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TRIBUNAL DE CONTAS
RESUMO
Em Portugal, o Tribunal de Contas (TdC) serve como instituição de
auditoria máxima, tendo um importante papel na fiscalização das
contas públicas e na prevenção da corrupção1. O Tribunal apresenta
um nível considerável de eficácia na detecção de irregularidades e
identificação de práticas potencialmente desviantes ou de risco na
gestão de dinheiros públicos, o que se pode revelar útil na detecção
e prevenção da fraude e peculato, mas com efeitos limitados
quanto à detecção de corrupção no sentido estrito. No entanto, a
função deste tribunal enquanto auditor da boa gestão dos dinheiros
públicos, nomeadamente quanto à sua sustentabilidade e impacto
nas gerações futuras, continua a ser praticamente inexistente e
inconsequente.
O efeito útil desta atividade preventiva tem, no entanto, vindo a
ser condicionado, seja pelo fraco acatamento das recomendações
por parte das entidades visadas (que, apesar disso, tem vindo a
tornar-se mais célere), seja pela não efetivação de
responsabilidades financeiras (cuja promoção é competência do
Ministério Público) aos responsáveis pela má gestão dos dinheiros
públicos.
1 Discurso do Presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, no âmbito da
Sessão Comemorativa dos 160 anos do Tribunal de Contas, 13 de julho de 2009.
Entre as questões que poderão pôr em causa a integridade,
independência e transparência do TdC estão: a possibilidade de
falta de isenção do Presidente do TdC, derivada da sua nomeação
essencialmente política e em estrita ligação com os poderes
decisórios; a inexistência de mecanismos adequados de controlo da
atuação dos juízes (nomeadamente, mediante a presença de
elementos externos; a ausência de um código de conduta
diretamente aplicável aos juízes deste tribunal; e a potencial
ineficácia das recomendações do TdC em casos extremos (não
acatamento, não prossecução de ação jurisdicional em relação aos
visados, etc.)
Numa perspectiva global, perante o enquadramento legal e a
atuação do TdC é possível concluir que as bases para uma eficaz
auditoria para as finanças públicas estão enraizadas, dependendo a
melhoria da gestão dos dinheiros públicos de um correto
acatamento pelas entidades visadas das recomendações feitas e,
no âmbito de uma correta e eficaz prevenção da corrupção, de uma
mais saudável comunicação e articulação com o Ministério Público,
Polícia Judiciária e organismos de controlo da Administração
Pública (v.g., as Inspeções-Gerais).
2
ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA
O Tribunal de Contas é o órgão máximo de auditoria em Portugal,
fiscalizando financeiramente o sector público e quaisquer entidades
que utilizem dinheiros públicos. Não se trata, no entanto, da única
entidade de auditoria: prevêem-se igualmente entidades de
natureza administrativa (como as Inspeções-gerais) que levam à
prática controlos semelhantes. Acresce, naturalmente, o controlo
público efetuado pelos órgãos competentes com esta natureza (v.g.,
Assembleia da República).
O Tribunal (sede) é composto por um Presidente (Conselheiro
Presidente) e dezasseis juízes conselheiros. Para além disso, o TdC
tem duas Secções Regionais – Madeira e Açores -, cada uma com 1
juiz conselheiro. Junto do Tribunal têm assento também
representantes do Ministério Público com funções delegadas pelo
Procurador-Geral da República.
Entre as competências deste tribunal está a fiscalização prévia,
concomitante e sucessiva das finanças sujeitas a controlo público, e
também a efetivação de responsabilidades financeiras. Além desta
função base de fiscalização, o TdC tem competência para julgar as
contas no âmbito da lei, apreciar a gestão financeira das entidades,
e dar parecer sobre a Conta Geral do Estado e as contas das
Regiões Autónomas.
No âmbito do combate à corrupção, embora o TdC não tenha
competências quanto a este aspecto, tem ainda assim uma relação
direta quanto à prevenção da corrupção por via da sua relação
próxima com o Conselho de Prevenção de Corrupção (CPC),
nomeadamente pela direção comum de ambos os organismos2 e
pela partilha de informação por parte do TdC ao CPC
(disponibilização relatórios de auditorias, inquéritos, etc3).
Dentro do seu âmbito de controlo estão quase todas as entidades
que administram ou utilizam dinheiros públicos (excluindo, por
exemplo, os partidos políticos – sujeitos a fiscalização pelo
Tribunal de Contas), incluindo a Administração Pública, as empresas
públicas e até entidades de direito privado, representando, no
total, cerca de 7500 entidades4.
