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Competição Melhor estória criativa para adaptação ao cinema ou ao teatro Winston Churchill e as suas férias na Madeira Autores: Adriana Nepomuceno Mariana Freitas Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco MADEIRA FILM FESTIVAL - www.madeirafilmfestival.com

Winston churchill e as suas férias na Madeira

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Autoria de: Adriana Nepomuceno e Mariana Freitas Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco Submissão para a competição do Projecto Educativo Madeira Film Festival 2014 Competição: Melhor estória criativa para adaptação ao cinema ou ao teatro. Tema: Recursos Marítimos

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CompetiçãoMelhor estória criativa para adaptação ao cinema ou ao teatro

Winston Churchill e as suas férias na Madeira

Autores:

Adriana NepomucenoMariana Freitas

Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco

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Era o começo dos anos 50; década assinalada e lembrada devido ao Pós-Guerra,

pela intensa reconstrução dos países beligerantes, pelo exaltante entusiasmo do

recomeço da vida e do quotidiano em paz; e também pelas importantes descobertas

científicas e o forte desenvolvimento do cinema e das artes. No Arquipélago da

Madeira, voltou a expandir-se o Porto do Funchal, verificando-se uma crescente

movimentação de navios, e um surto, de grande actividade de comércio e sobretudo do

turismo.

Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido, historiador, escritor e pintor,

aproveitando a felicidade e a ventura da Inglaterra ter sido um dos países vencedores da

guerra contra o nazismo, decidiu viajar para o lugar, que segundo lhe constava, era o

mais relaxante e onde melhor poderia descansar, pois o seu clima subtropical, as suas

paisagens maravilhosas e encantadoras, a especial luminosidade, o folclore, e a típica

gastronomia, prometiam-lhe proporcionar umas agradáveis e repousantes férias. Para

que tudo isso se realizasse Churchill, programou e escolheu a tão falada e enaltecida

Ilha da Madeira, onde se hospedaria no famoso Reid’s Palace Hotel. Assim aconteceu, e

rapidamente confirmaria que toda a fama e reputação que o arquipélago gozava eram

totalmente merecidas, apercebendo-se ainda que aquela localidade era verdadeiramente

mágica e muito especial.

De facto, cada vez mais encantado, fez várias excursões para conhecer e desfrutar

de cada sítio daquela fantástica terra, tendo depois percorrido, as quatro freguesias de

Câmara de Lobos, nomeadamente a graciosa Vila, o Estreito de Câmara de Lobos, o

majestoso Curral das Freiras e a Quinta Grande. Toda essa região era a mais importante

da Madeira a nível de pesca e de agricultura, e também onde se produzia e oferecia o

melhor vinho de todo o arquipélago. Apesar de ser Inverno, estava um brilhante sol

estampado no céu e soprava de vez em quando uma refrescante e agradável brisa, em

benefício principalmente dos pescadores e camponeses, que trabalhavam arduamente

debaixo daquele calor. A excursão foi correndo vagarosa e dentro da normalidade, e

quando Winston Churchill deu por si, já se fizera tarde, pelo que rapidamente voltou ao

Hotel onde estava hospedado e apesar de estar extremamente cansado era impossível

não pensar nos pitorescos panoramas que vira, especialmente um belo recanto que o

marcara mais, e que fazia questão de lá voltar. Era a imagem da Baía de Câmara de

Lobos vista através do Miradouro do Espírito Santo e Calçada. Sentiu que tinha de

divulgar aquela paisagem, mas como? Pergunta fácil de responder, pois como é óbvio,

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logo experimentou o impulso de a pintar, aproveitando a sua tendência e dom para a

arte.

