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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA LICENCIATURA EM HISTÓRIA APARECIDA DE FÁTIMA OLIVEIRA PROTESTANTISMO NEOPENTECOSTAL NO BRASIL CONTEMPORANEO:MITO E IDENTIDADE (1977-2010) JUSSARA-GO 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

APARECIDA DE FÁTIMA OLIVEIRA

PROTESTANTISMO NEOPENTECOSTAL NO BRASIL

CONTEMPORANEO:MITO E IDENTIDADE (1977-2010)

JUSSARA-GO

2011

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Aparecida de Fátima Oliveira

PROTESTANTISMO NEOPENTECOSTAL NO BRASIL

CONTEMPORANEO:MITO E IDENTIDADE (1977-2010)

Monografia apresentada ao Departamento de História da UEG, UnU, em cumprimento à exigência final para obtenção do título de Graduação em História, sob orientação da Professora Mestre Ordália Cristina Gonçalves Araújo.

JUSSARA-GO

2011

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APARECIDA DE FÁTIMA OLIVEIRA

PROTESTANTISMO NEOPENTECOSTAL NO BRASIL CONTEMPORANEO:

MITO E IDENTIDADE (1977-2010)

Monografia aprovada com requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em

História na Universidade Estadual de Goiás – UEG, Pela Banca Examinadora:

__________________________________________________________________________

Orientadora: Ms. Ordália Cristina Gonçalves Araujo

__________________________________________________________________________

Examinador: Esp. Hélio Barbosa Feliciano Alves

__________________________________________________________________________

Examinador: Ms. Euzébio Fernandes de Carvalho

Jussara 07 de novembro de 2011

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Dedico ao meu Esposo Vancarlos Silvério de Oliveira, aos meus filhos Vancarlos

Silvério de Oliveira Filho e Kauany Silvério de Oliveira, aos meus pais José Vicente de

Oliveira e Luzia Camelo de Oliveira, aos meus irmãos Carlos José de Oliveira e Roberto

Carlos de Oliveira, que nunca mediram esforços para me ajudar no transcorrer do curso,

incentivando, dando-me suporte emocional, intelectual, espiritual e financeiro. A eles que

muitas vezes renunciaram aos seus sonhos para que os meus se realizassem, sempre me deram

forças nos momentos mais difíceis, incentivando-me para que nunca desistisse.

Aos professores, nossos instrutores e amigos, exemplo de dedicação, de doação, de

dignidade pessoal e, sobretudo, de amor.

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, ele que nos conhece desde quando nem pensávamos em existir,

conhece nossos medos, nossas angústias, nossos segredos e sonhos que almejamos conquistar.

Que sempre ficou e ficará do nosso lado, dando tranqüilidade aos nossos corações cansados,

acalentando nossa alma fazendo com que nosso aprendizado nunca termine e que nossos

conhecimentos sejam transmitidos de forma ética.

Ao meu esposo e filhos pela compreensão e carinho quando me distanciei da família

para dedicar aos meus estudos, apegando-me aos livros. Obrigada por tudo que fizeram por

mim, sem que ao menos eu soubesse.

Aos meus pais, que de vocês recebi o Dom mais precioso do universo: a vida. Já por

isso, serei infinitamente grata. Mas vocês não se contentaram em presentear-me somente com

ela. Revestiram minha vida de amor, carinho e dedicação. Abriram as portas do meu futuro,

iluminando o meu caminho com a luz mais brilhante que puderam encontrar: o conhecimento

através do estudo. Procuro entre palavras àquela que transmitisse toda minha gratidão. E só

encontro uma simples e sincera: obrigada. E, sobretudo, obrigada pela lição de amor que me

ensinaram durante toda a vida.

Carinho e gratidão àqueles que colaboraram com muito amor e dedicação,

enriquecendo nosso trabalho: os professores. Entre estes, cito com apreço e estima a

professora e orientadora Ms. Ordália Cristina Gonçalves Araújo que me orientou na escolha

do tema do trabalho monográfico, auxiliou e foi a pessoa responsável para a realização e

conclusão do mesmo, uma vez que é exemplo de dedicação e doação em seu exercício como

professora. Cito ainda o professor examinador Hélio Barbosa Feliciano Alves, professor

Wilson de Sousa Gomes, professor e coordenador do curso de História Ms. Aruanã Antônio

dos Passos, que souberam, além de transmitir seus conhecimentos, transmitiram-nos sua

experiência e apoiaram em nossas dificuldades. A vocês meu muito obrigada.

Aos colegas e amigos que, quando tudo começou não passávamos de desconhecidos,

hoje somos companheiros nesta fantástica aventura em busca de conhecimento, em especial as

colegas e amigas que levarei pela vida toda Telma Cristina Sabino Moreira e Mariele Ferreira

de moura, muito obrigada.

5

Agradeço também aos profissionais do Xerox Ozarias Alves Filho e Sueli de Jesus

Santos, que não mediram esforços para atenderem aos nossos pedidos com carinho e

dedicação.

6

Sabia que a religião é um linguagem? Um jeito de falar sobre o mundo...

Em tudo, a presença de esperança e sentido... Religião é tapeçaria que a esperança constrói com palavras.

E sobre estas redes as pessoas se deitam. É. Deitam-se sobre palavras amarradas umas nas outras.

Como é que as palavras se amararam? É simples.

Com o desejo. Só que, às vezes, as redes do amor viram mortalhas de medo.

Redes que podem falar de vida e podem falar da morte. E tudo se faz com as palavras e o desejo.

Por isso para se entender a religião, é necessário entender o caminho da linguagem.

Rubem Alves em Suspiro dos oprimidos

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RESUMO

OLIVEIRA, Aparecida de Fátima. Protestantismo Neopentecostal no Brasil Contemporâneo; Mito e Identidade (1977-2010). 2011. 62p. Graduação em História. UEG / UnU de Jussara. No século XX, mais precisamente na década de 1970 o cenário da história brasileira ficou marcado por uma pluralização religiosa protestante. A diversidade religiosa protestante tem crescido, e se incrementado em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Pode-se dizer que o século já mencionado, se assemelha a um grande supermercado da fé. E no meio deste crisol de religiões neopentecostais tentaremos definir, ou melhor, conceituar essa nova identidade protestante. Este trabalho busca problematizar a identidade dentro do espaço religioso neopentecostal. O neopentecostalismo se caracteriza a partir do avivamento espiritual, conversão individual, teologia da prosperidade, ênfase no exorcismo, tele evangelismo e a extrema valorização da guerra espiritual contra o Diabo. A Igreja Universal do Reino de Deus foi escolhida para análise mediante a representação mais abrangente do neopentecostalismo e nos meios de comunicação de massa. O trabalho busca analisar os mitos e ritos, problematizar a identidade dentro do espaço religioso neopentecostal. Relaciona-se o discurso neopentecostal e o crescimento de sua doutrina, entendendo como a cultura, as alterações sociais e econômicas desenvolvidas no Brasil nas últimas décadas criaram um terreno fértil para doutrinas que propõem soluções rápidas e prontas para problemas reais, vividos pelo cotidiano dos fiéis que compõem o movimento neopentecostal com valorização na prosperidade material. O nosso trabalho se embasa em pesquisa bibliográfica e documental, onde serão apresentados os conceitos e religião por sociólogos como Paul Freston e Ricardo Mariano, Antônio Gouveia Mendonça, conceitos de mito e do sagrado por Mircea Eliade e de identidade por Zygmunt Bauman e Stuart Hall.

Palavras–chaves: Neopentecostalismo. Igreja Universal. Mito. Modernidade. Identidade.

ABSTRACT

In the twentieth century, more precisely in the 1970s the scenario of Brazilian history was marked by a Protestant religious pluralization. The Protestant religious diversity has grown and increased in various parts of the world, including Brazil. You could say that the century already mentioned, resembles a large supermarket of faith. And in the midst of this melting pot of religions try to define neo-Pentecostal or better conceptualize this new Protestant identity. This paper seeks to problematize the identity within the Pentecostal religious space. The neo-Pentecostalism is characterized from the spiritual revival, individual conversion, prosperity theology, emphasis on exorcism, televangelist and overvaluing of spiritual warfare against the devil. The Universal Church of the Kingdom of God was chosen for analysis by representing the broader neo-Pentecostalism and the means of mass communication. The paper seeks to examine the myths and rituals, questioning the identity within the Pentecostal religious space. Relates to the speech and the growth of Pentecostal doctrine, understanding how culture, social and economic changes carried out in Brazil in recent decades have created a fertile ground for the doctrines they propose solutions, ready for real problems experienced by the faithful who daily make up the neo-Pentecostal movement with an appreciation in material prosperity. Our work is grounded in literature and documentary, which will set out the concepts and religion by sociologists like Paul Freston and Ricardo Mariano, Antonio Mendonca Gouveia, concepts of myth and the sacred by Mircea Eliade and Identity by Zygmunt Bauman and Stuart Hall.

Keywords: Neo-Pentecostalism. Church Universal. Myth. Modernity. Identity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO 1 INSERÇÃO DO PROTESTANTISMO NO BRASIL E A

EXPLOSÃO RELIGIOSA NEOPENTECOSTAL

12

1.1 Inserção do protestantismo e o fenômeno do neopentecostalismo: uma

perspectiva histórica

12

1.2 Breve histórico da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu líder Edir

Macedo

19

CAPÍTULO 2 MITO E REALIDADE NO PROTESTANTISMO

NEOPENTECOSTAL DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

28

2.1 Mito e rito dentro da IURD 28

2.2 espaço do sagrado e profano na história da IURD 38

CAPÍTULO 3 A IDENTIDADE PROTESTANTE NEOPENTECOSTAL E A

MODERNIDADE

44

3.1 Identidade líquida neopentecostal 44

3.2 A fragilidade dos laços humanos dentro e fora do contexto religioso 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 62

ANEXO 65

9

INTRODUÇÃO

O que justifica a realização de um trabalho dessa natureza é justamente a busca em

conhecer aspectos pertinentes ao estudo da evolução da História da Religião protestante.

Nesta perspectiva, os fatores motivadores para a realização da pesquisa iniciaram-se pela

afinidade com a disciplina na qual o tema está inserido (Religião protestante neopentecostal),

pelo interesse despertado ao fazer leituras referentes à mesma e pelo desejo em conhecer uma

parcela significativa das origens e transformações ao longo do final do século XX e início do

XXI na história brasileira. Apresentando assim um trabalho que mostra como se deu a

evolução da mesma e sua importância desde a década de 1977 até 2010.

No século XX, o cenário da história brasileira ficou marcado por uma pluralização

religiosa protestante. “Para Schleiermacher, a diversidade das religiões são mundividências ou

visões de mundo, assim estudar a religião é explicar a pluralidade de visões de mundo que o

tempo e a história criam” (WIRTH, 2007 p.90. Estudar a religião é um caminho para

desvendar as maneiras como indivíduos e instituições elaboram suas ações numa dada

conjuntura e como esta religião conseguiu reproduzir-se no tempo e no espaço.

Segundo Olga de Sá (2008), a religião é uma das fontes primordiais de sentido para a

vida humana. Ela é um dos universais da cultura, ao lado das expressões artísticas, das

relações de parentesco e de linguagem. Linguagem pelo jeito de falar sobre o mundo.

O tema escolhido para a realização do nosso trabalho monográfico foi “Protestantismo

neopentecostal no Brasil contemporâneo: Mito e identidade. (1977 a 2010)”. O interesse pelo

tema foi devido a percepção de uma explosão religiosa neopentecostal a partir dos anos 1977,

que se firmou na modernidade capitalista globalizada, rompendo com um discurso pentecostal

que, até então, era tradicional, influenciando e difundindo-se na sociedade, através dos meios

de comunicação em massa. “Os gostos e as preferências, hábitos, valores, idéias e atitudes,

enfim, o comportamento do homem contemporâneo parece cada vez mais condicionado pelos

meios de comunicação em massa; a imprensa o rádio, a televisão e o cinema”. (SODRÉ,

2003, p.91). Assim pode-se perceber a grande participação dos meios de comunicação na

difusão do neopentecostalismo brasileiro.

O período de 1977 a 2010 foi escolhido para esse estudo, devido ao surgimento e à

grande expansão do fenômeno religioso no Brasil e pelo fato desse novo pentecostalismo estar

sustentado por uma modernidade líquida globalizada. Momento em que há imensa

diversidade e pluralidade, não apenas do fenômeno, mas também de suas análises e polêmicas

10

interpretações, principalmente feitas por Paul Freston e Ricardo Mariano. Os movimentos

religiosos de inspiração pentecostal e neopentecostal é um dos fenômenos mais

surpreendentes da atualidade, hoje não se destacam apenas numericamente, mas

principalmente por sua visibilidade nos meios de comunicação associado a modernidade

líquida globalizada.

O objetivo de se estudar o protestantismo brasileiro neopentecostal é analisar e

identificar a ocorrência de várias transformações e novidades que marcaram a ruptura com o

que, até então, era considerado habitual; seus mitos, ritos, sua identidade, influências e

contribuições. Através dessa abordagem histórica esse trabalho tenta destacar a ruptura com o

pentecostalismo clássico, a inserção, a difusão, as transformações ocorridas, seus rumos e

encruzilhadas, que fizeram do neopentecostalismo um marco relevante na história social,

cultural e religiosa brasileira.

Considerando o tema abordado, o instrumental de coleta de dados utilizado na

metodologia deste trabalho são análises bibliográficas, documental, a partir das quais foram

lidos textos de livros, sites da internet e artigos de revistas especializadas, revistas e jornal

impresso. Tem-se a preocupação em selecionar dados relevantes sobre o tema com o objetivo

de proporcionar subsídios para desvendar os aspectos evolutivos da religião neopentecostal

brasileira. Para tanto, foi necessário que se fizesse um percurso histórico, enfocando os

principais acontecimentos que repercutiram para essa formação e difusão religiosa.

Seguindo essa perspectiva de estudo, a monografia foi dividida em três capítulos

distintos, que apresentam mais claramente os objetivos e a proposta citada anteriormente.

Espera-se que, as informações aqui apresentadas tenham ajudado na compreensão inicial do

que é abordado no trabalho monográfico, de como se dá seu desenvolvimento.

Para entender-se essa explosão religiosa que se deu no Brasil a partir dos anos de

1977, precisa-se compreender o que é o protestantismo, como chegou no Brasil e como foi

sua trajetória. Neste sentido, busca-se no primeiro capítulo abordar o surgimento do mesmo, a

introdução do seu pensamento nas terras brasileiras e suas transformações e rupturas ao longo

da modernidade. O surgimento do neopentecostalismo, a Igreja Universal do Reino de Deus

com seu líder Edir Macedo e seu moderno discurso religioso voltado para teologia da

prosperidade, dá ênfase no exorcismo e o tele evangelismo. Usa-se autores como, Antônio

Gouveia Mendonça, Ricardo Mariano, Freston, Weber, Bourdieu, Almeida, Siepierski, fonte

documental, como biografia de Edir Macedo, e outros mais.

Logo, o segundo capítulo, trata de conceituar mito e rito dentro do

neopentecostalismo, trazendo os pontos de ligação com a Igreja Universal do Reino de Deus e

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a essência das religiões, o espaço sagrado e profano, no qual se fundamenta as atitudes, o

imaginário e a realidade do homem religioso, utilizando Mirceia Eliade como um dos mais

importantes historiadores e pensadores das religiões. Utiliza-se também fontes documentais

como livros de Edir Macedo e sites da Folha e Arca Universal.

O capítulo de número três tem por finalidade tentar interpretar a identidade do

protestantismo neopentecostal brasileiro na modernidade líquida globalizada, buscando aí as

bases para que possamos entender o conjunto de características distintivas, sua ética

protestante e o seu comportamento perante a modernidade ou pós- modernidade capitalista

flutuante. Utiliza-se embasamentos teóricos como de; Zigmunt Bauman, Stuart Hall, Marshall

Berman, para confrontar com o discurso de fragmentos documentais como livros escritos por

Macedo, revistas Ester e Jornal impresso Folha Universal.

Assim, já especificado o que a pesquisa aborda, torna-se necessário falar nesse

momento que este trabalho tem ainda, o propósito de contribuir com os estudos da religião

desenvolvidos na UEG, Unidade Universitária de Jussara, além, é claro, de servir como um

importante mecanismo de abordagem em que o foco é história da religião protestante

neopentecostal e seus estágios evolutivos. Fundamentada em hábitos históricos a religião

desde uma visão histórica de mundo se mostra importante na realização da atividade

comunicativa dos indivíduos e instituições conseguindo reproduzir-se e se transformar no

tempo e no espaço.

O que se pretende evidenciar neste trabalho é como o protestantismo neopentecostal,

um fenômeno religioso, expandiu no Brasil com um novo discurso ideológico e teológico,

acompanhando os acontecimentos, conflitos históricos, políticos e culturais da modernidade

líquida brasileira, onde adquiriu um significado, uma repercussão extraordinária específica na

mentalidade da sociedade capitalista globalizada religiosa ou não. Com essa pesquisa,

procura-se compreender as diversas facetas do processo de construção da teologia, da

mitologia e do imaginário religioso, a partir da expansão do protestantismo neopentecostal no

Brasil no final do século XX, início do XXI, além de dimensionar as rupturas que ocorreram

no campo religioso em nosso país nesse período.

12

CAPÍTULO 01 INSERÇÃO DO PROTESTANTISMO NO BRASIL E A EXPLOSÃO

RELIGIOSA NEOPENTECOSTAL

Diante de muitas leituras sobre a origem e a difusão das religiões protestantes

pentecostais, pode-se constatar que o século XX foi o século das religiões. Os acontecimentos

que nas últimas décadas têm ocorrido, mostram que as religiões neopentecostais tem se

multiplicado e diversificado. A diversidade religiosa protestante neopentecostal tem crescido

e se incrementado em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Segundo dados do livro

Intercessão Mundial (2001), de Patrick Johnstone e Jason Mandryk, a religião com maior

crescimento de e por conversões são os protestantes (pentecostes ou evangélicos). No Brasil,

quando se fala de evangélicos, trata-se de uma forma genérica de se referir às correntes

protestantes pentecostais e neopentecostais, surgidas no século XX. De forma simplificada,

pode-se dizer que todo evangélico é protestante, mas nem todo protestante se considera

evangélico. O século já mencionado se assemelha a um grande supermercado da fé, onde “a

religião pode ser vista como uma empresa construtora de mundos” (MENDONÇA, 1984,

p.11). Com uma infinidade de religiões, oferecendo paz, felicidade, saúde e prosperidade, no

meio desse crisol religioso pentecostal como se pode definir, ou melhor, conceituar essa nova

identidade do protestantismo neopentecostal brasileiro? Será conceituada mais adiante, no

decorrer de nossa pesquisa, essa polêmica transformação religiosa. Onde serão utilizados

referências como de Ricardo Mariano, Antônio Gouveia Mendonça, Paul Freston e fontes

documentais, como livros escritos por Edir Macedo e sua biografia escrita pelo jornalista

Douglas Tavolaro.

