4
Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem? Debate 10ºA JORNAL DE FILOSOFIA pois não mostravam qualquer reacção emocional ao seu acto. Darrow tirou partido disto: Deveremos censurar Dickie Loeb por causa das forças infinitas que conspiraram para o formar, das forças infinitas que actuaram na sua criação muito antes de ele ter nascido, sabendo que, por causa dessas combinações infinitas, ele nasceu sem [o tipo correcto de emoções]? Se devemos, então tem de haver uma nova definição de justiça. Deveremos censurá-lo pelo que não teve e nunca teve? Quanto a Leopold, ele era fraco e não tinha amigos. Cresceu obcecado com a filosofia do "super-homem" de Nietzsche, desprezando as outras pessoasquerendo desesperadamente provar a sua superioridade. Em 1924, dois adolescentes de Chicago, Richard Loeb e Nathan Leopold, raptaram e assassinaram um rapaz chamado Bobby Franks apenas para provar que conseguiam fazê-lo. O crime impressionou o público. Apesar da brutalidade do seu acto, Leopold e Loeb não pareciam especialmente perversos. Provinham de famílias ricas e eram ambos estudantes excelentes. Aos dezoito anos, Leopold era o licenciado mais jovem na história da Universidade de Chicago, e, aos dezanove anos, Loeb era a pessoa mais nova que se tinha licenciado na Universidade de Michigan. Leopold estava prestes a entrar na Escola de Direito de Harvard. Como era possível que tivessem cometido um assassinato absurdo? Clarence Darrow (advogado de defesa) falou durante mais de doze horas. Não sustentou que os rapazes eram loucos. Ainda assim, disse, não eram responsáveis pelo que tinham feito. Darrow apelou a uma nova ideia que os psicólogos tinham proposto, nomeadamente que o carácter humano é moldado pelos genes do indivíduo e pelo ambiente. Disse ao juiz: "As pessoas inteligentes sabem agora que todo o ser humano é o produto de uma hereditariedade infindável que o precede e de um ambiente infinito que o rodeia". Não sei o que levou estes rapazes a realizar esse acto louco, mas sei que houve uma razão para que o tenham realizado. Sei que não o produziram por si. Sei que qualquer uma de um número infindável de causas que remontam ao começo pode ter actuado na mente destes rapazes que vos pedem para enforcar por malícia, ódio e injustiça porque, no passado, alguém pecou contra eles. Os psiquiatras tinham atestado que os rapazes não tinham sentimentos normais, Todo o ser humano é produto de uma hereditariedade infindável que o precede e de um ambiente infinito que o rodeia” Página 1 James Rachels, Problemas da Filosofia Sumário: As Pessoas Serão Responsáveis pelo que Fazem? .…...… .1, 2 e 4 Poderemos avaliar as pessoas como boas ou más se elas não tiverem Livre -Arbítrio..…………3 12 Homens em Fúria/ Debate….3 Será moralmente correto dizer às crianças que o Pai Natal existe? …………………………………..4 Nº2 ( E dição em Papel ) Nov/ Dez 2015 Especial Natal Online - Blogue Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel

Jornal de Filosofia - Versão Papel - nº2

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Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem? Debate 10ºA

JORNAL DE FILOSOFIA

pois não mostravam qualquer

reacção emocional ao seu acto.

Darrow tirou partido disto:

Deveremos censurar Dickie Loeb

por causa das forças infinitas que

conspiraram para o formar, das

forças infinitas que actuaram na sua

criação muito antes de ele ter

nascido, sabendo que, por causa

dessas combinações infinitas, ele

nasceu sem [o tipo correcto de

emoções]? Se devemos, então tem

de haver uma nova definição de

justiça. Deveremos censurá-lo pelo

que não teve e nunca teve?

Quanto a Leopold, ele era fraco e

não tinha amigos. Cresceu obcecado

com a filosofia do "super-homem"

de Nietzsche, desprezando as outras

pessoasquerendo desesperadamente

provar a sua superioridade.

Em 1924, dois adolescentes de

Chicago, Richard Loeb e Nathan

Leopold, raptaram e assassinaram

um rapaz chamado Bobby Franks

apenas para provar que conseguiam

fazê-lo. O crime impressionou o

público. Apesar da brutalidade do

seu acto, Leopold e Loeb não

pareciam especialmente perversos.

