de Conservação
12
RESUMO
Esta pesquisa relata o processo de criação de uma Reserva Extrativista no Litoral Sul do
Estado de Pernambuco, que tem como beneficiários pescadores artesanais dos
municípios de Sirinhaém e Ipojuca. Aborda o conflito socioambiental existente entre os
pescadores e os empreendimentos locais, quais são os principais problemas enfrentados
por essa população e como os impactos ambientais existentes na região têm afetado a
qualidade de vida deles. Traz um histórico da territorialização de 17 ilhas no estuário do
Rio Sirinhaém que eram habitadas por 53 famílias que faziam uso comum da terra e
possuíam também a pesca como meio de subsistência. E como tal conflito
socioambiental resultou na retirada dessa população de seus territórios para áreas
distantes da periferia do município de Sirinhaém, com a conseqüente perda da atividade
produtiva e de suas identidades. Nesse estudo foi privilegiado à pesquisa qualitativa,
onde foram feitas entrevistas com os principais atores sociais envolvidos no conflito,
como também observações em campo, consulta à documentação do processo elaborado
pelo IBAMA, entre outras fontes de pesquisa diversas. A partir dos relatos dos
pescadores, observa-se a importância do território e dos recursos naturais presentes na
manutenção de seus hábitos e modo de vida, motivos estes que levaram ao pedido de
criação da Resex. Há ainda um relato das dificuldades para a implementação dessa UC e
como os atores sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas
motivações, ações e relações. Assim esse exemplo de luta pela garantia de territórios
tradicionalmente ocupados por povos que fazem uso comum da terra e possuem a
atividade pesqueira como algo inerente à própria existência, é também a luta por um
modelo de desenvolvimento mais justo e democrático. Essa população tenta defender os
recursos naturais ali existentes através da mobilização contra essa injustiça ambiental,
mostrando que um ambiente preservado pressupõe também a proteção da diversidade
sociocultural da região.
Palavras chave: Sirinhaém, Resex, Povos tradicionais, Justiça Ambiental, Pesca
Artesanal, Conflitos Socioambientais.
13
ABSTRACT
This research describes the creation process of an extractive reserve in the south coast of
Pernambuco state. Its beneficiaries are small-scale fishermen from the municipalities of
Sirinhaém and Ipojuca. The research deals with the social-environmental conflicts
between fishermen and local enterprises, either with the main problems faced by this
population and also how the environmental impacts in the area affected their life
quality. We show the territorialization process of 53 fishermen families in 17 estuarine
islands who use common-pool resources, and how this conflicts resulted in the remotion
of this families from their territories to faraway sites in the borders of the municipality
of Sirinhaém, though causing the loss of their productive activities and affecting their
identity. We chose a qualitative approach and so we interviewed the main social actors
involved in the process. We proceeded field observations, analysis of the documentation
process gathered by the Brazilian Natural Resources Agency (IBAMA) and of other
research sources. We observed the importance of the territory and of the natural
resources to maintaing this people lifestyle, fact that motivated the request for the
creation of the reserve. The text also tells the challenges to the implementation of this
protected area and how the social actors position themselves, defining their motivations,
actions and relations. Though, this example of struggle to the warrant of traditionally
settled territories by peoples who make use of common resources, who have fisheries as
part of their own existence, is also a struggle for a more fair and democractic
development model. This population tries to defend the local natural resources
mobilizating against environmental injustice, showing that a preserved environment
also suposes manatining cultural diversity.
Key words: Sirinhaém, Extractive Reserves, Traditional Peoples, Environmental
Justice, Traditional Fishing, Environmental Conflicts.
14
APRESENTAÇÃO
A presente monografia analisa o processo de solicitação e criação de uma
Reserva Extrativista Marinha no Litoral Sul do Estado de Pernambuco. Relata os
problemas socioambientais enfrentados pela comunidade de pescadores artesanais na
região e como essa população tem se organizado frente à perda do território
tradicionalmente ocupado por eles. Contextualiza a destruição ambiental no município,
decorrente do processo de industrialização em curso no litoral sul pernambucano, e
quais conseqüências tem acarretado no cotidiano dos pescadores. Para isso, parte-se do
contexto histórico em que a solicitação da Resex foi feita, delineando-se a atuação dos
diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito.
Este trabalho traz em sua introdução uma discussão teórico-conceitual que faz
uma breve revisão sobre temas importantes para o caso posteriormente apresentado. A
seção 1.1 aborda as divergências existentes nas diferentes perspectivas sobre
conservação ambiental. Traz ainda reflexões acerca do conceito de povos tradicionais e
quais as dificuldades enfrentadas na elaboração de uma definição que contemple as
diferentes formas de uso comum da terra existente entre os diferentes sujeitos históricos.
Faz também um breve relato sobre o conceito de território e como os povos tradicionais
percebem e relacionam-se com ele para a manutenção da sua diversidade
socioambiental. Apresenta, por fim, um breve histórico do movimento de Justiça
Ambiental e relaciona os conflitos socioambientais a essa temática.
Na seção 1.2 há um histórico da criação das Unidades de Conservação no Brasil
e dos órgãos ambientais. Relata-se ainda como surgiram as Reservas Extrativistas e
como essas UCs são regulamentadas pelo SNUC.
A seção 1.3 traz o contexto histórico em que as Reservas Extrativistas Marinhas
surgiram e como tornaram-se um instrumento de defesa dos pescadores artesanais face à
destruição ambiental do litoral brasileiro. Aborda também como a pesca artesanal foi
vista pelos distintos órgãos governamentais que estiveram tratando dessa atividade
tradicional ao longo dos anos.
15
A seção 1.4 faz uma breve caracterização do mangue e como o desconhecimento
da importância socioambiental do manguezal tem contribuído para a sistemática
eliminação desse ecossistema.
Após a apresentação dos objetivos e da metodologia, que inclui ainda a
descrição da aŕea de estudo, apresento o caso estudado. A descrição e a discussão deste
estudo de caso começam na seção 4.
Na seção 4.1 são elencados os principais motivos que levaram ao pedido de
criação da Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca, no estuário do Rio Sirinhaém.
Na seção 4.2 há um breve relato de como viviam as 53 famílias que habitavam
nas 17 ilhas estuarinas do Rio Sirinhaém, como construíram suas vidas nesse ambiente e
como perderam o direito de permanecer nesse território tradicionalmente ocupado, em
decorrência da intensificação dos conflitos socioambientais existentes na região.
A seção 4.3 descreve como ocorreu o acirramento dos conflitos e quais as ações
foram tomadas pelos diferentes atores sociais envolvidos, como os injustos
acontecimentos levaram ao pedido da Resex. Descreve também o processo de retirada
das famílias, cerca de 260 pessoas, que residiam nas ilhas estuarinas e quais as
dificuldades que esses pescadores enfrentam atualmente.
Na seção 4.4 há o relato das principais dificuldades ocorridas durante o processo
de criação da Resex, algumas dúvidas da população pesqueira beneficiada por essa UC
e algumas posições dos diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito.
A seção 4.5 exemplifica os diferentes pontos de vista existentes entre
representantes do governo, indústria e os próprios pescadores da região. Tal dificuldade
de reconhecer os distintos modos de relacionar-se com o meio ambiente resultam na
falta de uma maior articulação da comunidade beneficiada pela Resex.
A seção 4.6 traz uma discussão sobre o dilema em proteger o meio ambiente e
compatibilizar os projetos de expansão industrial defendidos pelo Governo do Estado.
Há também alguns discursos que são repassados e as estratégias utilizadas pelos atores
sociais contrários à implantação da Resex, no intuito de desmobilizar a luta dos
pescadores artesanais.
A seção 4.7 traz um breve histórico do contexto sociopolítico e econômico da
região e de PE e como esses fatores interferem no processo de criação da Resex
Sirinhaém-Ipojuca. Relata quais os argumentos do Governo Estadual para ser contrário
16
à criação da Resex e como a valorização de um modelo de desenvolvimento excludente
tem gerado a perda da qualidade de vida da população e a perda de sua própria
identidade.
O exemplo de luta pela proteção do meio ambiente e da diversidade
sociocultural existente no litoral sul de Pernambuco é apenas mais um conflito
socioambiental, dentre os muitos já existentes em PE. E apesar dos muitos entraves
existentes, tal conflito pode tornar-se uma boa oportunidade para que os pescadores
artesanais se unam na reivindicação de seus direitos, promovam a valorização da prática
pesqueira e a proteção dos recursos naturais. Para isso é preciso buscar informação,
articular-se a outras instituições de luta e exigir participação nas discussões dos projetos
do Governo para o desenvolvimento da região.
17
1. INTRODUÇÃO
1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental.
O avanço tecnológico tem levado a certo distanciamento entre homem e
natureza. Hoje muitos agem como se os recursos consumidos não fossem obtidos a
partir do meio ambiente. Segue-se um modelo de desenvolvimento que vem alterando
de maneira constante, rápida e irreversível as paisagens. Tais alterações não apenas
destroem a diversidade biológica do planeta, mas tem também eliminado a diversidade
sociocultural representada nos diversos povos que dependem mais diretamente desses
recursos naturais.
Apesar de não ser um tema recente1 proteger a biodiversidade pressupõe uma
reflexão sobre o que vem a ser a natureza e qual o papel do homem nesse contexto, pois
a biodiversidade só será verdadeiramente protegida quando as divergências conceituais
sobre as questões ambientais forem melhor discutidas e quando a relação homem-
natureza deixar de ser percebida como algo dicotômico, ou seja, quando as análises
sobre o meio ambiente e a sociedade deixarem de serem feitas através da percepção do
homem como um simples beneficiário da natureza ou apenas como um dependente dela
(Branco, 1995).
Sendo assim tem crescido a concepção socioambientalista, que defende não
apenas a sustentabilidade ambiental (espécies, ecossistemas e processos ecológicos),
mas também a sustentabilidade social (redução das desigualdades sociais e o
fortalecimento da ética, justiça e equidade social). Tem se fortalecido a ideia de que as
políticas públicas ambientais possuem eficácia social apenas se incluírem as
comunidades locais promovendo uma justa e equitativa repartição dos benefícios
oriundos da exploração dos recursos naturais. Nesta perspectiva a proteção da
biodiversidade pressupõe a manutenção da diversidade sociocultural, pois esta é
1 O Relatório Brundtland, também intitulado de Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1987), um documento
elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, já recomendava a preservação
da biodiversidade e dos ecossistemas. O tema passou a ter maior força no cenário internacional após a conferência
Rio-92 (Novaes, 2002). A assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2010 como o “Ano Internacional
da Biodiversidade” (Unesco, 2009)
18
também resultante dos diversos modos de vida dos diferentes povos (Acselrad, 2010).
Assim, julga-se que não é suficiente estar protegendo a biodiversidade sem valorizar e
reconhecer a diversidade cultural dos povos tradicionais (Santilli, 2005).
Mas nem sempre houve essa preocupação socioambiental. E uma das formas
criadas para enfrentar as diversas ameaças à biodiversidade foi através das áreas
“naturais” legalmente protegidas, que no Brasil têm o nome de unidades de
conservação. Privilegiou-se inicialmente a criação de recortes das paisagens, isolando-
as do uso humano. O principal representante desta categoria de unidade de conservação
são os parques2. Ocorre que em muitas dessas áreas protegidas existiam pessoas que há
muito tempo já ocupavam tais espaços (Diegues, 2000). A criação do primeiro parque
nacional americano, o Parque de Yellowstone, por exemplo, desalojou povos indígenas
como os crow, os blackfeet e os shoshone-bannock (Bensusan, 2006). De fato, a criação
de parques na maioria das vezes gerou historicamente uma série de conflitos sociais
(Diegues, 2000; Silveira, 2009).
Nos países tropicais do dito terceiro mundo, grande parte das florestas e outras
áreas em bom estado de conservação ambiental foram e são tradicionalmente ocupadas
por populações humanas dependentes destes recursos. Com a crescente destruição
ambiental em nome do progresso, estas áreas foram se tornando cada vez mais raras.
Este fato acirra os debates entre aqueles que querem ver estas áreas livres do uso
humano com a implantação de unidades de conservação do tipo parque, e aqueles que
desejam que a conservação dos ambientes seja feita com base nos usos tradicionais das
populações que ali habitam (Diegues, 2000).
No Brasil, até pouco tempo atrás, a degradação ambiental era vista como algo
inerente ao processo de desenvolvimento do país. Em grandes empreendimentos de
expansão industrial e agrícola, não havia a preocupação se os mesmos afetariam ou não
a biodiversidade e as populações ali existentes. No período de auge dos ciclos agrícolas
brasileiros, como o café, a cana, a borracha, o ouro, entre outros, muitas pessoas de
2 Movimento Preservacionista, do século XIX, surgido primeiramente na Europa e disseminado nos Estados
Unidos através John Muir, que pregava ser a interferência humana prejudicial à preservação do meio ambiente. Neste
mesmo período, entretanto, havia nos EUA Movimento dos Conservacionistas, também nos Estados Unidos, iniciado
por Gifford Pinchot, onde defendia-se a ideia de que o ser humano era capaz de auxiliar na preservação ambiental
(Diegues, 2000)
19
várias regiões do país se deslocaram para os locais onde esses ciclos ocorriam. E com a
decadência desses ciclos, muitas pessoas ainda permaneceram morando nesses
territórios, com modos de vida agro-extrativista (A. Almeida, 2008).
Essas comunidades criaram maneiras próprias de uso da terra, de obtenção dos
recursos naturais disponíveis e de organização social. Porém tais sistemas de uso
comum geralmente eram vistos como irrelevantes e condenados ao desaparecimento
pelo governo e suas análises econômicas (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Assim, o
Estado brasileiro historicamente ignorou os sistemas de usufruto da terra por parte
destes grupos humanos, que posteriormente foram chamados de populações
tradicionais. Até recentemente, esses grupos não eram considerados nas pesquisas do
IBGE e eram vistos como modos de produção em extinção (A. Almeida, 2008).
Segundo Little (2002), muitas das terras de uso comum foram até hoje
preservadas porque não eram cobiçadas pelas forças econômicas atuais. Como exemplo
dessa invisibilidade há inúmeros quilombos que sobreviveram em diversas áreas do
país.
A partir do final dos anos de 1980, esses grupos passam a ter visibilidade
política porque passam a reivindicar direitos (M. Cunha e M.Almeida, 2001). No Brasil,
este período coincide com a elaboração da nova Constituição do país, ao fim de duas
décadas de ditadura militar, e com a realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em que os
chamados povos da floresta tiveram destaque (Novaes, 2002). Assim, parte dos
ambientalistas e governantes perceberam que há diferentes modalidades de uso comum
do território por comunidades que preservam práticas sustentáveis de exploração dos
recursos naturais e influenciam na manutenção da biodiversidade (A. Almeida, 2008).
Atualmente, numerosas evidências apontam situações práticas em que é possível
haver vantagens nos sistemas de uso comum da terra, evitando a chamada tragédia dos
espaços coletivos (“The tragedy of the commons”, Hardin, 1968; ver L. Cunha, 2004).
Destacam-se aí os estudos de Elinor Ostrom (Prêmio Nobel de Economia -2009) e
colaboradores (Tucker e Ostrom, 2009), que demonstraram que é possível para as
pessoas se organizarem de forma eficaz com base em regras costumeiras e assim gerir
os recursos ambientais.
20
De acordo com o decreto nº 6.040, de 8 de fevereiro de 2007 que instituiu a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
tradicionais, povos e comunidades tradicionais são definidos como sendo: “grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”
Inicialmente, percebe-se que o conceito de povos tradicionais surgiu a partir de
contextos diversos, mas apesar dessa heterogeneidade, em geral, eles tem em comum o
fato de que utilizam regimes de propriedade comum. Possuem ainda, um amplo
conhecimento sobre o ecossistema no qual residem, procuram defender sua autonomia
cultural e possuem o sentimento de pertencimento a um lugar, além de em geral
praticarem hábitos sustentáveis de exploração dos recursos naturais (Little, 2002).
Uma observação importante vem do fato de que o conceito de “tradicional” não
reflete necessariamente a definição de imobilidade cultural desses povos. O território de
um grupo social determinado, incluindo as condutas territoriais que o sustentam, pode
mudar ao longo do tempo dependendo das forças históricas que exercem pressão sobre
ele. Mas, essas mudanças são historicamente compreensíveis e não significam
necessariamente que tais povos perderam o modo costumeiro de manejar seus recursos
naturais. E a palavra “tradicional” não se refere necessariamente à antiguidade, mas ao
fato de que esses povos se originaram em um local específico. Essa noção de
pertencimento a um lugar não está vinculada a ideia de terras imemoriais, mas no
sentimento coletivo de que esses territórios socialmente construídos representam seu
verdadeiro “homeland” (Little , 2002).
Assim, após adquirirem visibilidade na esfera política, as populações
tradicionais hoje não estão mais fora da economia central nem estão mais simplesmente
na periferia do sistema mundial. E também tornaram-se parceiras de grupos acadêmicos,
ONGs locais e nacionais, bem como setores do Estado brasileiro e mesmo instituições
centrais como as Nações Unidas, o Banco Mundial e as poderosas ONGs do primeiro
mundo (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Muitas vezes essas parcerias “não-
tradicionais” têm o sentido de apoiar práticas consideradas tradicionalmente
sustentáveis.
21
Mesmo sendo muitas vezes esquecidas ou até mesmo ignoradas, essas
populações têm conseguindo obter algum avanço em suas lutas para terem legitimados
seus direitos de posse e soberania sobre seus territórios. Diante desse contexto e na
busca pela proteção da biodiversidade, as populações tradicionais passaram a ter
protegido juridicamente seu modos de vida e uso da terra. Nesse sentido, temos nas
Reservas Extrativistas um exemplo de instrumento pela manutenção dos meios próprios
de relacionar-se com os recursos naturais existentes a partir de um profundo
conhecimento sobre os mesmos e sobre os ciclos biológicos (Diegues, 2001).
Dentre os diferentes contextos e argumentos que postulam o conceito de povos
tradicionais, percebe-se existir uma flexível definição na legislação oficial que
regulamenta essa categoria. Tal definição legal reitera a ideia de que o surgimento do
conceito de populações tradicionais tem um caráter político que pretende tentar
solucionar o suposto problema da presença de grupos humano em áreas destinadas a
preservação ambiental. E então, diferentes grupos sociais específicos são incorporados
nessa categoria legal que tenta diferenciá-los juridicamente para dar-lhes direito as
terras que tradicionalmente habitam ou habitavam. Assim a partir desse aspecto legal,
vê-se ser adotada para essa categoria de povos tradicionais perspectivas diversas, entre
elas, há a defesa de ser esta uma categoria político-legal, pois permite que diferentes
populações tenham assegurados seus direitos consuetudinários e seu território (Silveira,
2010).
No nível internacional, a preocupação pelo respeito por parte dos Governos aos
direitos diferenciados dos povos tradicionais cresceu bastante, principalmente em
referência a questões fundiárias e territoriais. Um dos instrumentos mais importantes
sobre o tema é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre
“Povos indígenas e tribais em países independentes”, de 1989, que estabelece, no Artigo
II, que os governos têm a responsabilidade de “proteger os direitos desses povos e
garantir o respeito à sua integridade”. A adoção dessa Convenção pelo governo federal
foi estabelecida pelo Senado Nacional em junho de 2002.
No Brasil além da Constituição de 1988 que reconhece em seu artigo 216 o
Patrimônio Cultural Brasileiro como um bem jurídico e caracteriza-o como sendo "bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da
22
sociedade brasileira", há também uma Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto
de 2001, que regulamenta os incisos constitucionais relativos à Convenção sobre a
Diversidade Biológica, nos quais trata o conhecimento das comunidades tradicionais
como Patrimônio Cultural Brasileiro (Valencio, 2010).
Contudo, com a crescente concepção de progresso difundida em nossa
sociedade, os conflitos pela posse dos territórios têm aumentado visivelmente, pois em
nome da expansão do desenvolvimento, diversas comunidades que possuem formas
sociais de produção não-capitalistas vêm sofrendo com a perda de seus recursos naturais
e modos de vida. E, a criação das políticas de proteção desses povos resulta em grande
parte da mobilização de grupos sociais diversos que se unem na busca efetiva de
construção de uma democracia (Acselrad et al., 2009) .
É nessa luta, pela afirmação de formas alternativas e de resistência contra essa
globalização hegemônica das formas de produção, que vemos constituírem-se as
Reservas Extrativista como um meio de proteger o território desses povos e assegurar a
perpetuação de sua cultura, em busca da chamada justiça ambiental .
Segundo Herculano (2008) a justiça ambiental é “o conjunto de princípios que
asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe,
suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de
operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como
resultantes da ausência ou omissão de tais políticas”.
Assim surgiu o movimento por Justiça Ambiental, originado inicialmente nos
Estados Unidos, que pretende alertar sobre a transferência social dos danos ambientais
do desenvolvimento, aos grupos marginalizados da sociedade.
No Brasil ainda é recente a discussão sobre a justiça ambiental. Somente em
2001 as discussões ganharam força com o Colóquio Internacional sobre Justiça
Ambiental realizado na Universidade Federal Fluminense. Nesta mesma ocasião, nasceu
a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (Herculano, 2002).
A luta dos chamados povos tradicionais pela legitimação dos seus territórios é
também uma luta por justiça ambiental. pois estes grupos sofrem de maneira desigual os
impactos dos grandes projetos de desenvolvimento e das estratégias excludentes de
conservação:
23
“como para a expansão da monocultura do eucalipto, perdem os
quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a expansão
da soja transgênica, são inviabilizadas as atividades dos
pequenos agricultores orgânicos; como, por causa da produção
de energia barata para as multinacionais do alumínio, perdem os
pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar;
como, para a produção de petroquímicos, perdem os
trabalhadores sua saúde pela contaminação por poluentes
orgânicos persistentes” (Acselrad, 2010).