2 O Presidente do CPC é o Presidente do TdC, e o Secretário-Geral do CPC é o
Diretor-Geral do Tribunal de contas – art. 3.º da Lei 54/2008, de 4 de setembro. 3 Art. 9.º/4 da Lei 54/2008, de 04 de setembro. 4 Tribunal de Contas, Relatório Anual de Atividades e Contas 2010, Lisboa, 2011.
RECURSOS (PRÁTICA)
Em que medida são assegurados recursos e
meios para que o Tribunal de Contas
desempenhe as suas funções eficazmente?
Score: 75
O TdC tem autonomia administrativa, económica e financeira e
meios/recursos próprios. O TdC elabora um orçamento anual que é
apresentado ao Governo e que é inserido no Orçamento de Estado
(em 2010 esta verba quase atingiu os 21 milhões de euros – 75,3%
do total da despesa do Tribunal de Contas).
Para além do Orçamento de Estado, os recursos e receitas próprias
conferem uma maior margem de manobra e independência
financeira ao TdC. Estas receitas próprias (cerca de 7 milhões de
euros, representando 24,7% do financiamento do TdC) provêm,
nomeadamente, de fundos recebidos para o cofre do TdC no âmbito
das auditorias que realiza (estas são pagas pelos próprios
organismos auditados), dos serviços que presta e através da venda
de livros e material editado pela instituição. As multas e sanções
impostas pelo TdC não fazem, no entanto, parte das suas receitas. É
considerado pelos representantes do TdC que os recursos
financeiros disponíveis são suficientes para uma prossecução eficaz
das suas funções5.
Além do seu financiamento, está previsto legalmente que o
Tribunal disponha dos serviços indispensáveis para o desempenho
das suas funções (art. 14.º da Lei de Organização e Processo do
Tribunal de Contas6 - LOPTC). Neste sentido, é considerado que o
Tribunal de Contas e a Direção-Geral do Tribunal de Contas
usufruem de um número adequado de quadros7, com 18 juízes
conselheiros e o Presidente do Tribunal (19 no total), e 529
funcionários em serviços de apoio8. A contratação de peritos
externos também tem lugar quando a especificidade das auditorias
o exige (v.g., auditorias a sistemas de pagamentos a nível do
Sistema Nacional de Saúde).
A distribuição do pessoal pelo Tribunal de Contas, no entanto,
poderá não ser a mais apropriada, nomeadamente a quantidade de
pessoal de apoio afeto à auditoria (secção que tem o maior número
5 Entrevista com os representantes do Tribunal de Contas: Dr. Guilherme d’Oliveira
Martins, Presidente do Tribunal de Contas e do Conselho de Prevenção de
Corrupção, e Dr. José Farinha Tavares, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas e
Secretário-Geral do Conselho de Prevenção de Corrupção, 06 de junho de 2011. 6 Lei 98/97, de 26 de Agosto. 7 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011. 8 Tribunal de Contas: Relatório 2010, pág. 73.
3
de competências e de juízes conselheiros afetos): menos de 1/5 do
total de pessoal dos serviços de apoio.
INDEPENDÊNCIA (LEI)
Em que medida são asseguradas pela lei a
independência e a autonomia do Tribunal de
Contas?
Score: 75
A existência do TdC está prevista na Constituição da República
Portuguesa e a sua independência e autonomia estão garantidos
nas normas que constituem o seu enquadramento legal. A este
nível é muito esclarecedor o artigo 7.º da LOPTC:
Art. 7.º
1 – O Tribunal de Contas é independente.
2 – São garantias de independência do Tribunal de Contas o auto
governo, a inamovibilidade e irresponsabilidade dos seus juízes e a
exclusiva sujeição destes à lei.
3 – (…)
4 – Só nos casos especialmente previstos na lei os juízes podem
ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a
responsabilidade civil, criminal ou disciplinar.
5 – (…)
O Presidente do TdC nomeado, por um período de 4 anos (art.
214.º/2 CRP), e exonerado pelo Presidente da República Portuguesa
(que também tem poder para o remover do seu cargo) sob proposta
do Governo (alínea m do art. 133.º CRP). Este método de nomeação
tem servido como base para várias críticas à isenção,
independência e vulnerabilidade a pressões externas por parte do
presidente deste tribunal. Exatamente por existir este risco, o TdC é
um organismo colegial cujas decisões são sempre coletivas, sendo
que nem o Presidente nem o Diretor-Geral do Tribunal de Contas
têm competências de auditoria.
O recrutamento dos juízes realiza-se através de concurso público
baseado em análise curricular realizada por um júri presidido pelo
Presidente do TdC e constituído pelo Vice-Presidente, pelo juiz mais
antigo e por dois professores universitários, um de Direito e outro
de Economia, Finanças, Organização e Gestão ou Auditoria,
designados pelo Governo (arts. 18.º a 20.º da LOPTC).
