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www.literaturaeshow.com.br ©todos os direitos reservados LITERATURA 1 A FESTA DAS PALAVRAS NA OBRA DE LEMINSKI: UMA LEITURA DE LA VIE EM CLOSE Análise de JOSÉ RICARDO LIMA 1 1. BREVES DADOS BIOGRÁFICOS Para os que trilham os primeiros passos da análise literária, uma das possíveis formas de se “definir” determinado autor é atribuindo-lhe rótu- los. Assim, Castro Alves se torna o “poeta dos escravos”, Cruz e Sousa o “poeta negro”, Alphonsus de Guimaraens o “solitário de Mariana”. A estilís- tica até estuda esse fenômeno e o denomina de antonomásia. Isto também acontece com Paulo Leminski, autor de La vie en close 2 . Chamam-no de “o kamiquase”, “o bandido que sabia latim”, “usina de linguagem”, “labirinto sem limites”, “samurai malandro”, “parnasiano-chic”, “caboclo-monge- black-beat-zen”, “falso fácil”, “o anarquiteto das desengenharias”. Tudo bem que nem sempre esses epítetos são tão elucidativos como deveriam, mas mesmo assim, podemos já por eles antever a riqueza e a complexidade da obra do poeta. Com o tempo, lendo essas páginas, ::Você:: vai entender melhor algumas dessas expressões. Paulo Leminski nasceu em Curitiba, capital paranaense, em 24 de a- gosto de 1944. Era um mestiço com mãe negra (Áurea Mendes Leminski) e pai de origem polaca (Paulo Leminski, assim como o filho). O poeta passou a maior parte da vida em sua cidade natal e achava interessante o fato da- quele lugar ter gente que vinha de todos os cantos do mundo. Cresceu ouvindo palavras em alemão, polonês, hebraico, italiano, árabe e japonês e, com certeza, o contato com essas culturas enriqueceu sua poética. Do pai, Leminski não herdou apenas o nome, mas também o gosto pe- los livros. O primeiro que leu foi o complexo Os sertões, do pré- modernista Euclides da Cunha. Viveu dos 12 aos 14 anos em São Paulo, no Mosteiro de São Bento e ali, mesmo tão jovem, escreveu o que os críticos consideram sua primeira “obra”: um caderno onde figuravam as biografias dos principais santos da Ordem dos Beneditinos. Ali aprendeu também canto gregoriano, que considerava sua única formação musical. (MARQUES, 2007: 18). Com 20 anos, publica alguns poemas na revista do movimento concre- tista Invenção, e aos 24 casa-se com a também poeta Alice Ruiz, com quem Leminski teve três filhos (Miguel Ângelo, falecido aos 10 anos de idade, Áurea Alice e Estrela”. Foi professor de cursinho pré-vestibular (História e 1 Graduado em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde já atuou como professor substituto através do ILEEL – Instituto de Letras e Lingüística, e professor da rede privada de ensino de Uberlândia e região desde 2001. 2 LEMINSKI, Paulo. La vie en close. São Paulo: Brasiliense. 5ª ed., 1994. Todas as citações seguem esta edição. Por isso, quando em indicação bibliográfica, apenas os números das páginas serão informados entre parênteses. Redação), redator de publicidade, colaborador de jornais e revistas (entre eles, Folha de S. Paulo e Veja) e compositor de MPB. Compôs 10 canções sozinho, fazendo letra e música, e em quase 50 atuou apenas como letrista, ao lado de nomes como Moraes Moreira, Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik e Arnaldo Antunes. Leminski foi sempre um estudioso, em especial da cultura japonesa, que também participa do rol de suas influências. Participou ativamente do cenário cultural brasileiro das décadas de 70 e 80 do século passado. Faleceu na cidade onde veio ao mundo, no dia 7 de junho de 1989, vítima de cirrose hepática. La vie en close foi publicado postumamente, no ano de 1991. 2. PRINCIPAIS OBRAS POESIA Polonaises (1980), Caprichos e relaxos (1983), Distraídos venceremos (1987), La vie en close. (1991), O ex-estranho (1996). PROSA Catatau (prosa experimental) (1975), Agora é que são elas (romance) (1984), Descartes com lentes (conto) (1995), Gozo Fabuloso (contos) (2004). BIOGRAFIAS Matsuô Bashô (1983), Jesus (1984), Cruz e Souza (1985), Trotski: a paixão segundo a revolução (1986). TRADUÇÕES Pergunte ao pó (FANTE, John. 1984), Giacomo Joyce (JOYCE, James. 1985), Um atrapalho no trabalho (LENNON, John. 1985), Sol e aço (MISHIMA, Yukio. 1985), Satyricon (PETRONIO. 1985). LITERATURA INFANTO-JUVENIL Guerra dentro da gente (1986), A lua foi ao cinema (1989). 3. ENQUADRAMENTO ESTILÍSTICO Algumas pessoas se perguntam, ao estudarem a história da literatura, qual é a “escola” literária que estamos vivendo nesse início de milênio. Uns pensam que ainda estamos no Modernismo, outros pensam que ele já aca- bou e há também aqueles que não pensam nada, pois não entendem bem essas divisões e subdivisões. Por mais problemática que seja a periodiza- ção, pivô de uma verdadeira celeuma entre os literatos, vezes ou outras recorremos a ela e até inventarem algo melhor, esta será sempre uma referência possível para estudarmos a arte da palavra.

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A FESTA DAS PALAVRAS NA OBRA DE LEMINSKI: UMA LEITURA DE LA VIE EM CLOSE Análise de JOSÉ RICARDO LIMA1 1. BREVES DADOS BIOGRÁFICOS

Para os que trilham os primeiros passos da análise literária, uma das possíveis formas de se “definir” determinado autor é atribuindo-lhe rótu-los. Assim, Castro Alves se torna o “poeta dos escravos”, Cruz e Sousa o “poeta negro”, Alphonsus de Guimaraens o “solitário de Mariana”. A estilís-tica até estuda esse fenômeno e o denomina de antonomásia. Isto também acontece com Paulo Leminski, autor de La vie en close2. Chamam-no de “o kamiquase”, “o bandido que sabia latim”, “usina de linguagem”, “labirinto sem limites”, “samurai malandro”, “parnasiano-chic”, “caboclo-monge-black-beat-zen”, “falso fácil”, “o anarquiteto das desengenharias”. Tudo bem que nem sempre esses epítetos são tão elucidativos como deveriam, mas mesmo assim, podemos já por eles antever a riqueza e a complexidade da obra do poeta. Com o tempo, lendo essas páginas, ::Você:: vai entender melhor algumas dessas expressões.

Paulo Leminski nasceu em Curitiba, capital paranaense, em 24 de a-gosto de 1944. Era um mestiço com mãe negra (Áurea Mendes Leminski) e pai de origem polaca (Paulo Leminski, assim como o filho). O poeta passou a maior parte da vida em sua cidade natal e achava interessante o fato da-quele lugar ter gente que vinha de todos os cantos do mundo. Cresceu ouvindo palavras em alemão, polonês, hebraico, italiano, árabe e japonês e, com certeza, o contato com essas culturas enriqueceu sua poética.

Do pai, Leminski não herdou apenas o nome, mas também o gosto pe-los livros. O primeiro que leu foi o complexo Os sertões, do pré-modernista Euclides da Cunha. Viveu dos 12 aos 14 anos em São Paulo, no Mosteiro de São Bento e ali, mesmo tão jovem, escreveu o que os críticos consideram sua primeira “obra”: um caderno onde figuravam as biografias dos principais santos da Ordem dos Beneditinos. Ali aprendeu também canto gregoriano, que considerava sua única formação musical. (MARQUES, 2007: 18).

Com 20 anos, publica alguns poemas na revista do movimento concre-tista Invenção, e aos 24 casa-se com a também poeta Alice Ruiz, com quem Leminski teve três filhos (Miguel Ângelo, falecido aos 10 anos de idade, Áurea Alice e Estrela”. Foi professor de cursinho pré-vestibular (História e

1 Graduado em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde já atuou como

professor substituto através do ILEEL – Instituto de Letras e Lingüística, e professor da rede privada de ensino de Uberlândia e região desde 2001. 2 LEMINSKI, Paulo. La vie en close. São Paulo: Brasiliense. 5ª ed., 1994. Todas as citações seguem esta edição. Por isso, quando em indicação bibliográfica, apenas os números das páginas serão informados entre parênteses.

Redação), redator de publicidade, colaborador de jornais e revistas (entre eles, Folha de S. Paulo e Veja) e compositor de MPB. Compôs 10 canções sozinho, fazendo letra e música, e em quase 50 atuou apenas como letrista, ao lado de nomes como Moraes Moreira, Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik e Arnaldo Antunes.

Leminski foi sempre um estudioso, em especial da cultura japonesa, que também participa do rol de suas influências. Participou ativamente do cenário cultural brasileiro das décadas de 70 e 80 do século passado. Faleceu na cidade onde veio ao mundo, no dia 7 de junho de 1989, vítima de cirrose hepática.

La vie en close foi publicado postumamente, no ano de 1991. 2. PRINCIPAIS OBRAS POESIA Polonaises (1980), Caprichos e relaxos (1983), Distraídos venceremos (1987), La vie en close. (1991), O ex-estranho (1996). PROSA Catatau (prosa experimental) (1975), Agora é que são elas (romance) (1984), Descartes com lentes (conto) (1995), Gozo Fabuloso (contos) (2004). BIOGRAFIAS Matsuô Bashô (1983), Jesus (1984), Cruz e Souza (1985), Trotski: a paixão segundo a revolução (1986). TRADUÇÕES Pergunte ao pó (FANTE, John. 1984), Giacomo Joyce (JOYCE, James. 1985), Um atrapalho no trabalho (LENNON, John. 1985), Sol e aço (MISHIMA, Yukio. 1985), Satyricon (PETRONIO. 1985). LITERATURA INFANTO-JUVENIL Guerra dentro da gente (1986), A lua foi ao cinema (1989). 3. ENQUADRAMENTO ESTILÍSTICO

Algumas pessoas se perguntam, ao estudarem a história da literatura, qual é a “escola” literária que estamos vivendo nesse início de milênio. Uns pensam que ainda estamos no Modernismo, outros pensam que ele já aca-bou e há também aqueles que não pensam nada, pois não entendem bem essas divisões e subdivisões. Por mais problemática que seja a periodiza-ção, pivô de uma verdadeira celeuma entre os literatos, vezes ou outras recorremos a ela e até inventarem algo melhor, esta será sempre uma referência possível para estudarmos a arte da palavra.