O movimento por justiça ambiental traz um questionamento sobre a noção
corrente de produtividade, sustentando que não é “produtiva” a terra que produz
qualquer coisa a qualquer custo, acusando a grande agricultura químico-mecanizada de
destruir recursos em fertilidade e biodiversidade, e, assim, descumprir a função social
da terra. É nesse contexto adverso que vemos constituírem-se sujeitos coletivos que
exigem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e
capacidade autônoma de decidir sobre seus territórios, pretendendo instaurar acesso
justo e equitativo aos recursos ambientais do país. E a destituição dos direitos desses
povos favorece a crescente destruição ambiental, já que o malefício desta não é
distribuído a todos, sendo transferido apenas a essa camada mais frágil da sociedade
(Acselrad, 2010).
Na presente pesquisa há o exemplo da tentativa de reorganização de um grupo
social em busca da conquista do território reivindicado (Arruti, 2006). E assim, é na luta
pela conquista desse território que há a reelaboração da identidade desse grupo na
tentativa de terem reconhecido, pelo Estado, seus costumes, seus direitos de acesso a
terra e aos recursos naturais ali presentes (Silveira, 2010).
Percebendo a relevância dessas questões, essa pesquisa traz o exemplo de luta de
moradores de municípios do Litoral Sul de Pernambuco pela implantação de uma
Reserva Extrativista no estuário do Rio Sirinhaém. As populações tradicionais aqui
referidas são os pescadores artesanais existentes no município de Sirinhaém e Ipojuca,
que possuem um modo próprio de uso e relação com os recursos naturais e praticam
atividades de baixo impacto ambiental. Ao tentarem ter reconhecido direitos universais
24
de acesso a um meio ambiente preservado e a continuação de suas práticas sociais,
postulam ao Estado serem incluídos em categorias especiais já presentes na legislação
ambiental vigente (Silveira, 2010).
1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil
As áreas protegidas foram estabelecidas, no Brasil, pelo Código Florestal de
1934. Neste período foram criados dois modelos de unidades de conservação, os
parques nacionais e as florestas nacionais. O primeiro parque brasileiro foi o de Itatiaia,
criado em 1937, no Rio de Janeiro.
Até 1967, as unidades de conservação (UCs) eram administradas pelo Ministério
da Agricultura, e então foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF). Posteriormente foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),
em 1973, que juntamente com o IBDF se reuniram para formar o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente (IBAMA) em 1989 (Rylands e Brandon, 2005).
Neste interim, foram sendo criadas diversas categorias de unidades de
conservação (Ucs) por leis e decretos diferentes, por iniciativa de diferentes grupos de
interesse. A Tabela 1 mostra as categorias de unidades de conservação hoje existentes e
o ano de criação da primeira unidade em cada categoria.
Tabela 1: categorias de unidades de conservação no Brasil
Categoria Sigla Ano de Criação
Floresta Nacional FLONA 1946
Área de Proteção Ambiental APA 1982
Área de Relevante Interesse Ecológico ARIE 1985
Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN 1990
Reserva Extrativista RESEX 1990
Reserva de Desenvolvimento Sustentável RDS 1996
Reservas de Fauna RF 2007
Parque Nacional PARNA 1937
25
Reserva Biológica REBIO 1974
Estação Ecológica EE 1975
Monumentos Naturais MN 2009
Refúgios da Vida Silvestre REVIS ---
Apenas em 2000 foi estabelecida uma regulamentação das UCs no Brasil
através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que estabelece
critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O
SNUC define as categorias de Unidade de Conservação em dois grupos: de proteção
integral e de uso sustentável. As áreas de proteção integral incluem os Parques
Nacionais, as Reservas Biológicas, as Estações Ecológicas, os Monumentos Naturais e
os Refúgios de Vida Silvestre. Já as áreas de uso sustentável, que permitem diferentes
tipos de interferência humana, incluem as Florestas Nacionais, as Áreas de Proteção
Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Reservas Extrativistas, as
Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas
Particulares do Patrimônio Cultural (MMA, 2006).
Dentre as unidades de conservação de uso sustentável, estão as Reservas
Extrativistas que são definidas pelo SNUC como sendo:
“Uma área utilizada por populações tradicionais, cuja
subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente,
na agricultura de subsistência e na criação de animais de
pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os
meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o
uso sustentável dos recursos naturais da unidade” (MMA,
2006).
As Reservas Extrativistas são unidades de conservação estabelecidas em uma
área de interesse para a conservação biológica, em que o Estado estabelece uma
concessão de uso para a população tradicional residente na área. Não podem existir
26
áreas privadas em seu perímetro e elas possuem ainda um conselho deliberativo
formado por diferentes representantes da sociedade civil e do governo, sendo em sua
maioria composto pela população local (MMA, 2006).
Diante dos diferentes grupos que habitam no território brasileiro, o surgimento
das Reservas Extrativista vem no sentido de assegurar essa diversidade socioambiental,
fortalecendo a democracia e a sustentabilidade (Diegues, 2001). Pois inicialmente,
apenas os índios tinham seus territórios protegidos através das reservas indígenas. Mas,
a partir das lutas dos seringueiros do Acre pelo reconhecimento formal de seus
territórios, surgiu em 1989 a modalidade de Reservas Extrativistas dentro da política
ambiental do país. E assim, a defesa de um território foi o incentivo para a criação de
um movimento nacional, que devido a uma série de alianças políticas, particularmente
com grupos ambientalistas, e a liderança singular de Chico Mendes, conseguiu construir
um novo espaço político e, nesse processo, instituir novos atores sociais no cenário
nacional (Little, 2002).
Em 23 de janeiro de 1990 foi criada a Reserva Extrativista do Alto Juruá, como
a primeira unidade de conservação desse tipo. Toda a área da Resex foi destinada pela
União ao usufruto exclusivo dos moradores, por meio de contrato de concessão, e cuja
administração poderia ser realizada pelos convênios entre governo e as associações
representativas locais. Esta era uma solução para o problema fundiário e social, mas era
também uma solução para o problema de conservação, apoiada por pareceres de peritos
e relatórios de biólogos (M. Cunha e M. Almeida, 2001).
As Reservas Extrativistas originaram-se portanto na luta dos seringueiros por
uma modalidade de reforma agrária que mantivesse suas formas costumeiras de uso, ou
seja, a existência de grandes áreas de floresta onde se poderia extrair látex e viver da
caça, pesca e da pequena agricultura. Neste processo, associou-se aos interesses
ambientalistas e depois espalharam-se já no formato de unidade de conservação, como
solução para contextos diversos (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Assim, foram fruto
de finalidades comuns que proporcionaram uma certa colaboração no fortalecimento das
lutas desses povos tradicionais. Enquanto alguns grupos sociais tentavam defender-se
da usurpação de seus territórios pelas fronteiras em expansão, outros já lutavam pela
autonomia territorial e cultural fundamentada em vínculos sociais e simbólicos que tais
povos mantinham com o ambiente (Little, 2002).
27
1.3. As Resex Marinhas no Brasil
Antes das Reservas Extrativistas Marinhas começarem a fazer parte da
conjuntura política e institucional do Ministério do Meio Ambiente, e os pescadores
artesanais estarem incluídos na categoria política das populações tradicionais, os
pescadores já tinham um longo histórico de relação com o Estado, segundo Silveira
(2009a):
O setor da pesca era inicialmente administrado pela Marinha e
posteriormente foi criada pelo Governo Federal a Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). Durante algum tempo a
industrialização do setor pesqueiro foi bastante incentivada e a pesca
artesanal ficou praticamente esquecida.
Apenas em 1989, com a extinção da SUDEPE, a gestão da pesca ficou a
cargo do IBAMA, sendo então elaboradas várias políticas de conservação
dos recursos pesqueiros.
Após algumas pressões para que a gestão da pesca voltasse aos órgãos de
fomento, foi criado em 1998 o Departamento de Pesca e Aqüicultura, que
transformaria-se em Secretaria Especial da Aqüicultura e da Pesca (SEAP), e
posteriormente, em 2009 no Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA).
As políticas desenvolvidas pelo MPA não estabelecem a criação de UCs para
beneficiar a pesca. Tais políticas buscam o desenvolvimento da infra-
estrutura para equipar os territórios e assim viabilizar a atividade produtiva.
Porém as Resex são vistas pelos pescadores artesanais como uma alternativa
para dirimir os conflitos existentes em seus territórios.
Até hoje os pescadores artesanais continuam tendo pouca visibilidade, onde
os mesmos percebem que uma mesma área é vista de distintas maneiras – o
que para os pescadores é um espaço de sustentabilidade familiar e dos
recursos pesqueiros, na visão dos empresários é espaço de lucro e exploração
– até porque essas comunidades são consideradas atrasadas e um
impedimento ao desenvolvimento.
28
E assim, com o passar do tempo foram sendo percebidas relações existentes
entre investir na pesca, proteger os recursos pesqueiros e garantir o território dos
pescadores. Por esses motivos as Resex passaram a ser pleiteadas pelos pescadores
artesanais (Figura 1), que apesar de terem a consciência de que tal alternativa não é
suficiente e nem deve ser o único caminho, é por enquanto um importante instrumento
de luta pela garantia de seus direitos por esses territórios (Silveira, 2009a).
No Brasil já existem 53 Reservas Extrativistas, onde 22 desse total são Resex
Marinhas. Do total das Resex Marinhas, 11 estão localizadas no Nordeste, sendo 1 em
Pernambuco.
Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil. Fonte: Silveira (2009a).
As Reservas Extrativistas Marinhas começaram a ser solicitadas pelos
pescadores artesanais do litoral, tendo em vista a crescente perda do território pesqueiro
para os grandes empreendimentos. No ano de 1992 foi criada a primeira Resex Marinha
fora do limite da Amazônia, era a Reserva extrativista marinha de Pirajubaé em Santa
Catarina. Essa subcategoria das Resex identificada com os territórios marinhos tem
aumentado a cada ano. Esses pedidos para a delimitação de espaços secularmente
ocupados por pescadores artesanais evidenciam um indício de fortalecimento e
29
amadurecimento na organização e mobilização social de uma parcela populacional
historicamente marginalizada (Chamy, 2008).
Em Pernambuco, a discussão sobre proteger o litoral dos impactos ambientais
provenientes de empreendimentos diversos começou nos anos de 1970, mas foi nos
anos de 1980 com a morte de várias pessoas devido aos resíduos industriais, que tais
ocorrências passaram a ser combatidas pelo movimento dos pescadores. E assim, a
partir dos anos de 1990 os pescadores artesanais de Pernambuco, apoiados pelo
Conselho Pastoral dos Pescadores passaram a reivindicar a criação das Resex na
proteção de seus territórios. E como exemplo dessas articulações temos a criação da
Resex Acaú-Goiana em 2007, que integra parte dos estados de Pernambuco e Paraíba
(Silveira, 2009a).
As Resex Marinhas são hoje um importante instrumento de luta dos pescadores
artesanais pela permanência dessas pessoas em espaços já anteriormente ocupados por
elas. Os pescadores vêem no estuário não apenas um espaço de atividades econômicas a
partir da extração de peixes, crustáceos, mariscos, entre outras espécies do mangue e do
ambiente marinho, mas também como um espaço de organização social e cultural, onde
a percepção de sua realidade não está dissociada do seu mundo natural e sobrenatural
(Cavalcanti, 2002).
Um grande número de pescadores artesanais utiliza o manguezal como meio de
subsistência, pois além de ser um rico ecossistema, possui fácil acesso e não necessita
de onerosos apetrechos de pesca para captura das espécies lá presentes. É um
ecossistema muito utilizado também pelos pescadores ocasionais que em geral,
trabalham no corte da cana e que na entressafra tem nas espécies do mangue um meio
de subsistência.
Logo, para entender a relação homem-natureza existente na região do estuário de
Sirinhaém, faz-se necessário conhecer algumas características do manguezal para
melhor compreender a importância desse ecossistema no cotidiano da população local.
1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental
Segundo Schaeffer-Novelli, o manguezal é um “Ecossistema costeiro, de
transição entre o ambiente terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e
30
subtropicais, sujeito ao regime das marés. Constituído de espécies vegetais lenhosas
típicas (angiospermas) adaptadas à flutuação de salinidade e caracterizadas por
colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com baixos teores de oxigênio.
Ocorre em regiões costeiras abrigadas e apresenta condições propícias para alimentação,
proteção e reprodução de muitas espécies animais, sendo considerado importante
transformador de nutrientes em matéria orgânica e gerador de bens e serviços”
(SCHAEFFER-NOVELLI, 1991, p.3). Nesses locais, a força das marés é branda e a
velocidade das correntes é baixa, favorecendo intensa deposição de sedimentos finos e
matéria orgânica e caracteriza-se por uma constante conquista de novas áreas pelo
acúmulo de grandes massas de sedimentos e detritos trazidos pelos rios e pelo mar (IPT,
1988 In: AMBITEC BRASIL, 2008).
As regiões estuarinas são áreas de extrema importância, não só ecológica, mas,
também, econômica, servindo de meio de vida para boa parte da população brasileira.
Junto com as zonas de ressurgência e as baías, as áreas costeiras estuarinas, embora
correspondam a apenas 10% da superfície marinha, produzem mais de 95% do alimento
que o homem captura no mar (CIRM, 1981). No entanto, tal ecossistema é um dos mais
ameaçados no mundo e em apenas duas décadas já perdeu cerca de 35% de sua área,
apesar de ser legalmente considerado como uma área de preservação permanente
(Meireles e Queiroz, 2010).
Os estuários dos rios Formoso e Sirinhaém integram um dos mais importantes
conjuntos de manguezais do litoral pernambucano, representando 23,3% da extensão
total desses ecossistemas no estado. No município de Sirinhaém, onde deságua o rio
Sirinhaém, destaca-se a presença dos manguezais, com registro da ocorrência de
Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Avicennia schauerianna, Avicennia
germinans e Conocarpus erectus (LABOMAR, 2005). A Bacia do Rio Sirinhaém
possui considerável área alagada sujeita ao efeito de maré possuindo em seu estuário 17
ilhas fluviais, compartilhadas entre os municípios de Ipojuca e Sirinhaém.
Dentro do ambiente estuarino os animais que mais caracterizam este ambiente
são os crustáceos. Segundo a CPRH (1999) as espécies com maior importância
comercial do estuário do rio Sirinhaém, conforme foi indicado também pelos próprios
catadores são: Ucides cordatus (caranguejo-uçá), Cardisoma guanhumi (guaiamum),
31
Callinectes spp (siris), Goniopsis cruentata (aratú do mangue) e Macrobrachium
acanthurus (camarão).
A vegetação do manguezal é essencialmente homogênea caracterizada por
plantas lenhosas, arbustivas e subarbustivas, a qual difere ecológica e floristicamente da
vegetação de terra firme sendo composta, basicamente, pelas árvores dos gêneros
Rhizophora, Laguncularia e Avicennia (Lamberti, 1966).
Uma grande quantidade dos peixes encontrados no estuário vive parte de sua
vida no mar, utilizando o estuário durante um período no ano e/ou entrando e saindo do
estuário conforme o fluxo da maré. As espécies marítimas que utilizam o estuário estão
à procura de alimentos ou em fase de reprodução. Há ainda espécies que são exclusivas
do estuário e também existem espécies de água doce que são eurihalinos, que suportam
uma larga amplitude de salinidade, na parte superior do estuário (AMBITEC BRASIL
2008).
De importância ecológica já conhecida, são ecossistemas que desempenham
papel ecológico chave à medida que abrigam, além de suas espécies características,
aquelas que migram para a costa durante a fase reprodutiva. Sua fauna e a flora ainda
servem como fonte de alimento e meio de subsistência para as populações humanas.
Inúmeras comunidades ribeirinhas vivem tradicionalmente da exploração dos vários
recursos existentes nas regiões costeiras do Brasil, sendo que algumas populações
vivem quase que exclusivamente de recursos específicos de áreas de mangue, como
caranguejos, moluscos e outros crustáceos (Schaeffer-Novelli, 1999).
32
2. OBJETIVO
2.1. Objetivo Geral
Esta pesquisa analisa os conflitos socioambientais relativos ao processo de
solicitação de uma Reserva Extrativista que tem como beneficiários pescadores
artesanais, abrangendo o estuário e o mangue entre os municípios de Sirinhaém e
Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco.
2.2. Objetivos Específicos
Relatar e discutir sobre o processo de criação da Reserva Extrativista de
Sirinhaém-Ipojuca e suas implicações socioambientais a partir da compreensão dos
principais problemas enfrentados pelos pescadores artesanais nesse conflito.
Discutir sobre a importância do território e dos recursos naturais para a
manutenção dos hábitos de vida dos pescadores e como os impactos ambientais
existentes na região tem afetado a qualidade de vida deles.
Refletir sobre a importância das organizações de assessoria na mobilização da
comunidade pesqueira pela luta de seus direitos.
Relatar o conflito histórico e socioambiental existente a partir da apresentação
das dificuldades existentes durante o processo de criação da Resex e como os atores
sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas motivações,
ações e relações.
33
3. METODOLOGIA
A motivação para pesquisar sobre a criação da Reserva Extrativista de Sirinhaém
nasceu ao entrar em contato com o pesquisador Pedro Silveira, da Fundação Joaquim
Nabuco em abril de 2010, que estava envolvido em uma pesquisa intitulada “Reservas
Extrativistas e pesca artesanal: etnografia do campo socioambiental em Pernambuco”.
Nesse estudo eles já acompanhavam a implementação da Reserva Extrativista de Acaú-
Goiana, a primeira Resex de Pernambuco.
Ficou decidido então, analisar a criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca, que
seria a segunda Reserva Extrativista no Estado. O processo de criação da unidade estava
avançado, mas muitos conflitos dificultavam a sua criação. Pedro já tinha disponíveis os
seis volumes da documentação relativa ao processo de criação da referida Resex,
cedidos pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), que foram minha inicial fonte de
pesquisa.
O objetivo era, escrever sobre um período histórico de um determinado lugar e
seus conflitos socioambientais, o que é algo um tanto complexo e causa geralmente um
sentimento de incerteza sobre o que deve ser mais bem destacado e explorado.
Mas, essa inquietude foi também o incentivo necessário para uma melhor
reflexão e análise das circunstâncias históricas vivenciadas pelos integrantes desse
conflito socioambiental, bem como de suas conseqüências, a fim de contribuir no
processo de descoberta de novas maneiras de ver, perceber e sentir as relações
socioambientais.
Segundo Theodoro (2005), os conflitos ambientais fazem parte das relações
humanas e no estudo desses conflitos, faz-se necessário a identificação e análise dos
atores sociais para compreender os interesses específicos dos envolvidos. Sendo
importante ainda, um levantamento das interações entre cada um dos atores sociais, para
perceber a totalidade do conflito. Ainda segundo Carvalho e Scotto (1995) aspectos
como: descrição das características ambientais, breve histórico do processo de
povoamento, configuração das principais atividades econômicas, processo de avanço do
capital na região, identificação de macroproblemáticas ambientais na região; enunciação
dos diferentes campos de tensão, enfrentamento e resistência entre projetos e/ou forças
sociais em disputa, devem ser considerados.
34
Na busca de fazer um diagnóstico dos conflitos sociais existentes na região, foi
priorizado o método qualitativo na presente pesquisa pois segundo Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (1999), as concepções, crenças e valores das pessoas são revelados a
partir de análises interpretativas.
Os procedimentos utilizados foram pesquisa bibliográfica diversa sobre os temas
pesca artesanal, populações tradicionais, unidades de conservação, bem como as que
caracterizam a área de estudo em seu contexto histórico, econômico e socioambiental,
na busca de informações sobre a região e sua população.
Houve ainda observações em campo e entrevistas com os principais atores
sociais envolvidos no conflito visando perceber o contexto político e institucional que
levou à proposta de criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca. As informações obtidas
pelas observações foram associadas às entrevistas com o propósito de fazer convergir
resultados de pesquisa sobre um mesmo objeto de análise. A contextualização das
fontes heterogêneas visa conferir uma maior confiabilidade entre as narrativas (Beaud e
Weber, 2007).
Na pesquisa de campo, as entrevistas etnográficas buscaram ter acesso aos
relatos de historias de vida e a memória, bem como as impressões do passado e
presente. Nas entrevistas tentou-se entender a partir do texto e da fala, o contexto social
do grupo social estudado. Os relatos foram feitos livremente, onde um tema era
proposto e o entrevistado discursava sobre ele.
As entrevistas visaram perceber os significados e sentimentos que os pescadores
artesanais e os demais envolvidos no processo atribuíam à região e as percepções que os
mesmos tinham à cerca do contexto histórico e social local. Após a coleta das
narrativas, as mesmas foram transcritas e analisadas a partir do universo de
interconhecimento entre os entrevistados (Beaud e Weber, 2007). Essa análise visa
transformar uma questão “abstrata” em uma série decomposta de práticas sociais e de
eventos, onde seja possível perceber em uma afirmação genérica do entrevistado as suas
crenças ou ideologias (Lefèvre e Lefévre, 2003).
Assim, essa metodologia foi utilizada como uma estratégia para construir uma
representação social de modo coerente e esclarecer as significações moldadas através do
tempo por esse grupo social (Moscovici, 2003).