1.1 Inserção do protestantismo no Brasil e o fenômeno do neopentecostalismo: uma

perspectiva histórica

O que seria o protestantismo? Segundo Mendonça (1984), protestantismo seria o

movimento liderado pelas igrejas originadas da reforma ou que, embora surgido

posteriormente, guardam os princípios gerais do movimento. Durante o período colonial no

Brasil, no século XVI e XVII, as incursões protestantes não perduraram por muito tempo, as

13

comunidades evangélicas fundadas por huguenotes e calvinistas, duraram só o tempo da

ocupação francesa e holandesa.

O protestantismo de imigração representado pelo ramo luterano da Reforma se

estabeleceu no Brasil com maior ênfase com a chegada da família real a partir da constituição

de 1824. Não se pode deixar de destacar a relevância da abertura dos portos às nações amigas

propiciadas pela família real, dando margem a maior importação e exportação de produtos, e

também a liberdade religiosa. Acredita-se que foram fatos históricos importantes, os quais

colaboraram de maneira significativa para a inserção e difusão do protestantismo de

imigração. Assim, progressivamente passando pela constituição de 1824 até 1891, foi sendo

reduzida a hegemonia católica e os protestantes conquistando seu lugar no espaço social

brasileiro (MENDONÇA, 1984).

Para Mendonça o protestantismo norte-americano de missão com sua vasta empresa

educacional e religiosa abrem caminho para o seu expansionismo político e econômico. No

Brasil, no campo religioso, seu sucesso foi quase nulo, mas nas questões políticas e

econômicas, a influência norte-americana não pode deixar de ser sentida. “Tanto os

imigrantes quanto os brasileiros que iam aderindo, espalharam-se bastante pelo território

nacional embora nunca chegassem a ser uma parcela significativa da sociedade”.

(MENDONÇA, 1984, p.22).

Embasado nas pesquisas de Ricardo Mariano e Paul Freston, o termo protestante

pentecostal no Brasil é subdividido em três grupos: a primeira onda é a pentecostal, que

abrange as mais antigas denominações pentecostais, nomeadas de clássicas, criadas nas

primeiras décadas do século XX, como Assembléia de Deus e Congregação Cristã. A segunda

onda, iniciada no final dos anos 50 começo dos 60, constitui o movimento de renovação

carismática, que são as igrejas Quadrangular, Brasil para Cristo e Deus é amor. A terceira

onda começa no final dos anos 70 início dos 80, é o mainstream church renewal. Inclui os

evangelicals e os cristãos que não se identificam com os pentecostais ou carismáticos, suas

principais representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da

Graça de Deus, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo Jesus, a Igreja Evangélica Sara Nossa

Terra.

Fenômeno comum a todo o continente, seus líderes são, na maioria, pregadores

nacionais, este neopentecostalismo, por sua vez, caracterizou-se pela Teologia da

Prosperidade e pelo surgimento de igrejas locais totalmente independentes, fundadas por

líderes autônomos, sem nenhuma ligação instituicional. Com o uso intenso da mídia

14

eletrônica (que também é denominada de tele evangelismo), este período se caracteriza pela

consolidação do pentecostalismo como força social e religiosa.

Na década de 1970 o Brasil passava por grandes turbulências e grandes

transformações.

O País é outro, e o pentecostalismo da terceira onda adapta-se às mudanças do período militar; o aprofundamento da industrialização; o inchamento urbano causado pela mão de obra do campo; a estrutura moderna de comunicações de massa que no final dos anos 70 já alcança quase toda população, a crise da igreja Católica e o crescimento da umbanda; e a estagnação econômica dos anos oitenta (FRESTON, 1994, p. 131).

Os anos de 1980, com o fim da Guerra Fria, produziram mudanças de formas e

conteúdos das utopias, nos anos de 1990 evidenciaram-se crises e paradigmas que atingiram

tanto as instituições políticas, quanto as religiosas. Nesse período, no campo religioso

aparecem novos fundamentalismos que abrem espaços para sincretismos religiosos. De fato,

no mundo capitalista globalizado a religião circula mais amplamente e são apropriadas e

reapropriadas de diferentes maneiras com o acesso as novas tecnologias.

O crescimento dos movimentos religiosos de inspiração protestante neopentecostal no

Brasil é um dos fenômenos culturais mais surpreendentes da atualidade. Sua presença é

destacada tanto por sua apresentação numérica, quanto por sua visibilidade através da

indústria cultural de massa. Sua atuação tem despertado desde a década de 1977 a atenção dos

pesquisadores, historiadores, sociólogos e jornalistas. Essa nova tendência pentecostal opõe-

se ao comportamento anterior; o que era antes representado pelos pentecostais de alguma

maneira tomou outros rumos. O que justifica fazer parte desse novo movimento religioso,

“No caso do neopentecostalismo, porém, são suas consideráveis distinções de caráter

doutrinário e comportamental, suas arrojadas formas de inserção social e seu ethos de

afirmação do mundo” (MARIANO, 2005, p. 37).

Nas três últimas décadas observa-se no Brasil um revigoramento do fenômeno

religioso em suas mais diversas manifestações, questionando os teóricos defensores da

secularização. Segundo Pierucci (2003) presencia-se um “reencantamento do mundo” um

avivamento das expressões do sagrado, coexistindo como num processo de superposição de

uma religiosidade difusa, onde a convivência de tradições religiosas e recriações inovadoras

ganham espaço e visibilidade social. Vive-se hoje um pluralismo religioso, no qual a religião

não é mais herdada, o sentimento religioso é algo a ser buscado; práticas são construídas de

vários fragmentos difusos ou de sistemas mais ou menos institucionalizados advindos do novo

15

sistema capitalista, em que as instituições religiosas tornam-se verdadeiros mercados. O novo

discurso religioso toma forma não para se adaptar aos valores seculares, e sim para voltar a

dar uma base sagrada, ritualizada à organização da sociedade, modificando-a se preciso.

O mundo contemporâneo, cada vez mais globalizado em suas relações econômicas

passa por um processo de mundialização da cultura no qual a religião, enquanto manifestação

do sagrado, também se faz presente e ativa, cimentando relações sociais políticas e culturais.

O “fator religioso” ganha novos contornos, trata-se de um fenômeno que adquire dimensão

universal. Até no coração das sociedades industriais durante os anos de 1980, a religião

mostrou uma renovada capacidade de agregação e identificação. O tal avivamento das forças

do sagrado não é um fato isolado, mas acompanha as mudanças sócio-políticas vigentes, num

mundo onde o paradigma, a racionalidade, as promessas do bem-estar social desmoronam e os

homens estão a buscar o sentido e significado para suas existências, em outra direção, numa

dimensão espiritual, que é mais estável, gratificante, imediata e pessoal.

Para Weber (2003), o fato é que as idéias religiosas têm importantes influências sobre

o desenvolvimento do espírito social e econômico. Weber aborda a relação entre espírito do

moderno capitalismo ocidental e a ética racional do protestantismo ascético. Sua análise

principal é que as doutrinas da fé calvinista (especialmente a doutrina da predestinação) foram

agentes essenciais na formação e no fortalecimento do moderno espírito capitalista.

Na visão de Mariano (2005) o protestantismo é um termo historicamente carregado de

sentidos vinculados à modernidade. Então o neopentecostalismo está ligado às coisas

materiais, possui um evangelismo de fazer prosélitos e anseia possuir poder político

econômico e social. “Nem o pensamento nem a atividade religiosa encontram-se igualmente

distribuídos entre massa de fiéis. Conforme os homens, os meios, as circunstâncias tanto as

crenças como os ritos são percebidos de maneiras diferentes” (BOURDIEU, 2005, p.41).

Percebe-se que a religiosidade protestante neopentecostal contemporânea caminha com a

modernidade capitalista utilitarista globalizada e que está vinculada a mudanças pós-

modernas que estão arraigados ao imaginário mítico e simbólico da condição humana.

A mudança no protestantismo pentecostal, ou seja, o avanço do neopentecostalismo,

mostra também como o povo internalizou a cultura capitalista e mesmo quem está à margem

quer adquirir bens, conquistas, prestígios sociais, e segundo Edir Macedo, líder religioso da

IURD, Deus proporcionará isso, basta ter uma fé sobrenatural somada ao sacrifício, de

preferência financeiro. Essa mudança corresponde ao individualismo e ao consumismo que

aparecem de forma clara e muito viva no discurso da Igreja Universal e dos próprios fiéis, que

serão discutidos no decorrer deste trabalho.

16

Segundo Mariano, nas três últimas décadas do século XX início do XXI, pode-se

observar que os protestantes das igrejas tradicionais que se adéquam ao de missão tem se

enfraquecido, emigram para religiões que não pregam só esperanças, mas soluções imediatas,

as religiões de estilo pós-moderno, ou seja, procuram as igrejas que tentam solucionar os seus

problemas terrenos, devido ao desespero, medo e/ou ganância por tempos melhores.

Para Mendonça (2006, p. 91) “as religiões tradicionais estão perdendo espaço para as

pós modernistas, pelo fato de as igrejas tradicionais insistirem na ética da salvação, e as

igrejas pós-modernas pregarem e agirem firmadas nas contingências das necessidades

imediatas”. A partir dessa ética da salvação, pode-se entrar no conceito milenarista, onde o

pré-milenarismo está no cerne da mensagem do pentecostalismo, e pós-milenarista, que se

adapta mais ao neopentecostalismo. Para Mariano, as diferenças teológicas significativas

entre o neopentecostalismo e as vertentes pentecostais que o precederam são a ênfase na

guerra espiritual.

Segundo Siepierski (2008), o pré-milenarismo advoga que, após seu retorno, Cristo

estabelecerá seu reino na Terra, por um período antes da consumação final da história

humana. Esse período pode ser de mil anos. Será um período de paz e prosperidade, o reino

será inaugurado de maneira repentina, um evento cataclísmico do retorno de Cristo. Já o pós-

milenarismo afirma que haverá um reino milenar terrestre resultante da propagação do

evangelho. No cerne desse pós-milenarismo reside o conceito que os que observam as leis 1vétero-testamentárias (leis bíblicas), os cristão não estão mais de baixo da lei e sim da graça,

portanto, por mais que não haja a necessidade de se observar minuciosamente todos os

mandamentos da lei mosaica, existe para o pentecostal, o dever de compreender os princípios

ali descritos. Em outras palavras “os cristãos receberão as bênçãos de Deus neste mundo, ou

seja, poder e riquezas, enquanto quem não observa as leis de Deus será castigado, sendo

despojado do poder de riquezas” (SIEPIERSKI, 2008, p. 82-84).

O pós-milenarismo está arraigado com o que Mariano diz de um neo-pentecostalismo,

ou seja, os pós-milenaristas apresentam uma acomodação à sociedade e aos seus valores e

interesses muito superior à demonstrada pelos pré-milenaristas. É como se o reino de Deus

fosse aqui agora, no presente, assim o neo-pentecostalismo se distancia do pentecostalismo

clássico e dos princípios centrais da reforma. De acordo com Mariano (2005) o neo-

pentecostalismo definido por Mendonça, (2006) é genealogicamente protestante, mas não o é

teologicamente, ou melhor, sua teologia possui divergências.

1 Vétero –testamentárias; leis bíblicas.

17

“A representação do Paraíso como lugar de uma felicidade individual opõe-se à

esperança milenarista de uma subversão da ordem social presente na fé popular”.

(BOURDIEU, 2005, p.49). Pode-se perceber na fala de Bourdieu, que o paraíso como lugar

de uma felicidade individual e a escatologia corresponde melhor hoje às demandas religiosas

da pequena burguesia, ao contrário do “milenarismo evolucionista que soube exprimir a

esperança das camadas sociais mais privilegiadas que se julgam muito racionais para aceitar a

idéia de uma emergência repentina do absoluto na história”. (BOURDIEU, 2005, p.50). Para

Bourdieu, as religiões se formam como resposta às necessidades específicas de determinado

grupo, ou seja, as religiões modernas são mais procuradas como jogos de interesse pela

sobrevivência cotidiana de uma sociedade capitalista.

Mendonça (2006) distingue os pentecostais evangélicos dos neopentecostais; o sinal

dos pentecostes é a possessão repetida do Espírito com a glossolalia, sustentam uma teologia

tradicional definitiva. Quanto às chamadas igrejas neopentecostais há dúvidas em identificá-

las evangélicas e até mesmo pentecostais, por vê-las como sincretismo progressivo ou,

também chamado, 2hibridismo religioso. É o que vê-se, por exemplo, na Igreja Universal do

Reino de Deus, que traz práticas e crenças de outras seitas e religiões para uma, que em tese

existe, mas que acaba transmudada em outra.

O termo neopentecostal não se ajusta às novas religiões que pretende agrupar, o que o

autor quer destacar é que as religiões pós-modernas de raiz cristã são um encontro com

universos exóticos e tradicionais, ou seja, as religiões em questão estão distanciadas do

chamado cristianismo da Reforma por criar cerimônias mágicas baseadas na teologia da

prosperidade, confissão positiva, exorcismo. Estas religiões pregam um forte sincretismo que

aparece em seus cultos como, por exemplo, o descarrego, a crença em encostos, as correntes

que são construídas a partir de textos e personagens bíblicos, seguindo um número de dias ou

semanas determinados.

Para Mendonça, o abandono de outras religiões mediúnicas poderiam estar ligadas ao

neopentecostalismo, que oferece magia em seus cerimoniais com face menos discriminatórias.

Nos espaços conscientes e inconscientes da religiosidade híbrida, “sem dúvida, o homem

ordinário é acusado de arranjar para si, graças ao Deus da religião, a ilusão de esclarecer todos

os enigmas do mundo e de animar a segurança que uma Providência cuida de sua vida”

(CERTEAU, 1994, p. 62).

2 Hibridismo religioso, e/ou cultural, mais apropriadamente chamado de sincretismo. Os termos de Zilá Bernd que nele reconhece "um processo de ressimbolização em que a memória dos objetos se conserva e em que a tensão entre elementos díspares gera novos objetos culturais que correspondem às tentativas de tradução ou de inscrição subversiva da cultura de origem em uma nova cultura” (Bernd, 2004, p. 101).

18

Para Almeida (2006), no Brasil contemporâneo, pode-se perceber que há uma grande

expansão neopentecostal, entre classes média e pobre, sobretudo nos centros urbanos. Esse

crescimento gradativo se deve ao processo de industrialização associado ao de migração dos

centros urbanos, esses seriam os fatores sociais explicativos da adesão à religião. O “neo”

pode ser considerado um demarcado simbólico que distingue diferente características

socioeconômicas das camadas pentecostais médias e pobres dos centros urbanos, onde as

pessoas adeptas desse neopentecostalismo, encontram estímulos ou motivação para uma

iniciativa própria, conseguir autonomia financeira e ascensão social. O “cristão deve estar por

cabeça e não por cauda”. (ALMEIDA, 2006, p.120). Significa que o cristão deve deixar de ser

empregado e se tornar patrão. Os discursos dos pastores encontram eco no desemprego e na

informalidade, assim, a teoria da prosperidade gera disposição para que o cristão supere tal

situação, na qual gera uma idéia de fortuna, um milagre onde o fiel pode mudar de vida.

Segundo Tavolaro (2007), há especialistas na área, como os sociólogos Ricardo

Mariano e Paul Freston, que dizem haver uma mudança, com relação aos fiéis, os adeptos da

igreja Universal não se restringem mais somente aos pobres da população, encontram-se

também nas classes médias, incluindo atletas, artistas, empresários e profissionais liberais. Ao

lado e por meio disso, o neopentecostalismo vem conquistando crescente visibilidade pública

e reconhecimento social, aprofundando raízes nas mais diversas áreas da sociedade brasileira.

Um exemplo desse discurso são depoimentos na reportagem biográfica de Macedo. Três

seguidores da Universal no Brasil e no exterior ajudam a explicar esta tese:

A desembargadora Sulimar Monassa, da Justiça do trabalho, em Belém do Pará; conta que decidiu entrar para a IURD principalmente por admirar a disposição dos pregadores... Fiquei surpresa com a abnegação do bispo Macedo e dos demais pastores por ficarem 24 horas no tempo, além de me identificar com as doutrinas...

No Rio de Janeiro, o juiz aposentado Jairo Santana conta que a IURD influenciou seu modo de viver, ensinando-o a seguir disciplinas espirituais e a traçar objetivos de vida... O bispo me ajudou a compreender a fé bíblica com o uso da minha inteligência. Em Londres, a embaixadora do Congo no Reino Unido, Eugenie Compton, tornou-se fiel da IURD há cinco anos, depois de chegar à Inglaterra como refugiada de Guerra, sem dinheiro e com depressão. Um dia, recebeu do jornal City News, da igreja na Inglaterra, interessou-se e foi à Universal, segundo ela buscar orientação espiritual... Foi ai que minha fé entrou em ação e me tornei desembargadora... Na Igreja Universal, aprendi a pensar grande, afirma Eugenie Compton. No plano teológico, o biso Macedo é difusor da crença deque o cristão deve ser prospero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos (TAVOLARO, 2007, p.244).

19

Toda religião trabalha, pelo menos com dois elementos: “o sentido da existência

humana (o sentido da dor, do tempo, da vida e da morte...) e a promessa de “salvação” (a vida

vivida atualmente não é mais perfeita forma de vida, é possível “algo mais”, que se pode

conseguir desde que...).” (GOMES, 1994, p.247). Assim como acontecem em outras religiões,

a igreja Universal também busca um sentido para os elementos mencionados, um tanto

distante das outras escatologias cristãs. Enquanto a escatologia cristã apresenta em seu

discurso que a vida plena, onde não haverá limites e privações, não está aqui e nem se situa

neste tempo, mas no retorno de cristo. A escatologia da IURD sobre “céu e inferno”, são

termos pouquíssimos questionados no discurso da igreja, o que lhe interessa mais é a

preocupação e a existência das pessoas aqui e agora. Enquanto as igrejas pentecostais

tradicionais insistem num discurso salvacionista, as igrejas pós-modernas ou neopentecostais

pregam e agem fora do sistema de verdades eternas e firma-se nas contingências das

necessidades imediatas.

