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Sangramento na Segunda Metade da Gravidez 1 INTRODUÇÃO A hemorragia na segunda metade da gravidez não é mais uma causa comum de morte materna nos países industrializados, mas ainda é uma importante causa de mortalidade perinatal e de morbidade materna e do lactente. Aproximadamente metade das mulheres com hemorragia na segunda metade da gravidez apresenta descolamento prematuro da placenta ou placenta prévia. Na outra metade, freqüentemente não é possível estabelecer um diagnóstico. 2 DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA O descolamento prematuro de placenta (DPP) é a separação da placenta normalmente inserida no corpo uterino, em gestação com idade superior a 20 semanas e antes da expulsão fetal, que implica em sangramento uterino e reduz o aporte de oxigênio e nutrientes ao feto. 2.1 Classificação O DPP classifica-se em: Grau I (Leve) : É assintomárico. O diagnóstico é confirmado pelo exame histopatológico da placenta que revela o hematoma. Grau II (Intermediário) : O diagnóstico baseia-se nos sinais clássicos de DPP, com hipertonia uterina e sofrimento fetal. Nesta estágio o feto ainda está vivo. Grau III (Grave) : Caracteriza-se pelo óbito fetal. Pode ser divisiso em: 2

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Sangramento na Segunda Metade da Gravidez

1 INTRODUÇÃO

A hemorragia na segunda metade da gravidez não é mais uma causa comum de

morte materna nos países industrializados, mas ainda é uma importante causa de

mortalidade perinatal e de morbidade materna e do lactente. Aproximadamente metade

das mulheres com hemorragia na segunda metade da gravidez apresenta descolamento

prematuro da placenta ou placenta prévia. Na outra metade, freqüentemente não é

possível estabelecer um diagnóstico.

2 DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA

O descolamento prematuro de placenta (DPP) é a separação da placenta

normalmente inserida no corpo uterino, em gestação com idade superior a 20 semanas e

antes da expulsão fetal, que implica em sangramento uterino e reduz o aporte de

oxigênio e nutrientes ao feto.

2.1 Classificação

O DPP classifica-se em:

Grau I (Leve): É assintomárico. O diagnóstico é confirmado pelo exame

histopatológico da placenta que revela o hematoma.

Grau II (Intermediário): O diagnóstico baseia-se nos sinais clássicos de DPP,

com hipertonia uterina e sofrimento fetal. Nesta estágio o feto ainda está vivo.

Grau III (Grave): Caracteriza-se pelo óbito fetal. Pode ser divisiso em:

◦ III A – sem coagulopatia;

◦ III B – com coagulopatia.

2.2 Epidemiologia

A freqüência do diagnóstico de descolamento prematuro da placenta variará com

os critérios usados. A taxa de mortalidade perinatal quando há descolamento prematuro

da placenta confirmado é alta, freqüentemente maior que 300 por 1.000. Mais da metade

das mortes perinatais é causada por morte fetal antes de a mãe chegar ao hospital. As

mortes neonatais estão relacionadas principalmente com as complicações do parto pré-

termo. Entre os lactentes sobreviventes, as taxas de angústia respiratória, persistência do

canal arterial, baixos índices de Apgar e anemia são mais comuns que em séries

hospitalares não-selecionadas.

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2.3 Fatores de Risco

A causa primária de DPP é desconhecida, e vários distúrbios opdem ser

associados à gênese do DPP. Indubitavelmente o fator etiológico mais importante

relacionado ao DPP é a hipertensão arterial.

Os fatores mecânicos ou traumáticos internos, embora raramente associados ao

DPP (<2% dos casos), são os únicos que podem ser considerados determinantes do

acidente.

2.3.1 Causas mecânicas ou traumáticas internas

◦ Brevidade do cordão;

◦ Versão fetal externa: procedimento obstértrico que tem como objetivo alterar

artificialmente a apresentação fetal;

◦ Retração uterina intensa: após esvaziamento intempestivo na polidramnia ou

expulsão do primeiro feto de prenhez múltipla;

◦ Miomatose uterina;

◦ Torção do útero gravídico;

◦ Hipertensão da veia cava inferior por compressão uterina;

◦ Traumatismo abdominal.