Tanto o Presidente como os juízes do TdC estão sujeitos apenas e
só à lei (art. 8.º da LOPTC), tendo que respeitar as mesmas
incompatibilidades, impedimentos e escusas dos magistrados
judiciais: não podem exercer funções em órgãos de partidos
políticos, associações políticas ou vinculadas a partidos políticos,
nem desenvolver qualquer atividade político-partidária, etc.
Os juízes contam com imunidade limitada quanto às suas decisões,
já que em casos especiais (como os de negligência nas decisões) –
previstos na lei – podem ser sujeitos a responsabilidade civil,
criminal ou disciplinar durante o exercício das suas funções.
INDEPENDÊNCIA (PRÁTICA)
Na prática, em que medida é o Tribunal de
Contas independente face à interferência de
atores externos?
Score: 75
Como acima mencionado, o método de designação do Presidente do
TdC permite que exista alguma interferência política. Por este
motivo, o Presidente do TdC não tem escapado a críticas ocasionais
por parte dos partidos políticos de oposição, tendo já sido acusado
de setorialismo, partidarismo e instrumentalização no desempenho
das funções9 e tendo sido posta em causa a sua independência com
base nas suas anteriores funções de Ministro das Finanças (2001-
2002).
É reconhecido que, na prática, o Presidente do TdC poderá mais
facilmente ser alvo de pressões externas10, daí que em várias
situações o Presidente não tenha direito de voto, baseando-se nas
decisões colegiais dos restantes juízes conselheiros.
Também o recrutamento de juízes, feito a partir de um júri
maioritariamente11 selecionado pelo Executivo, é passível de
críticas pela falta de representantes externos (ou seja, designados
por outros órgãos de soberania) que sejam garantia de uma maior
isenção.
Ao nível da formação das equipas de auditores, o TdC toma em
conta os seus dados biográficos e experiência profissional12 para
evitar possíveis conflitos de interesse ou interferências externas
no âmbito das auditorias e outras fiscalizações.
9 Veja-se o caso das transferências para a Caixa Geral de Aposentações, em que o
atual Presidente do TdC foi acusado de falta de isenção pelos partidos PSD e CDS-
PP após divulgação, pelo TdC, de uma auditoria revelando que, no âmbito da
atuação do governo de coligação destes dois partidos, os encargos com os fundos
de pensões de empresas públicas transferidos para a Caixa Geral de Aposentações
iriam custar EUR 303 milhões por ano ao Estado até 2014. (LUSA, “Tribunal de
Contas rejeita acusações de falta de independência” , in Público, 14.01.2006). 10 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de Junho de 2011. 11 Em rigor apenas se poderá dizer que dois dos membros do júri são designados
pelo Governo, no entanto, dado que o Presidente do TdC é proposto pelo Governo,
consideramos a afirmação acima igualmente válida. 12 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011.
4
Recomendação
Assegurar uma participação externa (membros não designados pelo
Governo) no recrutamento de juízes para o TdC, nomeadamente,
pelo alargamento do leque de membros do júri, incluindo membros
designados pela Assembleia da República ou do Conselho Superior
de Magistratura.
TRANSPARÊNCIA (LEI)
Em que medida está previsto por lei ou outro
tipo de regulamentação o acesso pelo público a
informações relevantes quanto à atividade e
decisões do Tribunal de Contas?
Score: 100
Segundo o disposto no art. 9.º LOPTC são obrigatoriamente
publicados no Diário da República (que também faz fé na sua
versão eletrónica – http://www.dre.pt) os acórdãos que fixem
jurisprudência (na 1ª série) e outros documentos (2ª série) como: o
relatório e parecer sobre a Conta Geral do Estado, os relatórios e
pareceres sobre as contas das Regiões Autónomas, o relatório
anual de atividades do Tribunal de Contas, as instruções e
regulamentos do Tribunal de Contas, os valores e a relação das
entidades, os relatórios e decisões que o Tribunal de Contas
entenda deverem ser publicados, após comunicação às entidades.
Adicionalmente, o número 4 do artigo 9.º possibilita ao Tribunal de
Contas difundir por qualquer meio que considere adequado os seus
relatórios e deliberações.
TRANSPARÊNCIA (PRÁTICA)
Em que medida existe na prática acesso a essa
informação?
Score: 100
De acordo com o disposto no número 4 do artigo 9.º, o TdC
disponibiliza no seu website (www.tcontas.pt), de forma sistemática
e abrangente, as suas decisões, deliberações, relatórios de
auditoria, assim como os esclarecimentos do Tribunal e as
declarações e entrevistas do seu Presidente.