1.2 Breve histórico da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu líder Edir Macedo

O protestantismo neopentecostal é um fenômeno surgido a partir dos anos 1977, que

se difere do pentecostalismo tradicional, especialmente por estimular o fiel a buscar a

prosperidade em lugar da salvação. Seus rituais espetaculosos, que não dispensam curas

milagrosas e exorcismos, não escondem o fato de que grande parte das igrejas neopentecostais

não são muito rígidas no que diz respeito aos hábitos e costumes de seus fiéis. Algumas delas

mantém forte presença na mídia eletrônica, controlando a programação (quando não as

finanças) de centenas de emissoras de rádio e televisão Brasil afora.

A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977, é a maior representante do

fenômeno religioso neopentecostal brasileiro. Fundada pelo bispo Edir Macedo nos subúrbios

do Rio de Janeiro, segue os preceitos gerais do cristianismo. Em seus cultos diários, estimula-

se a doação do dízimo e é comum a prática do exorcismo. Aposta na mídia eletrônica para

atrair fiéis, é proprietária da Rede Record de televisão, entre outras emissoras. A Igreja

Universal não possui formação de pastores em seminários ou faculdades de teologia

(MARIANO, 2005). Acham que perde tempo, isso os tende ao distanciamento e diminui seu

fervor e distancia-os das demandas imediatas dos fiéis. Os pastores fazem um mini curso de

seis meses, rápido, fácil, destinado a aplicação prática ao trabalho pastoral.

20

Segundo Douglas Tavolaro o autor da biografia de Macedo O Bispo, A Historia

revelada de Edir Macedo, que é diretor de jornalismo da Rede Record de Televisão, a IURD,

possuía, aproximadamente, no Brasil, até o fechamento deste livro biográfico, 4.748 templos e

9.660 pastores, apenas no Brasil. De acordo com a estatística oficial do IBGE calcula-se 2

milhões de fiéis, mas de acordo com a liderança da igreja, a instituição não computa com

precisão os brasileiros moradores de áreas carentes, como favelas e morros, onde se encontra

uma das forças da Universal, o que pode fazer esse número saltar para até 8 milhões de fiéis.

(Não se esquecendo que a fonte utilizada, pode ser favorável à IURD. Além disso, o público

dessas igrejas é flutuante, não tem fidelidade, como nas instituições históricas). A igreja já

tinha se instalado em 172 países de quatro continentes. No momento em que este texto estiver

sendo lido, esses dados certamente já estarão desatualizados. (TAVOLARO 2007, p.243)

Segundo Paul Freston, Edir Macedo é o quarto de sete filhos de um comerciante em

Rio das Flores RJ. A família mudou-se para o Rio de Janeiro Macedo estava com 17 anos,

empregou-se na Loteria do Estado, logo subiu para um posto administrativo, começou um

curso universitário embora não tenha chegado a se formar.

Aos 33 anos, em 1977, Macedo deixou o emprego para dedicar-se ao trabalho

religioso. Era de origem católica, entrou na Igreja Nova Vida na adolescência, após breve

passagem pela Umbanda. A IURD é nascida de uma costela da Igreja Nova Vida, “que foi

pioneira de um grupo carismático de classe média um tanto à frente de seu tempo no Brasil”

(FRESTON 1994, p.132), a qual Edir Macedo pertencia, mas se desligou quando começou a

nascer o que viria posteriormente ser a IURD. A primeira sede do grupo era chamada

inicialmente de Igreja da Benção e teve seu espaço iniciado em uma ex-funerária no Bairro da

Abolição RJ.

Edir Macedo é cunhado de R.R. Soares, faziam parte da mesma Igreja, mas romperam

em 1980, devido discórdias no direcionamento da Igreja, onde houve a cisão, R.R. Soares não

quis permanecer na IURD, e fundou sua própria igreja a Igreja Internacional da Graça de

Deus. Os anos de 1980 foram uma década positiva para a política expansionista de Edir

Macedo, nos quais foram abertos vários templos não só no Brasil como em boa parte da

América Latina, na Europa e na África. “O crescimento no Brasil foi rápido. Em oito anos, já

havia 195 templos em catorze estados brasileiros e no Distrito federal. Em media, 24 templos

por ano, dois a cada mês. Um a cada quinze dias” (TAVOLARO, 2007, p.121).

Douglas Tavolaro (2007) revela que entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu

2.600%. Em menos de três décadas, a Universal se transformou no mais surpreendente e bem

sucedido fenômeno religioso do país. Macedo morou nos EUA durante parte da década de

21

1980. Coleciona várias graduações em teologia como: Doutor em filosofia cristã, mestre em

ciências teológicas, doutor em divindade, bacharel e doutor em teologia, embora possuir todos

esses diplomas não parece dar muita importância aos títulos, afirma o jornalista.

Desde a fundação da igreja, Edir Macedo implanta em seu discurso agressividade, que

estimula os fiéis a não se acomodarem com a pobreza, o desemprego e as más condições de

vida em geral. Em seu discurso ensina que é o poder sobrenatural da fé que muda a vida do

fiel a fé inteligente, racional e prática, “a fé consciente, inteligente e racional, faz com que a

pessoa tenha coragem para tomar atitudes. A pessoa que usa a fé consciente não se deixa levar

pelo coração. Antes, procura fugir do que é mau e errado, desvencilhando-se das tentações e

das sugestões que o diabo oferece” (MACEDO, 2010, p.10), não aceitando as mazelas da vida

como punição. Existe uma moeda de troca com Deus que é a fé sobrenatural e o sacrifício, diz

Macedo:

O Deus deste mundo é o dinheiro. Os banqueiros não me deixam mentir. Oferta é investimento. Isso mesmo: oferta é investimento... As pessoas não devem dar oferta para ajudar a igreja, mas para ajudara a si próprios. Quem dá esta fazendo um investimento em si, na sua vida. É o que mostra a Bíblia. Quem dá tudo recebe tudo de Deus. É inevitável. É toma lá, dá cá (TAVOLARO, 2007, p.207).

Podemos ver a fala de Macedo bem explicita no discurso de Bourdieu (2005, p.45)

onde alguns autores reconhecem nas práticas mágicas os seguintes traços (abstratos mais

genéricos e mais distantes que seriam os da religião): estão inspiradas pela intenção de

coerção ou de manipulação dos poderes sobrenaturais (em oposição às disposições

propiciatórias e contemplativas da oração, por exemplo); e, por último, encontram-se fechadas

no ritualismo e funcionalismo do toma lá da cá. Essa forma de caracterizar seria para

Bourdieu traços fundados em condições de existência determinadas por uma urgência

econômica e/ou social que impede o distanciamento em face do presente e das necessidades

imediatas.

As situações econômicas contemporâneas fazem com que se fortaleça o lado mercantil

religioso, fazendo do Brasil o palco propício para tal difusão do sagrado atrelado ao

capitalismo, o dinheiro, a posição social. “O dinheiro diz Macedo é a mola mestra da

sociedade, do nosso dia a dia. É um péssimo senhor, mas um bom servo. Eu não sou escravo

do dinheiro. Sou senhor dele. (TAVOLARO, 2007, p. 210). De acordo com Mariano (2005),

uma das características do neopentecostalismo é a valorização da prosperidade material

mediante a contribuição financeira, isso permite concluir que, a Igreja Universal com seu líder

Edir Macedo, têm uma visão empresarial e mercantilista do sagrado.

22

Com relação aos meios de comunicação segundo Douglas Tavolaro, Macedo desde

1977 já tinha convicção de que o crescimento da instituição dependia de um meio de

comunicação de massa. Começou alugando horários no rádio, que foi ganhando dimensões,

não demorou a comprar a emissora de Rádio Copacabana. Graças às ondas do rádio, foi dada

a arrancada inicial para o crescimento da IURD, que naquele momento era o veículo mais

acessível à população. No entanto “o censo Nacional de 1980, constatava que 55% de 26

milhões de residências brasileiras pesquisada já possuíam televisões” (TAVOLARO 2007,

p.145), já era tempo de avançar sobre a televisão, e assim o fez, alugando horários na TV.

Segundo Tavolaro (2007) foi no final da década de 1980 que Edir Macedo daria o

salto empresarial mais arriscado de sua vida, a compra da Rede Record de Televisão, em que

teve um turbilhão de embaraços e intensas negociações, críticas, polêmicas e escândalos

envolvendo políticos e a Rede Globo de Televisão. Tornou-se, em 1992, o dono da Record,

embora em sua fala uma difícil luta para adquirir a mesma, foi alvo de muitas perseguições e

polêmicas interpretações, por ser um líder religioso, envolvido na política e dono de uma

emissora de TV, ou seja, não havia uma aceitação por parte de muitos dessa fusão do sagrado

com o profano, onde se misturam programas religiosos fundidos com anúncios publicitários,

misturando a propaganda de Deus com cervejas, cigarros, carros e imóveis... “Os programas

religiosos, fundidos com anúncios publicitários e o mesmo teor mágico de produtos, com

resultados instantâneos de bem estar narcísico, excitam, emocionam desligam o fiel-ouvinte-

telespectador da realidade” (RESENDE, 2008, p.22).

O ano de 1992 foi bastante turbulento para Edir Macedo, pois o mesmo foi acusado de

charlatanismo, exploração financeira dos fiéis e preso. Houve várias manifestações, por parte

dos fiéis, pela libertação de Macedo focada na intolerância, no preconceito e no princípio da

liberdade de culto. Macedo foi solto após onze dias de prisão, sob liberdade concedida por

habias-corpus, respondeu o processo em liberdade. Mas continuou sendo alvo de muitas

polêmicas e processos, inclusive por escrever o livro Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou

Demônios, onde além de manter um posicionamento sobre a mesma, agredia as religiões afro-

brasileiras e o Kardecismo.

“Macedo além de líder religioso, é empresário e administrador, tem mostrado

capacidade na escolha de pessoas em posições-chave (advogados, policiais, juízes,

empresários, homens do mundo das comunicações), mas ele próprio mantém as rédeas nas

mãos graças ao seu monopólio teológico e ideológico” (FRESTON, 1994, p.146.). Essa fala

remete a teoria da religião de Bourdieu:

23

A concorrência pelo poder religioso deve sua especificidade (em relação por exemplo, à concorrência que se estabelece no campo político) ao fato que seu alvo reside no monopólio do exercício legitimo do poder de modificar em bases duradouras e em profundidade a prática e a visão do mundo dos leigos, impondo-lhes e inculcando-lhes um hábitos religioso particular, isto é, uma disposição duradoura, generalizada e transferível de agir e de pensar conforme os princípios de uma visão (quase) sistemática do mundo e da existência (BOURDIEU, 2005, p.88).

O discurso de Bourdieu remete à idéia de que os leigos ou fiéis não esperam da

religião somente justificações que os livrem da angústia pela qual passam em sua existência,

da contingência, do abandono, da miséria biológica; os leigos também esperam justificações e

soluções para sua posição social, ou seja, justificativas sociais de existir, enquanto ocupantes

de uma determinada posição na estrutura social. Dessa forma possibilitaria o uso de teologias

e teorias religiosas por parte de um grupo social dominante, tendo que dar certa legitimidade

as injustiças e privilégios sociais existenciais. Várias questões como: sofrimento, salvação,

morte, mal, bem, são de alguma forma produzidas e manipuladas de diferentes maneiras pelas

misérias da condição humana, tornando-se viável através de determinado tipo de condições

materiais de existência. Há um monopólio da administração dos bens de salvação divergentes,

e contraditórios, devido a diversificação religiosa e ideológica de novos grupos religiosos.

A Teologia da Prosperidade ou Confissão Positiva teve sua origem na década de 1940

nos Estados Unidos, sob liderança de Kenneth Hagin, foi reconhecida como doutrina na

década de 1970, quando se difundiu pelo meio evangélico. Possuía um forte cunho e

valorização do indivíduo3, agregando a crença em Deus como meio de obter saúde, riqueza,

felicidade, sucesso e poder terreno. Os adeptos dessa nova teologia dizem que, confessando o

nome de Jesus, compreende o direito a tudo de bom e de melhor que a vida pode oferecer.

Esta relação com Deus acontece de maneira recíproca, à medida que o cristão semeia através

dos dízimos e ofertas, Deus cumpre suas promessas. Segundo Mariano (2005):

Para os defensores da Teologia da prosperidade, a explicação do cordeiro libertou os homens da escravidão ao Diabo e das maldições da miséria, da enfermidade, nesta vida, e da segunda morte, no além. Os homens, desse então, estão destinados à prosperidade, à saúde, à vitória, à felicidade. Para alcançar tais bênçãos, garantira a salvação e afastar os demônios de sua vida, basta o cristão ter fé incondicional e inabalável e Deus, exigir seus direitos em alta voz e em nome de Jesus e ser obediente e fiel a Ele no pagamento dos dízimos (MARIANO 2005, p.160).

Para Freston (1994), a teoria da prosperidade é a confissão positiva, significa nunca

confessar dúvidas, temores, doenças ou qualquer outro mal, mas a afirmação da cura é a

3 “que veio no bojo da Revolução Francesa, de 1789, escritos por iluministas como: Voltaire, Montesquieu, Rousseau...” (A. Z. MANFRED, 1982, p.11, 12 e 13).

24

necessária antecipação do estado desejado, ou seja, o bem estar, seja financeiro, físico ou

social. A teoria da prosperidade no discurso da IURD ensina que a pobreza é resultado da

falta de fé ou ignorância, e o principio básico da prosperidade é a doação financeira, entendida

como investimento. Deve-se dar a Deus para que ele devolva com lucro. Pode-se dizer que a

teoria da prosperidade é uma acomodação da religião protestante à modernidade, na qual

passa a ser apresentada, como sendo superior, por oferecer benefícios intramundanos para

seus fiéis. A teoria da prosperidade tem um discurso que nega a pobreza rejeitando a

tradicional 4teodicéia. Todo o ritual realizado deve culminar na prosperidade, na libertação e

conseqüente cura da pessoa anteriormente possuída, qualquer falha no resultado final será

atribuída a pessoa possuída, seja por falta de confiança na Igreja, seja porque não teve fé

suficiente em Deus.

Um exemplo é de uma senhora que, há mais de cinco anos, se tratava de uma doença clinicamente incurável. Tinha artrose, em toda extensão da coluna vertebral, mal podia andar, dormia em uma esteira no chão. Ela compareceu a um templo da IURD, recebeu a oração e, instantaneamente e poderosamente foi curada de todas as suas dores. Certo dia resolveu voltar ao médico, para buscar uma explicação para aquela cura milagrosa. Quando o médico afirmou não acreditar na cura, no caso dela era humanamente impossível, de imediato começou a sentir dores que foram aumentando. Por quê? O fato é que, da mesma forma que essa senhora recebeu fé para ser curada através da palavra de Deus, também pela palavra do diabo usada pelo seu médico, recebeu dúvida suficiente para voltar a sofrer como antes. Se aceitamos as dúvidas, elas permanecerão em nós e seremos destruídos. Se resistirmos, imediatamente irão embora e a fé continuará garantido aquilo que o senhor nos outorgou (MACEDO, 2007, p.18,19).

Para Wilson Gomes, em seu texto Nem anjos nem demônios, existem três elementos

que atraem de imediato a atenção do público que se aproxima da Igreja Universal: os

demônios e o exorcismo, as ofertas e a idéia de cura, basicamente essas são as categorias

fundamentais para entender a teologia e prática do discurso desse novo pentecostalismo que,

segundo o autor, pode ser chamada de seita. Mas existe um quarto elemento, às vezes pouco

mencionado, mas que une todos os outros elementos que é a “posse”. Ou seja, os fiéis devem

tomar posse daquilo que é necessário para uma vida feliz. E a situação de ausência de posse

pelos membros da Igreja Universal é explicado por um elemento perturbador da ordem natural

das coisas “o diabólico”. O elemento causador do mal, da pobreza, das doenças físicas e da

dor. Distrair os homens de Deus e implantar o próprio Domínio é a tarefa dos demônios no

mundo, segundo o discurso da Igreja Universal.

4 Teodiceia Doutrina, tratado sobre a justiça de Deus.

25

Para a IURD, dentro de sua cosmologia existe outro elemento que poderá mudar a

história dos fiéis: a oferta. O homem ao ofertar, fazer sacrifícios financeiros é capaz de criar

em Deus a obrigação imediata de restituição, “o dar para receber” de Deus e com juros. “O

passado mostra que Abrão, Isaac e Jacó tinham um Deus grande, que prosperou,

grandiosamente, a vida deles. E a Bíblia diz que Deus não mudou. Quando alguém faz um

sacrifício, Deus fica sem opção. Ele tem obrigação de responder, porque é sua promessa. É a

fé. Basta seguir o que Deus disse: Provai-me nos dízimos e nas ofertas” (TAVOLARO, 2007,

p.215). Parece uma idéia de barganha ou de compromisso recíproco. Existe essa relação de

oferta e benção no discurso da IURD, quanto maior for à oferta do fiel, maior será a benção

recebida. Ou seja, é um toma lá da cá. “Ou a pessoa dá ou desce, ou seja, ela não pode ficar

em cima do muro, não pode ficar entre dois pensamentos. Ou a pessoa dá ou não recebe”.

(TAVOLARO, 2007, p.202).

As bênçãos, as curas divinas, assim como os milagres constituem o cerne do

imaginário da Igreja Universal, e não poderiam existir sem a expulsão dos demônios. É

imprescindível que os demônios se manifestem antes de serem expulsos. Na liturgia da IURD

é exigida a manifestação dos demônios, que de maneira nenhuma é ocultada e sim exposta ao

público, onde os mesmos são entrevistados e punidos. Esse exorcismo pode ser considerado

como uma expulsão ou uma espécie de aniquilação do espírito maligno. Segundo Macedo:

...Ao expulsar um demônio há necessidade de fazer com que essas entidades abandonem seus esconderijos e venham ao lugar onde estamos... Os demônios são personalidades atuantes; têm vontade, intelecto e razão. Usam os corpos dos seres humanos para se expressarem por meio deles, mas existem individualmente; são seres espirituais. Para expulsá-los conversamos com eles damos ordens em o nome de Jesus, que também fez isso:

“Perguntou-lhes Jesus: Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião, porque tinham entrado nele muitos demônios”. Lucas 8.3 (MACEDO, 2004, p.125).

