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Direito Reservado ao PosEAD. Pós-Graduação a Distância Brasília-DF, 2010. Estratégias de Intervenção Psicopedagógica

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Direito Reservado ao PosEAD.

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Brasília-DF, 2010.

Estratégias de Intervenção

Psicopedagógica

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Elaborado por:

Mônica Souza Neves-Pereira

Produção:

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração

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Apresentação........................................................................................................................................ 04

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ................................................................................ 05

Organização da Disciplina ................................................................................................................... 06

Introdução ............................................................................................................................................ 07

Unidade I – Aspectos Gerais de Intervenção Psicopedagógica ........................................................ 09

Capítulo 1 – O Que é Intervenção Psicopedagógica Institucional ............................................... 09

Unidade II – Estratégias de Intervenção Psicopedagógica ............................................................... 15

Unidade III – Anexo – Atividades com Textos Complementares ...................................................... 23

Sumário

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Apresentação

Caro aluno,

Bem-vindo ao estudo da disciplina Estratégias de Intervenção Psicopedagógica.

Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos.

Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade.

A carga horária desta disciplina é de 40 (quarenta) horas, cabendo a você administrar o tempo conforme a sua disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma data-limite para a conclusão do curso, incluindo a apresentação ao seu tutor das atividades avaliativas indicadas.

Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades avaliativas do curso; serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de distantes, podemos estar muito próximos.

A Coordenação

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Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Apresentação: Mensagem da Coordenação.

Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e da carga horária das unidades.

Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido por você na disciplina, indicando a importância desta para sua formação acadêmica.

Ícones utilizados no material didático

Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina.

Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.

Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico.

Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal.

Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões.

Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem.

Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão.

Referências: Bibliografia consultada na elaboração da disciplina.

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Ementa:<Inserir Ementa>

Objetivos:• Analisarosaspectosgeraisqueorientamaintervençãopsicopedagógicanainstituiçãodeensino;

• Identificarosdiferentesâmbitosdeintervençãopsicopedagógica,deacordocomasdemandasemergentes;

• Compreenderaestruturadeumaintervençãopsicopedagógica;

• Refletirsobreapráticapsicopedagógicaeasestratégiasdeintervençãonasinstituiçõesdeensino.

Unidade I – Aspectos Gerais da Invervenção Psicopedagógica InstitucionalCarga horária: 15 horas

Conteúdo CapítuloO Que é Intervenção Psicopedagógica Institucional 1

Unidade II – Estratégias de Intervenção Psicopedagógica

Carga horária: 15 horas

Unidade III – Anexo – Atividades com Textos Complementares

Carga horária: 10 horas

Organização da Disciplina

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Esta disciplina faz parte um núcleo de conteúdos que mesclam teoria e prática psicopedagógica. Seu objetivo é ofertar conhecimentos e saberes que permitam ao psicopedagogo, em formação, construir sua identidade profissional, conhecer o campo da Psicopedagogia Institucional e dominar o processo de intervenção psicopedagógica, com ênfase no espaço escolar.

Em nosso curso, até o presente momento, foram discutidas questões teóricas psicopedagógicas de grande relevância, como: as bases epistemológicas da Psicopedagogia, os processos de construção do conhecimento, as contribuições da Psicanálise para a compreensão do saber psicopedagógico e uma análise aprofundada das dificuldades de aprendizagem e do fracasso escolar. Como o foco desta formação é a aplicação da Psicopedagogia no âmbito escolar e institucional, necessitamos de conhecimentos específicos nesta área de atuação assim como de recursos que permitam a realização de processos de avaliação e intervenção psicopedagógica institucional com competência e propriedade. A disciplina “Avaliação Psicopedagógica Institucional” iniciou uma relação mais próxima com o fazer psicopedagógico que esta disciplina pretende continuar. Uma vez que aprendemos a avaliar um contexto de dificuldades de aprendizagem, pressupõe-se que é necessário compreender como intervir neste contexto. Este é o nosso objetivo, agora.

Esta disciplina vai tratar do saber e do fazer psicopedagógicos a serviço das instituições de ensino. Seu objetivo consiste em compreender a escola como o espaço onde se constroem as dificuldades de aprendizagem e o sujeito como aquele que delata a dimensão disfuncional de todo um contexto. Pensar a Psicopedagogia Institucional é pensar a instituição escolar e todo o sistema que cerca o sujeito que apresenta dificuldades de aprendizagem. Não existe fracasso escolar sem um contexto que o produz. A compreensão desta relação dialética é fundamental para a abordagem psicopedagógica institucional.

A partir de uma visão sistêmica do fenômeno da aprendizagem e da não-aprendizagem, a Psicopedagogia atua nas instituições escolares, em caráter preventivo, construindo saberes, valores, crenças e práticas que funcionam como “desconstrutores” das práticas pedagógicas impeditivas do processo de aprendizagem de alguns alunos, criando novos caminhos de intervenção e regulação dos déficits evidenciados. O psicopedagogo que trabalha na instituição de ensino deve pensar globalmente, o tempo todo, olhar para o aluno como parte de um sistema maior, onde a escola predomina como lócus de aprendizagem, mas não como único espaço capaz de propiciá-la.

Além de conceber a aprendizagem como resultante de um sistema complexo em interação, o psicopedagogo institucional tem que adquirir ferramentas de trabalho para agir, desenvolver estratégias de trabalho, atuar preventivamente e promover reajuste nos sistemas de aprendizagem que apresentam disfunções. Para atuar, este profissional necessita dominar conhecimentos específicos que orientam os processos de avaliação, intervenção e atuação psicopedagógica na instituição de ensino, considerando que grande parte de seu instrumental de trabalho será produzido por ele mesmo, de acordo com a realidade onde está inserido, com as demandas com as quais lida e as características específicas da clientela que atende.

Neste Caderno de Estudos vamos discutir a intervenção psicopedagógica institucional em sua dimensão teórica e, em especial, sua aplicação prática. Após aprender a avaliar um contexto de dificuldades de aprendizagem é indispensável ao especialista em formação adquirir competências que permitam a elaboração de estratégias de intervenção psicopedagógica, no âmbito educacional, com o propósito de lidar com as dificuldades presentes e promover ações reguladores das queixas de aprendizagem evidenciadas.

Introdução

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Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Unidade I

Capítulo 1 – O que é Intervenção Psicopedagógica

Objetivo específico: Analisar o conceito de Intervenção Psicopedagógica no âmbito escolar.

O fazer psicopedagógico surge na medida em que ocorre uma reflexão profunda sobre a Intervenção Psicopedagógica, seus objetivos, metas e procedimentos. Esta etapa da prática psicopedagógica institucional representa um momento de grande importância, pois traduz a intencionalidade do profissional que elaborou uma avaliação e que vai implementar ações corretivas ou preventivas dos possíveis desvios de aprendizagem encontrados. A intervenção é a etapa final do processo psicopedagógico e, ao mesmo tempo, seu “re-início”, pois seus resultados podem levar o psicopedagogo e a escola a um novo ponto de partida e de reflexão sobre o fazer psicopedagógico no contexto educacional. Assim como a avaliação, a intervenção não representa um fim, em si mesma, mas um conjunto de medidas que vão gerar novas práticas de prevenção, correção e enriquecimento da aprendizagem, mesmo que de modo não intencional.

Com o advento das Ciências Humanas, em especial a Pedagogia e a Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento surgiu, também, a possibilidade de “intervir” na escola e na sala de aula em situações de dificuldades de aprendizagem e/ou fracasso escolar. À medida que novos conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem foram sendo produzidos, aumentaram as situações de intervenção do pedagogo e do psicólogo escolar na instituição de ensino. Ao longo da história observamos modos diferentes de intervir no contexto escolar, geralmente influenciados pelos modelos teóricos orientadores das práticas pedagógicas. Na atualidade, a intervenção continua sendo feita, tanto de modo planejado, como nos serviços psicopedagógicos e de orientação educacional, ou de modos não intencionais, mas atendendo aos objetivos gerais de qualquer iniciativa educacional. Quando um profissional da Educação “age” pedagogicamente a favor do aluno e o recebe no espaço escolar para mediar saberes e conhecimentos, ele está intervindo. Toda e qualquer ação realizada por um educador é de natureza interventiva, resta saber se planejada ou não e com quais objetivos.

Não esqueça!

Intervir psicopedagogicamente não é novidade para o educador. Ele vem realizando práticas como estas há tempos, mesmo sem ter muita noção do que pretende com estas ações.

A Psicopedagogia, ao se organizar como área do conhecimento, traz luz a estas ações e tornam-nas intencionais, planejadas, voltadas para objetivos específicos e que se relacionam aos problemas escolares e de aprendizagem evidenciados no

Unidade I

Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica

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Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Unidade I

contexto escolar. Com a Psicopedagogia, a intervenção psicopedagógica adquire um sentido específico, que é atuar na correção e prevenção do fracasso escolar e também no enriquecimento tanto do ensino quanto da aprendizagem.

O psicopedagogo, ao intervir na dinâmica escolar, vai inserir-se nas tramas relacionais do aluno com sua família, com seus pares, seus professores e também vai interferir nas interações que ocorrem no espaço escolar entre distintos profissionais, considerando ele mesmo como participante destas interações. Além de transformar os processos interativos, o psicopedagogo pode alterar estruturas curriculares, metodologias de ensino e mesmo opções teóricas que sustentam as práticas pedagógicas. Sua ação vai modificar a estrutura escolar, seja para o bem ou para o mal. Seu trabalho tem grande alcance e, por esta razão, necessita sem muito bem planejado, estruturado e formalizado.

Pense um pouco sobre sua prática como educador(a)!

Você, certamente, toma decisões freqüentes de intervenção em várias dimensões da prática educacional. Estas intervenções também são compreendidas como “psicopedagógicas”.

Faça uma lista de intervenções que você já realizou e reflita sobre as relações entre elas e o conhecimento psicopedagógico.

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O que significa Intervenção Psicopedagógica no âmbito escolar?

Igea (2005) considera que a intervenção psicopedagógica inclui:

( ) funções de coordenação e estímulo do conjunto das atividades orientadoras dos professores, assim como o aprofundamento ou a ampliação dessas atividades, transformando-se (o trabalho psicopedagógico), dessa forma, numa instância de apoio para a instituição escolar. ( ) sendo as áreas de intervenção psicopedagógica os processos de ensino-aprendizagem, a atenção à diversidade, a prevenção e desenvolvimento pessoal e a orientação acadêmica e profissional (p.35)

Na perspectiva de Rodríguez (2005), a intervenção psicopedagógica é:

( ) um processo compartilhado entre os diversos profissionais – psicopedagogo, tutor e/ou professor de área, família, etc. – numa relação simétrica, cada um a partir do seu saber, e contextualizado no estabelecimento escolar (p.54).

Este autor conceitua a intervenção psicopedagógica considerando, especialmente, as funções exercidas pelos psicopedagogos na escola, com destaque para as seguintes ações:

1) Ações psicopedagógicas nas equipes de apoio escolar;

2) Ações psicopedagógicas de prevenção educativa;

3) Ações psicopedagógicas de levantamento de necessidades;

4) Ações psicopedagógicas de avaliação;

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Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Unidade I

5) Ações psicopedagógicas de elaboração de projetos curriculares;

6) Ações psicopedagógicas de atendimento à diversidade dos alunos;

7) Ações psicopedagógicas de adaptações curriculares;

8) Ações psicopedagógicas de orientação pessoal, vocacional e profissional.

Solé (2001) utiliza a concepção de César Coll sobre intervenção psicopedagógica que a considera “um amplo conjunto de tarefas e funções realizadas pelos profissionais que prestam assessoramento psicopedagógico às escolas” (p.37). Estas tarefas e funções organizam-se em torno de quatro eixos, a saber: (a) natureza dos objetivos da intervenção; (b) modalidades de intervenção; (c) direcionamento da intervenção e (d) lugar preferencial da intervenção.

