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Ambiente Econômico Global Obra de Yukinori Yanagi Fonte: http://farm4.static.flickr.com/3446/3199633945_f87f3f4250.jpg Autoria: Ivy Judensnaider Pesquisa e Revisão: Elena Knijnik e Pedro Guilherme Brandão Baio Gomes São Paulo – SP 2009 Aula 1. A Economia Política da Globalização 1.1. Diferentes conceitos sobre a Globalização Na 23a. Bienal de São Paulo, um trabalho deveras interessante do artista Yukinori Yanagi chamou a atenção: um grande painel de areia colorida representava bandeiras de todos os países, bandeiras essas que se misturavam à medida em que formigas (no caso, saúvas brasileiras) caminhavam pela obra. Metáfora rancorosa, impregnada de ironia, ou mesmo poética aos olhos de alguns, o fato é que a corrosão das bandeiras nacionais simbolizava para a maioria das pessoas (àquela época e, muito provavelmente, ainda nos dias de hoje), o verdadeiro significado do termo “globalização”: o fim dos Estados Nacionais e a vitória triunfante de um mundo sem fronteiras, global. Para Hirst e Thompson (1998, p. 13), “a globalização tornou-se um conceito em moda nas ciências sociais, uma máxima central nas prescrições de gurus da administração, um slogan para jornalistas e políticos de qualquer linha”. Segundo Ianni (1997, p. 13), “a descoberta de que a terra se tornou mundo, de que o globo não é mais apenas uma figura astronômica, e sim o território no qual todos encontram-se relacionados e atrelados, diferenciados e antagônicos – essa descoberta surpreende, encanta e atemoriza. Trata-se de uma ruptura drástica nos modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular. Um evento heurístico de amplas proporções, abalando não só as convicções, mas também as visões de mundo”. Ao mesmo tempo em que a inexistência de barreiras geográficas ou políticas entre os países reverbera na mente das pessoas, outros significados são também atribuídos à “globalização”, e isso de tal forma ocorre que podemos encontrar o termo sendo utilizado tanto para descrever a hegemonia do hambúrguer no cardápio alimentar quanto para representar a comunicação via internet, rápida, simultânea e integradora. Na verdade, “globalização” significa tanto, que o termo acabou por resultar quase vazio de sentido, e para traçar (ao menos) algumas fronteiras demarcadoras é necessário que um esforço especial seja feito para compreendermos seus conceitos, contextualizados no tempo e na história, entendidos a partir das diferentes correntes ideológicas daqueles que vêm estudando o fenômeno. Afinal, “desde que o capitalismo desenvolveu-se na Europa, apresentou sempre conotações internacionais, multinacionais, transnacionais e mundiais, desenvolvidas no interior da acumulação originária, do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo, da dependência e da interdependência” (IANNI, 1997, p. 14).

xa.yimg.comxa.yimg.com/kq/groups/22725959/1194261826/name/Ambiente... · Web viewA razão pela qual se defende a descoberta do Novo Mundo como o primeiro patamar do que seria a globalização

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Ambiente Econômico Global

Obra de Yukinori YanagiFonte: http://farm4.static.flickr.com/3446/3199633945_f87f3f4250.jpgAutoria: Ivy JudensnaiderPesquisa e Revisão: Elena Knijnik e Pedro Guilherme Brandão Baio GomesSão Paulo – SP 2009

Aula 1. A Economia Política da Globalização

1.1. Diferentes conceitos sobre a Globalização

Na 23a. Bienal de São Paulo, um trabalho deveras interessante do artista Yukinori Yanagi chamou a atenção: um grande painel de areia colorida representava bandeiras de todos os países, bandeiras essas que se misturavam à medida em que formigas (no caso, saúvas brasileiras) caminhavam pela obra. Metáfora rancorosa, impregnada de ironia, ou mesmo poética aos olhos de alguns, o fato é que a corrosão das bandeiras nacionais simbolizava para a maioria das pessoas (àquela época e, muito provavelmente, ainda nos dias de hoje), o verdadeiro significado do termo “globalização”: o fim dos Estados Nacionais e a vitória triunfante de um mundo sem fronteiras, global. Para Hirst e Thompson (1998, p. 13), “a globalização tornou-se um conceito em moda nas ciências sociais, uma máxima central nas prescrições de gurus da administração, um slogan para jornalistas e políticos de qualquer linha”. Segundo Ianni (1997, p. 13), “a descoberta de que a terra se tornou mundo, de que o globo não é mais apenas uma figura astronômica, e sim o território no qual todos encontram-se relacionados e atrelados, diferenciados e antagônicos – essa descoberta surpreende, encanta e atemoriza. Trata-se de uma ruptura drástica nos modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular. Um evento heurístico de amplas proporções, abalando não só as convicções, mas também as visões de mundo”. Ao mesmo tempo em que a inexistência de barreiras geográficas ou políticas entre os países reverbera na mente das pessoas, outros significados são também atribuídos à “globalização”, e isso de tal forma ocorre que podemos encontrar o termo sendo utilizado tanto para descrever a hegemonia do hambúrguer no cardápio alimentar quanto para representar a comunicação via internet, rápida, simultânea e integradora. Na verdade, “globalização” significa tanto, que o termo acabou por resultar quase vazio de sentido, e para traçar (ao menos) algumas fronteiras demarcadoras é necessário que um esforço especial seja feito para compreendermos seus conceitos, contextualizados no tempo e na história, entendidos a partir das diferentes correntes ideológicas daqueles que vêm estudando o fenômeno. Afinal, “desde que o capitalismo desenvolveu-se na Europa, apresentou sempre conotações internacionais, multinacionais, transnacionais e mundiais, desenvolvidas no interior da acumulação originária, do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo, da dependência e da interdependência” (IANNI, 1997, p. 14).

De maneira simplificada, o termo, que passou a ser utilizado na década de oitenta, comparece no vocabulário acadêmico ou popular sob duas principais formas: ou no sentido positivo, relacionado ao processo de integração da economia mundial, ou normativo, prescrevendo e sugerindo estratégias de desenvolvimento baseadas na hegemonia política do capital internacional. Segundo Prado (2003, p. 2),

“como todo conceito imperfeitamente definido, Globalização significa coisas distintas para diferentes pessoas. Pode-se, no entanto perceber quatro linhas básicas de interpretação do fenômeno: (i)- globalização como uma época histórica; (ii)- globalização como um fenômeno sociológico de compressão do espaço e tempo; (iii) globalização comohegemonia dos valores liberais; (iv) globalização como fenômeno sócio-econômico”.

1 Estado de beligerância e de confrontos políticos entre Estados Unidos e União Soviética que teve início após o final da Segunda Guerra Mundial, quando acordos assinados entre os países envolvidos no conflito armado dividiram o mundo em duas grandes áreas de influência.2 Construção que dividiu a Alemanha, uma parte ficando sob domínio do Ocidente e a outra sob influência da União Soviética.3 Alguns autores, entretanto, fazem questão de enfatizar que tal socialismo do período nada mais era do que um outro formato do capitalismo, daquela vez sob forma estatal.

Vejamos, portanto, como cada um desses pontos de vista contribui para a compreensão do fenômeno da globalização.

1.1.1. A Perspectiva Histórica

Do ponto de vista histórico, o termo faz referência a vários e diferentes eventos. Para alguns historiadores, globalização se refere ao período iniciado com o término da Guerra Fria1, sendo seu ato fundador a queda do Muro de Berlim2 e a capitulação final do socialismo à superioridade do capitalismo ocidental3. Outros preferem situá-la na década de cinqüenta quando, após o término da II Guerra, os Estados Unidos iniciaram sucessivas intervenções militares na Ásia, na América Central e no Oriente Médio, todas elas com o objetivo de defender os interesses do capital ocidental. Outros datam o processo como tendo início no século XVI, com as grandes navegações e a ação colonizadora da Europa na América, na África e na Ásia.

A razão pela qual se defende a descoberta do Novo Mundo como o primeiro patamar do que seria a globalização é que, a partir daí, ter-se-ia criado um sistema econômico de interferência mundial, com importação e exportação de escravos e produtos primários, e transformador da vida das colônias e dos países compradores e portadores de tecnologia. Essa transformação seria impulsionada depois pela Revolução Industrial que, mecanizando os meios de produção e barateando os produtos finais, teria obrigado os países proprietários dos meios de produção a procurar mercados consumidores além dos que já haviam conquistado em seus próprios países. Na época, o desenvolvimento da economia dependia muito da expansão geográfica dos fluxos de transporte, criando-se através do comércio marítimo uma rede que permitia transformar em consumidor qualquer habitante, mesmo que de uma região isolada. A dicotomia entre os países que detinham novas tecnologias em mãos e aqueles que só consumiam o produto final da modernização foi se reforçando, ao passo em que a onda de internacionalização motivada pela Revolução Industrial foi se alastrando pelo mundo4.

1.1.2. A perspectiva da compressão do espaço e do tempo

No que respeita à interpretação relativa à compressão do espaço e do tempo, há também diferentes leituras: tanto o fenômeno pode ser explicado a partir da dissolução das fronteiras geográficas (evidenciada pela formação de grandes blocos tais como a União Européia), como pela criação de um espaço global, comum e virtual. A velocidade da informação, disseminada via web, teria finalmente possibilitado o surgimento da grande aldeia global, nave espacial em que todos a bordo caminhariam rumo a um Espaço sem fronteiras, verdadeira Torre de Babel redimida dos pecados, romântica e utópica. Essa leitura de mundo (imersa na crença do progresso representado pelos avanços tecnológicos da informática) teria, em 2001, sua mais completa tradução e receberia também o seu maior golpe: perto das oito horas da manhã do dia 11 de setembro, em Nova Iorque, os ataques às Torres Gêmeas reuniriam todos à frente da televisão, acompanhando os trágicos eventos que finalmente marcariam o início do século XXI.

4 Depois da Primeira e antes da Segunda Guerra Mundial, o mundo experimentaria os resultados danosos à economia advindos da Quebra da Bolsa de Nova Iorque. Para se estabilizar totalmente, governos criariam o Estado do Bem-Estar Social, “financiando com recursos públicos as despesas sociais dos cidadãos (...) e estimulando a geração de empregos, ao passo em que as políticas monetárias (juros baixos) colaboravam para a expansão do capital privado, pois os cursos dos empréstimos eram baratos, especialmente num contexto de expansão dos mercados” (BARBOSA, 2006, p. 32).

1.1.3. A perspectiva da ideologia

Do ponto de vista ideológico, globalização também pode significar a hegemonia dos valores liberais. Essa interpretação consideraria o colapso de Bretton Woods5 e as dificuldades do capital internacional após os choques do petróleo em 1973 e 19796 como demarcadores da formalização de uma forma de pensar o mundo distante do keynesianismo e do monetarismo7, uma forma alternativa que garantiria o crescimento, desenvolvimento e a distribuição da riqueza. Dignos representantes dessa maneira de interpretar a realidade,Ronald Reagan (nos Estados Unidos) e Margareth Tatcher (na Inglaterra) se encarregariam de propagar o advento do neoliberalismo triunfante, continuação e reinterpretação do liberalismo clássico: se antes as forças de mercado deveriam se libertar das garras da Igreja e dos resquícios do sistema feudal, agora deveriam se colocar contra qualquer coisa que se opusesse à mão invisível dos agentes econômicos. Enfim, a vitória final da revolução burguesa, como resultado de um acordo das elites econômicas globais libertas de quaisquer entraves para a consolidação hegemônica dos interesses do Capital, foi simbolizada pelo Consenso de Washington8. Em resumo, era o Fim da História9, se a considerarmos como a sucessão de embates entre o Capital e o Trabalho.

5 Acordos firmados em 1944 que deram origem a uma nova ordem monetária mundial e lançaram as bases fundadoras do FMI e do Banco Mundial. 6 Ação política dos países produtores de petróleo que teve o objetivo de aumentar substancialmente o preço do produto. Tal procedimento teve a intenção de pressionar os países industrializados em relação aos conflitos do Oriente Médio entre países árabes e Israel.7 O keynesianismo é o conjunto de teorias desenvolvidas inicialmente por John Maynard Keynes que defendeu, no contexto pós crise econômica de 1929, a intervenção do Estado na economia com o objetivo de obter o pleno emprego dos fatores de produção. O monetarismo, por sua vez, se opôs ao keynesianismo, argumentando a favor do uso de instrumentos monetários para a obtenção do equilíbrio econômico, dentro de um ambiente de não-intervenção estatal e liberdade de ação para os agentes econômicos do mercado.8 Receituário formulado ao final da década de oitenta que preconizou medidas que, se adotadas pelos países em desenvolvimento e em dificuldades, garantiriam a inclusão destas economias no mundo globalizado.

1.1.4. A perspectiva econômica

No que respeita à interpretação sócio-econômica, o termo “globalização” está relacionado à atuação das empresas multinacionais e à internacionalização da economia mundial. Dessa forma, processos de produção cada vez mais rápidos e dinâmicos, bem como a repartição internacional das etapas da produção entre diferentes países, dariam ao mundo uma nova face: o pós-fordismo10 seria o responsável pela consolidação de uma economia baseada em processos integrados, um único e pulsante mercado global onde o capital, as mercadorias, os recursos e pessoas circulariam livremente. Para Prado (2003, p.4), a globalização então poderia ser definida como

“a interação de três processos distintos, que têm ocorrido ao longo dos últimos 20 anos, e que afetam as dimensões financeira, produtiva-real, comercial e tecnológica das relações econômicas internacionais. Estes processos são: a expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais; o acirramento da concorrência nos mercados internacionais; e a maior integração entre os sistemas econômicos nacionais”.

Para efeito desta disciplina, vamos considerar a globalização como um processo que se dá a partir da aceleração de intercâmbios e fluxos entre os países do mundo, nos planos econômicos, políticos e social. Mais: dentre todos os planos sob os quais se apresenta, o econômico é o que nos interessa, especialmente no que reverbera em outros campos.

Assim, a produção de mercadorias em determinados países significaria mais do que apenas a produção local, uma vez que os locais de produção escolhidos pelas empresas poderiam ser (e costumam ser) países diferentes daqueles nos quais está instalada sua sede principal, acarretando o que ficou denominado de mundialização da produção. Também é econômico o plano gerador da abertura nos países subdesenvolvidos que precisam do capital estrangeiro para se desenvolver e da maior participação do capital internacional, advinda de estratégias financeiras (em especial dos países desenvolvidos). É o plano que põe em xeque estruturas e costumes construídos e mantidos há muito, sobrepondo-se a eles e algumas vezes comprometendo a identidade cultural de muitos povos. “Assim, a globalização não significa apenas um processo de expansão dos mercados e de aceleração dos fluxos econômicos entre as fronteiras nacionais. Junto consigo, como um de seus efeitos, surge uma consciência de que valores morais e sociais fundamentais devem ser estendidos para todos os povos”. (BARBOSA, 2006, p. 12) Dentro desse contexto, a realidade alheia nunca esteve tão próxima da realidade de qualquer cidadão do mundo, se esse tiver acesso aos meios de comunicação através dos quais se dá a disseminação dos acontecimentos mundiais. De fato, as interligações das empresas, das aplicações financeiras, das exposições da mídia e do fluxo de pessoas nunca afetaram tanto as pessoas, e os reflexos dos resultados da globalização podem ser observados em quaisquer países. A questão é a desigualdade com que isso se dá, podendose dividir nitidamente países entre aqueles cuja política interna afeta com mais peso as políticas de outros países, e aqueles que são geralmente mais afetados, fazendo desses últimos dignos da colocação de ‘marginalizados’ da produção intelectual, política e financeira internacional.

9 Expressão cunhada por Francis Fukuayama, filósofo e político de origem nipo-americana.10 Desenvolvimentos das práticas de produção em escala, inicialmente surgidas na industria automobilística americana na década de 30.

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O autor ainda lembra: é importante ressaltar que o processo de globalização nunca foi inevitável; por mais que o isolamento de qualquer nação seja impossível, também é improvável a aplicação de uma nova ordem global, feito que a globalização não foi ou é um processo homogêneo e de igual acesso para todos. Para Stiglitz (2007, p. 62),

“a grande esperança da globalização é que ela elevará os padrões de vida em todo o mundo: dará aos países pobres acesso aos mercados externos para que possam vender seus produtos, permitirá a entrada de investimentos estrangeiros que fabricarão novos produto a preços menores e abrira as fronteiras, de tal modo que as pessoas possam viajar para o exterior a fim de estudar, trabalhar e mandar para a casa dinheiro para ajudar suas famílias e financiar novos negócios”,

Esse seria o projeto de globalização, e o mal estar presente no imaginário dos políticos, jornalistas e população em geral encontraria explicação não na globalização em si, mas no seu mau gerenciamento 11. Em resumo, a onda neoliberal – hoje caracterizada pelo maior alcance do capital estrangeiro, pela política de liberalismo econômico e incentivo à privatização, e pelo crescente surgimento de novas tecnologias – apresentaria variações em termos de aplicabilidade nos países inseridos no contexto de globalização, tornando-os suscetíveis a crises, a elevação dos juros, ao desemprego e a outros efeitos negativos das políticas da conjuntura mundial. Isso explicaria as críticas que cercam as práticas globalizadoras e as tentativas de controle da economia por parte dos governos não tão adeptos ao excesso de liberdade atribuída ao capital do mercado financeiro. Internacionalização, mundialização, universalização, ocidentalização. São vários os significados, ora complementares ora opostos. “Faz tempo que a reflexão e a imaginação sentem-se desafiadas para taquigrafar o que poderia ser a globalização do mundo. Essa é uma busca antiga, iniciada há muito tempo, continuando no presente, seguindo pelo futuro.Não termina nunca” (IANNI, 1997, p. 23).