35
A partir da análise do histórico da demanda feita pelos pescadores, foi possível
perceber quais problemas os mesmos enfrentavam no seu cotidiano e quais os impactos
ambientais existentes no ambiente eram mais significativos e prejudiciais à sustentação
dos recursos pesqueiros e dos seus hábitos e modos de vida.
Durante a pesquisa de campo tentou-se analisar, os significados locais com
relação à criação da Resex. No intuito de apresentar algumas visões dos atores sociais
diretamente envolvidos no processo de solicitação da Resex e também de alguns
pescadores locais.
Diante da concepção de que os problemas ambientais não são isolados, e sim
situações onde as condições ambientais e territórios são representados e tornados objeto
de disputa entre projetos distintos, fez-se também necessário incorporar na presente
pesquisa, os diferentes pontos de vista de instâncias oficiais, dos pescadores locais, bem
como também a visão dos movimentos sociais diretamente envolvidos no processo de
criação da Resex.
De inicio, foram analisadas bibliografias referentes à questão, examinadas
notícias recentes que saíram em jornais sobre a Resex. Em seguida foi iniciado à leitura
dos seis volumes do Processo nº 02019.000307/2006-31 de criação da Resex Sirinhaém-
Ipojuca. O processo continha vários documentos que foram produzidos pelos órgãos
não governamentais que juntamente com a comunidade de pescadores artesanais,
solicitaram ao IBAMA a criação da referida Reserva, bem como os documentos dos
órgãos governamentais envolvidos nesse processo.
Logo após essas leituras, iniciaram-se às entrevistas com alguns dos principais
envolvidos no processo de criação da Resex, os pescadores artesanais de Barra de
Sirinhaém e também com alguns ex-moradores das ilhas. Ao longo da pesquisa, foram
realizadas as seguintes entrevistas:
Frei Sinésio Araújo, Secretário de Justiça, Paz e Ecologia dos franciscanos no
Nordeste e agente da Comissão Pastoral da Terra, entidade que assessorou os
moradores das ilhas na solicitação da Resex.
Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA que coordenou o Estudo
Socioambiental para a criação da Resex.
Ronaldo Santana, Presidente da Colônia de Pescadores de Barra de Sirinhaém e
Pescador da Região.
36
Arlene Costa, Secretária da Colônia de Barra de Sirinhaém e Pescadora da
Região.
Severino Santos, do Conselho Pastoral dos Pescadores, entidade de assessoria
que acompanha os Pescadores dos estados do Nordeste e as solicitações de
Resex no litoral pernambucano.
Cauby Figueiredo Filho, engenheiro agrônomo - Dep. Agrícola da Usina
Trapiche.
Flávio Vanderlei da Silva, pescador e Presidente da Associação dos Pescadores
de Sirinhaém.
João Francisco da Silva, pescador e membro da diretoria da Colônia de Barra de
Sirinhaém.
Sebastião Gaspar Senhorio, pescador e Presidente da Associação Mangue Verde.
8 Pescadores e ex-moradores das ilhas.
As entrevistas com os pescadores foram realizadas durante uma viagem de
campo entre os dias 7 e 10 de outubro de 2010, acompanhando o trabalho de frei
Sinésio Araújo e Plácido Júnior, assessor da CPT, que já havia entrevistado todos os ex-
moradores das ilhas e repassou a indicação dos nomes de alguns pescadores e onde os
mesmos moravam. Nesta ocasião foram visitados os ex-moradores das ilhas, que
atualmente residem em distintas comunidades: Oiteiro do Livramento e Vila Nova da
Cohab, que localizam-se na sede do Município de Sirinhaém; Barra de Sirinhaém e
Casado, que localizam-se em Barra de Sirinhaém (Figuras 2, 3, 4, 5). Foi visitada ainda
a Colônia Z-6, de Barra de Sirinhaém.
Além de fazer entrevistas, houve a participação em algumas reuniões da Colônia
de Barra de Sirinhaém e em algumas Reuniões do Litoral Sul, que reuniam várias
lideranças de todas as colônias do Litoral Sul. Foram visitadas ainda as sedes da
Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Pastoral dos Pescadores, como também a
Prefeitura Municipal de Sirinhaém para recolher informações e materiais de pesquisa.
37
Figura2: Comunidade do Casado. Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém.
Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento. Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab.
Fonte: IBAMA (Luiz Otávio Corrêa).
3.1. Área de Estudo:
O município de Sirinhaém encontra-se a 80 Km da cidade do Recife, têm uma
população de 33.046 habitantes, segundo dados do IBGE (Censo, 2000), e localiza-se
na Mesorregião Mata, Microrregião Meridional do Estado de Pernambuco. Este
município limita-se a norte com Ipojuca e Escada, a sul com Rio Formoso e Tamandaré,
a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com Ribeirão, com área municipal de
352,2km², representando 0,36% do Estado de Pernambuco (CPRM, 2005). É
constituído pelos distritos de Sirinhaém, Barra de Sirinhaém e Ibaritinga. Em Barra de
Sirinhaém existe uma população de 10.045 habitantes, de acordo com o Censo
2000/IBGE.
O rio Sirinhaém nasce na Serra do Alho no município de Camocim de São Félix
com o nome Riacho Tanque das Piabas. Toma, inicialmente, a direção sul e, a seguir, a
direção geral sudeste, cortando os municípios de Bonito, Barra de Guabiraba, Cortês,
Ribeirão, Gameleira, Rio Formoso e Sirinhaém em cujo litoral deságua após compor,
38
com seus vários braços (rios Arrumador, Trapiche, Aquirá, além do próprio Sirinhaém),
um amplo e complexo estuário onde se encontram algumas lagoas, numerosas ilhas e
extenso manguezal com sua variada fauna (Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul,
CPRH, 1999).
Inserida em uma área de cerca de 3.000ha de manguezal, Sirinhaém está incluída
na categoria de “extrema importância biológica” no Atlas de Biodiversidade de
Pernambuco, pela SECTMA (2002). Pois as regiões estuarinas constituem áreas de alta
produtividade e diversidade biológica, uma vez que, pela natureza de seus componentes,
são encontrados, nesse ecossistema, representantes de todos os elos da cadeia alimentar.
E, por se tratar de um local onde várias espécies buscam alimento e refúgio em época de
reprodução.
Sirinhaém tem como principais atividades socioeconômicas a indústria
sucroalcooleira e a pesca artesanal (Figuras 6, 7). Há na cidade uma extensa área de
cana-de-açúcar que pertence predominantemente à Usina Trapiche, existente desde o
século XIX na região. A população da cidade de Sirinhaém é composta por diversos
tipos de pescadores: existem os pescadores permanentes, que pescam o ano inteiro para
o consumo próprio de sua família e venda do excedente. Há o pescador temporário, que
não tem a atividade pesqueira como sua principal fonte de sobrevivência, mas que a
pratica eventualmente e os pescadores ocasionais que são, em geral, pequenos
agricultores e/ou trabalhadores rurais de engenhos próximos à região das ilhas que, na
entressafra da cana-de-açúcar, recorrem à pesca para complementar a alimentação de
seus familiares (IBAMA, 2008).
Figura 6: Indústria sucroalcooleira. (Foto do autor). Figura 7: Pesca Artesanal. (Foto de Luiz Otávio Corrêa).
39
A pesca artesanal tem grande importância na produção pesqueira do estado de
Pernambuco, em 2007 correspondeu a 78,3% de toda a produção pesqueira. A pesca
industrial obteve 0,8% e a aqüicultura 20,9% onde o estado foi o 4º colocado na
produção de pescado e o 1º colocado na exportação da lagosta (881t), segundo dados da
Estatística da Pesca (IBAMA, 2007).
Em Sirinhaém a maior parte da produção é de camarão (58,5%), caranguejo
(45,2%), guarajuba (38,5%) e a lagosta vermelha (30,8%) (Governo de Pernambuco e
Instituto Oceanário, 2009). O município produziu em 2006, 409,5 t de pescado,
correspondendo a 2,9%, da produção estadual (CEPENE, 2006).
Assim como em Sirinhaém, a pesca artesanal também possui grande relevância
no município de Ipojuca, o qual possui em seus limites, a maior parte do estuário do Rio
Sirinhaém. Ipojuca é constituído pelo distrito sede e pelos povoados de Camela, Nossa
Senhora do Ó, Rurópolis, Engenho Maranhão e Porto de Galinhas. Limita-se ao sul com
o município de Sirinhaém e possui além da pesca artesanal uma intensa atividade
turística e industrial, através do Pólo Portuário de Suape. Encontra-se inserido nos
domínios das bacias hidrográficas dos rios Ipojuca, Sirinhaém e do Grupo de Bacias de
Pequenos Rios Litorâneos. O município produziu, em 2006, 291,8 t de pescado,
correspondendo a 2,1 % da captura estadual. A maior parte da produção é de sardinha
(39,8 t), camarões (27,6 t) e agulha (23,6 t) (Governo de Pernambuco e Instituto
Oceanário, 2009).
A pesca artesanal apresenta uma importância histórica e socioeconômica no
Brasil, sendo responsável por cerca de 65% da produção pesqueira nacional (I
Conferência da Pesca Artesanal, 2009) e o litoral sul de Pernambuco, onde a pesca
artesanal tem forte tradição, vem sofrendo com os impactos das atividades turísticas,
industriais e do crescimento populacional (Governo de Pernambuco e Instituto
Oceanário, 2009). Atividades estas que ocasionam à perda da biodiversidade local, a
conseqüente diminuição dos estoques pesqueiros, a sobrepesca, a pesca predatória, além
de conflitos junto a empreendimentos vizinhos que poluem o estuário. Este conjunto de
atividades torna necessárias ações que promovam a proteção deste fundamental
ecossistema aos pescadores e pescadoras artesanais.
40
Figura 8: Imagem de satélite do complexo estuarino do Rio Sirinhaém. Fonte: Google earth, 2007.
41
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
“A proteção do meio ambiente depende do combate à desigualdade ambiental.
Não se pode enfrentar a crise ambiental sem promover a justiça social”
(Acselrad et al., 2009).
Expoem-se brevemente, a seguir, os principais conflitos presentes na criação da
Resex, de maneira suscinta e sem a presunção de esgotar todos os pontos de conflito
existentes.
Apresenta-se um histórico das dificuldades enfrentadas pela população local,
bem como também das enfrentadas pelos demais atores sociais durante o processo de
implementação da Resex, na busca de contribuir para uma maior objetividade das
discussões em torno dos problemas socioambientais.
4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos
“Será esta liberdade, a liberdade de escolher entre ameaçadores infortúnios,
nossa única liberdade possível? O mundo ao avesso nos ensina a padecer a
realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-
lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime assim o
recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de
impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem
graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu
alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contraescola”.
(Eduardo Galeano, 2010)
Entre o município de Sirinhaém e o município de Ipojuca localiza-se o estuário
do Rio Sirinhaém, composto por 17 ilhas fluviais, algumas delas com denominações
próprias: Grande, Clemente, Macaco, Porto Tijolo, Canoé, Raposinha, entre outras.
Estas denominações foram dadas pela população de pescadores artesanais que nelas
habitavam. O manguezal ainda está bem preservado, apesar de ser alvo constante dos
impactos decorrentes dos empreendimentos vizinhos, como a expansão do canavial que
atualmente faz fronteira com o mangue.
Porém, não apenas o mangue tem desaparecido, mas também populações que
tradicionalmente fizeram uso desse ecossistema e que nele residiam, utilizando seus
recursos naturais.
42
A região estuarina de Sirinhaém é uma área da União (“terras de Marinha”), que
desde 1898 foi aforada à Usina Trapiche. Ou seja, a empresa possui o direito de posse a
partir do pagamento de um aluguel anual, sendo a aplicação do regime de aforamento
das terras da União, competente à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Apesar desse ecossistema ser legalmente protegido por diversas leis e decretos,
vem recebendo constantemente a poluição de efluentes domésticos e industriais, entre
os mais freqüentes está o despejo do vinhoto, subproduto da fabricação do etanol a
partir da cana de açúcar. Toda essa poluição tem gerado a diminuição dos estoques
pesqueiros e diversos conflitos entre os pescadores artesanais e as diversas industrias3
canavieiras existentes na região.
A contaminação do estuário de Sirinhaém não foge à regra do que vem
acontecendo nos demais estuários brasileiros, em especial em Pernambuco. Segundo o
estudo socioeconômico elaborado pelo IBAMA nos depoimentos dos ex-moradores das
ilhas, existe um “saudosismo latente que reflete a relação de dependência com o
estuário do rio Sirinhaém; suas falas não mostram apenas conflitos pela posse da área
e uso dos recursos naturais, também explicitam autênticas declarações de amor e
fidelidade ao local em que viram seus descendentes nascer” (IBAMA, 2008 p. 128).
O conflito socioambiental em Sirinhaém é apenas mais um dentro do contexto
sócio-político do estado de PE. Contudo assim como na fábula4 indiana “os cegos e o
elefante”, o que parece é que o meio ambiente é percebido de diversas maneiras pelos
distintos atores sociais envolvidos nesse conflito. Assim como os cegos apenas
perceberam uma parte do elefante, percebe-se nos depoimentos presentes nessa
pesquisa, que cada um percebe o meio ambiente de uma maneira unilateral. E então, se
cada pessoa procurasse unir sua limitada visão às demais experiências certamente os
3 Agroindústrias localizadas na área: usinas Cucaú, Trapiche, Salgado, Ipojuca, Central Barreiros, Santo André e
Bom Jesus. 4 Nessa fábula indiana existe um grupo de cegos que foi levado a apalpar um elefante. Um apalpava a barriga, outro
a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Então, o que tinha apalpado a barriga disse que o
elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até os pelos da extremidade, disse que o elefante
se parecia mais com uma vassoura. O que tinha apalpado a orelha, disse que ele se parecia com um grande leque
aberto. O que apalpara a tromba disse que o elefante tem a forma, as ondulações e a flexibilidade de uma mangueira
de água. Já o que apalpara a perna, disse que ele era redondo como uma grande mangueira e rígido como um poste.
Os cegos se envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros estavam errados.
Evidentemente cada um se apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais podiam
afirmar o que afirmavam.
43
conflitos continuariam a existir, mas, talvez fosse possível ter uma visão mais geral das
questões socioambientais.
A situação de degradação do manguezal e injustiça ambiental já vinha
intensificando-se pouco a pouco, mas, particularmente em 1998 o conflito existente
entre a Usina Trapiche e os pescadores artesanais que habitavam nas ilhas estuarinas do
Rio Sirinhaém culminou em um processo de retirada das 53 famílias que lá residiam e
que possuíam um modo de vida mais isolado e de subsistência. E assim, para tentar
dirimir esse conflito, foi solicitado ao IBAMA a criação de uma Reserva Extrativista na
região.
4.2. Memórias de um lugar
“O pescador artesanal que, equilibrado em sua canoa, com fina destreza e
percepção, joga sua tarrafa para alcançar o cardume visado, sob um fundo em
que se confundem águas e entardecer, torna-se retrato para decorar o cenário
dos agentes que visam suprimi-lo da paisagem real” (Valencio, 2010).
De acordo com relatos de antigos moradores, a ocupação das ilhas do estuário do
Rio Sirinhaém começou por volta do século XX e intensificou-se por volta de 1920
quando a Companhia Agrícola Mercantil de Pernambuco, hoje denominada Usina
Trapiche S.A., construiu um cais para escoar a sua produção. E assim, com o passar do
tempo as famílias que utilizavam os recursos do mangue durante a entressafra da cana
de açúcar começaram a aumentar em número devido aos casamentos entre os membros
da comunidade (IBAMA, 2008).
Essas ilhas possuem tamanhos diversos e as pessoas foram se distribuindo na
área, denominando cada ilha de acordo com as relações estabelecidas com o local e seus
recursos naturais e distribuindo-se a partir de laços de parentesco e compadrio. Segundo
relatos dos moradores, nas ilhas maiores haviam até mais de cinco casas.
E assim essa população residente nas ilhas foi construindo um modo próprio de
interagir com o ambiente. Eles extraiam do mangue os alimentos para a subsistência e
alguns também vendiam o excesso da produção pesqueira. Mantinham pequenas
produções agrícolas e frutíferas, além de criarem animais como galinha, cabra, porco,
entre outros, como relatam alguns ex-moradores das ilhas:
44
“Nasci lá nas ilhas, minha mãe chegou lá em 1914. Eu tive 21
filhos, tenho nove vivos, tudinho morava lá...
Eu criava porco, galinha, inté vaca eu criei.
Eu pescava amoré, guaiamum, caranguejo, siri, aratu, camuri,
arapeba”.
(Ex-morador das ilhas - 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
“A gente pescava caranguejo, botava camboa de rio e de mangue,
pegava Aratu, todo tipo de peixe. Tinha pé de coqueiro, muitas
galinhas, três viveiros de peixe. Quando a safra do mangue
fracassava aí já tinha o viveiro ou senão botava camboa de rio e
de mangue”.
(Ex-morador das ilhas - 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
A partir de 1988, os moradores começaram a ser pressionados pela Usina
Trapiche para saírem das ilhas, a qual possui o aforamento da área desde o século XIX.
Posteriormente, em 1998, com a venda da Usina Trapiche para um grupo alagoano que
atualmente administra a empresa, a pressão para a desocupação das ilhas se intensificou,
com a acusação de que as famílias que lá residiam estavam degradando o mangue.
“Nós quando chegamos aqui e sobrevoamos esse mangue de
helicóptero era de fazer pena. Eram 52 ou 53 famílias habitando
dentro desse mangue, tinha uma área chamada de carvoeiro, que o
pessoal fazia carvão, destruindo a vegetação de mangue.
Plantando lavoura branca dentro, com fruteiras dentro do mangue,
jaca, manga, macaxeira, utilizando madeira pra fazer carvão. Isso
foi um choque ambiental grande pra gente. E a gente foi mal visto
em função de que a gente tentou fazer um trabalho de
conscientização do pessoal pra que tirasse esse pessoal do mangue
pra gente recuperar o mangue”
(Cauby Figueiredo, representante da Usina Trapiche- Entrevista ao
autor, em 28/12/10).
No estudo Socioeconômico realizado pelo IBAMA (2008), um representante da
usina Trapiche S.A. afirma que pelo fato de ter o aforamento da área, esta seria
responsabilizada em caso de favelização e degradação do mangue5.
5 De acordo com o Decreto Federal nº9.760/1946 em seu artigo 70, a foreira da área é obrigada a zelar pela
conservação do imóvel, sob pena de responsabilização.
45
A estratégia utilizada pelos administradores da usina, segundo relato dos
pescadores, passou a ser a demolição das casas e a destruição das lavouras e das
fruteiras, chegando até ao fechamento da escola local.
“Eu morei 42 anos nas ilhas, eu to com 79 anos. Eu tive 23 filhos,
na ilha do Macaco, criava galinha, cabra, porco, cavalo. Tive pé
de jaqueira, mangueira, coco, tem pé de coração de índia,
cajueiro, bananeira... tudo isso tinha...
“A minha casa derrubaram”.
(Ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em 09/10/10).
“Eu tinha cajueiro, mangueira, jaqueira... era de caju como daqui
em camboinha, de caju que a usina derrubou, fora as outras
coisa...”
(Ex-morador das ilhas – 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
“A gente já morou na Raposinho, que a usina chegou a botar fogo,
aí fomos morar lá no Carvoeiro”.
(Ex-morador das ilhas – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
Com a destruição das casas, das lavouras e das fruteiras tornou-se quase
impossível para os pescadores continuarem a habitar nas ilhas. E assim, pouco a pouco
os moradores foram saindo. Alguns mais resistentes chegaram a fazer acordos
individuais com a Usina Trapiche e receberam casas pelo município de Sirinhaém,
pequenas indenizações, material de construção, ou até mesmo empregos. Mas antigos
moradores reclamam que apenas os proprietários dos sítios receberam algum tipo de
indenização e os demais moradores que habitavam na propriedade nada receberam.
Atualmente os ex-moradores das ilhas encontram-se espalhados por diversos
povoados na cidade de Sirinhaém. Alguns passaram a fazer parte da ocupação
desordenada da periferia do município, enquanto outros receberam pequenas moradias
como indenização. A maioria das casas encontra-se em locais de difícil acesso, a
distâncias de cerca de 8 a 10 Km do manguezal, sendo necessário um grande
deslocamento dos pescadores para poder ter acesso ao mangue.
Nas visitas aos ex-moradores das ihas, percebe-se que os mais jovens já estavam
mais adaptados à vida urbana e alguns já haviam deixado de pescar. Porém se
perguntados sobre aonde preferiam viver, todos reportavam-se com saudade do tempo
em que viveram nas ilhas e a maioria manifestava o desejo de retornar.
46
“Lá era bom, muitas vezes a gente sente até falta dali, porque era
um lugar muito assossegado, era um lugar que ninguém chegava
lá. Era uma paz”.
(Ex-morador das ilhas – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
“A gente quer voltar pras ilhas, é o meu lugar”.
(Ex-morador das ilhas – 22 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
“Tinha não, tenho vontade de voltar pra lá”.
(Ex-morador das ilhas – 47 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
Apenas em uma das casas visitadas uma moradora relatou que não tinha mais
condições de saúde para voltar a viver nas ilhas.
“Morar mesmo direto não, porque não tenho mais saúde pra viver
no mangue. Mas os filhos queriam voltar se botassem energia...
Eles vão pescar ainda”.
(Ex-morador das ilhas – 79 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
Em todas as famílias visitadas havia pelo menos um integrante que ainda
praticava a pesca artesanal no mangue. Assim, mesmo retirados das ilhas, os moradores
ainda tinham no mangue um meio de vida.