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Atentos para as constantes mudanças no contexto artístico, os histo-riadores preferem denominar os períodos uns trinta ou quarenta anos depois da época em que os textos foram escritos. Assim, apurado o caldo literário, pode-se diferenciar melhor o que era estilo individual (típico de cada autor) daquilo que é realmente o estilo de uma época, e ainda, definir a média literária e separá-la daqueles que servirão como ícones para os altares acadêmicos. Assim, as últimas manifestações “canonizadas” em nossa literatura foram os movimentos vanguardistas das décadas de 1950 e 1960 (Concretismo, Neoconcretismo, Poesia Práxis, Poema Processo) e a chamada Poesia Marginal dos anos 70 do século XX. Alguns autores até fizeram investidas na produção dos anos 80, mas até agora, nada de subs-tancial foi escrito em termos de historiografia. Muitos estudiosos preferem chamar as produções pós-1964 de “Tendências contemporâneas” e neste ambiente democrático, dão lugar a tudo e a todos. De uns tempos pra cá, começou-se utilizar também um termo escorregadio pra designar as pro-duções de nosso tempo: a pós-modernidade.

Ainda existe muito a se falar sobre esse conceito, que como todos os outros, é superficial. Sabe-se que a expressão nasceu nos Estados Unidos, dentro da sociologia, e ganhou força, se espalhando por todo o mundo. A professora Leyla Perrone-Moisés afirma que a definição da pós-modernidade oscila, de autor a autor, entre o estabelecimento de uma periodização histórica, uma descrição de traços de estilo, ou uma enume-ração de posturas filosóficas e existenciais. Além disso, os teóricos identi-ficam freqüentemente modernidade social com modernidade artística, estabelecendo uma relação direta e especular que nem sempre existiu. O que mais tem sido discutido, no pós-moderno, é o prefixo pós. Vista histori-camente, a pós-modernidade, como parece indicar a partícula pós, seria o movimento estético que veio depois da modernidade e a ela se opõe. Come-çam aí as contradições e dificuldades conceituais. Como uma das posturas filosóficas pós-modernas consiste em negar o tempo sucessivo, progressi-vo e teológico, […] essa concepção histórica e dialética dos movimentos estéticos não deveria ser assumida pelos pensadores pós-modernos. (PERRONE-MOISÉS, 1998: 179-180).

Se o conceito de pós-modernidade é problemático, uma coisa é certa: o homem pós-moderno é alguém sozinho, cindido, rachado em incontáveis pedaços, multifacetado, inserido num processo amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades mo-dernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2002: 7).

O poeta Paulo Leminski, autor de La vie en close, exemplifica a postu-ra deste homem pós-moderno e ainda tem algo a acrescentar: a alma de poeta. Um poeta preocupado em conhecer, analisar, explicar, e reinventar a linguagem. Um poeta formado por múltiplos pedaços: o oriental, o tropi-calista, o concretista, o marginal. E é através da amostragem desses cacos de gente que nosso estudo analítico se pautará. 4. O ORIENTALISMO NIPÔNICO NA OBRA DE PAULO LEMINSKI

Alicerçada sobre o pensamento greco-latino e hebraico-cristão,

a cultura ocidental, desde o século XVIII, tenta olhar para o outro lado do mundo e entender os ventos das manifestações humanas que nos chegam lá do Oriente. Esses ventos entraram pela janela sempre aberta de Lemins-ki e fizeram com que o poeta curitibano descobrisse, entre outras riquezas, a poesia de Matsuô Bashô e sua manifestação mais interessante: o haicai.

Matsuô Bashô nasceu em meados do século XVII, mais exatamen-te em 1644, provavelmente nas proximidades de Ueno, cidade da província de Iga, no Japão. Aos 9 anos, conheceu seu grande mestre, Todo Yoshitada, também menino, de quem Bashô era acompanhante. O elo mais forte entre os dois era justamente a criação de haicais, que já na época eram o passa-tempo preferido de alguns homens da sociedade nipônica. Na juventude, Bashô tornou-se samurai, mas abandonou seu oficio de guerreiro em 1666 para dedicar-se exclusivamente à poesia. A amizade entre Bashô e Yoshita-da durou até o ano 1669, quando o último morreu, aos 25 anos. Bashô viveu duas vezes mais que seu amigo, morrendo em 1694.

O haicai (também chamado de haiku, hokku e haikai) consiste numa modalidade do gênero lírico se caracteriza pela concisão e a objetivi-dade, tão peculiares ao povo nipônico. Foi popularizado no Brasil pelo prín-cipe dos poetas, Guilherme de Almeida (1890 - 1969), que inclusive definiu sua forma fixa em Português (três versos com cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente, num total de dezessete), já que em seu início, os textos eram escritos com a utilização dos ideogramas japoneses. Segundo MOISÉS (2004), o haicai deve concentrar em reduzido espaço um pensamento poético e/ou filosófico, geralmente inspirado nas mudanças que o ciclo das estações provoca no mundo concreto. Apesar dessa definição, alguns haicaístas modernos têm ampliado a temática dessa modalidade lírica, nem sempre utilizando a “palavra de estação” — em japonês, o termo que reme-te às épocas do ano se chama Kigo (ki = estação, go = palavra) —, mas na maioria das vezes vinculados a um ambiente campesino. Além disso, o esquema 7-5-7, ocasionalmente, é substituído por versos de outros tama-nhos, embora a estrutura em terceto quase sempre se mantenha.

Para enriquecer nossa definição, colocamos a seguir as palavras da professora, escritora e crítica literária Nelly Novaes Coelho. Ela afirma que “o fundamento filosófico do haiku é o preceito budista de que tudo neste mundo é transitório e que o importante é sabermo-nos feitos de mudanças contínuas como a natureza e as estações (primavera, verão, outono e inverno)”. Atesta ainda que “em sua divulgação pelo Ocidente, o haiku conservou a estrutura formal de origem, mas perdeu sua ligação com a tradição cultural japonesa, representada pelo Kigo; e assim transformou-se em forma poética condensada, gerada por uma sensação provocada por uma funda percepção sensorial. Embora não esteja ligado necessariamente ao Kigo (a um fenômeno sazonal), o haicai ocidental, via de regra, parte de uma percepção muito concreta (visual, táctil, auditiva, térmica...) que fun-ciona como disparadora de sensações (associações, sentimentos, dados da memória, analogias...)”. (COELHO, Internet).

Atualmente, alguns poetas brasileiros se dedicam a essa pérola da poesia nipônica. Dentre eles, podemos citar Millôr Fernandes, Alice Ruiz (com quem Leminski foi casado), Miguel Sanches Neto e Olga Savary.

Talvez o haicai mais popular de Bashô seja este:

O texto foi escrito em 1686. Sua pronúncia aproximada em japo-

nês é furú iquê iá / cauázu tobicômu / mizú no otô. Na tradução de Paulo

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Franchetti e Elza Doi3, temos: “O velho tanque —/ Uma rã mergulha,/ Baru-lho de água”. Existem outras várias versões para a nossa língua, feitas, entre outros, por Haroldo de Campos e Décio Pignatari, dois ícones do Concretismo brasileiro. Em La vie en close, Paulo Leminski bebe nas águas do mesmo poço, e traz para a pós-modernidade os ecos da longínqua e tão próxima poesia de Bashô. Vejamos a tradução de Leminski para o haicai do escritor japonês: um salto de sapo jamais abolirá o velho poço (p. 108)

Um fato curioso sobre a tradução do poema é que Leminski o in-titula de MALLARMÉ-BASHÔ, evocando a presença do poeta e crítico lite-rário francês Stéphane Mallarmé (1842 – 1898), a quem fará outras refe-rências, diretas ou indiretas, no decorrer de todo o livro. A importância de Mallarmé se deve, principalmente, por seu nome estar inscrito no rol dos poetas que alicerçaram duas das chamadas “escolas” literárias que se originaram na França, no século XIX e se espalharam por todo o mundo, inclusive no Brasil: o Parnasianismo e o Simbolismo. Mallarmé influencia sobremaneira a obra do poeta paranaense, principalmente em sua verve concretista, da qual falaremos mais tarde. A versão do haicai de Bashô une as duas metades do mundo, pois no poema Un coup de dés, de Mallarmé, figura a Idéia (a inicial maiúscula se justifica pela prática dos simbolistas de alegorizar as palavras através da personificação) de que “um lance de dados jamais abolirá o acaso”. Paulo Leminski modifica, portanto, as palavras do poeta francês, incluindo a temática e as palavras utilizadas pelo antigo samurai do século XVII.

Formalmente, Leminski não utiliza o metro proposto por Guilher-me de Almeida, e assim justifica, no ensaio biográfico que faz sobre Bashô, sua versão do haicai: "O velho tanque — o primeiro verso expressa, em geral, uma circunstância eterna, absoluta, cósmica, não humana, normalmente, uma alusão à esta-ção do ano. O sapo salta — o segundo verso exprime a ocorrência do evento, o acaso da acontecência, a mudança, a variante, o acidente casual. Por isso, talvez, tenha duas sílabas a mais que os outros. O som da água — a terceira linha do haicai representa o resultado da interação entre a ordem imutável do cosmos e o evento. Resultado distinto da conclusão grega aristotélica. O terceiro verso de um haicai não é uma conclusão lógica: parte de uma obra de arte, é o membro de um poema." (LEMINSKI, 1983 Apud MARQUES, 2007: 36-7)

É importante notar que Leminski não só justifica a tradução, mas também explica fundamentos da modalidade poética. O texto é, por assim dizer, uma amostra de uma das particularidades do poeta: a presença de um humor irônico e inteligente, “um humor desconstrutor que faz aconte-cer, a partir de um texto hibrido, a reunião de duas experiências em tudo distintas: Mallarmé é a onipresença da linguagem, Bashô é a onipotência da

3 O texto em ideogramas e a tradução/recriação podem ser encontrados em [http://www.kakinet.com/caqui/umhaiku.shtml]

vida. Em seguida, ocorre, dialeticamente, a síntese, que não é conseguida sem atritos. Que atritos seriam esses? Talvez uma espécie de tensão que emana do intertexto, tensão construída do encontro de incongruências (no poema, o salto do sapo suplementa o lance de dados, o acaso se oculta no velho poço)” (MARQUES, 2007).