Fica evidente nesse fragmento o quanto a IURD, mantém suas pregações voltadas e

firmadas em um inimigo comum, o “diabo”, no discurso da igreja é ele o único causador dos

males da humanidade e deve ser diariamente combatido em seus cultos.

O neopentecostalismo surgido no Brasil na década de 1977 deu uma nova roupagem

ao pentecostalismo e foi responsável por mudanças estruturais como a estética, a retórica,

ritos, comportamentos e teologias, diferenciando do pentecostalismo tradicional. Um dos

principais objetivos do neopentecostalismo é prosperar materialmente seus fiéis. Dessa

maneira há uma desvalorização do discurso teológico do pentecostalismo tradicional que

26

prega o sofrimento terrenal dos cristãos e novos valores ganham espaço: o consumo e a

prosperidade. O neopentecostalismo rompe com a idéia de que o verdadeiro cristão é o que

vive na pobreza, aceitando com humildade o sofrimento da carne. Já na perspectiva

neopentecostal, o que realmente interessa é o aqui e agora, claro que continuam almejando

seu lugar no Reino dos Céus ao lado de Deus. Dentre todas as características apresentadas

cabe ressaltar que, ao lado da prosperidade, pode-se destacar a questão do prestígio, os

neopentecostais buscam prestígio e ascensão social.

Para Paul Freston a Igreja Universal conseguiu em pouco mais de uma década, o que

levou gerações para outros grupos pentecostais conseguirem, como a diversificação

substancial de sua base social e ocupar espaços antes impensáveis para protestantes no Brasil.

Como posicionamento ideológico na política, apoio a candidaturas, seu poder político não se

restringe a deputados pertencentes à igreja, possui muitos aliados no Congresso em funções

executivas. Sua força política não é nada desprezível além de possuir, dinheiro, votos, TV

(Record), revistas, site de jornal na internet, jornal impresso, emissoras de rádio além de

outras mídias secundárias, como folhetos e panfletos, tem se impressão de estar se

ingressando em um novo patamar nas relações religião mercadoria. Fica evidente seu

crescimento, expansão e poder no meio político, social e econômico. “A bancada evangélica

hoje é respeitável, embora tenha diminuído nos últimos tempos. Tem representantes nas

principais esferas do Poder Legislativo. São sete deputados federais, dezenove deputados

estaduais, noventa e um vereadores e um senador da República integrantes da Universal”

(TAVOLARO, 2007, p.217).

Esse novo crente, adepto do neopentecostalismo, pode projetar-se no mundo dos

negócios e dos prazeres mundanos desta terra, sem ter que afligir-se, pode sonhar com as

riquezas terrenas, sem se auto-flagelar, não mais como inimigo a ser vencido, e sim como

aliado que o ajudará a conquistar e desfrutar de tudo que um dia sonhou e desejou. O que

antes se poderia encontrar somente no paraíso longínquo, agora pode-se viver o paraíso

terreal, aqui e agora, como um passe de mágica obter o melhor da terra que Deus pode

oferecer, ou melhor, é imposto a Ele, no neopentecostalismo não se vive na submissão à Deus,

mas sim da coerção a Deus. Para Bourdieu, o campo religioso tem uma função específica de

satisfazer um tipo particular de interesse e é este interesse que leva os leigos a esperar de

certas categorias de instituições e agentes religiosos que realizem ações mágicas religiosas,

ações mundanas, que aliviem suas necessidades imediatas e suas posições sociais. “A ação

religiosa ou magicamente motivada, em sua existência primordial, está orientada para este

27

mundo. As ações religiosas ou magicamente exigidas devem ser realizadas para que vás muito

bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da Terra” (WEBER, 2004, p.279).

Numa interpretação de Bourdieu sobre a sociologia da religião de Weber, o processo

que conduz a magia à religião, depende não apenas dos interesses dos profetas (pastores), mas

também das transformações da condição econômica e social dos leigos, ou seja, as pessoas se

voltam para a religião mágica ou poder sobrenatural da fé, como define Bourdieu, no intuito

de mudar sua condição de vida social, econômica através dos símbolos mágicos e imediatos,

propiciada por uma nova visão de mundo. Portanto, o sistema religioso é passível de

modificações internas segundo a necessidade material e simbólica dos grupos sociais na

estrutura ou até mesmo para continuação e perpetuação de sua função na sociedade.

Por fim, é importante destacar que se pode compreender a magia religiosa em

Bourdieu, como uma ação do sobrenatural, permeando as religiões, sobretudo o

protestantismo neopentecostal. Por meio de uma racionalidade os neopentecostais desfazem

de alguns meios simbólicos de ação mágica, mas mantém e criam muitos como é o caso da

IURD, com sua vasta representação simbólica mítica, como os rituais sacramentais do

batismo, da santa ceia; além de permitir o surgimento de outros, como várias campanhas e

correntes, usando variados tipos de objetos consagrados dotados de poderes mágicos.

Ao traçar um breve histórico do protestantismo neopentecostal no Brasil e de seu líder

Edir Macedo, pode-se observar as intervenções de uma visão de mundo concebida a partir de

um ideário norte-americano, no que concerne a uma “teologia” e ideologia voltada para a

disseminação da idéia de sucesso, a ser idealizada e vivida individualmente pelo membro da

igreja. O individualismo e a crença na ascensão social correspondem à tentativa de

manutenção da ideologia neoliberal, de cunho capitalista e personalista. Dessa forma, assim

como na escola regular transmite-se a concepção dos estudos como veículo a serviço da

promoção financeira e social, na igreja estudada, tal ideologia do sucesso é pregada, o que

nota-se é a recomposição desse ideário no interior da instituição religiosa neopentecostal

brasileira. Trata-se de uma ruptura com a tradição religiosa, que até então estava em vigor.

28

CAPÍTULO 02 MITO E REALIDADE NO PROTESTANTISMO

NEOPENTECOSTAL DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

O que se pretende nesse segundo capítulo tomando o discurso de Mircea Eliade é

discutir e exemplificar os mais íntimos relacionamentos entre a teologia neopentecostal e os

mitos, em que os mesmos explicam a origem do mundo da humanidade e procuram legitimar

as condições da vida humana como: a morte, sofrimento, classes sociais, pecado, sacrifício...

alimentam sonhos, desejos, anseios e utopias de um mundo melhor. Deseja-se demonstrar que

o homem religioso, desde os tempos primordiais das sociedades arcaicas até a modernidade,

tem um profundo desejo de se situar mais perto dos deuses. Por isso os mitos e os ritos são

rememorados e invocados dentro das instituições modernas como a Igreja Universal, a fim de

se tornarem contemporâneo deles e realizarem as mesmas obras do sagrado primordial. No

mesmo pretende-se discorrer sobre a essência das religiões e como o sagrado se manifesta no

profano.

2.1 Mito e rito dentro da IURD: uma abordagem histórica

É interessante notar que o homem religioso assume uma humanidade em um modelo

transcendente. Somente se reconhece verdadeiramente como homem quando imita os deuses,

os Heróis civilizadores ou os antepassados míticos. E a única história que interessa a ele é a

História sagrada revelada pelos mitos. “O homem só se torna verdadeiramente homem

conformando-se ao ensinamento dos mitos, imitando os deuses”. (ELIADE, 2010. p.89).

Para Mircea Eliade (1994), o mito narra às façanhas dos entes sobrenaturais, no qual

uma realidade passou a existir: uma ilha, uma espécie de vegetal, um comportamento

humano, uma instituição. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a

sacralidade sobrenatural de suas obras, em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas

vezes dramáticas, irrupções do sagrado ou sobrenatural no Mundo; descreve como uma coisa

foi produzida, como começou a existir, portanto é sempre uma narração de uma criação. É

está “intormição” ou eclosão do sagrado (sobrenatural), que funda, que dá origem ao mundo

tal como ele é hoje. “O mito revela a sacralidade absoluta porque relata a atividade criadora

29

dos deuses, desvenda a sacralidade da obra deles. Em outras palavras, o mito descreve as

diversas irrupções do sagrado no mundo” (ELIADE, 2010, p.86).

Segundo Mircea Eliade, “o mito é considerado como uma história sagrada, e portanto

uma história verdadeira, porque se refere sempre a realidades. O mito cosmogónico é

verdadeiro porque a existência do Mundo está aí para prová-lo; o mito da origem da morte é

igualmente verdadeiro porque é provado pela mortalidade do homem” (ELIADE, 1994, p.12).

E pelo fato de o mito relatar os gestos dos seres sobrenaturais e manifestações dos seus

poderes sagrados, torna-se o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas.

Para resumir, pode-se dizer que ao mito é dado a explicação ou justificativa de como a figura

divina do mundo surge na mente humana para racionalmente explicar o inexplicavel, dada a

necessidade de justificar, ou, pelo menos, compreender os fenômenos em torno do homem, e

até mesmo a presença na terra e a própria existência do mesmo.

Encontramos por toda parte o mito fundador da criação, a imitação do sagrado que por

sua vez constitui-se no Centro do Mundo, é ele que se transforma num ponto de partida que

fundamenta as coisas existentes e nos permite entender o comportamento religioso, desde as

sociedades arcaicas até as sociedades contemporâneas na qual se vive.

“A habitação não é um objeto, uma máquina para habitar”; é o universo que o homem construiu para si imitando a criação exemplar dos deuses, a 5cosmogonia. Toda construção e toda inauguração de uma nova morada equivalem de certo modo a um novo começo, a uma nova vida. (ELIADE, 2010, p.54).

Em muitas religiões, os mitos formam um corpo doutrinal e estão estreitamente

relacionados com os rituais religiosos, como é o caso da Igreja Universal do Reino de Deus,

escolhida para nossa pesquisa. Ela se mostra adepta à apropriação dos mitos e ritos em seus

discursos e doutrinas na tentativa de arrebanhar fiéis e dar explicações dos acontecimentos e

relacionamentos entre o bem e o mal, o momento da criação e do fim do mundo e o mundo

em que se vive hoje. A mensagem religiosa geralmente exige determinado comportamento

perante Deus, o sagrado e os homens, e , muitas vezes, é formulada de forma compatível com

conceitos racionais e em doutrinas sistematizadas. “O mito conta uma história sagrada, quer

dizer, um acontecimento primordial que teve um lugar no começo do Tempo, ab,initio. Mas

contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não

são seres humanos: são deuses ou Heróis civilizadores” (ELIADE, 2010, p.84).

5 Cosmogonia Criação ou origem do universo, especialmente como objeto de estudo ou de especulação; cosmogênese, cosmogenia.

30

Assim como foi para o homem das sociedades arcaicas, também é para o homem da

sociedade contemporânea protestante neopentecostal, “é essencial conhecer os mitos não só

porque os mitos lhe oferecem uma explicação do Mundo e de seu próprio modo de existir no

Mundo, mas sobretudo porque, ao rememorar os mitos e ritualizá-los, ele é capaz de repetir o

que os Deuses, os Hérois e Ancestrais fizeram ab origine” (ELIADE, 1994. p.17-18).

Conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas e o domínio do passado, e

conhecer a história e a origem dos fatos confere uma espécie de dominio sobre as coisas. Os

que são capazes de recordar os mitos dispõem de uma força mágico-religiosa, ainda maior do

que os que conhecem a origem das coisas. “Conhecer os mitos é aprender o segredo da

origem das coisas. Em outros termos, aprender-se não somente como as coisas vieram à

existência, mas também onde encontrá-las e como fazer com que reapareçam quando

desaparecem” (ELIADE, 1994, p. 18).

Diante do fragmento mencionado pode-se então tentar encontrar uma explicação que

confere o comportamento mitologico e ritualista no discurso do novo pentecostalismo

reapropiado pela IURD. Eles defendem que, rememorando os fatos ou atos que Jesus e outros

protagonistas do sagrado fizeram, são capazes de realizar as mesmas obras, os milagres, e

ainda maiores, memorando e ritualizando a história do sagrado do passado, ao viver os mitos

torna-se a uma experiência religiosa. Nesse momento é reatualizado os eventos significativos,

se assiste novamente as obras criadoras dos entes sobrenaturais que no caso do cristianismo

são: Deus, Jesus, os apostólos, a criação, os milagres, o fim do mundo, os demônios. Seja o

bem ou o mal, “o indivíduo evoca a presença dos personagens dos mitos e torna-se

contemporaneo deles” (ELIADE, 1994, p. 22). Dessa forma o mito revela que o mundo, o

homem e a vida têm uma história e uma origem sobrenatural importante, que não deve ser

desprezado, mas recuperável e significativa. Reviver esse tempo, reintegrá-lo o mais

frequentemente possível, assistir novamente o espetáculo das obras divinas, reencontrar os

entes sobrenaturais e reaprender sua lição criadora, é o que se pode notar em todas as

reiterações rituais dos mitos. “A mitologia será considerada um reflexo da vida social e das

relações sociais” (BOURDIEU, 2005, p.32).

Pode-se citar um ritual mitológico da IURD que nos remete bem ao discurso de

Mircea Eliade, a “Fogueira Santa”, onde, segundo bispos e pastores, além de orar, orientar e

estimular a fé das pessoas, a igreja, diariamente, por meio de propósitos de fé, em diferentes

épocas do ano, faz uma campanha especial destinada a não somente promover uma melhora

na vida daqueles que participam, mas sim uma transformação radical que é a Fogueira Santa

de Israel. Durante o perído da campanha, os participantes do propósito materializam a fé,

31

aplicando toda força em oferecer sacrifício; sacrificar significa, literalmente, “perder ou abrir

mão de algo por um propósito, causa ou ideal”, oferta feita à divindade , tanto físico como

espiritual, financeiro, para que da mesma forma, haja a materialização das promessas divinas

na vida dos fiéis. “Pelo sacrifício forja-se uma condição sobre humana, resultado que pode ser

comparado ao das iniciações arcaicas” (ELIADE, 2010, p. 161).

Ainda sobre o sacrifício, Macedo (2005) diz que é um fenômeno universal e não se

conhece uma religião que não tenha um rito sacrifical. É a mais alta expressão de fé e

significa a renúncia voluntária de alguma coisa de menor importância em troca de algo muito

mais importante. Significa dar importância a um objetivo desejado; significa perder um pouco

agora, para recuperar muito mais depois. E quando se sacrifica alguma coisa é por que já se

sabe, antecipadamente, com a mais absoluta certeza, do alcance de algo de extremo valor.

“Não há outro jeito ou outro caminho que nos possibilite uma grande realização, se não for

através do sacrifício, pois ele é a menor distância entre o querer e o realizar. É realmente o

preço de uma grande conquista” (MACEDO, 2005, p.15). No caso da Fogueira Santa o

sacrifício que Macedo se refere é financeiro, significa dar para receber, uma espécie de

barganha entre o homem e Deus.

Segundo o site da IURD, para participar da Fogueira Santa, o fiel deve comparecer a

um dos 6Cenáculos do Espírito Santo espalhados pelo Brasil e pelo mundo e pegar o seu

envelope do propósito. Nele o fiel deve colocar seu pedido e o seu sacrifício. Os pedidos de

todo mundo, juntamente com o sacrifício perfeito, apresentados no altar dos Cenáculos do

Espírito Santo, são levados pelos respectivos responsáveis de cada país à Terra Santa de

Israel, em um local sagrado, onde, no passado, foi testemunha da manifestação do poder de

Deus. Os papéis com os pedidos são queimados no Monte Sinai (lugar onde Moisés teria

recebido as Tábuas da Lei ou os Dez mandamentos). Lá bispos e pastores unem a fé e se

oferecem como sacrifício vivo ao Senhor, para que o sangue de cada pessoa, representado

pelo que foi apresentado no altar, clame por elas, movendo a mão de Deus para atender a cada

petição, seja ela financeira, cura divina ou emocional. (Site da IURD:

www.folhauniversal.com.br) “Fogueira Santa”.

Analisando o discurso da IUDR, percebe-se um discurso mágico-religioso onde eles

retornam ao mito da origem de um lugar, de uma terra santa onde grandes milagres ocorreram

e acreditam adquirir um poder mágico, graças ao qual é possível dominá-los, multiplicá-los e

reproduzí-los a vontade. Isso significa que bispos e pastores da IURD, ao retornar a terra santa

6 Cenáculos do espírito Santo: Todas as igrejas ou templos da IURD.

32

de Israel, conseguem reproduzir os mesmos milagres que aconteceram lá primordialmente.

Aqui nota-se que o mito, desde os tempos primórdios até os de hoje, é um ingrediente vital da

civilização humana, uma realidade viva à qual se recorre incessantemete. Como lembra

Bourdieu:

A tradição de todas as gerações mortas pesa exessivamente sobre o cérebro dos vivos. E mesmo quando parecem ocupados em transformar-se, a si mesmos e às coisas, em criar algo inteiramente novo, é justamente nestas épocas de crise revolucionária que evocam com temor os espiritos do passado, tomando-lhes de emprestimo seus nomes, suas palavras de ordem, seus costumes, para que possam surgir sobre o novo palco da história sob um disfarce respeitavel e com esta linguagem emprestada (BOURDIEU 1995, p.77)

O simbolismo mítico das gerações mortas, principalmente religiosas, atrai de forma

extraordinária os pensamentos ideológicos dos vivos, nem o tempo consegue apagar os grandes

feitos, as grandes obras do passado, sempre se evoca os mitos religiosos quando há necessidade, e

se ritualiza o simbolismo para evocar os espíritos, tornando o tempo sagrado que é por sua própria

natureza reversível, no sentido em que é, propriamente falado, um tempo mítico primordial

tornado presente. Por conseqüência o Tempo sagrado é indefinidamente recuperável,

indefinidamente repetível. “De certo ponto de vista, poder-se-ia dizer que o Tempo sagrado não

flui, que não constitui uma duração irreversível. É um tempo ontológico por excelência,

parmenidiano: mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota” (ELIADE, 2010,

p.64).

Voltando a ideologia mitológica de sacrifício, que é literamente difundida pela IURD,

cabe citar um exemplo que os iurdianos buscam na Biblia, mais precisamente, de um

personagem biblico do velho testamento no livro de Gênesis, que segundo Macedo (2001) é

Abraão que, por sua vez, casado com Sara sua esposa, não poderia lhe dar filhos. Deus

prometeu um herdeiro para Abraão, a promessa foi cumprida e então nasceu seu filho Isaque,

chamado de primogênito. Mas Deus quis colocar Abrão a prova e disse: “Toma teu filho, teu

único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terrra de Moriá; oferece-o ali em holocautro,

sobre um dos montes, que eu te mostrarei” (Gênesis:22.2). Abraão, estava disposto a

sacrificar seu único filho, o filho que tanto desejou ter por amor a Deus. De acordo com o

discursso da IURD, o amor de Abraão por Deus era maior e mais importante que qualquer

coisa e, deste modo, deve ser também o amor dos fiéis por Deus. Os fiéis devem se dispor a

qualquer sacrifício, sacrifício este que em suas reuniões confere-se como doação financeira

para Deus, ou seja, para a igreja. Fica evidente a rememoração dos protagonistas do sagrado

no sacrifício como ato de coerção para com a via de acesso às bençãos de Deus, mediada pela

33

igreja. Isso nos põem a supor que os pastores e bispos da IURD interpretam a Bíblia e seus

personagens de acordo com seus interesses.

