TEMPORALIZAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DO CALÇADÃO DE BAURU
SILVA, TAINÁ MARIA
RESUMO
O desenvolvimento da malha urbana de Bauru, cidade média do interior paulista, foi determinado pela estrada de ferro que tão logo consolidou a principal rua comercial da cidade, o “Calçadão da Batista”. O Calçadão da Batista há muito tempo ocupa o imaginário dos cidadãos locais com seu chão de pedra portuguesa e sua cobertura arcada, um dos signos da cidade. O local desde seus primórdios detém de importância econômica e histórica bastante relevante, embora antes abrigasse público diversificado e hoje se configura por comércio popular. Este trabalho foi motivado justamente por esta alteração da realidade, numa tentativa de mensurar as modificações que ocorreram na paisagem. Foi realizada uma busca por fotografias antigas e registros históricos que pudessem retratar o estado original do dado calçadão para que, com base nestas buscas, pudesse ser observada a evolução da via ao longo do tempo. Assim, diante das modificações constatadas, pode-se temporalizar a paisagem do local em dois grandes períodos: antes e depois de sua inauguração.
Palavras-chave: Paisagem cultural; Paisagem urbana; Espaço público; Bauru.
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
INTRODUÇÃO
Bauru é uma cidade média do interior paulista que, como a maioria das cidades em que a linha
férrea chegou, teve seu traçado moldado e consolidado pelos trilhos do trem. Por este motivo,
Landim (2004, p.15) afirma que a formação urbana de Bauru é bastante parecida com outras
cidades do Estado como São Carlos, Piracicaba, Limeira entre outras, onde estas
compartilham de uma homogeneização da malha urbana por conta da expansão cafeeira. Por
consequência, a partir desta configuração compartilhada é possível identificar elementos
padrões que estruturam a paisagem (Landim, 2004, p.82-83). Sem desprezar este fato, ainda
assim se torna necessário lançar olhos ao centro de Bauru, para compreender à miúde a
formação de sua paisagem. Dessa maneira, este trabalho se embasou fortemente na análise
morfológica de Landim (2004) que fora utilizada para identificar em diferentes recortes de
tempo os motivos de certas mudanças.
O Calçadão da cidade de Bauru localizado ao centro da cidade detém os primórdios da
formação urbana da mesma e grande expressividade econômica. Antes mesmo de se tornar
um calçadão já adquiriu a maioria de seus traços conservados até hoje e, depois de sua
inauguração oficial, há mais de vinte anos, poucas medidas foram tomadas para melhorar os
aspectos do local. O que se pode visualizar, genericamente, são edifícios antigos que contam
a história da via sem conseguir negar que, de certa forma, ela parou no tempo.
Para se analisar de maneira mais eficiente as modificações que ocorreram na paisagem
urbana, o trabalho dividiu-se em três partes: na primeira parte, compreendendo a ampla gama
de conceitos, levantou-se alguns destes conceitos que nortearam o desenvolvimento do
trabalho como paisagem urbana, paisagem cultural e rapidamente a questão da leitura da
paisagem.
Na segunda parte é apresentado um breve histórico da cidade de Bauru e sua formação e
logo depois um histórico sobre o calçadão da cidade, mostrando seu nascimento e tentando
mensurar o contexto do qual ele surgiu, se desenvolveu e no qual se encontra atualmente.
A terceira parte exibe em fotos, fontes escritas e numa análise da autora as principais
mudanças que o Calçadão de Bauru sofreu desde sua não intencional formação até sua
inauguração, estendendo-se brevemente aos dias atuais e efetuando um comparativo através
dos tempos. Ao final é apresentada uma temporalização dessas modificações.
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
SOBRE A PAISAGEM
O conceito de paisagem possui inúmeras definições que tratam cada uma de diferentes
ideias. Paisagem na concepção da palavra, pode ser definido como “panorama” (Dicionário
Michaelis), não incorporando a complexidade do tema, já muito tratado por diversos autores.
Aqui buscou-se um consenso entre as definições.