2.3.2 Causas não traumáticas

◦ Síndromes hipertensivas: obstrução das artérias deciduais e infartos no sítio

placentário podem levar ao DPP. É o principal fator envolvido na fisiopatogenia do

DPP;

◦ Placenta circunvalada: caracteriza reflexão do âmnio sobre a placenta, antes de

atingir a borda placentária;

◦ Tabagismo e uso de cocaína: acarretam má perfusão placentária por necrose da

decídua basal na margem placentária, e grandes infartos;

◦ Anemia e má nutrição;

◦ Consumo de álcool;

◦ Corioamnionite;

◦ Idade avançada: acima de 35 anos.

Tradicionalmente, o DPP é comum em mulheres multíparas, no entanto, estudos

recentes (Uptodate, 2011) questionam a importância da paridade como fator etiológico.

2.4 Quadro clínico

O quadro clínico característico do DPP é a dor abdominal, associada ou nãoa

sangramento vaginal. A dor varia de leve desconforto até dor intensa, associada a

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aumento do tônus uterino, que pode se manifestar em graus variados, desde uma

taquihiperssistolia até hipertonia. Em casos de placenta de inserção posterior, a dor é

lombar. Na gestante em trabalho de parto, há persistência da dor entre as contrações.

O sangramento no DPP pode se manifestar das seguintes maneiras:

◦ Hemorragia exteriorizada;

◦ Hemoâmnio;

◦ Sangramento retroplacentário.

Até 20% dos sangramentos no DPP são ocultos, com formação de coágulo

retroplacentário e infltração sanguínea intramiometrial. Esse sangramento é responsável

pela apoplexia útero-placentária ou “útero de Couvelaire” que ocasiona déficit contrátil,

sendo importante causa de hemorragia pós-parto.

A coagulopatia pode estar presente no momento do diagnóstico. Esta pode se

instalar devido ao consumo dos fatores de coagulação pelo coágulo retroplacentário e

pela coagulação intravascular disseminada, pela liberação de tromboplastina na

circulação materna devido ao descolamento placentário.

A quantidade do sangramento exteriorizado pode não refletir a exata perda

sanguínea. Sangramento de coloração escurecida pode refletir a presença de formação

de coágulo retroplacentário.

O sangramento que se inicia na rotura das membranas deve ser diferenciado da

rotura de vasa prévia.

Ao investigar a história, deve-se pesquisar antecedentes de hipertensão,

ocorrência de trauma (incluindo violência física), abuso de drogas ou álcool e a

presença de outros fatores de risco associados.

2.5 Exame Físico

O primeiro passo deve ser a aferição de sinais vitais com medidas iniciais das

manobras de ressuscitação em suspeita de DPP: verificar se vias aéreas estão pérvias,

checar respiração e circulação (dois acessos venosos calibrosos com 1.000ml de solução

cristaloide correndo em cada um deles à velocidade inicial de 500ml nos primeiros 10

minutos e manutenção de infusão de 250ml/hora). A gestante apresenta mais

tardiamente sinais de instabilidade circulatória, e esta inicialmente se manifesta com

alterações posturais da pressão e/ou taquicardia. Quando estão presentes sinais e

sintomas de choque, isso significa perda de até 30% da volemia.

No exame obstétrico, deve-se realizar a palpação uterina observando a

apresentação fetal e se o tônus uterino está aumentado. Fazer medida de altura uterina e

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ausculta dos batimentos cardíacos fetais (monitoração fetal contínua). Na monitoração

fetal é frequente o achado de padrão não tranquilizador.

2.6 Diagnóstico

O diagnóstico de DPP é clínico.

A ultrassonografia tem maior utilidade na localização placentária e, pó

conseguinte, em afastar o diagnóstico de placenta prévia do que propriamente de

confirmação diagnóstica de DPP. O achado de coágulo retroplacentário em apenas ¼

dos casos justifica esta afirmativa. Além disso, a UDG pode confundir lagos venosos

normais com hematomas retroplacentários.

O tempo transcorrido entre o acidente e o diagnóstico constitui um dos dados

mais importantes para a instituição da conduta. O grau de sofrimento fetal depende mais

da área de descolamento que do tempo de evolução. Por outro lado, a ocorrência de

discrasia sanguínea parece estar mais relacionada à duração do processo. Assim, os

casos de óbito fetal que evoluem por mais de 4 a 6 horas são mais propensos a

apresentar distúrbios importantes da coagulação sanguínea.