MALLARMÉ-BASHÔ inaugura, em La vie en close, a série de hai-cais escrita por Leminski. Antes dele, porém, aparece KAWÁSU, que já atesta a influência oriental: “Kawásu” é “sapo”, em japonês. Imagino ter relação original com “kawa”, “rio”. O batráquio é o animal totêmico do haikai, desde aquele memorável momento em que Mestre Bashô flagrou que, quando um sapo “tobikômu” (“salta-entra”) no velho tanque, o som da água. (p. 107)

O texto contém, além da referência a Bashô, o fenômeno da me-talinguagem, também característico de Paulo Leminski. Por outras vezes tantas, o poeta explicará, além do seu fazer poético, a língua-mãe com a qual se expressa, e as línguas-irmãs, das quais comumente se apropria. Aqui, o bandido que sabia latim mostra que sabe também japonês, como que ampliando o haicai do mestre nipônico e refletindo sobre ele.

Segundo Anselmo Peres Alós, a imagem fugaz do sapo que “salta-entra” no tanque de água é emblemática para traduzir a idéia de transitori-edade das coisas inerente à poesia haikai: em um primeiro momento, o sapo estanque, presença material e viva da natureza; no momento seguinte, o som da água - único vestígio da presença do batráquio - a esvaecer tão rapidamente quanto o salto inicial, denunciando a meta-física da presença do signo sapo, tornado ausência, vestígio, mero traço do artifício retórico que tenta desesperadamente cristalizar com signos lingüísticos a grandeza de uma imagem poética de poucos segundos. (ALÓS, Internet).

Abaixo, colocamos outros haicais de La vie en close. Neles, po-demos notar a irreverência, o duplo sentido, a crítica ferina, a linguagem chula, algumas referências ao orientalismo, enfim, a riqueza da lira etílica de Leminski. essa estrada vai longe mas se for vai fazer muita falta (p. 118) estrela cadente eu olho o céu partiu para uma carreira solo (p. 121) velhas fotos velha e revelha uma flor de lótus (p. 130) longo o caminho até o céu essa minha alma vagabunda com gosto de quarto de hotel (p. 131)

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morreu o periquito a gaiola vazia esconde um grito (p. 133) dia sem senso acendo o cigarro no incenso (p. 137) primavera de problemas a luz das flores grandes assombra as flores pequenas (p. 146) — que tudo se foda, disse ela, e se fodeu toda (p. 160) acabou a farra formigas mascam restos da cigarra (p. 174) 5. A VERVE CONCRETISTA DE LEMINSKI A poesia concreta aparece no cenário da literatura nacional no final dos anos 50 do século passado, quando Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, que haviam editado o primeiro número da revista Noigrandes, modificaram completamente sua orientação estética, definindo as bases do que chamaram de Concretismo.

A principal contribuição desses poetas foi, com certeza, a eleva-ção da palavra à Palavra, com p maiúsculo, ou seja, a valorização extrema da célula máter da arte literária. Antes do Concretismo, a poética tradicio-nal, tão bombardeada pelo Modernismo, ainda insistia em viver com a presença o verso. Rima, ritmo e métrica, já tinham desaparecido no olho ciclone tropical que foram a Semana de 22 e os seus desdobramentos, mas o verso se mantinha. A poesia concreta demoliu essa última coluna do tradicionalismo e colocou definitivamente a Literatura na sua condição pós-moderna. Assim, a Palavra adquire um valor mais expressivo, os espaços em branco são levados em conta e a poesia se torna verbal, vocal e visual, ou nos dizeres dos concretistas, “verbivocovisual”. Dessa forma, temos na literatura o primado do significante, ou seja, a valorização dos elementos formais em detrimento dos aspectos conteudísticos.

Em sua História Concisa da Literatura Brasileira, Alfredo Bosi nos fala sobre a elevação do significante: “Na medida em que o material significante assume o primeiro plano, verbal e visual, o poeta concreto inova em vários campos que se podem assim enumerar: a) no campo semântico: ideogramas (‘apelo à comunicação não-verbal’...); polissemia, trocadilho, nonsense [sem sentido, absurdo]...; b) no campo sintático: ilhamento ou atomização das partes do discurso; justaposição, redistribuição de elementos, ruptura com a sintaxe da propo-sição; c) no campo léxico: substantivos concretos, neologismos, tecnicismos, estrangeirismos, siglas, termos plurilíngües; d) no campo morfológico: desintegração do sintagma nos seus morfemas; separação dos prefixos, dos radicais, dos sufixos; uso intensivo de certos morfemas;

e) no campo fonético: figuras de repetição sonora (aliterações, assonân-cias, rimas internas…); preferência dada às consoantes e aos grupos con-sonantais; jogos sonoros; f) no campo topográfico: abolição do verso, não-linearidade; uso construti-vo dos espaços brancos; ausência de sinais de pontuação; constelações; sintaxe gráfica” (BOSI, 1994:: 447). Em 1961, aos 17 anos, Paulo Leminski tem seu primeiro contato com os papas do concretismo. Nas Cartas a Régis Bonvicino, publicadas pela Editora Iluminuras em 1992, o próprio Leminski afirma: “a coisa con-creta está de tal forma incorporada à minha sensibilidade que costumo dizer que sou mais concreto do que eles [Pignatari e os irmãos Campos]: eles não começaram concretos, eu comecei”. (LEMINSKI, 1992 Apud MAR-QUES 2007: 51). Aliás, como já dissemos, os primeiros textos publicados pelo do poeta curitibano foram veiculados na revista de cunho concretista Invenção (1964 – 1966). Mais uma vez é fundamental evocar a figura de Stéphane Mallar-mé e seu Un coup de dés, obra que serviu de inspiração para os concre-tistas, pois nela o poeta francês valorizava os espaços vazios do papel ressaltando o contraste entre o branco da folha e o negro da tinta. No livro, o poeta ainda reinventava a linguagem, criando neologismos, utiliza tipos de tamanhos e formatos diferentes, tornando a leitura mais rica e dinâmica. A obra é, inclusive, citada no Manifesto Concretista de 1956: - contra a organização sintática perspectivista, onde as palavras vêm sentar-se como "cadáveres em banquete", a poesia concreta opõe um novo sentido de estrutura, capaz de, no momento histórico, captar, sem desgas-te ou regressão, o cerne da experiência humana poetizável. - mallarmé (un coup de dés - 1897), joyce (finnegans wake), pound (can-tos-ideograma), cummings e, num segundo plano, apollinaire (calligram-mes) e as tentativas experimentais futuristasdadaistas estão na raiz do novo procedimento poético, que tende a impor-se à organização convencio-nal cuja unidade formal é o verso (livre inclusive). - o poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de funções. (MANIFESTO CONCRETISTA). As experiências de Leminski com o Concretismo são riquíssimas, como se pode ver em:

(p. 99) ………………………………………………………………………………………………………….

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(p. 100) ANFÍBIOS a pena chama

a chama vela a pena chama a vela pena

a chama traça a vela a traça vela a pena

a traça vara a parte lança a chama parte

a lança vara a chama traça a vara vela

a dura dita chama a pena dura

a vela sua a chama vela a sua chama

a dita dura vela a dura vara

a pena pára para para para

a chama pena

(p. 103)

Os dois primeiros textos aparecem no livro exatamente da forma que estão colocados aqui, com a caligrafia do próprio Paulo Leminski, como se fossem uma pintura, uma pichação de muro, algo que transcendesse a essência literária, indo se aliar à práxis tanto de que escreve quanto a de quem lê. O jogo sonoro entre as palavras é evidente, e não somente os sons, pois a consoante “muda” h, se repete, aparecendo, inclusive, em hontem, a forma arcaica se grafar a palavra ontem. O autor utiliza ainda a abreviatura p/ (para), tão comum em nossos momentos corriqueiros,

neste mundo onde tudo é resolvido por email e o tempo parece nunca ser suficiente.

No segundo texto, mais rico ainda, temos várias possibilidades de leitura e interpretação. O ludismo é claro e a brincadeira não se dá apenas em nossa língua, pois se pensarmos bem, Ist é a conjugação singular do verbo “ser” em alemão, no tempo presente. O ex, que pode ser lido junto com isto/ist, (formando existo e exist), se lido separadamente nos remete àquilo que já não mais é (ex-aluno, ex-namorada, etc.), ampliando ainda mais o humor suave e a nossa reflexão.

O terceiro poema, que recebe o título de ANFÍBIOS, nos traz uma série de palavras que ora podem ser uma forma verbal conjugada na ter-ceira pessoa (singular) do Presente do Indicativo (ele pena, ele chama, ele sua, ele vela, ele vara, ele pára), ora podem ter outra classificação morfo-lógica — (os substantivos pena, chama, vela, vara, o pronome sua e a pre-posição para). Esse caráter de duplo sentido, com palavras que podem metaforicamente viver tanto na água quanto na terra, ou seja, anfíbios, contribui para a riqueza do poema e fazem parte do jogo lúdico proposto pelos concretistas. Interessante notarmos também que algumas estruturas frasais podem ser compreendidas quando associamos as palavras, como acontece no primeiro quadrilátero inferior: a dura dita (ditadura) chama a dura pena (numa referência ao contexto político da época, que dispensa maiores comentários). Podemos encontrar também uma lembrança da poesia marginal no terceiro retângulo inferior: a dita dura vela a dura vara. Dura vara evoca, obviamente, o órgão sexual masculino. Se continuarmos a brincadeira, descobriremos outras frases tantas.

