A USUCAPIÃO E SUA ADAPTAÇÃO A REALIDADE BRASILEIRA
ISABEL ALVES DOS SANTOS ORTEGA
Advogada militante na área cível, membro da Coordenadoria de Processo Civil, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, Conciliadora no Juizado Especial da
Vila Prudente
Coordenadoria de Processo Civil
A Usucapião é uma forma do possuidor, desde que
preencha os requisitos previstos em lei, de adquirir a
propriedade de bens móveis ou imóveis por sentença
declaratória de aquisição de propriedade por não
preencher os requisitos previstos em lei para a aquisição
da propriedade pelas formas comuns.
“Usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionistemporis lege definit”, ou, o modo de adquirir a propriedade pelaposse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitosestabelecidos na lei.
A este conceito acrescentaríamos, como Lenine Nequete, que ousucapião não é apenas um modo de aquisição de direito depropriedade, mas, também, de outros direitos reais, passíveis deserem objeto de posse continuada. (PINTO, 1987, p. 46).
A palavra usucapião vem do latim, “usucapio”, é modo de adquirir a
propriedade pelo uso prolongado, adquirir a propriedade pela posse.
Usucapião – Do Latim, usucapio – capitação ou aquisição pelo
uso prolongado. Modo originário de aquisição da propriedade,
não depende da vontade do titular anterior, pela posse mansa e
pacífica de alguém com ânimo de dono, por tempo determinado,
sem interrupção e sem oposição. (GUIMARÃES, 1995, p. 539).
Alguns doutrinadores trazem a palavra no gênero masculino e outros,
no gênero feminino.
O Código Civil de 1916 trazia a palavra no gênero masculino.
O Código Civil de 10 de janeiro de 2002, na Seção I, do Capítulo II,
que trata da aquisição da propriedade imóvel, traz a grafia no feminino,
“Da usucapião”.
No Novo Aurélio, dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque
de Holanda, diz que a palavra é um substantivo feminino e vem do
latim, substantivo feminino, “Modo de adquirir propriedade móvel ou
imóvel pela posse pacífica e ininterrupta da coisa durante certo tempo.
Prescrição aquisitiva.” (HOLANDA, 1999, p. 2038).
A natureza da aquisição por usucapião é originária tendo
em vista que independe de transmissão pelo proprietário
anterior para o possuidor, basta que este preencha os
requisitos previstos em lei e seja declarada por sentença a
aquisição da propriedade por usucapião.
A jurisprudência, inclusive o STF, também é dominante
nesse sentido.
A usucapião especial urbana coletiva foi criada pela Lei Federal
nº 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da
Cidade.
Artigo 10 As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados,
ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente,
desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural
Regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal;
Resolver o problema de moradia nos grandes centros urbanos onde
pessoas vivem em barracos construídos em terrenos irregulares sem
que tenham condições de identificar e individualizar os lotes, sem
infraestrutura e principalmente sem condições de adquirirem a
propriedade do imóvel por escritura pública e registro no Cartório de
Registro de Imóveis competente e que também não tem não tem
condições de adquirir pela usucapião prevista no Código Civil ou na
Constituição Federal.
Criou nova modalidade de usucapião, a usucapião especial urbana
coletiva, além de regular a usucapião especial prevista no artigo 183
da Constituição Federal;
Limitação dos poderes e faculdade do proprietário, desenhando um
novo conceito de propriedade com o objetivo de que a propriedade
evolua em relação à propriedade romana e se torne acessível a todos
os cidadãos.
A usucapião coletiva tem o caráter urbanístico e
visa o de desenvolvimento econômico e social das
regiões metropolitanas
Beneficia comunidades de baixa renda que vivem
em aglomerados, em barracos e representa uma
inovação no sistema de aquisição de propriedade
pela usucapião.