Provinham de famílias ricas e eram

ambos estudantes excelentes. Aos

dezoito anos, Leopold era o

licenciado mais jovem na história

da Universidade de Chicago, e, aos

dezanove anos, Loeb era a pessoa

mais nova que se tinha licenciado

na Universidade de Michigan.

Leopold estava prestes a entrar na

Escola de Direito de Harvard.

Como era possível que tivessem

cometido um assassinato absurdo?

Clarence Darrow (advogado de

defesa) falou durante mais de doze

horas. Não sustentou que os

rapazes eram loucos. Ainda assim,

disse, não eram responsáveis pelo

que tinham feito. Darrow apelou a

uma nova ideia que os psicólogos

tinham proposto, nomeadamente

que o carácter humano é moldado

pelos genes do indivíduo e pelo

ambiente. Disse ao juiz: "As

pessoas inteligentes sabem agora

que todo o ser humano é o produto

de uma hereditariedade infindável

que o precede e de um ambiente

infinito que o rodeia".

Não sei o que levou estes rapazes a realizar

esse acto louco, mas sei que houve uma razão

para que o tenham realizado. Sei que não o

produziram por si. Sei que qualquer uma de

um número infindável de causas que

remontam ao começo pode ter actuado na

mente destes rapazes — que vos pedem para

enforcar por malícia, ódio e injustiça —

porque, no passado, alguém pecou contra

eles.

Os psiquiatras tinham atestado que os

rapazes não tinham sentimentos normais,

“Todo o ser humano é

produto de uma

hereditariedade

infindável que o precede

e de um ambiente infinito

que o rodeia”

Página 1

James Rachels, Problemas da Filosofia

Sumário: As Pessoas Serão Responsáveis pelo que Fazem? .…...… .1, 2 e 4 Poderemos avaliar as pessoas como boas ou más se elas não tiverem Livre -Arbítrio..…………3 12 Homens em Fúria/ Debate….3 Será moralmente correto dizer às crianças que o Pai Natal existe? …………………………………..4

Nº2

( E dição em Papel )

Nov/ Dez 2015

Especial Natal Online - Blogue

Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel

Página 2 Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel

JORNAL DE FILOSOFIA| nº 2

Maria Beatriz

Na situação apresentada, Clarence

Darrow defende os adolescentes,

que cometeram um homicídio, com

base na ideia de que todo o ser

h u m a n o é p r o d u t o d a

hereditariedade e do ambiente que

o rodeia, estando as suas ações

determinadas, e não sendo,

portanto, responsável por elas.

Assume, assim a perspetiva do

determinismo radical, segundo a

qual todos os acontecimentos,

incluindo as ações humanas, são

e fe i t o s d e ac o nt ec i ment o s

anteriores; as ações resultam de

crenças e desejos que são

determinados por fatores biológicos

e culturais. Assim, tudo o que

fazemos é causado por forças que

não controlamos.

Joana Valadas

Mas esta posição tem uma forte

objeção: se as nossas ações são

efeitos de causas anteriores e, por

isso, inevitáveis, não poderíamos

ter escolhido outra coisa e não

existiria responsabilidade moral.

Não faria sentido punir ou afirmar

o mérito de alguém.

Maria Beatriz

Por isso concordo com o

libertismo; esta teoria refuta o

determinismo radical contra-

argumentando que há ações livres,

logo o deter minismo é falso. Só os

fenómenos físicos estão sujeitos às

leis da natureza, as ações resultam

de uma causalidade livre porque

dependem da vontade, da

capacidade de deliberar e decidir.

Assim, quando fazemos uma coisa

podendo ter feito outra, estamos a

agir livremente. E, se somos livres,

somos responsáveis pelas nossas

ações.

Joana Valadas

Mas, penso que para afirmar a

responsabilidade moral não é preciso negar o

determinismo (raciocínio das teorias

incompatibilistas, o determinismo radical e o

libertismo). Concordo com o determinismo

moderado segundo o qual podemos conciliar o

facto de todas as ações serem causadas por

acontecimentos anteriores, desde a

hereditariedade às crenças e desejos, com o

livre-arbítrio. Embora uma ação seja causada,

se a desejo fazer, se não me sentindo coagida

ou obrigada, significa que escolhi fazer isto em

vez de outra coisa e a minha ação é livre.