Para finalizar este assunto, vejamos mais dois poemas concretos de La vie en close: não espere mil agres neste meu acre ditar dito só porque disto mil línguas deste lugar (p.104)

(p. 105)

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6. A CRÍTICA AO MUNDO MODERNO Desajustado no mundo, o homem moderno acaba muitas vezes refletindo sobre a desgraça de ser sempre um Ahasverus4, pobre e erran-te. Vítima de todas as benesses da vida atual a que chamamos progresso, o indivíduo perde o seu lugar, tornando-se um ser humano sem pátria, sem a pátria maior que é a própria existência. Assim, o poeta, artista da palavra, ao se ver também neste desajuste, tenta resistir a tal situação esmagadora e faz do seu canto uma arma para lutar. É dessa forma que surge, no cam-po da estética, a arte de denúncia da realidade, que foi bandeira para tan-tos escritores. Mesmo manifestando uma certa aversão à poesia engajada (SILVA, Internet), Paulo Leminski também levanta esses questionamentos, sempre nos mostrando que a conseqüência maior desse deslocamento do homem moderno é a atitude que ele tem de se isolar. Num quase auto-exílio, o homem torna-se um eremita das gran-des metrópoles, e esta figura simbólica é trazida pelo poeta em vários momentos. Chevalier e Gheerbrant nos lembram, em seu famoso Dicioná-rio de Símbolos, que no tarô, o eremita é um velho sábio, um tanto curva-do, apoiado em um bastão que simboliza, ao mesmo tempo, “sua longa peregrinação e sua arma contra a injustiça e o erro que encontra”. Ele tem ainda, na mão direita, à altura do rosto, uma lanterna se seis vidros, dos quais apenas três são visíveis. O Dicionário diz ainda que essa lanterna nos lembra a de Diógenes, “que buscava à luz do dia um homem em Atenas e só encontrava imbecis”. (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003: 375). A descrição é interessante e nos faz pensar justamente que esse eremita poderia ser, em muitas vezes, o próprio poeta que assim como o velho do baralho místico, procura com a lanterna da poesia outros seres que, como ele, detém a luz, e acaba por encontrar só as trevas daqueles que sempre dizem “sim”, sem questionar sua própria existência. lá vai um homem sozinho o que ele pensa da noite eu não sei apenas adivinho pensa o que pensa todo mundo indo um dia eu já tive vizinho (p. 21) Mas se falamos de um eremita dos grandes centros urbanos e o identificamos com o poeta, as cavernas, tradicionais moradias dos ermi-tões poderiam aqui ser sua arte. Por isso, em muitos momentos, o vate do século XX — e deste tempo em que vivemos — volta-se várias vezes para o seu próprio fazer poético, nesse processo que chamamos de metalingua-gem, fenômeno que analisaremos mais tarde. página ó página casa materna 4 A lenda de Ahasverus, o judeu errante, remonta ao século IV. Dizem que Cristo, a caminho do Calvário, alquebrado pelo peso da cruz, pediu auxílio a ele, também carpinteiro. Ahasve-rus negou ajuda ao Messias e o despediu, dizendo “Vai! Vai andando!”. Jesus lhe respondeu: “Eu vou andando, e assim tu ficarás até a minha volta”. A partir daí, o judeu não mais deixou de caminhar, sempre estrangeiro em qualquer parte. O mito é explorado, entre outros, pelo poeta Castro Alves no livro Espumas flutuantes.

onde encontro sempre espanto o mesmo sempre manso branco quando penetro numa caverna (p. 51)

Em O EX-ESTRANHO, temos também esse sentimento de solidão e a imagem amalgamada de Cupido — que lança suas flechas nos corações humanos — e da constelação de Sagitário, representada no zodíaco, na qual podemos ver também a presença das setas (indicações do caminho). Talvez as setas que anseia encontrar esse eremita do verso: passageiro solitário o coração como alvo, sempre o mesmo, ora vário, aponta a seta, sagitário, para o centro da galáxia (p. 79) A atitude contemplativo-reflexiva do eremita é trazida ainda pelo poema que se segue: podia passar a vida inteira assim olhando a lua a boca cheia de luz e na cabeça nem sombra da palavra glória (p. 89) Para terminarmos essa parte, mais um momento em que a solidão se faz presente nos versos de Leminski: Esta vida de eremita é, às vezes, bem vazia. Às vezes, tem visita. Às vezes, apenas esfria. (p. 70) Mas o escancaramento do homem solitário não é a única forma encontrada pelo poeta para denunciar a realidade opressora dos tempos modernos. Ele também lança mão de outras imagens, como a da nuvem, que quase sempre associada a um ambiente bucólico, aqui aparece num poema cosmopolita que fala sobre um dos maiores problemas da atualidade: a violência. Leiamos juntos COMO ABATER UMA NUVEM A TIROS: sirenes, bares em chamas, carros se chocando, a noite me chama, a coisa escrita em sangue nas paredes das danceterias e dos hospitais, os poemas incompletos e o vermelho sempre verde dos sinais (p.17) A nuvem branca, que dentre outras coisas simboliza o sossego da vida no campo, é abatida pelos tiros da violência, que pintam o poema de vermelho. O vermelho das sirenes e seus giroscópios, dos bares em chama, do sangue nas paredes das danceterias, das próprias danceterias que iluminadas com essa cor convidam seus freqüentadores às paixões, ao vermelho dos hospitais (que são representados iconicamente por uma cruz

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dessa cor) e dos sinais de trânsito que nos indicam o momento de parar. Mas existe no texto um verde, sempre de esperança, assim como também existem os poemas incompletos, que talvez pudessem ser pintados nova-mente com o branco da nuvem abatida. Mas Leminski ainda nos mostra um outro lado para a dor que sente o homem-Ahasverus. Abaixo, temos um momento em que o poeta vê qualidades na dor que o humano carrega no peito. O texto foi, inclusive, musicado por Itamar Assumpção e interpretado pela cantora Zélia Duncan, em seu álbum Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band, de 2006. um homem com uma dor é muito mais elegante caminha assim de lado como se chegando atrasado andasse mais adiante carrega o peso da dor como se portasse medalhas uma coroa um milhão de dólares ou coisas que os valha ópios édens analgésicos não me toquem nessa dor ela é tudo que me sobra sofrer, vai ser minha última obra (p. 74) 7. HUMOR E INTELIGÊNCIA Uma das marcas do poeta curitibano é o humor. Para enfrentar-mos as agruras da vida, agruras que ele obviamente também enfrentou, a receita de Leminski é só uma: a utilização constante do riso. Em seus poe-mas, ele não perde a oportunidade de nos fazer rir, pensar, repensar, sentir, refletir. Tudo isso através da graça por vezes irreverente, mas sempre inteligente. O que dizer do poema que se segue? as coisas não começam com um conto nem acabam com um • (p. 58)

O texto, mesmo sendo tão pequeno — e talvez justamente por is-so — é de uma singeleza ímpar e encerra uma sabedoria digna dos grandes poetas clássicos. Através do riso, Paulo Leminski nos convida à reflexão sobre este substantivo tão amplo a que chamamos “coisa”. Essa é uma das palavras que mais se repetem em La vie en close, talvez por uma influên-cia da filosofia do século XX, em especial a de cunho existencialista, que nos faz ficar atentos para o processo de reificação/coisificação a que estamos submetidos neste período pós-moderno. Mas o autor encontra tempo para brincar ainda mais e coloca não a palavra ponto — outra das mais polissê-micas que temos — e grafa apenas um “•”, valorizando o significante e dando ao pequeno poema uma qualidade que o distingue de outros tantos.

Páginas adiante, podemos encontrar outro momento em que o humor se revela e nos encanta:

amarga mágua o pobre pranto tem por que cargas-d’água chove tanto e você não vem? (p. 86) Algumas marcas do humor inteligente não podem passar desa-percebidas aos nossos olhos. A opção por “mágua” e não “mágoa” já tem sua graça, e ainda consegue aproximar a linguagem escrita da falada (máxima defendida pelos primeiros modernistas) e aperfeiçoa ainda mais a rima com “cargas-d’água” (máxima defendida pelos parnasianos, cultores do verso perfeito). E o humor se abraça ao lirismo, porque o final do poema nos mostra um eu-poético melancólico, sofrendo arduamente. Magoado, cheio de pranto, em meio à chuva, e sem seu amor. O quadro que se pinta é extremamente romântico, não só no sentido daquele romantismo (com “erre” minúsculo), mas também daquele outro, Romantismo, com “erre” maiúsculo, já que a chuva, assim como a noite, é cenário constante nesta escola literária.