Área particular ocupada de forma coletiva pelas pessoas
que construíram moradias precárias ou barracos;
Não tem limite máximo de tamanho, apenas limite
mínimo de tamanho da área que não pode ser inferior a
duzentos e cinquenta metros quadrados.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, a usucapião coletiva é uma
adaptação do instituto antigo a nova realidade e mesmo se tratando de
um instituto do direito privado vem sendo disciplinado por outros
diplomas legais.
Instituto típico do direito privado, por inerente ao direito de
propriedade, o usucapião tem sido contemplado tradicionalmente
na legislação civil, e mais especificamente no Código Civil. Mas a
evolução das relações sociais tem obrigado a que diplomas de
outras disciplinas, até mesmo a Constituição, estabeleçam regras
pertinentes ao instituto. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 122).
Os possuidores são representados por uma associação
regularmente constituída, conforme artigo 54 do Código
Civil e autorizada pelos possuidores;
A aquisição por usucapião especial urbana coletiva será
para todo o grupo de pessoas que exerçam a posse
direta de forma ininterrupta e sem oposição;
Os beneficiários não podem ser proprietários de outro
imóvel urbano ou rural e ainda, não poderão ter o direito à
usucapião coletiva mais de uma vez.
Os possuidores se tornam condôminos formando um
condomínio especial;
A área ocupada deve ter mais de duzentos e cinquenta
metros quadrados;
Os possuidores devem ser pessoas de baixa renda;
A usucapião coletiva tem caráter urbanístico e visa a
justiça social;
O rito processual é o sumário, independentemente do
valor do imóvel, (artigo 14 do Estatuto da Cidade);
A usucapião pode ser invocada em matéria de defesa e a
sentença vale como título para o registro de imóveis;
É obrigatória a intervenção do Ministério Publico;
Proposta a ação, as ações petitórias e possessórias serão
sobrestadas enquanto não for julgada a usucapião.
A função social da propriedade altera o exercício
da propriedade possibilitando a utilização de
acordo com o interesse público e social evitando
que a propriedade seja utilizada de forma
individualista e sem qualquer contribuição para o
bem estar coletivo.
Posse utilizada para moradia dos possuidores ou
de suas famílias, por mais de cinco anos de
forma ininterrupta e sem oposição de terceiros,
esse prazo tem início com a ocupação.
Na sucessão a título singular, onde o possuidor transfere
a posse ao sucessor por cessão a título oneroso ou a título
gratuito, fica a critério do sucessor, unir a contagem do
prazo da posse, pois pode iniciar outra contagem da
posse, mas ao unir a posse do antecessor os vícios se
transmitirão.
Na sucessão a título universal a contagem do prazo não
pode ser reiniciada, pois se trata de continuação da
posse, assim os vícios transmitem-se ao herdeiro que já
residia no imóvel na data da abertura da sucessão,
(parágrafo 3º do artigo 9º do Estatuto da Cidade).
Carlos José Cordeiro entende que para o herdeiro
contar a posse do antecessor a título universal, não
é necessário que o herdeiro já esteja na posse do
imóvel na abertura da sucessão, mas que passe a
habitar pessoalmente a área usucapienda na
abertura da sucessão.
“Trata-se de nova hipótese de legitimação “ad
causam”, que não existia antes do Estatuto da Cidade.”
(RIBEIRO, 2008, p. 994)
Todos os possuidores, em litisconsórcio necessário,
devem fazer parte do polo ativo, pois em muitos
casos não é possível identificar a área ocupada de
cada possuidor. Caso um só possuidor promover a
ação, deverá citar os demais possuidores, conforme
prevê o artigo 47 do Código de Processo Civil.
Na petição inicial, a associação deverá discriminar
todos os moradores, fazer a descrição da área e da
fração ideal de cada um, elaborar o memorial e
planta e tudo que se fizer necessário para buscar o
interesse coletivo.
É obrigatória à intervenção do Ministério Público mesmo
na alegação de usucapião em matéria de defesa,
(parágrafo 1º do artigo 12 do Estatuto da Cidade).