A comunicação social tem um papel importante na difusão de
informação sobre as atividades do Tribunal de uma forma acessível
aos cidadãos, e para este efeito o Tribunal dispõe de um Núcleo de
Comunicação Social responsável por assegurar estas comunicações.
Durante o ano de 2010, os documentos divulgados pelo TdC
geraram cerca de 12 mil notícias13 sobre o Tribunal de Contas em
todos os meios de comunicação (Internet, Papel, Televisão).
Os mecanismos que obrigam o TdC à prestação de contas perante a
AR também têm aqui um papel importante na publicidade dos seus
atos, nomeadamente por via da apresentação do relatório anual de
atividades a este órgão legislativo. Estes relatórios costumam ter
uma descrição abrangente, esclarecida e, em certos pontos,
exaustiva da atividade do TdC, incluindo, além da descrição da
atividade do tribunal (incluindo a descrição de alguns dos
processos), a identificação de áreas problemáticas e de
recomendações emitidas.
O TdC disponibiliza igualmente a metodologia utilizada14 (métodos
e técnicas) nas auditorias às entidades auditadas. Esta, muitas das
vezes, serve como referência a outras organizações a quem
compete realizar auditorias e fiscalização no controlo estratégico e
setorial dos dinheiros públicos do Estado.
No website do TdC constam, igualmente, os relatórios que em
virtude do plano de auditorias anual foram realizados às entidades
auditadas. Estes são publicitados ao público após o follow-up da
auditoria. As entidades visadas têm consciência de que serão
ajuizadas, no seu desempenho gestionário dos dinheiros, pelos
cidadãos.
ACCOUNTABILITY (LEI)
Em que medida existem mecanismos legais que
obrigam o Tribunal de Contas a prestar contas
pelas suas decisões e atividades?
Score: 100
Existem vários mecanismos legais que têm como objetivo uma
prestação de contas pelo Tribunal de Contas aos vários órgãos de
soberania: ao Presidente da República, informado sobre as
conclusões das ações de controlo do TdC; à Assembleia da República
(AR), principalmente quanto ao Parecer da Conta Geral do Estado e
acompanhamento da execução orçamental; e ainda ao Governo por
via da remessa de relatórios de acompanhamento de execução
orçamental aos Ministérios.
O TdC presta contas da sua atividade anualmente junto da AR por
meio do relatório anual de atividades e contas, sendo a gestão do
seu orçamento também objeto de controlo pelo Parlamento. Não
13 Tribunal de Contas: Relatório 2010, pág. 65. 14 Disponível em
http://www.tcontas.pt/pt/publicacoes/manuais_publicacoes.shtm.
5
existe, no entanto, um elenco legal dos conteúdos dos relatórios
anuais.
Nesta medida a AR e o TdC têm uma relação muito próxima, não só
na medida em que ambos os órgãos têm como função acompanhar
a execução orçamental por parte do executivo, mas também pela
possibilidade da AR solicitar ao TdC relatórios intercalares ou
qualquer outro esclarecimento sobre esta fiscalização da execução
orçamental (art. 36.º da LOPTC e 56.º/7 da Lei de Enquadramento
Orçamental) ou solicitar a comunicação de quaisquer informações
relacionados com as competências de controlo financeiro do TdC
(art. 11.º/4 LOPTC).
O TdC responde politicamente perante a AR, sendo o Presidente do
TdC nomeado pelo Presidente da República. Isto permite-lhe a
disciplina do Orçamento do Estado e da execução orçamental de
forma a controlar a despesa dos Ministérios governamentais.
Além destes mecanismos de prestação de contas pelas decisões
produzidas, o TdC é igualmente sujeito a fiscalização das suas
contas e da sua atividade por via de auditorias e de outros
mecanismos (art. 113.º da LOPTC), tais como a verificação externa
dos cofres (anual) ou a auditoria do tribunal e da sua Direção-Geral
por parte de uma empresa especializada externa.
Por último, tal como nos tribunais judiciais, é possível para as
entidades auditadas recorrer das decisões tomadas pelo TdC. Este
recurso não transita para um tribunal diferente, mas para uma
secção diferente ou para plenário.
ACCOUNTABILITY (PRÁTICA)
Na prática, em que medida é que o Tribunal de
Contas presta contas pelas suas decisões e
atividades?
Score: 75
As medidas previstas no ponto anterior são efetivamente
aplicadas. Na prática, e em grande parte derivado da importância (e
da mediatização) suscitada pelas decisões do Tribunal de Contas, a
lei é cumprida e os principais pareceres do TdC (como o Parecer
sobre a Conta Geral do Estado) são entregues e discutidos na AR e
nas suas comissões especializadas15 (v.g., Comissão Parlamentar
de Orçamento e Finanças e Comissão de Obras Públicas,
Comunicação e Transportes).