1.2. As dinâmicas da globalização

Se o termo “globalização” sugere diferentes significados, podemos entender o fenômeno a partir de suas diferentes dimensões ou dinâmicas, assim consideradas: comerciais, produtivas, financeiras e tecnológicas.

1.2.1. Globalização ComercialA globalização comercial é, provavelmente, a dimensão mais facilmente mensurável. Ao passo em que as pautas dos mercados externos estão cada vez menos atreladas às dos mercados internos, as nações vêm procurando se adaptar à demanda mundial de produtos e consumidores. “Se esse aspecto contribui para uma maior universalização dos padrões de consumo e das novas tecnologias, pode trazer consigo um acirramento do desemprego e o enfraquecimento de regiões produtoras de artigos específicos” (BARBOSA, 2006, p. 42).

11 Prova deste mal estar pode ser evidenciado nos sucessivos encontros do Fórum Social Mundial, que entre seus debates tem chegado à conclusão de que as ingerências da globalização levam a uma pauperização do mundo subdesenvolvido e aumento da concentração de capital no mundo todo. Assim, não teria havido, por parte dos paises mais industrializados, busca por regras justas. Como o processo de globalização foi pautado politicamente, estes teriam buscado atender seus interesses imediatos, não pensando no bem estar dos países mais pobres.

A análise de várias fontes (estatísticas e históricas) nos revela que, a partir dos anos 1950, intensificou-se o processo de abertura do mercado internacional por países participantes da conjuntura globalizada, fato que pode ser comprovado através do coeficiente de abertura, ou seja,

“quando o volume de comércio – produção destinada ou proveniente de outros mercados – cresce mais rapidamente do que o volume total de produtos fabricados mundialmente, isso indica que as economias estão se abrindo e que os mercados internos perdem importância como fonte de escoamento da produção local” (BARBOSA, 2006. p. 41) .

Este processo, qual seja, o de crescimento do comércio mundial, acelerou-se particularmente nos anos 1980 e 1990, o que nos leva a concluir que o incremento da atividade comercial pode caracterizar, senão um fato novo, algo de relevante importância e que explica a interpretação da globalização como sendo particularmente um fenômeno de características comerciais. Tal leitura está, portanto, irremediavelmente ligada à extinção de barreiras comerciais e práticas protecionistas e ao surgimento de grandes blocos comerciais.

Também por essa razão ganham excepcional notoriedade as políticas aduaneiras e os acordos comerciais preconizados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), herdeira das principais conquistas obtidas pelo GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, estabelecido em 1947). É importante, porém, salientar: ainda que o GATT visasse facilitar as relações comerciais sob a égide da eqüidade, a realidade vem revelando profundas diferenças entre o discurso pronunciado e a praxis, o que significa dizer que nem sempre as práticas de nações industrializadas encontram-se em sintonia com o preconizado para os “outros”, ou seja, nem sempre os países que mais defendem o livre-comércio são aqueles que o praticam.

Outra evidência da intensificação do comércio mundial é a formação de blocos regionais. O comércio entre os países dos blocos e entre blocos tem se expandido, visto que os tratados de tarifas alfandegárias e as concessões implicam em reciprocidade e são aplicadas em conjunto.

Na Figura 1.1, pode-se ver a localização geográfica dos principais blocos econômicos regionais.

Figura 1.1: Mapa dos blocos econômicos regionais

Fonte: http://www.marcoscintra.org/novo/default.asp?idSecao=14

Segundo Barbosa (2006), esses blocos vêm se diferenciando em termos das etapas que conseguem alcançar e das dificuldades que logram superar: temos áreas denominadas de livre-comércio – caracterizadas pela ausência de barreiras tarifárias e não-tarifárias entre os países componentes – como a Nafta e a ASEAN; temos também as uniões aduaneiras – caracterizadas pela adoção de tarifas externas comuns para produtos importados – como o Mercosul (apesar de incompleto esse processo); há o mercado comum – no qual há livre circulação de pessoas, mercadorias e serviços – como foi a Comunidade Européia no período entre 1992 e 1998; finalmente, temos a união econômica – estágio final da união regional, no qual há uma moeda comum e um só Banco Central para os países participantes – como a União Européia desde 1999. É evidente que, para se alcançar um estágio deste último tipo, é necessário que inflação, câmbio e juros dos países sejam compatíveis.

A Figura 1.2 mostra a abertura comercial desde a Segunda Guerra Mundial, em percentagem do PIB:Figura 1.2: Abertura comercial desde a

Figura 1.2: Abertura comercial desde aSegunda Guerra Mundial (em porcentagem do PIB) (a)1950-59 1960-69 1970-79 1980-89Países industrializados 23.3 24.6 32.0 36.8América do Norte 11.2 11.7 17.8 21.9Leste Europeu 37.2 38.9 48.7 56.9Japão 21.8 19.5 22.9 23.9

Países em desenvolvimento - 28.0 34.3 38.4 (b)África - 48.2 55.1 54.4ÁsiaLeste - 47.0 69.5 87.2Outros (c) - 17.2 19.6 24.0Oriente Médio - 41.5 60.4 46.9Hemisfério Oriental 26.3 23.9 24.9 27.9

(a) A abertura é definida como a soma das exportações e importações nominais de mercadorias enquanto uma porcentagem da produção nominal. Os dados agregados são calculados com base nos pesos de paridade do poder de compra (PPC).(b) 1980-87.(c) Excluindo a China.Fonte: World Economic Outlook, outubro de 1994, IMF, tabela 21, p.89 in Hirst e Thompson (1998, p. 52)

Segundo Prado (2003, p. 4), a discussão sobre os aspectos da globalização comercial não é particularmente controversa: “se o crescimento do comércio mundial (...) [se dá] a uma taxa de crescimento média anual mais elevada do que a do PIB mundial podemos afirmar que há globalização comercial”. Utilizando este critério, podemos perceber que:

a) A relação exportação mundial/PIB mundial apresenta taxas de crescimento até o ano de 1929, a partir de quando passa a decrescer. Tal fato pode ser explicado pela recessão que tomou conta da maioria dos países, em decorrência das conseqüências da Quebra da Bolsa de Nova Iorque e da posterior retração da economia mundial;

b) A relação exportação mundial/PIB mundial volta a apresentar taxas de crescimento a partir da década de 1950, muito provavelmente por conta dos efeitos benéficos do pós-guerra;

c) A relação exportação mundial/PIB mundial apresenta substancial crescimento a partir da década de 1980 e, de forma mais notável, a partir dos anos 1990.

1.2.2. Globalização Produtiva

Por seu turno, a dinâmica produtiva refere-se à integração internacional da produção a partir das estruturas produtivas domésticas. Tal processo pode se dar de diferentes formas, tanto envolvendo a distribuição espacial de diversas etapas da produção nos mais diversos países para aproveitamento de vantagens comparativas, quanto envolvendo a distribuição espacial da produção em termos do Ciclo do Produto. Na primeira situação, empresas fabricariam “pedaços” do produto nos locais em que essa etapa fosse mais barata, comparativamente. Na segunda, os produtos seriam oferecidos ao mercado segundo uma lógica em que aqueles inovadores e resultantes de pesquisas de última geração seriam primeiramente oferecidos nos mercados mais “nobres” (Estados Unidos e Europa), chegando aos países periféricos apenas quando substituídos por outros de tecnologia mais moderna. Assim, haveria mercados de primeira e segunda linha, e a estrutura produtiva das empresas se organizaria segundo esta divisão internacional do mercado através da atuação de suas filiais espalhadas por todo o mundo. Principais agentes responsáveis pela dinâmica produtiva, as empresas multinacionais – e que respondem por quase 36% da economia mundial –,

“podem fazer investimentos em lugares onde os custos são mais baixos, produzir peças num país para serem transformadas em outros e comercializadas em todo o planeta. Ou seja, por trás da expansão do comércio, a economia atual é regida por uma variável ainda mais forte: a expansão rápida da produção comandada por empresas que realizamsuas atividades fora do seu país de origem” (BARBOSA, 2006, p. 55).

Segundo Barbosa (2006), a característica mais marcante dentre as observadas na expansão da empresa multinacional é o alcance da produção em países que não o da sua sede. Facilitam esse crescimento as políticas de redução de tarifas e impostos dos países que procuram por investimentos externos em seu território, uma vez que a implantação das multinacionais fora de seu país de origem, na maioria das vezes, acarreta em desenvolvimento ou, ao menos, valorização do território onde se encontram. As empresas multinacionais têm como área de atuação muitos setores de produção ou aplicação financeira, sejam eles de eletroeletrônicos, de produtos esportivos, de automóveis, de telecomunicações, de comércio varejista, de serviços tecnológicos de ponta etc.

Segundo definição da Conferência do Comércio e Desenvolvimento para as Nações Unidas – UNCTAD -, uma empresa multinacional seria aquela que possui ao menos uma filial fora de seu país de origem.As multinacionais tiveram origem nos anos 1950, principalmente no setor de mineração e agricultura na Inglaterra. A partir dos anos 1980, elas, individualmente, foram expandindo suas áreas de atuação: em grande número de casos, uma única multinacional passou a controlar empresas de diversos setores. Hoje em dia, as empresas multinacionais têm diferentes objetivos como foco. Algumas delas procuram obter produtos primários em países subdesenvolvidos (onde a mão de obra e os custos de produção são mais baratos); outras pretendem produzir para o mercado interno do país onde estão instaladas; outras têm como estratégia uma expansão produtiva pelo mundo, muitas vezes tendo como principal fábrica uma alocada fora de seu país de origem.

Nos últimos anos, as multinacionais vêm investindo preferencialmente em fusões com outras empresas, ou na abertura de filiais, em detrimento dos investimentos na própria produção; isso pode ser comprovado pelo número cada vez maior de investimentos diretos externos – IDEs -, que é um demonstrativo do capital que foi utilizado pelas empresas para investir nos países onde abriram suas filiais. Como já dito, alguns países emdesenvolvimento acreditam muito na melhoria que os investimentos externos podem trazer aos seus países, sendo então muito receptivos à instalação das multinacionais em seu território. No caso brasileiro, pode-se constatar a participação dos investimentos diretos na Figura 1.3, que apresenta dados da participação de grupos estrangeiros no total de aquisições de empresas brasileiras no período de 1990 a 1999.

Figura 1.3: Aquisição de Empresas Estrangeiras: participação de grupos estrangeiros (%)

Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=geobr_cap4

A economia dos EUA tem participação enorme no ranking mundial das marcas mais caras do mercado, comprovando o quanto a globalização explica a hegemonia norteamericana nos vários setores de produção. Todas as decisões tomadas pelos outros gigantes da economia – não necessariamente somente os do ranking – levam em consideração a constituição dos blocos comerciais regionais, o que divide categoricamente o mundo em áreas estratégicas.

Uma questão a se pensar são as conseqüências das cada vez mais comuns fusões e aquisições de empresas no mercado. O capital vem sofrendo concentração inédita, com a formação de oligopólios – poucas empresas

com o domínio de certa área de produção -, o que pode causar aparição de cartéis – acordo entre empresas que elimina a concorrência e determina os preços, que acabam se elevando. É preciso que se instituam órgãos de regulamentação da concorrência, como a Comissão Européia, que já vetou fusões ou tentativas de empresas de adquirir outras, como forma de controlar a expansão cada vez mais acelerada das multinacionais.

1.2.3. Globalização Financeira

Muito mais visível do que a dinâmica produtiva (e talvez até mesmo mais do que a comercial), a dimensão financeira da globalização é aquela que, segundo Prado (2003, p.14) diz respeito ao

“processo de integração dos mercados financeiros locais - tais como os mercados de empréstimos e financiamentos, de títulos públicos e privados, monetário, cambial, seguros, etc. - aos mercados internacionais. No limite os mercados nacionais operariam apenas como uma expressão local de um grande mercado financeiro global.Portanto, este fenômeno não trata apenas do crescimento de transações financeiras com o exterior, mas na integração dos mercados financeiros nacionais na formação de um mercado financeiro internacional”.

Desde a Primeira Guerra Mundial, os fluxos de capital começaram a circular entre os países e, com mais evidência e de forma repentina, entre os anos 1950 e 1970 já se estabeleciam regras internacionais com relação à circulação de dinheiro global, parte desse fornecido pelo Banco Mundial. Em 1971, chegava ao fim o padrão dólar-ouro e aumentavam as oscilações de moeda, estimulando as aplicações especulativas. Desde então, as tais regras pretendem facilitar as transações de capital pelo mundo, principalmente no que respeita aos fundos de investimento e de pensão estabelecidos nos anos 1980. Os governos têm procurado elevar suas taxas de juros com o objetivo de atrair investimentos, e as empresas emitem bônus diretamente no mercado, fazendo com que o dinheiro circule com mais rentabilidade.

“Como num gigantesco sistema circulatório, o sistema financeiro ‘retira’ renda de todas as fontes – dos impostos, dos salários e dos lucros das empresas – sugando-a para aplicações consideradas mais vantajosas” (BARBOSA, 2006, p. 66). A novidade é a cada vez menor participação efetiva e necessária dos bancos, cujos papéis foram substituídos pelos órgãos de fundos de investimento e seguradoras.

Isso faz com que a preocupação de muitas empresas hoje em dia esteja voltada mais para o capital especulativo, valorizando suas ações, do que na produção em si, que depende da conquista de mercados e da aceitação do consumidor.

Nesse cassino especulativo, os derivativos são as fichas nas quais os aplicadores financeiros apostam, aplicadores esses que contam com as inovações tecnológicas para melhor acessar informações que permitam as jogadas certas e mais lucrativas. Além disso, o dinheiro também é global: as transações são facilitadas utilizando-se travellers cheques, moedas de referência ou mesmo moeda comum (como é no caso da União Européia, que adotou o euro).É o mercado do capital portador de juros que, conservando a forma dinheiro, viveria de rendimentos, tornando-se hegemônico. Tal dimensão explicaria, inclusive, a dinâmica especulativa do próprio capital, sempre em busca do porto mais seguro ou do terreno mais fértil (leia-se, que proporciona menores restrições na sua movimentação). É o mercado que cresce mais do que a economia real, que cresce mais do que o próprio comércio mundial, e que cria verdadeiras bolhas ilusórias de riqueza. A Figura 1.4 nos mostra a relação entre o comércio mundial e os derivativos, dando-nos inclusive uma pista das origens da criseeconômica que estourou ao final do ano passado.

Figura 1.4: Derivativos X Comércio Mundial

Fonte: http://www.asip.org.ar/es/seminarios/int031/ponencias/images/carvalho_grafico1.gif

A necessidade de capital para investimento ou para fazer frente aos serviços de dividas externas por parte dos países em desenvolvimento também cria a ilusão da “aldeia” monetária global: juros são mantidos em níveis elevados para atrair o capital especulativo, mesmo que esses juros comprometam mais ainda a

estrutura do endividamento externo. Não à toa, vimos – ao final do século passado e no início desse – inúmeras crises que se assemelham nas origens e se diferenciam nos efeitos que provocam: México, Tailândia, Indonésia, Coréia do Sul, Brasil e Argentina são alguns que podemos citar. Vale a pena lembrar: “enquanto não existir uma autoridade global encarregada de implementa-la [a regulação dos fluxos financeiros internacionais] e as crises não afetarem os países mais poderosos, a esfera financeira tende a se expandir ainda mais, gerando instabilidade”(BARBOSA, 2006, pág. 73).