Os mais idosos apresentavam uma grande tristeza e não adaptaram-se à vida na
cidade. Sentiam falta do modo de vida que possuíam junto ao mangue e ao redor dos
demais integrantes da comunidade, que hoje se encontram espalhados em vários bairros
distintos. Muitos continuavam pescando, mas uma boa parcela já apresentava algum
tipo de enfermidade que impossibilitava a prática da pesca.
A partir da fragmentação dessa comunidade foram se desfazendo os laços que
formavam essa rede social que favorecia a construção da identidade cultural dos seus
integrantes e propiciava um sentido às suas vidas (Rangel, 2007). É perceptível em seus
depoimentos o sentimento de não pertencimento ao lugar no qual habitam atualmente e
muitos não conseguiram se integrar em novas relações sociais junto aos demais
moradores dos locais onde hoje residem.
Segundo relato de frei Sinésio Araújo presente no Estudo Socioeconômico do
IBAMA (2008):
“Problemas de ordem psicológica também são evidentes, pois
muitos entraram em estado depressivo, fruto do comprometimento
de sua identidade que lhe fora negada a partir do momento em que
47
foram forçados a sair de seu habitat natural e mudaram totalmente
a sua maneira de ser e agir. Seu Dudé, por exemplo, teve um filho
morto pelo envolvimento com drogas na periferia da Barra de
Sirinhaém e disse: “se meu filho estivesse nas ilhas, não se
envolveria nesta situação”.
(Sinésio Araújo, agente da CPT, entrevista em 14/04/2008 In:
IBAMA, 2008 p.123).
Segundo Luiz Otávio Corrêa:
“A gente viu muita gente que não se adaptou. Principalmente os
mais idosos. Quem passou mais tempo, quem cresceu ali dentro do
manguezal, tem uma dificuldade muito grande de morar na cidade,
mesmo numa casa ate com melhores condições de moradia, mas
que não tem como tirar seu sustento da cidade, não tem nem
estudo... gente que nunca teve vizinho na vida, você colocar dentro
de um centro urbano, a questão psicológica dela.... Dona Antonia
chora sempre, ela consegue dar um bom quadro das dificuldades
que eles passam... é o ambiente deles.... Dona Antonia morava
numa ilha bem grande lá e praticamente não saia lá de dentro e
tinha uma área grande pra cultivo, tinha frutas, os filhos
pescavam, então a família toda sobrevivia dali, mesmo sem ter
esses luxos, sem ter... tinha a casa de farinha dela que todos os
vizinhos utilizavam também, então eles tinham o jeito deles de
viver ali que não foi levado em conta na hora de sair”.
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA – entrevista ao autor em
29/10/10)
Para tentar imaginar como deve ter sido traumática essa mudança de vida, tal
situação pode comparar-se através de depoimentos de pessoas que passaram um curto
período de tempo em alguma região isolada e que ao retornarem à cidade já não
conseguiam atravessar a rua na mesma segurança de antes, que estranhavam certos
hábitos vistos pelos demais como usuais. E então, pode-se imaginar um pouco, o quanto
deve ter sido traumática a repentina mudança de vida, desses ilhéus que passaram
muitos anos ou até a vida toda em uma isolada região junto ao estuário do rio
Sirinhaém.
Com o passar do tempo as pessoas adquirem um sentimento de apego ao lugar.
Muitos tipos de apego foram sugeridos por Shumaker e Taylor (1983) (apud Gomes,
2008), porém dois podem ser claramente percebidos entre os ex-moradores das ilhas: o
apego funcional (relacionado à satisfação das necessidades básicas proporcionadas pelo
48
local) e o apego emocional (evidenciado pela construção da vida nesse local e pela
proximidade entre os moradores da área).
“Lá é um lugar de barriga cheia, tem lugar pra plantar uma
batata, uma macaxeira, pra pescar o suficiente”.
(Ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em 09/10/10)
“Não gosto de morar em rua, morava dentro do sitio, fiquei com
pena do sitio que ela (a usina) derrubou, era bom o sitio lá de
casa, eu ia pra rua vender manga guaiamum, caranguejo, pegava
o carro de mão de pai e ia a pé mesmo. La não faltava nada dentro
de casa, tinha pé de manga, macaiba, jaca, goiaba, araçá, tinha de
tudo lá que mãe plantava. A gente pegava caranguejo, amoré, pai
botava covo, armava ratoeira pra pegar guaiamum, carapeba.
Muito peixe a gente pegava, camarão, pititinga, cuca, era muito”.
(Ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em 09/10/10).
O geógrafo Yi-Fu-Tuan (1980) denomina de Topofilia o elo afetivo existente
entre a pessoa e o lugar ou ambiente. E afirma que as pessoas em constante interação
com a natureza estabelecem um sentimento mais intenso com o ambiente, por dele
dependerem para sobreviver. Sendo provável que mudanças para outros locais causem
algum efeito psicológico entre os moradores deslocados, devido ao rompimento da
identidade com o espaço e com o grupo. Segundo Castells (2006), as pessoas
transformam o espaço em que vivem em lugar, ao relacionarem-se afetivamente com
ele.
Dentre os vários relatos dos ex-moradores das ilhas, destaca-se um depoimento
que retrata bem qual o sentimento que foi construído pelos pescadores em relação à
região das ilhas, reproduzido abaixo:
A senhora e seu esposo moravam nas ilhas desde quando?
“Morei no sitio 53 anos”.
Qual o nome do sitio que a senhora morava?
“Morava no sitio do Cais, a primeira casa. Quando eu fui morar lá
tinha um pé de pimenta malagueta”.
E a senhora plantou muita coisa?
49
“Vixe Maria, meu Deus, eu não gosto nem de falar, eu e Luis
fizemos o sitio, fiz o sitio... carregava coisa da rua, tinha uma casa
ali, com pé de jaca, de manga, eu dizia: vou levar que no meu sitio
não tem nada. Era uma mata, eu plantei de tudo. Eu perdi muita
coisa, até minha casa de farinha ta por lá. Ainda ta minha prensa,
ainda está lá”.
A senhora criava animais também?
“Criava tudo...”
A senhora teve quantos filhos?
“Tive 11 filhos”.
Quais as espécies vocês mais pescavam?
“Eu pescava camarão, amoré, aratu, siri, era.... e Luis ia na
jangada pescar de linha, de tarrafa, era...”
E então depois vocês ganharam essa casa aqui?
“Foi minha filha, eu ainda fui teimosa, ainda passei oito mês, o
sitio derrubado e eu lá emperrada sem querer sair. Essa casa feita
eu não queria vir não. Eu vim bem dizer nas mãos dos outros”.
Derrubaram suas fruteiras?
“As frutas todinhas, só deixaram a casinha, mais nada...
Derrubaram um pé de jaca meu que fazia dó e piedade, deu dois
caminhões de jaca, eles carregaram. Eu tinha quatorze pés de jaca
e quinze pés de manga e coqueiro, nem falo... e mais pé de laranja,
cravo, tudo... a ilha era grande, tinha escola, tinha tudo”.
Derrubaram também a escola?
“Só queria que você visse que jeito ficou... Fizeram de propósito,
desagasalhou muita gente. Eu vou dizer a você eu vim pra qui mas
não me dei não, acredita?
Eu estou morando aqui, mas eu não vivia numa vida dessa que eu
estou, numa condição dessa... Eu perdi minha saúde, tenho medo
de andar, não vou na rua, vez em quando é morrendo, eu lá morei
esse tempo todinho, onze filhos e nunca tive nada, foi eu bater aqui
e com dois meses acabou minha saúde até a data de hoje.
Ainda ontem eu tava dizendo... sei não meu Deus. Se não fosse
proibido eu já tinha ido pra debaixo de um pau. Não sei se foi o
costume, não me dou aqui não.
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Essas casas todinhas aí me pergunte que jeito é, que não sei de
nada, de nada, de nada, não vou pra canto nenhum é o dia todinho
dentro de casa e sem poder andar, perdi a perna, doente”.
Seu esposo ainda vai pescar?
“Luis, só quando ele morrer ele deixa...
Ele não vai todo dia não, mas vez em quando ele vai, porque não
tem onde guardar as coisas, onde botar. Vai duas, três vezes por
semana.
E bagre não falta na mão dele... Ele tem muito amor às ilhas, ele tá
com 76 anos.
Passa o dia, leva comer, lá por debaixo dos pés de pau, pelo
mangue e lá ele fica. Quando ele vem eu pergunto:”ô, Luis,
passasse por lá, passasse por lá?”
Ele diz: “Antonia é capaz de nem saber onde é...”
E eu não fui mais lá não. Eu digo: “tu visse algum pé de coisa...”.
“Olha Antonia aquele pé de manga que tu plantasse lá no sitio lá,
ainda tem ele”.
Ô meu Deus... Eu só vivia lá pelas ilhas, era pescando amoré,
tinha saúde, criava boi... galinha.
Eu perdi 75 cabeça de galinha, fora os pintos, cada galo bonito
essa menina, duas peruas, um peru.
Nada, roubaram tudinho, tudinho, tudinho... Eu ia trazer pra qui,
pra onde? Um lugar desse... isso é lugar de nada... Perdi muita
coisa essa menina, muito mesmo”.
E se for criada a reserva extrativista a senhora ainda volta a morar
nas ilhas?
“Na mesma hora, volto na mesma hora. Ta vendo eu arrastando
assim... vixe Maria, nem diga uma coisa dessa... eu dona Cosma...
quem era dona Cosma, perdemos a saúde da gente.. a gente vivia
do mangue...”
(Ex-morador das ilhas - 70 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).
Em resumo, hoje os ex-moradores das ilhas enfrentam as dificuldades de
adaptação a uma vida bem diferente da qual eles estavam acostumados, perderam a
fonte de subsistência que compreendia não só o manguezal, mas também os cultivos, as
fruteiras e a criação de animais. Distanciaram-se dos laços afetivos construídos durante
os vários anos de convivência e foram obrigados a aumentar a lista das pessoas que
dependem da ajuda assistencialista do governo para sobreviver. A grande maioria desses
pescadores nunca contribuiu para a previdência e por isso encontram-se desassistidos
pelo INSS. Além de tudo isso, a desterritorialização do grupo social que habitava as
51
ilhas afastou os pescadores do manguezal e os pulverizou no espaço, contribuindo para
desagregar os laços sociais costumeiros deste grupo tradicional.
4.3. O acirramento dos conflitos
“Ocasiões de conflito liberam relações sociais na medida em que são, ao mesmo
tempo, relações de força e relações de sentidos” (Beaud e Weber, 2007).
Percebendo a forte ligação dessas pessoas com o lugar, como também a
importância desse ecossistema na dinâmica local, a Comissão Pastoral da Terra6
juntamente com diversas ONGs e apoiada por um abaixo assinado dos ex-moradores
das ilhas, solicitaram em 2006 a criação de uma UC de uso sustentável na região.
Atuando desde a década de 80 na região de Sirinhaém, a CPT acompanhou e deu
assistência aos pescadores que moravam na região das ilhas através de projetos diversos
desenvolvidos por frei Hilton, que inicialmente não encontrou grandes dificuldades para
desenvolver os trabalhos sociais da CPT com esses pescadores. Mas, posteriormente,
muitos conflitos começaram a surgir e foram bastante noticiados pela imprensa local
(anexo I). Frei Sinésio relata que, ao perceber a intensificação do conflito entre os ilhéus
e a usina, a entidade começou a conscientizar a comunidade pela busca de seus direitos.
Os administradores da usina alegaram que existia um contrato de comodato de
10 anos feito em 1988 com os moradores das ilhas e que portanto, estaria sendo vencido
em 1998 (anexo II). Porém, pelos documentos que foram encontrados sobre esse
comodato, sabe-se que o mesmo apenas se referia às famílias que moravam em duas das
17 ilhas habitadas, segundo relata o agente da Pastoral dos Pescadores:
“A gente avaliava desde o inicio que assim, se tivesse que sair, só
quem poderia sair da área era quem morava na ilha de
Constantino e do Clemente, porque eram as duas ilhas que tinham
no termo de comodato. As outras ilhas não estavam no termo de
comodato, não tinha nenhuma referencia no termo de comodato
pelo que a justiça colocava e também o aforamento que a usina
tinha não era claro em relação às outras ilhas, era claro só sobre
essas duas ilhas”.
(Severino Santos, da CPP – Entrevista ao autor em 15/12010).
6 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma entidade de defesa dos direitos humanos e dos direitos dos
trabalhadores da terra, ligada à Igraja Católica. Essa entidade nasceu em 1975, durante a ditadura militar, com o
objetivo de defender na época, sobretudo os direitos dos trabalhadores rurais da região amazônica. E assim a CPT
passou a atuar em todo o país adequando suas ações de acordo com a demanda local.
52
Ainda em 1998, o Conselho Pastoral dos Pescadores7 (uma outra entidade social
ligada à Igreja Católica e bastante atuante na região costeira de Sirinhaém) já havia
solicitado ao governo e ao Serviço de Patrimônio Publico de PE a desapropriação da
área pertencente à Marinha ocupada pela Usina Trapiche, bem como também um
levantamento sobre os débitos referentes ao não pagamento de alguns foros pela referida
usina e ainda a apreciação de denuncias de incêndios e derrubadas de algumas casas dos
pescadores da região (Anexo III).
O representante do CPP-Nordeste narra os acontecimentos deste período (anexo
IV):
“De 98 pra cá o CPP veio dando uma ajuda, um acompanhamento
jurídico dos processos, que foram vários processos, um atrás do
outro. Tinha esse processo das duas famílias que a usina tinha
pedido o cancelamento do termo de comodato e depois disso veio
surgindo vários processos com denuncia das ações, que
funcionários da usina, pessoas ligadas à usina começaram a
agredir os pescadores: a queimar casa, a destruir roça, a soltar
animal, a destruir os aparelhos de pesca e aí foram surgindo
vários processos, varias denuncias formais, na delegacia do
município, no fórum tem pra mais de 40 denuncias”
(Severino Santos, CPP - Entrevista ao autor em 15/12/10).
Em 28 de dezembro de 1998, nos últimos dias de mandato do governador
Miguel Arraes, enquanto estes conflitos aconteciam, o Governo do Estado criava a Área
de Proteção Ambiental de Sirinhaém8, em âmbito estadual, que inclui os manguezais do
rio Sirinhaém. Gianinna Cysneiros, técnica da Secretaria Estadual de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA) que participou dos debates no período, conta
à equipe da Fundação Joaquim Nabuco (Beatriz Mesquita, comunicação pessoal) que a
APA de Sirinhaém fora criada porque quando os conflitos se acirraram em Sirinhaém,
os moradores e suas entidades assessoras solicitaram que as ilhas fossem incorporadas
na vizinha APA de Guadalupe. Como tal incorporação não era viável a curto prazo,
optou-se por um decreto criando uma nova APA, a de Sirinhaém. Esta APA até o
7 O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) é uma Pastoral Social composta por diversos agentes comprometidos
com uma sociedade mais justa e solidária para os pescadores e pescadoras artesanais. O trabalho da CPP foi iniciado
em 1968 em Pernambuco e mais tarde espalhou-se por todo o Brasil. Atualmente, a CPP acompanha e desenvolve
diversos projetos junto às colônias de pescadores da região, em Sirinhaém vem atuando desde 1984. 8 Decreto n.º 21.229 de 28 de dezembro de 1998.
53
presente momento, 13 anos depois, ainda não foi implantada. Posteriormente, foi feita
uma recomendação para a proteção do estuário de Sirinhaém através da criação de uma
Resex, presente no Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul (CPRH, 1999) e no
Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Sul (CPRH, 1999).
Entre 1998 e 2000, período de intensificação dos conflitos, muitos fatos
contribuíram para a desarticulação da comunidade de pescadores das ilhas: frei Hilton
foi transferido para outro estado e importantes lideranças no processo de resistência
local, como o presidente da Associação dos Pescadores e Pescadeiras da Ilha de
Sirinhaém e a representante local do CPP junto às famílias, foram contratados pela
usina, desmobilizando a atuação desta entidade na região. E então os pescadores foram
pouco a pouco deixando suas casas.
Outro fato que contribuiu para a saída dos pescadores das ilhas foi às intensas
chuvas:
“em 2000 teve as chuvas no litoral sul e as casas dos pescadores
dentro das ilhas foram todas atingidas, a maior parte delas
caíram. A usina não deixava construir, eles não tinham recurso
financeiro pra construir fora. Nesse período a gente recebeu a
visita de um grupo da Holanda, que sempre a cada dez anos eles
fazem visita no CPP e eles foram lá. A gente tava com atividade
marcada pra lá e eles foram e deu origem a um projeto de
reconstrução das casas. Aí nesse processo foi feito muita
cooptação de liderança por parte da usina, tanto dos moradores
das ilhas, tanto como da pessoa que trabalhava em nome da CPP
na área. É tanto que a gente liberou em cheque recurso pra
construção de 25 casas, só foram construídas 12. E dessas 12,
quando a gente foi fazer a avaliação, apenas 8 estavam em pé, as
outras as pessoas já tinham, não sei de que forma, se amigável ou
pressionado, negociado com a usina e saído e estavam morando na
periferia de Sirinhaém. Foi feito ainda um convenio da usina com
a UFRPE e a CPRH e de certa forma, quem passou a ser o gestor
ambiental da área foi a própria usina. E com a saída da família,
eles desmatavam todo o sitio que tinha, todos os pés eram
derrubados e eram plantadas arvores que não tinham fruto. Era o
ingá e a sabiazeira. Aí eles desmatavam todo o sitio para o
pescador não voltar a viver lá, pra não ter nada pra ninguém
buscar. A usina começou a colocar placas dizendo que era área de
preservação, que o pessoal não podia estar lá. (Severino Santos,
CPP – Entrevista ao autor em 15/12/10)
E dentre as diversas tentativas de legitimar suas ações, a Usina Trapiche chegou
a acusar os moradores por crimes ambientais ainda em 1998. E um Inquérito Civil
54
Público chegou a ser instaurado pelo Ministério Público para apurar as denúncias.
Técnicos do IBAMA e da CPRH compareceram ao local, mas não constataram a
destruição do meio ambiente. Pois o desmatamento provocado pelos pescadores era
incipiente e não representava risco ao meio ambiente, como relata Severino Santos
(Anexo V):
“Com o fechamento do termo de comodato a usina acusou os
pescadores de estar depredando o meio ambiente e entrou com
uma ação judicial solicitando o despejo de todas as famílias. Na
ocasião a gente fez um levantamento junto a GRPU e a usina tinha
sim o aforamento da área, só que estava atrasado há mais de 20
anos com pagamento do foro. A denuncia de depredação foi
averiguada pela CPRH e pelo IBAMA, no final de 98 teve uma
audiência publica no município aonde a CPRH e o IBAMA
apresentou o relatório que já tinha entregado antes, como peça do
processo, aonde eles colocavam que as famílias que moravam nas
17 ilhas não tinham agressão ao meio ambiente e que funcionavam
até como fiscalizadores ambientais da área”.
(Severino Santos, CPP – Entrevista ao autor em 15/12/10)
Em contrapartida, condutas lesivas ao meio ambiente foram descritas pelos técnicos
ambientais da CPRH que multaram a Usina por derramar o vinhoto nas águas do
estuário, além de serem acusados de também plantar espécies exóticas nas ilhas. Mas
sempre a usina recorreu de tais multas.
Contudo, segundo depoimento do representante da Usina Trapiche:
“Quanto à vinhaça, toda a vinhaça da usina Trapiche ela é
aproveitada no campo. O rio Sirinhaém é composto por 4 usinas
do setor sulcroalcooleiro e nós somos a ultima, ou seja, nós somos
final de linha. Então tudo que venha acontecer de poluição no rio
Sirinhaém vem finalizar na usina Trapiche. Tudo que vier de
poluição, no final, vai cair na foz. E a gente está em cima da foz, a
maré sobe, o rio sobe e aquilo fica concentrado justamente nas
áreas da usina Trapiche. Então muitas das atribuições de poluição
que ocorrem se joga pra usina Trapiche. Ou seja, até agora nesses
treze anos e meio que a gente tá aqui, com todas as denuncias que
existem, nunca conseguiram provar que veio uma poluição da
usina Trapiche, porque realmente a gente não polui. Nós temos a
mentalidade que o vinhoto é importante pra empresa e jogando ele
no rio é a mesma coisa que jogar dinheiro fora” (Cauby
Figueiredo, representante da Usina Trapiche – Entrevista ao autor
em 28/12/10).
55
Devido a tais acontecimentos, em 2003 poucas famílias ainda continuavam a
morar na região das ilhas estuarinas. Nessa mesma época, segundo depoimento de Frei
Sinésio Araújo, um trabalho para restabelecer a confiança dos pescadores foi iniciado
pela CPT no intuito de garantir o direito da comunidade ao território de pesca utilizado
tradicionalmente pelos mesmos.
A maneira como a Usina Trapiche encaminhou todo o processo de expulsão dos
ilhéus é bastante controverso, pois segundo representantes da empresa tudo foi feito de
forma pacífica. Segundo, Cauby Figueiredo, engenheiro agrônomo da Usina Trapiche:
“Nós tiramos esse pessoal gradativamente, aos poucos, aonde
íamos fazendo um trabalho de conscientização. Tanto é que não foi
nada forçado, que não foi nada de maneira agressiva que as
ultimas que saíram agora... já que não tava conseguindo sair de
uma forma assim, consciente, de uma forma tranquila... nós
tivemos que apelar para o lado jurídico. Mas as outras 51 famílias
saíram de uma forma gradativa, na medida em que a gente ia
convencendo, conscientizando e a gente dava uma área pra eles
construírem uma residência e onde tinha uma qualidade de vida
melhor, mais perto da zona urbana, com uma casa de melhor
qualidade, melhor padrão, uma melhor condição de vida” (Cauby
Figueiredo, representante da Usina Trapiche – Entrevista ao autor
em 28/12/10).