Um outro exemplo de ritual mitológico praticado por pentecostais e neopentecostais é

o mito do batismo nas águas, onde Jesus foi batizado por João Batista com idade adulta:

“Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da galiléia e por João foi batizado no Rio Jordão. Logo

ao sair da água, viu os céus rasgarem-se e o Espirito descendo como pomba sobre ele”.

(MARCOS, 1: 9-10). Segundo Macedo “ o batismo nas águas é a mortificação dos feitos da

carne; é um sepultamento do velho “eu” e o ressurgimento de uma nova criatura limpa e

lavada para uma novidade de vida” (MACEDO, 2004, p.135). Quer dizer que o batismo nas

águas significa a morte para a condição humana profana do homem, seguida do renascimento

para o mundo sagrado, para o mundo de Deus. Desta forma, estão rememoramdo o passado,

ritualizando e fazendo o que João Batista, o profeta, fez ao batizar Jesus.

Segundo Macedo (2004) o batismo nas águas é realizado por imersão, em nome do

Pai, do Filho e do Espírito Santo, não como meio exclusivo de salvação, mas como parte dela.

É um ato público de profissão de fé, com vistas ao sepultamento do corpo do pecado ou da

natureza pecaminosa, para se viver em novidade de vida. Após o batismo nas águas, tem de

acontecer uma mudança de vida, ou seja, jamais podem ser mantidos os hábitos por eles

considerados errados que existiam antes, tais como vícios, gênio ruim, egoísmo.

Ainda sobre o ritual do batismo, o simbolismo aquático das águas como fala Eliade

(2010), apresenta uma valorização religiosa desde a origem do mundo; “As águas existiam

antes da terra , conforme se exprime o Gênesis, as trevas cobriam a superfície do abismo, e o

espírito de Deus planava sobre as águas” (ELIADE, 2010, p.109). Além das águas

representarem o simbolismo da criação, implica no mundo religioso tanto a morte, como o

renascimento.

O “homem velho” morre por imersão na água e dá nascimento a um novo ser regenerado. Este simbolismo é admiravelmente expresso por João Crisóstomo (Homil,in Job., XXV, 2), que, falando da multivalência simbolica do batismo, escreve: “Quando mergulhamos a cabeça na água como num sepulcro, o homem velho fica imerso, interrado inteiramente; quando saímos da água, aparece imediatamente um homem novo.”(ELIADE, 2010, p.112).

Como se vê, as águas representam desde o mito da iniciação da criação ao batismo

como uma santificação, curando o corpo e a alma. Rememorando os mitos e ritos primordias

o homem recupera sua semelhança com Deus. Sendo assim o batismo é um sacramento, que

foi instituído pelo Cristo, um ritual iniciativo da morte e da ressurreição simbólicas.

34

Nos rituais relacionados ao exorcismo pretende-se evidenciar o caráter 7totêmico de

algumas práticas existentes nos cultos da igreja estudada. Assim, pensamos que a rosa, o

galho de arruda, o azeite, o sabonete, o sal e, principalmente, a água podem representar a

versão atualizada dos rituais totêmicos que existem há muito tempo, conforme o discurso de

Eliade. Desse modo, a vertente neopentecostal da igreja evidenciada por esse estudo é

influenciada por rituais não-cristãos, o que nos leva a concluir que a igreja Universal do Reino

de Deus assimila certo sincretismo com as religiões primitivas (índios) e afrodecendentes que

tanto criticam.

Mircea Eliade também considera os entes sobrenaturais, os personagens históricos

que, em razão de seus feitos, se tornaram objeto de culto e adquiriram um caráter mítico,

assim admite-se a hipótese de Jesus ser um ser mitológico. Jesus, o Deus crucificado, ocupa o

papel central nas religiões do cristianismo e milhares de pessoas depositam as esperanças de

felicidade e salvação, acreditam nele e repetem sua história de forma simbólica. Pode-se citar

exemplos como a última Ceia em que Jesus ceou com os apostolos “tomou um pão, tendo

dado graças, o partiu e lhe deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por voz; fazei isto em

memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice

da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós e disse fazei isso em memória de

mim”(LUCAS, p. 22). Desde então esse ritual é sacralizado por todas as religiões

pertencentes ao cristianismo, inclusive o protestantismo neopentecostal no qual se embasa

essa pesquisa. É dessa maneira que o cristão se identifica com os apóstolos ao comer o pão,

que simboliza o corpo de Jesus, e beber o vinho, que é o sangue dele. Ao encenar a última

ceia o cristão retorna misticamente ao tempo em que seu Jesus estava vivo e partilha da sua

substância em condições de igualdade com os apóstolos.

Segundo Macedo:

a Ceia é a cerimônia mais importante dentro do cristianismo; ela não é apenas um símbolo da participação do corpo e do sangue de Cristo, ela realmente é uma participação física de um Cristo espiritual com a finalidade de fortalecer a Igreja física e espiritualmente, relembrando a morte de Cristo até que Ele venha. Além disso, ela serve para uma renovação dos votos de aliança com Deus através do sangue do Senhor Jesus8.

7 Totêmico e um conjunto de idéias e práticas baseadas na crença da existência de um parentesco místico entre seres humanos e objetos naturais, como animais e plantas. O conceito refere-se a uma ampla variedade de relações de ordem ideológica, mística, emocional, genealógica e de veneração entre grupos sociais ou indivíduos específicos e animais ou outros objetos naturais, que constituem o totem. 8 Disponível em: http://www.arcauniversal.com/iurd/emquecremos.html

35

Mas o retorno às origens não parece ser uma qualidade apenas dos homens arcaicos.

Os cristãos procuram sempre retornar às origens do cristianismo em busca de revitalizar sua

fé, através dos ritos. “Não há dúvidas que nos evangelhos abundam elementos mitológicos”

(ELIADE, 1994, p.142). Embora os cristãos não aceitem como mito, na realidade, eles se

utilizam das categorias do pensamento mítico. Nota-se que para os cristãos de todas as

confissões, o centro da vida religiosa é constituido pelo drama de Jesus Cristo que possibilitou

a salvação. Dessa maneira, repetir ritualmente esse drama exemplar e imitar o modelo

supremo, revelado pela vida e pelo ensinamento de Jesus, conduzirá o homem contemporâneo

a uma vida de paz, prosperidade financeira, felicidade terrena e sua salvação no mundo

espiritual.

Esse comportamento religioso faz parte do comportamento mítico, onde não só o

homem das sociedades arcaicas, como os das sociedades contemporâneas encontram no mito

a própria fonte de sua existência, constata-se nos dois modelos de sociedade um retorno as

origens, o que traduz um desejo de transcender os limites da condição humana. Esse retorno

as origens conduz não a uma história linear como os cristão insistiam, mas em um história

circular. “O homem religioso vive assim em duas espécies de Tempo, das quais a mais

importante, o Tempo sagrado, se apresenta sob o aspecto paradoxal de um Tempo circular,

reversivel e recuperável, espécie de eterno presente mítico que o homem reintegra

periodicamente pela linguagem dos ritos” (ELIADE, 2010, p.64),

Podemos citar um outro exemplo de mito que aparece na história do sagrado desde a

criação, que é o mito do Fim do Mundo. Para muitas sociedades o fim do mundo significa um

novo começo, ou melhor uma renovação, um novo ciclo. A restauração ligada a recriação do

cosmo, mas esse começo do ciclo envolve, inevitavelmente o fim de outro ciclo, o momento

da falta e do caos, onde as coisas acabam-se por desfazer. É necessário acabar para começar.

Os mitos do fim do mundo estão realcionados a punição e o início de uma nova humanidade,

é proclamado, por muitas vezes, uma volta a pureza humana, purificação dos atos injustos

através de uma volta a origem no tempo mítico.

Em suma, esses mitos do Fim do Mundo, implicando mais ou menos claramente a recriação de um novo Universo, exprimem a mesma idéia arcaica e extremamente difundida da “degradação” progressiva do Cosmo, requerendo sua destruição e sua recriação periódicas. Desses mitos de uma catástrofe final, que será ao mesmo tempo o sinal anunciador da iminente recriação do Mundo, é que surgiram e se desenvolveram os movimentos profeticos e milenaristas das sociedades primitivas contemporâneas (ELIADE, 1994, p.58)

36

Na sociedade protestante contemporânea o mito do fim aparece de duas formas

distintas: O pré-milenarismo e o pós-milenarismo. O pré-milenarismo advoga a segunda vinda

de Cristo, associado com a questão do milênio, um período de paz e prosperidade na Terra. O

reino não será implantado gradualmente, progressivamente, mas será de forma repentina, em

um evento cataclísmico quando do retorno de Cristo. O pentecostalismo fez do pré-

milenarismo o cerne de sua mensagem “o Rei estava voltando”, também é responsável pela

separação do mundo, revelando o desprezo ao prazer, no isolamenro cultural, na passividade

sociopolítica e no pessimismo em relação a qualquer esforço para transformação da

sociedade.

Ao contrário do pré-milenarismo, o pós-milenarismo defende a idéia de que o reino

messiânico já foi inaugurado por Cristo na Terra em sua primeira vinda. Esse reino exerce

uma influência sociocultural na civilização, expandindo-se gradualmente no decorrer da

história humana. No sagrado neopentecostal o que está em voga é o pós-milenarismo,

caracteristico de perídos de paz social e progresso econômico, um rompimento com a

separação e isolamento cultural do mundo. Envolveram-se ativamente na politica, acreditaram

na possibilidade da sociedade melhorar e não possuem mais um rígido código ético. Essa

mudança reflete o abandono do pré-milenarismo e o encaixamento na escatologia pós-

milenarista com enfase na guerra expiritual, a teologia da prosperidade e o abandono dos

sinais de santidade (SIEPIERSKI, 2008). Isso não significa que não almejam um dia morar no

paraíso, ter um lugar ao lado de Deus, mas para os iurdianos, esse paraíso está um tanto

longínquo, por isso devem investir no presente no aqui agora, pode-se viver o paraíso aqui na

terra em tempo real.

Para Siepierski, o cerne do pós-milenarismo reside no conceito de que os que

observam as leis vétero-testamentarias não serão afetados ou castigados pelas sanções

negativas de Deus na História. Os pós-milenaristas afirmam que a mensagem da Bíblia é

pactual, ou seja, a fidelidade traz bençãos de Deus, e a rebeldia traz as as maldições de Deus.

Uma consequência dessa cosmovisão pactual é que, os observadores obedientes fiéis herdarão

na história a riqueza e autoridade, em outras palavaras, os cristãos receberão as bençãos de

Deus neste mundo, ou seja, poder e riquezas, enquanto quem não observa as leis de Deus será

castigado, e despojado do poder e riquezas. O conceito de guerra espiritual e a teologia da

prosperidade, presentes no cerne desse neopentecostalismo, não desenvolvem a

conscientização social nem promovem uma ética ascética (uma renúncia ao mundo), ao

contrário, seguem a ética hedonista brasileira, ou seja, seguem uma doutrina filosófico-moral

que afirma ser o prazer carnal o supremo bem da vida humana.

37

O mito abrange maior amplitude de mensagens, desde atitudes antropológicas muito

imprecisas, até conteúdos religiosos, pré-científicos, folclóricos ou simplesmente anedóticos,

que são aceitos e formulados de modo menos consciente e deliberado, mais espontâneo, sem

considerações críticas.

A função mais importante do mito é, pois, fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas: alimentação, sexualidade, trabalho, educação etc. Comportando como ser humano plenamente responsavel, o homem imita os gestos exemplares dos deuses, repete as ações deles, quer se trate de uma simples função fisiológica, como alimentação, quer de uma atividade social, econômica, cultural, militar etc (ELIADE, 2010 p.87).

É interessante notar que o homem se reconhece verdadeiramente homem, quando

imita os Deuses, os Hérois e os antepassados míticos, sendo assim podemos definir sua vida

religiosa em uma comemoração e rememoração do sagrado.

A Igreja Universal é repetitiva, lida com os mesmos problemas, apresenta as mesmas

soluções e faz o mesmo diagnóstico de suas causas. O que varia são as formas dos rituais, o

modo de como participar deles e o sacrifício estimulado para o fiel habilitar-se a receber as

bençãos desejadas. “Possui um repertório simbólico bastante diversificado e inesgostavel dai

encontramos correntes: de Jó, de Davi, do tapete vermelho, dos 12 apóstolos, do nome de

Jesus, da mesa branca, do amor, das 91 portas, campanha do cheque em abundância...”

(MARIANO, 2005, p.135). Diante de tantos rituais percebe-se a forte presença da narração de

personagens bíblicos míticos. Essa é uma estratégia que os pastores e bispos utilizam para

rememorar os mitos, socializar e converter novos fiéis.

No ritual de cura da IURD, também utiliza objetos sagrados ungidos dotados de poder

mágico e terapêutico, como ponto de contato entre Deus e os fiéis, mediante os pagamentos

das ofetas estipuladas, distribuem aos fiéis rosa, azeite do amor, perfume do amor, pó do

amor, saquinho de sal, arruda, sal grosso, aliança, lenço, frasquinhos de água do Rio Jordão e

de óleo do Monte das Oliveiras, nota abençoada, areia da praia do Mar da Galiléia, cruz,

chave, pente, sabonete, dentre outros. Dentro do imáginário sagrado da IURD, tudo sobre que

o pastor orar e impuser as mãos será abençoado, como se os elementos empregados

aumentassem a fé das pessoas, como a proximidade delas com Deus. Dessa maneira, cada

objeto usado atende a um próposito específico como, por exemplo, o azeite tem poder de

purificar e libertar; a arruda e a rosa afastam a inveja e o mau-olhado; o sabonete ungido,

usado no banho serve para descarregar a pessoa de espíritos maus; e assim por diante. Esses

atos aproximam-se de crenças e práticas dos cultos afro-brasileiros e do catolicismo popular,

38

provocando um sincretismo religioso que também se apropria dos mitos para explicar a vida,

a morte, o sucesso, a saúde, a felicidade ou decadência da condição humana.

É interessante observar que a pregação e as práticas ritualísticas da Igreja Universal

buscam fazer a ponte entre a tradição religiosa do Antigo Testamento e as necessidades do

presente imposto pelo sistema econômico atual. O ser humano volta-se para o sagrado em

busca de soluções que não foram encontradas no mundo material e, predominantemente, em

razão do avanço da modernidade capitalista globalizada que ampliou e continua ampliando

continuamente os limites de sua interferência na vida econômica e social dos leigos.

2.2 O espaço do sagrado e profano na história da IURD

Para Mirceia Eliade os mitos e os ritos dão acesso ao tempo sagrado, e esse acesso ao

tempo sagrado alivia o homo religiosus ao terror da inexorabilidade (destino) da história. Os

ritos sacramentais, os êstases, os exorcismos, as histórias sagradas permitem aos indivíduos

ou às comunidades religiosas saírem, em uma certa duração, do cotidiano opressor para outro

plano de libertação do sofrimento e sensação de felicidade. Em O sagrado e o profano (2010),

Eliade desenvolve a idéia do sagrado com base em sua dialética com o profano, estando aí a

essência religiosa. Desde o começo da criação do mundo foi dividindo espaço entre o sagrado

e o profano, ou seja, o bem e o mal que se constituiu o espaço do homem religioso. “O mundo

se divide entre Deus e o Diabo, Verdade e Erro, Salvação e Perdição, Nós e os inimigos”

(ALVES, 1987, p.27). Ora, a primeira definição que se pode dar ao sagrado é que ele se opõe

ao profano.

Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o espaço apresenta roturas, quebras; há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. “Não te aproximes daqui, disse o senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa.” (Êxodo, 3:5). Há, portanto, um espaço sagrado, e por conseqüência, “forte”, significativo, e há outros espaços não sagrados, e por conseqüência sem estrutura nem consistência, em suma, amorfos (ELIADE, 2010, p.25).

O sagrado e o profano constituem-se como duas modalidades de ser no mundo, duas

situações existenciais assumidas pelo homem ao longo de sua história. As descrições do

espaço sagrado é a construção da morada humana, ou às diversas experiências religiosas no

Tempo, ou as relações do homem religioso com a natureza e o mundo dos utensílios, a

consagração da própria vida humana, enfim é carregado de toda sacralidade vital como:

39

alimentação, sexualidade, trabalho. Ao contrário do homem profano que acha ser um ato

fisiológico (a alimentação, a sexualidade...), recusa a sacralidade do mundo, assumindo uma

existência profana, purificada, ou seja, livre de toda conjectura religiosa.

Embora essa existência profana não seja encontrada em estado puro. “Seja qual for o

seu grau de dessacralização do mundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida

profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso”. (ELIADE, 2010,

p.27). Define-se o que Marx fala ao prever o futuro, onde o mundo se converterá em

comunismo e o Estado desaparecerá, é mesmo se dizendo um profanador do sagrado se

apropriou nesse momento de uma fala religiosa, por isso Eliade disse que mesmo o homem

profano não consegue ser totalmente profano em estado puro, se apropriando de discurso do

sagrado, com uma previsão de um fim e o do nascimento de uma nova classe dominante o

proletariado. O homem não religioso se opõe ao religioso o tempo litúrgico é inacessível, o

tempo não pode apresentar nenhuma rotura, nenhum mistério, está ligado a sua própria

existência, portanto tem um começo e um fim, que é a morte, o aniquilamento da existência.

Para Mircea Eliade, existe uma fronteira que separa o sagrado do profano, que no caso

de uma igreja, ou templo, a porta seria o limite que opõem dois mundos, mas que também

permite sua interação, ou melhor, a comunicação entre si. A porta se constitui de muita

importância religiosa, pois esse por sua vez, torna-se um símbolo e um canal de passagem

entre dois mundos, e no interior do sagrado (igreja) é possível a comunicação com o Deus, ou

Deuses. “O templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a

comunicação com o mundo dos deuses” (ELIADE, 2010, p.30).