1.2.4. Globalização Tecnológica

Os anos setenta foram marcados pela disseminação da tecnologia de Internet e telefonia celular, além dos avanços na biotecnologia e do mapeamento genético. Essa mudança é considerada, por alguns, uma verdadeira Terceira Revolução Industrial, tão importante e transformadora quanto a invenção da máquina a vapor e da eletricidade. De fato, não é exagero considerar a implantação das novas tecnologias uma revolução, feito que, desde o primeiro computador em 1946 (na época, um aparelho gigantesco de valoracima de US$ 125 mil) até agora, a intensidade de sua interferência foi significativa para quase todos os países, mesmo àqueles que não tinham acesso direto a ela. Essa revolução trouxe satélites e cabos de fibra óptica, além de avanços nas pesquisas da genética, e fizeram com que o custo (e qualidade) dos serviços de telecomunicações e da medicina preventiva, respectivamente, abaixasse, tornando-se mais acessível. É mais barato comunicar-se instantaneamente com qualquer lugar do mundo; mais fácil confiar em remédios agora mais resistentes; e mais seguro para as empresas distribuir suas etapas de produção pelo mundo, uma vez que conseguem acompanhar as nuances tanto financeiras quanto culturais necessárias para o comércio.

Todas essas inovações foram incentivadas e disseminadas por governos, empresas e universidades, e o maior interesse na adoção desta estratégia culminava na invenção e difusão de novas tecnologias que possibilitassem menor custo e maior produtividade. A informação agora era instrumento central da sociedade, integrando o sistema, flexível às instabilidades mundiais e adaptável às exigências econômicas e sociais. A informação, impulsionada pela globalização, passou a afetar estruturas em diversos parâmetros eintensidades surpreendentes, funcionando quase que como um novo “ambiente operacional”. Hoje em dia, várias empresas têm grande parte de suas vendas ocorrendo pela Internet, e muitas delas já dedicam todo um setor de seu gerenciamento ao marketing ou comércio online.

É quase óbvio, para qualquer um que repare um pouco nas conseqüências de todo esse processo, para quem estão direcionadas as melhorias advindas da tecnologia: para quem pode ter acesso privado a elas. Ao mesmo tempo em que as ondas tecnológicas são desenvolvidas em países desenvolvidos, os resultados obtidos são aplicados nas sociedades dos mesmos países. Os países que não têm infra-estrutura disponível para financiar essa nova mercadoria – a informação - acabam participando da “exclusão digital”, comprovada facilmente por dados como os da África, onde só existem três telefones a cada 100 habitantes, número inferior do que o encontrado na área metropolitana de Tóquio. Ou seja, a globalização pode, em muitos casos, reforçar a disparidade econômica entre países.

Outros fatores são levados em consideração quando da decisão de onde e como investir o capital na área de pesquisa: é preciso avaliar o custo de mão-de-obra, a existência de parcerias, a presença tecnológica já estabelecida e a qualidade de vida do local escolhido, entre outros. De qualquer forma, o mundo continua dividido entre as nações desenvolvidas e as subdesenvolvidas e, apesar de aumentar a produtividade ecompetitividade entre as empresas capitalistas, ainda existem questões a serem trabalhadas, como febres especulativas e crises de produção. O entendimento das diferentes dinâmicas do processo globalizador nos leva a concluir: sob forma comercial, financeira, tecnológica e produtiva, cercada de mágica, mística ou números, a globalização é um fenômeno que, embora apoiado em muitos quadros de referência e interpretação, é passível de compreensão e, portanto, implica em escolhas.

É, enfim, a face mais dinâmica da globalização, qual seja, a tecnológica que, muito provavelmente, se presta a redimir os malefícios que, em geral, são atribuídos ao processo da globalização. Redime, porque impregna de beleza e modernidade um processo que, não raras vezes, é visto como danoso, gerador de desigualdade social e extremamente predatório. Redime, porque se justifica por meio das geringonças tecnológicas, da panacéia da internet, dos brinquedos eletrônicos, da ilusão da aldeia global criada pelas redes digitaise de fibras ópticas. O mundo todo pode ser aqui. O mundo visto pelas páginas do Google logo pela manhã já não é mais o mesmo daquele percebido nas páginas do mesmo sistema de busca à noite. Ele se transforma

rapidamente, sempre se modificando em função da capacidade absurda do homem de avançar cada vez mais e mais no conhecimento. O mapa do ser humano está pronto e, portanto, o da realidade também, e tudo graças ao poder mágico da tecnologia.

Aula 2. A globalização: variáveis relacionadas ao sucesso e ao fracasso do modelo

2.1. Obstáculos à globalização

Terrorismo, fome, guerra, governos ditatoriais. Todos esses são fatores que criam obstáculos à globalização econômica. Mas, se o Fim da História é o aqui e agora, se a Guerra Fria teve fim, se o receituário de Washington é tão bom, como será possível que um modelo como o globalizador possa encontrar dificuldades na sua propagação pela aldeia global? Talvez porque, mesmo em tempos de Paz (se é que se pode chamar de pacífico o século em que vivemos), “a construção de uma economia de mercado e instituições democráticas não é tarefa fácil” (BARBOSA, 2006, p. 84). Corrupção, desmandos e eleições fraudulentas parecem conspirar contra os valores democráticos. Alguns adversários dos valores neoliberais, se não conspiram, ao menos torcem para que o projeto globalizador dê com os burros n’água. Mas, afinal, o que é neoliberalismo?Inspirado no liberalismo dos séculos XVIII e XIX, o neoliberalismo de agora reafirma valores que

“defendem a menor intromissão do Estado na dinâmica de mercado, devendo o poder público se voltar para um conjunto limitado de tarefas, tais como a defesa nacional, a regulação jurídica da propriedade e a execução de algumas políticas sociais” (BARBOSA, 2006, p. 88).

Quase que em oposição ao Estado do Bem Estar, aqui se preconiza o Estado Mínimo: mínima intervenção, mínimas barreiras ao livre-comércio, impostos mínimos, benefícios sociais mínimos. Sobreviverão os países que melhor souberem aproveitar as oportunidades do mercado. Sobreviverão as empresas que mais rapidamente encontrarem vantagens competitivas. Sobreviverão os que forem mais capazes.

Aparentemente, muito da fala neoliberal não encontrou eco nos diversos continentes em que se propagou, quer dizer, muito do receituário neoliberal se perdeu no caminho em função da recusa do paciente ao qual se pretendeu administrá-lo: assim é que, apesar do discurso globalizador, os Estados Nacionais continuam firmes e fortes. Assim é que, apesar da defesa da mão invisível do mercado, o Estado vem sendo chamado para apagar o fogo das crises cíclicas e globais do capital. Contrariamente à teoria do fim das barreirasgeográficas, é ao Estado que foi atribuída a tarefa de

“impedir que o processo de globalização instaure uma sociedade segmentada entre incluídos e excluídos. Para isso, os Estados Nacionais (...) [investem] em ciência e tecnologia, qualificação profissional, (...) [e estimula] os seus sistemas produtivos, aumentando a competitividade do país, além de erradicar os bolsões de miséria” (BARBOSA, 2006, p. 92).

A ação conjunta de organismos internacionais e multilaterais também é, ao mesmo tempo, disseminadora e controladora do fenômeno da globalização. Embora a intervenção econômica aconteça por meio do FMI e do Banco Mundial, outros organismos vêm buscando formas alternativas de auxílio aos países em desenvolvimento ou em dificuldades: são os fóruns, as Organizações Não-Governamentais, as diversas agências da ONU, e até mesmo bancos e instituições privadas. A OMC, herdeira dos primeiros acordos do GATT, também tem se pautado no sentido de funcionar como tribunal das contendas comerciais entre países. Afinal, “se não forem criadas novas leis e mecanismos que permitam maior autonomia e maior participação no crescimento do comércio para os países subdesenvolvidos, cedo ou tarde estes países” (BARBOSA, 2006) poderão optar por outros modelos de desenvolvimento.

O discurso neoliberal também encontra dificuldades para garantir sua hegemonia ideológica ao não responder de forma adequada ao problema da fome e da miséria que assolam o mundo. Segundo Judensnaider (2009), informações da FAO revelam que

“são aproximadamente 920 milhões de famintos no mundo e, deste total, aproximadamente trinta por cento são crianças. Na Cúpula do Milênio, a meta estabelecida era de reduzir a fome pela metade até o ano de 2015. Dentre as recomendações da Força Tarefa Contra a Fome, preconizou-se o planejamento e execução de políticas integradas para agricultura, nutrição e desenvolvimento rural, acesso à terra, intensificação de pesquisas, apoio à pequena propriedade e à agricultura de subsistência, programas de assistência e proteção com foco nas grávidas, lactantes, bebês e crianças,

restauração e conservação dos recursos naturais essenciais para a segurança alimentar. Ao final de 2008 já se considerava a meta impossível de ser atingida” ...12

(...) Segundo WWF-Brasil, o balanço das condições ambientais revela que “caso o modelo atual de consumo e degradação ambiental não seja superado, é possível que os recursos naturais entrem em colapso a partir de 2030, quando a demanda pelos recursos ecológicos será o dobro do que a Terra pode oferecer”13. A mesma fonte afirma: nossa pegada ecológica (área necessária para produzir o que consumimos em termos de recursos naturais e absorver as emissões de carbono) excede perto de 30% a capacidade de regeneração do mundo.

É a fome que pode ser mapeada. Na Figura 2.1, vê-se representada a fome no mundo por proporção de pessoas subnutridas. A leitura atenta nos leva a perceber a existência de um quadro extremamente desfavorável do ponto de vista da desigualdade social, e evidência empírica disso é a ocorrência de verdadeiros bolsões de fome nas regiões centrais da África e da Ásia.Mais: miséria gera mais miséria. Coincidentemente, é também a região africana a que mais sofre com a escassez de água, esse bem que um dia foi livre de valor econômico e que, no futuro, provavelmente será o mais precioso da humanidade.

Na Figura 2.2, temos o mapa da catástrofe ambiental da escassez da água.

Figura 2.1: Proporção de Pessoas Subnutridas (1998/2000)

12 Qual o custo de um programa sério como esse? Algumas fontes mensuram aproximadamente 25 milhões de dólares por ano para a obtenção dessas metas até 2015...Bem menos que os 3 trilhões de dólares estimados por Joseph Stiglitz e Linda J. Bilmes em relação ao custo da Guerra no Iraque até agora, e detalhadamente estudados em A guerra de US$ 3 trilhões – O custo real do conflito no Iraque.13 Mais informações podem ser obtidas em http://www.wwf.org.br/informacoes/index.cfm?uN nesse site encontra-se disponível, também, o download do Relatório Planeta Vivo 2008.

Figura 2.2: Escassez de água

Fonte: http://www.portugaliza.net/numero05/bol05n05.htm

É a contrapartida à promessa de um mundo justo, em que as riquezas se distribuíram naturalmente, sob força das mãos invisíveis da economia do mercado. Segundo Barbosa (2006, p. 107),

“o aumento da desigualdade entre países ricos e pobres e o crescimento da pobreza tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos esteve relacionado à abertura dos mercados e ao crescimento desordenado da esfera financeira, propiciando a expansão do desemprego e do emprego informal na grande maioria dos países, ainda que em ritmos e com significados diferentes”.

No Quadro 2.3 a seguir, vemos o número de desempregados por países.

Quadro 2.3: Países com maior número de desempregadosPaíses Número de desempregados(milhões de pessoas)Índia 39,987Rússia 9,050Brasil 7,715Indonésia 6,987China 6,537Estados Unidos 5,834Alemanha 4,288Japão 3,345Fonte: Márcio Porchmann, Organismos Multilaterais, Unicamp,In Barbosa, 2006, p. 110

Segundo Ianni (1997, p. 205), “a sociedade global é o cenário mais amplo do desenvolvimento desigual, combinado e contraditório (...), que se expressam diversidades, localismos, singularidades, particularismos ou identidades”. E, tão complexas são as suas características que, desde 1990, economistas vêm procurando estudar as diferenças sociais a partir de outros parâmetros que não os de Produto Interno Bruto (PIB) ou renda média. Assim, desenvolveu-se o IDH, índice que busca medir o desenvolvimento humano a partirde algumas variáveis:

“Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o indicador utiliza números de expectativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é mensurada pelo PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra, que elimina as diferenças de custo de vida entre os países)”. (PNUD Brasil)14.

O IDH varia de zero a um, de tal forma que, quanto mais próximo de zero, menor o desenvolvimento humano, e quanto mais próximo de um, maior o desenvolvimento do ponto de vista não apenas do avanço econômico, mas de outras características, tais como sociais, culturais e políticas, indicadoras da qualidade de vida. A Figura 2.4 indica a posição dos países com maior, menor e médio IDH.

Figura 2.4: Índices de Desenvolvimento Humano 2005

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/images/20050906-idh.gif14 Disponível em http://www.pnud.org.br/idh/ .

É a aldeia global, o grande cinema multidimensional em que cidadãos de primeira linha assistem ao mundo das primeiras poltronas confortáveis, enquanto os restantes se comprimem para tentar enxergar algo. É o ambiente econômico global em que se observam diferentes riquezas e semelhantes misérias, e que chega aos nossos olhos como uma fotografia precisa das diferenças e desigualdades sociais desse admirável mundo novo que, por enquanto, reside apenas nas nossas esperanças.

2.2. As multinacionais

Segundo Chesnais (1996), não existe um consenso a respeito dos atributos que caracterizam uma multinacional. Uma primeira tentativa de definição sugeria que empresas multinacionais eram aquelas com filiais industriais em pelo menos seis países. O número de filiais caiu para um depois de algum tempo, mas o órgão da ONU responsável pelo acompanhamento dessas empresas, a UNCTAD, acompanha as 100 mais transnacionais. Esses grupos possuíam, em 1990, um total de ativos de cerca de 3,2 trilhões de dólares. A Figura 2.5. revela as maiores multinacionais sediadas no Brasil, e a Figura 2.6 mostra as principais multinacionais por faturamento.

Figura 2.5: Multinacionais no Brasil

Fonte: http://www.terra.com.br/istoedinheiro/503/fotos/marcas_09_pop.jpg

Figura 2.6. Dez principais multinacionais brasileira por faturamento

Fonte: http://www.observatoriosocial.org.br/portal/images/stories/infograf/ied-br10.gif

A multinacional surge como uma empresa nacional de grande porte, como parte de um processo de acumulação de capital. Essa estratégia de acumulação tem base nacional, mas é pensada no plano global; assim, a ajuda que a empresa tiver do seu Estado origem é fundamental dentro dessa estratégia.

O atributo referente ao número de filiais é o que mais perdeu importância no que diz respeito à definição de o que é uma multinacional. Novas estratégias são, por exemplo, a das “filiais intermediárias”, com as quais as multinacionais investem em empresas de pequeno porte de outros países para que produzam peças a serem utilizadas na elaboração do produto final dentro da “montadora” situada no país central.

As multinacionais são grupos ou cadeias dominadas por uma matriz. Essa matriz encontra-se geralmente no país de origem e seu poder sobre o resto da cadeia se dá pelo controle que tem sobre os fluxos de capital – produtivo ou não – enviado para as outras partes.

Para Chesnais (1996), a “nova multinacional” é a multinacional que se relaciona com outras empresas – nacionais e internacionais –, buscando maximizar as possibilidades de lucro. Esse novo estilo de multinacional busca, através da relação e da aplicação de capital em outras empresas, aumentar seu próprio valor, pois isso pode alavancar a sua capacidade tecnológica. O valor da empresa deixa de estar vinculado somente à capacidade produtiva e passa a estar também vinculado à sua “relação com outras empresas”: essarelação com outras empresas é observada por investidores que aplicam nas ações da multinacional.

“A multiplicação das participações minoritárias de companhias coligadas, das participações em cascata e, sobretudo, de numerosos acordos de terceirização e de cooperação intra-empresas, que levaram ao surgimento das chamas ‘empresas rede’, não teve como único efeito tornar muito permeáveis e indistintas as fronteiras da companhia.Também acarretou a incorporação, ao lucro, de receitas que se resolvem em créditos sobre a atividade de outra companhia, sob a forma de punções sobre seus resultados brutos” (CHESNAIS, 1996, p. 78)

Segundo Chesnais (1996), a multinacional constrói entre a sua matriz e suas filiais o que chama de mercado interno. A multinacional que assimila uma pequena (ou média) empresa aumenta seu mercado interno, e a grande empresa é levada a assimilar seus parceiros comerciais menores, pois existe uma tendência - imposta pelas imperfeições do mercado - de aumento de custo nas transações.

“A participação no capital e na gestão de uma empresa e na repartição de seus resultados financeiros, sem ‘subscrição de capital’, que é a característica fundamental das ‘novas formas’, é mais uma expressão dessa capacidade que o capital concentrado possui, de crescer alimentando-se de um componente rentista. Ao longo dos anos 1975- 1990, os países industrializados também assistiram a uma notável ampliação do leque de formas de apropriação e centralização, pelagrande empresa, de valores produzidos, fora das ‘fronteiras de companhia’, por outras empresas menores, ou mais vulneráveis, a este ou aquele titulo” (CHESNAIS, 1996, p. 82).