O conceito de paisagem urbana de Cullen (2010) pode ser considerado algo extremamente
simples e objetivo à prática e ao mesmo tempo algo complexo, uma vez que o autor relaciona
o urbano à uma obra de arte (2010, p.195). Para ele, a apreciação do espaço urbano – e seu
sucesso – está diretamente relacionada à uma série de técnicas, se assim pode-se dizer, que
despertam o emocional do usuário como a visão serial por exemplo. Ele atribui ao espaço
urbano grande provedor de sensações:
(...) assim como a reunião de pessoas cria um excedente de atrações para toda a coletividade, também um conjunto de edifícios adquire poder de atração visual a que dificilmente poderá almejar um edifício isolado. (...) num conjunto edificado ocorrem fenômenos que não se verificam nunca em relação a um edifício isolado. (2010, p.9)
Para Landim (2004, p.29), paisagem urbana é
uma imagem, uma criação mental e social; está na mente das pessoas, nas relações de uso que se estabelecem entre os cidadãos, e entre estes e os elementos citados. A paisagem não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores e sons.
Observa-se aqui, através dos dois autores selecionados, que paisagem urbana é toda a
sinestesia que a cidade pode despertar através de seu espaço construído. Esta sinestesia,
apesar de ser extremamente particular, ainda assim é possível compreender elementos que
despertam em sua maioria o mesmo sentido e sentimento. Como exemplo toma-se a
vegetação em meio urbano: a sensação é quase universal de relaxamento, de frescor. Assim
sendo, a paisagem urbana é os aspectos visuais que o espaço compreende juntamente com
as sensações que este desperta.
Sobre a paisagem cultural, Lowenthal (2002) disseca o tema relacionando o que se tem de
construído hoje com as percepções acerca do passado. Embasado em sua própria teoria de
que o passado é o norteador do presente, afirma que
A enorme popularidade de reconstrução de “paisagens que nunca conhecemos, mas que gostaríamos de ter” é o que nos leva a afrontar os dilemas do presente. (2002, p.13)
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
A paisagem cultural, numa interpretação pessoal a partir de Lowenthal (2002), pode ser
considerada como o produto de anos da interação homem versus meio. As alterações do
espaço provocadas pelo homem por qualquer motivo que seja é o que se entende por
paisagem cultural. Assim discorre também Ribeiro, R. F. (2007, p.9) que, num resumo
inteligente, reúne todos os esforços afirmando que “em meio a múltiplas interpretações, há um
consenso de que a paisagem cultural é fruto do agenciamento do homem sobre o seu
espaço”.
Assim, compreende-se que a paisagem urbana e cultural é a paisagem que dá grande
enfoque à atuação antrópica no meio urbano, englobando tanto os bens materiais palpáveis –
sendo estes edifícios, praças, parques e conjuntos – quanto os bens imateriais de grande
valor aos cidadãos. Sobre este último pode-se definir como lendas, histórias, eventos... num
contexto geral, quase todos idiossincráticos.
Em concordância, Lewis (1979, p.12) declara que “all human landscape has cultural meaning”,
o que significa que toda a paisagem que o homem interage possui um significado cultural e,
como complemento, o autor afirma que uma paisagem pode ser lida assim como se pode ler
um livro. Esta ideia de “leitura da paisagem” pode ser identificada na fala de Koolhaas citado
por Ribeiro, C. R. (2010) onde este último discorre sobre o texto “A cidade genérica”. Segundo
Ribeiro, C. R. (2010), Koolhaas afirma que “as cidades passam por diferentes fases que são
superadas e suplantadas ao longo do tempo”.
Ainda sobre Lewis (1979), essa leitura da paisagem que o mesmo sugere pode ser subjetiva,
uma vez que a visão do observador pode carregar o relato com suas percepções. Assim,
tentando não ser tendenciosa, a leitura da paisagem do Calçadão da cidade de Bauru, tema
deste trabalho, se desenrolou a partir da sugestão de Lowenthal (2002, p.249) onde o mesmo
defende “interconexões” como forma de se conhecer o passado. Estas interconexões
baseiam-se em recorrer à três fontes distintas: memória, história e relíquias como maneira
mais eficiente de se entender a verdade que se esconde, neste caso, na paisagem.
SOBRE BAURU
A cidade
Segundo o site da Prefeitura de Bauru em edição especial sobre a história da cidade (SITE...,
s.d.), os primeiros moradores chegaram por volta de 1856 e iniciaram o trabalho de lavoura,
trazendo seus familiares. Em 1885 Antonio Teixeira do Espírito Santo doou uma parte de sua
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
fazenda de 134 hectares aos santos do qual era devoto, um deles sendo São Sebastião de
Bauru, do qual estas terras deveriam carregar o nome de “Bauru” (Pelegrina e Zanlochi, 1991,
p.4). Assim se deu a formação urbana da cidade: através de um patrimônio religioso.