Parece um tanto confusa a dialética do sagrado com o profano, pelo fato de tudo ser

justificado pela criação de Deus, então tudo é sagrado se foi Deus quem criou. Mas se tudo

criou, também criou o profano, o lugar ou objeto profano pode se tornar sagrado quando a 9teofania consagra. O homem religioso só consegue viver numa atmosfera impregnada do

sagrado, é preciso que se tenha em conta uma quantidade de técnicas destinadas a

consagrarem-lhe o espaço onde vive. O ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado

é eficiente à medida que ele reproduz a obra dos deuses ou de protagonistas de grandes obras

religiosas como no caso do cristianismo judaico: apóstolos, discípulos e muitos objetos

consagrados pelos mesmos, usados como fonte de ligação com o Deus.

9 Teofania, vem do grego theophnaia, que por sua vez é uma palavra composta por dois vocábulos, também gregos: Théos, "Deus" e phanei, "aparecer". Isto é, Teofania é o termo utilizado para descrever alguma manifestação visível de Deus, na forma que Ele quiser.

40

Para o homem religioso o mito e rito, é uma repetição de um ato primordial divino dos

Deuses em transformar o Caos (a confusão) em cosmos (harmonia). E qualquer lugar ou

objeto profano que seja santificado, sacralizado é uma porta que liga aos Deuses. Eliade

(2010) observa que ao longo da história, muitos objetos antes reduzidos na esfera natural,

converteram-se em sagrados por todos os membros de uma determinada comunidade, após a

revelação deste, em algo distinto de seu signo inicial, conferindo-lhe potencialidade de ser

sacralizado pelo fato de haver sido criado pelos deuses: a rocha, o monte, o azeite, os

números, nos tabernáculos, existe uma arca, a arca da aliança, que representa a ligação entre

Deus e o povo. “Alguns símbolos judaicos estão presentes no dia-a-dia da Universal. A cruz,

o candelabro, o óleo representado por azeite, o pão, o sangue simbolizado por suco de uva”

(TAVOLARO, 2007, p. 135).

A rocha é um material muito utilizado nos textos bíblicos como, quando Deus falou

com Moisés no deserto para que tocasse a rocha com o cajado e dela sairia água para que o

povo bebesse. Dessa maneira a rocha (pedra) é utilizada como um objeto que os mesmos

consagram para que seja dotada de poderes sobrenaturais para curar os enfermos, e no caso,

Jesus disse que ele é a rocha, que os fiéis devem ser firmes como ele, a rocha simboliza poder,

fortaleza.

Todo aquele que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as pratica, eu vos mostrarei a quem é semelhante: É semelhante ao homem que edificando uma casa cavou, abriu profunda vala, e pôs os alicerces sobre a rocha; e vindo a enchente, bateu com ímpeto a torrente naquela casa, e não a pôde abalar, porque tinha sido bem edificada. Mas o que ouve e não pratica, é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre terra, sem alicerces, na qual bateu com ímpeto a torrente, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa. ( BÍBLIA, 2007. LUC.5:47-49).

No caso dos montes, ou montanhas, os pastores e bispos usam o exemplo de Moisés

no Monte Sinai onde recebeu os dez mandamentos, e é baseado neste mito dos dez

mandamentos que os iurdianos transformam o espaço do monte, em espaço sagrado, para

usarem como ponto de contato com Deus, seria então um lugar de passagem de lugar profano

para o sagrado. Com esses rituais e símbolos é como se a Igreja universal reencantasse o

mundo do sagrado, usando os mitos e ritos religiosos do passado.

O 10azeite é um dos ingredientes mais utilizados na IURD, é com ele que se unge

pessoas e lugares para santificar e também no processo de cura. As oliveiras e os vinhedos

10 A SENTINELA, Revista- Anunciando o Reino de Jeová- São Paulo. 1° de outubro de 2011.

41

estavam entre as bênçãos que Deus prometeu a seu povo por serem leais a ele. (Deuteronômio

6: 10-11). Até hoje a oliveira é muito valorizada nas regiões onde cresce. Ela pode produzir

em grande quantidade por centenas de anos sem precisar de muitos cuidados. Uma árvore

cultivada pode florescer até mesmo em solo rochoso e agüentar secas freqüentes. Se for

derrubada, sua raiz dá vários brotos que podem se desenvolver em novas árvores.

Nos tempos bíblicos, a casca e as folhas da oliveira eram valorizadas porque podiam

ser usadas para baixar febre. Além disso, a resina que sai dos ramos velhos tem cheiro de

baunilha e era utilizado para fazer perfumes. Mas essa árvore era valorizada principalmente

como fonte de alimento, sua azeitona e em especial seu azeite. Metade da polpa de uma

azeitona madura é puro azeite. Uma boa árvore podia produzir cerca de 60 litros de azeite por

ano. Usado também como cosmético para o corpo e cabelo, como bálsamo para feridas e

contusões, para iluminação e em cerimônias e eventos religiosos. Êxodo 27: 20; Levítico 2:1-

7; 8:1-12; Rute 3:3; Lucas 10: 33-34. (BÍBLIA, 2007). Diante destes fragmentos bíblicos

observa-se o grande valor simbólico e mítico religioso que o azeite possui para os iurdianos.

Os números também tem toda uma representação mítica, nos tempos primordiais,

religiosos, as correntes feitas pela IUDR, com intuito de algum propósito, sempre são

precedidas por números que correspondem a algum evento religioso no passado como; o

número sete, que significa o número da perfeição de Deus pelo fato de Deus ter criado o

mundo em sete dias, o número sete também por Josué ter rodeado a cidade de Jericó por sete

vezes para que o muro da cidade caísse. O número doze, por representar as doze tribos de

Israel. Cita-se o exemplo de uma corrente de 12 domingos pela família, que por sua vez o fiel

deve ir a doze domingos a igreja levando a cada domingo um pedaçinho de roupa do membro

da família que o mesmo pretende que converta. E por ai vai...

Encontra-se por toda parte no mito fundador da criação, a imitação do sagrado que,

por sua vez, constitui-se no Centro do Mundo, e é ele que se transforma num ponto de partida

que fundamenta as coisas existentes, e nos permite entender o comportamento religioso, desde

as sociedades arcaicas até as sociedades contemporâneas no qual vivemos, incluindo o espaço

e a moradia.

“A habitação não é um objeto, uma máquina para habitar”, é o universo que o homem construiu para si imitando a criação exemplar dos deuses, a cosmogonia. Toda construção e toda inauguração de uma nova morada equivalem de certo modo a um novo começo, a uma nova vida (ELIADE, 2010, p.54).

Segundo Eliade a moradia não é vista pelo homem religioso apenas como um espaço

geométrico do plano material para se habitar “é o Universo que o homem construiu para o

42

mesmo no intuito de imitar a Criação exemplar dos deuses, a cosmogonia”, portanto constitui-

se uma “imago mundi”, um espaço sagrado e localizado simbolicamente no “Centro do

Mundo” e aberto para a comunicação com o transcendente, ou melhor, com os Deuses.

“Então, pode-se afirmar que todos os símbolos e rituais concernentes aos templos, às cidades

e às casas derivam, em última instância, da experiência primária do espaço sagrado.”

(ELIADE, 2010, p.55).

Para Eliade, o Mundo como obra dos deuses é sagrado, o Templo é um lugar santo por

excelência, o povo via o Tabernáculo e os templos como o lugar onde o Espírito de Deus

morava que por sua vez tem-se a idéia de que a santidade do Templo esta ao abrigo de toda

corrupção terrestre. Isso pelo fato do projeto arquitetônico do Templo ser obra dos deuses que

por conseqüência encontra-se perto dos deuses e do céu. Este é um bom exemplo para

mencionar as grandiosas construções dos templos da IURD. Edir Macedo inspirou-se no

famoso “Templo de Salomão”, referencia à igreja idealizada por um dos personagens bíblicos

mais conhecidos da história, imortalizado por sua sabedoria e riqueza. Diz o bispo que será a

mais bela igreja Universal no mundo inteiro. O Templo da Glória de Deus no Brasil.

Segundo ele mesmo (bispo Edir Macedo) inspirado pelo Espírito Santo, decidiu

construir a Réplica do Templo de Salomão, em São Paulo, no bairro do Brás. Ele conta que,

durante uma viagem de peregrinação à Terra Santa, comentou com os outros bispos o desejo

de que todo o povo da Igreja Universal pudesse, pelo menos uma vez na vida, pisar no chão e

nas pedras que um dia Jesus pisou. Após esse comentário, ele refletiu: “Se eu não posso trazer

todo o povo para cá, então vou levar pedaços desta terra para eles”11. Depois deste dia, a idéia

tomou forma e no mês de julho de 2010 a grande obra, projetada nas referências bíblicas do

Templo do passado, foi anunciada.

Segundo Tavolaro (2007), a maquete do mais arrojado templo na história da Igreja

Universal:

Será uma superigreja retangular com 150 metros de comprimento e 100 metros de largura, dimensões que superam as de um campo de futebol oficial e as do maior templo da Igreja Católica da cidade de São Paulo, a catedral da Sé. São mais de 80 mil metros quadrados de área construída num quarteirão inteiro de 28 mil metros. A altura é de um prédio de dezoito andares, quase duas vezes a altura do Cristo Redentor. A fachada e o altar serão revestidos com pedras importadas de Israel. Candelabros e uma arca dourada, de tamanhos ampliados, adornarão o templo. A igreja será no Brás, um dos bairros mais populares de São Paulo, e terá capacidade para 13 mil fiéis sentados. (TAVOLARO, 2007, p.263-264)

11 Disponível em <http://www.arcauniversal.com/iurd/noticias/ http://www.otemplodesalomao.com/-> Acessado: 01/10/2011.

43

Pela visão dos deuses o homem religioso tem a visão fulgurante do modelo do templo

de Salomão e se esforça por produzi-lo na terra, para que quando as pessoas entrarem na

igreja possam viajar pelo tempo através memória. “A memória permite a relação do corpo

presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo atual das representações.”

(BOSI, 1987, p.9). A idéia é fazer com que as pessoas sintam como se estivessem no primeiro

Templo construído por Salomão, dessa maneira além de rememorar o tempo de Deus,

estariam remetendo as pessoas no espaço sagrado construído no intuito de aproximação do

homem com Deus. “Para o povo de Israel, os modelos do tabernáculo, e de todos os utensílios

sagrados e do Templo foram criados por Jeová, desde a eternidade, que revelou aos seus

eleitos, para que fossem reproduzidos sobre a terra”. (ELIADE, 2010, p.56-57).

A memória do sagrado poderá ser conservação do passado, mesmo porque o seu lugar

na vida do homem acha-se a meio caminho entre o instinto, que se repete sempre, e a

inteligência, que é capaz de inovar. “O sagrado é o que transcende os nossos poderes de

compreensão, comunicação e ação” (BAUMAN, 2005, p.78).

Todos estes exemplos foram escolhidos para se apresentar algumas expressões

mitológicas mais importantes e as encenações rituais relacionados com a experiência do

sagrado, que o homem religioso buscou e valorizou na tradição de experiência do espaço

sagrado desde a sociedade arcaica. Diante do dissertado, conclui-se que a vida religiosa da

humanidade, realizou-se na história, com expressões condicionadas pelos múltiplos

momentos e estilos, mitos e ritos culturais de um povo, que ao serem rememorados dão vida a

eles e os torna contemporâneo deles. A Igreja Universal Do Reino de Deus é uma das maiores

igrejas neopentecostais a tomarem de empréstimo os mitos, ritos e os simbolismos

primordiais para recriarem os mesmos no intuito de reencantar o sagrado e converter novos

fiéis a sua teologia da prosperidade literalmente integrada com a modernidade.

44

CAPÍTULO 03 A IDENTIDADE PROTESTANTE NEOPENTECOSTAL E A

MODERNIDADE

O objetivo deste terceiro capítulo é propor um modelo de texto que consiga explicar as

bases do fenômeno religioso neopentecostal na modernidade capitalista globalizada na qual a

sociedade se inserido. A tentativa de entender o processo religioso não se limita como um

subproduto da evolução cultural, mas econômico capitalista. Baseado nas concepções teóricas

de Bauman e Hall defende-se a tese de que as religiões modernas ou pós-modernas são frutos

da modernidade que está inserida numa sociedade, moderna e flutuante, onde as identidades

sociais, culturais, assim como as religiosas, não são sólidas, onde os sentimentos, os laços

humanos são frágeis, ou melhor frouxamente atados.

3.1 Identidade líquida neopentecostal

Falar de identidade religiosa é sem dúvida um assunto que é pela própria natureza,

intangível e ambivalente. É preciso ler, estudar minuciosamente a história da sociedade

líquida moderna, onde tudo ou quase tudo se torna ilusório, onde a angústia, a dor e a

insegurança causada pela vida em sociedade e gritante. Estudar a identidade religiosa exige

uma análise paciente e contínua da realidade e do modo como os indivíduos estão inseridos

nela. Para Bauman “qualquer atividade de aplacar a inconstância e a precariedade dos planos

que homens e mulheres fazem para suas vidas, e assim explicar essa sensação de

desorientação exibindo certezas passadas e textos consagrados, seria tão fútil ou estúpido

quanto tentar esvaziar o oceano com uma balde” (BAUMAN, 2005, p.9).

As aflições sociais- mais ou menos herdadas - que são tradicionalmente atribuídas aos indivíduos como definição de identidade: raça... gênero, país ou local de nascimento, família e classe social agora estão... se tornando menos importantes, diluídas e alteradas nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Ao mesmo tempo, há a ânsia e as tentativas de encontrar ou criar novos grupos com os quais se vivencie o pertencimento e que possam facilitar a construção da identidade. Segue-se a isso um grande sentimento de insegurança (LARS DENCIK apud BAUMAN, 2005, p.30).

Observa-se no fragmento acima, que a sociedade mudou e houve uma grande inversão

de papéis e valores (as instituições, as pessoas, as famílias, o avanço tecnológico). Todas

45

essas mudanças na modernidade geram confusão, expectativa, aflições e insegurança, que

colocam em xeque nossos sentimentos e nossa identidade. Essa mudança, segundo Marx, tem

um caráter específico:

É o permanente revolucionário da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos... Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido desmancha no ar (MARX E ENGELS apud HALL, 2006, p.14).

A conceituação da “dominação e identidade” religiosa estabelecida pelo

neopentecostalismo, cabe efetuar uma pontuação de Bauman “... As identidades flutuam no

ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa

volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas.

(BAUMAN, 2005, p. 19). Dentro desse círculo de identidade, a maioria das pessoas se

encontram expostas a muitas comunidades de idéias e princípios, e os mesmos fazem com que

a nossa identidade viva em constante mutação, isso acontece dentro e fora do espaço

religioso.

Discutir os problemas da identidade religiosa protestante neopentecostal no contexto

da pluralidade requer analisar a rede de significações que a problemática adquire nos

diferentes lugares sociais. Bauman trabalha a idéia de que o pertencimento ou a identidade,

nesses casos, não são definitivos nem tão sólidos assim, mas negociáveis e revogáveis; tudo

depende das decisões que o indivíduo toma, do caminho que percorre e da maneira como age.

Segundo Bauman (2005: p.22-38), não há nada por descobrir na identidade, mas sim inventar

com o intuito de atingir determinado “objetivo”, mesmo que se tenha que ocultar a verdade

“sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade”. As identidades fixas e

inegociáveis não são permitidas ou aceitas no mundo líquido moderno, onde as

individualidades são gritantes. No admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das

seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis simplesmente não

funcionam, os sentimentos, a moral a ética são literalmente corrompidos nesse mundo

moderno. “Em nosso mundo fluido, comprometer-se com uma única identidade para toda a

vida, ou até menos do que a vida toda, mas por um longo tempo à frente, é um negócio

arriscado. As identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter” (BAUMAN,

2005, p. 96).

46

Como revela Bauman, numa sociedade que tornou incerta e transitória de “solidificar”

o que se tornou líquido por meio de uma política de identidades levaria inevitavelmente o

pensamento crítico a um beco sem saída, devido as estratégias da modernidade líquida. As

pessoas tornaram-se conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez

de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de

que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre a maneira como age,

são fatores cruciais para o pertencimento quanto para a identidade. “A idéia de identidade

nasceu da crise de pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a

brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela

idéia, recriar a realidade à semelhança da idéia (BAUMAN, 2005, p.27).

Hall (2006) também concorda com Bauman, (2005), ao afirmar que “as velhas

identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo

surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito

unificado. As identidades modernas estão sendo descentrada, isto, é deslocadas ou

fragmentadas.

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, religião, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais (HALL, 2006, p.7-8-9).

Tanto para Hall, quanto para Bauman o sujeito não tem mais uma identidade sólida,

seja natural ou social na modernidade contemporânea, pois, cada vez mais pelo processo de

globalização, pode assumir não apenas uma, mas várias identidades na “rede de conexões

identitárias”. O problema da sobrevivência neste mundo fluido de mudanças rápidas, onde os

indivíduos não podem se dar ao luxo de ficarem estagnados a valores pregados pela vida toda,

ou apegar-se a requisitos na formação de identidade forte, não é o mais aconselhável, neste

mundo líquido, onde estão acontecendo mudanças abrangentes e radical nos espaços sociais,

culturais, religiosos e econômicos que norteia a sociedade globalizada.

Hall analisa a identidade nacional, a partir das culturas nacionais. A questão principal

é: “como as identidades culturais nacionais estão sendo afetadas ou deslocadas pelo processo

de globalização?” (HALL, 2006, p.47). A identidade nacional não é inerente ao ser humano;

não nascemos sujeitos nacionais, mas o discurso empregado nos leva a essa compreensão.

“Segui-se que a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um

sistema de representação cultural” (HALL, 2006, p.49). Dessa maneira, podemos pensar a

47

cultura nacional como modalidades, um sistema de representações que produz sentidos que

podem identificar e construir identidades.

A partir das considerações de Hall e Bauman, podemos dizer que as identidades

religiosas são construídas a partir de uma sociedade líquida globalizada, e está ligada ao

colapso estatal de bem estar social, corrosão de caráter e ao crescimento de sensação de

insegurança e flexibilidade na sociedade líquida globalizada da qual fazemos parte. Essa

sociedade se tornou incerta e transitória, as identidades sociais e culturais não podem mais se

solidificar, uma vez que, a modernidade se tornou líquida as identidades se tornaram

flutuantes e vive um constante processo de modernização.