É importante ressaltar, também, que as multinacionais operam em um mercado oligopolista, em que um pequeno número de empresas oferece bens e serviços ao mercado, normalmente controlando preços e, não raras vezes, estabelecendo estratégias de “colaboração” por meio ilícitos (conluios ou cartéis). Essa relação oligopolista pode ou não envolver investimentos em capital, mas está sempre envolvida com a promoção dosinteresses das empresas no mundo. Ainda, é necessário ressaltar que o comportamento oligopolista não é concebido como forma das companhias se defenderem das imperfeições deste mercado, mas, ao contrário, como forma de criar novas falhas, para se beneficiarem e se protegerem de quaisquer comportamentos predatórios “inúteis”. Essa estratégia causa danos aos fornecedores e aos consumidores e tem, como objetivo, reduzir o número de concorrentes globais, aumentando o mercado interno, os ganhos e a proteção às tecnologias dos processos produtivos.

2.3.O Investimento Estrangeiro Direto

O papel dos IED já foi muito subestimado do ponto de vista histórico. Nos anos 1880, o grau de industrialização chegou a ser aproximadamente igual ao dos anos 1960-70.O volume dos investimentos estrangeiros em 1914, por exemplo, principalmente focados nas matérias-primas básicas, era similar ao observado em 1966.Segundo Chesnais (1996, p. 55), conforme a definição adotada pelo FMI em 1977,

“o IED designa um investimento que visa a adquirir um interesse duradouro em uma empresa cuja exploração se dá em outro país que não o do investidor, sendo o objetivo deste último influir efetivamente na gestão da empresa em questão”, e essa é uma modalidade capitalista praticada desde o século XIX, quando empresas inglesas e francesas partiram em busca de novos mercados e oportunidades, especialmente no Novo Mundo.

Apesar da importância do IED, poucos foram os pensadores e economistas que se ocuparam com a questão. Dentre aqueles que teorizaram sobre o capital, Lênin foi um dos procurou fazer uma análise mais trabalhada, incorporando, além da concentração e centralização do capital (monopólios), o movimento do capital monetário (desigual e geralmente direcionado aos bancos) e a exportação do capital (em contraposição à de mercadorias), fator que considerava de maior relevância.

Michalet, por sua vez, definiu três modalidades principais da internacionalização do capital: a) intercâmbio comercial; b) investimento produtivo no exterior; c) fluxos de capital monetário (ou capital financeiro). Essas modalidades teriam origem nos três ciclos definidos por Marx: capital mercantil, capital produtivo – de valor e de mais-valia -, e capital monetário.Algumas características fazem do IED algo particular dentre os vários tipos de transações financeiras. Eles não têm uma liquidez imediata (não podem simplesmente ser cobrados à vista, não se reduzem a uma transação pontual), fazem parte de uma dimensão intertemporal dos acordos e implicam a transferência de direitos patrimoniais e de poder econômico.

Além disso, envolvem uma estratégia envolvida na natureza duradoura desses investimentos, feito que, ao penetrar um país que não o de origem, o capital tem conseqüências que podem alterar em muito o caráter de apropriação tanto do investidor quanto do país receptor.

Figura 2.7: Investimentos estrangeiros: principais definições

Os investimentos estrangeiros podem ser efetuados sob forma de investimentos diretos ou de investimentos “de carteira”. Embora essa distinção seja às vezes difícil, por razões contábeis, jurídicas ou estatísticas, considera-se um investimento estrangeiro como investimento direto quando o investidor detém 10% ou mais das ações ordinárias ou do direito de voto numa empresa. Esse critério, embora arbitrário, foi adotado porque estima-se que tal participação seja um investimento a longo prazo, permitindo a seu proprietário exercer influencia sobre as decisões de gestão da empresa.Já um investimento estrangeiro inferior a 10% será contabilizado como investimento de carteira. Considera-se que os investidores de carteira não exercem influencia sobre a gestão de uma firma da qual possuem ações. “carteira de investimentos” designa o conjunto dos depósitos bancários e das aplicações financeiras sob forma de títulos públicos ou privados. Os fluxos de investimento direto, qualquer que seja seu destino, representam a soma dos seguintes elementos:- Aportes líquidos de capital pelo investidor direto, sob forma de compra de ações ou quotas, aumento de capital ou criação de empresas;- Empréstimos líquidos, incluindo empréstimos a curto prazo e adiantamentos feitos pela matriz a sua filial;- Lucros não distribuídos (reinvestidos).

Uma firma A é considerada filial de uma firma B, se a firma B tiver o direito de indicar ou destituir a maioria dos membros do conselho de administração da firma A, ou se possuir mais da metade do direito de voto de seus acionistas.Uma firma A é uma firma filiada a uma firma B, se esta última possuir menos de 50% do direito de voto dos acionistas da primeira, mas participar ativamente da gestão da firma A. Esta será sempre considerada Omo filiada que ela exerça poder efetivo na gestão da firma A. (Nos Estados Unidos, uma firma A não pode ser considera como filiada a uma

firma B se esta não possuir pelo menos 10% do direito de voto da firma A, mesmo que exerça poder de decisão real sobre a firma A.)Uma firma constitui uma holding quando sua função consiste em deter investimentos ou créditos de outras firmas, no mesmo ou num terceiro país. Ela é considerada como sociedade financeira e, em certos países, pode empregar apenas um pequeno número de pessoas, o necessário para manter os livros em dia. Freqüentemente, a escolha geográfica da sede das holdings depende das vantagens fiscais oferecidas pelos países receptores.

Définition de référence détaillée des invesrissements directs internationaux,OCDE, 1992 in François Chesnais, A Mundialização do Capital, 1996, p. 56.

Os dados numéricos disponíveis a respeito dos IEDs não são precisos, já que a própria definição carece de rigor: assim, não passam de indicadores de nível e de tendência, uma vez que é difícil mensurar “interesse duradouro” ou mesmo “objetivo de influir na gestão da empresa”. O que se pode concluir é que, nas últimas décadas, houve um aumento significativo dos investimentos de carteira, explicados pelas suas rentabilidade imediata e grande volatilidade.Segundo Chesnais (1996, p. 64), “em meados da década de 70, diversos tipos de incentivos e de restrições impulsionaram as empresas a optar por aquisições/fusões, num momento de farta disponibilidade econtando com novos instrumentos criados no contexto da globalização financeira. Em muitos setores, especialmente os de alta intensidade de P&D ou de produção de massa, a evolução tecnológica reforçou o peso dos custos fixos (especialmente sob a forma de despesas elevadas de P&D), que essas empresas precisavam recuperar, produzindo para mercados mundiais; bem como as vantagens de poderem aprovisionar, à escala mundial, certos insumos essenciais, especialmente os de ordem científica etecnológica. “Em indústrias já oligopolistas no plano nacional, a única maneira de atingir eficazmente esses objetivos é penetrar em outros mercados, pelo investimento direto”.

Essa estratégia, evidentemente, acirrou a concorrência entre os oligopólios mundiais. Por outro lado, percebia-se a cada vez menor participação dos países em desenvolvimento na recepção de investimentos diretos mundiais, o que só se alterou quando da recessão dos países da OCDE na década de 1990. Nesse período, sete países do Sudeste Asiático e três da América Latina foram os maiores receptores desses investimentos. Desde então, percebe-se que as transições financeiras entre Europa, Estados Unidos e Japão só têm se intensificado, deixando de fora os países já excluídos da cooperação tecnológica e reforçando a interdependência entre essas três potências da economia, conforme podemos observar na Figura 2.8.

Figura 2.8. Os dez maiores países em desenvolvimentoreceptores de fluxos e estoques acumulados de IED - 1993Países receptores Fluxos Países Receptores Acum.Países em desenvolvimento 73.351 Países em desenvolvimento (A) 500.896Dez maiores países em Dez maiores países emdesenvolvimento receptores (B) 58.009 desenvolvimento receptores (B) 336.997Porcentagem B/A 79 Porcentagem B/A 67China 27.515 China 57.172Cingapura 6.829 Cingapura 50.802Argentina 6.305 Indonésia 44.146Malásia 5.206 México 41.912México 4.901 Brasil 40.371Indonésia 2.004 Malásia 26.936Tailândia 1.715 Arábia Saudita 22.463Hong Kong 1.667 Argentina 21.701Colômbia 950 Hong Kong 17.669Taiwan 917 Tailândia 13.824Pró-memóriaPorcentagem dos nove maiores Porcentagem dos nove maioresReceptores, excluindo a China 42 Receptores, excluindo a China 56Fonte: UNCTAD, Divisão de companhias Transnacionais e Investimento, com base no FMI, fita debalança de pagamentos, obtida em junho de 1995; dados da Secretaria da OCDE; fontes oficiaisnacionais, in François Chesnais, A Mundialização do Capital, 1996, p. 66.

2.4. Concentração de Capital e Estratégias Descentralizadas

Com o crescimento das fusões e incorporações, em especial na década de 1980, as multinacionais criaram um mercado cada vez mais restrito às grandes empresas. Devido a esse quadro, o grau de dependência entre empresas aumentou, criando o chamado oligopólio. Julga-se que uma situação de oligopólio surge quando as quatro maiores companhias de um setor controlam mais de 25% do mercado; porém, existem diferentesgraus de oligopólio.

“os oligopólios altamente concentrados são aqueles onde as oito primeiras empresas controlam mais de 90% do mercado e as quatro primeiras, de 65% a 75%; no caso dos oligopólios muito concentrados, as oito primeiras companhias detêm entra 85% e 90% e as quatro primeiras, entra 60% e 65%; por fim, os oligopólios moderadamenteconcentrados cão aqueles em que o controle é, respectivamente de 70% a 85% e de 50% a 65%” (CHESNAIS, 1996, p. 94)

Esse quadro representa uma disputa global dos mercados ao mesmo tempo que uma cooperação, feito que a relação entre esses agentes é muito estreita, devido ao número reduzido de agentes; a relação em si representa uma barreira à entrada de novos agentes no mercado.As multinacionais adquirem filiais, ou através de fusão ou através da compra de participação acionária, com os objetivos de: verticalizar/integrar a produção, segundo a percepção de vantagens comparativas; de conquistar parcelas significativas do mercado; e de racionalizar sua produção do ponto de vista mundial. A ação estratégica dessas multinacionais acaba gerando verdadeiros oligopólios internacionais e, segundo Chesnais (1996), já houve tentativas de construir mecanismos que permitissem a identificação dessa concentração oligopolista. No entanto, os interesses do capital internacional foram mais fortes, embora se saiba (e cada vez mais) que esse processo (de criação de oligopólios internacionais) necessita ser acompanhado de perto: é evidente que, caso uma ou mais empresas saiam do mercado, estariam surgindo então verdadeiros monopólios de alcance global.A regra de capitalismo globalizado é a concentração da oferta e não a sua exceção. Segundo Chesnais (1996, p. 100),“a economia industrial contemporânea oferece uma série de abordagens, mais complementares do que contrapostas, procurando compreender por que, na etapa hoje alcançada de funcionamento de um capitalismo muito internacionalizado, estruturas de oferta concentradas são antes a regra do que a exceção”.

Uma das abordagens procura estudar os motivos que impulsionam a formação destes grandes oligopólios está no fato de os investimentos, especialmente os relacionados à tecnologia, serem extremamente elevados, tornando mais difícil a entrada de concorrentes.Segundo Chesnais (1996), outra abordagem entende que a criação de “vantagens diferenciadas” é gerada pelo domínio de bons processos de produção, de criação de tecnologias novas e de aprendizado. Juntos, esses fatores criam vantagens suficientes para que somente poucas empresas tomem a frente do mercado por terem vantagens estruturais, podendo investir novamente na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos que aumentem ainda mais suas vantagens sobre os concorrentes.

Os economistas também procuram estudar o papel das economias de escala como vetor de formação de oligopólios internacionais: existe um custo inerente a todas as transações industriais e comerciais; as empresas que desenvolvem formas de internalizar essas transações reduzem custos. Segundo Chesnais (1996), as dificuldades gerenciais para se vender em um mundo globalizado são igualmente importantes, pois a superação dessas dificuldades envolve uma gama de informações, tornando indispensável um setor que produza informação a respeito do mercado, tecnologia e ambientes financeiros favoráveis a investimentos. Além disso, a informação permite uma redução de custos nas transações e internalizações, sendo as telecomunicações agentes que permitem à grande empresa acompanhar as relações que tem com outras empresas.Para Chesnais (1996), em oposição à internalização existe a “externalização”: se a internalização é a centralização das transações dentro do “mercado interno”, a externalização é sua fragmentação, com o mesmo objetivo de redução de custos. Sendo assim, o termo é usado para designar as novas formas de terceirização que as multinacionais vêm usando para reduzir seus custos de transação. Essa nova forma constitui uma relação assimétrica que afirma o poder da grande empresa.

“Elas [as multinacionais] simplesmente dispõem de uma nova gama de procedimentos e de meios de ação para organizar, reforçar e consolidar as ‘deficiências de mercado’, na perspectiva de estabelecer formas estáveis de dominação oligopolista, que foram afetadas pela crise, pela passagem do oligopólio doméstico para o oligopólio mundial e pelas profundas mudanças tecnológicas” (CHESNAIS, 1996, p. 105).

Dentre os grupos estrangeiros bem sucedidos nessa estratégia de formação de oligopólios internacionais, destacam-se os japoneses.

Figura 2.9: Maiores empresas do Japão

Fonte: http://revistahometheater.uol.com.br/hotsites/japaohightech/images/empresas_.jpg

São duas as principais estratégias que as empresas japonesas adotam:

a) O keiretsu, que envolve cooperação e fluxos constantes de informações entre os membros do grupo;b) O toyotismo, uma outra forma japonesa de gestão profissional, de pessoal e estoque, “uma forma de ‘deslocalização’ da produção de parte dos componentes, anteriormente fabricados na fábrica central do grupo, para empresas juridicamente independentes, [que] constitui uma ‘ruptura radical’ com os princípios da internalização” (CHESNAIS, 1996, p. 106).

Essa forma tem como objetivo manter a coerção sobre os terceirizados, afirmando o poder da grande empresa através de exigências.

Assim sendo, de forma geral, as empresas-rede formam-se em função:a) Dos elevados custos nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento;b) Da necessidade de romper com estruturas hierárquicas locais, organizando e gerenciando níveis de comando em função das vantagens da rede como um todo;c) Das possibilidades de negociar em melhores condições com fornecedores;

d) Das possibilidades de acessar e se apropriar de inovações tecnológicas desenvolvidas por pequenas empresas ou instituições de ensino;e) Das possibilidades de melhor gestão dos fluxos de produção, especialmente daqueles que envolvem custos e são fundamentais para a formação de preços.

Aula 3. Globalização: os movimentos e processos

3.1. Mundialização, Regulação e Depressão longa

Em outubro de 2008, o mundo foi atingido com a notícia de que uma nova crise econômica assolaria o planeta, com conseqüências tão trágicas quanto as da Quebra da Bolsa americana em 1929. Segundo Judensnaider (2009), Delfin Netto, em palestra proferida na Universidade Paulista naquela ocasião, “opinou que estaríamos vivendo mais uma das tantas crises da história do capitalismo.

‘O mundo não vai acabar’, nas suas palavras”. Do ponto de vista da economia de mercado, (...) [isto é] absolutamente correto. Analisemos a história econômica mundial: desde o século XVIII, o mundo vem caminhando lentamente no sentido de se organizar sob estruturas básicas que são conhecidas como sendo de economias de mercado. De forma simplificada, e considerando o período dos Setecentos até o século XXI, poderíamos identificar três grandes momentos de inflexão do Capital, a saber, a primeira grande depressão do final do século XIX, a grande depressão dos anos 30 e as crises do final da década de 70. Em cada uma delas, o sistema de mercado deu um jeito de resolver a situação: inicialmente, “avançou” em direção a novos mercados por meio de estratégias imperialistas, e que isso tenha acabado em guerra é assunto com o qual economistas do mainstream não costumam se preocupar. Na de 30, entre as duas grandes guerras mundiais, o Capital, reconhecendo a inabilidade das suas mãos invisíveis, atribuiu ao Estado o papel de tirar a economia de mercado do imenso buraco em que havia se metido. Depois, cansado da imobilidade à qual estava sujeito por força da mão visível do Estado, arquitetou o Grande Discurso da Globalização, sedimentando, ao longo do caminho, os caminhos para a liberdade do capital através de incursões militares em países estrangeiros e a institucionalização de organismos financeiros internacionais” (Judensnaider, 2009).

O capitalismo é um sistema que funciona por meio de falhas, e essa é uma de suas características mais estudadas ao longo de toda a história do pensamento econômico. Ele funciona de forma cíclica, e podem ser notados, se analisados seus movimentos, períodos de expansão seguidos de momentos de depressão. Na verdade, o sistema necessita falhar, por que é esta a oportunidade que cria um ambiente propício às inovações tecnológicas.