A intervenção do Ministério Publico também está prevista
Constituição Federal, artigo 127 e no Código de Processo
Civil, artigo 81 e seguintes quando se tratar de interesse
público demonstrado pela natureza da lide ou quando se
tratar de qualidade de parte, sob pena de nulidade do
processo.
Para garantir o acesso à justiça, na ação usucapião
especial urbana coletiva, o legislador deixou expresso no
parágrafo 2º do artigo 12 o direito aos benefícios da
justiça, isentando de custas, despesas processuais.
Gratuidade nos honorários advocatícios.
A gratuidade será também estendida ao demandado
quando suscitar a usucapião como matéria de defesa,
desde que preencha os requisitos.
Para a concessão do benefício não há necessidade de
requerimento, também não há necessidade de
declaração de pobreza.
A hipossuficiência poderá ser impugnada pela outra
parte se verificar que o beneficiário não preenche a
condição de necessitado, conforme disposto no art. 4º da
Lei nº 1.060/50.
Garantir a publicidade e a segurança dos atos
jurídicos, conforme previsto no artigo 1º da Lei
8.935/94 que dispõe sobre os serviços notariais e de
registro regulamentando o artigo 236 da
Constituição Federal.
A sentença de usucapião especial urbana é um título de
propriedade, mas para servir como título hábil para o
registro no cartório de registro de imóveis a sentença deve
atender aos requisitos legais necessários ao registro tendo
em vista o interesse público do registro.
A sentença de usucapião tem natureza declaratória,
pois declara o reconhecimento da posse e a
aquisição de domínio da fração ideal idêntica para
cada possuidor;
Carlos José Cordeiro, conclui que a sentença tem
eficácia híbrida por ter natureza declaratória, ao
declarar a propriedade e, ao mesmo tempo, tem
natureza constitutiva, pois sendo atribuída
fração ideal para cada morador constitui-se um
condomínio especial.
Com o registro da sentença no cartório de Registro de
imóveis, a posse passa a ter efeitos constitutivos,
comprobatórios e publicitários, características do efeito
“erga omnes”.
Será aberta uma matrícula no Registro de Imóveis
competente onde constará a descrição da totalidade da
área e a fração ideal de cada condômino.
A improcedência na ação na usucapião coletiva
não impede que o possuidor promova outra ação
de usucapião em quaisquer das outras
modalidades de usucapião, se preencher os
requisitos.
A fração ideal será igual para todos os possuidores.
Fração diferenciada, quando houver acordo entre as
partes, nesse caso a sentença declarará a usucapião da
área total e homologará o acordo constando a fração de
cada possuidor.
A lei não especifica qual o limite máximo em metros
quadrados deve ser a fração ideal de cada possuidor, mas
a doutrina entende que a fração não poderá ser superior
a duzentos e cinquenta metros.
Com a sentença de procedência da ação de usucapião especial
urbana coletiva cria-se um condomínio especial.
O condomínio da usucapião coletiva é indivisível e não pode ser
extinto, mas o parágrafo 4º do artigo 10 do Estatuto da Cidade traz
como hipótese de extinção o caso de urbanização posterior, mas a
decisão deve ser tomada por dois terços de todos os condôminos,
desde que sejam cumulados os dois fatores, urbanização posterior e
decisão tomada por dois terços dos possuidores.
É indivisível e inextinguível;
É diferente do condomínio edilício previsto na Lei 4.591/64 com
as modificações dadas pelo Código Civil artigos 1331 a 1358.
Também é diferente do condomínio voluntário previsto nos
artigo 1314 a 1330 do Código Civil.
A usucapião especial urbana coletiva pode ser invocada como
matéria de defesa na ação petitória ou possessória, (Artigo 13
do Estatuto da Cidade), desde que o possuidor tenha a posse
mansa, pacífica, ininterrupta e com mais de cinco anos.