No dia seguinte, 8 de Janeiro de 1950, depois de tomar um requintado pequeno-

almoço à moda inglesa, recheado de ovos e bacon e de fumar regaladamente o primeiro

charuto do dia, apressou-se a comprar uma tela, um cavalete, as melhores tintas

existentes e todo o material necessário para concretizar o seu desejo. Eram apenas

10h30, quando, alvoroçado, Churchill já estava a montar e a dispor no miradouro tudo o

que fora adquirido, mas rapidamente entrou em sobressalto quando reparou que dentro

da sua bolsa não estava a caixa de havanos, que se esquecera no quarto devido à pressa

para tornar a ver a baía que tanto o tinha encantado. Era preciso voltar ao Reid’s, pois

não podia passar sem os charutos que fumava desde os 15 anos, mas para isso, seria

necessário desmontar e guardar tudo o que lhe tinha dado tanto trabalho a colocar no

sítio exacto para uma melhor perspectiva da paisagem desejada.

Nessa altura, abeirou-se um rapaz descalço, aparentando ter 15 anos de idade, com

as calças remendadas, olhos negros muito brilhantes, queimado pelo sol mas com cabelo

aloirado, que segurava uma pequena celha com caramujos e lapas frescas que tinha

pescado na noite anterior. Era também um dos típicos vendedores ambulantes chamados

“peixeiros”, que lançando os seus pregões percorriam os diversos sítios das Freguesias

com a mercadoria à cabeça. Quando o pescador apresentou esses mariscos, Winston

tentou dizer em português que não os conhecia, mas que quando voltasse teria muito

gosto em prová-los. Explicou ainda que tinha de ir ao Hotel, onde estava instalado, para

buscar charutos sem os quais não podia passar e pediu-lhe que ficasse uns minutos a

vigiar os seus utensílios de pintura, embora, devido ao português mal falado, o pescador

teve dificuldade em perceber o que Churchill dizia. Depois de várias repetições

finalmente acabou por entender e aceitar, e nesse mesmo momento, passou um táxi,

chamado «abelhinha» pelos madeirenses, que levou Churchill ao Hotel.

O jovem chamava-se Carlos. Fazia parte de uma grande família típica de

pescadores, honesta, trabalhadora, generosa, solidária, lutadora, onde predominava a

pobreza e a humildade. O pai, a quem Carlos idolatrava, sempre fora o que mais o

compreendia, e quem o ensinou, desde os sete anos, as técnicas de pesca, passando dias

inteiros a falar-lhe sobre histórias da sua vida e acerca das coisas do mar. Em 4 de

Fevereiro de 1947, num dia em que rebentou uma terrível tempestade, o seu pai que

estava a pescar naufragou, acabando por falecer. Já se tinham passado cerca de três anos

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sobre o trágico acontecimento. Porém, toda a família ainda sentia com muita dor a sua

perda e a de tantos outros. Não havia um único ano em que não morressem pescadores,

porque além de muitas das vezes estarem embriagados e dos barcos serem bastante

frágeis, em alguns dias, sobretudo no Inverno, o tempo revolto não ajudava. Sim, a

maioria dos pobres pescadores esbanjavam grande parte das suas economias

especialmente em bebidas alcoólicas para desanuviar os longos e penosos dias de

trabalho. Vinham do mar friorentos, com os braços cansados, o cérebro enfraquecido, a

boca seca e a saber a sal, pelo que a excitante poncha de aguardente aquecia-lhes o

sangue libertando-os das lembranças das maresias, dos barcos, das redes e da penúria

com que viviam os seus. Eram também supersticiosos e muito religiosos, adoravam

vários santos e pediam-lhes auxílio nos piores momentos. Escreviam o nome deles em

todo o sítio, como nos barcos, em casacos, ou até nos colares que prendiam ao pescoço.

Quanto a Carlos, acreditava mais no pai do que nos santos e achava que, de alguma

forma, ele estaria a vê-lo e a dar-lhe proteção; pelo que, além de pedir ajuda nas

situações menos boas, agradecia-lhe quando algo bom acontecia.

Cerca de vinte minutos depois, Winston voltou muito sorridente com os charutos

cubanos seguros na mão e agradeceu cordialmente a Carlos dando-lhe algumas moedas.