Poderíamos citar ainda mais algumas ocasiões em que somos convidados a rir pelo autor de La vie en close: longo o caminho até o céu essa minha alma vagabunda com gosto de quarto de hotel (p. 131) morreu o periquito a gaiola vazia esconde um grito (p. 133) feliz a lesma de maio um dia de chuva como presente de aniversário (p. 157) 8. A INDESEJADA DAS GENTES A morte sempre esteve presente nas páginas de nossos melho-res poetas, quer seja aqui no Brasil, quer seja por todos os recantos do mundo. Já que o senso-comum nos afirma que esta é a “única certeza em nossa vida” — e diga-se por passagem, nunca o senso-comum acertou tanto —, poetas se debruçam sobre esse tema universal e o trazem com constância para as suas obras. Em vários textos de La vie en close, Paulo Leminski trata da morte, às vezes, com um lirismo tão encantador que quase nos dá vontade de morrer para vê-la de perto. Comecemos pelas duas lápides e por seus dois epitáfios, um para o corpo e outro para a alma: LÁPIDE 1 epitáfio para o corpo Aqui jaz um grande poeta. Nada deixou escrito. Este silêncio, acredito, são suas obras completas. (p. 82)

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LÁPIDE 2 epitáfio para a alma aqui jaz um artista mestre em desastres viver com a intensidade da arte levou-o ao infarte deus tenha pena dos seus disfarces (p. 83) As inscrições tumulares aparecem dentro da poesia há muito tempo. Em língua portuguesa, os mais conhecidos versos a esse respeito poderiam vir de Álvares de Azevedo (1831-1852): "Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ — Foi poeta, sonhou e amou na vida." Poderiam ser ou-tros, do poeta português Manoel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805): "Aqui dorme Bocage, o putanheiro;/ Passou vida folgada, e milagrosa;/ Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro". No primeiro epitáfio, temos um duplo silêncio. Para expressar sua arte, o artífice do verso pode fazê-lo por duas maneiras distintas: escrevê-la para a posteridade ou gritá-la em cima dos telhados. Mas no poema de Leminski, o poeta não escreveu. Há o silêncio da fala, e há a escrita que se cala. A obra completa seria a própria vida do autor e não somente a sua poesia. A obra concreta é o que ele fez com seu corpo, já que para ele o epitáfio é dedicado. Completando o primeiro, o segundo texto nos mostra que o velho coração em seu duplo sentido (o de músculo que bombeia o sangue e o de berço das emoções e sentimentos) não resiste à disritmia intensa da vida de poeta e entra em colapso, enfartando. Até porque, ele é um só coração para tantas vidas, para tanto sentimento, já que os disfarces desse grande fingidor, o poeta, são variados. Mas a morte não vem cruel, como no nosso imaginário, com sua foice ceifadora e seu negro capuz. Se não chega a ser amiga do poeta, ele ao menos abre a porta e permite que ela entre: Fiz um trato com meu corpo. Nunca fique doente. Quando você quiser morrer, eu deixo. (p. 172) Portanto, o pior da morte não é ela em si, mas o que a causa: a doença que nos corrói a cada instante. Por isso, um acordo é feito entre o eu e o corpo. E já que o pior não é a morte, porque não esperar por ela? Vejamos, abaixo, os versos de Manuel Bandeira: CONSOADA Quando a Indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: — Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer.

(A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, A mesa posta, Com cada coisa em seu lugar. (BANDEIRA, 2007: 255) 9. A FESTA EM BABEL E A FESTA DA LINGUAGEM Para alguns autores, as fronteiras da língua pátria, por mais amplas que nos possam parecer, tornam-se pequenas, de modo que eles têm que se apropriar de palavras de um outro idioma para comporem a sua arte. Paulo Leminski se enquadra nesse perfil. Em toda a sua obra, e espe-cialmente em La vie en close, a começar pelo título, podemos notar a utilização de termos estrangeiros que enriquecem ainda mais o vocabulário dos poemas, ampliando o caráter polissêmico, característica do texto em verso. O interessante é que Leminski não só utiliza estrangeirismos, mas também brinca com eles, jogando com os sons, com os significados, ou seja, valendo-se daquilo a que chamamos “Função Poética da Linguagem”. Exemplo disso é o poema “L’ÊTRE AVANT LA LETTRE”, que abre o livro (p. 5) e pode ser visto também na capa de algumas edições. Vamos a ele: la vie en close c´est une autre chose c´est lui c´est moi c´est ça c´est la vie des choses qui n´ont pas un autre choix No título do poema já encontramos um exemplo de jogo de pala-vras, pois o autor trabalha a identidade sonora de “l’être” (o ser) e “lettre” (letra). Assim, numa tradução literal, teríamos “o ser em frente à letra”, e o que realmente nos chama a atenção é que as duas expressões são homó-fonas, têm o mesmo som. O título traz ainda alusão a duas das grandes temáticas leminskianas que são a preocupação com o ser, o homem pós-moderno, e com a metalinguagem, que nos é trazida pela palavra “letra”. A expressão “lettre” também pode significar carta, missiva, ou caractere tipográfico, o que amplia ainda mais a preocupação com o próprio fazer poético. A apresentação espacial do poema ressalta a ênfase no signifi-cante, característica primordial da estética concretista, e seu primeiro verso (que dá título ao livro), ainda temos uma referência intertextual explícita à canção “La vie en rose”, imortalizada pela maior cantora france-sa de todos os tempos, Édith Piaf (1915-1963), na afamada gravação de 1946. O curioso é que Babel5 está em festa, já que a palavra “close” tem em Francês o mesmo significado do Inglês, ou seja, “fechado”. Outra

5 A alegoria da Torre de Babel (Gn 11, 1-9) é um dos mais conhecidos episódios bíblicos do Antigo Testamento. Segundo o Gênesis, a terra inteira falava uma única língua e os homens, sempre muito ambiciosos e sedentos por fama, planejaram a construção de uma torre tão alta que chegasse aos céus. Assim, seus nomes seriam perpetuados por todas as gerações.

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brincadeira de Leminski envolvendo as duas línguas é “chose” (coisa em Francês), pois ela nos lembra “choose” (escolha em Inglês). E como se diz “escolha” no idioma de Flaubert? Se diz “choix”, palavra que também está no poema, encerrando seu último verso. Dessa forma, o ludismo faz-se presente e um termo vai lembrando a outro, seja na grafia, seja no signifi-cado: close � chose � choose � choix. Leminski costura o poema, atando o título à última palavra, construindo pontes de sentido entre um vocábulo e o outro, o que nos lembra João Cabral de Melo Neto e seu galo que lança a manhã a outros galos, pois não pode tecê-la sozinho.

É claro que uma palavra pode adquirir significados diferentes dentro de um poema, e é justamente essa plurissignificação que dá ao texto literário um caráter especial. Mas não podemos deixar de notar essas curiosidades, que engrandecem ainda mais a poética do curitibano. Abaixo, colocamos algumas versões para o Português do poema de Leminski, todas feitas por Ivan Justen Santana. Elas podem ser encontradas no sítio eletrô-nico cujo endereço é: http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/ kamiqua-se/lavietrad.html. versão a a vida de saída é outra coisa da vida é ele sou eu é tudo é a vida das coisas que não têm mais nem contudo versão b a vida na partida é outra das coisas da vida é aqui é ali é além é a vida de coisas vividas que já não têm alternativas versão c a vida ao poente é uma coisa diferente é a dele

O fato teria desencadeado a ira de Ihaweh, que desceu à terra, colocou nas bocas de cada um daqueles homens uma língua diferente e os dispersou pelo mundo.

é a minha é a de quem for é a vida dos entes que passaram de finais mentes versão d a vida em close será uma última pose sem mas nem porém ou senão será a vida de serás que não mais serão Outro momento em que as línguas se misturam aparece em CINE LUZ, desta vez, de maneira mais branda, porém, não menos curiosa. Vamos ao poema: o cine tua sina o filme FEEL ME signema me segure firme cine me ensine a ser assim e a ser senda (p. 41) Lado a lado, Leminski nos mostra a palavra “filme” e a expressão inglesa “feel me” (sentir-me) e ainda brinca com as palavras cine (que originalmente significa “movimento”), “signema” (cujo som é parecido com “cinema” e que também nos lembra signo, unidade lingüística composta por um significante e um significado), “sina” e “senda” que podem se aproximar de “destino”. Temos também a presença de uma aliteração que perpassa todo o poema, na repetição do som /s/. O título, CINE LUZ, ainda evoca os irmãos Lumière, pais da sétima arte, já que “luz” em Francês é lumière. É mais ou menos o que Chico Buarque fez na letra da canção Joana Francesa, onde associa certas palavras do mesmo campo semântico, e que juntas, formam ou quase formam expressões em Português como em “O mar, marée, bateau” (o mar, maré, barco/ o mar me arrebatou) ou ainda a palavra “geme”, homófona a “J’aime” (eu amo). O Inglês aparece ainda no título dos poemas ROUND ABOUT MIDNIGHT (p. 45), TRAVELLING LIFE (p. 94) e em todo o haicai que se segue: believe it or not this very if is everything you got (p. 153).

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O Francês pode ser visto ainda nos títulos de VOYAGE AU BOUT DE LA NUIT (p. 65) e quase todo o poema abaixo: tout est déjà dit dans un jardin jadis fernando uma pessoa j’ai perdu ma vie par delicatesse? oui rimbaud moi aussi (p. 62) Quanto a esse último e belíssimo texto, é impossível não notar-mos a referência a dois grandes poetas que influenciaram Paulo Leminski; o português Fernando Pessoa (1888-1935) e o francês Arthur Rimbaud (1854-1891). O autor de La vie en close lança mão ainda de palavras e/ou expres-sões retiradas do italiano, do alemão e do latim. Mas é no nosso idioma que a festa se completa, pois Leminski “usa e abusa” das mágicas do verso, do encanto que as palavras podem ter ao lado das outras. Vejamos: e ver-te verde vênus doendo no beiracéu é ver-nos em puro sonho onde ver-te, vida, é alto ver através de um véu (p. 13) Esse poema é daqueles que vale a pena a gente ensaiar pra poder declamar direito, porque ele se torna quase um trava-línguas. Essa repetição dos sons consonantais (que a estilística chama de aliteração) e dos vocálicos (assonância) dá ao poema um caráter encantatório, que nos envolve e nos inebria. Os fonemas /v/, /t/, /n/, /d/, /s/, /r/, /e/, /o/ e /a/ aparecem enfatizados no texto e contribuem para que a linguagem seja utilizada em sua função poética. Interessante notarmos que já nos primeiros versos, o par ver-te/verde, dá destaque aos dois fonemas linguodentais oclusivos /t/ (sonoro) e /d/ (surdo) que se misturam e iniciam o jogo de sons, privilegiando o significante. Há ainda em La vie en close uma série de (re)criações da lin-guagem — em palavras/expressões como beiracéu (p. 13) meiavolta (p. 29), signema (p. 41), meiavoltavolver (p. 42), sobrenoite alémfloresta (p. 90), entre outras, — que aproximam Leminski de grandes nomes da litera-tura como o brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967), autor de Grande sertão: Veredas e Sagarana e o irlandês James Joyce (1882-1941), autor de Ulysses e Finnegans Wake. Os dois são, inclusive, citados no poema OPERAÇÃO DE VISTA, ao lado de Graciliano Ramos (1892-1953). No texto, temos também uma referência ao poeta Mallarmé e seu livro Um coup de dés, já comentado por nós nesse trabalho. Vamos ao poema:

De uma noite, vim. Para uma noite, vamos, uma rosa de Guimarães nos ramos de Graciliano. Finnegans Wake à direita, un coup de dés à esquerda, que coisa pode ser feita que não seja pura perda? (p. 19) Para terminar esse assunto, falemos mais um pouco sobre a metalinguagem, já comentada no tópico “A crítica ao mundo moderno”. Definida, grosso modo, como linguagem acerca da linguagem, ela foi definitivamente assentada em nossa literatura pelo maior de todos os escritores brasileiros: Machado de Assis (1839-1908). Os autores do século XX, seguindo pela trilha aberta pelo “bruxo”, enveredaram-se pelos mean-dros dessa característica, utilizando-a sempre que possível. Interessante notarmos que, como afirma Samira Chalhub, o que a metalinguagem indica é a perda da aura, uma vez que dessacraliza o mito da criação, colocando a nu o processo de produção da obra. Até porque, continua ela, o público de hoje mudou, já não é mais passivo, pode ser incorporado, ativamente, como colaborador/leitor dentro da linguagem da obra. [CHALHUB, 1998. Grifos da autora]. Tomemos os poemas abaixo como exemplo: TEXTOS TEXTOS TEXTOS malditas placas fenícias cobertas de riscos rabiscos como me deixastes os olhos piscos a mente torta de malícias ciscos (p. 52) QUEM SAI AOS SEUS vozes a mais vozes a menos a máquina em nós que gera provérbios é a mesma que faz poemas, somas com vida própria que podem mais que podemos (p. 37) OUVERTURE6 LA VIE EN CLOSE em latim “porta” se diz “janua” e “janela” se diz “fenestra”

6 O termo em francês overture, significa “abertura” e é muito utilizado na música, para indicar as composições que abrem os grandes concertos. Essa é uma característica mar-cante em La vie en close.

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a palavra “fenestra” não veio para o português mas veio o diminutivo de “janua”, “januela”, “portinha”, que deu nossa “janela” “fenestra” veio mas não como esse ponto da casa que olha o mundo lá fora, de “fenestra”, veio “fresta”, o que é coisa bem diversa já em inglês “janela” se diz “window” porque por ela entra o vento (“wind”) frio do norte a menos que a fechemos como quem abre o grande dicionário etimológico dos espaços interiores (p. 12)

Em relação ao último texto, o que mais nos chama a atenção, desde o início, é que esse poema enfatiza na função poética da linguagem (centrada na mensagem), nem na emotiva (no emissor), mas na referencial (centrada no assunto) e metalingüística (no código). O poema é explicativo, e Leminski chega a dissertar. Poderíamos até dizer que se trata de um poema simples, se não fossem as interpretações simbólicas para janela, porta e vento. Mas para falarmos de símbolos, passemos pra o próximo ponto. 10. SÍMBOLOS À primeira vista, o que mais nos chama a atenção em La vie en close é o seu aspecto formal. Poemas com versos recuados à maneira dos parágrafos, palavras em caixa alta no meio deles, textos que parecem “pintados” por Leminski como os que comentamos no tópico “A verve con-cretista”, um poema de apenas três palavras: cheio de tudo (p. 123) que ocupa toda uma página. Mas se atentarmos bem, existe na estrutura pro-funda do livro algumas palavras com um significados simbólico interessan-te. A seguir, falaremos sobre esses vocábulos, utilizando as interpretações trazidas por CHEVALIER E GHEERBRANT. A primeira palavra de conteúdo simbólico que aqui trataremos é o fogo. Presente em vários poemas quer em sua forma tradicional, quer como “calor”, o fogo é, como sabemos, um dos quatro elemento primordi-ais, juntamente com a terra, a água e o ar. Segundo o Dicionário de sím-bolos, a chama, a elevar-se para o céu, representa o impulso em direção à espiritualização. O intelecto, em sua forma evolutiva, é servidor do espírito. Mas a chama também é vacilante, e isso faz com que o fogo também se preste à representação do intelecto quando este se descuida do espírito. (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003: 443). Outra simbologia constante no livro de Leminski é a luz que é relacionada, em praticamente todas as religiões, com a divindade, o mundo celeste, a eternidade. A luz aparece em vários momentos da Bíblia, como no início do Evangelho de João — quando é relacionada ao Verbo de Deus que se fez homem (o próprio Cristo) — ou na Primeira Epístola, do mesmo evangelista, onde encontramos os seguintes versículos: A nova que dele temos ouvido e vos anunciamos é esta: Deus é luz e nele não há treva

alguma. Se dizemos ter comunhão com ele, mas andamos nas trevas, men-timos e não seguimos a verdade. Se, porém, andamos na luz como ele mesmo está na luz, temos comunhão recíproca uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado. (1 Jo, 1, 5-7). Aparece também no Alcorão, o Livro Sagrado do Islã. Na 24ª surata (ou sura, o que no Alcorão corresponderia ao “capítulo” da Bíblia), temos o versículo 35, no qual a luz também é aproximada de Deus: Deus é a Luz dos céus e da terra. O exemplo de Sua Luz é como o de um nicho em que há uma candeia; esta está num recipiente; e este é como uma estrela brilhan-te, alimentada pelo azeite de uma árvore bendita, a oliveira, que não é oriental nem ocidental, cujo azeite brilha, ainda que não o toque o fogo. É luz sobre luz! Deus conduz a Sua Luz até quem Lhe apraz. Deus dá exemplos aos humanos, porque é Onisciente. (ALCORÃO)

Numa interpretação mais racionalista, a luz pode significar jus-tamente o contrário, a ausência de Deus, pois como sabemos, o período teocêntrico da Idade Média ficou conhecido como a “idade das trevas” e a valorização do homem, o antropocentrismo do século XVII, como Iluminis-mo. Ademais, os psicólogos e os analistas observam que à ascensão estão ligadas as imagens luminosas, acompanhadas de um sentimento de euforia, enquanto que à descida estão ligadas as imagens sombrias, acompanhadas de um sentimento de medo. (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003: 571). Como sabemos, Paulo Leminski teve uma educação religiosa nos tempos do mosteiro de São Bento e por isso mesmo, algumas palavras de cunho religioso aparecem em seu texto, ora no sentido que adquiriram no campo da fé, ora transmutadas a um outro significado, como o científico por exemplo, pinçado pelo espírito crítico e contestador do poeta. Mas o importante é que elas estão ali. A palavra “luz” e suas variantes aparecem mais de 20 vezes em La vie en close. No belíssimo SINTONIA PARA PRESSA E PRESSÁGIO, ela aprece duas vezes: Escrevia no espaço. Hoje, grafo no tempo, na pele, na palma, na pétala, luz do momento. Sôo na dúvida que separa o silêncio de quem grita do escândalo que cala, no tempo, distância, praça, que a pausa, asa, leva para ir do percalço ao espasmo. Eis a voz, eis o deus, eis a fala, eis que a luz se acendeu na casa e não cabe mais na sala. (p. 18) Além das referências metalingüísticas e a relação “poesia e música”, outra constante no livro, o que mais nos chama a atenção são os últimos três versos do poema, separados do resto do texto, num formato que lembra os já comentados haicais. Temos ali, a voz/a fala (o Verbo), um “deus” minúsculo e uma luz que se acende dentro da casa. E como Leminski brinca com as palavras, não podemos deixar de observar a semelhança entre acender e ascender, ambas as formas verbais relacionadas à luz. Uma luz que não cabe mais na sala, não pode mais ser aprisionada, se escancara diante de todos. O sentido da palavra não é aquele trazido pela religião. Pelo contrário, parece ser o trazido pelo racionalismo. Mas os elementos religiosos ladeiam os racionalistas e evidenciam um homem que

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ora se volta ao alto, ora se volta pra dentro de si. Poderíamos aproximar, descontadas as devidas proporções, o nosso poeta do homem barroco, também cindido entre a fé e a razão. Um poema, em específico, contém várias palavras que podem adquirir um valor simbólico no texto. Ele é OUVERTURE LA VIE EN CLOSE, já comentado em “A festa em Babel e a festa da linguagem”. No poema, aparece o vento (que volta em alguém outros textos, inclusive, como brisa). A palavra também tem um significado religioso, já que nas tradições bíbli-cas, os ventos são o sopro de Deus. O sopro de Deus ordenou o caos primi-tivo; animou o primeiro homem. A brisa nos olmos anuncia a chegada de Deus. Os ventos também são instrumentos da força divina; dão vida. Casti-gam, ensinam; são sinais e como os anjos, portadores de mensagens. São a manifestação de um divino, que deseja comunicar as suas emoções, desde a mais terna doçura até a mais tempestuosa cólera. (CHEVALIER E GHEER-BRANT, 2003: 936). Além disso, vento também está relacionado ao Espírito Santo, cujo nome em hebraico é ruah, que significa vento, sopro, respira-ção. Ainda aparecem no poema as palavras porta e janela. Seus significados parecem unir todos os outros, amarrando a simbologia contida em La vie en close. Ambas estão relacionadas à passagem, à revelação, e por conseqüência, à morte. Quanto à janela, enquanto abertura para o ar e para luz, simboliza a receptividade (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003: 512). A porta, especificamente, simboliza o local de passagem entre dois estados, entre dois mundos, entre o conhecido e o desconhecido, a luz e as trevas, o tesouro e a pobreza extrema. A porta se abre sobre um mistério. Mas ela tem um valor dinâmico, psicológico; pois não somente indica uma passa-gem, mas convida a atravessá-la. É o convite à viagem rumo ao além… (CHEVALIER E GHEERBRANT, 2003: 734-5). 11. OUTRAS INFORMAÇÕES PERTINENTES Antes de terminarmos, mais algumas afirmações devem ser feitas a respeito de La vie en close. Existem algumas características e referências, que aparecem em momentos específicos do livro. Não chegam a se relacionar com toda a obra, mas podem ser objeto de avaliação nos processos seletivos. Uma delas é a religiosidade. Esse tema aparece em alguns poemas e atestam sua formação religiosa do autor. Como já comen-tamos, na maioria dos textos aparece não o Leminski monástico, mas o Leminski contestador. Mesmo assim, a fé está ali talvez como uma lem-brança doce, uma volta ao passado, um certo saudosismo dos tempos verdes da vida. Algumas frases em latim e poemas que são verdadeiras preces — já que são dirigidos a Deus —, atestam essa informação. Vejamos um exemplo onde isso acontece: Senhor que prometestes a vida eterna aos filhos de São Bento obrigado pelos invernos ao vento e pelo invento do inferno ainda aqui nesta terra (p. 48) O saudosismo também aparece no poema BLADE RUNNER WALTZ, numa recordação dos tempos de “mil novecentos e oitenta e sem-pre”. O poeta parece querer eternizar o momento tão rico que marcou os anos 80 do século passado, tornando-os “sempre”. Um dos ícones do cinema da época, o filme Blade runner, o caçador de andróides, dirigido pelo cineasta Ridley Scott e lançado em 1982, já é citado no título; e a valsa