Por volta de 1889 fluminenses e mineiros se deslocaram para a então vila, acreditando que a
mesma detinha de um futuro próspero, dado que estava previsto para esta região uma
extensão da linha férrea. Bauru foi de Vila à Município em 1° de Agosto de 1896 e graças à
“Marcha à Oeste” teve seu crescimento acentuado (Pelegrina e Zanlochi, 1991; SITE..., s.d.).
A Estação Ferroviária Noroeste chegou em 1906 e teve papel importantíssimo no crescimento
e formação da cidade, tal qual a maioria das cidades do Estado de São Paulo. Tal importância
é descrita por Pelegrina e Zanlochi (1991) que atribuem grande parte do desenvolvimento
urbano à ferrovia e ao seu entroncamento de três linhas. Ainda segundo estes autores, esse
desenvolvimento citado refletiu diretamente no crescimento da cidade de Bauru, registrando
alto número populacional logo após a chegada da linha férrea, despertando a preocupação do
poder público que passou a investir em planejamento urbano e melhorias de amplo interesse
da população.
As primeiras casas e comércios de Bauru surgiram onde hoje é a Rua Araújo Leite, porém,
com a chegada da ferrovia os comerciantes decidiram se mudar para mais perto da mesma,
se realocando na recém batizada “Rua Batista de Carvalho” (Pelegrina e Zanlochi, 1991,
p.15). Em pesquisas realizadas em jornais dos anos 1906 a 1908 é percebido que de fato
pouco a pouco a Rua Araújo Leite foi perdendo sua notoriedade comercial e a transferindo
para a Rua Batista de Carvalho. Tal fato é visível quando se é observado as propagandas
mais decorrentes dos jornais da época citada, onde evidencia-se a alteração de endereço da
maioria dos comércios.
Além da influência da estação ferroviária, muitos outros acontecimentos também contribuíram
para o crescimento da cidade, como a fundação da “Sociedade Dante Alighieri”, fundação do
jornal impresso “O Bauru”, inauguração dos serviços telefônicos, do primeiro banco, o
primeiro grupo escolar, fundação da Beneficência Portuguesa e em 1926 a chegada das
religiosas do Sagrado Coração de Jesus, que impulsionou a educação na cidade. Bauru
continua evoluindo e faz jus ao seu slogan de “cidade sem limites”: entre seus quase 400 mil
habitantes abriga sete instituições de ensino superior, possui IDH de 0,801 e está entre as
maiores cidades do centro-oeste paulista (IBGE, 2015).
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
O Calçadão
Antes de ser batizada de “Rua Batista de Carvalho”, a via era conhecida por “Rua dos
Esquecidos” com tais dizeres expressos em uma placa de madeira e pendurada a um poste.
Fora nomeada assim pelo comerciante e juiz de paz João Batista de Carvalho, como forma de
protesto já que a prefeitura havia nomeado todas as ruas ao redor, exceto esta. Em 1904, a
rua com traços comerciais, foi batizada de “Batista de Carvalho” em homenagem ao já
falecido comerciante (Moraes, 2014). Sua posição estratégica, posta à porta de onde alguns
anos mais tarde seria construída a Estação Ferroviária, foi o que garantiu seu grande
fortalecimento e consolidação como principal rua comercial.
Segundo vídeo sobre a rua em questão do “Repórter Unesp”, o comercio ao longo da rua se
dividia por classes: as quadras 1 à 5 eram caracterizadas por comércio popular e dali até a
Praça Rui Barbosa era mais frequentada pela elite (DOS TRILHOS..., 2014). Seu crescente
fluxo de consumidores chamou a atenção da Prefeitura Municipal que, por volta de 1970,
decretou que a rua seria fechada ao pedestre aos sábados, numa tentativa de garantir maior
mobilidade ao grande número de pessoas (Moraes, 2014).