De acordo com depoimento de Severino Santos (CPP), e também em entrevista
dos representantes da Usina Trapiche presente no Estudo Socioeconômico elaborado
pelo IBAMA, quando a notícia de que a usina iria indenizar as 53 famílias que residiam
nas ilhas se disseminou houve um aumento populacional na área e então vários conflitos
foram gerados pela derrubadas das casas. Contudo, tal fato apenas causou o aumento
dos conflitos já existentes, pois os antigos moradores das ilhas já estavam sofrendo com
as conseqüências das ações da usina pela desocupação da área.
A intenção dos administradores da usina era fazer um acordo coletivo com os
moradores mais resistentes, mas devido ao apoio das entidades que acompanhavam os
pescadores, esses começaram a não aderir às pressões e então a usina começou a fazer
acordos individuais, a partir das diversas ações impetradas no órgão judicial local.
Nessas audiências cada morador recebia uma pequena casa e alguns também uma
irrisória quantia em dinheiro. Essas audiências eram na presença do próprio ministério
56
público do município, além das demais entidades de direitos humanos que
acompanhavam esse conflito. No entanto, as ações de reintegração de posse foram
julgadas procedentes na Justiça Estadual e onde foi negado inclusive o direito de
retenção das benfeitorias feitas pelos moradores (Leroy, 2004).
Entre 2005 e 2006, restavam cerca de 5 famílias morando nas ilhas:
“Na ilha que tinha oito famílias estava só duas famílias e a maior
parte com a idade já avançada. Ai se sentiram assim... que
sozinhos lá dentro não iam conseguir, se os outros tivessem ficado,
se todos as oito tivessem ficado eles tinham a comunidade pra
resistir, mas como tava só as duas, eles não tinham mais forças pra
continuar lá dentro, aí eles negociaram, saíram, foram uns dos
últimos a saírem antes de Nazaré” (Severino Santos, CPP -
Entrevista ao autor em 15/12/10).
O fato sobre como foi o processo de retirada dos pescadores das ilhas, se
arbitrário ou conciliativo, é apenas o pano de fundo de uma evidência maior: a de que a
complexidade e a diversidade das formas locais de imaginação do território foram
reduzidas a um conjunto de “imóveis” a serem removidos, ou seja, a existência de uma
forma coletiva de viver e relacionar-se com o ambiente foi vista a partir de processos
mercantis de indenizações feitas aos moradores (Zhouri & Oliveira, 2010).
Segundo Valencio (2010), o projeto de desterritorialização da pesca artesanal
promove uma dissociação entre o individuo e sua prática e ainda tenta impor às pessoas
as formas capitalistas de trabalho. E ao “negar-se como individuo e como parte de um
grupo, desintegra-se rapidamente em outros fazeres e saberes homogeneizados e a
contento da lógica e das relações macroenvolventes que se apossam do território”.
Ao iniciar a pesquisa, apenas duas famílias continuavam a morar nas ilhas, as
irmãs Nazaré e Graça. Mas, ao fim do mês de outubro uma decisão judicial as obrigou a
abandonar àquele lugar ao qual há tanto tempo habitavam. Infelizmente não foi possível
visitá-las lá nas ilhas, e hoje elas residem no distrito de Santo Amaro, em Sirinhaém. De
acordo com a ação judicial, a Usina Trapiche não era obrigada a indenizar essas duas
famílias, mas apesar dessa “injustiça da Justiça” a usina decidiu construir suas casas em
um terreno repassado pela mesma.
Atualmente a situação dos ex-moradores das ilhas é bastante precária, pois a
grande maioria encontra-se desempregada, percorre grandes distancias para ter acesso
57
aos recursos pesqueiros do mangue e nas atuais moradias não há espaço para guardar as
jangadas que antes eles possuíam. Muitos relatam ainda que antes, colocavam os
apetrechos de pesca no mangue e iam realizar outros afazeres, retornando
posteriormente para pegá-los. Mas, hoje a distância, como também a fiscalização da
usina dificultando o acesso dos pescadores ao mangue, são fatores que tem levado ao
abandono da prática de pesca.
Assim, a criação de uma Reserva Extrativista é bastante defendida pelas diversas
entidades socioambientais atuantes em Sirinhaém, pois tais entidades vêem na
implantação de uma Resex Federal a possibilidade de estar garantindo a manutenção
dos modos e hábitos de vida desses povos e ainda a conservação e gestão dos recursos
naturais presentes na área. Até porque a criação de uma Resex possibilitaria que a
própria comunidade continuasse a fiscalizar a área da poluição industrial.
Por possuírem uma intrínseca dependência dos recursos naturais, esses povos
não têm um grande potencial de mobilidade e a desestabilização dessas formas de
apropriação não capitalista da natureza costuma ficar invisível frente aos grandes
projetos de “desenvolvimento” que geram poucos empregos, mas em contrapartida, põe
em risco a subsistência de inúmeras pessoas (Acselrad et al., 2009).
4.4. O processo de criação da Resex e suas dificuldades
“O capitalismo contemporâneo não necessita de um regime político totalitário
para exercer sua hegemonia. Mas ele não estaria querendo impor uma ideologia
totalitária, pretendendo explicar todo o ser humano, ao reduzi-lo a um
consumidor e produzir uma sociedade em que tudo lhe é subordinado?” (Leroy,
2010).
Em 1998 ocorre uma viagem de técnicos do Centro Nacional de Populações
Tradicionais (CNPT) IBAMA, pelo litoral de Pernambuco, identificando demandas dos
movimentos sociais para proteção de áreas costeiras onde havia populações tradicionais
(Silveira, 2009). Neste período as primeiras Resex em áreas florestais já haviam sido
criadas na Amazônia há alguns anos e o conceito de Resex Marinhas se fortalecia.
Assim, a criação de Resex apareceu como uma forma interessante para os pescadores de
dar um encaminhamento institucional para os conflitos que aconteciam no litoral
pernambucano. Surgiram então propostas de Resex em Sirinhaém, onde havia
envolvimento da CPT e do CPP, e no Litoral Norte do estado, com atuação do CPP.
58
As diversas entidades sociais atuantes em Sirinhaém tentaram através de
denúncias aos órgãos governamentais proteger os direitos dos pescadores locais. Diante
dos recentes acontecimentos na política ambiental com o fortalecimento da proteção aos
povos tradicionais e da possibilidade de criação das Reservas Extrativistas, essas
entidades sociais passaram a discutir com os pescadores essa possibilidade de luta pela
obtenção de seus direitos de acesso ao território e de preservação dos recursos naturais,
os quais são à base de subsistência desses pescadores.
Durante o processo de solicitação da Resex, foi feito um pedido ao GRPU para
que a área em questão voltasse aos domínios da União. E então, devido às denuncias de
poluição ambiental ao estuário de Sirinhaém e pelo fato do regime de aforamento da
Usina Trapiche ter caducado por motivo de não pagamento de alguns foros, sendo tal
dado publicado no D.O. de 26 de julho de 1989 (Página 320 do volume II do processo
de criação da Resex), a GRPU-PE cancelou o aforamento da Usina Trapiche em 2007,
observando também que tratava-se de uma área de interesse público (Anexo VI).
Mas, tal aforamento foi renovado após a Secretaria do Patrimônio da União em
Brasília, instância suprema nesse caso, vinculada ao Ministério do Planejamento, ter
decidido em favor da Usina Trapiche.
Nessa mesma época, já estava em andamento em Pernambuco o processo de
criação da Reserva Extrativista Acaú-Goiana, na divisa entre Pernambuco e Paraíba,
que foi criada em 2007, por uma modificação da proposta inicial de uma Resex da Mata
Norte de Pernambuco. A solicitação da Resex Sirinhaém-Ipojuca pelas entidades dos
pescadores, apoiada pela Comissão Pastoral da Terra, entre outras ONGs foi feita no
inicio de 2006. E ainda no fim desse mesmo ano, os técnicos do IBAMA visitaram a
área e sugeriram que um estudo socioambiental fosse feito na região.
Em 2007, o trabalho em Sirinhaém foi intensificado, após a finalização dos
trabalhos na Resex de Acaú-Goiana. E, ao final do ano de 2007, foi iniciada pelo
IBAMA a elaboração dos estudos para a criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca:
“Em abril a gente fez a primeira vistoria, ao estuário.
Inicialmente, conhecer as ilhas, conhecer o rio Sirinhaém, aquela
região, ver como estava o manguezal”.
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA – Entrevista ao autor em
29/10/10).
59
Na solicitação da Resex existia também um pedido para a desapropriação dos
Engenhos Anjo e Sibiró que fazem fronteira com o mangue, sendo denominados de
restinga. Pois está área era vista como um espaço para fazer as moradias dos pescadores
e a sede da Reserva. Segundo dados contidos no Processo de criação da Resex, tais
engenhos possuíam cadastro na SPU com conceituação de Marinha (Pag. 64 do
processo nº 02019. 000307/2006-31, IBAMA). No entanto esses engenhos não fizeram
parte da área prescrita pelo IBAMA na demarcação da Resex:
“No processo eles solicitavam a criação da reserva extrativista e
também a desapropriação dos engenhos pra ter as famílias
assentadas.... Mas, desde o inicio a gente deixou claro pra isso,
que já não era mais papel do IBAMA a gente trabalhar com os
engenhos. O papel da gente era ver a reserva extrativista, a área
que eles podiam utilizar.
Algumas partes pegavam área de mangue, mas era... Engenho de
cana de açúcar, não sei se era da usina Trapiche, mas que estava
no entorno daquele manguezal e também estava dentro da área do
aforamento que a usina tem. Aí teria que ser um processo paralelo
com o INCRA...
Então teve um certo debate, uma discussão: porque a gente falou
vai levar em conta o que? A área que eles utilizam, o manguezal ou
a gente vai pensar numa área pra estar de repente.... Então até
onde tem mangue a gente colocou como área da reserva.
Outra discussão foi em relação à questão marinha, se a reserva
sairia para o mar também ou ficaria só dentro do estuário... Até
pelo publico da gente, questão dos moradores das ilhas, eles não
praticarem a pesca de fora, mas pescarem só dentro do manguezal,
e pela resistência do poder municipal e da própria usina, a gente
falou... foi ate um fator de a gente não entrar em área de cana foi
essa, ne... de ser mais fácil...”
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em
29/10/10).
Outra dificuldade enfrentada pelos técnicos do IBAMA durante a realização dos
estudos para a criação da reserva foi a divisão do IBAMA com a criação do ICMBio. As
vistorias técnicas em Sirinhaém estavam sendo feitas em abril de 2007 e enquanto o
IBAMA se preparava para dar início ao estudo socioambiental, o ICMBio foi criado em
setembro desse mesmo ano:
“Então esse processo sairia da mão do IBAMA e seria
responsabilidade do ICMBio, que foi criado e não tinha estrutura
60
nenhuma aqui ainda. Era mais o pessoal, cada um ligado a sua
diretoria. Cada um ligado a sua Unidade de Conservação, mas
não tinha uma coordenação estadual, regional, nada disso, que era
quem seria responsável por tocar isso. Pois não dá para cada um
sair de sua unidade de conservação pra ir iniciar um processo
desses, né.
Mas, a gente decidiu que como o IBAMA começou, mesmo não
sendo responsabilidade mais, mas como a gente deu inicio a esse
processo a gente vai tocar isso. Só que o grande problema era
isso... O IBAMA não tinha recurso pra fazer esse trabalho e na
época o ICMBio também não tinha como pagar para o IBAMA... a
questão das diárias, tudo que a gente precisava pra fazer esse
trabalho em Sirinhaém. Então atrapalhou nesse sentido porque a
gente começou o trabalho em outubro, primeiro de outubro de
2007 a gente iniciou os estudos e sem recurso nenhum, durante
todo o processo a gente não recebeu nada pra fazer esse trabalho.
A distancia favorecia né, o trabalho até demorou um pouco porque
a gente não tinha como chegar e ficar uma semana em Sirinhaém,
porque a gente não tinha recurso pra estar garantindo a
hospedagem e a alimentação da gente. A gente ia fazer o trabalho
e no fim ou inicio da noite a gente voltava pra Recife, às vezes até
no dia seguinte a gente ia de novo pra Sirinhaém fazer o trabalho e
retornava”.
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em
29/10/10).
Durante a definição da área da reserva, o IBAMA decidiu incluir todo o
manguezal que perfaz o estuário do Rio Sirinhaém, mesmo não fazendo parte da
solicitação inicial no pedido de solicitação da Resex, pois não era viável criar uma
reserva apenas para proteger alguns rios e outros não.
“A solicitação foi feita em cima das 17 ilhas e também já pega até
área de Ipojuca, tem algumas ilhas que estão já do lado de
Ipojuca, mas é metade do estuário só. Tem toda aquela parte norte
que esta em Ipojuca, proximo de Serrambi, em toquinho que não
esta na solicitação, mas faz parte do mesmo sistema. Então a gente
viu que não adiantava estar protegendo uma área, estar criando a
reserva pra uma área e deixando a maior parte do estuário lá em
cima sem estar protegido”.
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em
29/10/10).
Na definição da área da Resex, ao fim dos estudos, julgou-se necessário incluir
todo o manguezal do estuário do Rio Sirinhaém e grande parte desse mangue localiza-se
61
já em Ipojuca, porém devido aos vários contratempos e por já existir o ICMBio, não foi
possível realizar um outro estudo socioambiental em Ipojuca. Mas, como os pescadores
de Ipojuca possuíam características parecidas com os pescadores de Barra de Sirinhaém,
não haveria um grande acréscimo de informações ao estudo já realizado:
“A gente entrou em contato com a colônia de pescadores de Porto
de Galinhas, que a gente já tinha feito contato e pediu que fosse
agendada uma reunião, antes ainda da oitiva, já em 2009 e antes
da consulta publica, pra que a gente entrasse em contato com esse
pessoal de Serrambi que a gente não tinha tido até porque a
decisão de incluir Ipojuca surgiu durante a realização do estudo
ambiental, então o socioeconômico realmente foi focado na área
de Sirinhaém. Mas a gente logo viu que não tinha muita diferença
entre o pescador de Barra de Sirinhaém e o pescador de Serrambi
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em
29/10/10).
Mas, alguns fatos dificultaram a realização da reunião do IBAMA em Ipojuca,
pois algumas autuações aos pescadores locais tinham sido feitas recentemente por uma
outra equipe de fiscalização do IBAMA:
“Por causa das invasões de mangue lá em Serrambi, um problema
serio, em 2009 o IBAMA tinha feito uma grande operação lá,
foram mais de 200 famílias autuadas porque estavam morando
realmente dentro do mangue, casa construída lá dentro e foi
justamente nas vésperas que a gente foi fazer esse trabalho em
Serrambi. Então quando a gente chegou lá... até a reunião seria na
associação de moradores de Serrambi, e como o presidente da
associação soube que era uma reunião com o IBAMA, ele nem
deixou a gente entrar lá, “porque se vocês entrarem aqui vão
achar que fui eu que fiz a denuncia das invasões, melhor não fazer
pra não dar problema” e aí a gente foi ate para a casa de um
morador lá de Serrambi e a reunião foi feita lá no terraço com
alguns pescadores de lá. Cerca de 15 a 20 pescadores que faziam
parte da colônia, que é a colônia de Porto de Galinhas e o pessoal
de Serrambi faz parte como uma única colônia. Mas realmente
nessa reunião tinha muita gente de barco de pesca, mas o pessoal
que pesca no mangue de Serrambi justamente foram os que foram
autuados, são os que estão morando lá dentro, então esses ficaram
até com medo... que acharam que era uma reunião pra pegar nome
pra tirar eles de lá”.
(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em
29/10/10).
62
O estudo socioambiental foi finalizado em janeiro de 2008 pelo IBAMA e para a
realização do estudo ambiental foi contratada uma consultoria. Os dois estudos foram
enviados à Brasília (DIUSP-ICMBio) na metade do ano de 2008, já com o mapa e o
memorial descritivo da área. Os estudos foram aprovados em Brasília e o próximo passo
seria então marcar a consulta pública.
“A data foi definida (a data da oitiva) e aí ate falamos: vai ter dois
ônibus saindo um de Porto de Galinhas e um de Serrambi,
justamente pra que esse pessoal esteja participando também da
consulta publica. Como a reunião tava marcada pra Sirinhaém
então a gente tinha que ter essa responsabilidade de estar
garantindo o transporte pra esse pessoal estar participando do
processo lá. E aí a audiência publica foi numa sexta e na quinta
feira de manhã foi feita a oitiva lá em Serrambi, lá a gente
apresentou a proposta da criação da unidade pra eles, tiramos as
dúvidas que eles tinham e lembramos que no dia seguinte iam ter
os ônibus levando o pessoal.
Foram três ônibus, como a consulta publica foi na Barra de
Sirinhaém: um saindo do centro de Sirinhaém até a Barra, um
outro saindo de Serrambi ate a Barra e um outro saindo de Porto
de Galinhas, entrando lá em Nossa Senhora do Ó e também indo
pra lá e alem disso uma Kombi do povoado de Santo Amaro lá em
Sirinhaém pra também participar, porque a gente tem algumas
famílias de ex-moradores das ilhas que moram hoje em Santo
Amaro ou pescadores de Santo Amaro que utilizam aquela área,
então outra coisa que a gente tem que levar em conta, alem da
infraestrutura do local, onde vai ser realizada a consulta, também
garantir o transporte pra comunidade tradicional estar
participando”. (Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA -
Entrevista ao autor em 29/10/10).
A consulta publica ocorreu em 21 de agosto de 2009, aproximadamente um ano
após o processo ter sido enviado à Brasília para ser analisado pela DIUSP (Diretoria de
Uso Sustentável e Populações Tradicionais) do ICMBio. Inicialmente a data da consulta
pública era 15 de junho, mas a pedido do Governo do Estado que alegou não ter sido
consultado, a data foi adiada e remarcada para agosto após a Secretaria Estadual de
Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA) ter submetido à votação no Conselho
Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) de uma moção de repúdio ao processo de
63
criação da Resex (Apêndices). E, no dia da consulta pública, apesar dos muitos
entraves9, a maioria da população presente se colocou a favor da criação da Resex.
Atualmente o processo para a criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca que possui
2.649,13 hectares de área, encontra-se totalmente finalizado e a Resex aguarda tão
somente o seu Decreto para ser definitivamente implantada e dar prosseguimento aos
demais procedimentos.
Este trabalho foi escrito mais de um ano depois da realização da audiência
pública. Segundo técnicos do ICMBio, a proposta de criação da reserva, neste
momento, já foi encaminhada à Casa Civil da Presidência da República, aguardando
aprovação. No ano de 2010 nenhuma nova Reserva Extrativista foi criada no Brasil,
apesar de solicitações surgirem de todas as regiões do Brasil. Um motivo para isto é que
a Casa Civil da Presidência da República passou a adotar como prática consultar as
Casas Civis dos estados sobre a criação de unidades de conservação ambiental federais.
Os governos estaduais, em geral mais preocupados com o desenvolvimento industrial
que com as populações tradicionais, tem se posicionado contrário à criação de Resex.
No caso de Pernambuco, o Governo Estadual tem se posicionado exatamente desta
forma, tanto em relação à Resex Acaú-Goiana, quanto à Resex de Sirinhaém. A
estratégia do Governo Estadual para inviabilizar a Resex tem sido a criação e
implantação de Áreas de Proteção Ambientais estaduais, que não tem como principais
beneficiários os pescadores artesanais. O órgão ambiental estadual (CPRH), tentou dar
início, no segundo semestre de 2010, ao processo de implantação da APA de Sirinhaém,
como estratégia de desmobilizar a criação da Resex. Os representantes dos pescadores
reuniram-se e decidiram não comparecer à reunião marcada pela CPRH, pois estavam
interessados no andamento da Resex.
No mesmo período, o Governo do Estado convidou também o ICMBio para um
debate sobre se as Resex solicitadas deveriam ser federais ou estaduais. Segundo a
representante da superintendência regional do ICMBio, Marisanta Nóbrega informou ao
pesquisador Pedro Silveira, o ICMBio recusou-se a continuar tal debate pelo fato de os
pescadores, solicitantes e principais beneficiários da Resex, não terem sido chamados a
participar desta discussão.
9 A Prefeitura de Sirinhaém contratou ônibus trazendo vários pescadores com faixas que estavam contra a Resex,
mas muitos nem sequer sabiam sobre o que se tratava.
64
4.5. Pontos de vista
“É pelo fato de uma ideologia ser dominante que se torna vulnerável.
Paradoxalmente, aquilo que é objeto de idealização é o que mais rapidamente
pode se esfumar, uma vez que é simulacro de um certo desejo coletivo
idealizado, mas permanentemente alimentado, espécie de teatro de sombra que
simula a realidade” (Floriani, 2000, pg.36)
Existe em Sirinhaém a tentativa de desarticular a luta pela implantação da Resex
através do discurso de que tal solicitação não representa o desejo da comunidade
tradicional. No entanto, observa-se que os pescadores já vinham sofrendo com a perda
dos recursos pesqueiros há bastante tempo e os ex-moradores das ilhas eram os
primeiros a terem contato com a poluição oriunda das usinas da região. Percebendo que
de nada adiantava denunciar tal situação, os pescadores reconheceram na proposta da
Resex uma alternativa de preservação ambiental e de estarem construindo um destino
diferente do já traçado para essa população.