(waltz, em Inglês) que ali aparece, ocupará um lugar de destaque no corpo do poema. Importante salientarmos como Paulo Leminski une um passado distante (aqui representado pela valsa), presente (os anos oitenta, já que o texto foi escrito nessa época) e o futuro (uma vez que o enredo do filme se desenvolve em 2019). Vamos ao poema: Em mil novecentos e oitenta e sempre, ah, que tempos aqueles, dançamos ao luar, ao som da valsa A Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia, nome, confesso, um pouco longo, mas os tempos, aquele tempo, ah, não se faz mais tempo como antigamente. Aquilo sim é que eram horas, dias enormes, semanas anos, minutos milênios, e toda aquela fortuna em tempo a gente gastava em bobagens, amar, sonhar, dançar ao som da valsa, aquelas falsas valsas de tão imenso nome lento que a gente dançava em algum setembro daqueles mil novecentos e oitenta e sempre. (p. 63) A Poesia Marginal, já citada neste trabalho, aparece em alguns poucos momentos de La vie en close, mas nem por isso podemos deixar de comentá-la. Esse tipo de manifestação literária surgiu na década de 1970 e recebeu esse nome em decorrência dos textos serem editados e distribuí-dos às margens do mercado editorial, já que cada autor imprimia e vendia sua obra. Quanto aos traços estilísticos dessa vertente poética, a profes-sora e pesquisadora Daniela Maria Barbosa afirma que em relação ao plano da linguagem, a poética marginal assume uma postura descompromissada, irreverente e parodística, sistematizada como uma “arte suja”, transfigu-radora dos fatos triviais do cotidiano em elementos poéticos. Ainda segun-do a professora, com a poesia marginal os temas da sexualidade são inte-grados à valorização estética do cotidiano. Utiliza em seu “fazer poético” uma linguagem basicamente construída sobre coloquialismos, gírias e expressões pornográficas (BARBOSA, 2007: 30). É justamente pelo fato de aparecerem algumas expressões chulas no livro que podemos aproximar alguns textos de Leminski da poesia marginal. Vejamos, como exemplo, o poema CURITIBAS. Conheço esta cidade como a palma da minha pica. Sei onde o palácio sei onde a fonte fica, Só não sei da saudade a fina flor que fabrica. Ser, eu sei. Quem sabe, esta cidade me significa. (p. 16) Ao falar de sua terra — lugar sagrado para todo bom poeta —. Leminski lança mão do verso como a palma da minha pica, dessacralizando seu local de origem e dessacralizando também sua poesia, já que essa é justamente uma característica do texto moderno e mais ainda, do marginal. Outro momento em que isso ocorre é no haicai a seguir:

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— que tudo se foda, disse ela, e se fodeu toda (p. 160) Outro ponto que merece destaque é a referência às estações do ano. Todas elas (primavera, verão, outono e inverno) aparecem nos poe-mas de La vie en close e simbolizam justamente o ciclo da vida, já que podemos relacioná-las com a infância, a juventude, a fase adulta e a velhi-ce, respectivamente. Uma das figuras de linguagem mais utilizadas pelo autor — além da metáfora, evidentemente — é a antítese. Existem vários momentos em que há, no texto de Leminski, momentos em que ele coloca, lado a lado, expressões contrárias como vida e morte, claro e escuro, noite e dia, quente frio.

Os números aparecem também e praticamente todos têm uma simbologia interessante. Para alguns exegetas bíblicos, o número 7 sempre significou, nas Escrituras, o infinito. A justificativa é que ele se compõe pela soma de outros números, também muito significativos; o 3 e o 4. O 3 signi-ficaria, no livro sagrado, as coisas do céu (Pai, Filho e Espírito Santo). O 4 lembraria as coisas da terra (em decorrência dos pontos cardeais Norte, Sul, Leste e Oeste que traçam uma cruz sobre o mundo). Assim, a soma de céus e terras, para os autores bíblicos, teria como resultado do infinito. Pelo mesmo motivo se justifica a incontestável presença do 12, já que se 7 é a soma, 12 é o produto de 3 e 4. Desta forma, podemos entender as refe-rências numéricas presentes em La vie en close, onde aparecem os núme-ros 3, 4, e 7; e ainda seus múltiplos (30, 40 e 70).

Por fim, falemos ainda de algumas referências intertextuais. Já falamos de Pessoa, Mallarmé, Bashô, Joyce, Guimarães, mas existe ainda uma alusão ao poeta e romancista estadunidense Edgar Allan Poe (1809-1849) e seu conhecidíssimo poema O corvo, que já recebeu inúmeras traduções para o Português, entre elas, as dos célebres Machado de Assis e Fernando Pessoa. o corvo nada em ouro nem o céu estraga o vôo nem o vôo dana o céu (p. 155) O poema de Poe foi analisado por outro grande nome das Letras que é louvado por Leminski: o lingüista e crítico literário russo Roman Osipovich Jakobson (1896-1982). Foi justamente através da análise de O corvo que Jakobson se solidificou no cenário da crítica e é dele também o famoso esquema do processo de comunicação que envolve termos conhe-cidos e inclusive, utilizados nessa análise: o emissor, o destinatário, a mensagem, o código, o canal e o referente. Ao russo, é dedicado o dificílimo poema da página 57, cheio de referências ao seu trabalho. O texto é dividi-do em 3 partes EU (7 versos), RO (5 versos) e PA (5 versos). Como se pôde perceber, os títulos dessas três partes formam a palavra Europa. Jakobson também é citado em LIMITES AO LÉU (p. 10), um dos primeiros textos do livro. Nele, Leminski utiliza uma técnica para a compo-sição do poema chamada de bricolagem, já que para escrever, utiliza várias frases de conhecidos nomes da cultura ocidental, fundindo esses elementos e formando um único texto, de sua autoria. Todas as frases fazem parte de uma definição dos pensadores para a palavra poesia. Para finalizar este tópico, não podemos nos esquecer do Lemins-ki letrista e principalmente, sua parceria com Torquato Neto (1944-1972), um dos ícones da Tropicália. O movimento tropicalista surgiu sob o regime

militar, no final da década de 1960. Em síntese, propunha a incorporação de elementos estrangeiros dentro das artes (a guitarra elétrica tocada em “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, é um exemplo disso), resgatando o conceito de antropofagia, alusão à vertente modernista dos anos de 1920 liderada por Oswald de Andrade. Segundo Fabrício Marques, em determinados poemas de Lemins-ki, transferidas para o plano da linguagem poética, encontram-se marcas que vão definir a atividade tropicalista, de acordo com Celso Favaretto: ‘relação entre fruição estética e crítica social, em que esta se desloca do tema para os processos construtivos’; articulação de ‘uma nova linguagem da canção a partir da tradição da mpb e dos elementos que a modernização fornecia’, elaborando uma síntese de música e poesia, de melodia e texto; na justaposição de elementos diversos da cultura, a obtenção de ‘uma suma cultural de caráter antropofágico’; ‘operação desmistificadora efetuada através da mistura de elementos contraditórios, privilegiando o elemento crítico’; ‘construções paródico-alegóricas (imagens tropicais); ‘crítica da musicalidade e autocrítica’. (Marques, 2007: 43) 12. CONCLUSÃO O livro La vie en close serve de micro-cosmo para toda a obra do curitibano Paulo Leminski, pois contém poemas que exemplificam suas principais características. Os ricos aspectos formais e conteudísticos e a rica simbologia — assim como as várias convergências da poética lemins-kiana, entre elas, com a cultura oriental, com a poesia concreta, com a poesia marginal e com o movimento tropicalista — atestam a importância deste poeta dentro da história de nossa literatura. Na “orelha” de algumas edições, aparece um texto de Alice Ruiz, com quem Leminski foi casado por 20 anos. Nele, podemos entender a importância de nosso autor: o poeta que aqui se lê, a exemplo dos faraós, construiu uma obra capaz de continuar falando, por si só, como as pirâmi-des, e transcender mesmo no deserto a aridez da mesmice de nossa finitu-de. E essa vida que se mostra, se despe e se despede, nos deixa com gosto de mais vida e muito, muito mais poesia, de um jeito tal que, tenho certeza, vai haver poesia um dia. Octávio Paz (1914-1998), poeta, crítico e diplomata mexicano, agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1990, já afirmou que os poetas não têm biografia. Sua biografia é sua obra (PAZ, 1972: 7). E é justa-mente a obra de Leminski que vai continuar contando, a todas as gerações vindouras, quem foi este poeta que, ao escolher quatro personalidades para escrever uma biografia colocou na mesma lista nomes tão distantes e tão próximos como Cruz e Sousa, Bashô, Trotski e Jesus Cristo. E para fechar nosso estudo, fica aqui registrada a singeleza e a magnitude do poema abaixo, pois não há nada melhor na análise de textos em versos que o momento em que nos deixamos levar pela magia mirífica e encantadora das palavras. (AUS) simples como um sim é simples mente a coisa mais simples

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que ex iste assim ples mente de mim me dispo des (aus) ente (p. 27) 13. BIBLIOGRAFIA ALCORÃO. Disponível em <http://www.arresala.org.br>. Acessado em 17 de março de 2008. ALÓS, Anselmo Peres. Entre o Concretismo e o Orientalismo: a estratégia poética de Paulo Le-

minski. Disponível em <http://www.ucm.es/info/especulo/numero32/estrlemi.html>. Acessado em 27 de fevereiro de 2008.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. BARBOSA, Daniela Maria. Jornal Dobrabil: a irreverência poética de Glauco Mattoso. Brasília: UnB.