O objetivo é favorecer a economia processual e de suscitar
fato impeditivo à pretensão do autor, pois o autor deixou de
exercer os poderes da propriedade deixando-a livre para o
possuidor exercer a posse como se proprietário fosse.
Acolhida a usucapião invocada como matéria de defesa pelo
réu, será afastada qualquer pretensão do autor referente ao
imóvel, a sentença será improcedente e será declarada a
aquisição de domínio para o réu.
Para que a sentença tenha o reconhecimento “erga omnes” se
faz necessária a intimação de todos os sujeitos de direito para
integrarem a lide.
As ações petitórias ou possessórias ajuizadas após a ação de
usucapião especial urbana, relativa ao imóvel objeto da usucapião
especial urbana ficarão sobrestadas enquanto não houver o
julgamento da ação de usucapião especial urbana.
Essa suspensão é mais ampla do que a determinada no artigo 923 do
Código de Processo Civil que impede somente as ações de
reconhecimento de domínio quando houver ação possessória.
Código Civil trouxe grande alteração no que se refere
à usucapião, pois reduziu os prazos de vinte para
quinze anos;
Podendo ser reduzido ainda para dez anos na
hipótese do possuidor utilizar o imóvel para moradia
ou caso tenha feito obras produtivas no imóvel,
(parágrafo único do artigo 1238).
A usucapião extraordinária, como toda usucapião é uma forma
de aquisição da propriedade pela posse, com “animus domini”,
mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição. Nesse caso a
aquisição se dá pelo maior tempo de posse, (quinze anos), sem
a necessidade do justo título ou boa fé.
Prazo menor: dez anos para o possuidor que usufrui
diretamente do imóvel ou que tenha realizando obras de
caráter relevante. (Parágrafo único do artigo 1238).
Na usucapião ordinária, a posse também deve ser continua, com
“animus domini”, ininterrupta e sem oposição de terceiros, a lei exige
também o justo título e a boa fé.
Prazo: dez anos e não tem mais a diferença de prazos entre
presentes e ausentes. Cinco anos para os casos em que o possuidor
adquiriu de forma onerosa o imóvel que estava transcrito em registro
de Imóveis próprio, mas que teve seu registro cancelado
posteriormente, desde que o imóvel seja para moradia do possuidor ou
que o possuidor tenha investimento de caráter social e econômico,
privilegiando o conceito de posse trabalho.
A usucapião especial prevista no artigo 1240 do Código
Civil assegura ao possuidor a aquisição de domínio de
área urbana de até duzentos e cinquenta metros
quadrados, desde que preenchidos os requisitos previstos
em lei e que a posse do imóvel seja moradia.
Essa espécie de usucapião só é admitida para imóveis de
propriedade de ambos os cônjuges, quando ambos
adquiriram a propriedade por escritura pública com o
registro no cartório de registro de imóveis,
Além dos requisitos previstos para qualquer espécie de
usucapião, a posse deve ser direta, utilizada para moradia
do cônjuge ou da família por dois anos ou mais.
Possuidor deve ser proprietário juntamente com seu
cônjuge ou companheiro, podendo ser a propriedade em
comunhão ou em condomínio.
Deve haver o abandono do lar por um dos cônjuges
deixando o outro cônjuge na posse exclusiva.
O imóvel deve estar localizado em área urbana com
até 250 metros quadrados e o possuidor não pode ter
outro imóvel, urbano ou rural.
A contagem do prazo de dois anos, tem início com o
abandono do lar.
O abandono do lar ficará caracterizado a partir do dia em que
o cônjuge deixou o lar em desamparado sem dar noticias de
seu paradeiro e sem tomar qualquer medida que caracterize
a manutenção da propriedade.
Abandono do lar antes da lei, a contagem do prazo se inicia a
partir de 16 de junho de 2011como prevê o artigo 12 da lei.
Obrigada pela atenção!
Dra. ISABEL ALVES DOS SANTOS ORTEGA
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