15 Tribunal de Contas: Relatório 2010, pág. 63.
Adicionalmente, o relatório de atividades é apresentado ao
Presidente da República e à Assembleia da República. Apesar de
não existir uma indicação concreta sobre o que deverá constar no
relatório anual, este por costume contém informação
suficientemente abrangente e, simultaneamente, exaustiva sobre
as suas atividades. Também os resultados das auditorias são
reportados à AR.
A contestação das decisões do TdC é feita por recurso. Durante o
ano de 2010 foram elaboradas 37 decisões relativas a recursos16,
mas apenas em 5 delas é que o tribunal decidiu a favor dos
recorrentes.
A auditoria às atividades e contas do próprio TdC (parte
administrativa – Direção-Geral do Tribunal de Contas) é feita por
uma entidade externa escolhida por concurso público17, contratada
por períodos de 3 anos não renováveis, e também pelos próprios
juízes do TdC. Os relatórios produzidos pelos auditores externos,
publicados em conjunto com o relatório anual de atividades do TdC
(art. 113.º LOPTC), são, no entanto, curtos e demasiado focados nas
contas do TdC não fazendo referências à gestão da Direção-Geral do
Tribunal de Contas.
MECANISMOS DE INTEGRIDADE (LEI)
Em que medida são previstos mecanismos legais
que garantam a integridade do Tribunal de
Contas e dos seus juízes?
Score: 75
No seguimento dos princípios que garantem a independência do
Tribunal de Contas, a integridade dos seus juízes (e até dos seus
funcionários) é garantida por um conjunto de mecanismos legais e
práticas, por exemplo:
1. A inexistência de decisões individuais (o TdC ser um
organismo colegial), providenciando uma fiscalização
mútua por parte dos vários juízes do Tribunal. Os
relatórios de auditoria devem ser aprovados por
unanimidade (mínimo de 3 juízes nas subseções, ou 9
juízes no plenário da secção);
16 Id, pág. 23. 17 À data da escrita do presente relatório, a empresa contratada era a BDO,
representada em Portugal pelas firmas BDO & Associados SROC, BDO Consulting e
BDO Outsourcing, Serviços de Contabilidade e Organização, website: www.bdo.pt.
A BDO disponibiliza igualmente um relatório de transparência das suas atividades,
conforme exigido no Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas (art. 62.º-A do DL
487/99, de 16 de Novembro) para sociedades que realizem auditorias a entidades
de interesse público; relatório de 2010. Disponível em:
http://www.bdo.pt/images/stories/docs/documentos/BDO_Relatorio_Transparenci
a_2010.pdf.
6
2. A aplicação do princípio da incerteza dos juízes (tal como
à magistratura judicial). Por via deste princípio é
impossível prever que juiz é que irá intervir nos
processos, sendo esta seleção aleatória;
3. A ausência de direito de voto por parte do Presidente do
Tribunal de Contas em muitas decisões/aspectos. Esta
medida tem diretamente que ver com a independência
desta personalidade, dado o seu método de designação
(vd. 8.12.);
4. A sujeição, por parte dos juízes do Tribunal de Contas,
ao Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e às regras
de impedimentos e escusas presentes na Lei de
Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC).
Apesar de sujeitos ao EMJ, a fiscalização, gestão e disciplina dos
juízes do TdC não fazem parte do âmbito de competências do
Conselho Superior de Magistratura (CSM). Estas competências estão
a cargo do Plenário Geral do Tribunal de Contas (art. 5.º do RGTC)
que é constituído por todos os juízes em exercício de funções no
tribunal. Significa isto que não existe nenhum órgão de gestão ou
de fiscalização externo (ou com representação externa, como o CSM
e o Conselho Superior do Ministério Público - CSMP) da atividade
dos juízes que não os acima mencionados.
Quanto ao staff e aos auditores do tribunal de contas, estes
seguem o mesmo regime dos funcionários públicos.
MECANISMOS DE INTEGRIDADE (PRÁTICA)
E como é a integridade assegurada na prática?
Score: 75
As auditorias do TdC são sempre colegiais, daí que o risco de
conluio entre os auditores e os responsáveis dos organismos
auditados seja bastante limitado.
O afastamento de auditores por via de conflitos de interesses
existe, embora não seja uma situação muito comum. Para fiscalizar
estes conflitos de interesses e qualquer outro tipo de
irregularidades, foi referido pelos representantes do Tribunal que
existe um saudável clima de denúncias18, por estas regularidades
serem facilmente detectadas devido ao funcionamento colegial das
auditorias. Porém, não existe nenhuma regulamentação específica
ou mecanismo de monitorização e aconselhamento interno ao TdC.