Logo a seguir perguntou-lhe como se comiam as lapas e os caramujos, que nunca antes

tinha visto e após o pescador exemplificar a forma tradicional de saborear esses

mariscos, vagarosamente Churchill provou-os e logo adorou o seu sabor sobretudo o das

lapas que lhe pareceram muito agradáveis e saborosas, e entusiasmado, pediu-lhe para

que durante o tempo que ali estivesse a pintar tornasse a trazer aqueles petiscos, de que

tanto gostara, para os comprar e deleitar-se com o seu exótico gosto. Muito contente, o

pescador aceitou essa proposta, e a partir de então lá estava ele, todas as manhãs, ao

lado do pintor, com os inseparáveis mariscos.

Passados alguns dias, Carlos lembrou-se de levar-lhe também um filete de espada

preto aconchegado num bolo do caco quentinho, barrado com manteiga muito fresca da

Madeira, acompanhado duma poncha à pescador como aperitivo; e Winston Churchill,

depois de saborear lentamente esses petiscos, abraçou Carlos com os olhos brilhantes de

contentamento, agradecendo a lembrança de o ter obsequiado com aquela surpreendente

iguaria que nunca tinha comido e que bastante o encantou.

Em resposta a uma pergunta do político inglês, o pescador tentou explicar com

muitos gestos que o peixe-espada preto era pescado em grandes profundidades através

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de um aparelho especial com duas enormes linhas. Cada linha levava uma pedra na

ponta para se afundar e era guarnecida com mais de 100 estrôvas. Para as recolher à

força de braços, demoravam cerca de 4 horas e os peixes já chegavam mortos porque

não aguentavam a diferença de pressão.

À medida que os dias iam passando, Churchill passou a falar melhor Português e

assim Carlos começou a entendê-lo melhor, firmando-se uma estranha mas verdadeira e

franca amizade entre o grande e poderoso estadista inglês, e o pobre e simples pescador

da Madeira, facto que deixava boquiabertos a família de Carlos e os homens do mar de

Câmara de Lobos, habituados a serem tratados com desdém e altivez pelos ricos

senhores.

Quando o quadro estava quase pronto e já se podiam observar as bonitas linhas que

contornavam as águas do Ilhéu e as rochas que o rodeavam, tudo irradiando vistosas

cores onde se destacava o azul cristalino do mar e os tons quentes dum maravilhoso pôr-

do-sol; Carlos não apareceu à hora do costume, deixando Winston um pouco

preocupado, mas logo pensando positivamente que houvera algum pequeno imprevisto

que tinha impedido a sua habitual companhia.

Durante a noite, Winston teve dificuldades em conciliar o sono, e decidiu ir até à

varanda para contemplar o mar profundo que sempre o acalmava. Porém, não ficou

muito tranquilo ao observar que soprava forte ventania com alterosas ondas, pelo que já

era muito tarde quando finalmente acabou por adormecer.

No dia seguinte, como Carlos tornou a não aparecer, Winston ficou bastante

preocupado e decidiu descer à vila para saber o que era feito do pescador. Ao chegar ao

centro, aproximou-se duma extensa bicha, onde as mulheres vestiam trajes escuros e

cobriam inteiramente a cabeça com lenços negros, chorando copiosamente em voz alta,

dirigidas por um velho padre com barbas muito brancas e ar soturno, que empunhava

uma antiga e pesada cruz.

Foi quando ao ver o pintor que repentinamente a velha mãe do pescador saiu da

filha a correr, e abraçou Churchill aos gritos convulsivos de «faleceu no mar o nosso

Carlos, o nosso pobre Carlos morreu afogado», seguida pelos dois filhinhos mais

pequenos, que com olhares suplicantes também o enlaçaram pelos joelhos, formando

um comovente cacho humano, que o inglês nunca esqueceu.

Desde então, em todos os Natais, Winston obsequiava a infeliz família do pescador

com muitas prendas, e quando os dois irmãozinhos de Carlos terminaram a instrução

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primária, recebeu-os na Inglaterra, onde continuaram os estudos e hoje são brilhantes

cientistas, especializados em ciências do mar em sentida homenagem ao velho pai e ao

querido irmão, que tristemente, faleceram no Oceano.

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