No relatório final dos estudos, o IBAMA relata que “a atividade pesqueira
decaiu muito entre o ex-moradores das ilhas, que agora tem que andar cerca de uma
hora e meia para poder ter acesso ao mangue. Diz que à primeira vista, o retorno das
famílias para a região das ilhas, com a oferta de condições básicas de infra-estrutura,
seria a medida mais apropriada para proporcionar o resgate do estilo de vida ao qual
estavam acostumados, além de propiciar os benefícios sociais e econômicos aos quais
tinham acesso. Contudo, se estudos técnicos concluírem que a ocupação humana das
ilhas é incompatível com a sustentabilidade ambiental sugere-se discutir o
assentamento dessas famílias em áreas mais próximas do estuário e espaço disponível
para a realização de atividades complementares, praticadas tradicionalmente pelos ex-
moradores das ilhas”. Há ainda no referido estudo, o relato de que “a crise atual vivida
pelos ex-moradores das ilhas e demais usuários do estuário do rio Sirinhaém é produto
de intervenções equivocadas implantadas na região e de um modelo de conservação
ambiental que excluiu a comunidade usuária dos recursos naturais do estuário da
tomada de decisões e que não atua para o ordenamento da atividade pesqueira,
justificando dessa forma, a criação de uma Unidade de Uso Sustentável da categoria
Reserva Extrativista para a área como forma do poder público contribuir para a gestão
compartilhada com os reais usuários desses espaços protegidos” (IBAMA, 2008 p.
129).
65
Além das dificuldades inerentes ao processo de criação da Resex, há ainda
projetos governamentais na área de pesca para os pescadores de Barra de Sirinhaém
(compra de barcos e reconstrução do prédio da colônia de Barra de Sirinhaém) que são
usados como “moeda de troca” para adquirir apoio dos pescadores contra a Resex,
segundo relata Severino Santos do CPP.
As diversas estratégias usadas na tentativa de desarticular a lutas dos pescadores
artesanais têm levado a opiniões distintas entre estes:
“Eu acredito que uma Resex já implementada em nosso município,
a gente vai poder ter o sonho de acabar com a questão da poluição
do rio Sirinhaém através das usinas de cana de açúcar, a partir daí
a gente vai ter uma maior fiscalização, vai ter uma lei na realidade
federal que vai impedir que isso aconteça. É uma das coisas que
mais mexe com pescadores, a comunidade é essas usinas, semana
passada começou a jogar o vinhoto, é muito peixe morto, muito
mesmo” (Flávio Vanderlei da Silva - Pescador de Barra de
Sirinhaém e Presidente da Associação de Pescadores de Sirinhaém
– Entrevista ao autor em 09/10/10).
“Eles (Governo Federal) podia criar, agora joga pra cima de nós,
pra nós brigar com usineiro, com o governo estadual... não era pra
nós brigar com os dois... A gente pequeno pra lutar com os
grandes, coisa que o governo federal tem o poder de fazer.... (João
Francisco da Silva - Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém –
Entrevista ao autor em 10/10/10).
Eu acho que a criação ia trazer beneficio, o principal de todos é
que não ia ser jogado mais esse vinhoto no rio, aí é a chave,
porque não jogando esse vinhoto no rio, o rio ia se recuperar, ia
ter mais peixe, porque o manguezal é o berçário... vem peixe do
mar reproduzir aqui no estuário, então ele ia se reproduzir ia ter
mais peixe, aos poucos ia se recuperando.
O maior impacto que a gente ia ter com Resex ia ser com os
caranguejeiros, mas com as pescadoras mesmo não ia ter muito
impacto porque ela não veve muito pescando aqui, elas já pescam
fora, a gente não ia ter muito impacto, o principal era os
caranguejeiros, mas sendo implantada a Resex e sem poder pegar
o caranguejo nesse período aí a gente ia correr atrás de um seguro
pra eles sobreviver até enquanto pudesse pescar.
(Arlene Maria da Costa - Pescadora da Colônia de Barra de
Sirinhaém – Entrevista ao autor em 08/10/10).
66
“Eu creio verdadeiramente que não é viável, porque o que
acontece é isso... A gente já preservamos a própria área, os
próprios pescadores preserva. Aquilo que é cuidado pelo próprio
pescador, ele sabe zelar do que é dele, mas quando passa à uma
administração vindo de cima ele não tá sabendo o que estão
fazendo. De pesca eu entendo, de meio ambiente eu entendo, nasci
na pesca... Desde os 7 anos que saía pra pescar com meu pai. A
gente já trabalha em parceria com a CPRH, com o IBAMA e com
as empresas da região, então pra que mais o ICMBio?
Se Sirinhaém tem uma riqueza dessas de mangue, iam interditar.
Então essa área daqui até lá em cima ia, ninguém poderia pescar
mais. Ia ser tudo desocupado. Nem todo mundo que pesca ia poder
trabalhar... Hoje a gente tem 20% dos pescadores de Santo Amaro
na Associação e 80% não são sócios. Então quando passa a ser
uma área extrativista, só esses 20% passam a ter direito, os outros
tem que sair. O que seria desse povo? Eles não iam poder ir para o
mangue. Ia ter um estatuto, com aquela quantidade de pessoas que
pode pescar e desfrutar daquilo ali e as pessoas que não podem
entrar mais lá dentro.
Não é essa reserva que vai resolver a poluição das industrias, se
nenhum órgão nunca resolveu... Só a área extrativista vai resolver
isso aí? Não, o próprio governo do estado deveria aplicar as leis
nessas usinas pra ser multada. A realidade de Sirinhaem é essa...”
(Sebastião Gaspar, Pescador de Santo Amaro e Presidente da
Associação Mangue Verde – Entrevista ao autor em 28/12/10).
Porem, em geral, ainda falta uma maior participação e mobilização dos
pescadores do próprio município de Sirinhaém, como também de Ipojuca que tiveram
parte de seu município incluído na área da Resex. Mas, como esses pescadores de
Ipojuca atualmente estão mais envolvidos no setor turístico, devido à própria escassez
dos recursos naturais, eles não se vêem motivados a estar fortemente engajados nessa
luta.
A colônia de pescadores de Barra de Sirinhaém congrega apenas cerca de 600
pescadores de um total de aproximadamente 3.700 pescadores que existem no distrito, e
apenas cerca de 50 pessoas possuem o habito de participar das reuniões da colônia. A
estrutura do prédio da colônia está abandonada, necessitando de uma grande reforma. O
atual presidente da colônia foi eleito há pouco tempo, após um longo período (20 anos)
de administração por um único pescador, que saiu da diretoria através de mandato de
segurança devido aos desmandos realizados. A colônia então está em processo de
reogarnização. Barra conta também, com uma associação de pescadores que foi criada
67
na antiga gestão da colônia como uma dissidência dos pescadores com o presidente da
mesma (Governo do Estado de Pernambuco e Instituto Oceanário, 2009).
Segundo depoimento de Severino Santos do CPP, a comunidade beneficiada
pela criação da Resex ainda não está amplamente organizada para estar lutando pela
Resex, pois nem todos os pescadores são associados à colônia local e por isso não
participam das reuniões e ficam então desinformados sobre tais questões. Contudo
Severino acredita que este não deveria ser um grande empecilho para a mobilização, já
que existem diversas entidades que atuam na região e então, mesmo que nem todos
sejam associados à colônia, todos participam de algum modo das demais entidades
(igrejas diversas, associações diversas, etc). Mas, como essas entidades não dialogam
entre si, fica difícil um trabalho em conjunto com toda a comunidade beneficiada pela
criação da Resex.
Durante a pesquisa de campo foi possível conversar com várias pessoas e
elencar algumas posições entre os diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito:
Os representantes da Usina, ao se oporem a perder uma parte da área aforada
por eles (1.800 hectares de mangue), alegam que os ex-moradores das ilhas
depredavam tal ecossistema e que hoje essa população pode viver em
melhores condições de vida na zona urbana da cidade. E que a Resex é
desnecessária, pois a referida área já é uma área de preservação permanente.
Para a Usina, torna-se conveniente retirar os moradores de seus domínios em
nome de uma perspectiva preservacionista de caráter questionável.
“E nós quando chegamos aqui e sobrevoamos esse mangue de
helicóptero era de fazer pena. Eram 52 ou 53 famílias habitando
dentro desse mangue, destruindo a vegetação. E a gente foi mal
visto em função de que a gente tentou fazer um trabalho de
conscientização do pessoal, pra que tirasse esse pessoal do
mangue pra gente recuperar o mangue. Reflorestamos, e pra gente
era uma atividade nova, que nos custou dinheiro. Teve um custo de
três a quatro vezes mais alto do que nosso reflorestamento
convencional. E nós não medimos esforço pra fazer essa
recuperação.
E o mangue, alem do estrago que estava sendo feito lá dentro, a
condição de vida desse pessoal era... eles moravam em condições
altamente precária, tinham a residência de taipa, sem nenhum
saneamento, onde todas as necessidades fisiológicas eram feitas
68
nas portas de suas casas. Então era uma condição terrível,
inclusive na própria cheia que ocorreu, eles ficaram totalmente
ilhados lá dentro, eles iriam morrer se não fosse o salvamento da
usina Trapiche. Que a usina botou lancha e salvou todo mundo,
todo o pessoal lá dentro. Então a gente conseguiu conscientizar
esse pessoal da sua retirada daquela situação precária, pra ter
uma situação de vida melhor fora do mangue.
O ato de pesca, aqueles que queriam retornar, retornavam e a
gente não poderia fazer nada e algumas dessas pessoas que
moravam dentro do mangue passou a ser nossos colaboradores.
Quanto a minha opinião a ser uma RESEX, sou totalmente
contrário, até porque conseguimos a saída do pessoal que habitava
o mangue, com grandes destruições, estamos em fase de
recuperação, já dando outra performance ao ambiente, então,
voltaria de novo a mesma situação de exploração dentro dessa
área. Acho também, como fosse dois pesos e duas medidas, fazer
uma Reserva Extrativista em uma área de APP, é realmente sem
explicação para um órgão ambiental federal”.
(Cauby Figueiredo, Representante da usina Trapiche – Entrevista
ao autor em 28/12/10).
E, atualmente, essa população que habitava nas ilhas, apesar de ter energia
elétrica em suas casas, segundo me relataram, não possui uma “vida melhor fora do
mangue”. O “ato de pesca” não é uma opção, é uma necessidade para aqueles que
sempre foram excluídos dos programas do governo e de outras oportunidades de vida.
Além de ser também, para a grande maioria, um modo de vida, que resiste a ser
usurpado (“aqueles que queriam retornar, retornavam e a gente não podia fazer
nada”) pela vontade daqueles que possuem outra maneira de relacionar-se com o
ambiente.
Os representantes da prefeitura local alegam que a pesca do município é feita
no mar aberto e que não se faz necessário estar criando uma Resex para
proteger um ecossistema já legalmente preservado e que é pouco utilizado
pela população local. E também acreditam que os ex-moradores das ilhas
possuem uma melhor qualidade de vida na área urbana da cidade.
“Quando assumimos a prefeitura, em 2005, tivemos a
oportunidade de constatar as condições sub-humanas em que
viviam as famílias que ainda permaneciam nas ilhas, sem energia
elétrica, água encanada e saneamento básico. Não havia a menor
69
condição de eles permanecerem no local, por isso, concordamos
com o processo de negociação entre a usina e os moradores, para
a desocupação das ilhas. Na opinião do entrevistado, o estuário é
utilizado para a subsistência de algumas famílias, por meio da
pesca artesanal, praticada em pequenas embarcações”.
(Entrevistado: Amaro Ricardo – Secretário de Agricultura e pesca,
Indústria, Comércio e Controle Ambiental - Prefeitura de
Sirinhaém, entrevista em 31/03/2008; In: IBAMA, 2008 p. 118).
O atual Secretário de Agricultura, Indústria, Comércio e Controle Ambiental de
Sirinhaém, Luiz de França da Silva Filho, em entrevista dada à Beatriz Mesquita
(Pesquisadora da FUNDAJ) em 17/11/10, também confirmou a posição contraria da
prefeitura quanto à criação da Resex pois, a pesca em Sirinhaém “é toda feita no mar”.
Disse que “a usina Trapiche possui um Dep. De Meio Ambiente e que os filhos dos
pescadores não querem mais pescar, querem trabalhar no turismo e em Suape. E que
as pessoas envolvidas no processo de solicitação da Resex não representam as
comunidades tradicionais”.
Os órgãos contrários à implantação da Resex, ao utilizarem o discurso de que a
população foi induzida a solicitar a reserva extrativista, culpam as entidades que apóiam
os pescadores de estar articulando essas pessoas humildes para não aceitar as decisões
impostas por eles e defendidas como sendo a melhor solução para todos. Verifica-se, no
entanto, que essas entidades buscam esclarecer aos pescadores sobre seus direitos e
tentam ajudá-los a garantir uma escolha mais democrática nas decisões sobre os
problemas existentes na comunidade. Então qual seria o discurso mais legitimo? Quem
tenta impor um modo de vida defendido como “ideal” ou quem tenta saber quais são os
desejos dessas pessoas e a partir daí lhes mostram que existem outras opções de
resistência? Pois o direito à informação e à participação nas decisões governamentais de
políticas públicas é um principio democrático, onde tais decisões devem ser portanto,
discutidas em conjunto.
E assim observa-se esse mesmo discurso no órgão de meio ambiente estadual
sobre a Resex:
“A pesca é um complemento de renda de uma família, não é a
renda única. São “pescadores parciais”, não é um pescador
tradicional do tempo de Caymmi. Está havendo uma distorção.
Não tem mais sentido hoje estar criando reserva extrativista de
estuário que não comporta mais a quantidade de gente que vai
70
pegar um suplemento de alimentação, um complemento de renda.
Não é a única renda. Existe uma constatação da CPRH desde 98
que estavam morando nessas ilhas perto de 57 famílias, mas a
maioria não tinha condições de habitação adequada. As ilhas são
estuarinas. Então a salinidade era máxima. A insalubridade de
vida era grande. No começo dessa discussão houve uma tendência
a aumentar o conflito através de denúncias da usina que essas 57
famílias estavam degradando o meio ambiente. No atendimento a
essa denúncia a CPRH foi fazer um relatório na maioria das ilhas.
Depois do relatório, a CPRH se posicionou e disse que não eram
os moradores das 57 famílias que estavam degradando o estuário.
O impacto ambiental de convivência deles com o estuário eram
mínimos e que os mesmos poderiam ser mantidos no local. Agora,
considerando as condições de habitação, era melhor que eles
saíssem dessas ilhas e fossem para junto da área urbana e fossem
para perto dos serviços sociais, de saúde, etc. Então foi a nova
estratégia que a usina utilizou. Negociou com a maioria das
famílias, deu casa ou arrendou. Eles pescavam. Era um misto entre
agricultura (coletores do estuário), pesca interna. Então a pesca,
na sua maioria era um complemento. A maioria tinha uma relação
de trabalho com a usina, a prefeitura... Foi um benefício a retirada
do povo daquelas ilhas. O que está havendo agora, são grupos de
interesse, que não são pescadores que querem criar a Reserva
Extrativista à força. Aquele estuário, hoje, não tem como sustentar
a quantidade de famílias que moram em Barra de Sirinhaém e
Sirinhaém e que são coletoras...”
(Assis Lacerda Lins, técnico da CPRH, entrevista ao Instituto Oceanário em 15/04/09;
In: Governo de Pernambuco e Instituto Oceanário, 2009).
Quanto às distintas posições dos pescadores, observar-se que elas são fruto
da pressão municipal e dos empreendimentos vizinhos, bem como das
grandes dificuldades enfrentadas pelo órgão ambiental federal durante o
início do processo de criação da Resex.
“Os pescadores apóiam, agora tem o seguinte, no inicio tivemos
dificuldade por que a prefeitura se envolveu nessa questão
defendendo os interesses da usina. Um lugar pequeno como o
nosso a questão política é muito forte, entendeu, quem ta no poder
hoje praticamente domina ou manipula as ideias das pessoas. Ai
pra gente combater isso... mas a gente conseguiu devagarinho. O
prefeito joga os cachorrinhos dele na rua fazendo a cabeça do
povo pescador e deu muito trabalho da gente conversar mas a
gente conseguiu. Hoje a maioria ta de acordo, tão apoiando”.
(Flavio Vanderlei da Silva, Pescador e Presidente da Associação
dos Pescadores de Sirinhaém – Entrevista ao autor em 09/10/10).
71
O IBAMA começou o estudo para a criação da Resex pela área solicitada pela
CPT (nas ilhas), pois essa entidade via na criação da reserva um meio de dirimir a
grande injustiça sofrida por aquela população. A CPT possui uma antiga luta na defesa
dos direitos humanos e percebendo o modo de vida de intrínseca relação com o
ambiente que possuía os moradores das ilhas, se viram motivados a estar tentando
ajudar a garantir os direitos dessa população tradicional e os recursos naturais presentes
nesse ecossistema através da criação dessa UC.
Percebendo que não adiantava apenas garantir a proteção de metade do estuário
(a região das ilhas), os técnicos do IBAMA propuseram ampliar a área de abrangência
da Resex para proteger toda a área dos recursos naturais que são fonte de subsistência
não só dos ilhéus, como também dos demais pescadores de Sirinhaem que praticam a
pesca em alto mar e também no mangue. Então, o IBAMA começou a fazer reuniões
junto aos pescadores de Barra de Sirinhaém para explicar sobre o projeto de criação da
Resex, pois esses pescadores já sofriam com a poluição e a conseqüente diminuição dos
recursos pesqueiros, mas ainda não haviam se articulado para tentar discutir um meio de
solucionar esses problemas.
“Eles (IBAMA) no inicio da coisa foi só com o pessoal das ilhas,
porque eles viram a luta, a briga com o pessoal das ilhas, a
expulsão do pessoal. Aí iniciaram por eles e depois veio mostrar
a importância do que vinha ser a Resex pra gente aqui”
(Ronaldo J. Santana; Pescador e Presidente da Colônia de Barra
de Sirinhaém – Entrevista ao autor em 10/10/10).
Contudo, no início do processo dos estudos para a criação da Resex, como o
IBAMA foi dividido para ser criado o ICMBio, que seria então o órgão responsável
pelas Unidades de Conservação, muitas dificuldades foram enfrentadas para dar
prosseguimento aos trabalhos. E mesmo já não tendo mais a competência e nem o
recursos necessários para realizar tais estudos, os técnicos do IBAMA se
comprometeram a realizar esse trabalho. Pois na visão dos técnicos do IBAMA, se eles
deixassem para que tal estudo fosse feito pelo ICMBio certamente seria ainda mais
complicado, já que o órgão recém criado não possuía as mínimas condições de
funcionamento e nem funcionários para realizar tal estudo.
72
E assim posteriormente, com a estruturação do ICMBio, os procedimentos para a
criação da Resex poderiam ser retomados. Foi nesse processo de transição entre
IBAMA e ICMBio que os estudos da Resex foram feitos. Hoje as condições de
funcionamento do ICMBio ainda deixam bastante a desejar, pois criado às pressas, esse
órgão ainda possui um numero insuficiente de funcionários para atender suas demandas.
Porém, todas as dificuldades do IBAMA para a criação da Resex não são
percebidas por alguns pescadores que foram incluídos posteriormente nas discussões
para a criação da Resex. Mas, observa-se que essa posição de desconfiança é apenas
uma reação normal a tudo que é novo. Pois o ser humano tende a acostumar-se com
uma ideia ou informação aos poucos. E assim, para alguns pescadores de Barra de
Sirinhaém, essa “história” de Resex ainda não foi bem compreendida.
“Eu só fiquei sabendo da proposta (da Resex) quando entrei na
colônia, em outubro de 2007. A gente pensava que ia ser só os
manguezais mesmo (nas ilhas). Eu não imaginava que ia pegar até
a área de Porto de Galinha. A gente começou agora a conversar
com Jorge (Presidente da Colonia de Ipojuca), na audiência
publica. Ate à audiência a gente não tinha se entrosado com Jorge,
nesse processo não.
E a comunidade daqui também não tava sabendo não. Por isso até
hoje a gente fica assim com uma mosca atrás da orelha, porque a
Resex não veio... não foi de baixo pra cima. Veio de cima pra
baixo. Porque quando a gente chegou aqui caiu aquilo de cima pra
baixo, a gente ficou voando, um dizia uma coisa, outro dizia outra.
Uns dizia que era bom, outros dizia que era ruim e lá vai e o
IBAMA vinha fazer reunião, veio Bill, tudinho aí a preocupação é
essa porque não é um negocio que a gente... entendeu?
Ronaldo tinha medo de uma revolta dos pescadores, porque se for
implantada a Resex, os pescadores do mangue, os pescadores de
caranguejo ia ser limitado, ia ter que ter a quantidade de
caranguejo, o tamanho, se ia ser permitido pescar de laço ou não e
tudo isso ia se resolver depois da Resex for criada.
Até hoje a preocupação dele é essa, se os pescadores vão ter que
parar de pescar pra os caranguejo se reproduzir, eles vão viver de
que?
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
Os pescadores possuem uma grande sabedoria sobre o meio ambiente,
construída ao longo dos anos. E então, para alguns, a presença de pessoas “de fora” para
esclarecer como proteger a natureza nem sempre é vista com bons olhos. Assim, diante
73
das circunstancias, provavelmente, se o IBAMA não tivesse se dividido, mas
permanecido trabalhando pela implantação da UC lá em Sirinhaém, hoje a confiança no
órgão ambiental federal poderia seria maior. Até porque esses pescadores são alvo de
constantes iniciativas do órgão ambiental estadual (CPRH) na tentativa de fazê-los
aceitar o projeto da APA de Sirinhaém.