Dissertação de Mestrado, 2007. BÍBLIA SAGRADA. Tradução dos originais mediante a versão dos Monges de Maredsous (Bélgica) pelo

Círculo Bíblico Católico. São Paulo: Ave-Maria, 123ª ed., 1999. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 34ª ed., 1996. CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo; Ática (Série Princípios), 4ª ed., 1998. CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: (Mitos, sonhos, costumes, gestos,

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COELHO, Nelly Novaes, s.v. "Haiku", E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, Disponível em <http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/H/haiku.htm>. Acessado em 15 de março de 2008.

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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaraciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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Editora Perspectiva, 1972. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos.

São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SILVA, Andréa Cristina da. Onde o avesso do inverso começa a ver e ficar. Leminski: apontamentos

sobre os caminhos de uma paixão. Disponível em < www.ufes.br/~mlb/multiteorias/pdf/AndreaCristinaSilva _OndeOAvessoDoComecaAVerEFicar.pdf>. Acessado em 04 de março de 2008.

14. EXERCÍCIOS 01. A respeito da vida e obra do poeta Paulo Leminski, assinale V ou F.

1 ( ) Paulo Leminski nasceu em Curitiba e acredita que o fato de ter

nascido na capital paranaense influencia sua obra, principalmente no que se refere à convergência de várias línguas dentro de seus poe-mas.

2 ( ) O poeta também foi compositor de música popular e inclusive, uma de suas letras faz parte do livro La vie en close.

3 ( ) Em La vie en close, podemos ainda encontrar alguns resquícios de sua experiência religiosa no mosteiro de São Bento, embora isso não seja tão marcante no livro.

4 ( ) Antes de tudo, o autor foi um grande estudioso e divulgador de outras culturas, quer sejam elas orientais ou ocidentais.

02. A respeito do livro La vie en close, assinale V ou F. 1 ( ) O livro foi publicado postumamente, e funcionam como uma coletânea

dos melhores poemas de Leminski, tendo exemplares de cada uma das obras escritas por ele em vida.

2 ( ) O período literário ao qual Leminski se filia é incerto, pois ainda não temos um “nome” para esta “escola” literária e sim termos escorregadios, não definitivos.

3 ( ) Mesmo assim, o homem pós-moderno, cindido, expatriado, cansado e propenso ao isolamento aparece nos textos de La vie en close.

4 ( ) As convergências com o Tropicalismo e com a obra de Torqua-to Neto não aparecem no livro estudado, embora façam parte de outros títulos de Leminski.

03. A respeito do orientalismo nipônico na obra de Paulo Leminski,

assinale V ou F. 1 ( ) A cultura oriental, e em especial a nipônica, influencia sobrema-

neira a obra do poeta curitibano não só nos aspectos conteudísticos, mas também pela concisão e objetividade apregoadas pelo pensamen-to japonês.

2 ( ) A Kigo ou palavra de estação é sempre respeitada pelos haicaís-tas modernos, pois a referência às estações do ano é obrigatória nes-te tipo de poema.

3 ( ) Certamente, a maior influência de Paulo Leminski dentro da cultura nipônica é a do poeta Todo Yoshitada.

4 ( ) Nos haicais estão espalhadas as várias características e conver-gências da obra de Leminski e assim eles servem de micro-cosmo pa-ra a sua poesia.

04. (PUCCamp-SP — Modificado) Assinale V para as assertivas que se

referem a características básicas da Poesia Concreta e F quando es-sa referência não acontecer.

1 ( ) A unidade poética deixa de ser a palavra e passa a ser o verso;

busca-se adequação da forma poética às características do mundo moderno.

2 ( ) A palavra é explorada quanto aos seus aspectos semânticos, sintático, sonoro e gráfico (visual); o espaço em branco do papel pas-sa a integrar o significado do poema.

3 ( ) Cada palavra refere-se às palavras circunvizinhas verbal, vocal ou visualmente; respeita-se a distribuição linear da linguagem.

4 ( ) Evita-se o imediatismo da comunicação visual; utilizam-se cores, tipos diferentes de letras, recursos de outras artes e linguagens.

05. A respeito do livro La vie en close, assinale V ou F. 1 ( ) Em La vie en close, Paulo Leminski não faz críticas ao mundo

moderno, pois como afirmou certa vez, ele tem uma certa aversão à poesia engajada.

2 ( ) Aspectos como o isolamento do ser humano e da violência dos tempos modernos (ou pós-modernos) aparecem retratados nos poe-mas que fazem parte do livro.

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3 ( ) A dor também é vista como algo positivo em alguns momentos, e o homem pode carregá-la “como se portasse medalhas”.

4 ( ) O isolamento do ser humano pode ser metaforicamente compa-rado ao processo de metalinguagem, quando o poeta volta-se para o seu ofício e sua arte.

06. A respeito do livro La vie en close e seu autor, assinale V ou F.

1 ( ) O humor inteligente é uma característica marcante dentro da

obra de Paulo Leminski, embora não apareça especificamente no livro que estamos estudando.

2 ( ) Assim como vários poetas de seu tempo, Leminski escreve ver-sos sobre a morte, todos com um tom fúnebre e sombrio que poderia nos lembrar nomes como o de Álvares de Azevedo, principal ícone da geração egótica da poesia romântica no Brasil.

3 ( ) Mesmo nos poemas que não têm características concretistas, há nos textos do autor uma valorização constante dos aspectos formais que podemos denominar de ênfase no significado.

4 ( ) O autor deixa-se influenciar bastante por nomes como Guimarães Rosa, James Joyce e Mallarmé, citando, inclusive, o nome desses es-critores em alguns dos textos de La vie en close.

07. A respeito do livro La vie en close, assinale V ou F. 1 ( ) Figuras que privilegiam o lado sonoro da linguagem como a

aliteração e a assonância, estão presentes em vários poemas, assim como também fazem parte da obra as referências metalingüísticas.

2 ( ) Como Guimarães Rosa, Leminski recria a linguagem fundindo idiomas diversos e dando a determinados vocábulos uma significação que não faria originalmente parte de seu campo semântico.

3 ( ) No livro, existem poemas que estão completamente escritos em outra língua, como o Inglês e o Francês.

4 ( ) Existem ainda momentos em que a riqueza lingüística se dá mesmo dentro do nosso idioma, com a (re)criação de palavras e signi-ficados.

08. A respeito de poemas específicos do livro La vie en close, assinale

V ou F. 1 ( ) O saudosismo, marca constante na chamada segunda geração da

poesia romântica, aparece em alguns poemas do livro, em especial em BLADE RUNNER WALTZ.

2 ( ) Alguns poemas do livro temos palavras com um alto conteúdo simbólico, principalmente por estarem presentes em vários textos de nossa cultura, sejam eles literários, filosóficos ou religiosos. Exemplo disso é o que acontece em OVERTURE LA VIE EN CLOSE.

3 ( ) O título do poema ANFÍBIOS pode ser explicando se levarmos em conta que as palavras ali contidas têm um duplo sentido, uma dupla “vida” podendo metaforicamente se adequarem tanto à “água” quanto à “terra”.

4 ( ) Em MALLARMÉ-BASHÔ, a referência ao poeta francês se dá apenas pelos aspectos formais do texto concretista, já que a obra Um coup de dés é, inclusive, citada no Manifesto Concretista de 1956.

09. (UFU) Há um verso de Paulo Leminski, em La vie en close, que define a tendência estética dessa coletânea: “Tudo é vago e muito vário”. De fato, nessa obra, Leminski dialoga com várias tendências da poesia contemporâ-nea. Considerando essa informação, marque a alternativa em que os versos de Leminski NÃO correspondem à tendência mencionada. a) Poesia social, em que o poeta denuncia as injustiças promovidas pela ordem capitalista, em defesa das classes dominadas, no anseio de trans-formar a sociedade. um homem com uma dor é muito mais elegante caminha assim de lado como se chegando atrasado andasse mais adiante carrega o peso da dor como se portasse medalhas [...] não me toquem nessa dor ela é tudo que me sobra sofrer, vai ser minha última obra b) Poesia Marginal, em que ser poeta é mais uma questão de atitude exis-tencial contestatória do que de fazer poemas sublimes, em busca de reco-nhecimento. podia passar a vida inteira assim olhando a lua a boca cheia de luz e na cabeça nem sombra da palavra glória c) Poesia intimista, de teor auto-contemplativo, que revela a tendência atual dos artistas para as carreiras-solo. Encontra nos blogs seu veículo primordial de difusão. passageiro solitário o coração como alvo, sempre o mesmo, ora vário, aponta a seta, sagitário, para o centro da galáxia d) Hai-kai, forma poética de origem oriental, em que o poeta busca captar em versos breves um reflexo instantâneo da realidade. sobressalto esse desenho abstrato minha sombra no asfalto 10. No haicai abaixo, ocorre um jogo intertextual entre um fragmento famoso de Mallarmé (poeta Frances célebre pelo hermetismo de seus textos) e poema de Matsuó Bashô, o grande poeta-guerreiro que foi refe-rência fundamental para a poética do curitibano. Leia-os atentamente e depois responda ao que se pede.

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Um lance de dados jamais abolirá o acaso (Mallarmé, tradução de Haroldo de Campos) O velho taque uma rã mergulha, Barulho de água (Bashô, tradução de Paulo Franchetti e Elza Doi) Um salto de sapo jamais abolirá o velho poço (Paulo Leminski) a) Que visão filosófica / existencial / estética está privilegiada em cada fragmento: · Mallarmé: · Bashô: b) Qual é a importância do pensamento oriental e do haicai, em especial, na poética de Leminski? c) Como Leminski aproveitou e, ao mesmo tempo, subverteu o trecho dos poetas? Analise o seu haicai e interprete como isso se deu.