Primeiro Eixo – Natureza dos objetivos da intervenção:

Com relação ao eixo “natureza dos objetivos da intervenção” o que se destaca é a construção de um continuum que permite identificar a natureza dos procedimentos de intervenção e se eles devem ser focados no aluno, em uma perspectiva corretiva e de atendimento individualizado ou se deve ser focado na escola, com propostas preventivas e de atendimento coletivo. Estes focos, entretanto, não são excludentes. Cabe ao psicopedagogo definir a natureza da intervenção de acordo com as demandas prioritárias.

Segundo Eixo – Modalidades de intervenção:

O eixo “modalidades de intervenção” engloba os tipos de intervenção psicopedagógica, que são: as corretivas, as preventivas e as de enriquecimento. As intervenções corretivas, em geral, destinam-se a casos específicos de sujeitos com dificuldades de aprendizagem pontuais e que ainda podem ser atendidos na escola, por uma equipe interdisciplinar. Nestes casos, o psicopedagogo centra o processo de intervenção no sujeito e suas necessidades eminentes. As intervenções de caráter preventivo têm uma natureza coletiva e destinam-se a grupos de sujeitos em situação de risco ou dificuldades de aprendizagem. Elas também podem ser aplicadas em toda a comunidade escolar, com a perspectiva de criar estratégias preventivas do fracasso escolar antes mesmo de sua manifestação. As intervenções psicopedagógicas de enriquecimento escolar são destinadas a todos os alunos, pois objetivam potencializar talentos e competências, a despeito da existência de quadros de dificuldades de aprendizagem. Um aluno que vivencia uma dificuldade, também apresenta talentos que podem e devem ser enriquecidos por meio de ações psicopedagógicas específicas.

Terceiro Eixo – Direcionamento da intervenção:

As intervenções psicopedagógicas têm direcionamentos próprios, como bem define o eixo “direcionamento da intervenção”. O psicopedagogo deve lançar mão de diferentes caminhos ao propor ações psicopedagógicas, seja de que natureza for. Ele tanto pode atuar diretamente com um aluno que demanda ação corretiva, como pode optar por atuar de modo indireto com este aluno, por meio de orientação de seus professores e familiares. Para decidir qual direcionamento dar às intervenções, o psicopedagogo deve realizar uma avaliação psicopedagógica competente que forneça informações precisas para a tomada de decisão das ações a serem implementadas. As características do contexto, dos professores e do próprio aluno também são critérios que devem ser considerado ao definir-se a direção da intervenção.

Quarto Eixo – Lugar preferencial da intervenção:

O último eixo, denominado “lugar preferencial de intervenção” define o local onde a intervenção psicopedagógica ocorrerá, incluindo diferentes níveis e contextos nos quais o psicopedagogo focará sua ação. A intervenção pode ocorrer na escola,

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Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Unidade I

como um todo, somente em sala de aula, diretamente com o professor, incluindo (ou não) a família, enfim, em diferentes espaços conforme a urgência ou demanda por modificações de padrões, práticas e crenças impeditivas da aprendizagem.

Não esqueça!

É importantíssimo que o psicopedagogo tenha ciência de que a intervenção psicopedagógica pode construir pontes que permitam aos sujeitos envolvidos na relação de ensino e aprendizagem encontraram-se e rumarem, juntos, para um mesmo destino.

A intervenção psicopedagógica pode se beneficiar bastante ao apropriar-se do conceito de “andaimaria”, construído por César Coll, renomado pesquisador espanhol, para traduzir parte de sua intencionalidade ao interferir na realidade escolar a partir de suas avaliações e considerações sobre o contexto de aprendizagem existente. Este conceito remete à função do andaime, que é uma armação de madeira ou de metal com estrado, sobre o qual trabalham os operários nas construções quando já não é possível trabalhar apoiados no chão. O andaime é utilizado para sustentar os trabalhadores até que eles vençam uma etapa específica do trabalho. Após a realização de uma etapa, o andaime pode ser utilizado para apoiar um momento posterior do trabalho ou mesmo retirado, caso não seja mais necessário. Com base na metáfora do andaime, a intervenção psicopedagógica não só constrói pontes que permitem o encontro entre sujeitos no espaço escolar como também propõe “relações de ajuda”, onde situações de apoio à aprendizagem são construídas (os andaimes) com o propósito de “sustentar” momentaneamente o aluno que ainda necessita de ajuda para caminhar, mas que em breve recuperará sua autonomia.

Não esqueça!

O principal objetivo da intervenção psicopedagógica consiste em auxiliar os sujeitos envolvidos na ação educacional a lidarem com os problemas e dificuldades emergentes, em uma perspectiva não só de solução, mas, especialmente de natureza preventiva.

A intervenção também dependerá do marco teórico que o psicopedagogo escolher para orientar suas ações. Somos sabedores de que a teoria precede à prática e que qualquer ação pedagógica ou psicopedagógica prescinde de uma epistemologia que a sustente e justifique. Portanto, é indispensável ao especialista em Psicopedagogia ter clareza da importância de adotar um referencial teórico norteador de sua prática. É neste corpo de conhecimentos que ele vai buscar alternativas para lidar com dificuldades de aprendizagem no espaço escolar, e mesmo fora dele.

Não esqueça!

A adoção de um referencial teórico auxilia o profissional a interpretar os fatos, problemas e situações com as quais ele se defronta e também define de que modo este profissional vai enfrentar estes contextos e, sobre eles, atuar.

Em uma perspectiva teórica que considera a relação de ensino e aprendizagem como um processo originado na interação entre professor e aluno, em contextos culturais que orientam a aprendizagem, o psicopedagogo é percebido como agente que, ao intervir neste processo, vai modificá-lo de modo a solucionar os problemas existentes ou mesmo potencializá-los.

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Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Unidade I

Este especialista não é neutro ou externo ao contexto das dificuldades de aprendizagem. Uma vez envolvido com esta situação, ele passa a fazer parte dela e vai influenciá-la, tanto positiva como negativamente. O resultado depende do seu preparo para o exercício de sua função e da sua capacidade de refletir sobre a própria prática, buscando avaliar-se continuamente, em parceria com a comunidade escolar. O psicopedagogo deve ser agente de mudança, no sentido construtivo e agregador que esta palavra pode conter.

Quais os objetivos de uma intervenção psicopedagógica institucional? Podemos elencar alguns, a saber:

• Contribuirparaoalcancedosobjetivoseducacionaisdainstituiçãodeensino;

• Promoversituaçõesqueproporcionemaoalunocondiçõesdeprogressãoemseusprocessosdeaprendizageme desenvolvimento, articulando os meios necessários para que isto ocorra;

• Atuarnosentidodebuscarcondiçõesideaisdeensino,oqueincluialteraçõese/oumodificaçõesnaspráticasdocentes, didáticas, do currículo, nos recursos educacionais, dentre outros aspectos;

• Auxiliarodocenteemtodasassituaçõesdeaprendizagem,emespecialaquelasondeseevidenciamproblemase/ou queixas;

• Contribuirparaumensinodequalidadeediversificadoajustadoparaosdiferentestiposdealunos;

• Assessorar a instituição escolar para o alcance de ótimas condições de funcionamento que permitamaconsolidação de processos de ensino e aprendizagem de qualidade;

• Promoveraçõesquepermitamàinstituiçãodeensinootimizarseusrecursoshumanos,potencializandotalentose competências não só dos alunos, como do corpo docente e demais agentes educacionais.

Não esqueça!

Uma escola de qualidade é uma instituição cada vez mais aberta, que elabora respostas diversas, adaptadas a seus usuários. A necessidade de atender a alunos diferentes para que todos eles progridam no desenvolvimento de suas capacidades implica localizar o currículo, a proposta curricular que a escola elabora e que se concretiza na vida cotidiana das salas de aula, como eixo da intervenção psicopedagógica (Sole, 2001, p.57)

O psicopedagogo que atua no âmbito institucional deve ter ciência de que seu trabalho deve ocorrer de modo compartilhado com os outros sujeitos envolvidos nas situações docentes, em especial aquelas que apresentam queixas ou problemas. Partindo desta premissa de “ação compartilhada” é que o psicopedagogo vai estruturar seus modelos de intervenção, considerando o papel de cada sujeito nestas ações, as condições de implantação e as possibilidades de sucesso das estratégias. Com base na avaliação psicopedagógica de um dado contexto, o psicopedagogo começará a organizar as intervenções necessárias de modo planejado e partilhado com toda a comunidade escolar.

A Psicopedagogia, como toda disciplina científica vinculada aos processos educacionais, tem grande responsabilidade diante da exclusão escolar, que pode ocorrer por meio do surgimento das dificuldades de aprendizagem, do fracasso escolar ou da combinação destes fatores mesclados a tantos outros. Compreender o processo de construção dos impedimentos à aprendizagem e atuar institucionalmente no sentido de preveni-lo consiste na tarefa fundamental deste profissional, sempre em uma relação interdisciplinar, contando com o auxílio e experiência dos outros profissionais atuantes no cenário escolar.

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Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Unidade I

Para contribuir de modo eficiente na prevenção e tratamento das dificuldades de aprendizagem, a Psicopedagogia deve investigar o contexto onde os impedimentos à aprendizagem se instalam, quais as características deste contexto, que visão de homem e de mundo predominam neste cenário e, especialmente, que modelo de educação “sustenta” um ambiente que não permite o livre fluxo da aprendizagem. O especialista em Psicopedagogia pode somar esforços no espaço escolar e contribuir para a geração de um ambiente nutritivo não só para a aprendizagem dos alunos, mas, especialmente, para os seus processos de desenvolvimento.

Há muito que fazer na escola por uma educação de qualidade para todos. O psicopedagogo ciente de suas responsabilidades pode contribuir no sentido de:

• Promoverprocessosdereflexão,noambienteescolar,nosentidodepensarerepensarcrençasevalorescomrelação ao diferente, à diversidade e à igualdade;

• Investigar, comprofundidade, o potencial dos alunos, suas possibilidades de sucesso, as condições quefavorecem este quadro e a promoção do mesmo;

• Aoidentificarassituaçõesdedificuldadesdeaprendizageme/oufracassoescolar,evitarpôrofoconoproblema,mas sim destacar as possíveis soluções;

• Ajudaraescolaaencontrarsaídasmetodológicaseavaliativascriativasquefavoreçamainclusão;

• Proporalternativasdeaçãodidáticaepedagógicaaosprofessores,deixandoclaroqueoprocessodeensinoe aprendizagem deve focar o aluno e não conteúdos;

• Incentivarapesquisa,aautonomiadepensamento,aoriginalidade,acriatividadeemtodosossujeitosqueinteragem no espaço escolar;

• Auxiliarafamíliaalidarcomasdiferençasedificuldadesdeseusfilhos,respeitandoascircunstânciasemqueeles vivem e sem negar os problemas existentes;

Não esqueça!

A Psicopedagogia tem a responsabilidade de criar pontes que permitam o diálogo entre o aprender e o não-aprender, o acesso de todos ao conhecimento e a construção de estratégias que regulem todo o processo, permitindo ao sujeito experimentar sucesso em seus processos de desenvolvimento e aprendizagem considerando suas expectativas e peculiaridades.

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Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

Objetivo específico: Elaborar um procedimento de intervenção psicopedagógica no âmbito institucional.

A intervenção psicopedagógica é prática comum na vida de qualquer educador. Ao preparar uma aula, ao pensar em processos de coordenação e gestão escolar, ao refletir sobre os problemas comuns à escola o educador intervêm psicopedagogicamente. Esta dimensão ampla da intervenção psicopedagógica ocorre o tempo todo, especialmente ao considerarmos o movimento dinâmico que caracteriza uma instituição escolar. Mesmo sem planejar, o educador atua psicopedagogicamente todos os dias, resolvendo problemas e procurando soluções criativas para os desafios cotidianos. Não é desta intervenção que vamos tratar neste capítulo.

O tipo de intervenção que é foco de nossa discussão é aquela realizada por meio de meticuloso trabalho de planejamento e estruturação, ação específica do especialista em psicopedagogia e voltada para a solução de dificuldades de aprendizagem ou contextos onde se evidencia o fracasso escolar. A intervenção psicopedagógica tem um caráter próprio, tem características específicas e metas pré-estabelecidas, por isso a necessidade de compreendermos sua natureza e aprendermos a elaborar estratégias para realizá-la de modo competente e adequado.