Em 1979 o “Jornal da Cidade” noticiou que o então prefeito Osvaldo Sbeghen acabara de
voltar de Curitiba-PR entusiasmado com o calçadão que conheceu e que havia grandes
possibilidades de trazer o modelo à cidade de Bauru (Jornal da Cidade, 1979). Em 1990 “volta
a ideia do calçadão”, noticiou o Diário de Bauru, dando voz ao arquiteto da Secretaria de
Planejamento que estava encarregado do projeto, o já falecido Jurandyr Bueno Filho. O
arquiteto explicou que a Rua Batista de Carvalho estava em declínio e devido à recém
abertura do primeiro shopping da cidade a rua estava perdendo seu movimento e precisava
urgentemente de uma revitalização (Diário de Bauru, 1990). Destaca-se aqui também a
insatisfação de muitos lojistas com a ideia.
Ignorando as críticas e apostando no desenvolvimento, se iniciaram as obras do calçadão sob
a administração do Prefeito Izzo Filho. Primeiro o asfalto fora substituído por pedras
portuguesas, depois vieram os bancos, lixeiras e floreiras e poucos dias antes da inauguração
foram postas as coberturas. Apesar da declaração do arquiteto Bueno Filho, Izzo defendeu
que o calçadão de Bauru era único e não deveria ser comparado com o de Curitiba. Ainda,
mostrando se importar com a aridez visual, declarou que o local teria muitas plantas, o “verde
que compõe a paisagem” (Diário de Bauru, 1992).
Desde sua inauguração em Agosto de 1992 o “Calçadão da Batista”, como é conhecido,
recebeu poucas intervenções mas uma em particular deve ser destacada. Em 2002 a
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Prefeitura de Bauru resolveu intervir na rua, promulgando a Lei 4951/02 que dispõe sobre a
publicidade ao ar livre e nas fachadas da área central. Os lojistas, com incentivo fiscal, foram
instruídos a procurarem um arquiteto para efetuarem um projeto “de limpeza” de suas
fachadas que estavam carregadas de informação visual. Segundo Ananian (2005, p.67-69),
foram feitas na maioria intervenções pontuais como a retirada de luminosos, retirada de
lambril, redimensionando de algumas vitrines e etc. Apesar de pontuais, estas intervenções
refletiram de uma maneira muito positiva, atingindo o objetivo principal de limpeza visual.
É difícil mensurar a importância do Calçadão para a cidade de Bauru. Além de abrigar os
primórdios da história da cidade, abriga também três edifícios tombados pelo poder municipal
– outros doze se encontram em seu entorno imediato –, mais de 130 lojas, inúmeras salas
comerciais, duas praças e, como já dito, acesso à antiga Estação Ferroviária. Em resumo, a
importância do local abrange o âmbito histórico, econômico e social.
SOBRE A PAISAGEM, BAURU E O TEMPO
Pode-se dizer que a paisagem da Rua Batista de Carvalho sofreu diversas alterações desde
seu surgimento – por volta de 1900 – até sua inauguração como calçadão, em 1992. Para
compreender essas mudanças na paisagem foram selecionadas algumas fotos, todas tiradas
do mesmo ângulo em décadas diferentes. O ângulo das fotos compreende a última quadra da
via, tendo em primeiro plano e à direita a Casa Lusitana – famoso prédio da cidade e tombado
patrimônio municipal –, a Rua Batista de Carvalho à esquerda – antes de se tornar o calçadão
–, ao final da rua ao fundo a Estação Ferroviária Noroeste e, para além desta última, os atuais
Jardim Bela Vista e Vila Souto.
Figura 1 – Rua Batista de Carvalho, 1925. Fotógrafo desconhecido. Fonte: NUPHIS
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Toma-se a Figura 1 datada de 1925 como ponto de partida para este trabalho. Aqui
observa-se a Casa Lusitana à direita, com ortografia da época e grande vegetação ao seu
fundo. A Rua Batista de Carvalho, ao centro-esquerda, já com calçamento e sem a vegetação
que possuía alguns anos antes. Vale ressaltar que neste ano ainda não havia sido construído
o atual edifício da Estação Ferroviária Noroeste, que fica ao fim da rua em questão, apesar de
que na época a cidade já detinha duas linhas ferroviárias: a Sorocabana e a Paulista (Matos,
1990, p.124-127).