Figura 3.1: Ciclos econômicos e inovação tecnológica

Fonte: http://w3.ufsm.br/mundogeo/geopolitica/more/tecnologia_arquivos/image011.jpg

Esses movimentos cíclicos funcionam da seguinte forma:a) inicialmente, considerados certos níveis de investimentos e inovações tecnológicas, a economia tende a crescer;

b) o crescimento, no longo prazo, apresenta taxas decrescentes; quer dizer, a economia continua a crescer, porém, a taxas decrescentes;c) a queda nas taxas de lucros provoca depressões;d) para escapar das depressões, o capital sai em busca de outras inovações tecnológicas e, novamente, volta a crescer.A partir dos estudos do russo Kondratieff, podemos descrever os ciclos do capitalismo da seguinte forma:

a) 1o ciclo: expansão, de 1790 a 1815; depressão, de 1815 a 1842;b) 2o ciclo: expansão, de 1842 a 1870; depressão, de 1870 a 1895;c) 3o ciclo: expansão, de 1895 a 1920; depressão, de 1920 a 1945;d) 4o ciclo: expansão, de 1945 a 1970; depressão, de 1970 a 1985;e) 5o ciclo: expansão, de 1985 a 2005, na opinião de alguns economistas.

Segundo Chesnais (1996, p. 301),“a economia mundial passou por vários sobressaltos ou choques monetários e financeiros, cuja configuração foi complexa e variada e cuja freqüência parece ter-se acelerado. São os ‘acidentes financeiros disparatados e recorrentes’, nascidos da globalização financeira (...) [e que] não podem ser considerados como uma simples somatória defatos isolados. Exigem ser abordados como um todo, partindo da hipótese de que ‘formam um sistema’”.

Os dados mostram que a economia mundial, ao menos se levarmos em consideração um período de tempo a partir dos anos noventa, está vivendo um período de longa depressão: isso pode ser observado pelas estatísticas de queda no número de novos empregos criados, queda de salários, aumento dos déficits públicos, aumento da pobreza. A globalização e sua esfera financeira colabora para a manutenção do estágiodepressivo da economia: ela se alimenta dos setores produtivos, faz uso do capital financeiro para criar riquezas per si, cria “bolhas” especulativas, estoura e afeta empresas e setores da economia real. É o ciclo vicioso do capital, que se manifesta através dos ciclos alternados de expansão e retração.

Na Figura 3.2, podemos ver os encadeamentos da mundialização, de forma esquemática:

Figura 3.2: Encadeamentos da Mundialização

in François Chesnais, A Mundialização do Capital, p. 305

O atual cenário da economia mundial nos leva a alimentar algumas esperanças: é provável que, finalmente, os grupos dominantes percebam a necessidade de um maior controle da movimentação do capital especulativo e a importância de criar mecanismos de proteção social aos países em desenvolvimento e aos grupos sociais mais marginalizados. Se isso não for feito, caminharemos de crise em crise, concentrando cada vez mais riqueza e gerando mais desigualdade.

3.2. As possibilidades de desenvolvimento

Foi ao final da Segunda Guerra que se criou, com o apoio de 150 países, a Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de cumprir, enfim, a missão de prevenir o mundo das guerras que haviam destruído o mundo no começo do século XX. Com os efeitos da crise de 1929 ainda rondando o imaginário político mundial, criaram-se duas instituições: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). O FMI passou a ser responsável pela supervisão do bom andamento do sistema financeiro global, enquanto o Banco Mundial se responsabilizava por promover o desenvolvimento global através de empréstimos condicionados a ajustes econômicos internos (ajustes esses preconizados pelo Fundo). “Na época, boa parte do mundo em desenvolvimento ainda estava colonizada; essas instituições eram clubes dos países ricos, a sua governança refletia essa condição. Eles estabeleceram regras da ‘velha turma’ para aumentar o seu controle”.(STIGLITZ, 2007, p. 81).

Segundo Stigliz (2007), mudanças importantes aconteceram no panorama econômico mundial recentemente. O economista, que é Premio Nobel e ex-funcionário graduado do Banco Mundial, observou uma mudança nas discussões dentro do Fórum Econômico Mundial a partir de 2004. Até então, o fórum, uma reunião de empresários e governos do mundo, apenas discutia as vantagens da abertura dos mercados; em 2004,começaram os primeiros questionamentos. Afinal, suas instituições econômicas mais importantes, FMI e Banco Mundial, haviam falhado ao cumprir com seus compromissos de desenvolvimento e manutenção do sistema financeiro.

Logo, os problemas econômicos causados aos países em desenvolvimento fizeram se presente, com constantes reclamações: questionavam-se as políticas unilaterais dos países desenvolvidos, principalmente dos Estados Unidos, gerando debate a respeito de acordos comerciais mais justos.“Até mesmo nos países economicamente bem sucedidos, alguns trabalhadores e algumas comunidades foram afetados de forma negativa pela globalização. Enquanto a revolução nas comunicações globais aumenta a consciência dessas disparidades [...] esses desequilíbrios globais são moralmente inaceitáveis e politicamente insustentáveis” (STIGLITZ, 2007, p. 67).

Uma das grandes reclamações dizia respeito ao crédito bancário para pequenos negócios, já que os grandes bancos preferiam negociar com as grandes multinacionais, o que dificultava o crédito para as pequenas empresas e pequenos agricultores que, além de enfrentar a concorrência com produtos de outros países, sofriam com a dificuldade em encontrar recursos financeiros no mercado.A “globalização da pobreza” era mais um fator de descontentamento. Análises mostravam um aumento no desemprego global entre 1996 e 2002, inclusive em países desenvolvidos: os ricos ficavam cada vez mais ricos e os pobres tinham dificuldades em manter sua renda. Em 73 países estudados pela Comissão Mundial sobre as Dimensões Sociais da Globalização, concluiu-se que, além da alta do desemprego, 59% dos paísespresenciavam situações de desigualdades sociais crescentes, e apenas 5% viam uma queda na desigualdade social. .Segundo Stiglitz (}2007), pode-se concluir, vinte anos após o Consenso de Washington: as regras do jogo da globalização foram criadas para dar vantagens aos países industrializados, e mesmo as novas regras que vêm sendo criadas continuam a prejudicar “preferencialmente” os países mais pobres. A manutenção dos subsídios rurais dentro dos países desenvolvidos e a retirada dos subsídios para a indústria dentro dos países em desenvolvimento funcionam como freio para o desenvolvimento destes que, sem dispor do capital nacional necessário para a industrialização, são obrigados a abrir suas fronteiras para empresas estrangeiras. A conseqüência é que são mantidas leis trabalhistas já ultrapassadas e o salário mínimo estagnado, pois os governos sofrem com a constante pressão de perder milhares de postos de trabalho: a aplicação de uma lei trabalhista que entre em confronto com os interesses da empresa pode fazer com que a empresa abandone

o país. Ainda: o modelo econômico normalmente sugerido e muitas vezes imposto pelo capital internacional nem sempre é apropriado para as realidades locais. Segundo Stiglitz (2007), a globalização não deve significar apenas a disseminação do modelo angloamericano econômico e cultural, como vem acontecendo, sob o risco de provocar desequilíbrio e descontentamento.Segundo Stiglitz (2007), a fragilidade e vulnerabilidade das economias dos países em desenvolvimento sugerem que a dependência econômica em relação ao capital das instituições internacionais acabe por pautar a agenda desses governos, fazendo com que sejam obrigados a adequar suas políticas conforme os interesses de corporações transnacionais com interesses externos. Geram-se problemas políticos também quando oFMI e o Banco Mundial condicionam empréstimos a uma agenda de ajustes econômicos, como, por exemplo, privatizações de setores estratégicos da economia ou redução de subsídios agrícolas, entre outras medidas prejudiciais ao mercado interno dos países em desenvolvimento e à vida dos cidadãos. Problemas previdenciários são freqüentes, pois, nos países endividados, o dinheiro da previdência social acaba sendo usado para pagar ou minimizar os serviços da dívida. Aliás, normalmente, nos países em desenvolvimento, os programas sociais são os primeiros a serem sacrificados em prol da estabilidade econômica e cumprimento dos acordos internacionais junto aos bancos.Outro aspecto levantado pelos críticos à globalização é que o processo tem pouco se ocupado com fatores aparentemente não econômicos como, por exemplo, a preservação do meio ambiente. Este tem sido um tema recorrente na ultima década, e que vem ganhando status junto aos países preocupados com a questão da sustentabilidade. A relação entre globalização e saúde ambiental é quase um consenso, e entende-se que os reflexos a longo prazo são catastróficos: a modernização de países como China e Índia aumentou a demanda

por energia e o planeta não tem meios de suportar esse aumento. Segundo Judensnaider(2009),“Uma estatística interessante (divulgada pelo WWF-Brasil) mostra que uma camiseta de algodão requer 2900 litros de água para ser produzida. A permanecer as atuais taxas de consumo e crescimento populacional, o esgotamento dos recursos hídricos mundiais pode ocorrer por volta de 205315 . A calota de gelo polar no Ártico está desaparecendo em função do aquecimento global, e só não desaparecerá totalmente por que é provável que as reservas mundiais de petróleo e gás natural não sejam suficientes para produzir a quantidade necessária de dióxido de carbono que possa derretê-la por completo. Mesmo as fontes mais otimistas são categóricas ao afirmar: ainda que possamos identificar e explorar novos poços de petróleo, é quase certo que esse século será o último da Era do Petróleo”.

Segundo Stiglitz (2007), em 2002, na Conferência Internacional sobre

Financiamento ao Desenvolvimento, realizada no México, cinqüenta chefes de Estado se comprometeram a aumentar a sua ajuda ao subdesenvolvimento com 0,7% do produto interno bruto (PIB), porém, poucos cumpriram com as suas promessas. A redução da pobreza global está condicionada também ao perdão da dívida externa dos países pobres.No ano de 2005, durante a reunião do G-8, tomou-se a decisão de perdoar a dívida dos 18 países mais pobres do mundo (14 deles na África) com o FMI e o Banco Mundial. Tal medida, embora pareça ser a solução, não adianta para resolver o problema: se problemas estruturais não forem resolvidos, estes países se verão novamente obrigados a pedir dinheiro emprestado16.

As soluções para o problema das dívidas externas e da “globalização da pobreza” são inúmeras. Sugere-se que a ajuda financeira aos países em dificuldades venha sob a forma de doações, ao invés de empréstimos de recursos, posteriormente cobrados. Afinal, a concessão de empréstimos não traz necessariamente desenvolvimento, mas sim instabilidade, já que a entrada de capital especulativo, embora útil no curto prazo,compromete no longo prazo e torna vulneráveis as economias17.

15 Recomenda-se a leitura de Recursos Hídricos, agricultura irrigada e meio ambiente, de Vital Pedro da SilvaPaz, Reges Eduardo Franco Teodoro e Fernando Campos Mendonça, disponível emhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-43662000000300025&lng=pt&nrm=iso .16 É importante lembrar que problemas com dividas externas não são problemas dos países emdesenvolvimento ou subdesenvolvidos. A Rússia também sofre para cumprir as suas obrigações com o FMI eBanco Mundial.

Finalmente, Stiglitz (2007) sugere acordos mais justos em relação aos juros cobrados por financiamentos externos. A grande dificuldade na busca de acordos mais justos reside no fato de as economias dominantes

ganharem muito com a atual situação; afinal, o sistema de regras de mercado não é democrático. No FMI, somente os Estados Unidos tem poder de veto, sendo o presidente do Banco Mundial nomeado com o apoio do presidente americano. Os países subdesenvolvidos, em desenvolvimento, e mesmo a China, que se tornou uma grande potência, são subrepresentados nas disputas comerciais, não tendo, portanto, poder político para proteger suas economias. A solução dos problemas gerenciais da globalização passa por uma democratizaçãoda globalização.

3.3. Os movimentos relativos ao comércio exterior e a busca por relações comerciais justas

Segundo Stiglitz (2007), entre muitos motivos, a crise de 1929 foi disseminada (quer dizer, foi além dos efeitos imediatos da Quebra da Bolsa americana) pelo fechamento das barreiras comercias de países que viram suas economias entrarem em depressão. Esse processo prejudicou as exportações de outros países que, com o objetivo de evitar o aumento dos déficits públicos, também dificultavam a entrada de produtos estrangeiros em seus territórios, causando o que os economistas chamam de “circulo vicioso”. Após 1945,com o fim da Segunda Grande Guerra, os Estados do mundo, buscando dar maior estabilidade ao sistema financeiro, criaram a Organização Internacional do Comércio.

17 É bom lembrar que o capital especulativo é retirado imediatamente do país que apresentar o menor sinal deInstabilidade

“Em 1950, os Estados Unidos rejeitaram a proposta de uma OIC devido ao temor da parte de alguns conservadores e de algumas empresas de que ela levaria a uma violação da soberania nacional e uma regulamentação excessiva. A Organização Mundial do Comércio (OMC) ganhou existência somente 45 anos mais tarde” (STIGLITZ,2007, p. 156).

O GATT (Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio), por sua vez, foi um acordo feito entre os países de alta industrialização sobre produtos manufaturados, onde cada país trataria os produtos dos outros “sobre o princípio da não discriminação”. Durante a rodada do Uruguai (1986), finalizada na rodada de Marrakesh (1994), “a OMC foi criada para propiciar uma expansão mais rápida dos acordos comerciais do que havia ocorrido sobre o GATT, alcançou novas áreas como serviços e direitos de propriedade intelectual” (STIGLITZ, 2007, p. 157).

Embora com aplicação reduzida, a OMC proporcionava alguns mecanismos de retaliação aos países que ferissem as regras de comércio, embora os resultados mostrassem que países ricos e poderosos, normalmente, ganhavam as barganhas. Durante a rodada de Seattle, em 1999, intensos protestos acabaram por se transformar em grandes marcos históricos do início das lutas “anti-globalização do capital”.Dez anos após a rodada do Uruguai, os países industrializados ainda não tinham cumprido suas promessas de redução do subsídio agrícola e diminuição de tarifas a produtos têxteis. Em contrapartida, os países em desenvolvimento já tinham aberto seus mercados e concordado com as novas regras da propriedade intelectual, embora sofressem para concorrer com seus produtos no mercado global; afinal, os subsídios dentro dos países desenvolvidos continuavam.

Essa conjuntura, apesar de desfavorável para alguns países em desenvolvimento, foi muito boa para nações como China e Índia que, sabendo aproveitar a oportunidade, tiveram as portas dos mercados europeus e americanos abertas para os seus produtos manufaturados. A vantagem comparativa dos donos do jogo dizia respeito a produtos manufaturados, mas a indústria chinesa, por exemplo, deu um salto tremendo e tornou-semuito competitiva quarenta anos depois, encontrando mercados abertos para os seus produtos.

Segundo Stiglitz (2007), uma nova rodada da OMC começou em Doha18, no ano de 2001, sob o retórico nome de “rodada do desenvolvimento”. Embora realizada para tratar de questões mundiais relativas ao desenvolvimento, o cenário foi outro: os países pobres, ao invés de serem ouvidos e atendidos nas suas reivindicações, se confrontaram com tentativas da UE e dos EUA de abrir os mercados para serviços dependentes de mão de obra muito qualificada como, por exemplo, no setor de serviços. Durante a reunião em Cancun (2003), também não houve acordo que beneficiasse os países em desenvolvimento, mas apenas muitas manifestações, além de uma tragédia: o presidente da Via Campesina da Coréia do Sul, o Sr Lee, se matou em protesto durante as manifestações. Segundo Stiglitz (2007, p. 163),

“apesar de continuarem a se recusar a fazer concessões em agricultura ou em qualquer outra questão importante de interesses dos países em desenvolvimento – deixando de cumprir suas promessas –, os países desenvolvidos insistiram em impor seu temário próprio de dedução das tarifas e abertura do acesso aos bens e serviços que a União Européia eos Estados Unidos queriam exportar. [...] Havia um risco real de que essa nova rodada, em vez de desfazer os desequilíbrios do passado, os piorasse. [...] em toda a sua história, as negociações sobre comércio jamais haviam acabado em tanto desarranjo”.

A globalização vem gerando muitos custos aos países em desenvolvimento, já que seus benefícios parecem não compensar problemas como a perda da soberania nacional, aumento do desemprego e perda do poder aquisitivo, entre outros. Segundo Stiglitz (2007, p. 139), “várias barreiras sutis, mas eficazes, foram mantidas. Essa globalização assimétrica pôs os países em desenvolvimento em desvantagem e os deixou em situação pior do que estariam num regime de comércio realmente livre e justo”.

18 Imaginou-se que, sendo Doha a cidade escolhida, seria mais fácil criar obstáculos para a ação dos manifestantes que protestavam contra decisões que, se sabia, seriam tomadas.