A natureza e o momento da intervenção mais adequado para o caso dependem de

criteriosa avaliação da perda sanguínea, e esta, na maior parte das vezes, é subestimada

pelo grau de hemorragia vaginal.

Assim, os exames laboratoriais têm o objetivo de rastrear as complicações do

DPP:

◦ Anemia grave;

◦ Choque hipovolêmico;

◦ Discrasia sanguínea.

É aconselhável a realização de coagulograma. O teste de observação do coágulo

(teste de Weiner) está indicado sempre que o coagulograma não estiver disponível em

caráter de urgência. A contagem plaquetária e a dosagem de fibrinogênio, quando

disponíveis, também são exames importantes.

Teste de Weiner

O teste de observação do coágulo, ou teste de Weiner é um método simples que

pode ser realizado à beira do leito, sem necessidade de laboratório de urgência e avalia,

com boa acurácia o estado de coagulação da paciente.

São obtidos cerca de 8 ml de sangue mantidos em tubo de ensaio a 37°C. Da

observação do coágulo pode-se inferir a concentração aproximada de fibrinogênio

segundo a tabela a seguir:

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Coágulo Lise Fibrinogênio (mg/dl)

Firme - >150

Firme Parcial em 1 hora 100-150

Frouxo Total em 1 hora 60-100

Ausente - <60

2.7 Diagnóstico Diferencial

Os principais diagnósticos diferenciais são com as outras causas de hemorragia

na segunda metade da gravidez: placenta prévia, rotura uterina, rotura do seio maginal,

vasa prévia. Essas afecções vão ser melhor explanadas no decorrer do trabalho. Segue

uma explicação breve:

◦ Placenta Prévia: neste caso, a hemorragia externa e mais abundante, com

sangue vermelho, não esta dolorida ou de tetanização do útero

◦ Rotura Uterina: pode dar confusões, por causa do estado de choque, mas ao

exame físico observa-se dois tumores: a criança e o útero.

◦ Rotura do Seio Marginal: pode haver óbito fetal e sangramento vaginal, mas

não há hipertonia uterina.

2.8 Tratamento

Os livros didáticos divergem a respeito da via de parto prconizada nos casos de

DPP tanto com feto morto, quanto com feto vivo.

Em linhas gerais, a conduta no DPP depende basicamente da vitabilidade fetal.

Vale aqui ressaltar que da intervenção adequada e rápida depende o bom prognóstico da

mãe e do concepto.

Conduta terapêutica com feto vivo:

A grande questão é se há sempre indicação de cesariana ou se em caso de

trabalho de parto adiantado admite-se a realização de amniotomia sob vigilância

contínua e a monitorização da frequência cardíaca fetal. Esta questão não está definida

na literatura. Em geral, na presença de feto vivo, preconiza-se a cesariana em qualquer

fase do trabalho de parto. Mas diante de um parto iminente, é admissível o parto

vaginal.

Conduta terapêutica em feto morto:

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Caso se confirme o óbito fetal intraútero, não há necessidade da interrupção

imediata da gestação. Nesse momento, é imprescidível zelar pela saúde materna. Vale

lembrar que a vida materna corre sério perigo devido ao risco de CIVD.

Assim, a conduta ideal para gestação com DPP e feto morto, quando as

condições maternas permitem, é o parto vaginal. É importante salientar que o óbito fetal

traduz um descolamento mais acentudado e implica em um maior risco de coagulopatia.

Por esta razão, a interrupção da gestação deve ser realizada o mais rapidamente

possível. Quando o parto está próximo de ocorrer, está indicada a realização de

amniotomia. Caso seja necessário, pode ser empregado a ocitocina.

2.9 Complicações

Depois o rompimento das membranas e a prescrição de antispásticos a evolução

e, na maioria dos vezes, o trabalho de parto. E um trabalho rápido, que resulta no

nascimento de um feto morto. A expulsão esta seguida de delivrencia e alguns coágulos

escuros.