No caso do sagrado como diz Bauman (2005, p. 13) “Os vários fundamentalismos

religiosos nada mais são do que a transposição da identidade política conduzida por cínicos

aprendizes de feiticeiro” Ou seja, essas identidades religiosas criadas ou alimentadas pela

força da globalização e/ou sociedade líquida do sagrado supõe ser capaz de empregar poderes

mágicos, são individualistas e materialistas. “o que a mente moderna fez, contudo foi tornar

Deus irrelevante para os assuntos humanos na Terra, (BAUMAN, 2005, p.79). Melhor

dizendo a preocupação com o agora não deixa espaço para o eterno nem para refletir sobre

ele, e parece ser desta maneira que o neopentecostalismo da IURD trabalha, com o aqui e

agora, com soluções imediatas no cotidiano dos fiéis. A modernidade é a época onde a

religião está presente ligada mais ao aspecto da sobrevivência, ao materialismo financeiro do

que a submissão a Deus em busca da continuidade da vida no paraíso longínquo.

Podemos identificar tais argumentos no discurso de Macedo de como receber a benção

financeira imediata no cotidiano, para isso deve-se seguir alguns passos:

A pessoa oprimida pela situação financeira tem de iniciar uma verdadeira batalha espiritual contra os que se opõem ao seu sucesso material. Isso só acontece através da fé nas promessas de Deus, o único caminho pelo qual ela conseguirá a sua vitória. O segundo passo é aplicar todos os conselhos da palavra de Deus na sua vida, ou seja, seguir fielmente os passos em que Deus promete abençoar-nos financeiramente: “Trazei todos os dízimos á casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós benção sem medida. Por vossa causa, repreendei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vide no campo não será estéril, diz o Senhor dos Exércitos. Todas as nações vos chamarão felizes porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o Senhor dos Exércitos”. Malaquias 3.10-12. Obedecendo esta palavra, devemos dar o dízimo de tudo o que nos vier às mãos; quer seja do salário bruto, quer seja da venda da casa, do apartamento ou terreno; dos juros de qualquer dinheiro ou investimento financeiro; da herança; enfim, de todo dinheiro que nos vier às mãos. Os fiéis nos dízimos e ofertas têm privilégios de exigir de Deus o cumprimento da promessa em

48

suas vidas e, obrigatoriamente, o senhor tem que cumpri-la. (MACEDO, 2007, p.115-116-117). (Grifo do autor).

De fato em seus discursos, em suas reuniões prevalece a argumentação de viver-se

bem na terra, e todas as interpretações bíblicas são voltadas para o cotidiano, para as soluções

imediatas de uma sociedade líquida globalizada que possui não uma identidade, mas várias,

contanto que satisfaça suas necessidade imediatas que a modernidade e o mercado velozmente

exige da condição humana. Podemos citar uma outra fala de Macedo definindo melhor a

posição do discurso da IURD a cerca de viver-se bem na terra:

O motivo de altíssimo investimento nas catedrais tem o objetivo de abrir a cabeça do pobre que dá oferta. Na sua casa, ele senta no sofá rasgado ou até no chão. Na igreja, ele é honrado, tem o direito de sentar em uma cadeira estofada, com ar condicionado, usar um banheiro limpo... Eu quero mostrar que ele é capaz de conquistar coisas grandes, uma vida melhor. Algo como dizer: “Veja a grandeza de Deus. Sua casa é um barraco? Olha o que Deus pode fazer por você... Você precisa investir nesse Deus”. (TAVOLARO, 2007, p. 212).

A citação acima define bem a mensagem do líder religioso, Edir Macedo, em que,

segundo o mesmo, a pobreza esta na cabeça das pessoas, é preciso que elas usem uma fé

inteligente e racional investindo financeiramente em Deus, e o mesmo terá a obrigação de

restituí-los materialmente. Dá uma idéia de que Deus é um banco financeiro, onde o fiel

possui uma conta poupança, a oferta significa um deposito de dinheiro, quanto mais investir,

mais receberá e com juros.

A visão de mundo moderno e contemporâneo é bastante plural. A modernidade

valoriza o pluralismo, não apenas do respeito à liberdade de escolha e a autonomia do sujeito,

mas também a troca entre culturas que acontece na sociedade líquida globalizada.

Nesse mundo líquido moderno, a sociedade se torna diferente, onde a mesma busca

construir e manter as referências das identidades em constante movimento, numa luta a

sobrevivência, juntando-se aos grupos móveis e velozes, na procura de dar continuidade a

vida, a se manter vivo por um momento, mas não por um tempo. Para Bauman (2005), na

modernidade, vive-se um ato de libertação da inércia dos costumes tradicionais, das rotinas

pré-estabelecidas e das verdades inquestionáveis. É o observa-se no discurso da IURD, que

usa vários meios de comunicação para alcançar seus fiéis, não fiéis e novos adeptos ao

neopentecostalismo, com um discurso rompido com o pentecostalismo clássico.

Um novo discurso no qual depositam sua fé na propaganda do sagrado, onde objetos

sagrados são bens comercializáveis, que aparecem em meio a programas religiosos. Sempre

misturados ao tele evangelismo estão homogeneizados os produtos consumíveis como:

49

Livros, CDs, DVDs, Bíblias, filmes. Enfim, uma infinidade de marketing se relacionando com

o sagrado para uma grande parcela de fiéis que depositam suas esperanças, sua fé nos

mesmos.

Ao analisar a Folha Universal n° 971 de 14 a 20 novembro de 2010, deparamos com

um discurso de liberdade ideológica e consumista. O jornal Folha Universal é mais um dos

meios de comunicação usados pela Igreja Universal do Reino de Deus para se aproximar dos

fiéis e não fiéis, numa tentativa de atraí-los para o interior da instituição. Percebe-se ao longo

de suas páginas como o sagrado se manifesta e se sustenta no profano, como a modernidade

assimilou a religião com os bens de consumo, o que era antes para a religião pecado, na

modernidade capitalista já não é mais, pode-se ver juntamente com depoimentos de fiéis e

mensagens de pastores, campanhas, correntes, uma infinidade de propagandas como:

medicamentos, remédios para emagrecimento, cadernos, agendas, anúncio de imóveis,

comidas, dietas, obesidade, exercícios físicos, esportes, política, entrevistas com celebridade,

noticias como: Diego Maradona na China, o presidente dos EUA, Barack Obama, a presidente

do Brasil Dilma Rousseff, propaganda de operadora telefônica, Bancos... Enfim fica evidente

que a ideologia e a argumentação da IURD, se fortalece, e/ou se firma nos meios de

comunicação. Assim, fica fácil, e prático atingir o maior número de pessoas, e oferecer a elas

liberdade de informações e produtos de consumo com velocidade e instantaneidade dentro do

espaço sagrado.

Essa liberdade e ideologia religiosa na modernidade que existe na IURD lembra bem

o discurso de Bauman (2004), quando fala dos desejos consumistas no cenário da vida

moderna:

Dizer “desejo” talvez seja demais. É como um shopping: os consumidores hoje não compram para satisfazer um desejo. Como observou Harvie Ferguson- compram por impulso. Semear, cultivar e alimentar o desejo leva tempo (um tempo insuportavelmente prolongado para os padrões de uma cultura que tem pavor em postergar, preferindo a “satisfação instantânea”) (BAUMAN, 2004, p.26).

A modernidade tem alterado o curso da história, da mesma forma altera o percurso da

religião, o neopentecostalismo da IURD se constrói e se alimenta de tudo que for imediato;

dos acontecimentos ou de nossos desejos, de nossos anseios, de bem estar financeiro, cura de

enfermidades, ascensão social. A vida moderna tem feito do homem religioso um refém,

alienado aos meios de comunicação, ao consumismo, e a igreja não fica atrás, acompanha o

sistema capitalista globalizado, onde o individualismo e o consumismo assumem a direção, o

controle das pessoas, onde a seriedade de um compromisso ou de algo é representado apenas

50

por números, seja de exemplares de jornais e revistas vendidas, número de dizimistas e

ofertantes, número de fiéis, numero de discos vendidos, número de ibope, número de citações

e referências de um livro.

A parceria é somente uma coalizão de “interesses confluentes” e, no mundo fluido de EastEnders, as pessoas vêm e vão, as oportunidades batem a porta e desaparecem novamente logo após serem convidados a entrar, as fortunas aumentam e diminuem, e as coligações tendem a ser flutuantes, frágeis e flexíveis. (BAUMAN, 2004, p.41).

Assim também são as religiões surgidas na modernidade, no caso a IURD, se definem

mais como choque de interesses, do que a vontade divina e suprema de Deus nas vidas, a

união de pessoas tendem a fragilidade a flexibilidade. Parece imprescindível predizer os

resultados da luta, a luta em si cobra um preço, exige sacrifícios, não como os sacrifícios de

sangue, incenso e jejum que o velho testamento bíblico diz, mas um sacrifício árduo

financeiro diário na batalha existencial, onde a fraqueza do homem e a incapacidade de

resistir se prostra diante do capitalismo, somados aos fatores religiosos da modernidade. “A

vida consumista favorece a leveza e a velocidade. E também a novidade e a variedade que

elas promovem e facilitam” (BAUMAN, 2004, p.67). Nesse mesmo tempo em que se

abandonam crenças, religiões, tradições, valores e ideologias, o homem vai se isolando e

perdendo suas referências. “Entre os iurdianos, o dízimo é considerado, em termos de

representação, um canal de comunicação com Deus, um vínculo que une o homem à

divindade e através do qual é possível receber bênçãos ilimitadas”. (RODRIGUES, 2007,

p.146)

O parágrafo acima lembrar o que o autor Marshall Berman (2007) escreve sobre o

capitalismo e a modernidade em seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar.

Ao nascimento da mecanização e da indústria moderna (...) seguiu-se um violento abalo, como uma avalanche, em intensidade e extensão. Todos os limites da moral e da natureza, de idade e sexo, de dia e noite, foram rompidos. O capital celebrou suas orgias (O CAPITAL apud BERMAN, 2007, p.109)

A partir desse fragmento tem-se a percepção destruidora do que o capitalismo

globalizado fez e faz com as sociedades e com o Mundo. Berman, embasado na dialética

materialista da história de Marx, ressalta a importância de estudar a sociedade e os meios de

produção para compreendermos a modernidade capitalista, como o capitalismo conseguiu

romper com as sólidas formações sociais, os laços de família, os sentimentos, com a moral e a

tradição religiosa, como ele conseguiu diluir tudo a nossa volta. É no andamento desesperado

51

e no ritmo frenético que o capitalismo impõe todas as facetas da vida moderna inclusive no

neopentecostalismo da IURD.

Para Marx quem foi responsável pelo capitalismo violentamente destruidor e a

modernidade sedutora e consumidora foi a burguesia que rompeu com a obscuridade do

antigo regime e deu luz ao capitalismo burguês:

[...] Marx o vê, tudo que a sociedade burguesa constrói é construído para por abaixo. “Tudo que é sólido” – das roupas sobre nossos corpos aos teares e fábricas que as tecem, aos homens e mulheres que operam as máquinas, às casas e aos bairros onde vivem os trabalhadores, às corporações que os exploram, às vilas e cidades, regiões inteiras e até mesmo as nações que as envolvem – tudo isso é feito para ser desfeito amanhã, despedaçado ou esfarrapado, pulverizado ou dissolvido, a fim de que possa ser reciclado ou substituído na semana seguinte e todo processo possa seguir adiante, talvez para sempre, sob formas cada vez mais lucrativas (BERMAN, 2007, p123).

É o que a sociedade líquida vive na modernidade contemporânea, o tema dos desejos e

impulsos insaciáveis, a liberdade outorgada pelo capitalismo revela uma sociedade dissolvida

manipulada e alienada ao modo de produção capitalista, o qual a burguesia inaugurou na

Revolução Francesa.

Daí tantas instituições religiosas se aliando ao capitalismo globalizado, aos meios de

consumo e comunicação, tentando de alguma forma ampliar seu capital para sobreviverem,

abrindo uma nova leitura do sagrado, dividindo os espaços sagrados com o profano, para

tentar sobreviver a todas as crises que a vida moderna impõe.

Ao analisar a revista ESTER, a revista da mulher cristã, mais um meio de

comunicação da IURD, mais precisamente dirigida pela esposa de Edir Macedo, concluí-se

que, a modernidade capitalista consumidora tem tomado conta dos espaços religiosos12. Como

naturalmente voltada para o público feminino de fiéis ou não, além de depoimentos de

mulheres cristãs, as revistas trazem assuntos como moda, beleza, turismo educação sexual e

métodos contraceptivos, entrevistas com celebridades e cantores gospel, família, educação,

política, saúde culinária, paisagismo, poesia e música, como ganhar dinheiro sem sair de casa

como dicas para construir seu próprio negócio, como produção de bijuterias, sabonetes,

chocolates. Enfim, há um verdadeiro ‘shopping’ dentro da revista como a mesma afirma:

As revistas Ester e Plenitude inovam mais uma vez e agora oferecem a você anunciante, a oportunidade de expor seu produto ou serviço a um público selecionado e altamente consumidor. No Ester shopping e Plenitude Shopping você tem total liberdade para escolher o formato que mais se

12 Foram analisadas cinco revistas: a de n°2 de 2001, a de n° 09 de 2002, a de n° 10 de 2002, a de n°13 também de 2002 e a de n°30 de 2003

52

adéqua ao perfil de sua empresa, anunciando por preços a partir de R$ 250,00 (ESTER, Revista, 2002. p.57)

Observa-se bem neste fragmento um discurso totalmente líquido moderno em que o

capitalismo oferece satisfação ao consumidor e ao anunciador. Retratado pela revista

demonstra, a exemplo do afirmado por Bauman, que, na modernidade líquida, esse sentimento

se resume ao prazer imediato, ao entretenimento, à diversão e ao consumo, conjunto esse

definidor do sucesso. Dentro deste contexto o individualismo, ou seja, a satisfação dos desejos

pessoais se encontra inserido no consumo desenfreado, não somente como satisfação de seu

querer, mas, também na construção de uma imagem de status, ou melhor, posição social.

Vejamos o que diz Macedo: “A maioria das pessoas entrou na igreja falida, sem nada,

fracassada na vida econômica, e hoje são empresários bem-sucedidos, donos de negócios

lucrativos, casas, carros, bens que não acabam mais” (TAVOLARO, 2007, p.209).

Na biografia O Bispo a história revelada de Edir Macedo, o mesmo revela qual é o

segredo para a prosperidade: “O passado mostra que Abrão, Isaac e Jacó tinham um Deus

grande, que prosperou grandiosamente a vida deles. E a bíblia diz que Deus não mudou.

Quando alguém faz sacrifício financeiro, Deus fica sem opção. Ele tem a obrigação de

responder, porque é sua promessa. É a fé. Basta seguir o que Deus disse: “Provai-me nos

dízimos e nas ofertas”. (TAVOLARO, 2007, p.215).

Para Berman (2007, p.111), “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é

profano, onde os homens são forçados a enfrentar sobriamente suas reais condições de vida e

sua relação com os outros homens”. A fala do autor nos remete ao pensamento de que o

capitalismo deu origem a modernidade e destruiu todas as coisas, todas as possibilidades que

antes eram sólidas. Então partimos para uma reflexão de que, a causa do investimento das

instituições religiosas modernas valorizar mais o presente, o aqui e agora, do que depositar

suas esperanças em futuro longínquo com um Deus que jamais viu, “abstrato, está sustentada

no capitalismo, onde seria mais fácil viver do momento concreto, do imediato da fluidez e da

instabilidade momentânea, dos prazeres que a modernidade oferece, onde os desejos, o

consumo e as reivindicações humanas são ampliados diariamente.

Como afirma Berman (2007), eis aqui a essência de um niilismo moderno, onde as

velhas formas de honra e dignidade, foram incorporados ao mercado, ganham etiquetas de

preço, ganham nova vida como mercadorias, com isso qualquer espécie de conduta humana se

torna permissível, no instante em que se torne economicamente viável, tornando-se valiosa

onde tudo que pagar bem terá livre curso. A sua incansável e insaciável demanda de

53

crescimento e progresso expandem os desejos para além das demandas locais, nacionais e

morais, possuindo assim uma pressão exploratória sobre outros seres humanos e a si mesmo.

A modernidade capitalista globalizada tem sido sedutora, induzindo homens, mulheres e

crianças contemporâneos, a desertar de suas posições e deveres morais, políticos, religiosos e

econômicos.

3.2 A fragilidade dos laços humanos dentro e fora do contexto religioso neopentecostal

Na modernidade as pessoas vivem angústiadas, sobrecarregadas, fatigadas com a

seleção e a exclusão da vida moderna. O futuro é assustadoramente desconhecido e

imprevisível, buscar a sobrevivência no mar da incerteza é mergulhar em meio à escuridão da

noite impetuosa e ofegante. Significa que vivemos em um mundo líquido fluido, onde

vivemos mais das incertezas do que das certezas, onde existe o medo do conhecido e do

desconhecido e da imensidão do mundo e dos que habitam nele. Pascal descreve bem esse

sentimento:

Quando considero a breve duração de minha vida absorvida na eternidade que vem antes e depois... o pequeno espaço que ocupo e que vejo ser engolido pela infinita imensidão dos espaços de que nada sei e que nada sabem sobre mim, fico amedrontado e surpreso por me ver aqui e não ali, agora e não depois. (PASCAL, apud, BAUMAN, 2005, p.78)

Este sentimento retrata a modernidade no universo, onde as intenções são literalmente

desconhecidas, imprevisíveis, e se existe um plano preconcebido em relação ao ser humano, a

capacidade e compreensão humana não é compreensível se tornando um horror ao

desconhecido, ou melhor, um terror da incerteza na condição humana. “A estratégia moderna

consiste em fatiar temas que transcendem o poder do homem em tarefas menores que os seres

humanos podem manejar.” (BAUMAN, 2005, p.79). Neste ambiente fluido em constantes

mudanças, a idéia de eternidade, ou duração perpétua, valor permanente, imunizado ao fluxo

do tempo, é quase inexistêncial a experiência humana. Como lembra Pascal:

Quem estiver interessado nos dias de hoje, em coisas de longa duração, melhor investir no prolongamento da vida corpórea individual do que em “causas eternas”... Dado o seu caráter evidentemente frágil e transitório, tudo que não seja a sobrevivência do indivíduo parece um mal investimento. (BAUMAN, 2005, p.80).