Mesmo assim, acordos comerciais mais justos não resolvem todos os efeitos negativos causados pela globalização: problemas infra-estruturais como o transporte e a adequação aos padrões dos mercados externos são grandes impedimentos ao desenvolvimento dos países pobres.

A abertura unilateral dos países desenvolvidos também não soluciona os problemas causados pela instabilidade advinda da globalização, já que os trabalhadores dos países em desenvolvimento não têm as mesmas facilidades que os dos países desenvolvidos como, por exemplo, indenizações que facilitem a passagem de um emprego para o outro, ou oportunidades profissionais abertas por um sistema educacional eficiente. O modelo globalizador implica na existência de perdedores e entende que o livre comércio, embora traga riquezas para o país como um todo, acaba por parar na mão de poucos, criando economias ricas habitadas por povos pobres. Vejamos o exemplo do NAFTA (representado na Figura 3.3), Acordo de LivreComércio da América do Norte, criado em 1992 entre Estados Unidos, Canadá e México, na época a maior área de livre comércio do mundo, com um PIB total de 9 trilhões de dólares.Figura 3.3: NAFTA

Fonte: http://www.facom.ufba.br/com112_2000_1/geo_on_line/nafta.htm

Segundo Stiglitz (2007), a equipe econômica americana considerou que o acordo não traria grandes efeitos para a economia americana: seu efeito mais positivo seria o nivelamento econômico trazido pelo livre comércio, diminuindo a imigração ilegal do México para os EUA. O NAFTA criou um maior grau de dependência entre as economias mexicana e americana e, nos primeiros 10 anos de acordo, acarretou uma significativa baixa no crescimento da renda per capita do México, e as promessas de crescimento de 7%ao ano foram confrontadas com um crescimento efetivo de 1,6% ao ano. O descumprimento da promessa de crescimento e a manutenção de subsídios agrícolas dentro dos EUA fizeram com que os produtores mexicanos perdessem com a competição dentro do mercado mexicano. “Um acordo mais justo teria eliminado os subsídios à agricultura americana e suas restrições de produtos agrícolas, como açúcar para os Estados Unidos” (STIGLITZ, 2007, pág. 141).

Ainda, barreiras não tarifárias são usadas pelos EUA para blindar seu mercado interno. Um exemplo: quando os tomates mexicanos chegaram ao mercado americano, passaram a competir com os de seus produtores. O congresso americano, pressionado, tentou acusar o governo mexicano de dumping. Houve distorção na avaliação dos preços e o governo mexicano, para evitar um processo, subiu o preço do tomate. A dependência mexicana gera distorções em certos setores de sua economia: a produção de pequenas peças acarretou, em certas regiões do México, o aumento do emprego; posteriormente, esse aumento, impulsionado pela alta da produção, foi freado e depois reduzido pela diminuição da produção de bens em que essas peças eram usadas e pela entrada da China no mercado, competindo com as mesmas peças. Segundo Stiglitz (2007), o NAFTA preocupa-se mais com as taxas tributárias do que com questões infraestruturais, e a redução de tarifas não resolve todos os problemas: a necessidade de investimentos infra-estruturais é mais que necessária para o crescimento econômico. Como o NAFTA não prevê investimentos nessa área, o México começou a sentir o peso da concorrência chinesa, que investe duas vezes mais em pesquisa e infra estrutura.

Como então operacionalizar a proposta de livre comércio? O conceito foi formulado, ao menos teoricamente, pelo pai de economia moderna, o inglês Adam Smith. Ele imaginou que, em um mundo sem livre comércio, o trânsito de pessoas de países com menor aquisição de capital (na forma de “maquinário e tecnologia”) – e, portanto, com baixos salários - para países que detém capital necessário para investir em altas tecnologias– por sua vez com altos salários – seria muito grande. Fazendo analogia com o ideário smithiniano e o modelo globalizador, poderíamos concluir: a globalização permite que as pessoas fiquem em seus países e tenham acessos aos bens produzidos em outros países. Um país onde a mão de obra é barata pode oferecer seus produtos de baixa tecnologia para os países de alta industrialização. Os países com mão de obra barata e baixa tecnologia, por sua vez, podem consumir os bens de alta tecnologia (inclusive bens de produção), o que causará um aumento da demanda por mão de obra, gerando assim aumento nos salários. No entanto, a correspondência entre os dois modelos (liberal e neoliberal) não se dá de forma completa: “o lado negativo desse cenário cor-de-rosa é a possibilidade de que se percam empregos na medida em que eles se transferem de um país para outro – por exemplo os americanos compram bens baratos feitos na China em vez de em seu próprio país” (STIGLITZ, 2007, pág. 145).

Esse quadro é mais alarmante em países em desenvolvimento que, devido à falta de infra-estrutura, não dispõem dos meios necessários para criar novos postos de trabalho para os trabalhadores que ficam desempregados. Isso causa um problema político mesmo para os governos a favor da globalização: fomentar suas exportações significa conviver com as restrições às suas importações, tornando mais difícil a manutenção dos postos de trabalho. A história provou que o mundo proposto por Adam Smith, com a sua teoria da liberalização dos mercados, está longe de ser aplicada de forma tranqüila. Trabalhadores dos paísesdesenvolvidos sofrem com a perda de direitos conquistados após anos de lutas trabalhistas; as empresas sugerem que a redução de salários e de outros direitos manterá a empresa no país e que no longo prazo as coisas vão se resolver. A verdade é que, após 20 anos de globalização, os trabalhadores têm motivos para descontentamento com a perda de seus direitos.

Segundo Stiglitz (2007), o setor que mais sofre com a instabilidade causada pela globalização é o do emprego, já que qualquer aumento da produção no exterior pode gerar déficit no emprego local. Observa-se que a concorrência com produtos estrangeiros (barateados pelo baixo preço da mão de obra ou

desvalorização da moeda) também provoca crises na indústria interna: empresas fecham e prejudicam seus fornecedores, observando-se um aumento da insegurança no sistema produtivo como um todo.“Quando a moeda da Coréia foi desvalorizada, as exportações coreanas de aço para os Estados Unidos aumentaram e os metalúrgicos americanos protestaram. Quando o Brasil tem uma boa safra de laranjas, os plantadores de laranja da Flórida pedem ajuda e, às vezes, a obtém por meio dos mecanismos protecionistas não-tarifários” (STIGLITZ, 2007, p.148)

Para competir com a invasão de produtos estrangeiros, os governos são obrigados a reduzir outros impostos, além dos impostos alfandegários já reduzidos pelo processo de globalização, e essa redução busca aumentar a competitividade dos produtos internos, assim como diminuir os recursos para investimentos em infraestrutura. Ao final do processo, as deficiências geradas pela falta de investimentos minam as possibilidades de exportação de pequenos produtores, que vêem seus custos aumentados pela falta de infraestrutura em setores como o transporte. Para Stiglitz (2007, p. 150),

“a questão é: qual é a melhor maneira de aprender¿ Alguns sustentam que a melhor maneira – e provavelmente a única- de aprender a produzir aço é produzir aço, como fez a Coréia do Sul quando investiu na siderurgia. Na época, sua vantagem comparativa era plantar arroz. Mas, mesmo que os agricultores coreanos se tornassem os produtoresde arroz mais eficientes do mundo, suas rendas ainda seriam limitadas. O governo coreano deu-se conta de que, se quisesse desenvolver o país, teria de transformar sua economia de agrícola para industrial”.

Segundo Stiglitz (2007), o conceito de indústria nascente é um argumento dado por países que buscam blindar seu pátio industrial dos ataques dos produtos estrangeiros. Um país que busca aumentar a sua indústria têxtil impõe taxas mais altas à importação destes produtos. Isso é rebatido pelos defensores do livre mercado: empresas poderão dar lucro e se tornar competitivas a longo prazo, necessitando apenas de empréstimos para enfrentar os tempos difíceis. A realidade prova que as empresas têm dificuldades em encontrar crédito para esses empréstimos, e os próprios opositores ao argumento da economia nascente –leia-se Estados Unidos e Japão – já fizeram uso do crédito estatal e do mesmo argumento antes (vale lembrar que o argumento era muito comum na Europa do séc. XIX e no Japão durante os anos 1960). Para Stiglitz (2007), alguns governos efetivamente acabaram com essas políticas e retiram a blindagem de suas indústrias, porém, a boa vontade para acabar com as ditas táticas protecionistas depende do grau de barganha dentro de organizações como FMI e a OMC. Mais forte que o argumento da indústria nascente é o argumento daeconomia nascente. Trata-se de um argumento dado por países de matriz agrícola que, buscando passar à matriz industrial, restringem através de barreiras tarifárias a entrada de bens manufaturados, criando melhores condições para o desenvolvimento da indústria interna. “Ademais, um setor industrial grande e crescente (e as tarifas sobre os bens manufaturados) propicia receitas com as quais o governo pode financiar a educação, infra estrutura e outros ingredientes necessários para o crescimento de base ampla” (STIGLITZ,2007, p. 152).

O crescimento de “base ampla” proporciona aos países aumento das exportações, o que se provou correto no caso do leste asiático. O livre comércio parece injusto por que há vantagens dos países desenvolvidos sobre os países desenvolvidos. Por terem matrizes agrícolas, os países em desenvolvimento sofrem com os subsídios que são permitidos nos setores produtivos dos países desenvolvidos, e participam da disputa comercial em desvantagem.

Stiglitz (2007) lembra que há que se considerar também o aspecto das “vantagens comparativas”, ou seja, cada país desenvolve as suas potencialidades de acordo com suas possibilidades, e o confronto entre possibilidades de um país e impossibilidades de outro faz com que o mercado se mantenha equilibrado. A aplicação do conceito mostrou-se mais complexa do que o formulado teoricamente, pois a regulação do mercado implica em que nenhuma empresa do mundo poderia, competindo em pé de igualdade, ganhar das empresas americanas que dispõem dos maiores recursos. A partir deste princípio, qualquer empresa que ganhasse dos EUA estaria praticando dumping, o que na verdade não acontece. Outra questão que diz respeito à justiça e equidade nas relações comerciais está relacionada à propriedade intelectual.

“Sempre haverá a necessidade de contrabalançar o desejo dos inventores de proteger suas descobertas – e os incentivos que essa proteção proporciona – e as necessidades do público que se beneficia do acesso mais amplo do conhecimento, com uma resultante aceleração do ritmo de descoberta e os preços mais baixos que vêm da competição” (Stiglitz, 2007, p. 196).

Este é um aspecto fundamental quando relacionado aos medicamentos de doenças que assolam todos os continentes do mundo, mas que atinge, de forma especial, os países em desenvolvimento, como pode ser visto na Figura 3.4.

Figura 3.4: Mapa da AidsFonte:

Segundo Judensnaider (2009), dados da FAO revelam que “mais de um bilhão de pessoas no mundo vivem com menos de um dólar por dia. Outros 2.7 bilhões lutam para sobreviver com menos de dois dólares por dia. A pobreza nos países em desenvolvimento, no entanto, vai muito além da pobreza de renda. (...) Todos os anos, morrem onze milhões de crianças, a maioria das quais com menos de cinco anos; e mais de seis milhões morrem devido a causas totalmente evitáveis como a malária, a diarréia e a pneumonia”19 . Pior: a cada trinta segundos, morre uma criança na África vítima de alguma dessas doenças”.

19 Conforme apresentado em http://www.pnud.org.br/milenio/numeroscrise.php .

O grande dilema dos países em desenvolvimento continua sendo: devem eles crescer no mercado internacional ou investir seus ganhos no subsídio do seu setor agrícola ou em infra-estrutura, especialmente na saúde de suas populações? Essa é uma questão que o modelo globalizador ainda não respondeu.

3.4. A tecnologia

A tecnologia vem ocupando um papel cada vez maior dentro das empresas: o setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D) é fundamental na concorrência ou cooperação entre agentes. Os investimentos em P&D só são superados pelos investimentos em defesa e energia. Talvez por conta dessa posição estratégica, é possível perceber que os maiores investimentos em P&D estão concentrados nas maiores empresas e em seus países de origem.“Em 1988, os países da OCDE [organização para o comércio e desenvolvimento econômico] gastaram um total de cerca de 285 bilhões de dólares, (255 bilhões em 1985) em P&D, Desse total, os EUA respondem por quase metade (138 bilhões de dólares, ou seja, 48,4%), os países da CEE por pouco mais de um quarto (27,7%), e o Japão por 17,9% (51 bilhões de dólares) e o conjunto dos demais países, por apenas 6%” (CHESNAIS, 1996, p.141).

Para Chesnais (1996), desde os anos 70 é possível observar que a relação entre o que se chama de “ciência pura” e a produção de tecnologia industrial é cada vez mais estreita. A indústria tem financiado pesquisas científicas direcionadas para seus ramos de interesse, porém, o alto custo da P&D faz com que as empresas-

rede busquem cooperar, e as multinacionais busquem alianças estratégicas, evitando maiores riscos e perda de investimentos. Esse aspecto cooperativo é fator crucial na concorrência, pois as empresas que têm um leque maior de relações dispõem de grandes vantagens na elaboração de novos produtos que exigem uma fusão de diferentes tecnologias.

Alguns empreendimentos tecnológicos de alto custo só podem ser feitos coletivamente, sendo assim, oligopólios locais fazem acordos e alianças visando assegurasse frente à concorrência global. Esses acordos prevêem troca de infra-estrutura em P&D com apoio de seus países de origem. Os acordos mais significativos vêm ocorrendo nas indústrias militares e espaciais. Nas empresas em que o setor tecnológico ocupa lugar de primazia, o laboratório costuma ser instalado em seu país de origem. Porém, alguns paísesmenores (por exemplo, a Suíça), em função da necessidade de escoar com mais rapidez sua produção, costumam fazer da localização da P&D no exterior parte da estratégia empresarial (CHESNAIS, 1996).

Para Chesnais (1996), são três os principais tipos de laboratórios: o primeiro, o “laboratório de apoio”, é aquele laboratório de pequena escala, usado para adequar os produtos às demandas locais. O segundo tipo, o “laboratório especializado”, é mais raro, geralmente com maior presença na indústria farmacêutica, onde a empresa abre laboratórios em vários países e coordena suas pesquisas globalmente. E, finalmente, há o terceiro tipo, que é o “laboratório relativamente autônomo”, que recebe a permissão para criar uma linha de produtos específicos para cada localidade, muitas vezes ligada a setores estratégicos da economia local, acompanhando seu crescimento tecnológico. Outras empresas costumam descentralizar a área de P&D, como é o caso das telecomunicações. Pesquisas da década de 1970 mostram que os empresários americanos e europeus relutavam em abrir laboratórios fora do país origem, porém, com o avanço das telecomunicações, esse problema foi resolvido e as empresas passaram a abrir laboratóriosno exterior. As relações “usuários-produtores” também são observadas na hora de decidir abrir um laboratório fora do país de origem, pois, como a área de marketing, o setor de P&D deve ser integrado à realidade local. A tendência é que os setores mais estratégicos fiquem no país de origem e os laboratórios locais fiquem responsáveis por criar linhas de produtos condizentes com as realidades nacionais e baseados nas novas tecnologias criadas no centro (CHESNAIS, 1996).

O caso japonês difere do resto, pois a criação de laboratórios fora do país teve início em 1985, mas representa apenas 1% da P&D das empresas, o que é um número muito baixo em comparação com aos da Suíça ou Finlândia. Seus laboratórios estão, em sua esmagadora maioria, dentro dos Estados Unidos, e visam apenas adequar as tecnologias produzidas no centro para as demandas do mercado americano.Segundo Chesnais (1996), na Europa se encontram os maiores níveis de “deslocalização” da P&D, pois a internacionalização das empresas européias se deu mais cedo. Esse alto grau de “deslocalização” se dá também pelos inúmeros acordos entre as grandes empresas européias que cooperam internacionalmente, embora seja sabido que a maior parte dos depósitos de patentes, mesmo dos países europeus, se dá nos EUA.

3.5. A integração por meio do comércio exterior

Modelo excludente, mas que integra nações por meio do comércio exterior, especialmente por meio da ação das multinacionais: assim é a globalização. As multinacionais buscam fazer investimentos em países com possibilidades de mercado, ou seja, lugares em que existam facilidades em encontrar mão de obra qualificada e mercado consumidor. Por esse motivo, vários países pobres ficam de fora do fluxo de mercadorias e investimentos por não dispor das facilidades buscadas pelas empresas.