Existem casos que evoluem com numerosas complicações:

◦ Choque grave (o momento sendo a delivrencia)

◦ Hemorragia pelo fibrinação aguda e CID difuso

A inércia uterina aparece, normalmente quando os produtos de degradação de

fibrina têm um nível superior a 320 mcg/ml. Ela esta relacionada com:

◦ Aumento do processo degradativo da fibrina

◦ Tromboplastina e outros fatores relacionados com coagulopatia

◦ Anuria. Seja transitória, seja definitiva

◦ Raramente, necrose hipofisaria (síndrome de Sheehan)

◦ Anoxia fetal que causa freqüentemente a morte do feto dentro do útero (quando

o descolamento passa de 1/3 da superfície placentar) ou pode causar danos cerebrais

com manifestações psicomotoras tardias.

2.10 Prognóstico

Materno

A mortalidade materna chega a aproximadamente 3% dos casos. Alguns fatores

pioram o prognóstico materno, como a postergação exagerada do parto, antecedentes

toxêmicos, CID, choque e insuficiência renal aguda. A síndrome de Sheehan (necrose

hipofisária) é uma complicação materna.

Fetal

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O prognóstico fetal é mais grave que o materno. A morte do concepto ocorre,

comumente, em 90% dos casos: 100% nos graves, nos moderados em 65% e nos leves

em 25%. A prematuridade é um fator relevante no óbito neonatal, já que mais de 50%

dos casos de DPP cursam em recém-nascidos com menos de 2.500g.

3 PLACENTA PRÉVIA

Placenta prévia é a implantação de qualquer parte da placenta no segmento

inferior do útero, após 28 semanas de gestação. A SOGIMIG (2007) nos trás uma

definição mais completa, afirmando que a implantação da placenta tem que apresentar-

se sobre o orifício cervical interno (OI), cobrindo-o total ou parcialmente, ou

avizinhando-se deste (margem placentária a menos de 5 cm do OI). É importante ter o

conhecimento que a migração placentária devido ao crescimento diferencial das porções

uterinas termina em torno da 28ª semana, isso explica o porque de somente após 28

semanas de gestação é que se pode confirmar o diagnóstico de placenta prévia.

3.1 Clasificação

A classificação depende da localização da placenta em relação ao orifício interno

do canal cervical. Vale salientar que esta classificação é dinâmica e varia com a

evolução da dilatação cervical:

◦ Placenta prévia completa ou central total ou total: quando recobre

totalmente a área do orifício interno do colo uterino.

◦ Placenta prévia parcial ou central parcial: quando recobre parcialmente a

área do orifício interno do colo uterino.

◦ Placenta prévia marginal: o bordo placentário tangencia a borda do orifício

interno sem ultrapassá-la.

◦ Placenta de inserção baixa ou lateral: placenta localizada no segmento

inferior do útero, porém a borda placentária não alcança o óstio interno, mas situa-se

muito próxima a ele.

3.2 Epidemiologia

Ocorre em 0,5 a 1% das gestações. Sua frequência está vinculada à paridade

(1:1500 nas primigrávidas, 1:20 nas multíparas) e à idade da paciente (é ascendente a

curva de incidência até o fim da 4ª década de vida).

3.3 Fatores de Risco

◦ Idade materna maior que 35 anos;

◦ Multiparidade;

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◦ Endometrite;

◦ Abortamento provocado;

◦ Curetagens uterinas prévias;

◦ Cicatrizes uterinas prévias;

◦ Situações de grande volume placentário (gestação múltipla, hidrópsia fetal);

◦ Tabagismo.

3.4 Patogenia

Normalmente, a placenta procura se implantar em locais mais ricamente

vascularizados, uma vez que existem deficiências de irrigação nos locais usuais. Mais

precisamente, os locais mais vascularizados situam-se no fundo e parte súpero-posterior

do útero.

A decidualização pobre do útero, possivelmente relacionada a alterações

inflamatórias ou atróficas do endométrio, acompanhada de vascularização defeituosa,

parece estar diretamente associada com a placentação heterotópica. Em outras palavras,

a placenta desvia-se da área de inserção primitiva e procura áreas com melhores

condições de nutrir o ovo, expandindo-se superficialmente.

Por outro lado, em condições de hipóxia relativa, como no tabagismo, acontece

hipertrofia compensatória das vilosidades coriônicas, que leva ao aumento da ocorrência

de placenta prévia. Além disso, a anormalidade de implantação placentária se complica,

com certa frequência, com acretização placentária e inserções heterotópicas do cordão

umbilical.