Mas, como o trabalho com as UC passou a ser do ICMBio, e este órgão ainda
não conseguiu se estruturar suficientemente para estar dando continuidade ao processo
de apoio para a criação da Resex, muitos pescadores ainda não estão bem esclarecidos
sobre a Resex. Pois é necessário um certo tempo para que novos conceitos passem a
fazer parte da vida e mentalidade desses pescadores que antes nunca tinham ouvido
falar no “conceito Resex”.
É necessário um trabalho em conjunto entre os pescadores e outras instituições
na busca de apoio, esclarecimento e articulações de novas parcerias na luta por seus
direitos. Um bom exemplo de trabalho em conjunto foi realizado durante o Seminário
de Pesca Artesanal organizado pela Fundação Joaquim Nabuco em agosto de 2010,
onde alguns pescadores locais que participaram puderam trocar experiências com
pescadores de todo o Brasil e obter um maior esclarecimento sobre as UCs.
“Eu vejo a diferença entre uma APA e a Resex porque a APA ta aí
implantada há muito tempo e nada feito, vive parada. Então eu
acho que eles tão correndo agora pra implantar essa APA pra
abafar a Resex, depois que abafar a Resex, a APA vai ficar na
mesma coisa, porque a usina é o braço direito da prefeitura. Então
o que ela quer é isso é abafar a Resex pra continuar do mesmo
jeito que ta, essa APA que eles tão querendo implantar não, que já
ta implantada, que querem colocar ela pra funcionar só pra abafar
a Resex, mas depois que abafar a Resex ela vai ficar do mesmo
jeito que ta. E a gente quer uma Resex federal por que? Porque
federal não é a prefeitura que vai mandar e se for uma reserva
estadual vai ficar na mão da prefeitura, vai ficar a mesma coisa. A
usina vai mandar e desmandar e a prefeitura não vai fazer nada”.
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
Atualmente já existe uma maior articulação entre as diversas entidades que dão
suporte às lutas dos pescadores locais (CPT, CPP, Colônias, Associações). Mas, essa
união e mobilização devem ser ainda mais fortes para que projetos em conjunto possam
74
estar oferecendo um maior esclarecimento sobre o que é uma Resex a toda comunidade
pesqueira de Sirinhaém no intuito de que as decisões possam ser amplamente discutidas,
com o máximo de pessoas possíveis e não haja nenhum mal entendido na construção de
um futuro comum a todos.
“Não depende só unir as colônias, unir só a gente. Tem que unir o
povo todo. Aqui a gente luta pela Resex bem dizer a colônia só,
sem o povo. O povo não se incomoda de nada. Pra você ver o povo
se incomoda de vim pra uma reunião uma vez no mês. Vem aquele
pouquinho de gente. Falta interesse do povo. Porque o povo
também não vem?
Porque ficam colocando coisa na cabeça do povo. Não, porque a
Resex vai ser ruim, porque Suape tá crescendo e Porto não
agüenta mais tanto turista e o povo vai correr pra cá e chegando
aqui não vai poder porque vai ser implantada a Resex. E aí ficam
botando isso na cabeça do povo e então o povo não se incomoda”.
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
A organização e união em favor de um benefício comum fazem toda a diferença
nessas situações de reivindicações territoriais. Os exemplos bem sucedidos de
mobilizações são inúmeros (M. Almeida e M. Cunha, 2001; A. Almeida, 2008;
Valencio, 2010).
Em todas as situações de conflitos é preciso união e ampla mobilização para que
existam informações disponíveis sobre os riscos e impactos ambientais na busca de
alternativas democráticas de justiça ambiental. Exemplos de resistência, desenvolvidas
através de redes onde articularam-se entidades diversas, podem ser observadas nos
movimentos do norte do estado do Rio de Janeiro e do sul da Bahia (Acselrad et al.,
2009).
4.6. Resex: um benefício para todos ou um entrave ao desenvolvimento?
“O modelo produtivista da sociedade – que concebe a produção e o consumo
como um fim em si – tende a internalizar a entropia, pois concebe a
transformação e o consumo da matéria como algo em si e de maneira ilimitada:
a contingência transforma-se em necessidade e a necessidade em contingência;
o supérfluo toma o lugar da necessidade e vice-versa” (Floriani, 2000).
75
Há em Sirinhaém uma busca por legitimar as ações do governo e dos
empreendimentos locais que reproduzem o modelo hegemônico de desenvolvimento da
sociedade que procura expandir o mercado através da aniquilação de formas sociais
não-capitalistas de apropriação da natureza (Acselrad et al., 2009) e que até há pouco
tempo eram invisíveis à sociedade.
Segundo Santos (2009), os atores sociais se utilizam de discursos que são os
instrumentos de suas ações. E então, vê-se configurar no estudo de caso em questão,
alguns discursos que são utilizados como estratégias para desarticular a luta dos
pescadores, são eles: a ideia depreciativa das formas de uso comum da terra; a defesa de
um interesse “global” de conservação ambiental que se contrapõe a ideia da “poluição
legitima”; e a naturalização das desigualdades ambientais.
O discurso depreciativo da pesca artesanal é bastante comum nas falas dos atores
sociais contrários a criação da Resex:
“Às vezes acontece de passar e ver peixe morto que
obrigatoriamente não é de uma poluição. Existe muito o uso por
pescadores de carrapaticida, inseticidas pra que haja a
mortalidade de peixe e então às vezes tem peixe morto e a gente
não vê a poluição de algum resíduo industrial, aí a gente chega à
conclusão, como a gente já viu, de alguns pescadores com barco
jogando esse carrapaticida no rio”.
“Na região das ilhas: o pessoal destruía a vegetação de mangue
plantando lavoura branca, com fruteiras dentro do mangue, jaca,
manga, macaxeira, utilizando madeira pra fazer carvão. Isso foi
um choque grande ambiental pra gente”.
(Cauby Figueiredo, Representante da usina Trapiche – Entrevista
ao autor em 28/12/10).
No estudo Socioeconômico realizado pelo IBAMA (2008) o poder público
municipal afirma que o grande problema ambiental do estuário do rio Sirinhaém é a
extração irregular de madeira que era realizada pelos ex-moradores das ilhas e que
“Nem a prefeitura e nem o IBAMA tinham ou têm condições de fiscalizar de forma
efetiva a região, apenas a usina” (IBAMA, 2008, p. 119).
E assim tentam repassar o discurso de que o pescador, por ter a necessidade de
utilizar os recursos naturais, estaria sendo uma barreira aos processos “globais” de
conservação ambiental. Onde os órgãos estatais e empresariais é que seriam os
76
verdadeiros defensores dos interesses “globais’ de conservação da biodiversidade
(Silveira, 2009b).
De acordo com Valencio (2010), a pesca artesanal constitui-se em uma
identidade territorializada pois não se trata apenas de uma atividade produtiva, mas é
também um modo de vida. Contudo, os pescadores de Sirinhaém têm assistido a uma
apropriação de seus territórios em nome da “defesa” do meio ambiente. O conhecimento
ecológico desses pescadores não é reconhecido quanto à contribuição que eles podem
estar realizando para o manejo compartilhado dos recursos naturais (Kalikoski et al.,
2009).
Nas palavras do representante da Usina Trapiche, os pescadores que moravam
nas ilhas estavam destruindo o manguezal desmatando-o e hoje, graças às ações da
Usina Trapiche o manguezal está recuperado. O governo municipal de Sirinhaém
também culpabiliza os ex-moradores da ilhas pelo desmatamento da área. Mas, antigos
moradores relatam que eram pagos pelos antigos donos da usina para produzir carvão
para abastecer as caldeiras.
Porém ao observar a área do estuário de Sirinhaém é fácil comprovar que as
regiões das ilhas, onde os pescadores moravam, sempre estiveram bem conservadas e os
insipientes desmatamentos provocados pelos pescadores não comparam-se ao
desmatamento outrora ocorrido na região com o avanço das plantações de cana que
localizam-se bem próximas ao mangue. Para Acselrad (2004) os conflitos ambientais se
constituem a partir de duas formas: pela desigual posse, uso e controle do meio
ambiente e pela dimensão simbólica onde são estabelecidos distintos sentidos e projetos
que pleiteiam por reconhecimento e legitimidade.
Ao observar o discurso de proteção ambiental, que vai de encontro à política
ambiental internacional, percebe-se que a proteção de um interesse “global” é apenas
uma estratégia para estar garantindo a perpetuação dos interesses de um projeto de
desenvolvimento defendido como sendo a melhor alternativa para a sociedade (Silveira,
2009b).
Segundo Zhouri e Oliveira (2010):
“Essas assimetrias revelam a hegemonia de determinadas
categorias do pensamento que pretendem construir o debate
77
ambiental como global, universal e consensual, obscurecendo as
relações de poder que, de fato, existem e promovem o
deslocamento da política para a economia, do debate sobre
direitos para o debate de interesses” (Zhouri e Oliveira, 2010, p.
444).
Há um esforço de relacionar pobreza a depredação ambiental evidenciando uma
percepção discriminatória que desconsidera que os ricos são os principais responsáveis
pela destruição do meio ambiente. E, também, desconsidera que as populações mais
carentes são constantemente excluídas das políticas públicas que deveriam garantir uma
melhor qualidade de vida e a proteção dos meios de subsistência destas (Silva, 2009).
Essa tentativa de desqualificar os povos tradicionais em suas práticas é
observada em diversos trabalhos (Silva, 2009; Zhouri e Oliveira, 2010; Valencio, 2010).
É comum ainda a desqualificação do território através do discurso depreciativo aos
saberes locais e pela valorização da gestão do território pelos atores sociais que
representam a apropriação capitalista da natureza (Zhouri e Oliveira, 2010).
“Trata-se de uma sociopatia na qual a aproximação se torna
apropriação, fechando-se em estratégias absorvedoras,
silenciando o Outro através de critérios contestáveis de verdade”
(Valencio, 2010, p. 222).
Um exemplo bastante claro dessa desqualificação da pesca artesanal em
Sirinhaém é o fato de que para a prefeitura local “a pesca não representa uma atividade
econômica”, segundo depoimento do representante da prefeitura feito à Beatriz
Mesquita (Pesquisadora da FUNDAJ) em 17/11/10.
Mas, na realidade a pesca artesanal é uma atividade produtiva bastante
importante na região, onde os pescadores representam cerca de 25% de toda a
população do município:
“Geral em Barra de Sirinhaém são 3700 pescadores, associados
na colônia hoje são 576, só da Barra e incluindo Ao Ver o Mar
78
também. Mas no município geral tem na faixa de 5600 a 6000
pescadores”.
(Ronaldo José de Santana, 47 anos, Pescador e Presidente da Colônia Z-6, Barra de
Sirinhaém – Entrevista ao autor em 10/10/10).
Mas, paradoxalmente ao discurso de “defesa do manguezal” existem discursos
que disseminam a ideia da “poluição legitima” (Acselrad et al., 2009), ao defenderem
projetos de expansão do capital que não possuem um verdadeiro compromisso com o
ambiente social e natural circunvizinho, buscando apenas o lucro desenfreado, visto que
o estuário de Sirinhaém é um alvo freqüente de poluição ambiental e tal fato é bastante
comentado nas falas dos pescadores:
“São umas quatro usinas tudo nesse rio. Ai o aratu ainda resiste
mais porque quando a maré enche o aratu sobe, ele não vive
dentro da água, na maré cheia ele vive trepado nos paus, quando a
maré abaixa é que ele desce pra lama.
O siri acabou-se, quando desce carga mesmo o siri não agüenta,
ele sobe fica querendo subir nas croas, querendo sair da água. Ele
nem consegue viver dentro nem fora da água, porque se ele ta
dentro tem a poluição e se ele ta fora não consegue viver, aí
pronto...”
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
“agora (no verão) que começou a moagem e é quando a gente tem
o impacto da usina, que é o verão todinho jogando vinhoto no rio.
Já começou a moer. A água da torneira, da Compesa se você
cheirar é uma fedentina só e a gente fica com a pele irritada,
coçando. A água ta carga pura, chega trava na boca... amargando,
a água da compesa é azeda do vinhoto”
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
“Essa semana desceu uma carga, aí a gente vai pegar o quê? Vai
pegar é nada, nada mesmo. Porque a carga que desceu matou
peixe... época da moagem começa a soltar a calda e a gente não
tem o que lucrar”
(Pescador e ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em
09/10/10).
“Antes tinha muito pescado, hoje tem muito pouco. As pescadoras
de Aratu no verão sai em três kombi daqui pra Recife, pra pescar
aratu lá. Três kombi por semana, duas vezes por semana. Na
segunda, na quarta, na quinta. Aqui tem, mas é muito pouco, muito
79
miudinho. Eu mesmo já pesquei muito fora daqui, já pesquei em
Itapissuma, em Itamaracá, em Maria Farinha, Conceição, Abreu e
Lima, Rio Formoso, Alagoas, Atapuz, Paraíba, Pitimbu. Tanto sai
daqui a turma pra pegar aratu como sai a turma pra pegar
caranguejo em Alagoas. E peixe aqui no rio nem se fala. Hoje por
muito pelejar ainda vai ali e pega um peixinho pra comer, mas
daqui a alguns anos não vai ter nem pra comer, porque já foi feita
uma pesquisa aqui e o oxigênio do rio tava zero, eles disseram que
não sabe como tinha peixe ali. Mas vai chegar um ponto que não
vai ter nada nem pra contar historia”
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
Apesar das constantes poluições ao estuário, nenhum programa consistente e
continuo de monitoramento é feito para tentar encontrar os culpados, já que existem na
região inúmeras usinas. E assim, a prefeitura, segundo depoimentos dos pescadores
locais, se coaduna com os interesses empresariais por entender que estes estão
promovendo o desenvolvimento da região:
“Hoje, a usina ainda promove a degradação ambiental, mas
também existe a preocupação em se preservar a natureza”
(Entrevistado: Amaro Ricardo – Secretário de Agricultura e Pesca, Indústria, Comércio
e Controle Ambiental - Prefeitura de Sirinhaém - Data: 31/03/2008) In: IBAMA, 2008
p. 119.
O discurso da “poluição legitima” muitas vezes se fundamenta na ideia de que o
livre mercado é a solução dos problemas ambientais, na “utopia” de que um bem estar
será alcançado apenas pela ação das forças de mercado. Até porque o risco
socioambiental atinge mais diretamente, na maioria das vezes, às populações mais
carentes e que não possuem expressão política. E assim, o capitalismo impõe-se como
uma regra que aprisiona os indivíduos na “alternativa” de conviver com a destruição
ambiental para poder obter uma promessa de emprego, pois a globalização tem
promovido o aumento de empreendimentos que na busca do lucro a qualquer custo,
utilizam a “chantagem locacional” nos seus investimentos (Acselrad et al., 2009).
“Fazendo uso de sua enorme liberdade de se localizar e
deslocalizar, as grandes corporações procuram, de um só golpe,
desmontar o aparato regulatório social, urbano e ambiental, e
80
enfraquecer as resistências dos movimentos sociais” (Acselrad et
al., 2009, p. 137).
Os conflitos ambientais ao adquirirem dimensões simbólicas distintas, refletem,
geralmente, a tentativa de deslegitimação das lutas dos pescadores que segundo
Foucault (2001), é o processo de interdição ao discurso promovido pelas categorias
dominantes da sociedade. Há um esforço em negar a existência das mobilizações locais
na tentativa de tornar invisível o conflito (Zhouri & Oliveira, 2010). E uma estratégia
bastante utilizada é a da naturalização das desigualdades ambientais, ou seja, todos estão
igualmente sujeitos aos efeitos nocivos da poluição pois a crise ambiental é um
fenômeno global (Acselrad et al., 2009).
Segundo Silveira (2009b) os diferentes projetos de sociedade defendidos pelos
distintos atores sociais dão origem a conflitos. Valencio (2010) afirma que tais conflitos
muitas vezes são dissimulados, e relata a existência de três hipocrisias que fazem parte
da dissimulação dos conflitos ambientais: “a ocultação da instrumentalidade da ciência
aos interesses de grupos mais capitalizados que alimentam os laboratórios acadêmicos;
a confiança das soluções de harmonia social conduzidas pelos winners da modernidade;
e, por fim, a naturalização da assimetria de poder em que são colocados os povos
tradicionais”.
Percebe-se então um duvidoso discurso de proteção ambiental que possui uma
visão contraria a criação da Resex por considerá-la um entrave ao desenvolvimento da
região, ao mesmo tempo em que se colocam os pescadores artesanais como vítimas do
seu destino, representantes do atraso e culpados pela degradação ambiental. Segundo
Abramovay apud Acselrad et al (2009), as empresas passam por um processo de
“ambientalização” a fim de tentar responder às aspirações sociais, mas que tal estratégia
apenas é um meio de desarmar tais demandas.
“Se você olhar tá tudo fechado, você dá uma volta hoje e o
pessoal sabe da área ambiental, diz assim: o mangue da usina
Trapiche é um dos mangues mais bem conservados, é um mangue
que foi recuperado graças a usina Trapiche. Se não fosse a usina
Trapiche esse mangue não estaria desse jeito. A gente tem um
reflorestamento total na empresa de, em torno, mais ou menos de
uns 400 ha e tem um plano de reflorestamento de 15 a 30 ha por
ano. Todo ano a gente tá reflorestando de 15 a 30 ha, tudo de
81
recurso próprio, de incentivo próprio e tudo de iniciativa própria”
(Cauby Figueiredo, Representante da Usina Trapiche – Entrevista
ao autor em 28/12/10).
Esse processo de “ambientalização” é resultante da utilização da questão
ambiental como instrumento para as distintas reivindicações. A interiorização do
discurso ambiental se dá pela institucionalização dos conflitos, que adquirem uma nova
fonte de legitimidade, argumentação e práticas (Lopes, 2006). As reivindicações das
populações tradicionais surgem a partir do momento em que essas populações antes
“invisíveis” passam a ter seus territórios cobiçados pela expansão do capital.
Mas os pescadores não lutam por uma “fixidez dos lugares” (Zhouri e Oliveira,
2010) pois essas comunidades não estão voltadas ao passado, mas estão em permanente
processo evolutivo buscando adaptar-se às mudanças, mas sem distanciar-se de seus
valores culturais (Leroy, 2010). E assim, os agentes da modernidade, ao tentar livrar o
povo do atraso, almejam “salvá-lo dele próprio” (Valencio, 2010).
Segundo depoimento de frei Sinésio Araújo, da CPT, “a preocupação maior não
está no fato dos pescadores voltarem ou não a morar nas ilhas, mas que eles possam
gerir a área aonde há muito tempo eles teriam residido”.
E assim os pescadores, ao defenderem um projeto alternativo frente à sujeição
aos projetos hegemônicos do capital, buscam tão somente obter a capacidade de definir
a própria existência e projetos futuros. Não estarão alheios ou imóveis diante das
transformações sociais, apenas não reiteram os projetos impostos pelo Estado e pelos
empreendimentos privados (Zhouri e Oliveira ,2010).
Segundo o Diagnóstico Socioambiental do Litoral Sul (CPRH, 1999), o Rio
Sirinhaém possui em sua bacia algumas cidades e indústrias de médio e grande porte,
tais como: as fábricas Capri e Faco (em Ribeirão), a destilaria Amaraji (em Amaraji), as
usinas Pedrosa (em Cortês), Estreliana (em Ribeirão), Cucaú (em Rio Formoso) e
Trapiche (em Sirinhaém), por isso recebe uma carga elevada de efluentes (domésticos e
industriais).
Do mesmo modo que o governo defende a criação de oportunidades de
empregos “para todos”, com a implantação de diversas empresas, que no fundo apenas
82
possuem compromissos com seus lucros10
, os pescadores também defendem seus
direitos de terem um meio ambiente que possa garantir a perpetuação de um modo de
vida escolhidos por eles como opção de trabalho ou vice-versa.
Segundo Ramalho (2004) o trabalho na pesca artesanal é algo intrínseco e
subjetivo, é uma arte onde a produção adquire um aspecto material e imaterial, que tem
um componente estético em sua razão de existência. Pois o belo está justamente na
liberdade de observar o potencial da natureza e ter a habilidade necessária para viver do
mar sem ser subordinado às únicas opções de trabalho existentes na região (Ramalho,
2010).
Portanto, esses grupos sociais reivindicam do Estado a compreensão de que a
questão ambiental não representa verdadeiramente um entrave ao desenvolvimento, mas
que apenas lutam contra a inviabilização de sua permanência em territórios
fundamentais à sua identidade na busca de um modelo de desenvolvimento mais
inclusivo e democrático (Acselrad et al., 2009).
4.7. O conflito socioambiental frente ao contexto histórico, político e econômico de
PE
“Refletir e agir no campo do estudo dos conflitos ambientais é, para o
pesquisador, entrar na luta política por uma outra sociedade. De quebra, numa
época em que a ciência se vende com tanta facilidade, tal atitude pode ajudar a
resgatar o lugar autônomo da ciência e do cientista” (Leroy, 2010).
Para relatar o conflito socioambiental existente em Sirinhaém de uma maneira
mais ampla na busca de, como já mencionado anteriormente, tentar enxergar esse
“paquiderme” por inteiro, se faz necessário refletir sobre a trama de interesses que
envolvem tal questão.