Nossa meta é o sucesso escolar!

Já sabemos o que é uma intervenção psicopedagógica. Sabemos para o que serve e quais características possui. Somos cientes da amplitude de sua ação e da necessidade de olharmos todos os sujeitos da ação pedagógica para atuarmos bem, do ponto de vista psicopedagógico. Resta aprendermos a intervir, tarefa difícil, que exige apropriação teórica e experiência, prática, o fazer do dia a dia, na escola e na vida.

Não esqueça!

Para intervir corretamente, do ponto de vista psicopedagógico, é indispensável saber avaliar uma situação de dificuldade de aprendizagem ou fracasso escolar.

Unidade II

Estratégias de Intervenção Psicopedagógica

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Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

A partir de uma avaliação psicopedagógica bem elaborada é possível retirar subsídios que sustentem uma intervenção de qualidade. A avaliação psicopedagógica vai situar o problema de aprendizagem em seu contexto, considerando:

1) O lócus onde ocorre o problema;

2) Os sujeitos diretamente envolvidos;

3) Os sujeitos indiretamente envolvidos;

4) A identificação do problema e sua caracterização;

5) A identificação dos diferentes contextos (sala de aula, relação professor e aluno, currículo, estratégias didáticas, características do professor e do aluno envolvidos na queixa escolar, contexto familiar do aluno etc.) que configuram o quadro de não-aprendizagem;

6) As principais áreas de interferência da dificuldade de aprendizagem (conteúdos específicos, dimensões afetiva, cognitiva, relacional etc.).

De posse destas informações, o psicopedagogo vai pensar sobre a queixa de aprendizagem, refletir sobre seus condicionantes e elementos constituintes, conversar com os sujeitos envolvidos e começar a decidir sobre os caminhos que vai propor para intervir e buscar alternativas de solução e/ou prevenção para a situação em questão.

Neste momento é muito importante ter clareza com relação a:

a) Qual a natureza do trabalho psicopedagógico?

O que faz um psicopedagogo no âmbito escolar? Quais as suas funções? O que a escola espera deste especialista? Que tipo de contribuições ele pode dar aos alunos e à instituição de ensino? Estas questões devem estar claras na mente do especialista em Psicopedagogia. Conhecer a natureza do seu trabalho, o âmbito de sua atuação, as ações que se espera de um psicopedagogo é o mínimo para o exercício desta profissão.

Além destas competências, espera-se que o psicopedagogo tenha conhecimentos consolidados de educação, desenvolvimento humano e aprendizagem. Seu papel, no contexto escolar, exige dele vasto repertório teórico, domínio da prática, posturas éticas e competências nas relações interpessoais. É importante destacar, também, o trabalho interdisciplinar como modelo de condução das ações de avaliação, intervenção e apoio psicopedagógico na escola. Todas as vozes que participam das relações de ensino e aprendizagem devem ser ouvidas e convidadas a participarem do trabalho e o psicopedagogo não só pode como deve ser o elemento aglutinador destas vozes, o orquestrador que vai permitir que, todos juntos, trabalhem em prol de um benefício comum.

b) Quais concepções teóricas vão orientar a intervenção psicopedagógica?

A apropriação teórica é o principal aspecto norteador da prática psicopedagógica. Sem uma boa teoria não existe uma prática de qualidade. O maior engano que se comete na prática educacional é considerá-la ação realizada por meio do improviso. O trabalho pedagógico (e também o psicopedagógico) exige planejamento, estrutura, estratégias de ação e avaliação, para que ele se auto-regule, se renove e alcance seus objetivos. Para planejar e agir adequadamente, temos que assumir posturas teóricas e ideológicas que vão definir nossa visão de mundo, de homem e de educação. Somente com concepções teóricas bem sustentadas é possível pensar em intervir no contexto de ensino e aprendizagem, buscando modificações neste sistema.

Eu só posso atuar no sentido de ajudar uma criança a resgatar suas competências de aprendizagem se eu sei o que é aprendizagem, como ela ocorre para o sujeito e quais os seus processos e características.

Eu só posso intervir no ensino quando tenho ciência da sua estrutura, do seu funcionamento e de todos os elementos que atuam para promovê-lo ou impedi-lo.

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Uma opção teórica de qualidade, somada às contribuições de outras áreas do conhecimento, vai permitir ao psicopedagogo compreender o que é aprendizagem, seus impedimentos, as características das DAs, sua etiologia, como identificá-las e, especialmente, como atuar no sentido de solucioná-las, transformando o que é déficit em novas competências e saberes do aluno.

Não esqueça!

Não é possível atuar pedagógica e psicopedagogicamente por meio de achismos!

Precisamos do conhecimento científico para nos orientar e nos auxiliar a compreender a complexidade dos processos de desenvolvimento e aprendizagem dos sujeitos humanos.

Somente desta forma podemos intervir com segurança e chances de êxito.

c) Que escola é esta onde vou intervir?

O psicopedagogo necessita conhecer, com profundidade, o espaço escolar onde vai atuar. Para além deste espaço, este profissional precisa conhecer o sistema educacional do país, sua legislação, o modus operandi da máquina pública e privada, sua eficácia, as avaliações que são realizadas, as intencionalidades que permeiam as decisões políticas vinculadas à educação, enfim, ter ciência da realidade educacional do país, com complexidade e postura crítica.

Após construir uma visão adequada do sistema educacional este especialista deve aprofundar-se na investigação da instituição escolar onde irá intervir. Para isto é indispensável compreender a história da unidade escolar, os sujeitos envolvidos nesta história, as crenças e valores que foram surgindo ao longo da existência da instituição de ensino, as mudanças mais significativas, os vínculos da escola com os macro-sistemas educacionais, seus projetos pedagógicos, suas estratégias de gestão, coordenação pedagógica e orientação dos educadores e alunos, o currículo, as metodologias de ensino disseminadas, as estratégias de avaliação, as práticas em sala de aula, a forma como a escola lida com o sucesso escolar, o fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem, dentre tantos outros fatores. O psicopedagogo que pretende atuar de modo competente deve passar um “pente fino” na instituição, no sentido de compreendê-la com relação aos aspectos físicos, legais e institucionais, assim como os aspectos subjetivos, orientados por crenças, valores e práticas.

Não esqueça!

Quando eu sei “que escola é esta onde devo atuar” tenho condições de escolher caminhos e procedimentos que permitam o alcance dos objetivos psicopedagógicos.

d) Quem são as pessoas envolvidas na queixa de aprendizagem?

Em geral, uma queixa de aprendizagem surge a partir de comportamentos desviantes de um aluno, ou mesmo um grupo de alunos, em relação ao seu desempenho escolar. Um comportamento desviante traduz-se em condutas que se afastam de padrões de adequação de processos de desenvolvimento e aprendizagem de um sujeito.

Apesar de ser o foco da queixa, o aluno não é, necessariamente, o único nem o principal construtor de seu impedimento à aprendizagem ou o responsável por ela não ocorrer. O que mais se observa, quando se avalia a instituição escolar,

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é o fato de o aluno ser apenas um emissário de sinais que indicam que o sistema de ensino e aprendizagem está em falência. Quando um aluno fracassa na escola, todo um sistema fracassa junto a ele. Por isso a falácia em buscar a fonte ou a origem do problema de aprendizagem apenas no aluno. Esta é uma solução fácil, mas que não traduz a complexidade da situação em questão e muito menos resolve o problema.

Uma queixa de aprendizagem é fenômeno construído por múltiplas mãos e mentes. É necessário muita gente atuando contra para que uma criança deixe de aprender. Seres humanos são tão competentes que, mesmo em situações precárias, continuam aprendendo. O psicopedagogo preparado deve ter esta premissa em mente quando for investigar a origem de uma dificuldade de aprendizagem. Todos os sujeitos envolvidos no aprender têm sua cota de responsabilidade nas situações de não-aprendizagem. Compreender o papel de cada uma destas pessoas no quadro de fracasso da aprendizagem, o modo com cada indivíduo interfere e impede uma criança de aprender, o papel do sistema de ensino nesta situação específica e o modo como o aluno que expressa esta queixa lida com a questão é da maior relevância para qualquer ação interventiva.

Não esqueça!

É indispensável conhecer, muito bem, cada sujeito envolvido em uma situação de não-aprendizagem!

e) Quem é este aluno que delata o fracasso de todo um sistema?

Conhecer o aluno, que traz à tona o problema de aprendizagem, é parte do processo de enfrentamento destas dificuldades. Há uma tendência em olhar o aluno como o elemento focal, como o centro do problema, como o responsável por uma situação de não-aprendizagem. Ele não é o responsável, ele é parte de um sistema que finaliza seu circuito nele e no seu desempenho escolar. Olhar para este sujeito e tentar compreendê-lo é um medida indispensável para buscar soluções que permitam lidar com um problema de aprendizagem, mas não é a solução. A solução só surge no trabalho que abarca todo o contexto de aprendizagem, em suas dimensões marco e micro-sistêmicas.

Entretanto é fundamental conhecer o sujeito que apresenta o sintoma do não-aprender. É importante compreender sua estrutura personológica, seu contexto familiar, seu histórico de vida, seu histórico escolar, seu desempenho atual, suas potencialidades, seu modo de enfrentar o problema, suas crenças e valores sobre si mesmo e sobre seu processo educacional.

O sujeito que vivencia uma situação de dificuldade de aprendizagem não é uma pessoa incapaz de aprender, mas uma pessoa que, por diversas circunstâncias, está impedida de construir seus conhecimentos.

O momento da avaliação psicopedágogica é, por excelência, a hora de conhecer o aluno com dificuldades de aprendizagem. O especialista em Psicopedagogia vai construir uma abordagem investigativa para saber quem é este sujeito, suas características, suas competências, suas dificuldades e, especialmente, suas potencialidades. Uma intervenção psicopedagógica institucional vai necessitar deste repertório de saberes sobre o aluno para decidir que estratégia irá utilizar para auxiliá-lo na reconstrução de sua aprendizagem.

A intervenção psicopedagógica não pode, em momento nenhum, considerar o aluno como o elemento central de suas ações. O aluno é o beneficiário, é aquele que deve ser atendido em suas dificuldades, não o responsável ou mesmo o criador destas dificuldades. A intervenção vai beneficiar o aluno e atuar em todo o contexto escolar, o que inclui o aluno.

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O foco da intervenção psicopedagógica institucional é a instituição de ensino e não o aluno.

f) E o psicopedagogo neste processo?

O psicopedagogo é o especialista que vai realizar o trabalho de avaliação, intervenção e regulação das situações relacionadas às dificuldades de aprendizagem, no contexto escolar. Ele tem muitas outras funções na escola, mas neste momento vamos focalizar sua ação especificamente neste sentido: o de prevenir o fracasso escolar e auxiliar alunos, professores, educadores e famílias a superarem as queixas e os impedimentos à construção do conhecimento.

Seu trabalho é, por natureza, interdisciplinar. Ele não atua sozinho. Não pode e nem deve realizar ações psicopedagógicas sem a participação da comunidade escolar. É sua responsabilidade chamar todos os envolvidos em uma queixa de aprendizagem para participarem de sua solução. Ele é o orquestrador desta equipe que vai trabalhar para prevenir o fracasso escolar na escola. É de extrema relevância que ele tenha clareza do seu papel na escola, das suas atribuições e responsabilidades e das fragilidades que cercam qualquer atividade interventiva junto a pessoas e sistemas. As possibilidades de insucesso são reais. O psicopedagogo, ciente disto, é capaz de recomeçar, renovar caminhos, mudar estratégias e retomar seu trabalho, após tentativas infrutíferas.

Além de saber lidar com possíveis situações de fracasso de suas ações, este profissional não pode esquecer que ele é parte do sistema escolar e, muitas vezes, também é parte do problema de aprendizagem enfrentado pelos alunos. Esta postura crítica e avaliativa da própria prática, por parte do psicopedagogo, é indispensável para que haja chances de êxito em suas intervenções.