E se há liberdade, há responsabilidade moral.

Ana Lopes

Para mim o libertismo está mais correto

porque não basta não me sentir coagida a fazer

algo, eu tenho a experiência da deliberação, de

escolher entre desejos, de optar livremente por

uma ação, tendo outra alternativa. Sem este

sentimento de liberdade, que experienciamos

fortemente, não fazia sentido a nossa ação.

O Problema do Livre-Arbítrio

Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem?

Joana Valadas

Essa experiência de liberdade, de

que falas, é uma ilusão segundo o

determinismo radical e resulta

apenas do desconhecimento das

verdadeiras causas de uma ação. A

crença de que o determinismo é

verdadeiro é muito forte.

Raquel Azeda

A ideia de responsabilidade moral é

essencial para que seja possível

viver em sociedade. Sem ela não

procuraríamos agir corretamente

tendo presente as consequências

das nossas ações para os outros.

A hereditariedade, a sociedade

onde o ser humano vive e a

educação que lhe foi transmitida

são fatores que influenciam as suas

decisões. Mas, se os jovens

a s s a s s i n o s a g i r a m s e m

constrangimentos, a sua ação não

foi inevitável,(continua pág 4)

Será que temos

capacidade de escolha

e de decisão?

Ou a nossa ação está

ligada a

acontecimentos

anteriores, sendo um

efeito de um

acontecimento

anterior?

Muitos acontecimentos

do mundo estão

sujeitos a um

determinismo causal.

Mas são também as

nossas ações o

resultado de causas

anteriores e não o

resultado da nossa

vontade?

Debate 10ºA

Poderemos avaliar as pessoas como boas ou más se

elas não tiverem livre arbítrio?

Um júri composto por doze jurados

reúne-se para decidir a sentença no

julgamento de um jovem de 18 anos

acusado de matar o pai. As

orientações do juiz são as de que

devem chegar a uma decisão unânime

e de que o réu deve ser considerado

inocente no caso de existir uma

dúvida legítima quanto à sua culpa. O

veredicto de «culpado» conduzirá

obrigatoriamente a uma pena de

morte.

Numa primeira votação, onze dos

doze jurados votam pela condenação.

O jurado número 8 recusa-se a

concordar com os restantes,

argumentando a favor da existência

de uma dúvida legítima quanto à

culpa do réu. Sem nunca afirmar que

sabe que este é inocente, o jurado

número 8 procura persuadir os

restantes a repensarem a sentença e

alterarem o sentido do seu voto.

12 Homens em Fúria é um

desfile de argumentos de ambas

as partes, que sustentam ambos

os vereditos

12 Homens em Fúria Filme seguido de debate 11ºA e 11ºB

Página 3 Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel

Um dos primeiros argumentos a favor da sentença de «culpado» é uma falácia de apelo à ignorância Surgem alguns entimemas É cometida a falácia ad hominem Alguns dos argumentos apresentados têm premissas meramente plausíveis O jurado número 8 procura persuadir racionalmente os restantes

JORNAL DE FILOSOFIA| nº 2

Avaliar as pessoas de boas ou más.

Poderemos continuar a considerar

as pessoas boas ou más se elas não

tiverem livre-arbítrio?

Pode parecer surpreendente que diga

isto, mas não vejo razão para pensar

que não. Mesmo que não tenham

livre-arbítrio, as pessoas não

deixarão de ter virtudes e vícios.

Continuarão a ser corajosas ou

cobardes, benevolentes ou cruéis,

generosas ou gananciosas.

Um assassino não deixará de ser um

assassino - e continuará a ser mau

ser um assassino. Obviamente, pode

ser possível explicar as más acções

de uma pessoa como resultado dos

seus genes, da sua história ou da

química do seu cérebro. Isto pode

levar-nos a ver essa pessoa como

alguém que teve azar nas

circunstâncias que a fizeram tornar-

se naquilo que é.

Porém, isto não significa que ela não

seja má. Precisamos de distinguir a)

a questão de saber se alguém é má

pessoa de b) a questão de saber

como alguém se tornou má pessoa.