Através dos discursos proferidos pelos distintos atores sociais presentes nesta
pesquisa é possível perceber uma oposição marcante entre os que estão mobilizados
pela visão dominante de apropriação do meio ambiente em nome do progresso e os que
lutam pela afirmação de seus direitos, buscando a manutenção de seus modos de vida e
territórios (Acselrad et al., 2009).
10
Como a fábrica da Philips que na véspera do Natal desempregou 500 trabalhadores em PE na busca de mão de obra
barata na China, depois de 43 anos de atividade na região (Notícia veiculada em 8/12/10 nos jornais em circulação).
83
A partir da análise dos diferentes discursos em pauta chega-se a conclusão de
que a questão política é de fato o que existe de mais importante nesse conflito
socioambiental, pois os históricos das ações em prol do meio ambiente deixam a
desejar, apesar do esforço governamental e empresarial em fazer da proteção ambiental
uma bandeira de luta. Nos relatos dos pescadores é possível observar que enquanto o
avanço da cana provoca um desmatamento crescente sem que nada seja feito, o mesmo
não acontece se algum pescador for pego com alguns pedaços de madeira retirada do
mangue. O que caracteriza a prática da fiscalização para as minorias, relatada por
Valencio (2010).
Segundo Severino Santos (CPP) a concretização da Resex hoje, depende mais de
articulações políticas do que articulação e mobilização social, pois com a expansão do
pólo de Suape muitas empresas irão se instalar na região e o governo têm receio de que
a área de amortecimento da Resex possa atrapalhar algum investimento:
“Até para um empreendimento na área de entorno de uma reserva
extrativista é preciso a autorização do comitê gestor da unidade de
conservação. Isso deixa o governo estadual engessado”, alega
Aristides, titular da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio
Ambiente (Sectma).
(Ciência & Meio Ambiente: questionada reserva extrativista
federal, Jornal do Comercio de 5 de Junho de 2009).
Os pescadores temem que o governo atrapalhe o processo de
criação da Resex. “O governador não pode dar as costas para nós.
Ele carrega no nome uma história de luta em favor do homem do
campo”, alega o presidente da Associação dos Pescadores de
Barra de Sirinhaém, Flávio Wanderley da Silva.
(Ciência & Meio Ambiente: Associação questiona reserva, Jornal
do Comercio de 6 de junho de 2009).
Para alguns pescadores a interferência do governo estadual frente à autonomia
do ICMBio/IBAMA é um fato que tem desanimado as lutas:
“Quando a gente teve no seminário da pesca artesanal na
Fundação aí eu fiquei assim, porque teve um momento que Éricka
disse, que era do Chico Mendes, que agora mesmo pra ser
implantado uma reserva federal vai ter que ter a aprovação do
governo do estado, entendeu, aí vai ficando mais dificil.... o que vai
acontecer é isso é ficando do jeito que ta, o pescador hoje
84
procurando... Suape tá aí... e tudo procurando serviço fora. Hoje
tem muitos barcos, tem até o do meu marido encostado na beira do
porto, bom, mas não ta indo pescar porque não tem pescador. O
pescador vai pescar só o que pega dá mal pra comer, aí vai
procurar outro serviço, tem muitos mesmo, não é pouco não o
numero de pescadores que já pularam fora, já abandonaram a
pesca e tão como servente de pedreiro, é Suape, fazendo outras
coisas. Se essa resex não for implantada o que vai acontecer é isso,
vai acabar a pesca artesanal, aqui vai.... Aqui vai... a situação ta
ficando seria mesmo. Aqui já teve audiência publica, todo o estudo
ta favorável pra ser implantada a resex e essa resex não sai, sabe...
é muita pedra no caminho.
(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor
em 08/10/10).
As dificuldades são muitas até porque a região possui uma antiga tradição na
produção de cana através de diversas usinas. A usina Trapiche, uma das mais antigas,
foi fundada em 1887 e possui atualmente 38 mil e 800 hectares de área. E grande parte
da população de Sirinhaém que não possui a pesca como atividade produtiva depende
da industria canavieira para sobreviver.
Na opinião do analista ambiental do IBAMA Luiz Otávio Corrêa, que coordenou
a elaboração dos estudos técnicos que fundamentaram a criação da Resex:
A finalidade é proteger o manguezal e garantir o ordenamento
pesqueiro. “A Resex de Sirinhaém oferecerá oportunidades para
que pescadores artesanais da região, abandonados pelos poderes
públicos municipal, estadual e federal, ganhem uma última chance
de sustentar suas famílias com a atividade que herdaram de seus
pais e avós, sem degradar o meio ambiente.” Para Corrêa, a Resex
é uma solução para os problemas ambientais e sociais da região.
“Se algo não for feito por eles, em pouco tempo a Barra de
Sirinhaém se transformará em uma comunidade ocupada por
milhares de desempregados que terão apenas a escolha entre a
marginalidade e o corte da cana”, prevê.
(Ciência & Meio Ambiente: Chico Mendes adia criação de reserva,
Jornal do Comercio de 10 de junho de 2009).
Em 2009, ainda antes da audiência pública, a Usina Trapiche enviou ao ICMBio
um parecer técnico onde há uma avaliação do processo de criação da Resex e
recomendações para a área. Esse parecer foi contratado ao Prof. Ricardo Braga, da
85
UFPE e ex-presidente da CPRH. No documento existem criticas ao estudo feito pelo
IBAMA por não contemplar alguns tópicos:
Estudo sobre a compatibilidade com programas e projetos governamentais
de amplitude regional, em execução ou planejados.
Estudo sobre potencialidades econômicas e sociais de uso da área, que sejam
compatíveis com as atividades do entorno, permitindo a inserção da UC em
uma política de desenvolvimento regional do litoral sul.
Nesse parecer técnico há ainda “a recomendação de que a UC mais adequada à
vocação da área é uma RDS estadual, uma vez que há outros usos presentes na região,
que não apenas o extrativismo, que devem ser compatibilizados com o mesmo. Pois
uma RDS permite um uso mais elástico e que a área circundante da Resex (zona de
amortecimento) seria cerca de duas vezes mais ampla do que a própria UC, sendo
portanto uma área pequena para ser Federal. Como também as atividades que possam
afetar a biota num raio de 10km do perímetro da Resex, devem ser licenciadas pelo
Governo Federal o que dificulta a governabilidade dos estados e municípios, pois a
criação de UCs Federais na zona da mata e no litoral sul de Pernambuco, significa a
presença intervencionista do governo central sobre pequenas áreas de interesse local e
suas vizinhanças. Que essas Resex são criadas à revelia do governo estadual, como
aconteceu em 2007 (Resex Acaú-Goiana), onde o Decreto atropelou o Conselho
Estadual de Meio Ambiente, que discutia formalmente o assunto. E por isso, o governo
estadual deve estar em alerta para esse processo, pois a omissão gerou o fato
consumado em 2007” (Processo nº02019.000307/2006-31, vol. VI, pg. 1028, IBAMA).
Logo, o que se vê é que o discurso de “proteção ambiental” é apenas uma forma
de tentar disfarçar o real interesse para o estuário do Rio Sirinhaém, que é transformar a
área em um canteiro de obras turísticas e industriais. Onde os pescadores seriam cada
vez mais empurrados para a periferia da cidade e incentivados a estar abandonando a
tradicional arte da pesca para se adequar aos planos do “progresso”, ou seja, servindo
apenas como mão de obra para o enriquecimento de poucos.
A origem do município de Sirinhaém, segundo o Diagnostico Socioambiental do
Litoral Sul (CPRH, 1999) foi a partir da ocupação dos portos fluviais localizados em
86
fundo de estuário, nos pontos onde os rios deixavam de ser navegáveis, que
desempenharam importante papel no escoamento do açúcar produzido. Mas com a
chegada das ferrovias, essas povoações foram altamente impactadas e algumas caíram
na invisibilidade, como os ex-moradores das ilhas. Enquanto os núcleos litorâneos,
menos dependentes da economia açucareira, como em Barra de Sirinhaém,continuaram
a ter seu crescimento dependente da pesca.
A aceleração do processo de expansão urbana da área, a partir
dos anos setenta, tem como fatores principais a expulsão, em
massa, de população da zona rural canavieira em decorrência da
implantação do PROÁLCOOL (1975) e a “descoberta” das praias
do Litoral Sul como opção de veraneio e lazer de fim de semana,
da classe média e média alta do núcleo metropolitano e dos
centros urbanos de porte médio, em fuga das praias de Recife e
municípios vizinhos já, naquela década, submetidas a acelerado
processo de adensamento populacional.
No primeiro caso, a população expulsa do campo passa a
aglomerar-se na periferia das cidades, em encostas com altas
declividades, manguezais, alagados e outras áreas impróprias
para assentamentos humanos, intensificando a proliferação de
bolsões de pobreza e seus desdobramentos sociais - mendicância
infantil, prostituição e violência, entre outros problemas que
afligem os núcleos urbanos da área.
(Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul, CPRH, 1999 p. 25).
Tal fato é também explicado por Assis Lacerda, Pesquisador/Técnico da CPRH:
“Na verdade o conflito fundiário das ilhas passa-se por décadas.
Era uma área da União, existiu o aforamento por parte da usina,
mas eles não se incomodavam com os moradores antigos, inclusive
a maioria trabalhava também na usina. Só que houve a mudança
de dono e o novo proprietário começou a redefinir o uso do solo
dos engenhos, começando a trazer para os engenhos principais ou
para os povoados de Santo Amaro, Barra de Sirinhaém e
Sirinhaém. A intenção era de concentrar mais as populações que
estavam espalhadas pelo engenho. Ele usou a mesma estratégia
para as ilhas”.
(Assis Lacerda Lins, técnico da CPRH, entrevista ao Instituto
Oceanário em 15/04/09; In: Governo de Pernambuco e Instituto
Oceanário, 2009).
Segundo Moraes (1999), os portos de fato geraram zonas de adensamento em
seus entornos durante a ocupação da zona costeira brasileira. Este povoamento pontual
87
originou as populações litorâneas tradicionais ainda existentes em diversos locais do
litoral brasileiro e com a expansão da rede ferroviária, as produções passaram a escoar
mais ao interior. Para Moraes (1999, p.36):
O caráter básico da estrutura territorial brasileira não reside
numa vocação litorânea. O desenvolvimento de um conjunto
expressivo de cidades-portos antes expressa a dependência
estrutural do país na divisão do trabalho, desenhando no espaço o
fato de o Brasil fundamentalmente produzir para um mercado
externo.
Logo, percebe-se que o contexto histórico, político e econômico de uma área
sempre estiveram ligados às industria da região. Segundo L. Cunha (2004): “A política
é tomada, então, em termos das relações de poder que moldam e integram todas as
interações humanas, caracterizadas por confrontação e negociação, e influenciadas
por sentidos simbólicos e discursivos”.
No entanto as questões ambientais ainda carecem de uma análise de luta social e
política, pois apesar das políticas públicas ambientais já existentes, há ainda um
isolamento entre o “setor ambiental” e os demais setores do governo, onde a questão
ambiental é exercida de maneira fragmentada e sempre deixada em segundo plano
(Acselrad et al., 2009).
Para Valencio (2010), as fragmentações das instituições ambientais levam à
desarticulação das mobilizações sociais. Na pesca artesanal, por exemplo, existem
demandas que são de competência do MPA e outras do MMA, havendo pouca interação
entre esses órgãos. Além dos distintos níveis de poder dos órgãos ambientais (federal,
estadual e municipal) geralmente resultarem em conflitos, entre os demais órgãos
governamentais vê-se que cada um prioriza apenas o seu âmbito de atuação.
De acordo com L. Cunha (2004), para a ecologia política os recursos ambientais
não são dados, mas construídos e por isso a mudança ambiental é vista como um
processo político, onde os conflitos socioambientais são decorrentes dessa construção
ambiental ao longo da história.
Dessa forma, a partir dos conflitos socioambientais decorrem processos de
transformações sociais que podem ser observadas no nível individual (subjetivo), onde
as pessoas incorporam determinados discursos uteis às suas reivindicações através da
88
identificação de seus hábitos e costumes em alguma categoria especifica que é protegida
legalmente (Santos, 2009; Acselrad et al., 2009).
Os pescadores artesanais de Sirinhaém, que antes tinham uma grande quantidade
de pescados, percebem que hoje suas práticas produtivas e seus modos de vida estão
ameaçados de desaparecer. E então, percebendo-se como uma minoria frente ao projeto
de desenvolvimento do Estado, passaram a se reconhecer como uma população
tradicional e buscam na implantação da Resex uma esperança de continuar a ter voz e
vez nesse jogo de poder.
“O estabelecimento de valores econômicos exige a desvalorização
de todas as outras formas de vida social. Essa desvalorização
transforma em um passe de mágica, habilidades em carências,
bens públicos em recursos, homens e mulheres em trabalho que se
compra e vende como um bem qualquer, tradições em fardo,
sabedoria em ignorância, autonomia em dependência (Esteva,
1992, p.18).
Esse exemplo de luta, além de tentar proteger o ambiente natural e social ali
representado, traz uma discussão: se quisermos um meio ambiente conservado, temos
que também conservar as populações tradicionais que são as principais guardiãs desses
recursos naturais.
89
CONCLUSÃO
“A negação das especificidades culturais de qualquer povo equivale à negação
de sua dignidade” (Alpha Ouma Konaré; apud Cuéllar, 1997, p.69).
Relatou-se neste trabalho como se configura um campo conflitivo no estuário do
rio Sirinhaém, que se liga à luta de pescadores artesanais para permanecerem em seu
território, em que estão envolvidas perspectivas diversas de progresso, qualidade de
vida e proteção ambiental. Neste campo estão presentes entidades que agem em defesa
dos pescadores e dos direitos humanos, empreendimentos sucroalcooleiros em
transformação, choques entre poderes municipais, estaduais e federais e distintos
projetos de futuro para o território em questão.
Nesse contexto, existe em Sirinhaém uma discussão para se garantir distintas
reivindicações com a criação da Resex, a partir da inclusão dessa população nas
decisões à cerca das políticas ambientais do governo. Hoje, as dificuldades enfrentadas
pelos pescadores de Barra de Sirinhaém são ainda diferentes das dificuldades
enfrentadas pelos ex-moradores das ilhas, pois estes últimos já tiveram descaracterizado
os seus modos de vida. Mas devido à expansão dos projetos industriais e turísticos sobre
o litoral sul, provavelmente os pescadores de Barra de Sirinhaém terão esse mesmo
destino, caso não se mobilizem em conjunto aos demais pescadores da região na
construção de uma luta comum. Nesse conflito de interesses diversos, a criação da
Resex se configura como um instrumento de luta, mas certamente não será o único
responsável por garantir a manutenção e a valorização da pesca artesanal nesse
município.
Segundo Moré apud Ernandorena (2003) “o antagonismo não é destrutivo em si,
nem bom em si, mas pode ser entendido como um elemento da evolução, e mais, um dos
elementos da própria vida. Portanto, os antagonismos são parte integral do meio onde
nascemos, nos criamos e morremos; de forma que não podem ser extirpados, já que
fazem parte de nossos sistemas de interação”. Na cultura chinesa a palavra conflito é
composta por dois sinais superpostos: um quer dizer perigo e o outro, oportunidade.
Há no conflito socioambiental de Sirinhaém duas possíveis situações: o perigo
de permanecer nesse impasse ou a oportunidade de considerar as distintas opções e
abrir-se a ocasiões que permitirão novas relações entre os indivíduos na finalidade de
inventar meios de solucionar os problemas cotidianos.
90
É importante que a comunidade de pescadores se articule para demonstrar aos
demais atores sociais desse conflito que possuem conhecimento de seus direitos e que
exijam respeito às suas reivindicações. É importante se construir redes locais e
nacionais no intuito de fortalecer a luta com diferentes instituições de apoio aos povos
tradicionais na busca de garantir um meio ambiente justo e socialmente democrático.
O caminho para se garantir espaço, em qualquer conflito, requer união entre toda
a comunidade pesqueira beneficiada pela Resex, para que seja discutido uma melhor
maneira de estar decidindo as soluções viáveis para a construção de um futuro mais
justo a todos, pois apesar dos discursos no intuito de desarticular a Resex, é possível
demonstrar à sociedade que os pescadores artesanais também querem se constituir como
sujeitos de seus ambientes. Esse conflito socioambiental pode se configurar em uma
oportunidade de estabelecer novas parcerias, obter novos conhecimentos, fortalecer a
tradição da pesca artesanal e garantir um litoral ambientalmente sustentável para as
futuras gerações. Pode ser também uma oportunidade de lutar para que o discurso
dominante de progresso não ocorra livremente, sendo portanto uma oportunidade de
construção de uma capacidade critica para se defender das injustiças ambientais, para
opor à lógica do interesse uma cultura de direitos. Pois enquanto os males ambientais
puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o meio ambiente
não cessará (Acselrad et al., 2009).
Assim é necessário também compreender melhor como as distintas visões sobre
o meio ambiente são construídas e interpretadas pelos diferentes atores sociais para que
seja possível estabelecer diálogos mais eficazes na tentativa de proporcionar uma visão
mais ampla dos conflitos socioambientais, ou seja, talvez essa seja uma oportunidade de
proporcionar uma transformação na maneira de agir e pensar, pois como já disse
Saramago, “a necessidade mais urgente é discutir a democracia, que está por aí feito
santa de altar, de quem não se esperam mais milagres”.
91
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97
ANEXOS
98
APÊNDICES
99
APÊNDICE 1.
Quadro 1: Cronologia dos documentos para a criação da Resex Sirinhaém-
Ipojuca.
Origem/Destino Data Objetivos Argumentos
Antes do Pedido
CPP/SPU Mar/98 Desapropriação das ilhas
Denuncia de débitos nos foros e poluição
CPP/Governo Jun/98 Criação de uma APA na área das ilhas
Declaração de interesse social
ZEEC Dez/99 Avaliar e orientar o uso e ocupação do solo
Orientar o processo de desenvolvimento do litoral sul
Usina Trapiche/TJ Jun/01 Processo de reintegração de posse das ilhas
Desocupar as ilhas estuarinas
Usina Trapiche/TJ Ago/04 Ação de Interdito Proibitório contra Nazareth Santos
Impedir novas construções na ilha Constantino
CPT/IBAMA Mar/06 Desapropriação das 17 ilhas e criação de uma Resex
Proteger o estuário e os pescadores
CPT/IBAMA Abr/06 Realização de um estudo sócio- ambiental na área
Iniciar o processo de implantação da Resex
Terra de Direitos/IBAMA Abr/06 Cassação do título de aforamento na GRPU
Poluição do rio e plantações ilegais na área
Usina Trapiche/TJ Set/06 Ação de Interdito é transformada em Ação de Reintegração de posse
Retirar as irmãs Nazareth e Graça da ilha Constantino
Pedido
CPT/IBAMA Abr/06 Pedido formal de implantação da Resex
Resolução do conflito pelo uso e acesso ao estuário
Após o Pedido
100
IBAMA Out/06 Parecer técnico de visita à Sirinhaém ocorrida em set/06
Sugerir a realização de um estudo na área
GRPU/Usina Trapiche Jan/07 Cancelamento do Aforamento da Usina Trapiche
Reaver as Terras da União
Usina Trapiche/GRPU Jan/07 Recurso da Usina Trapiche
Suspender o ato de cancelamento do aforamento
GRPU/Usina Trapiche Mar/07 Deferimento do pedido de efeito suspensivo do ato
Suspender o cancelamento do aforamento
IBAMA Abr/07 Vistoria de campo para reconhecer a área
Verificar o estado do estuário e conversar com os pescadores
IBAMA Mai/07 Avaliação técnica do estuário do rio Sirinhaém
A área possui os atributos para a definição de uma UC
Terra de Direitos/IBAMA Jul/07 Denuncia de prisões ilegais de duas pescadoras
Denuncia de suposto desmatamento de Mata Atlântica
Governo do Estado Out/07 Moção de descontentamento
Tornar público que não apóia a implantação da Resex
IBAMA Out/07 a Jan/08 Elaboração dos estudos técnicos para a criação da Resex
Procedimentos formais para a implantação da Resex
IBAMA/DIUSP-ICMBio Jun/08 Envio dos estudos da Resex para Brasília
Dar continuidade ao processo de criação da Resex
SPU Dez/08 Certidão Negativa de Débitos Patrimoniais
Provar que a Usina Trapiche não possui foros em débito
DIUSP(ICMBio) Dez/08 Aprovação dos estudos feitos pelo IBAMA
Constatação da relevância da criação da Resex
ICMBio Mar/09 Reunião com os ilhéus feita pelo ICMBio
Esclarecer sobre os demais passos para a criação da Resex
101
Usina Trapiche/ICMBio Mai/09 Parecer técnico contratado pela Usina Trapiche
Solicitar novas informações aos estudos (IBAMA) já aprovados
ICMBio Jun/09 Convite para a Consulta Pública a ser realizada no dia 15/06 em Sirinhaém
Ouvir as opiniões sobre a criação da Resex e dar prosseguimento ao processo
Governo do Estado (SECTMA) Jun/09 Moção de Repudio à criação da Resex
Tentar cancelar o processo de criação da Resex
ICMBio Jun/09 Adiamento da Consulta Pública
Escolher um local mais adequado para a reunião.
Consulta Pública em Sirinhaém Ago/09 Ouvir as opiniões sobre a criação da Resex
Procedimento formal para a criação da Resex
* Fonte: Processo nº 02019.000307/2006-31, IBAMA.
*Em Nov/2010 foram retiradas as duas últimas famílias que ainda moravam nas ilhas estuarinas de
Sirinhaém.
102
APÊNDICE 2: Figura 9.