Portanto, psicopedagogo, não esqueça: você tanto pode contribuir para o sucesso escolar do aluno como para o seu fracasso.

Fique atento!

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g) Como começar uma intervenção!

Não há receitas para intervir do ponto de vista psicopedagógico. Há indicativos, orientações, premissas e sugestões de modelos de intervenção. O especialista em Psicopedagogia vai elaborar suas estratégias de intervenção a partir de todo o cabedal de conhecimentos que adquiriu em sua graduação e, em especial, em sua especialização. Já discutimos neste texto o que é necessário pontuar para que ocorra uma intervenção psicopedagógica de qualidade. Porém, o como intervir é fruto da autonomia e da tomada de decisão de cada profissional.

Algumas questões são primordiais para que uma intervenção psicopedagógica possa ser construída, a saber:

• Semumaavaliação psicopedagógica de qualidade não é possível intervir psicopedagogicamente, de modo planejado.

• A intervenção surge da avaliação psicopedagógica, portanto, aprenda a avaliar corretamente e a intervenção está quase pronta.

• Tudo é intervenção, ou seja, no momento em que ocorre contato entre o psicopedagogo, a escola e o aluno, a intervenção inicia.

• Nem tudo é intervenção, ou seja, o contato não é suficiente para solucionar problemas de aprendizagem, ele é parte do contexto. Para intervir é necessário saber construir estratégias de intervenção.

• Paraelaborarestratégiasdeintervençãopsicopedagógicaséprecisodestacarospontosnodaisquederamorigem ao impedimento da aprendizagem, os focos centrais e periféricos da intervenção. É preciso distinguir quais caminhos a tomar!

Não esqueça!

Neste momento entra a capacidade de tomar decisões do especialista em Psicopedagogia, sua competência em traduzir modelos teóricos estudados em práticas psicopedagógicas. A dimensão do fazer exige autonomia, coragem e iniciativa, por isso não há receitas.

Certamente há sugestões que auxiliam na construção de estratégias de intervenção psicopedagógicas. Avaliemos algumas delas:

1) Para começar a pensar em quais estratégias psicopedagógicas devem ser construídas é importante dissecar a avaliação psicopedagógica. Questione os dados encontrados na avaliação psicopedagógica elaborada. Onde está o foco do problema de aprendizagem? Quem é o sujeito (ou os sujeitos) que delata o problema? Qual o nível de envolvimento da escola e de seus atores no problema? Qual o papel da família neste contexto? Como o sujeito que apresenta a dificuldade de aprendizagem age e reage ao que está acontecendo? Onde e como esta dificuldade de aprendizagem se apresenta? Faça com que a avaliação psicopedagógica diga quais os espaços onde deve ocorrer intervenção.

2) A escola é parte do problema! Veja onde e como a escola colabora na construção das dificuldades de aprendizagem e monte ações para desconstruir este contexto e construir novos. Estruture trabalhos específicos com gestores, coordenadores e professores. Atue onde há maior necessidade. Peça auxílio e trabalhe interdisciplinarmente. Veja o que precisa ser modificado, se são valores e crenças ou práticas e métodos. Avalie o trabalho, sempre. Deixe claro que um aluno que não aprende significa uma escola que não ensina. Tenha coragem de enfrentar, junto com os outros educadores, a parte que cabe a cada um com relação ao problema em questão.

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3) E o papel do professor nesta história? Uma avaliação psicopedagógica de qualidade vai identificar o papel do professor na situação de não-aprendizagem investigada. Uma estratégia de intervenção competente vai trabalhar esta questão com o professor. É indispensável identificar as estratégias de ensino do professor. Mais ainda, é muito importante compreender o que o professor pensa sobre ensinar, aprender e educar. É necessário identificar como ele lida com as dificuldades de aprendizagem. É preciso conhecer o professor. Quem ele é? Onde e como se formou? Em quais práticas pedagógicas ele acredita? Em geral, o professor está envolvido na construção de uma queixa de aprendizagem. Ele é parte do processo e também deve ser contemplado na intervenção, muitas vezes de modo mais prioritário do que o aluno. O psicopedagogo precisa desenvolver estratégias para trabalhar com o professor para auxiliá-lo a enfrentar suas limitações e dificuldades e desenvolver suas potencialidades. O professor, muitas vezes, necessita mudar o rumo de sua prática, transformar suas concepções, mudar seus valores. Uma intervenção psicopedagógica competente é capaz de promover mudanças desta natureza.

4) E o currículo, que dificuldades ele apresenta ou representa? A queixa de aprendizagem situa-se em qual área curricular? O aluno não consegue ler, escrever e interpretar textos? Ou ele não estrutura raciocínios lógicos? O que é necessário rever, em termos curriculares? É necessário repor conteúdos curriculares? É necessário ensinar, novamente, estratégias cognitivas que permitam à aquisição de competências intelectuais que facilitam a aprendizagem dos conteúdos curriculares? Para dar conta dos desafios postos pelo currículo o psicopedagogo tem que conhecer como o sujeito se apropria da escrita, da leitura, do raciocínio lógico-matemático, enfim, do conhecimento. É hora de retomar conteúdos teóricos, aprofundá-los e deles derivar estratégias de intervenção. Não há receita para ajudar uma criança a desenvolver o raciocínio matemático, mas se conheço como ela constrói seus conhecimentos, especialmente nesta área, tenho como elaborar formas de auxiliá-la a recuperar saberes perdidos ao longo do seu processo de escolarização.

5) A família e seu legado! A família é a instituição que organiza a construção da identidade do sujeito. Depois, quando este sujeito chega à escola, a família passa a compor, junto com a instituição de ensino, um sistema que define o desenvolvimento e aprendizagem de suas crianças. A família sempre está envolvida em uma queixa de aprendizagem, assim como o professor e a escola. Trabalhar com a família é fundamental e muito difícil. Nem sempre contamos com sua boa vontade ou desejo de assumir suas responsabilidades com relação ao fracasso escolar de um filho. Mas é indispensável tentar envolver a família nas ações psicopedagógicas, sempre. A família pode ser orientada, ser convidada a participar do cotidiano escolar do seu filho, compartilhar o seu sucesso (e não só o fracasso), participar ativamente das atividades escolares, ser encaminhada (caso necessário) para outras ações preventivas e/ou terapêuticas, enfim, há muita coisa para se trabalhar com a família. Cabe ao psicopedagogo desenvolver estratégias para isto.

6) O aluno, quem de fato importa! Uma intervenção psicopedagógica tem como meta atender ao aluno, seja qual for a queixa escolar em questão. O aluno é o princípio, o meio e o fim da ação psicopedagógica. É em benefício dele que todo o trabalho se organiza. O psicopedagogo necessita conhecer o aluno e sua situação. Precisa entender seus motivos e quais as funções do não-aprender em sua história escolar e pessoal. No âmbito escolar, a intervenção psicopedagógica tem uma natureza preventiva, reguladora e enriquecedora. Cabe ao psicopedagogo não só auxiliar o aluno a superar dificuldades, mas também enriquecer suas experiências de aprendizagem, tornando a escola em um local que faça sentido para o sujeito. É necessário um olhar preciso sobre o aluno, no sentido de orientá-lo da melhor forma possível, de atender às suas demandas em consonância com seus momentos desenvolvimentais e de aprendizagem.

Elaborar estratégias de intervenção psicopedagógicas não é tarefa fácil. Para isto, o especialista em Psicopedagogia tem que ter preparo, ousadia e certo grau de autorização pessoal para construir seu instrumental de trabalho. A literatura da área é a base para a construção da prática. A experiência é o mecanismo que refina esta prática e a coragem é o comportamento que permite o “ir adiante”, sem receitas, com criatividade e ética, porque educamos seres humanos e não há nada mais importante e precioso na existência do que isto.

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Referências

Igea, B.D.R. (2005). O psicopedagogo nas escolas de ensino médio. Em B.D.R. Igea & cols. Presente e futuro do trabalho psicopedagógico. Porto Alegre: ARTMED Editora.

Rodríguez, F.L. (2005). O psicopedagogo nas equipes de apoio. Em B.D.R. Igea & cols. Presente e futuro do trabalho psicopedagógico. Porto Alegre: ARTMED Editora.

Solé, I. (2001). Orientação educacional e intervenção psicopedagógica. Porto Alegre: ARTMED Editora.

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Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Texto Complementar 1 – Uma ação interventiva na instituição: Saúde e psicopedagogia de mão dadas na escola

Adriana Gotardi da Silva RamosI1; Eduardo Alcober2; Jaqueline Mendonça Quinta3

Como citar este texto:

RAMOS, Adriana Gotardi da Silva, ALCOBER, Eduardo e QUINTA, Jaqueline Mendonça. Uma ação interventiva na instituição: Saúde e psicopedagogia de mão dadas na escola. Constr. psicopedag., 2005, vol.13, no.10, p.0-0. ISSN 1415-6954.

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RESUMO

Este artigo visa relatar uma experiência de intervenção psicopedagógica institucional a partir da realização de atividade de estágio para o curso de pós-graduação em Psicopedagogia. A relevância deste trabalho está na origem da demanda de sujeitos com dificuldades de aprendizagem encaminhados para uma unidade de saúde pública que atende portadores de distúrbios mentais graves. Desse contexto, os agentes de saúde iniciam um projeto junto às unidades escolares da rede pública, atendendo a diretores, coordenadores e educadores com o objetivo de compreender a questão das dificuldades de aprendizagem não como uma patologia. Ainda busca a abertura de um espaço para estagiários em Psicopedagogia para ação nas unidades escolares da rede pública com professores e coordenadores, bem como de um trabalho para o atendimento de alunos. Em suma, um trabalho psicopedagógico para a construção de uma escuta e um olhar para as relações estabelecidas entre a unidade de saúde, a escola e o aluno, num movimento dialético.

Palavras-chave: Psicopedagogia, instituição, saúde, intervenção.

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ABSTRACT

This essay aims to report an experience in Institutional psychopedagogical mediation through a work as trainees as required by University to get a post-graduation certificate in Psychopedagogy. The importance of this essay is in the origin of the number of individuals showing learning disabilities sent to a public health system unit which works with severe mentally disordered adolescents, making the health agents develop a project to meet the needs of public schools by promoting meetings with principals, coordinators and teachers in order to understand the disability issue not as a pathology. In addition, there is an opening of a psychopedagogical work for trainees at the schools for an action towards teachers, coordinators and pupils. In short, it is a psychopedagogical work for the development of listening and view for the health unit, the school and pupil on a dialectic motion.

Key words: Psychopedagogy, institution, health, mediation.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho visa compreender a práxis da Psicopedagogia institucional que considera as dificuldades e queixas apresentadas como possíveis resultantes de uma dinâmica de funcionamento interna – escolar – e externa – familiar,

Unidade III

Anexo – Atividades com Textos Complementares

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cultural e social- --, evidenciando as relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos no ato pedagógico. Propõe, ainda, relatar uma experiência psicopedagógica que tem seu início em uma unidade pública de saúde mental que, em virtude da demanda de pacientes com dificuldades de aprendizagem, passa a desenvolver um trabalho junto a coordenadores e professores de unidades de ensino público. Deste trabalho, surge a necessidade de uma intervenção institucional dentro da unidade escolar e, posteriormente, um atendimento clínico com grupo de alunos.

Este artigo é resultado de um trabalho de oito meses realizado por Adriana Gotardi da Silva Ramos e Eduardo Alcober como pós-graduandos em Psicopedagogia em nível Lato Sensu na Universidade São Marcos, São Paulo, num primeiro momento na condição de estagiários e observadores para o trabalho de campo da disciplina “Avaliações de Demandas em Psicopedagogia Clínica e Institucional”, e, posteriormente, cumprindo estágio supervisionado. Adriana e Eduardo acompanharam o trabalho da co-autora deste artigo, Jaqueline Mendonça Quinta, então responsável pela unidade de saúde e organizadora do projeto.