3.5 Quadro Clínico

A apresentação clínica da placenta prévia caracteriza-se por hemorragia indolor

com sangue vermelho rutilante, desvinculada de esforços físicos ou traumatismos

(espontânea). O sangramento aparece mais frequentemente no final do segundo

trimestre ou ao longo do terceiro trimestre de gravidez. Tal fato é explicado pela

formação do segmento inferior do útero, típica deste período gestacional, caracterizada

pelo estiramento das fibras miometriais que facilitam o descolamento placentário.

O primeiro episódio de sangramento pode se exibir em pequenas quantidades e

cessa espontaneamente. É raramente cataclísmico. A hemorragia da placenta prévia

raramente está associada aos distúrbios da coagulação sanguínea. O sangramento se

exterioriza sempre e totalmente, ao contrário do sangramento do descolamento

prematuro de placenta.

Em caso de placenta prévia, duas condutas devem ser lembradas:

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◦ Não realizar o toque vaginal nas pacientes com suspeita ou diagnóstico

confirmado de placenta prévia, pois ele pode desencadear sangramento intenso e colocar

a mão e o concepto em risco.

◦ Nas pacientes com diagnóstico confirmado, deve-se realizar amniotomia

quando se optar pela via vaginal.

3.6 Diagnóstico

Além da clínica sugestiva, o diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia que

define a exata localização placentária. Outros exames complementares à USG podem

ser solicitados:

◦ Dopplerfluxometria: capaz de determinar a zona de inserção do funículo na

placenta, onde é produzido sopro audível, isócrono com pulso fetal. É complementar a

ultrassonografia.

◦ Ressonância Nuclear Magnética: é precisa para o diagnóstico da implantação

placentária. Apresenta uso limitado por seu alto custo e indisponibilidade na maioria

dos serviços.

3.7 Diagnóstico Diferencial

Deve ser realizado, especialmente, com outras causas de hemorragia na segunda

metade da gestação, a saber: descolamento prematuro de placenta, rotura uterina, rotura

do seio marginal e da vasa prévia.

Além disso, devem ser pesquisada hemorragias provenientes de lesões cervicais

(cervicite, pólipo, câncer), vaginais e vulvares, que são facilmente excluídas pelo exame

especular.

3.8 Tratamento

A conduta na placenta prévia depende da idade gestacional, intensidade do

sangramento e do tipo de inserção viciosa. O organograma abaixo resume a conduta na

placenta prévia:

Organograma 1 – Conduta na placenta prévia

Sim Interrupção

Placenta HemorragiaPrévia importante Sim Interrupção Gestação a termo Não Conservadora

Em linhas gerais, a via de parto varia com o tipo de inserção viciosa.

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Page 10: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

◦ Placenta prévia total: com feto vivo ou morto, a via de parto é sempre

cesariana.

◦ Placenta prévia parcial: cesariana, exceto em multíparas se o parto estiver

prócimo do fim, o sangramento seja discreto, e não haja um obstáculo mecânico

importante ao parto vaginal.

◦ Placenta prévia marginal ou baixa: o parto vaginal pode ser permitido.

Deve-se atentar para a intensidade da hemorragia. Se o sangramento não for muito

intenso e a mãe se encontrar estável hemodinamicamente ou o feto morto ou

malformações fetais compatíveis com a vida extrauterina, o parto vaginal é admissível.

3.9 Complicações

◦ Atonia pós-parto e hemorragia;

◦ Infecção puerperal;

◦ Lacerações do trajeto;

◦ Distócia de parto;

◦ Acretismo placentário.

◦ Parto prematuro;

◦ Amniorrexe prematura;

◦ Apresentações anômalas;

◦ Discinesias uterinas.

3.10 Prognóstico

Atualmente, a morbidade e mortalidade materna não são tão expressivas, em

virtude de melhores recursos no acompanhamento pré-natal e no diagnóstico precoce de

placenta prévia. No entanto, a mortalidade fetal perinatal ainda apresenta números

importante em razão da prematuridade e da maior incidência de malformações fetais. A

suposta associação da placenta prévia com crescimento intrauterina restrito parece não

alterar diretamente a mortalidade e a morbidade fetal.

4 ROTURA UTERINA

A rotura uterina consiste no rompimento parcial ou total do miométrio durante a

gravidez ou trabalho de parto. Comunica, assim, a cavidade uterina à cavidade

abdominal. Dessa forma, ocorre frequentemente a extrusão do feto e de partes fetais.