Figura 2 – Rua Batista de Carvalho, 1940. Fotógrafo: Giaxa. Fonte: NUPHIS
Na Figura 2 em relação à Figura 1 observa-se as modificações da Casa Lusitana, com a sua
transformação em prédio de uso misto onde encontra-se ao térreo o comércio e no piso
superior residência. Algumas alterações surgem nas fachadas das edificações da Rua Batista
de Carvalho; ao longe à esquerda observa-se a Estação Ferroviária Noroeste,
horizontalizada, pouco tempo após sua construção. Imediatamente atrás da mesma pode se
observar a formação do Bairro Bela Vista. Em 1940 Bauru já havia inaugurado o jornal
“Correio de Bauru”, já havia fundado a Associação Comercial, o Aeroclube e o Automóvel
Clube (Bauru: Edição Histórica, s.d.).
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Figura 3 – Rua Batista de Carvalho, década de 1950. Fotógrafo: desconhecido. Fonte: Museu Histórico
Municipal de Bauru.
Na Figura 3 observa-se à esquerda a antiga Rua Rodrigues Alves ainda sem o canteiro central
e com muita arborização. À extrema direita o prédio da Casa Lusitana com poucas alterações
arquitetônicas. O que mais chama a atenção nesta figura é a grande verticalização que esta
área sofreu em comparação à década de 1940 (Figura 2). Nesta época, segundo Landim
(2004, p.72), surge a “ditadura do automóvel” e no âmbito urbano o status era determinado por
edifícios altos na área central.
Até este dado momento fica evidente todo o crescimento da Batista de Carvalho o que se
justifica pelas circunstâncias: em primeiro a chegada da estação ferroviária e em segundo o
modo de investimento na área central que, como já dito anteriormente citando Landim (2004),
a moda da época eram edifícios altos no centro – o espaço de trabalho – e residências mais
afastadas destes locais. Uma questão a se atentar: o sistema ferroviário foi o que garantiu o
crescimento da cidade de Bauru e mesmo após sua falência na década de 1940 a cidade
continuou experimentando o crescimento urbano e populacional. Isso se deve ao fato da
cidade ter substituído as atividades que antes eram voltadas à ferrovia para o comércio e
indústria local.
Da década de 1950 a 1992 (Figura 6), muitos foram os prédios que surgiram na Rua Batista
de Carvalho e em seu entorno. Não foram encontradas fotografias neste mesmo ângulo das
décadas de 1960, 1970 e 1980, mas em outros registros fotográficos pode-se identificar as
condições da via em questão. As Figuras 4 e 5 exibem a Rua em ângulos na altura do
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
pedestre, respectivamente correspondentes à década de 1960 e 1970. Nota-se a grande
quantidade de placas publicitárias, sugerindo o caráter majoritariamente comercial do local.
Figura 4 – Rua Batista de Carvalho, 1960, esquina com a Rua Azarias Leite. Fotógrafo: Giaxa. Fonte:
NUPHIS
Figura 5 – Rua Batista de Carvalho, 1970, esquina com a Rua Azarias Leite. Fotógrafo: Aldir. Fonte:
NUPHIS
A maior alteração que a paisagem do Calçadão pode ter sofrido foi, definitivamente, sua
transformação em via exclusiva de pedestre, o que ocasionou no fechamento da via, troca do
piso, inserção de mobiliário e, consequente, numa nova rotina que afetou toda a região. Sobre
esta alteração, há um elemento que não deve ser desprezado: sua cobertura.
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Figura 6 – Rua Batista de Carvalho em reforma, 1992, esquina com a Rua Azarias Leite. Fonte: Museu
Histórico Municipal de Bauru.
Figura 7 – Rua Batista de Carvalho, 2016, esquina com a Rua Azarias Leite. Fonte: acervo particular da
autora.
Apesar da cobertura ter sido implantada somente no ano de 1992, ela adquiriu gritante
importância na paisagem de Bauru, tornando-se um símbolo da cidade e da região central,
tendo tido inclusive logomarca (Ananian, 2005, pg.63).
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Ao longo de sete quadras foram implantados 63 pórticos, divididos em 21 grupos onde cada
grupo compõe uma cobertura independente. Assim, cada quadra detém de três coberturas e,
por motivos desconhecidos, somente duas receberam fechamento, sendo a cobertura do
meio apenas decorativa, incapaz de proteger o usuário das condições climáticas.