Uma explicação causal do caráter de

uma pessoa não implica que ela não

seja má. Mostra apenas como ela se

tornou má.

James Rachels, Problemas da Filosofia

É moralmente errado dizer às crianças que

o Pai Natal existe? Domingos faria, in http://manualescolar2.0.sebenta.pt/projectos/fil10/posts/1077

Página 4 Jornal de Filosofia/ Blogue|Versão de Papel

JORNAL DE FILOSOFIA| nº 2

Lamento, o Pai Natal não existe! Porém,

comummente os pais ensinam aos filhos

que ele existe, alertando-os para se

comportarem bem ao longo de todo o

ano a fim de serem presenteados pelo

Pai Natal. Mas será correto ensinar às

crianças que o Pai Natal existe, que viaja

num trenó puxado por renas voadoras

com o saco cheio presentes? Que

argumentos se podem avançar a favor e

contra isto?

Por um lado, pode-se argumentar que a

crença no Pai Natal é inócua. Não é

como a crença do proprietário de navios

de William Clifford, que enviou para o

mar um navio em mau estado com

emigrantes, convencido de que o navio

estava em bom estado; mais tarde, o

navio acabou por naufragar em pleno

mar sem deixar rasto. Uma crença como

esta leva a ações nocivas. Porém, a

crença no Pai Natal é inofensiva e, com

toda a imaginação suscitada por este

mito, até pode estimular o

desenvolvimento da criatividade da

criança.

Além disso, parece que as consequências

de acreditar no Pai Natal são

globalmente boas para as crianças,

gerando uma imensa alegria e

entusiasmo – como se pode constatar ao

escreverem as cartas ao Pai Natal, ao

abordarem o assunto do Natal ou ao

receberem os presentes. Logo, parece

que não é errado falar às crianças da

existência do Pai Natal e de todo o mito

que o acompanha.

Por outro lado, pode-se argumentar que

é bom que os filhos tenham confiança na

palavra dos pais. É a partir destas

relações de confiança que os filhos

aprendem e se desenvolvem. Se os filhos

descobrirem que os pais estão a enganá-

los com a crença da existência do Pai

Natal, isso pode colocar em causa a

relação de confiança: afinal quando é

que os filhos devem dar crédito ao

testemunho dos pais?! Portanto, para

não haver risco de perda de confiança,

é melhor não ensinar a crença do Pai

Natal.

Do mesmo modo, incutir crenças

falsas às crianças silenciando ou

contornando as suas dúvidas é errado

(como por exemplo a criança

questionar “Como entra o Pai Natal

nas casas que não têm chaminé?” ou

“As renas do Pai Natal voam

mesmo?”, ao que os pais respondem

condescendentement com algo como

“Isso é magia!”). Isto é errado, uma

vez que promove maus hábitos

mentais, enfraquecendo o hábito de

exigir indícios a favor das nossas

crenças. Assim, há o perigo da

credulidade, do perder o hábito de

testar as coisas e de as investigar.

São estes argumentos plausíveis ou

sofrem de alguma fragilidade?

Quais são os melhores argumentos?

Que mais argumentos se podem

avançar a favor e contra a

transmissão da crença da existência

do Pai Natal às crianças?

Afinal, será ou não moralmente

errado dizer às crianças que o Pai

Natal existe?

poderiam ter escolhido fazer outra

coisa e devem ser responsabilizados

pelo que fizeram.

Nicole

Com este debate conseguimos

realmente entender em que consiste o

problema do livre arbítrio e a

dificuldade das questões que coloca. É

realmente muito difícil defender

apenas uma teoria e defende-la de

maneira correta. O problema do livre

arbítrio é por isso um problema

intemporal, bastante discutido, que

origina várias respostas/ teorias,

todas elas com boas razões, mas sem

uma resposta definitiva. Todas as

perspetivas sobre este problema

apresentam argumentos válidos, mas

ao mesmo tempo estão sujeitas a

fortes objeções, difíceis de

responder.

É isto que torna a filosofia

interessante e importante, pois

ensina-nos a defender as nossas

opiniões e teorias, mas ao mesmo

tempo a aceitar e respeitar outras

perspetivas e pontos de vista que

apresentem bons argumentos.

Serão as pessoas responsáveis pelo que fazem? Continuação pág 2