Está atualmente a ser elaborado um documento com vista à
regulamentação de conflitos de interesses que irá vigorar para o
18 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011.
staff e auditores e que irá ser assinado em breve19. De qualquer
modo, é política interna do TdC proibir o seu staff de aceitar
qualquer tipo de prendas ou ofertas20.
Recomendações
Criar um código de conduta diretamente aplicável aos magistrados
do Tribunal de Contas (ou a todos os magistrados sujeitos ao EMJ)
que tenha como base, por exemplo, o Compromisso Ético dos Juízes
Portugueses21, acompanhado de mecanismos de sancionamento no
caso da sua infracção. Prever algum tipo de mecanismo ou de
representação externa no âmbito da gestão e fiscalização dos
juízes do TdC.
Em que medida é que o Tribunal de Contas
presta uma eficaz auditoria das finanças
públicas?
Score: 50
A auditoria das finanças públicas que é desempenhada pelo
Tribunal de Contas pode ser considerada eficaz, tanto a nível de
controlo prévio e concomitante dos encargos e despesas, como no
controlo sucessivo, e parcialmente eficaz (vd. ponto 8.3.3) na
concretização de responsabilidades financeiras:
1. No âmbito do controlo prévio e concomitante, durante o
ano de 2010 foram controlados 1906 atos, contratos e
outros instrumentos remetidos por um total de 833
entidades e envolvendo uma despesa de 10,1 mil
milhões de euros22. Este tipo de controlo tende a criar
uma maior transparência contratual que, em alguns
casos, é acompanhada de uma redução dos encargos
assumidos pela Administração Pública. No total
existiram 2655 devoluções23 pelos Tribunais destes
instrumentos às Entidades remetentes.
2. No âmbito do controlo sucessivo, o Tribunal de Contas
emite um parecer sobre a Conta Geral do Estado, sobre
as contas das Regiões autónomas e sobre as contas da
Assembleia da República. Este tipo de fiscalização,
incluindo nomeadamente a verificação de contas
internas e auditorias sucessivas a entidades. Este
controlo sucessivo permite detectar massas
19 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011. 20 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011. 21 Texto adotado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Disponível em:
http://www.asjp.pt/2010/04/28/compromisso-etico-dos-juizes-portugueses/. 22 Tribunal de Contas: Relatório 2010, pág. 6. 23 Id.
7
consideráveis de despesa pública irregular (2845,5
milhões de Euros) e a verificação do acatamento das
recomendações do Tribunal acompanhado das poupanças
daí provenientes (1285 milhões de euros).
3. No âmbito da efetivação de responsabilidades
financeiras, foram aplicadas e pagas voluntariamente
multas no valor de 347205 euros e ordenadas
reposições no valor de 60485 Euros.
Como resultado de todas estas atividades, verifica-se um elevado
grau de acatamento das recomendações formuladas (que tem vindo
a aumentar desde o momento em que o Tribunal começou a poder
aplicar responsabilidades financeiras), tendo sido inclusivamente
recusado visto a 6 contratos por não terem sido acatadas
recomendações emitidas em anos anteriores24.
A realização de auditorias é feita com o acompanhamento do
Ministério Público, de forma a criar um contacto direto da
autoridade competente para iniciar responsabilidades criminais e
financeiras, evitando assim a necessidade de seguir procedimentos
que podem resultar em demoras25 (tal como acontece no âmbito das
auditorias internas da Administração Pública pelas Inspeções-
Gerais).
Apesar dos números apresentados pelo TdC quanto à sua atividade
na auditoria financeira, o seu papel é posto em causa quanto à
auditoria da boa gestão dos dinheiros públicos, ou seja, a auditoria
que faça uma avaliação qualitativa do desempenho da gestão das
finanças públicas, nomeadamente a nível da sua sustentabilidade,
oportunidade e impacto social e geracional.
De facto, a auditoria da boa gestão dos dinheiros públicos, tal como
é praticada pelo Tribunal de Contas Europeu ou pelo National Audit
Office, continua a ser uma raridade no âmbito das atividades de
auditoria do TdC. A maioria das auditorias é de mero cariz
contabilístico e financeiro, tanto por falta de vontade política e da
magistratura em adotar na prática um novo tipo de auditoria, mas
também pela falta de formação, tanto do pessoal de apoio
(auditores) como dos juízes nesse aspecto.