Em épocas festivas ou eventos diversos os pórticos recebem decoração e sob estas
coberturas acontecem todo tipo de interação social: campanhas de vacinação,
conscientização política e variados assuntos de interesse geral ocupam todas as semanas ao
menos uma das coberturas da rua. Este tipo de utilização do espaço urbano é um dos grandes
trunfos do Calçadão da Batista, garantindo experiências de interação do pedestre com a
cidade e tornando o espaço urbano um espaço de vivência saudável. Este quadro, carregado
de informações sensoriais, é o que de fato constitui a verdadeira paisagem do Calçadão da
Batista.
CONCLUSÃO
A paisagem, seja de qualquer cidade, se altera ao longo do tempo conforme a interação
humana, ou seja: ela se altera de acordo com o momento histórico. A identidade de uma
cidade pode ser medida através de sua paisagem como é o caso de Paris, por exemplo, com
sua Torre Eiffel, o caso do Rio de Janeiro com o Cristo Redentor e, numa visão local e mais
cabível, o caso de Bauru e seu Calçadão.
Medindo as alterações que a Rua do Calçadão da Batista sofreu ao longo de seus vários
anos, prova-se que de fato a paisagem cultural urbana se altera dado o momento e dada a
percepção do homem sobre o tempo. Inicialmente pode-se temporalizar em vários os
momentos de transitoriedade da paisagem do Calçadão e posteriormente eles podem ser
compreendidos numa visão mais macro.
O primeiro momento da paisagem vai desde a emancipação da cidade até o surgimento da
primeira linha férrea. Sabendo-se que as atividades agrícolas surgiram anos antes, por volta
de 1856, tomou-se como 1896 o ano de início da cidade, dado que é o ano de seu registro de
emancipação. De 1896 a 1906 a Rua Batista de Carvalho surgiu e iniciou seu processo de
crescimento, consolidado pela chegada da linha férrea.
O segundo momento compreende o ano de 1906 à década de 1970. Após a chegada da linha
férrea a Rua Batista de Carvalho experimentou progressivo aumento no seu fluxo de
pedestre: inicialmente por conta da ferrovia, posteriormente por sua consolidação e incrível
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
sucesso como rua comercial. A década de 1970, década em que iniciou seu funcionamento
exclusivo ao pedestre aos sábados, pode ser considerada a década do apogeu da Rua.
O terceiro momento vai da década de 1880 à 1992. Em meados e final da década de 1980
surgiram novos pontos comerciais que passaram a competir com a Rua. Em 1889, por
exemplo, foi inaugurado na cidade o primeiro shopping, o Bauru Shopping, localizado
demasiadamente afastado da malha urbana da época à cerca de 5km da Rua Batista de
Carvalho. Para Ananian (2005, p.50), este inicial abandono do centro juntamente com a
abertura de novas regiões de comércio em Bauru como a Avenida Getúlio Vargas, foram
determinantes para definir o novo perfil da região central bauruense com lojas populares e
comércio informal.
O último momento compreende o período de 1992 à atualidade. Em 1992, ano da
inauguração oficial do Calçadão da Batista, foi o ano que moldaria por fim as vistas atuais da
Rua. A grande maioria das edificações que existiam em 1992 no Calçadão existem até hoje e,
com exceção da remodelação das fachadas que a Lei 4951/02 exigiu, poucas coisas
mudaram na questão do ambiente construído. Lançando olhos à questão da ocupação
humana, o Calçadão perdeu em parte seu comércio democrático de outrora e a cidade foi
segregada em classes dando à Avenida Getúlio Vargas, por exemplo, um prestígio por ser
considerada “área rica” e ao Calçadão da Batista um certo desprezo por seu caráter popular.
Em uma visão macro, consegue-se dividir então a paisagem do Calçadão da Batista em dois
grandes momentos: antes e depois de sua inauguração oficial. Antes de sua inauguração o
local passou pelas fases de crescimento e apogeu, o que concretamente configurou em
grande parte o perfil edificado do Calçadão e socialmente o local experimentou grande
vivacidade. Com o declínio da Rua, a Prefeitura Municipal resolveu revitaliza-la,
inaugurando-a oficialmente como um calçadão. Essa inauguração – com a troca de piso,
inserção dos mobiliários e cobertura – é o que moldou mais uma vez e por definitivo a face
edificada do Calçadão e, no âmbito social, moldou um novo caráter comercial e ocupacional.