Nossa atuação, na qualidade de estagiários em Psicopedagogia institucional, teve como objetivo proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento de relações interpessoais e o estabelecimento de vínculos, procurando inserir os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, bem como contar com a colaboração da equipe de professores, auxiliando-os a ampliar o olhar em torno dos alunos e das circunstâncias de produção do conhecimento. Para tanto, recorremos aos pressupostos teóricos dos seguintes autores: Enrique Pichon-Riviére, Pierre Weil e Alicia Fernández.

CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

a) Histórico

O Hospital-Dia em Saúde Mental para Crianças e Adolescentes de Vila Prudente foi criado em 1991. De sua criação até o ano de 1996, a equipe do hospital promoveu atendimento intensivo para as crianças e adolescentes (até 18 anos) que apresentavam “sofrimento psíquico grave” por meio de uma rotina diária. Essa rotina contemplava atividades e atendimentos terapêuticos, conforme projeto terapêutico individual, de acordo com a demanda do caso.

Durante esse período, os trabalhos desenvolvidos foram se afastando gradativamente da proposta de internação intensiva, o que proporcionou a criação de rotinas específicas para cada grupo de usuários. Nessa nova configuração, os usuários participavam de oficinas terapêuticas, tais como grupo de alimentação, grupo de histórias, além de grupos terapêuticos de acordo com a indicação para cada caso e com a faixa etária do público. Nesse sentido, o usuário freqüentava a unidade conforme sua necessidade.

Com as mudanças na política de gestão da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, em 1993, o modelo de atendimento em construção foi interrompido pela instituição do Programa de Atenção à Saúde (PAS), o qual propunha um novo tipo de gerenciamento, criando cooperativas de médicos e funcionários licenciados do serviço público. A justificativa apresentada para essa nova proposta foi a demanda excessiva, que merecia mais agilidade no atendimento, conforme reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo de 14 de abril de 1996 (p. 9).

Em 1996, em virtude dessas mudanças, o programa sofreu outras alterações e fragmentações, atingindo diretamente os projetos em andamento até então.

Em 2001, a Secretaria de Saúde reformou seu sistema de gestão com uma proposta de serviço que obedecesse ao princípio da integridade, eqüidade e universalidade: o Sistema Único de Saúde (SUS), e iniciou a reconstrução da rede de saúde pública. Nesse momento, os responsáveis pelo Distrito de Vila Prudente consideraram, no critério de escolha, que o público-alvo de seu trabalho seria o adolescente somente, sendo o atendimento às crianças realizado em outra unidade de saúde.

No ano de 2002, a Secretaria de Saúde transformou os Hospitais-Dia em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS’s), seguindo a nova diretriz do Ministério da Saúde, o que transformou o Hospital-Dia em Saúde Mental para Crianças e Adolescentes de Vila Prudente em Centro de Atenção Psicossocial para Adolescentes de Vila Prudente.

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b) Descrição do serviço

A Coordenadoria de Saúde de Vila Prudente é o órgão responsável pelo Centro de Atenção Psicossocial para Adolescentes de Vila Prudente (CAPS Vila Prudente). Possui como responsável pela unidade e pelas atividades de estágio nela realizadas Jaqueline Mendonça Quinta – fonoaudióloga e pedagoga.

Trata-se de uma instituição pública municipal para atendimento de adolescentes portadores de distúrbios psicológicos e mentais dos tipos severos e persistentes.

Em virtude da grande procura por parte de escolas de Ensino Fundamental da rede pública ao CAPS para atendimento e orientação em relação a sujeitos com dificuldades de aprendizagem, associando essa dificuldade a um distúrbio psicológico, surge o projeto idealizado e organizado por Jaqueline e pelo Dr. José Antônio Quinta, médico psiquiatra.

Em seus atendimentos, foi verificado que muitos casos não estavam associados a um distúrbio mental ou psicológico e, sim, a fatores pedagógicos, familiares, sociais, entre outros, que comprometiam o desempenho escolar dos sujeitos em questão. A partir dessa constatação, foi proposto um trabalho junto às equipes pedagógicas – direção, coordenação, professores – e instituições de ensino, buscando uma melhor análise do trabalho pedagógico desenvolvido e da relação entre a prática docente e os alunos.

Essa atividade é desenvolvida em dois segmentos: dentro do CAPS e junto às instituições de ensino. O trabalho no CAPS é de atendimento a diretores, coordenadores e professores no tangente à escuta da queixa escolar. A partir da necessidade apresentada, é desenvolvido um trabalho de discussão de casos e orientação e/ou encaminhamento cabível. As atividades desenvolvidas nas escolas visam reunir a equipe técnico-pedagógica para uma melhor compreensão e conhecimento do trabalho desenvolvido por cada um, levando-se em consideração as queixas e atitudes tomadas para amenizá-las ou solucioná-las.

O intuito deste projeto é desmistificar o rótulo da “patologização” referente a toda e qualquer dificuldade de aprendizagem manifestada na sala de aula ou, ainda, no ambiente escolar. Busca, por meio do trabalho institucional, dirimir o foco do problema, ampliando a visão deste para outras hipóteses, olhando para o sujeito de forma não isolada, mas como parte de um sistema.

O âmbito institucional, com seus inúmeros déficits e com suas carências, que são motivos de nossas lutas e que, esperamos, possam ser revertidos, apresenta características específicas diferentes das do âmbito privado de atendimento individual, as quais podem tornar-se vantajosas (Fernández, 2001:48).

O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO NO CAPS

Os relatos dos integrantes do grupo – coordenadores e professores da rede pública de ensino – revelam o não comprometimento da equipe no ato pedagógico. Os fracassos ficam, muitas vezes, relegados a um único indivíduo (professor ou aluno), não sendo compreendidos como resultado de um sistema. As queixas traduzem a falta de orientação e de condução de um trabalho pedagógico eficaz e eficiente, evidenciando a fragmentação dos papéis desenvolvidos por cada membro da instituição, descaracterizando a idéia de união e de equipe. O trabalho de Jaqueline e do Dr. Quinta visa integração e melhoria da comunicação do grupo, buscando o desenvolvimento pedagógico de qualidade em cada unidade escolar atendida.

Nessa abordagem multidisciplinar, observamos que a presença do Dr. Quinta traz credibilidade e veracidade do trabalho aos participantes. Sua figura representa a ciência e a autoridade do saber para o grupo. As reuniões são iniciadas pelo Dr. Quinta, sendo discutidas questões relacionadas às queixas do grupo, propiciando o espaço não fornecido pelas instituições. Nesse sentido, destacamos que existe quebra de paradigma, pois é o médico quem se aproxima desses educadores, e não o contrário, o que promove uma relação de confiança por parte dos integrantes. Sua condução leva à diminuição de ansiedade do grupo, preparando-o para o desenrolar da segunda etapa das reuniões, a discussão sobre as questões pedagógicas abordadas por Jaqueline.

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Ambos desempenham o papel de mediadores e orientadores sobre as hipóteses levantadas, não impondo verdades ou receitas para a solução dos problemas, como define Pichon-Riviére (1998:170,171):

O coordenador cumpre, no grupo, um papel prescrito: o de ajudar os membros a pensar, abordando o obstáculo epistemológico configurado pelas ansiedades básicas. Opera no campo das dificuldades da tarefa e da rede de comunicações. Seu instrumento é assinalação das situações manifestas e a interpretação da causalidade subjacente. (...). O sexto vetor remete-nos a um fenômeno básico – o da aprendizagem. É obtido pela somatória de informação dos integrantes do grupo, cumprindo-se em dado momento à lei da dialética de transformação de quantidade em qualidade. Produz-se uma mudança qualitativa no grupo, que se traduz em termos de resolução de ansiedades, adaptação ativa à realidade, criatividade, projetos, etc., Nas reuniões no CAPS e na unidade escolar foi constatado que o trabalho orientado por Jaqueline e pelo Dr. Quinta propiciou aos participantes compartilharem suas queixas e angústias frente ao problema da dificuldade de aprendizagem apresentado pelos alunos.

(...) existe uma série de fenômenos psicológicos que se passam dentro das pessoas durante as reuniões e que não escapam às observações de um dirigente treinado. Um deles é o que os psicanalistas chamam de catarse, que não é nada mais do que o que o senso comum chama de desabafo (...). A catarse provoca um alívio geral, pois descarrega o problema nas mãos dos dirigentes. O alívio das tensões, porém será provisório se não se tirar à causa que a gera ... (Weil, 1997:116).

Em nossas observações, ficou evidente que as queixas eram atenuadas à medida que eram exteriorizadas, contudo sem garantias de encontrar respostas e soluções para as dificuldades apresentadas.

Os sentimentos de insegurança e incerteza ligados às ansiedades básicas, particularmente às situações de perda, constituem elementos da vida grupal. Em todo grupo emergem ideologias que determinam o surgimento de confrontos entre subgrupos. De acordo com Schilder, chamamos de ideologias os sistemas de idéias e conotações que os homens dispõem para orientar sua ação. São pensamentos mais ou menos conscientes, com grande carga emocional, que não obstante são considerados por seus portadores como resultado do raciocínio. Sua análise constitui um dos passos da tarefa grupal (Pichón-Riviére, 1998:173).

A necessidade de um espaço e de tempo para que o professor seja escutado nas unidades escolares ficou evidente no relato dos integrantes do grupo. Essa escuta não se restringe às queixas, mas também um espaço para compartilhar com os outros sujeitos envolvidos no processo de ensino o que discutem no projeto e até outros cursos, outras experiências.

Em relação à Psicopedagogia institucional, o trabalho desenvolvido por Jaqueline, muitas vezes, finda no próprio integrante do grupo, pois este não tem a possibilidade de compartilhar suas vivências com seus colegas na escola, fugindo ao ideal deste Projeto – capacitação, mediação e ação, conforme proposto por Pichon-Riviére (1998:174): “(...) o grupo deve configurar um esquema conceitual, referencial e operativo de caráter dialético, no qual as contradições que se referem ao campo de trabalho devem ser resolvidas na própria tarefa grupal”.

Foi observada alta rotatividade, bem como a evasão de participantes do grupo como um reflexo do que já ocorre no sistema educacional da rede pública. Foi relatado que o grupo iniciou com vinte escolas, chegando a oito representantes e à ocorrência de uma participação ínfima de três integrantes, comprometendo o desenvolvimento do projeto.

Nessa perspectiva, os orientadores do projeto demonstraram uma preocupação com o seu andamento, levando o grupo a uma reflexão sobre quais fatores poderiam ter levado a tal manifestação. Essa preocupação foi levantada e discutida em reunião, sendo efetivada por meio do preenchimento de um relatório no último encontro. O interessante desse questionamento foi a posição dos orientadores frente a essa questão, não focando a responsabilidade nos integrantes do grupo e, sim, incluindo-se nela em um auto-questionamento.

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA ESCOLA

A partir do CAPS, começamos a visitar uma unidade escolar da rede pública na periferia do município de São Paulo com a coordenadora do projeto, Jaqueline. Durante os encontros, as questões levantadas estavam atreladas à indisciplina generalizada, evidenciando a necessidade de escuta por parte dos professores e caracterizando certa instabilidade no

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grupo como equipe. Ficou claro, no discurso da equipe pedagógica, que o insucesso do trabalho junto aos alunos estava relacionado a questões disciplinares e da própria realidade de cada sujeito, o que inscrevia nestes o rótulo de incapazes e culpados pelo fato do não aprender.

O trabalho de Jaqueline buscou levá-los a uma reflexão e compreensão da realidade imposta a esses sujeitos, analisando aspectos sociais, emocionais, orgânicos e cognitivos e como esses fatores afetavam a aprendizagem – foco do projeto. Ao término do ano letivo de 2004, a equipe de professores parecia mais fortalecida, mas ainda centrada no aspecto disciplinar.

Ao retomarmos o trabalho no início do ano letivo de 2005, nos deparamos com uma nova realidade – os professores começavam a discutir aspectos pedagógicos. Porém, um novo contexto se apresentava: a equipe inicial de professores de trabalho não era a mesma, sendo que alguns tiveram atribuições de aulas em outras unidades de ensino e outros se desligaram da escola. Nesse momento, retomamos as dificuldades encontradas no trabalho dentro do CAPS – a constituição de uma equipe de trabalho.