Adicionalmente, a auditoria das finanças públicas enfrenta sérios
obstáculos quanto à sua eficácia no âmbito de outras duas das suas
principais competências: visto prévio, auditoria e efetivação de
responsabilidades financeiras:
1. Ao nível do visto prévio, existem duas graves
falhas: por um lado, o facto do visto prévio residir
só numa fiscalização meramente formal e legal
24 Id, pág. 22. 25 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011.
sobre os contratos ou despesas, não sendo da
competência do TdC pronunciar-se sobre a
viabilidade, sustentabilidade ou adequação dos
contratos; por outro lado, o facto de o visto prévio
não ser previsto para os aditamentos aos contratos
em que o Estado é parte. Estes aditamentos
constituem, muitas das vezes, autênticos novos
contratos que não só podem ser (e muitas vezes o
são) causa para a derrapagem nas obras públicas,
como ainda podem lesar a posição contratual do
Estado, sem que haja uma fiscalização efetiva pelo
TdC (veja-se o caso das SCUTS).
2. Ao nível a efetivação de responsabilidades
financeiras, esta baseia-se num conjunto de
situações previstas legalmente na lei orgânica do
TdC para as quais são previstas sanções. Estas
situações elencadas são, no entanto, demasiado
redutoras, resumindo-se a meras infracções de
caráter formal, procedimental ou de normas
financeiras. Não há, pois, um sancionamento da
responsabilidade financeira, por exemplo, das
situações em que se prova que existe que houve
uma má gestão dos dinheiros públicos.
Recomendação
Adoção, pelo TdC, de um modelo de auditoria que preveja uma
auditoria da boa gestão das finanças públicas, a todos os
níveis/secções de competência do Tribunal. Prever o visto prévio
para os aditamentos aos contratos que estejam sob a sua
competência. Prever a responsabilidade financeira para situações
em que se prove que houve má gestão dos dinheiros públicos.
Em que medida é que o Tribunal de Contas
detecta e investiga casos de violação de normas
procedimentais ou de conduta por parte de
funcionários públicos?
Score: 50
A fiscalização da atividade dos funcionários sujeitos à auditoria do
TdC, com especial atenção para eventuais violações de normas
procedimentais ou de condutas, em regra não é da competência do
TdC, mas sim dos organismos de auditoria interna da Administração
Pública (como as Inspeções-Gerais).
Ainda assim, no âmbito das suas competências o Tribunal tem
acesso a todas as informações e registos de que necessite. Este
acesso é garantido pela obrigação legal de todas as entidades
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públicas e privadas estarem sujeitas ao dever de coadjuvação, da
mesma forma que o estão em relação aos tribunais judiciais (art.
10.º/1 da LOPTC).
Tendo em conta este acesso à informação e à detecção de violações
no âmbito das finanças ou gestão de dinheiros públicos e a
competência do TdC para aplicar sanções (multas) por via de
responsabilidades financeiras aos responsáveis pela violação de
deveres ou normas procedimentais (arts. 65.º e 66.º LOPTC), torna-
se ainda mais relevante o papel do Ministério Público junto deste
tribunal, sendo da sua competência o requerimento para proceder à
efetivação destas responsabilidades. Tendo sido efetivada
responsabilidade financeira em 124 processos num total de 130
demandados26.
Estas violações são elencadas na LOPTC e têm sanções previstas de
forma clara e precisa, optando por um mecanismo de redução das
multas para os seus valores mínimos quando haja pagamento em
fase anterior ao julgamento (art. 65.º/3). Durante o ano de 2010,
este mecanismo permitiu o pagamento voluntário de
responsabilidades financeiras em 74 processos, num total de cerca
de 214 mil euros27.
Entre as causas que poderão levar à efetivação de
responsabilidades financeiras encontram-se: a execução de
contratos aos quais se tenha recusado o visto, a violação de
normas legais relativas à gestão e controlo orçamental, a não
cobrança ou entrega de receitas nos cofres do Estado, a utilização
de dinheiros públicos para finalidades diversas do previsto, ou o
não acatamento reiterado das recomendações dos tribunais. Nestes
casos, o MP tem aqui também o papel de prosseguir com a
efetivação da responsabilidade criminal, a qual poderá coincidir
com as responsabilidades financeiras (por exemplo, por via dos
crimes de corrupção face às situações elencadas).
Como é que o Tribunal de Contas contribui para
um melhoramento da gestão das finanças
públicas?
Score: 50
As decisões do TdC são obrigatórias para as entidades públicas e
privadas (art. 8.º/2 LOPTC), ou quaisquer entidades financiadas com
dinheiro público. O TdC tem competência tanto para dar
recomendações como para impor sanções de responsabilidade
financeira, pelo que as suas decisões contam geralmente com o
26 Tribunal de Contas: Relatório 2010, pág. 57. 27 Id, pág. 60.
apoio político necessário para implementá-las. Nos últimos anos,
nota-se uma melhoria no tempo de aplicação prática das
recomendações do TdC: agora adoptadas em cerca de um mês
quando antes poderia atingir um ano28. Isto deve-se ao facto de,
passado um prazo prudencial sem que as recomendações sejam
postas em prática, o TdC poder atuar com vista à imposição de
sanções (multas).