O comércio global não teve início em uma disputa justa entre agentes comuns: ele é e sempre foi hierarquizado, e carrega até os dias de hoje as marcas de sua origem e de como foi construído. A relação que foi criada com os países colonizados, que hoje formam o terceiro mundo, coloca esses países em uma posição de inferioridade dentro do mercado global. Os países europeus já caminham para o capitalismo desde o século XVI, mas os fluxos de capital e recursos sequer chegaram à África negra onde, por exemplo, não existe mão de obra qualificada, tampouco indústria básica para oferecer insumos necessários para empresas maiores. Segundo Chesnais (1996), esse exemplo não se aplica apenas à África, mas a todos os países do chamado Terceiro Mundo, provavelmente em função do processo colonizador de cada região. Esses processos históricos refletem, hoje, uma tendência dos países do centro de se concentrarem em blocos continentais.

Essa construção histórica levou o sistema de intercâmbio mundial a se constituir da seguinte forma: blocos regionais hegemônicos são formados ao redor dos EUA, UE, e Japão, caracterizando o chamado processo de regionalização, levando conseqüentemente à marginalização dos países fora desse processo. Os países que são incluídos ou excluídos desses processos são escolhidos pela lógica do investimento, da incorporação, daspossibilidades de mercado e do lucro. E os países em desenvolvimento, quando inclusos nesses processos, tem que concorrer com empresas dos países desenvolvidos, que dispõem de um leque de recursos diferenciados, pois a liberalização fez cair por terra os conceitos de “estrangeiro” e “nacional” quando o assunto é competição no mercado. Logo, as vantagens diferenciam os perdedores dos vencedores. A taxa de crescimento do comércio exterior superior ao PIB é um fenômeno do capitalismo contemporâneo, pois, durante o século XIX e início do século XX, a criação do comércio interno acarretada pelo início da indústria e pela produção agrícola garantiam a acumulação de capital, sendo a única exceção a Inglaterra, que no meio do século XVIII já se via obrigada a exportar, invadindo o mundo com suas manufaturas. A invasão de produtos ingleses gerou um movimento de proteção das indústrias na Alemanha e Estados Unidos.

Para Chesnais (1996), toda a expansão comercial visava garantir matérias-primas baratas para as indústrias dos países em desenvolvimento industrial no fim do século XIX. Foi durante a crise de 1929, com a queda das demandas internas, que as empresas e governos perceberam na exportação a solução para se esvaziar os estoques, analogamente os países aumentam suas barreiras aduaneiras. O comércio cresceu ainda mais no pósguerra, quando o protecionismo dos anos 1930 foi posto em cheque e a ideologia do livre comércio ganhou corpo.

A marginalização dos países em desenvolvimento se dá também porque a maior parte dos fluxos de mercado dos países desenvolvidos acontece dentro desse próprio bloco. Percebe-se que a industrialização asiática acentuou ainda mais o processo de exclusão e subordinação dos países mais pobres, pois “entre 1966 e 1987, a participação dos novos países industrializados nas exportações mundiais passou de 1.1% para 5,5%, enquanto todos os outros países do ‘Sul’ juntos (incluindo países exportadores de petróleo) viram sua participação diminuir de 22.9% para 15,4%”. (Chesnais, 1996, p. 219). Além disso, as inovações tecnológicas contribuem para o processo de marginalização e exclusão quando criam possibilidades de substituição das matérias primas produzidas nos países em desenvolvimento, quebrando mais um fluxo de saída de mercadoria e impedindo a entrada de capital no país. As multinacionais são os grandes agentes no sistema de intercâmbio, agindo através de um sistema de “intragrupo” e obtendo uma maior lucratividade através do processo de internalização. O tamanho desse tipo de operação é tão grande que “em 1991, 38% das exportações e 40% das importações japonesas foram intercâmbios ‘intragrupos’” (Chesnais, 1996, p. 227).

Outra estratégia das multinacionais para reduzir os custos dos intercâmbios necessários para a produção de produtos é a terceirização ou internalização dentro do país anfitrião, gerando matéria prima ou produto intermediário para a sua filial. Já nos países em desenvolvimento, os fluxos de intercâmbio são, em sua maioria, entre a filial e a matriz e vice-versa, o que novamente não gera divisas para o país anfitrião.Além da influência das multinacionais, existe a influência do exemplo de integração entre países do então mercado comum europeu. Na Ásia, foi o Japão o grande catalisador político, buscando uma integração e cooperação entre países, provavelmente por observar que os pólos regionais têm mais vigor e menos riscos, no que diz respeito a trocas e investimentos, do que os pólos principais.

Aula 4. Globalização: seus impactos e tendências

4.1. A Globalização e os recursos naturais

Um país rico em recursos naturais pode se considerar abençoado ou amaldiçoado? Segundo Stiglitz (2007), no Azerbaijão, por exemplo, ao serem descobertas novas fontes do recurso, houve expressiva valorização territorial; no entanto, os empresários, assim que se esgotaram os poços, deixaram o país semi-abandonado, enquanto boa parte da população continuava pobre. A partir do século XXI, no mesmo lugar, houve outro boom, dessa vez devido à construção de novos oleodutos. Em ambas as situações, ficou clara a estratégia dosinvestidores: aproveitar e sugar os recursos naturais ao máximo, e depois partir. Na Nigéria, a população foi obrigada a defrontar-se com o mesmo tipo de problema. Lá também houve um boom do petróleo, mas, à época, em pleno regime militar, não houve crescimento econômico apesar do grande volume de exportações:

aumentaram apenas as taxas de pobreza e criminalidade. Em Serra Leoa, um conflito interno entre autoridades e rebeldes pela posse de diamantes deixou 75 mil mortos e 2 milhões de deslocados.O caso do Chile também é exemplar. Segundo Judensnaider (2007),

“A economia chilena, ao final do século XIX e início do XX, era de natureza monoextrativista e latifundiária, exportando salitre e importando manufaturados; caracterizava-se, portanto, por uma alta vulnerabilidade às oscilações de preço do nitrato no mercado internacional. (...) O oro blanco vindo das minas passou a ser a principal atividade econômica do Chile, após o abandono paulatino da monocultura agrícola. (...) Assim, em 1890, 52% das rendas obtidas em exportação vinham do comércio do salitre, e quase 60% da exploração salitreira estavam nas mãos de estrangeiros, especialmente ingleses. O salitre continuou como sustentáculo da economia chilena até 1929: no mínimo, representaria 45% das rendas com exportação até 1923. De 1924 a 1929 perderia participação na pauta de exportações do Chile,decrescendo continuamente, e alcançando não mais que 23% em 1929.

A partir desta data, a economia chilena daria impulso (...) [ao processo] de substituição do salitre pelo cobre, especialmente em função da queda internacional dos preços do nitrato ocasionada pela concorrência da produção, na Alemanha, do amoníaco sintético, similar ao salitre (substituição essa levada a cabo com eficiência já que, durante operíodo da II Guerra Mundial, o cobre chileno responderia por 18% de todo o metal consumido no conflito).(...) Atualmente, o cobre representa 30% do total de exportações chilenas, e o Chile é responsável por 40% das exportações mundiais do metal”.

Do salitre ao cobre, da exploração inglesa à exploração americana. Ainda hoje, apesar do crescimento e de ser modelo de aplicação do neoliberalismo, o Chile tem sua economia em grande parte atrelada à exportação de seus recursos naturais e, portanto, significativamente vulnerável às oscilações internacionais de preço.Dos recursos naturais, um dos mais valiosos é o petróleo, essencial para o crescimento capitalista até que se encontre outra fonte alternativa de energia.

A Figura 4.1 mostra as maiores reservas mundiais de petróleo.Figura 4.1: Maiores Reservas de Petróleo, em bilhões de barris

Fonte: http://f.i.uol.com.br/folha/dinheiro/images/0810575.gif

Estarão estes países destinados à riqueza? A história mostra que nem sempre a mera propriedade de vastas reservas de algum recurso natural tido como essencial é garantia de crescimento ou desenvolvimento. Segundo Stiglitz (2007), os países em desenvolvimento, ricos em recursos naturais, raramente conseguem se ver livres da dependência que acabam mantendo com a atividade de exploração, além de enfrentarem

dificuldades com as flutuações de preço no mercado internacional. Há também disputas entre países fronteiriços, especialmente quando uma nação tem reserva de algum recurso valioso e outra não; mais conflito ainda quando as fronteiras foram demarcadas pelas antigas potências coloniais, como se observa no caso do Iraque. Essas disputas muitas vezes acabam por motivar movimentos de independência ou conflitos armados para garantir a posse do recurso.

A posse de recursos naturais valiosos também gera violência, seja ela na forma de instabilidade política ou sob a forma de corrupção, uma vez que muitos governantes acabam por administrá-los como se privados fossem (e o Oriente Médio é pródigo em exemplos deste tipo). “A riqueza gera poder, o poder que possibilita que a classe dominante mantenha essa riqueza” (STIGLITZ, 2007, p. 238).

Ainda, há conflitos entre o governo e as empresas responsáveis pela exploração dos recursos naturais: são inúmeros os casos em que as multinacionais obrigam o governo a pagar pela exploração das reservas, mesmo que não haja demanda suficiente. Mesmo quando há privatização de empresas estatais (que em momentos anteriores detinham o monopólio da exploração de recursos naturais), podem ocorrer prejuízos para o país possuidor de reservas. “Com demasiada freqüência o país perde duas vezes: primeiro, com o contrato injusto ou a privatização, depois com o tumulto político e atenção adversa da comunidade internacional de investimentos, quando é feita uma tentativa de endireitar as coisas” (STIGLITZ, 2007, p. 247).

No caso da Arábia Saudita, por exemplo, o dinheiro conseguido com o petróleo foi gasto em propriedades londrinas e armas, e as chances de se recuperar o dinheiro desperdiçado são pequenas. Outro problema enfrentado pelos países que exploram recursos naturais é a fragilidade econômica decorrente da atividade de extração/exploração: como os preços flutuam no mercado internacional, esses países, além de contarem com menos programas econômicos e sociais de prevenção, tornam-se mais vulneráveis ao não conseguir arcar com o pagamento de empréstimos contratados no período de alta de preços. Esses efeitos se fazem sentir até mesmo na adoção de políticas cambiais: no caso de valorização cambial, facilitam-se importações e dificultam-se exportações, aumentando déficits públicos e causando desaquecimento da economia em outros setores. Da mesma forma que a posse de recursos naturais não garante o crescimento, a falta deles não significa obstáculo ao desenvolvimento. Alguns países representam exemplos a serem seguidos, como a Noruega, que reconheceu a limitação dos seus recursos naturais, criando um bom fundo de estabilização; a Botsuana, cujo crescimento econômico anual beira o dos Tigres Asiáticos; e a Malásia, que conseguiu entrar no grupo dos países recentemente industrializados.

Segundo Stiglitz (2007), há medidas a serem tomadas por parte dos países desenvolvidos que podem minimizar as dificuldades que enfrentam os países em desenvolvimento ricos em recursos naturais. Para o economista, os países desenvolvidos podem aconselhar politicamente, podem servir de modelo, podem dificultar a venda de armas. Também é possível ajudar no estabelecimento de normas e limitar, através de um órgão internacional, os danos ambientais. No entanto, o paradoxo da abundância é inevitável: “há um problema primordial: o bem-estar dos países em desenvolvimento ricos em recursos naturais depende de quanto eles obtêm por esses recursos; o bem-estar das empresas ricas dos países industriais avançados depende do quão pouco elas pagam por eles” (STIGLITZ, 2007, p. 267).

4.2. O movimento do capital financeiro e o ônus da dívida

Segundo Stiglitz (2007), a dívida externa, sem dúvida, é um problema de enorme importância para os países em desenvolvimento: por causa do pagamento dos juros e outros serviços da dívida, eles se vêem obrigados a sacrificar parte substancial da riqueza que poderia ser investida em outros setores, desacelerando o crescimento econômico e privando a população de muitos dos benefícios que lhes deveriam ser garantidos. Dessa forma, enquanto o esperado seria que o dinheiro transitasse dos países ricos aos pobres, o queocorre é o caminho oposto: o aumento do montante devido por causa das taxas de juros provoca a transferência inversa. Os países devedores ficam sujeitos às flutuações das taxas (tanto de câmbio quanto de juros) e às diminuições de sua receita, riscos que teoricamente deveriam ser tomados pelos mais fortes, que, por sua vez, não avaliam as condições reais do devedor de pagar o que lhe cabe.

“O desequilíbrio entre o prestamista sofisticado e o receptor menos esclarecido não podia ser mais completo. (...) O país se vê muitas vezes diante de duas escolhas desagradáveis: o calote, que traz consigo o temos do colapso econômico, ou aceitar a ajuda, que traz consigo a perda da soberania econômica” (STIGLITZ, 2007, p. 336).Segundo Stiglitz (2007), também não existem leis que determinem procedimentos quando da impossibilidade de pagar a dívida. As alternativas encontradas são a reestruturação da dívida (apenas seu adiamento); o perdão dela; ou o “calote” (cuja conseqüência mais séria é a moratória). Em contrapartida, doutrinas que sugeriam que a força militar deveria ser utilizada como forma de pressão para pagamento da dívida já não são mais aceitas pela comunidade internacional (sendo a Doutrina Drago – em homenagemao ex-ministro exterior da Argentina do século XIX – uma das mais conhecidas). Outro grande problema em relação ao endividamento externo diz respeito à herança que o governo que realiza o empréstimo deixa ao seu sucessor: ao emprestar, o governo tem em mente quão lucrativo o empréstimo pode ser, deixando a cobrança aos seus sucessores. Normalmente, esse tipo de estratégia gera empréstimos acima do necessário, e acima das possibilidades concretas de devolução por parte do país. Quando a dívida assume valores exorbitantes, o FMI empresta dinheiro para o país organizar um fundo e pagar seus outros empréstimos – às vezes até privados – na chamada “operação socorro”, como aconteceu no Leste Asiático (STIGLITZ, 2007). O FMI e o Banco Mundial também são responsáveis pela mensuração do “risco da volatilidade” dos devedores: o valor da dívida aumenta quando o valor da moeda local entra em queda ou quando taxas de juros sobem, o que pode ser causado por crises em outros países, como no caso da Moldávia-Rússia (na ocasião, a última não conseguiu arcar com os serviços de sua dívida, causando desvalorização da moeda e afetando a economia do país vizinho, que se viu impossibilitado também de saldar seus empréstimos).

Acontece também de os países ricos, ao verem instabilidade em outros países, exigirem o pagamento imediato de suas dívidas, ao invés de oferecem maiores recursos para empréstimo, visto que é disso que o país então em crise está precisando. Além disso, os empréstimos a curto prazo são os mais incentivados pelos reguladores, pois os bancos podem ter mais controle do pagamento e exigi-lo quando preciso. O caso do mau gerenciamento da dívida externa da Argentina também é exemplar: como outros países da América Latina, contraiu vários empréstimos na década de 1970, quando as taxas de juros eram ótimas (quase negativas). Na década de 1980, para tentar conter a inflação, os EUA elevaram em 20% as taxas de juros, deixando os argentinos incapazes de lidar com seu serviço de dívida. Houve então um perdão inadequado, que parou o país por um tempo, e, somente no final da década, a Argentina conseguiu perdãoefetivo de suas dívidas, voltando a crescer e chegando mesmo a passar por um boom econômico. A explosão no consumo e a eficácia da privatização escondiam indicadores ruins e, em 1998, com a crise financeira mundial, as taxas de juros globais subiram e as importações excederam as exportações, levando o país a recorrer a empréstimos de valores elevados novamente. Em 2002, o país passou pelo auge de sua crise econômica, e parou de pagar a dívida, fazendo com que o valor do peso caísse para um terço. Em meio a todas as turbulências, o FMI exigiu que a Argentina pagasse o que devia, mas, depois de muitas negociações e de uma postura muito firme frente às outras exigências da instituição, a Argentina pagou só uma fração (34%) do valor total devido, conseguindo escapar da declaração de inadimplência. Depois disso, sem aderir ao pacote de propostas do FMI, o país voltou a crescer (STIGLITZ, 2007).

O caso do Brasil é também modelar. Desde a década de 1970, a nossa dívida externa explodiu, basicamente em função de dois fatores: a alta dos preços por causa dos choques do petróleo em 1973 e 1979 e a opção pelo crescimento e pela manutenção de uma política desenvolvimentista. No governo FHC, a estrutura da nossa dívida sofreu uma transformação que acabou por deixar uma herança bastante pesada para o seu sucessor, já que essa mudança atrelou boa parte da dívida no valor do dólar, enquanto outra parte ficavaatrelada às taxas de juros. Se pensarmos que para o sucesso do Plano Real foi necessária a valorização da moeda nacional e a elevação da taxa de juros (ou para conter a atividade econômica ou para atrair a vinda de capital estrangeiro), teremos uma boa medida das dificuldades que até hoje o governo brasileiro enfrenta para saldar e honrar os compromissos da dívida. A Figura 4.2. mostra a evolução do nosso endividamento externo.