Com o desenrolar dos encontros, nos deparamos mais uma vez com as questões disciplinares como elemento de bloqueio para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico significativo em sala de aula, por conseguinte, destacando que a nova equipe contribuiu para o fortalecimento da queixa inicial.

Surge a necessidade de uma ação psicopedagógica junto ao corpo discente. O objetivo desse atendimento foi compreender a pertinência das queixas apresentadas pela equipe pedagógica. Em princípio, conforme a escolha do grupo de professores, nosso objeto de estudo foi formado por seis alunos regularmente matriculados na sexta série do Ensino Fundamental II, sendo cinco meninos e uma menina, numa faixa etária compreendida entre doze e quinze anos.

Para o levantamento de dados, foram propostas atividades que promovessem a formação de vínculo e integração do grupo e, ainda, o olhar para como esses sujeitos estabeleciam contato com o conhecimento. Em seguida, foram apresentadas tarefas de construção para que fossem analisados os potenciais criativo e simbólico das produções no transcorrer das sessões.

Não nos dirigimos aos conteúdos não aprendidos, nem aos aprendidos; não nos baseamos em operações cognitivas logradas. Não consideramos os condicionantes orgânicos ou inconscientes, mas as articulações entre essas diferentes instâncias, conforme proposto por Alicia Fernández em seu livro Os Idiomas do Aprendente.

Nesse primeiro conjunto de avaliações, foi verificado que o grupo revelou-se heterogêneo no tocante ao grau de desenvolvimento individual em leitura e escrita. Dois deles não estavam alfabetizados, um encontrava-se na fase silábica e, apesar de os demais estarem aparentemente alfabetizados, apresentavam uma produção mais voltada para o concreto, o que sinalizava dificuldade de simbolização, de estabelecer relações, de interpretação e de elaboração de idéias.

Assim, decidimos, em consenso com a supervisora de estágio, que o direcionamento do trabalho era o de promover situações e atividades que levassem esse grupo a ampliar seu repertório e seu universo de conhecimento.

Vale mencionar que esses indivíduos são oriundos de camada socioeconômica desfavorecida, sendo seus lares localizados em periferia e, em alguns casos, na favela da comunidade. A escola, por sua vez, apresenta precariedade de recursos nos diversos aspectos: material, social e, enfim, humano. O próprio espaço escolar nos remete a uma idéia de carceragem, não no que se refere a penalidades e ao cumprimento de regras, mas sim, no tocante a sua edificação e estruturação – grades nas áreas interna e externa; escassez de espaço aberto, em decorrência das ações de violência que, ao longo dos anos, circundam essa unidade escolar – assaltos, invasões, tiros perdidos, entre outras.

Em relação aos professores, foi possível perceber que a escolha dos sujeitos a ingressarem no trabalho psicopedagógico estava totalmente atrelada a questões disciplinares e à dificuldade de estabelecimento de vínculos e relações com alguns dos integrantes.

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Acompanhando as reuniões de professores junto à agente do CAPS, constatamos a distância entre o discurso proferido por alguns professores e a atuação deles frente aos sujeitos envolvidos no grupo. Se, por um lado, havia a preocupação de desenvolver um trabalho com esses sujeitos, por outro, a realidade se mostrava completamente diferente na relação direta com eles, imperando o descaso e o tratamento hostil por meio da oralidade. As revelações que surgiam a cada atendimento nos traziam dados que iam além do objeto do conhecimento – o grupo em questão não sabia dizer os nomes dos professores, que componente curricular lecionavam e não estabeleciam relações de quaisquer conteúdos com os quais haviam tido contato durante as aulas. Vale ressaltar que se tratava do mês de maio do ano letivo.

Nesse contexto, a relação com a escola pareceu-nos possuir um único vínculo: a alimentação. Era ali que faziam uma de suas refeições do dia e, talvez, a única, além do fato de a escola prover leite para cada aluno, conforme programa do governo municipal.

A alimentação é uma questão que surge como um determinante para a limitação desses sujeitos. Em conversa informal durante a produção de algumas atividades, o grupo relatou sobre o cardápio diário caracterizado por não sortimento de alimentos ou por número de refeições insuficiente. No aspecto moradia, notamos que o espaço habitado por alguns desses sujeitos, muitas vezes, é reduzido a um cômodo, o que também restringe a capacidade de externar e construir hipóteses sobre o universo que os rodeia.

Nessa gama de limitações, nossa intervenção junto a esses sujeitos estabeleceu-se no caráter de despertar-lhes o olhar para um universo que cruza todas as fronteiras que lhes foram impostas, buscando devolver-lhes um pouco de brilho no olhar e auto-estima – o desejo –, fazendo com que acreditassem na possibilidade de desenvolvimento ou, até mesmo, na construção de um potencial que lhes fora negado.

Segundo Fernández (2001:93), “o corpo, transversalizado pela inteligência e pelo desejo, alimenta-se e aprende, passando a representar o cenário onde será mostrada a história do alimentar-se, o aprender e o ensinar do sujeito”.

Parafraseando Fernández, esses sujeitos precisavam de “alimento”, em seu sentido conotativo e denotativo, para que edificassem forças para mudar sua realidade e atravessar seus próprios limites. O nosso trabalho de intervenção com esses sujeitos, em virtude das barreiras apresentadas, nos remeteu a uma ação inicial de “amamentação”, buscando levá-los a desenvolver o ato de “sucção”, ou seja, apesar de serem providos do alimento, houve a necessidade de um esforço individual, um movimento para absorção e metabolismo desse alimento, no caso, o conhecimento.

Foram realizadas, alternadamente, atividades em caráter lúdico e formal, visando a construção e elaboração de idéias sobre o que lhes fora apresentado em cada sessão. Utilizamos jogos, histórias, desenhos, gravuras como “alimento”, buscando aumentar o repertório apresentado por eles. A realidade dura e concreta de suas vidas não os possibilitava ir além do apresentado, a qual fazia com que, nas sessões, demonstrassem cansaço e certa inibição para a produção de desenhos e escrita. Com o desenrolar dos atendimentos, até os não alfabetizados começaram a desenvolver o movimento de hipótese de leitura e escrita, reconhecendo parte de palavras e grafando letras, sílabas e palavras inteiras. O fato de a intervenção se dar em grupo propiciou a integração mútua, sendo que, inicialmente, revelaram-se os tímidos, os líderes, os colaboradores, os copistas, os transgressores de regras, etc.

Por questões não reveladas, um dos participantes não compareceu mais à unidade escolar, sendo caracterizado o abandono aos estudos. A menina apresentou muita dificuldade em resignar-se, em aceitar regras, acarretando sua desistência na participação do grupo. Tentamos trazê-la novamente para o grupo por três sessões seguidas, mas não obtivemos sucesso. Vale mencionar que, apesar de estar alfabetizada, a aluna produzia textos limitados e extremamente concretos, não fazendo uso de todo seu potencial.

Nosso trabalho prosseguiu com os outros quatro integrantes, sempre com o foco na linguagem, fosse ela escrita ou oral. Para a realização deste trabalho, pudemos notar que a mediação se fez necessária a cada sessão, caracterizando a não autonomia dos sujeitos para a realização das atividades propostas. A mediação, inicialmente, foi constante e exigiu bastante de nosso empenho, pois os alunos apresentavam-se bloqueados, com medo de levantar hipóteses e de errar. Ao final deste trabalho de intervenção, pudemos verificar que cada um dos integrantes apresentou mudanças no sentido de

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estar mais confiante, desenvolver um pouco mais de autonomia propiciada pela interação e pela sintonia grupal, o que permitiu um avanço nas relações das diferenças existentes entre eles.

Acreditamos que este trabalho não tenha aberto todas as portas para o universo existente e que eles desconhecem; nem ousaremos dizer o mesmo sobre janelas; contudo apontamos para a presença de frestas que aguçam a curiosidade para um olhar, para o novo. Esperamos que eles tenham a curiosidade e o movimento de abrir a janela, analisar o que se apresenta e ousem abrir a porta e dar um passo à frente, rompendo as barreiras, ultrapassando seus limites.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O momento em que são realizadas tais observações reflete um aquecimento sobre as questões que envolvem o papel do psicopedagogo em nosso contexto educacional numa instituição escolar.

É de modo tímido que apresentamos, neste relato, uma discussão com base na densa proposta de alguns teóricos sobre grupos de trabalho. São ainda raras, porém muito valiosas, as contribuições que algumas teorias têm a nos oferecer. Porém, é um tanto pretensioso pensar em dar conta de diversos apontamentos encontrados nessas teorias e esgotarmos todas as discussões possíveis a partir das observações realizadas.

Pode-se considerar este um ensaio de arranjo dos dados obtidos e de discussões que emergem a partir das informações nesse momento de final de curso. Espera-se que este trabalho sirva como subsídio para, futuramente, solidificar nosso papel de psicopedagogos, assumindo uma postura mais bem definida e com reflexão de maior consistência, com forma e estilo próprios.

Desse modo, torna-se possível instrumentalizar os meios de intervenção e de acompanhamento do corpo docente para superar sua dificuldade de ensino.

Ao adquirir o conhecimento mais profundo sobre sua práxis e o que ela pode desencadear, o profissional deixa de reagir somente àquilo que se coloca em seu campo perceptivo, ou seja, em seu tempo presente e em sua experiência imediata.

Ressaltamos que nosso contato com o grupo aconteceu ao término de um ano letivo e início de outro. Foram três encontros no CAPS e dezenove na instituição–escola, sendo que dois deles foram caracterizados por encontros de encerramento, não promovendo discussões e situações cotidianas e passíveis de observações relevantes.

Acreditamos que, na hipótese de continuidade do projeto, teremos condições de aprofundar nosso contato com o grupo, expandir nosso campo de ação e, dessa forma, delinear um parecer pertinente e, talvez, mais fidedigno à realidade apresentada.

Referências bibliográficas

ASSUMPÇÃO, Cecília N.; QUINTA Jaqueline M. Necessidades em saúde mental com sofrimento psíquico. São Paulo: Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade de São Paulo: 2003. 36f.

FERNÁNDEZ Alicia. Idiomas do aprendente: análise de modalidades ensinantes em famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

PICHON-RIVIÉRE, Enrique. O processo grupal. 6 ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WEIL, Pierre. Relações humanas na família e no trabalho. 47 ed., Petrópolis: Vozes, 1997.

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NOTAS

1 Psicóloga pela Universidade São Marcos, SP; pós-graduanda em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos, SP: psicoterapeuta em clínica e como analista na área de desenvolvimento organizacional em recursos humanos na SPDM – Hospital São Paulo/Universidade Federal de São Paulo. e-mail: [email protected]

2 Tradutor e intérprete (Português e Inglês); licenciado em Letras pela Universidade Ibero-Americana; especialista em Ensino Superior de Língua Inglesa e pós-graduando em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos, SP; docente em escola da rede particular de ensino no Ensino Fundamental II e Médio e-mail: [email protected]

3 Fonoaudióloga pela Universidade Federal de São Paulo, com especialização em Saúde Mental pela Universidade de São Paulo; pós-graduanda em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos, SP; gerente de unidade de saúde mental no município de São Paulo. e-mail: [email protected]

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Texto Complementar 2 – Oficinas de linguagem: proposta de atendimento psicopedagógico para crianças com queixas escolares

Luciana Carla dos Santos Elias; Edna Maria Marturano

Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto

Como citar este artigo:

Estudos de psicologia. Vol.10, n.1, Natal, Jan./Apr. 2005

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RESUMO

Quando o baixo rendimento escolar está associado a problemas de comportamento, há risco de desajustamento psicossocial. O objetivo do estudo foi verificar os efeitos de uma intervenção baseada em princípios da aprendizagem mediada, sobre o desempenho acadêmico e problemas de comportamento, em crianças que apresentam ambas as dificuldades. Participaram do estudo 17 meninos, com idade entre sete e onze anos, encaminhados a uma clínica de psicologia por dificuldades escolares. As dificuldades acadêmicas e comportamentais das crianças foram avaliadas antes e após a intervenção, tendo como informantes as crianças e suas mães. A intervenção consistiu de 20 oficinas de linguagem, realizadas semanalmente em pequenos grupos. Após a intervenção, verificaram-se progressos no desempenho escolar e atenuação dos problemas de comportamento. Problemas de atenção e manifestações internalizantes parecem sensíveis à intervenção, ao passo que comportamentos agressivos tendem a persistir. Estudos de seguimento são necessários para verificar a permanência dos efeitos encontrados.