54

Como nos lembra Bauman, parece que esse é o maior desafio que o sagrado já

enfrentou em sua longa história. Ao que percebemos é que fomos e somos treinados com a

finalidade de pararmos de nos preocupar com coisa que aparentemente estão além do nosso

controle, e é necessário que voltemos nossas atenções e energias de acordo com nossas

possibilidades de alcance, de competência, ou seja, somos treinados para nos preocuparmos

com a individualidade e o consumo. “Os assuntos devem gerar frutos antes que o entusiasmo

pelo cultivo se acabe. Imortalidade? Eternidade? Ótimo- onde esta o parque temático em que

eu possa experimentá-los imediatamente?” (BAUMAN, 2005, p.81).

Macedo diz que a esperança e um inimigo feroz da fé sobrenatural. Há uma grande

confusão entre esperança e fé. “Ora, a esperança que os cristãos devem nutrir, é a de que um

dia herdarão (o Reino Celestial e viver eternamente com Deus). Esta esperança se baseia no

futuro. A fé, entretanto, é diferente. Ela é a certeza de coisas que esperam hoje”. (MACEDO,

2007, p.142). Significa valorização e investimento na fé sobrenatural do aqui agora, das

necessidades imediatas e a desvalorização de depositar esperança num futuro celestial que

não se sabe quando virá, é um discurso de sobrevivência neste mundo líquido moderno.

Percebemos como a fala de Macedo se encaixa com o discurso da modernidade como

Bauman e Hall, discutem. Isso significa que a identidade da Igreja Universal é flutuante e

veloz assim como a velocidade da modernidade. Significa também que devem acompanhar o

percurso veloz da história para não ser descartada, tem que se adequar as características da

sociedade líquida moderna que vive hoje em uma constante mutação de identidade. “A

velocidade da mudança dá um golpe mortal no valor da durabilidade: “antigo” ou “de longa

duração” se torna sinônimo de fora de moda. Ultrapassado, algo que “sobreviveu à sua

utilidade” e, portanto esta destinado a acabar em breve como um pilha de lixo ( BAUMAN,

2005, p.80).

Para Bauman (2004) na atual sociedade líquida que vivemos, deparamos com a

fragilidade dos laços humanos, com um amor líquido relacionamentos de bolso, não somente

pelo víeis do sentimento amoroso e familiar. O que propomos é discutir o relacionamento

religioso que também se tornou frágil e fragmentado diante da velocidade líquida da

modernidade.

Para Bauman as relações se estabelecem e se findam com extraordinária fluidez.

Marcados com a ausência de compromisso, ou não comprometimento com os outros, onde as

pessoas gostam de estar juntas para sentir prazer, mas o prazer é momentâneo e as relações

tendem a ser trocadas por outras com velocidade. Na sociedade pragmática e utilitarista as

coisas e as relações não são feitas para durar. Nunca houve tantas relações frágeis como na

55

sociedade consumista globalizada, há sempre novas coisas, novos produtos mais modernos,

atraentes para serem consumidos. Assim Bauman trata as conseqüências provocadas por uma

sociedade que sustenta a busca pela individualização, pela liberdade em detrimento a uma

vida afetiva instável.

Pode-se concluir tal discurso no aspecto religioso, onde os movimentos

neopentecostais, assim como o da IURD, é um bom representante deste amor de bolso

utilitarista e individualista. Os fiéis não vão a igreja por amarem a Deus, mas pelo que Deus

pode dar a eles, por meio da imediatez que a igreja propaga. “A intenção de manter a

afinidade viva e saudável parece uma luta diária e não promete sossego à vigilância. Para nós,

os habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo

que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva

pode ser mais do que aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha.” (BAUMAN,

2004, p.46).

Segundo Bauman (2004), houve uma época em que ter filhos era uma benção, uma

herança de Deus, os filhos eram na visão de todos, um bom investimento, e eram saudados.

Quanto mais, melhor. Para os autores e protagonistas da Bíblia, a promessa de Deus a Abraão

- Vossa semente haverá de multiplicar-se como as estrelas no céu e como areia sobre as praias

do oceano - era literalmente uma benção, embora muitos de nossos contemporâneos percebam

uma ameaça, uma maldição ou ambas. Ter filhos significava ter pontes entre a mortalidade e a

imortalidade. Quem não tivesse filhos estava sujeito a morte da família. Com essa nova

fragilidade das estruturas familiares, ter filhos hoje se torna uma escolha revogável, os filhos

na modernidade deixaram de ser bênçãos para se tornar objetos de consumo, servem

necessariamente aos desejos ou impulsos do consumidor. “Formar uma família é como pular

de cabeça para baixo em águas inexploradas e de profundidade insondável” (BAUMAN,

2004, p.61). Observe-se que a fala de Buman remete a postura de Macedo em relação a isso:

Ter filhos hoje em dia é um risco, significa viver em uma selva. Se eu casasse hoje, jamais teria filhos. Inclusive aconselho os membros e os pastores a não terem filhos. O mundo esta cada vez mais violento, dentro e fora de casa, os valores estão invertidos, são poucas as chances de a criança ter um futuro bom. Nos países desenvolvidos, na Europa e nos Estados Unidos, são cada vez mais fortes os movimentos contrários à natalidade. Muitos podem até pensar que isso é egoísmo. Mas vejo dessa forma. E inteligência, questão de sobrevivência (TAVOLARO, 2007, p.230).

Essa expressão de Macedo comprova bem o que Bauman (2004) fala: que os

pensamentos modernos tomaram conta dos sentimentos e laços humanos, o que antes era

concebida como benção hoje até mesmo para liderança religiosa neopentecostal se torna um

56

risco a sobrevivência, ou uma maldição, essa é uma fala contraditória ao que Deus disse sobre

a multiplicação das pessoas. Os pensamentos e teorias religiosos na modernidade tendem a ser

flutuantes, assim como as necessidades ou uso que possam ser justificados pela líquida

racionalidade moderna dos consumidores. A modernidade líquida atrai as pessoas, sem que

elas percebam, para infiltrar em suas mentes pensamentos totalmente contrários a tradição

religiosa, fazendo assim com que sejam cauterizadas em seus entendimentos.

Karl Marx, foi um dos maiores filósofos e historiadores do mundo, classificou a

religião como sendo o “ópio do mundo”. O ópio é um narcótico, e como todos sabem, a

função de todo narcótico é entorpecer. O espírito da modernidade faz assim. Retira das

pessoas o senso crítico para que após estarem entorpecidas e alienadas, injetem em seus

intelectos suas falsas e líquidas intenções. Talvez o ópio seja também a modernidade líquida

globalizada, destruidora do intelecto da condição humana, em que as pessoas se encontram

totalmente alienadas a computadores, redes sociais, televisão, enfim, a uma infinidade de

mídias.

A Igreja Universal tem a mente aberta e moderna. Está preparada para discutir

qualquer assunto: aborto, planejamento familiar, homossexualismo. A IURD admite o aborto

e o divórcio nos casos previstos em lei. Segundo o livro Mensagens do meu Blog de Macedo,

o mesmo afirma ser a favor do aborto, “não é que eu acho que toda grávida deveria abortar,

mas acho que nem toda grávida tem condições de ter um filho” (MACEDO, 2010, p.93) e

acrescenta:

Sou a favor do direito da escolha da mulher. Em casos como estupro, má-formação do feto ou quando a vida da mãe esta comprovadamente ameaçada pela gestação, não há o que discutir. Sou a favor do aborto sim... Certamente, grande parte de nossas mazelas sociais diminuiria... É melhor a mulher não ter filho ou ter de jogar na lata de lixo?...Vamos ser frios e racionais; é preferível a criança não vir ao mundo ou vê-la nos lixões catando comida para sobreviver (TAVOLARO, 2007, p.223-224).

Este se revela como absolutamente um pensamento da sociedade moderna, cadê os

princípios morais religiosos dos mandamentos bíblicos implantados pelo cristianismo até

então seguidos pelo pentecostalismo? Se foi, com o rompimento da tradição, somados a

fragilidade dos laços humanos imposto pela sociedade líquida globalizada, onde as pessoas

tem “liberdade”, de escolha, alteridade, são responsáveis pelos seus atos, e se tornam cada vez

mais condicionados a individualidade.

Nesse contexto do capitalismo selvagem, a IURD, proclama a sobrevivência dos mais

fiéis nos dízimos e nas ofertas, quem tiver fé progredirá, os outros serão empregados a vida

57

toda. Diante desse discurso entende-se o quanto a modernidade tem tomado conta dos

pensamentos e sentimentos das pessoas, provocando uma ruptura com o que antes era

considerado habitual, o que tem se assistido é a uma ruptura com representações e visões de

mundo, transmitindo valores e mitos que até o período mencionado teria sido o suporte

cultural da identidade brasileira tradicional protestante.

Para Hannah Arendt, o rompimento com a tradição, “brotou de um caos de

perplexidade de massa no palco político e de opiniões de massa na esfera espiritual que os

movimentos totalitários, através do terror e da ideologia, cristalizaram uma nova forma de

governo e dominação”. (ARENDT, 2007, p.53-54). Arendt acredita que o totalitarismo

apareceu como um desdobramento da utopia capitalista, este pode ser o motivo mais profundo

segundo a autora do rompimento com toda a tradição. Uma Rebelião ocorrida contra a

tradição religiosa foi a de Kierkegaard;

Dado que nossa tradicional religião é essencialmente, uma religião revelada, visto que ela sustenta, em harmonia coma a filosofia antiga, que a verdade é o que se revela, que a verdade é a revelação (ainda que os significados dessa revelação possam ser tão diferentes quanto a alétheia e a délosis o são das esperanças escatológicas dos cristãos primitivos de apokálypsis na Segunda vinda), a Ciência moderna tornou-se um inimigo da religião, em suas versões mais racionalistas, poderia ser. E no entanto, a tentativa de Kierkegaard de salvar a fé do assalto da modernidade tornou moderna até mesmo a religião, isto é, sujeitou-a a dúvida e desconfiança (ARENDT, 2007, p.59).

Estes foram pontos decisivos no rompimento com a tradição religiosa, onde

Kierkegaard, por meio da dúvida do questionamento colocou a desintegração da tradição

religiosa, sobre que o homem jamais pode confiar na capacidade de sua razão ou de seus

sentidos para receber a verdade. Percebe-se uma inversão de valores e pensamentos

autônomos sobre a religião, e parecem ter sido esses pensamentos autônomos da filosofia que

romperam com a tradição religiosa.

Não cabe neste trabalho definir como ocorreu o rompimento da tradição religiosa, mas

de suas conseqüências para com religiosidade moderna. Mais uma ponto que deve ser

destacado, é o comércio amoroso, ou seja, os anúncios para encontrar um amor, que existem

na Folha Universa. Há uma página dedicada aos relacionamentos amorosos, onde os fiéis que

desejam encontrar um companheiro (a) mandam suas cartas falando de suas características

físicas, interiores e intenções. O nome da pagina é destacado como “caminho do amor”:

“Tenho cabelos e olhos claros, 1, 73 m, 74 kg. Sou sincero, educado, fiel e romântico. Procuro

uma mulher amiga, sincera, companheira, para compromisso. (GOMES apud Folha

Universal, 2010, p.07).

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“Hoje em dia somos consumidores numa sociedade de consumo. A sociedade de

consumo é a sociedade do mercado. Todos estamos dentro do mercado, ao mesmo tempo

clientes e mercadorias” (BAUMAN, 2005, p.98). É interessante ver o quanto a religião, as

pessoas e o amor se tornaram bens de consumo, um verdadeiro comércio, onde os meios de

comunicação se tornam matéria bruta em que seus leitores e espectadores usam para enfrentar

a ambivalência de sua posição social ou amorosa. Mas como Bauman (2004) lembra, a visão

do relacionamento como uma transação comercial não é cura para insônia; é uma dor de

cabeça, não um remédio.

A idéia de amar ao próximo como a si mesmo como diz a bíblia, neste mundo fluido e

moderno está totalmente fora de moda. “A inovação de “amar ao próximo como a si mesmo”,

diz Freud (em O mal-estar na civilização), é um dos preceitos fundamentais da vida

civilizada. É também o que mais contraria o tipo de razão que a civilização promove: a razão

do interesse próprio e da busca da felicidade” (BAUMAN, 2004, p.97). O que está em questão

na sociedade moderna, mesmo a religiosa não é amar ao próximo, mas um incentivo a amar a

si próprio, se torna uma questão de sobrevivência, seguir esse mandamento bíblico já não se

faz tão importante no mundo líquido em que vivemos. A modernidade tem nos levado a

assumir posturas que nos levem a individualização ao amor próprio, onde o eu sou importante

e o que digo também é, não sou uma cifra facilmente substituída e descartada, percebe se que

a modernidade tende a exortação de si mesmo e não se preocupar com os demais, é viver da

individualização e não da coletividade, é esse tipo de raciocínio que a sociedade líquida

promoveu a religião.

O objetivo foi demonstrar neste capítulo, através de alguns teóricos e de documentos,

o quanto os pensamentos e as religiões, passaram por uma verdadeira ruptura religiosa devido

a fatores da modernidade líquida globalizada, onde as identidades não são tão sólidas, são

líquidas e flutuantes, o amor é líquido e os laços humanos são bastante frágeis a ponto de se

desintegrarem, os mais sólidos sentimentos, pensamentos e valores com velocidade e fluidez

extraordinária. A IURD nasceu e se firmou na modernidade na emergência de noções de

individualidade, na relação direta e individual com o sagrado, de ideologias e ações

literalmente homogeneizados pela sociedade líquida globalizada. É possível afirmar que o

neopentecostalismo se tornou compatível com o mundo moderno globalizado de uma cultura

personalista.

59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Todas as dores podem ser suportadas se você as puser numa história ou contar uma história sobre elas”.

Isak Dinesen

Ao término de uma monografia fica sempre a sensação do pesquisador que os

objetivos não foram profundamente alcançados, uma vez que, o tempo e a quantidade limitada

de páginas impedem que a pesquisa ganhe um caráter mais completo. Assim, o que se fez foi

uma reflexão sobre aspectos pertinentes a evolução da História da religião protestante

neopentecostal brasileira, visto que, tratar de todos os aspectos ligados às mudanças ocorridas

na história religiosa seria, em partes, inviável, pois são inúmeras as indagações e os fatores a

serem abordados, uma vez que a religião protestante neopentecostal é representada e se

manifesta de diversas maneiras com uma infindável variedade teológica, simbólica e

mitológica.

Com a realização desse trabalho fica a certeza que ao se propor conhecer a

interioridade de uma religião específica, esse fator concede a grande oportunidade de se

conhecer também a sua ideologia, a sua teologia, cultura e a sua identidade. Esses fatores

puderam ser refletidos na pesquisa, visto que foi preciso de grande valia que a pesquisadora

tivesse contato com a história da religião, uma manifestação do sagrado que se mostra e se

manifesta com tamanha grandiosidade, que fascina aos olhos daqueles historiadores e

pesquisadores que vêem na mesma inúmeros aspectos que podem ser pesquisados e

estudados, uma vez que se trata de um sistema rigorosamente coeso de meios de expressão

comuns aos indivíduos e que hoje ocupa lugar de destaque nas expressões culturais religiosas

da modernidade capitalista globalizada.

A religiosidade protestante neopentecostal em nosso país parece ser fruto de uma

modernidade voltada para uma racionalidade ideológica capitalista, onde os mesmos viram

que a história pela qual o Brasil passava era um momento, um palco propício para a

propagação de sua teologia voltada para a prosperidade material, para uma cultura

personalista e individualista que se alicerça no capitalismo no inchamento urbano em busca

ou ambição de tempos melhores, não num futuro longínquo, mas no imediato.

Pode-se também perceber que as religiões modernas ou pós-modernas como o

neopentecostalismo, não têm criado nada de novo como as expressões simbólicas mitológicas,

em seus discursos, e sim tem rememorado o que desde as sociedades arcaicas o homem

60

religioso tem feito que é a rememoração e a ritualização, procurando subsídios para que possa

realizar os mesmos atos heróicos e prodigiosos dos protagonistas do sagrado, assim podem

estar mais perto dos Deuses ou ser comparados a eles, e manter contato direto com os mesmos

afim de usufruir materialmente deles. Daí percebe-se que o ser humano é um ser religioso,

sempre abre espaço para o mistério, para o transcendente, para o que ultrapassa a condição

humana, não se conformando só com o concreto mas se homogeneizando com o abstrato, com

as mitologias e rituais.

Percebe-se que ao longo tempo a história das religiões vem procurando explicar ou

entender os mistérios com que faz homem buscar em objetos concretos, ações sobrenaturais

dotadas de poderes mágicos religiosos, que venham a saciar seus medos, suas angústias, suas

fraquezas, suas ambições, em busca de um absoluto da complexidade do real onde os mesmos

se sentem como se vivessem entre dois mundos, o caos e o cosmo. O homem religioso ou não

religioso vive com sede de eternidade, sede do que extrapola os limites do concreto e de sua

existência, trazendo a religiosidade para sua vida de diferentes maneiras, na história e na

diversidade de lugares dependendo de cada individualidade cultural.

E é nessa busca pela inexorabilidade do destino que o homem fez da religião um meio

de sobrevivência, o que antes fariam por temor a um Deus ou esperança de uma vida feliz em

um paraíso desconhecido, se rompeu com a modernidade líquida. Na modernidade o que

conta é o aqui agora, as necessidades imediatas na luta pela sobrevivência em um mundo

cheio de incertezas e de identidades flutuantes e líquidas, onde os prazeres mundanos são

cultuados, onde o capitalismo é que dita as regras e só sobrevivem os mais fortes, a vontade

de poder do homem, onde os valores anteriormente pregados pelo pentecostalismo clássico

são incompatíveis com a sociedade líquida globalizada neopentecostal.

Isso significa que a igreja estudada, IURD, com seu neopentecostalismo reflete bem

todo o nosso discurso e conclusões de uma religião firmada numa sociedade moderna de

mudança, rápida e permanente, com práticas sociais examinadas constantemente e

literalmente reformuladas na medida em que as informações são recebidas, alterando o caráter

e o percurso da vida do homem religioso.

Finaliza-se, pois, que o protestantismo neopentecostal nasceu em uma sociedade

moderna e líquida, mas que continua fazendo o que homens religiosos fizeram no início,

através dos mitos e ritos, mas suas expectativas de vida espiritual com o Deus não são mais a

mesma, é claro que anseiam um dia morar com Deus, mas em um futuro distante, porque o

aqui agora é o que prevalece na sociedade líquida globalizada, onde os laços humanos são

61

frágeis e fragmentados assim como as religiões nascidas na modernidade, onde hoje a maioria

das pessoas vivem num mundo que consideram não o melhor, mas o único possível.

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ANEXO