Esta afecção possui grande impacto no futuro reprodutivo da gestante.

4.1 Epidemiologia

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A rotura uterina ocorre em 5,3/1000 casos em todo mundo. Nos países

desenvolvidos, sua incidência é 3,5/1000 em mulheres com cesárea anterior e de

6/10000 em grávidas sem antecedentes da operação. No Brasil, a prevalência da rotura

uterina não é desprezível. A maior paridade das mulheres, os trabalhos de parto

complicados com distócias que são negligenciadas, e as desproporções cefalopélvicas

mal avaliadas contribuem fortemente para sua ocorrência.

A principal etiologia da rotura uterina nos países desenvolvidos é a pós-

cesariana. Já nos países em desenvolvimento é o parto obstruído.

4.2 Classificação

◦ Rotura uterina parcial ou incompleta: caracteriza-se por preservar a serosa

uterina e quase sempre está associada à deiscência de cicatriz uterina

◦ Rotura uterina total ou completa: corresponde a rotura da parede uterina,

incluindo a sua serosa, podendo ser espontânea ou traumática (uso inadequado de

ocitócitos, fórcipes, manobras obstétricas intempestivas).

4.3 Fatores de Risco

◦ Cirurgia miometrial (cesárea, miomectomia);

◦ Trauma uterino pós-curetagem;

◦ Malformação uterina congênita;

◦ Adenomiose;

◦ Secundamento patológico;

◦ Desnutrição;

◦ Multiparidade pelo adelgaçamento das fibras miometriais;

◦ Manobra de Kristeller;

◦ Doença trofoblástica gestacional (penetração excessiva do trofoblasto que

enfraquece a parede uterina);

◦ Sobredistensão uterina (gemelar e polidramnia);

◦ Parto obstruído (desproporção cefalopélvica, apresentações anômalas, tumore

prévios);

◦ Versão externa, interna e extração podal;

◦ Trauma fechado (acidentes automobilísticos);

◦ Uso de ocitócitos e prostaglandinas na indução ou condução do parto.

4.4 Quadro Clínico

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Page 12: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

A rotura uterina pode ocorrer no pré-parto, intraparto e pós-parto. O trauma

abdominal é uma importante causa de rotura uterina pré-parto, podendo ser um achado

intraoperatório de uma cesárea eletiva.

Sinais de iminência de rotura uterina = Síndrome de Bandl-Frommel

Caracteriza-se clinicamente pela síndrome de distensão segmentária ou síndrome

de Bandl-Frommel. Em geral, a paciente se apresenta ansiosa e agitada, com contrações

uterinas vigorosas e excessivamente dolorosas. A distensão das fibras musculares

uterinas a essa altura já é tão importante que, à palpação, percebe-se, através da parede

abdominal, próximo ou à altura da cicatriz umbilical, o relevo do anel que separa o

corpo uterino do segmento inferior – Sinal de Bandl. Os ligamentos redondos são

desviados para a face ventral do útero e também podem ser palpados, excessivamente

distendidos e retesados – Sinal de Frommel. Ao se diagnosticada a síndrome de

distensão segmentária, caso não haja intervenção médica imediata, segue-se a rotura, em

geral, acompanhada de quadro clínico cataclísmico.

Sinal de rotura uterina consumada

Caracteriza-se por dor súbita e lancinante na região hipogástrica. O trabalho de

parto é imediatamente paralisado. Na rotura completa é possível a palpação de partes

fetais através da parede abdominal. A hemorragia pode ser discreta ou grave, ou pode

ser oculta ou se manifestar por sangramento vaginal. Por este motivo, é de suma

importância o diagnóstico diferencial co as outras causas de hemorragia da segunda

metade da gestação. Em alguns casos, dada a seriedade da hemorragia, pode sobrevir o

choque hipovolêmico.

Ao exame clínico, um sinal importante corresponde à presença de crepitação à

palpação abdominal produzida pela passagem de ar para o peritônio e tecido subcutâneo

da parede abdominal. Isto ocorre devido à comunicação do útero roto com o meio

externo através da vagina – Sinal de Clark. Ao toque vaginal, o sinal mais importante é

a ascendão da apresentação – Sinal de Reasens. Este sinal é considerado por alguns

autores como sinal patognomônico da rotura uterina. Os batimentos cardíacos fetais

raramente são audíveis após o evento, pois a morte fetal é regra. Quando ocorres a

deiscência de cicatriz de cesariana anterior e a rotura é incompleta, ou seja, o concepto

ainda permanece na cavidade uterina, é possível a ausculta dos batimentos cardíacos

fetais imediatamente após o episódio.