Palavras-chave: apoio psicopedagógico; desempenho escolar; problemas de comportamento; avaliação de intervenção.

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ABSTRACT

The association between school underachievement and behavior problems is a risk factor for psychosocial disturbance. The aim of this study was to verify the effects of an intervention based on mediated learning principles to reduce academic and behavior problems in children presenting both difficulties. The study sample was composed by 17 boys, aged 7 to 11 years. All of them were referred to a child guidance clinic due to school underachievement. Academic and behavioral difficulties were assessed before and after intervention, by means of data provided by children themselves and their mothers. Intervention consisted of 20 weekly small-group language workshops. After intervention, there have been gains in academic achievement and a decrease in behavior problems. Attention and internalizing problems seem to be more affected by intervention, while aggressive behavior tends to persist at pre-intervention levels. Follow-up studies are required to assess the lasting effects of the intervention.

Keywords: psycho-educational support; school achievement; behavior problems; intervention assessment

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Uma parcela apreciável da demanda das clínicas de psicologia é constituída por famílias que buscam ajuda profissional para as dificuldades escolares de seus filhos. Trata-se em geral de crianças na faixa dos sete aos 12 anos, cursando as séries iniciais do ensino fundamental, havendo predomínio de meninos em razão que pode chegar a 4:1 (Barbosa & Silvares, 1994; Elias, 2002; Santos, 1990). Essas famílias freqüentemente trazem sentimentos de angústia, perplexidade e impotência.

Esse quadro de inquietação familiar configura, para a criança afetada, uma vivência de fracasso. A chegada à clínica constitui um marco nesse processo, ao simbolizar o momento crítico em que esses indivíduos recebem uma chancela social de incompetência frente àquela que é considerada, em nossa cultura, como uma das principais tarefas evolutivas da fase escolar – a produtividade (Erikson, 1971; Masten & Coastworth, 1998). Assim, quando a criança que vai mal

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na escola chega ao profissional de saúde, conduzida pela família, uma crise está instalada. São sugestivas de um quadro de crise as manifestações sócio-emocionais encontradas em uma elevada porcentagem de crianças por ocasião da busca de atendimento (Elias, 2002). Algumas dessas manifestações, como queixas somáticas e dificuldades de concentração, caracterizam-se mesmo como sintomas de stress infantil (Lipp & Romano, 1987).

Indicadores de vulnerabilidade em crianças com queixas escolares

De acordo com a percepção dos professores, esses alunos apresentam mais dificuldades de adaptação às demandas da sala de aula, quando comparados aos colegas com rendimento satisfatório. Sua abordagem da tarefa escolar é impulsiva, desatenta e confusa, denotando ainda desinteresse, retraimento e não persistência. Nos relacionamentos interpessoais, a desvantagem se verifica também em comparação aos alunos que estão apresentando um rendimento pobre, mas não foram encaminhados para atendimento psicológico: frente à professora, mostram-se mais dependentes, rebeldes e tensos; no relacionamento com os colegas, são considerados mais provocativos, agressivos, desrespeitosos, individualistas, intolerantes e explosivos. No ambiente familiar, as mães relatam características de impulsividade, humor depressivo e dificuldades interpessoais. O funcionamento sócio-emocional se caracteriza por controle pobre dos impulsos, dependência e certa desorganização da conduta, como se a criança estivesse lidando com situações que excedem seus recursos de enfrentamento (Marturano, Loureiro, Linhares, & Machado, 1997). Há evidência de que as dificuldades tentem a persistir na adolescência, particularmente quando há problemas nas relações interpessoais (Campos & Marturano, 2003).

No plano subjetivo, as crianças com queixas escolares apresentam auto-imagem negativa, com intensos sentimentos de inferioridade e menos valia, relacionados a vivências depressivas (Jacob, 1997). Seu auto-conceito é menos favorável e elas têm um baixo senso de auto-eficácia quando comparadas a crianças com bom rendimento acadêmico (Jacob, 2001).

O quadro esboçado é sugestivo de que muitas dessas crianças vivem um momento de vulnerabilidade, requerendo ações de saúde mental, seja para alívio do sofrimento psíquico de que dão mostras, seja para suporte ao enfrentamento da crise, seja para a prevenção de maiores dificuldades futuras.

As Oficinas de Linguagem

As Oficinas de Linguagem, sistematizadas em uma clínica de psicologia vinculada ao SUS, constituem modalidade de intervenção para essa clientela, tendo por meta ajudar as crianças a desenvolver um positivo senso de auto-eficácia para tarefas escolares e uma disposição afetiva favorável em relação ao aprendizado de leitura e escrita.

Fundamentos. As oficinas de linguagem se baseiam no pressuposto de que a cognição faz a ponte entre a experiência prévia do indivíduo e seus comportamentos atuais, ou seja, as representações mentais da experiência são o veículo através do qual a experiência anterior influencia novas situações (Hughes, 2000). Com base no pressuposto do papel mediador da cognição, espera-se que o senso de competência das crianças seja fortalecido por experiências concretas de sucesso em situações de aprendizagem e possa, por sua vez, influir positivamente em seu sucesso futuro. As oficinas de linguagem possibilitam tais experiências, ao propor mini-situações de experiência de aprendizagem mediada em pequenos grupos.

A experiência de aprendizagem mediada é aquela que promove modificabilidade cognitiva e flexibilidade do comportamento, através de interações entre o aprendiz e um mediador que ativamente processa os estímulos aos quais aquele é exposto (Goulart, Guhur, & Mori, 2001). Para a intervenção em oficinas de linguagem, são de particular importância os critérios de experiência de aprendizagem mediada detalhados por Linhares (1998) e Goulart, Guhur e Mori (2001): (a) intencionalidade e reciprocidade – há a intenção de transmitir uma mensagem e compartilhar esta intencionalidade com o aprendiz, ou seja, este interage com o material apresentado pelo mediador; (b) significado – o mediador deve mostrar o sentido de aprender algo, estabelecer com a criança o significado afetivo, cultural ou social da tarefa proposta; (c) transcendência – a mediação deve transcender à situação específica, extraindo princípios e informações que podem ser úteis em outras situações; (d) competência – deve-se comunicar à criança de diversas formas que ela é capaz de funcionar de maneira independente e bem-sucedida e organizar oportunidades para que isso ocorra; (f) auto-regulação – cabe ao mediador assistir o aprendiz na regulação de características impulsivas ou inibidas, bem como de seu ritmo, conforme as demandas da situação.

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Os três primeiros critérios são tidos como universais, por assegurarem a modificabilidade e a flexibilidade (Goulart, Guhur, & Mori, 2001). Os dois últimos são fundamentais para as oficinas, dadas as características psicológicas da clientela-alvo, que incluem baixo senso de eficácia e auto-regulação pobre.

A aprendizagem é, assim, vista nas oficinas como construção conjunta, e a mediação da aprendizagem é entendida como um processo de interação entre uma pessoa em desenvolvimento e a outra, no caso, um adulto experiente, que, de forma intencional, seleciona e organiza experiências de aprendizagem (Linhares, 1998).

Enquadre. A indicação para participação em oficinas de linguagem é feita por psicólogo da clínica, após avaliação da criança. É feito um contrato verbal com a família, para um período de 18 a 22 semanas, com início em março ou agosto, coincidindo com o início do semestre letivo na escola. Um contrato pode ser renovado por igual período mediante consenso, caso se verifique a persistência de dificuldades que a freqüência às oficinas pode ajudar a superar. O atendimento é feito em pequenos grupos, com três a cinco crianças do mesmo sexo, e inclui encontros semanais com duração de uma hora e meia a duas horas.

As sessões são estruturadas em torno de tarefas coletivas, como pesquisas e projetos; a linguagem oral e escrita é usada ativamente como meio para alcançar os objetivos comuns. O profissional coordenador dos grupos tem uma importante função mediadora, mediante assistência às crianças nas zonas de desenvolvimento proximal, de acordo com os critérios explicitados acima, na seção relativa a fundamentos.

As duas sessões iniciais são dedicadas à familiarização entre os membros do grupo, proposição de metas comuns, sondagem dos interesses dos participantes e elaboração conjunta de regras para o funcionamento do grupo, bem como de conseqüências para a transgressão das regras. Da terceira sessão em diante, as crianças desenvolvem pesquisas e projetos coletivos sobre temas de interesse do grupo. Os recursos usados para essas atividades incluem uma variedade de fontes como livros de história, enciclopédias, revistas, jornais, mapas e fotos. O adulto mediador oferece diretrizes para a atividade e assistência em cada etapa do trabalho. As pesquisas incluem em geral as seguintes etapas: escolha do tema; consulta às fontes de informação acessíveis e registro das mesmas; elaboração de um sumário escrito. Em cada etapa, as tarefas são divididas e ajustadas às capacidades individuais. Quando o grupo decide desenvolver um projeto sobre o tema pesquisado, as etapas são: definição do objetivo (informar, divertir, persuadir, etc.) e do produto (um livro, um cartaz, um jogo de regras, uma maquete, etc.); planejamento; listagem dos materiais necessários; divisão das tarefas entre os membros do grupo; execução das tarefas; verificação do produto final e retificação, quando necessário. Toda atividade escrita no projeto é planejada como uma operação de três fases: pré-escrita ou rascunho, revisão e escrita definitiva. O produto final de todo projeto fica exposto no saguão de entrada da clínica durante pelo menos dez dias. As produções de cada criança nas diferentes etapas das pesquisas e projetos – anotações, rascunhos, esboços, desenhos – são arquivadas em pastas individuais.

A estrutura básica de uma sessão de oficina inclui quatro a cinco partes. Nos dez minutos iniciais de cada sessão as crianças e o mediador se sentam ao redor da mesa de trabalho e as crianças são encorajadas a falar sobre sua última semana e a participar dos diálogos em torno dos assuntos trazidos pelos outros membros do grupo. Os 60 a 90 minutos subseqüentes são dedicados às atividades de pesquisa ou projeto planejadas pelo grupo na sessão anterior. Instrução individualizada em habilidades de leitura e escrita é proporcionada quando necessário, tomando aproximadamente 15 minutos. Em seguida, as crianças escolhem um jogo de regras e jogam uma ou duas partidas. No fechamento da oficina, cada criança é encorajada a expressar sua opinião sobre as atividades e a refletir sobre seu comportamento e o funcionamento do grupo; em seguida, o mediador faz uma síntese da sessão em seus aspectos operativos e interpessoais, pontuando os desafios surgidos, as soluções encontradas, os ganhos de aprendizagem e as contribuições de cada participante para o cumprimento das tarefas que o grupo havia planejado para aquele encontro.

Na última sessão o mediador retoma os objetivos iniciais, mencionando e mostrando concretamente os progressos alcançados por cada criança, através do manuseio da pasta de produções individuais e recapitulação das produções coletivas.

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Diretrizes para a condução do processo são fornecidas no Manual do mediador das oficinas de linguagem, com base nas propostas de Fonseca (1995) e Mentis (1997). Trata-se de diretrizes gerais, visto que o processo é essencialmente interativo e as atividades são desenvolvidas de acordo com as características de cada grupo. O manual inclui também instruções sobre manejo de comportamentos em situação de grupo e modalidades específicas de comunicação e apoio sugeridas por Kernberg e Chazan (1993).

As oficinas de linguagem e os problemas sócio-emocionais de crianças com dificuldades escolares

Como intervenção de baixa periodicidade – uma vez por semana –, as oficinas de linguagem não propiciam recuperação do desempenho escolar ao nível da série (Clay, 1993). Espera-se, entretanto, que esta experiência de aprendizagem mediada proporcione à criança maior flexibilidade para aproveitamento de novas experiências de aprendizagem, avançando assim na zona de desenvolvimento proximal.