Nesta medida, outro resultado essencial da atividade do TdC é a
identificação das maiores áreas ou práticas de risco no âmbito dos
seus relatórios anuais29. Entre estas práticas foram identificadas,
nomeadamente, as seguintes: procedimentos por ajuste direto,
invocação de exceções de “contratação in house”, não designação
nominal de júris para concursos, adjudicações ilegais, concursos
com excessivos requerimentos de especialização, afastamento
ilegal de propostas no âmbito de concursos públicos, modificação
das condições de execução contratual.
No âmbito das suas competências e da detecção de irregularidades
e práticas de risco, o TdC emite recomendações às várias
instituições, contribuindo assim para uma melhor e mais cuidada
gestão das finanças públicas30. Entre as recomendações
mencionadas e acatadas estão as seguintes: consagração, pelos
municípios, de objetivos de cumprimento de prazos de pagamento a
fornecedores no âmbito dos contratos de gestão; melhor definição e
precisão, por parte do Governo, de conceitos de financiamentos
políticos; observação de disposições legais laborais; e o controlo,
pelos municípios, das suas despesas de forma a garantir suficiência
de fundos para o cumprimento do orçamento.
A utilidade deste trabalho de detecção e prevenção permanece, no
entanto, incerta quanto à sua utilidade no âmbito da investigação
criminal.
Para o sancionamento, por via de multas, do não acatamento de
recomendações é necessário, no entanto, que tal prática seja
injustificada e reiterada (art. 65.º/1/alínea j), além de que necessita
de uma proposta do Ministério Público nesse sentido (art. 89.º
LOPTC). Porém, esta sujeição da aplicação de sanções a conceitos de
interpretação variável (v.g., prática reiterada) e a uma iniciativa do
Ministério Público, mais concretamente pelo Procurador-Geral da
República (cargo proposto pelo Governo) ou por aqueles em que
delegou os seus poderes, possibilita certas inconsistências na sua
concretização.
28 Entrevista com os representantes do TdC, 06 de junho de 2011. 29 Vd., por exemplo, Tribunal de Contas: Relatório 2010, págs. 20 e 21. 30 Tribunal de Contas: Relatório 2010, pág. 47.
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Apesar das suas competências sancionatórias e do seu trabalho a
nível preventivo, a atividade do TdC no melhoramento da gestão
pública tem vindo a enfrentar sérios obstáculos à sua eficácia.
Principalmente por via do não acatamento de recomendações31,
tanto ao nível da Administração Central (veja-se o caso da
recomendação feita ao Estado e empresas públicas no sentido de
regulamentar as assessorias externas32, ou o caso das
recomendações feitas ao Ministério da Defesa33) como da
Administração Local.
Por último, a transparência, integridade e combate à corrupção
também são variáveis tidas em conta pelo TdC na medida em que
são aspectos essenciais para uma sana gestão das finanças
públicas, mas que, embora presentes no âmbito dos relatórios
anuais do tribunal de contas, raramente ou nunca são referidas no
âmbito dos relatórios de auditorias e outros pareceres. O Tribunal é
muito ativo nesta área na medida em que o Conselho de Prevenção
de Corrupção34 (CPC) opera junto dele, tendo como o seu maior
projeto o da recolha e análise de Planos de Gestão de Riscos de
Corrupção nas várias instituições e serviços da Administração
Pública. Para este efeito, o CPC/TdC redigiu um plano pedagógico de
visitas a distintas entidades para explicar o alcance e a
necessidade de pôr em prática este Plano e tem realizado
encontros com a Administração Pública, empresas públicas,
municípios, empresas intermunicipais.
Recomendação
Prever mecanismos legais mais concretos para a aplicação de
responsabilidade financeira quando não existe acatamento das
recomendações do TdC.
31 Nuno Aguiar, “Só uma em três recomendações do Tribunal de Contas é
totalmente acolhida”, in dinheirovivo.pt, 16 de Junho de 2011. 32 João d’Espiney, “Recomendações do TC para regular assessorias externas foram
ignoradas”, in Público, 11 de julho de 2011. 33 Augusto Freitas de Sousa, “Ministério da Defesa não acata a maioria das
recomendações do Tribunal de Contas”, in i, 15 de abril de 2011. 34 Quanto ao Conselho de Prevenção de Corrupção, vd. o capítulo Organismos
especializados de combate e prevenção da corrupção.