Não há maneira de mensurar o que poderia ter sido da rua caso esta atitude da prefeitura não
fosse tomada. Embora hoje tem-se uma imagem pejorativa do local, não deve ser desprezado
toda a sua força como ponto comercial: o Calçadão de Bauru tem o metro quadrado mais caro
da cidade (Moraes, 2014). Não deve ser desprezado também toda a importância no âmbito
social: dada a cobertura implantada somente em 1992, apesar de antiquada, habita o
imaginário dos cidadãos bauruenses e identifica a cidade para além de sua zona fronteiriça.
Outro grande bem que a inauguração trouxe ao local foi a conquista de uma rua exclusiva de
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
pedestre, a primeira do interior do Estado de São Paulo, que garante uma experimentação
diferenciada do espaço urbano por parte do pedestre.
Cada paisagem de um tempo em específico guarda remanescentes de um tempo passado e
acumula em sua face edificada e na memória de seus cidadãos aquilo que temos como
paisagem cultural e urbana. Assim, ainda repousada no passado, a paisagem do Calçadão de
Bauru conta sua história para quem puder ouvi-la sob suas coberturas.
REFERENCIAS
ANANIAN, Priscila. A Influência do Equipamento na Revitalização do Design Urbano em Áreas Centrais. 2005. 150f. Dissertação (Mestrado em Desenho Industrial). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Paulista Júlio Mesquita Filho, Bauru, 2005. BAURU: Edição Histórica. São Paulo, Editora Focus, s. d. CALÇADÃO será inaugurado hoje. Diário de Bauru, Bauru, 21 ago 1992. p.4. Coleção do Núcleo de Pesquisas Históricas da Universidade do Sagrado Coração- Bauru. CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. Lisboa, Edições 70, 2010. DOS TRILHOS à praça. Bauru: Repórter Unesp, 2014. 6:08 minutos. Disponível em < http://www.reporterunesp.jor.br/a-historia-do-calcadao-sem-limites/ > Acesso em Agosto de 2016. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015. Disponível em < http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=350600 > Acesso em Agosto de 2016. LANDIM, Paula da Cruz. Desenho de paisagem urbana: cidades do interior paulista. São Paulo, Editora UNESP, 2004 LEWIS, Pierce F. Axioms for reading the landscape. In: MEINIG, D. W. (editor) The interpretation of ordinary landscapes: geographical essays. New York, Oxford University Press, 1979. LOWENTHAL, David. The past is a foreign country. 10. ed. Cambridge, Cambridge University Press, 2002. MATOS, Odilon Nogueira. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas, Pontes, 1990.
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO
Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
MORAES, Tisa. Calçadão faz 22 anos com o metro quadrado mais caro de Bauru. Jornal da Cidade, Bauru, 2014. Disponível em < http://www.jcnet.com.br/Geral/2014/08/calcadao-faz-22-anos-com-o-m-mais-caro-de-bauru.html > Acesso em Agosto de 2016. PELEGRINA; Gabriel Ruiz. ZANLOCHI; Terezinha Santarosa. Ferroviária e urbanização: o caso de Bauru. Bauru, Universidade do Sagrado Coração, 1991. PREFEITURA poderá implantar o “calçadão” na rua Batista. Jornal da Cidade, Bauru, 12 jun 1979. p.20. Coleção do Núcleo de Pesquisas Históricas da Universidade do Sagrado Coração- Bauru. RIBEIRO, Cláudio Rezende. Publicação de artigo. A ideologia genérica ou a crítica da crítica de Rem Koolhaas. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.121/3444> Acesso em Agosto de 2016. RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro, IPHAN/COPEDOC. 2007. SITE Oficial da Prefeitura de Bauru. Primeiros tempos da nossa Bauru. Disponível em <http://www.bauru.sp.gov.br/arquivos/arquivos_site/publicacoes/Primeiros%20Tempos%20da%20Nossa%20Bauru.pdf > Acesso em Agosto de 2016. VOLTA a ideia do “calçadão”. Diário de Bauru, Bauru, 09 dez 1990. p.8. Coleção do Núcleo de Pesquisas Históricas da Universidade do Sagrado Coração - Bauru.