Figura 4.2: Evolução da Dívida Externa

Fonte: http://brasil.indymedia.org/images/2006/12/370020.jpg

Segundo Stiglitz (2007), para monitorar a situação dos países endividados, o FMI criou um programa chamado HIPC – highly indebted poor countries –, no qual cabia à instituição reconhecer nações que não seriam capazes de saldar suas dívidas externas. No entanto, os critérios estabelecidos pelo FMI foram rigorosos demais, além da instituição ter se valido do programa para impor medidas saneadoras aos países devedores. Somente 28 países conseguiram, com muita luta, fazer parte do seleto grupo – sendo que, desses, apenas 19 conseguiram perdão total das dívidas. Existem também dívidas moralmente duvidosas, como aquelas contraídas por governos não democráticos com o objetivo de mantê-los no poder ou com intenções ainda 68 piores, como se viu nos casos da Nigéria, Iraque e Etiópia, por exemplo. Segundo Stiglitz (2007), é de extrema importância conceder empréstimos, desde que condicionalmente; quer dizer, desde que os fins sejam lícitos e o emprego deles destinado ao bem estar social. As dívidas privadas também representam um grande problema aos países em desenvolvimento, visto que o governo acaba nacionalizando os passivos das companhias privadas em troca do perdão à dívida, usando para isso recursos públicos que a sociedade gostaria que fossem utilizados de outra forma. Ainda, em alguns países, os estados e municípios também contraem dívidas que acabam sendo absorvidas pelo Governo Federal, por absoluta impossibilidade dos primeiros de honrarem os seus compromissos. No Brasil, esse quadro apenas mudou a partir do programa de estabilização do Plano Real, quando ficou claro que a União não mais absorveria os prejuízos causados pela contratação indiscriminada de empréstimos porparte das unidades da federação. Podemos acompanhar: na Figura 4.3., a evolução das dívidas dos governos federal, estadual e municipal, além das dívidas das estatais; na Figura 4.4., a evolução da dívida pública brasileira.

Figura 4.3.: Divida interna líquida dos governos federal, estadual e municipal, e das estatais

Fonte: http://www.ecen.com/content/eee6/divipub2.htm

Figura 4.4: Dívida Pública Brasileira

Fonte: http://www.ecen.com/content/eee6/divipub2.htm

4.3. O sistema global de reservas

Algo de profundamente errado acontece com o sistema financeiro mundial: “o dinheiro escorre na direção errada, indo dos pobres para os ricos. O país mais rico do mundo, os Estados Unidos, não consegue viver com seus próprios meios e toma emprestado 2 bilhões de dólares por dia de países mais pobres” (STIGLITZ, 2007, p. 380).

Os empréstimos citados por Stiglitz (2007) e com os quais os Estados Unidos se mantêm vêm da compra de títulos feita pelos países em desenvolvimento que os transferem para seus sistemas de reserva. A alta

liquidez dos títulos (bom para quando o país precisar de dinheiro vivo) é atraente o suficiente para fazer com que os países acreditem que vale a pena a baixa renda de juros. Além disso, o dinheiro em reserva (a maioria em dólares) permite administrar a taxa cambial com mais folga e, ainda por cima, administrar os riscosaos quais estão expostas as economias locais: a quantia a ser reservada geralmente representa alguns meses de importação para cobrir momentos de necessidade pelos quais os países podem vir a passar.As quantias guardadas em reservas vêm aumentando significativamente, provavelmente porque muitos países perceberam a instabilidade da economia mundial quando tiveram que lidar com a crise do Leste Asiático de 97, e passaram a perceber as reservas como alternativa aos empréstimos do FMI. O problema maior está na rentabilidade das reservas, em torno de 1 a 2%; se investidas em outros projetos, a renda alcançaria de 10 a 15%. A diferença entre o que poderia ser ganho e o que é de fato ganho é chamado, pelos economistas, de “custos de oportunidade”.

Também ocorre a transferência do setor público do país em desenvolvimento para o privado. As dívidas contraídas pelas empresas privadas acabam se tornando passivos de responsabilidade do governo, o que compromete os orçamentos públicos e impede investimentos em obras de infraestrutura e de interesse social. Para Stiglitz (2007), o dinheiro utilizado para comprar os títulos que constituirão a reserva poderia ser utilizado para estimular a economia global, gerando empregos ou contribuindo na demanda de bens eserviços (demanda agregada global).

“Para perceber a magnitude do problema, observemos que as economias mundiais guardam mais de 4,5 trilhões de dólares de reservas, que aumentam a uma taxa de cerca de 17% ao ano. Em outras palavras, a cada ano, em torno de 750 bilhões de dólares de poder de compra são removidos da economia mundial, um dinheiro que é efetivamente enterrado” (Stiglitz, 2007, p. 397).

Os Estados Unidos, por sua vez, não se importam com os déficits que vêm acumulando, desde que sua economia continue crescendo – ainda mais quando o dinheiro é emprestado a juros baixos. E como se dá o processo, especialmente em relação aos déficits fiscais e comerciais? Segundo Stiglitz (2007), o país da moeda reserva vende sua moeda ou títulos do Tesouro para outros países, uma vez que não consegue arcar com os gastos públicos – as pessoas investem mais do que poupam – e importa mais do que exporta. Odinheiro que toma emprestado serve para equilibrar a balança, mas, quando o déficit fiscal aumenta (com o aumento dos empréstimos públicos), geralmente o déficit comercial também o faz (a não ser que a poupança privada aumente ou os investimentos privados diminuam). Além do mais, a exportação de títulos não gera empregos, como faz a exportação de qualquer outro bem ou serviço.

É claro que os Estados Unidos podem devolver o que devem. “Mas, como o crescente endividamento, há um risco também crescente de uma redução do valor real da dívida pela inflação. Até mesmo um leve aumento na taxa de inflação pode ter grandes efeitos na depreciação do valor real da dívida” (STIGLITZ, 2007, p. 391).

A confiança no dólar ficou abalada com a percepção do mercado em relação à crescente dívida dos EstadosUnidos e, ultimamente, alguns bancos centrais vêm compondo suas reservas com outras moedas, como anunciou a China em 2005.Segundo Stiglitz (2007), outro fator importante na gestão financeira é a diversificação. Para não deixar seu dinheiro de reserva sujeito às variações de uma só moeda, o melhor que o país tem a fazer é comprar em moedas diferentes (como, por exemplo, o euro, embora a Europa não pretenda ser a referência da moeda reserva, porque isso faria com que a moeda ficasse muito cara e dificultasse as exportações).

4.4. Democratizando a globalização

Vimos, ao longo de todo o texto, as origens, dinâmicas e conseqüências da globalização, modelo integrador mas injusto, e que vem provocando desigualdades, tanto entre países como dentro das próprias economias nacionais. O século XX “foi o século dos paradoxos. (...) Mas a desigualdade não diminuiu. Ao contrário, mantém-se e há, inclusive, indicadores de que tenha aumentado nas últimas décadas” (Paiva, 2002a, p. 2).O modelo globalizador é alvo de críticas: países centrais ou periféricos, políticos, acadêmicos, representantes de importantes segmentos da sociedade, todos são unânimes em apontar os problemas de um processo que só vem criando desigualdade e injustiça.

Segundo Stiglitz (2007, p. 411),“supunha-se que a globalização traria benefícios sem precedentes para todos. Contudo, curiosamente, ela passou a ser vilipendiada tanto no mundo em desenvolvimento como no desenvolvido. OsEstados Unidos e a Europa vêem a ameaça da terceirização; os países em desenvolvimentos vêem os países industriais avançados inclinando o regime mundial contra eles. Os dois lados vêem os interesses das grandes empresas serem promovidos à custa de outros valores”.

Não apenas os países ricos ficaram mais ricos e os países pobres ficaram mais pobres. Dentro de cada nação, os que eram ricos continuaram ricos e concentrando a maior parte da riqueza; em contrapartida, os pobres continuaram excluídos e, na verdade, dada a face tecnológica e inovadora da revolução globalizadora, a exclusão tornou-se maior ainda. Em resumo, podemos dizer que as possibilidades de mudança tornaram-se mais improváveis, e a mobilidade social mais complexa. Sachs (1994, p. 9) já anunciava que, “de acordo com as estimativas do UNDP, entre 1975 e o ano 2000 a produção global da economia no mundo mais que (...) [duplicaria], enquanto que o total de empregos (...) [aumentaria] em menos de 50%”. Portanto, não se trata apenas de estabelecer regras justasnas relações entre países, mas de defender modelos econômicos que permitam a geração de empregos e a adoção de políticas sociais agressivas que possam fazer contrapartida aos efeitos maléficos do receituário neoliberal. Qualquer política econômica deve, assim, partir do princípio que desenvolvimento requer, acima de tudo, bem estar social. O Brasil não escapou dos efeitos da globalização, tanto positivos quanto negativos.Desde o governo Collor, as políticas nacionais vêm se pautando pela abertura comercial e pela adoção das políticas preconizadas pelo capital internacional. Assim, se por um lado o país percebeu um incremento significativo no aumento quantitativo da produção e na posse de bens tecnológicos, aumentou também, e de forma inequívoca, a desigualdade social. A Figura 4.5 mostra as transformações da Curva de Lorenz, da década de 60 até os anos 90.

Lembre-se: “a Curva de Lorenz é a curva que se forma pela união dos pontos bidimensionais onde em um eixo (eixo y) temos a proporção acumulada da renda apropriada e no outro (eixo x) a proporção acumulada da população. Quando a distribuição é perfeita, a Curva de Lorenz assume a forma de uma reta de 45º. Nesse caso, a proporção da rendaapropriada é sempre igual à proporção acumulada da população: 10% da população ganham 10% da renda, 20% da população ganham 20% da renda, etc (segundo nota técnica no. 14 do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE)20.”

20 Disponível em http://www.ipece.ce.gov.br/publicacoes/notas_tecnicas/NT_14.pdf.

Figura 4.5: Evolução do bem-estar, pobreza e desigualdade no Brasil

Fonte:http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/view/789/729

Mais: não apenas a renda vem se distribuindo de forma mais injusta, como a participação do trabalho na composição do PIB vem decrescendo, ano a ano.

Figura 4.6: Composição do PIB no Brasil no período 1990-2004

Fonte:http://www.scielo.br/img/revistas/pci/v13n1/a06tab01.gif

Segundo Sachs (1994, p. 8), “os três grupos de países — do Sul, do Leste e do Norte, em resumo — vivem hoje, sob formas e intensidades diferentes, o problema do desemprego estrutural e do subemprego, bem como o conseqüentefenômeno de marginalização social, exclusão e segregação. Além disso, esses países têm pago um alto preço ambiental por seu inédito crescimento econômico na segunda metade deste século”.

Pensar na democratização da globalização requer, portanto, que sejam repensadas as estratégias de crescimento e desenvolvimento, e não somente no que diz respeito à geração do presente, mas, especialmente, das gerações futuras. Os críticos da globalização resumem a questão da seguinte forma: é necessário, mais do que nunca, rever as políticas preconizadas pelo Consenso de Washington. Segundo Sachs (1994, p. 9),

“Qual será, neste contexto, o efeito de uma abertura indiscriminada das economias, prescrita igualmente ao Sul e ao Leste, pelo chamado consenso de Washington? Que critérios devem ser usados para distinguir a competitividade genuína da espúria? Enquanto até países industrializados mais avançados acham difícil manter a atual velocidade de mudança tecnológica, de que forma evitar que a destrutividade criativa, postulada por Schumpeter, se transforme em

destrutividade tout court? Que lugar deveria ser reservado, nas estratégias de desenvolvimento, para a abertura do mercado interno e para os não-comercializáveis?”.As sugestões para um desenvolvimento que incorpore ética envolvem, portanto:

a) políticas de sustentabilidade, que considerem premente a necessidade de um uso mais racional dos recursos naturais;b) fortalecimento das instituições e órgãos internacionais responsáveis pela vigilância da paz e da justiça; c) inclusão social e tecnológica das nações menos favorecidas e, dentro de todas asnações, inclusão social e tecnológica dos grupos sociais marginalizados;d) a proteção às políticas sociais, colocando sua existência como condição na concessão de empréstimos e financiamentos para nações em desenvolvimento;e) apoio aos pequenos e médios negócios, em todos os países;f) apoio às técnicas de uso intensivo de mão-de-obra, especialmente nos projetos financiados com recursos internacionais;Democratizar a globalização significa desenvolvimento sustentável com justiça social.

Segundo Paiva (2002, p. 5),“Um dos principais desafios nos nossos dias é o de encontrar o caminho do desenvolvimento econômico sustentável que simultaneamente resulte em ganhos de produtividade, de renda per capita e de justiça social. Se para crescer a economia tem que buscar cada vez maior eficiência e buscar a melhor alocação dos recursos escassos, isto não pode resultar em exclusão de segmentos crescentes da população. Da mesma maneira, o desenvolvimento deve ser sustentável na sua dimensão temporal, vale dizer, manter-se ao longo dos anos sem comprometer os recursos que deveriam estar disponíveis às gerações futuras. Assim, os desafios da busca da eqüidade tem duas dimensões: sua relação com a eficiência e sua relação com o meio ambiente e com o equilíbrio fiscal permanente”.Para que isso aconteça é necessário, portanto, que os empréstimos feitos a nações em desenvolvimento não funcionem como verdadeiras camisas-de-força, o que significa dizer que os países não devem abrir mão de seus projetos nacionais de desenvolvimento para pagar os serviços das dívidas externas. Pelo contrário, para Sachs (1994, p. 18), “o financiamento da dívida, dentro de limites razoáveis, deveria ser condicionado ao incentivo do trabalho gerido por métodos altamente intensivos de mão-de-obra, uma vez que a reserva de bens salariais é elástica”. Da mesma forma, governos não devem ser obrigados a declinar das políticas sociais, como se essas fossem possíveis apenas para os países ricos. O mesmo autor acrescenta: “ao invés de tratar os Welfare States como um luxo acessível apenas aos países ricos, os países em desenvolvimento poderiam inverter a seqüência histórica seguida pelos industrializados. Naqueles países onde grassam a pobreza, a exclusão e o desemprego, o Welfare State é necessidade imediata” (SACHS, 1994, p. 18).Democratizar a globalização significa criar instituições internacionais eficazes e imparciais.

Segundo Stiglitz (2007, p. 421),

“os repetidos fracassos do FMI na gestão de crises da década passada foram o coup de grace, após anos de insatisfação com seus programas na África e em outros lugares, inclusiva a austeridade abusiva que impôs a essas nações. O fracasso dos países que seguiram as diretrizes ideológicas do Consenso de Washington propostas pelo FMI e o BancoMundial e o contraste com o sucesso em andamento dos países do Leste Asiático (...) não ajudaram a restaurar a confiança nessas instituições”.Democratizar a globalização significa diminuir o déficit democrático na gestão das questões econômicas mundiais. Se nosso texto se iniciou com uma imagem, a das bandeiras dos muitos países sendo corroídas por formigas, nós o encerramos com outra imagem: não apenas o Fórum Social Mundial ocorrendo simultaneamente ao Fórum Econômico de Davos, mas os dois fóruns trabalhando em conjunto o que não pode estar separado no tempo, no espaço e na história da humanidade.Figura 4.721: Davos e Belém, 2009

21 Montagem feita a partir de imagens das seguintes fontes: http://www.galizacig.com/avantar/opinion/30-1-2009/forum-social-mundial-o-ano-do-futuro, http://www.outubrovermelho.com.br/2009/02/02/direto-doforum-social-mundial-2009/, http://www.rfi.fr/actufr/articles/109/article_77887.asp,http://www.flickr.com/photos/worldeconomicforum/374705913/.

Segundo Stiglitz (2007, p. 441), “as coisas não devem ser assim. Podemos fazer a globalização funcionar, não apenas para os ricos e poderosos, mas para todos, inclusive aqueles que vivem nos países mais pobres. A tarefa será longa e árdua. Já esperamos demais. O momento de começar é agora”. Em outras palavras, como escreveu Thiago de Mello (1978) em “Para os que virão”:É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro.( Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros) Se trata de abrir o rumo.

BibliografiaBARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo globalizado: política, sociedade e economia.3a. ed. São Paulo: Contexto, 2006. 130 p.CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. 336 p.GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica doCeará (ipece). Secretaria Do Planejamento E Coordenação (seplan). O índice de Ginicomo medida da concentração de renda. Fortaleza, 2006. 14 v. Disponível em:<http://www.ipece.ce.gov.br/publicacoes/notas_tecnicas/NT_14.pdf>. Acesso em: 20 maio2009.HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: A economiainternacional e as possibilidades de governabilidade. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. 364p.IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 4a. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1997. 226 p.JUDENSNAIDER, Ivy. Santa Maria de Iquique, há cem anos. Texto publicado em 25 denovembro de 2007. Disponível em:

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