4.5 Tratamento

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Page 13: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

A identificação rápida e precisa dos sinais premonitórios de rotura uterina

constituem a principal forma de prevenção deste evento. Em caso de exarcebação da

atividade contrátil, a utilização de uterolíticos pode controlar a distensão do órgão e

evitar a rotura.

Ao ser diagnosticado a rotura uterina, exige-se intervenção cirúrgica imediata. A

conduta cirúrgica pode variar desde uma simple ráfia do útero até a histerectomia. A

indicação vai deprender basicamente da extensão da lesão, condições da parede uterina,

sede da rotura, estado clínico da paciente, idade e sua paridade. Em geral, nas

multíparas, procede-se a histerectomia total ou subtotal, sem ressecção dos anexos.

5. ROTURA DE VASA PRÉVIA

Os vasos prévios correspondem a uma anomalia de inserção do funículo

umbilical na placenta, na qual os vasos umbilicais, que correm livres sobre as

membranas (sem aposição de tecido placentário), cruzam o segmento inferior uterino, e

se colocam à frente da apresentação. Em outras palavras, os vasos prévios descrevem os

vasos fetais das membranas que atravessam a região do orifício interno do canal

cervical, e ocupam uma posição à frente da apresentação.

A vasa prévia pode ocorrer em uma inserção velamentosa do corsão umbilical.

5.1 Fatores de Risco

A rotura da vasa prévia é uma entidade associada às inserções marginais do

cordão, placentas bilobadas, placentas suscenturiadas (lobo acessório separado da massa

placentária) e, mais frequentemente à inserção velamentosa do funículo umbilical

(vasos sanguíneos deixam o cordão umbilical antes da inserção placentária e caminham

em leque, sem a proteção da geleia de Warthon, pela membrana ovular, até alcançar a

massa placentária, sendo mais susceptíveis a traumatismos).

5.2 Quadro Clínico

O examinador cuidadoso poderá palpar alguma vezes um vaso fetal tubular nas

membranas sobrejacentes è parte da apresentação. A compressão dos vasos entre o dedo

do examinador e a apresentação fetal tende a induzir alterações na frequência cardíaca

fetal. Por vezes, os vasos podem ser visualizados diretamente, ou através da

dopplerfluxometria.

Nos vasos prévios reside um risco considerável para o feto em caso de ruptura

das membranas, seja ela espontânea (amniorrexe) ou artificial (amniotomia). A

ocorrência desse evento ou a realização deste procedimentopode ser acompanhada por

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Page 14: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

ruptura de um vaso fetal, que pode desencadear exsanguinação e sofrimento fetal, e

representar risco de vida para o feto. A mortalidade fetal da vasa prévia não

diagnosticada se aproxima de 60 %. Sempre que houver hemorragia pré-parto ou

intraparto, existe a possibilidade de ruptura de vasos prévios (vasos fetais).

Tipicamente, a rotura de vasa prévia caracteriza-se pela presença de hemorragia

no final da gravidez ou durante o trabalho de parto, no momento do rompimento da

bolsa das águas, pois a inserção do cordão umbilical se dá nas membranas, fora da

região placentária. Os vasos calibrosos, então, situam-se entre o âmnio e o cório. Na

rotura de membranas pode haver comprometimento destes vasos.

A quantidade de sangue fetal que pode ser perdida sem matar o feto é pequena.

Uma conduta rápida facilmente disponível para detectar sangue fetal é fazer um

esfregaço do sangue em lâminas de vidro, corar os esfregaços pelo método de Wright, e

examinar para a pesquisa de hemácias nucleadas, que normalmente estão presentes no

sangue do cordão, mas não no sangue materno.

5.3 Diagnóstico

A avaliação ultrassonográfica pré-natal com dopplerfluxometria colorida para

rastreamento da presença de vasos prévios é mandatória para mulheres que apresentem

as seguintes condições:

◦ Placenta baixa;

◦ Placenta bilobada;

◦ Placenta suscenturiada;

◦ Inserção velamentosa .

A ultrassonografia por via transvaginal favorece a observação de vasos sobre o

colo uterino e na frente da apresentação fetal.

5.4 Conduta

Estudos recentes sugerem que a melhor conduta na constatação de vasos prévio

é a interrupção eletiva da gestação por via alta (cesariana), em todas as pacientes com

36 semanas ou mais. Outras indicações de cesárea incluem rotura de membranas,

trabalho de parto ou sangramento significativo.

5.5 Prognóstico

O prognóstico é pior quando a veia umbilical é acometida. Neste caso, a morte

do feto é quase imediata. O prognóstico é melhor quando a artéria umbilical é

envolvida, já que a circulação pode se manter pela outra artéria umbilical.

15

Page 15: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

6 ROTURA DO SEIO MARGINAL

O seio marginal consiste na extrema periferia do espaço interviloso. Suas

paredes são formadas pela placa basal e pelas membranas, no ponto onde ambos se

refletem sobre a decídua vera. A decídua vera é aquela que atapeta toda a cavidade

uterina, com exceção da zona correspondente à implantação.

6.1 Quadro Clínico

Por vezes no periparto, ocorrem pequenas roturas no seio marginal, que se

manifestam por episódios de sangramento vaginal indolores, contínuos, de pequena

monta, vermelho-vivos, acompanhados de tônus uterino normal, de batimentos

cardíacos fetais normais, e de placenta normoposicionada à ultrassonografia.

É importante destacar que o sangramento é de origem materna e, em geral, de

pequena intensidade. Por esta razão, o prognóstico fetal é bom, ou seja, não há

sofrimento fetal.

6.2 Diagnóstico

Não há como firmar o diagnóstico antes do parto. No entanto, parece ser uma

das principais causas de sangramento na gravidez avançada. A confirmação diagnóstica

só pode ser firmada após a saída da placenta mediante estudo histopatológico.

7 CONCLUSÕES

A hemorragia na segunda metade da gravidez é uma situação com risco de vida.

Todos os profissionais que atendem mulheres durante a gravidez e o parto devem

conhecer as causas e o prognóstico do sangramento, e ter em mente um plano claro para

seu diagnóstico diferencial e tratamento.

Segue abaixo um quadro que resume/compara as principais causas de

sangramento na segunda metade da gestação:

Quadro 1 – Padrões Clínicos

DPP Placenta

Prévia

Rotura

Uterina

Rotura de

Vasa Prévia

Rotura de Seio

Marginal

Início Súbito Gravidade

progressiva

Súbito Após

amniotomia

Súbito e

periparto

Origem Materna/

fetal

Materna Materna Fetal Materna

Hemorragia Escura, Viva, Viva, Viva, Única Viva, única

16

Page 16: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

única,

oculta em

20%

(rutilante)

de repetição

Ùnica Grave e

precoce

Sofrimento

Fetal

Grave e

precoce

Ausente ou

tardio

Grave e

precoce

Grave e

precoce

Ausente

Hipertonia Sim Não Não Não Não

Dor Sim

(hipertonia)

Indolor Cessa Indolor Indolor

Discrasia Sim Não Não Não Não

Amniotomia Não altera

hemorragia

Diminui

hemorragia

- Desencadeia

sangramento

-

Diagnóstico Clínico USG Clínico USG +

Dopplerfluxo

metria ou no

pós-parto

Histopatológic

o pós-parto

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Page 17: TCR - Sangramento Na Segunda Metade Da Gravidez

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gestação de Alto Risco. 5 ed. pág. 52-64. Brasília: Editora

MS, 2010.

ENKIN, Murray W. Guia Para Atenção Efetiva na Gravidez e no Parto. 3 ed. Cap.

21, pág. 97-100. Editora: Guanabara Koogan, 2005.

CAMANO, Luiz; Souza, Eduardo de. Descolamento Prematuro de Placenta. Projeto

Diretrizes AMB/CFM, 2002.

SOGIMIG. Ginecologia & Obstetrícia – Manual para concursos/TEGO. 4 ed.

Editora: Guanabara Koogan, 2007.

REZENDE. Obstetrícia. 11 ed. Editora: Guanabara Koogan, 2010.

ZUGAIB. Obstetrícia. 1 ed. Editora: Manole, 2008.

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