Além disso, tendo sido concebidas de modo a fortalecer o senso de competência da criança, pode-se supor que as oficinas de linguagem terão efeito positivo de redução de tensões emocionais e problemas de comportamento, comuns em crianças com dificuldades acadêmicas.

Na investigação relatada neste artigo, as oficinas de linguagem foram avaliadas quanto a seus efeitos sobre o desempenho acadêmico e os problemas sócio-emocionais de meninos referidos para atendimento em razão do desempenho escolar pobre. Especificamente, visou-se comparar medidas de desempenho e de problemas de comportamento das crianças antes e após a intervenção psicopedagógica. A amostra foi constituída de meninos, dada a predominância do gênero masculino na população referida às clínicas de psicologia por dificuldades escolares.

Método

O estudo foi realizado em uma clínica-escola de Psicologia vinculada à rede SUS de atendimento, em uma cidade de aproximadamente 500 mil habitantes no interior do Estado de São Paulo.

Participantes

Participaram do estudo 17 meninos, com idades entre sete e 11 anos, cursando entre a 1ª e a 4ª séries, e suas respectivas mães ou responsáveis. Todos estavam inscritos na clínica, tendo como queixa primária o baixo rendimento escolar, e aguardavam atendimento.

Os participantes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: (a) não apresentar indício de déficit cognitivo em teste de inteligência; (b) ser capaz de ler e escrever palavras formadas por sílabas simples, de estrutura consoante-vogal, em teste de desempenho escolar; e (c) apresentar problemas de comportamento com pontuação acima de 16 na Escala Comportamental Infantil de Rutter, como indicativo de necessidade de ajuda psicológica na visão dos pais (Graminha & Coelho, 1994).

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram: Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves, Custódio, & Duarte, 1997), para triagem de participantes com desempenho acima do percentil 5, de modo a atender ao critério de ausência de déficit cognitivo; Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein,1994); um formulário com cinco questões fechadas para investigação de dificuldades na lição de casa, empregado rotineiramente na clínica; Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter – ECI (Graminha 1998); Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência – CBCL (Achenbach, 1991; Bordin, Mari, & Caeiro, 1995).

Procedimento de Coleta

A avaliação pré-intervenção ocorreu durante a entrevista de triagem clínica do serviço onde se realizou o estudo. Por carta ou telefonema, as mães de crianças inscritas que aguardavam atendimento eram convidadas a comparecer com

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seu filho, em dia e horário marcado. As entrevistas com a mãe e a criança ocorriam simultaneamente, realizadas pela primeira autora e uma auxiliar de pesquisa, ambas psicólogas. Todos os instrumentos eram aplicados em uma única sessão. A criança respondia ao Raven e ao TDE. Na entrevista com a mãe eram aplicados a ECI, o CBCL e o formulário sobre a lição de casa. Mediante os resultados dessa avaliação, as mães das crianças que preenchiam os critérios de inclusão na pesquisa eram consultadas e, caso concordassem, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na prática, todas as mães consultadas assentiram em participar da pesquisa. As crianças que não preenchiam os critérios eram encaminhadas para atendimento com outros profissionais na própria clínica. Quando necessário, eram feitos encaminhamentos para outros serviços.

Foram constituídos seis grupos de intervenção em oficinas de linguagem, com três a cinco membros. Respeitado o horário escolar das crianças, buscou-se formar grupos homogêneos quanto ao desempenho em leitura e escrita.

As crianças passaram por intervenção durante 20 sessões semanais com duração de duas horas, perfazendo carga horária total de 40 horas. A intervenção sempre tinha seu início coincidindo com o início de um semestre letivo. De acordo com norma da clínica onde o trabalho foi desenvolvido, as mães recebiam orientação quinzenal em grupo. Trabalhavam-se com as mães questões focais sobre manejo das dificuldades acadêmicas e sócio-emocionais. As orientações duravam de uma a uma hora e meia, perfazendo carga horária total de 10 a 15 horas.

Após o término da intervenção, as crianças eram reavaliadas, utilizando-se os mesmos instrumentos e procedimentos utilizados na avaliação inicial, com exceção do Raven.

Os atendimentos foram conduzidos pela primeira autora e pela auxiliar de pesquisa, que receberam treinamento prévio para condução de oficinas de linguagem, na própria clinica onde a pesquisa foi desenvolvida.

Procedimento de análise dos dados

Os protocolos foram cotados segundo as proposições de cada técnica. Para comparação entre os escores obtidos nos dois momentos de avaliação, foram empregados três testes estatísticos, de acordo com as características métricas dos escores: teste t para amostras emparelhadas, teste do Sinal e teste de Wilcoxon.

Aspectos éticos

O projeto teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizado. O convite às mães seguiu a ordem cronológica das inscrições na clínica. Todas as crianças avaliadas tiveram garantia de atendimento, segundo suas necessidades, independentemente do consentimento das mães em participar da pesquisa e de acordo com as normas do serviço. Após a conclusão do estudo, o compromisso de atendimento foi mantido e passou a ser feito por profissionais vinculados à clínica, sem solução de continuidade.

Resultados

Os resultados são apresentados em duas seções. Na primeira, mostram-se as comparações entre escores obtidos na avaliação pré-intervenção e na avaliação pós-intervenção. Na segunda, é feita a análise do significado clínico das diferenças encontradas.

Comparação entre as avaliações pré e pós-intervenção

Na Tabela 1 são apresentados os resultados relativos ao desempenho em escrita, aritmética, leitura e total, obtidos através dos escores brutos no TDE, nos dois momentos de avaliação.

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Tabela 1 – Médias e desvios padrões dos escores brutos no TDE, antes e depois da intervenção

VariáveisPré Pós

tMédia DP Média DP

EscritaAritméticaLeitura

16,8211,2349,12

8,085,3418,98

19,2914,1853,29

5,195,3818,22

-1,91*-2,64**-2,96***

Total 77,47 29,03 86,76 23,94 -4,07***** p < 0,10; ** p < 0,05; *** p < 0,01; **** p = 0,001

Os resultados da Tabela 1 indicam melhoras significativas após a intervenção, nos indicadores de leitura e aritmética, bem como no escore total do TDE. Há tendência a melhora também no escore de escrita.

Os resultados relativos a dificuldades na lição de casa são apresentados na Tabela 2, que mostra o número de participantes com dificuldades em cada momento da avaliação.

Tabela 2 – Número de crianças com dificuldades na lição de casa antes e depois da intervenção e probalidades associadas às diferenças entre os dois momentos

Variáveis Pré Pós pFreqüentemente tem dificuldade na lição de casaNão toma iniciativaa para fazer a liçãoNão consegue fazer a lição sem ajudaFaz muitas interrupções durante a realização da tarefarecusa-se a fazer a lição

14141184

55240

0,01* 0,004 **0,004 **n. s. **n. s. **

* Teste Wileoxon; ** Teste do Sinal

Dos 17 meninos que participaram do estudo, 14 apresentavam dificuldade na lição de casa, segundo a avaliação das mães, antes da intervenção. A dificuldade mais freqüente era a falta de iniciativa para fazer a lição. Mais de dois terços das crianças não conseguiam fazer a lição de forma independente. Após a intervenção, houve redução significativa no número de crianças com dificuldades, verificando-se melhora quanto à independência e à iniciativa. As poucas crianças que se recusavam a fazer a tarefa de casa deixaram de mostrar essa reação.

Os escores de problema de comportamento fornecido pela ECI também diminuíram após a intervenção. A média da amostra caiu de 26,06 (dp = 8,64) para 19,35 (dp = 9,68), uma variação significativa (t = 5,02; p < 0,0001). Tendência semelhante foi observada em relação ao CBCL. Nas Tabelas 3 e 4, os resultados relativos ao CBCL estão expressos em escores T, que são escores normalizados (Achenbach, 1991; Bordin, Mari, & Caeiro, 1995). A Tabela 3 apresenta as médias dos escores T nas oito síndromes avaliadas pelo inventário e a Tabela 4, as médias nas escalas Internalização, Externalização e Total. A escala Internalização inclui as síndromes Retraimento, Complicações Somáticas e Ansiedade / Depressão, ao passo que a escala Externalização inclui as síndromes Comportamento Delinqüente e Comportamento Agressivo.

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Tabela 3 – Médias e desvios-padrão dos escores T nas síndromes do CBCL, antes e depois da intervenção

VariáveisPré Pós

tMédia DP Média DP

RetraimentoComplicações somáticasAnsiedade e depressãoProblemas sociaisProblemas de pensamentoProblemas de atençãoComportamento delinqüenteComportamento agressivo

62,8260,4160,5964,7658,1872,4759,0066,23

10,579,038,59

10,139,191,558,32

14,86

61,4157,5757,3557,1756,3567,1254,7662,94

9,456,73

10,586,529,22

10,276,76

10,57

0,831,191,94*3,87 ****0,752,52**2,96***1,56

* p < 0,10; ** p < 0,05; *** p < 0,01; **** p = 0,001

Tabela 4 – Médias e desvios-padrão dos escores T de problemas de comportamento nas escalas do CBCL: Internalização, Externalização e Total, antes e depois da intervenção

VariáveisPré Pós

tMédia DP Média DP

InternalizaçãoExternalização

63,3552,23

9,5011,96

58,1859,71

11,9310,17

2,71**1,78*

Total 65,41 9,37 60,94 9,74 4,23***** p < 0,10; ** p < 0,05; *** p < 0,01; **** p = 0,001

As médias pré-intervenção apresentadas na Tabela 3 indicam que os problemas de comportamento com médias mais altas antes da intervenção eram: problemas de atenção (“não consegue se concentrar, é irrequieto, é muito excitado ou tenso”); comportamento agressivo (“é mal humorado, exige muita atenção, é desobediente em casa”); problemas sociais (“age de maneira infantil para sua idade, é muito dependente”); e retraimento (“aborrece-se com facilidade, guarda as coisas para si mesmo”). Com exceção dos problemas de atenção, os demais refletem dificuldades interpessoais.

Das três síndromes do CBCL em que houve melhora significativa após as oficinas, duas se encontravam no rol de problemas com maiores médias pré-intervenção. Comportamento delinqüente e problemas sociais tiveram as mudanças mais significativas. Houve melhoras também nos problemas de atenção; os sintomas de ansiedade e depressão tendem a diminuir.

Tendência semelhante de diminuição dos problemas de comportamento aparece nos resultados da Tabela 4. Os participantes obtiveram melhoras significativas no indicador de problemas internalizantes e tendência à melhora em problemas externalizantes. A diferença mais acentuada foi no escore total do CBCL, que inclui as escalas acima e mais 65 itens. Esse resultado denota uma redução generalizada de problemas comportamentais.

Significado clínico das melhoras obtidas

Considerando que os participantes do estudo eram clientes de uma clínica de psicologia, com problemas de comportamento associados ao desempenho escolar pobre, foi feita a análise do significado clínico das mudanças encontradas após a intervenção. Essa análise incluiu apenas os dados de instrumentos que forneciam normas ou pontos de corte para diferenciar problemas em nível clínico ou desempenho inferior ao esperado. Na Tabela 5 está indicado o número de participantes com status clínico em cada instrumento, antes e depois da intervenção.

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Tabela 5 – Status clínico dos participantes antes e depois da intervenção

IndicadorNúmero de Crianças

Pré PósDesempenho inferior à norma do TDE para sua idade ou sérieEscore de problema de comportamento em n´vel clínico na ECL

1517

1110

Escore T Clínico no CBCLRetraimentoComplicações somáticasAnsiedade e depressão*Problemas sociaisProblemas de pensamento*Problemas de atençãoComportamento delinqüenteComportamento agressivo*Internalização**Externalização

52233

112587

4020260566

Total 10 8* Em um caso, os problemas passaram do status limítrofe para o clínico após a intervenção** Em um caso, os problemas passaram do status normal para o clínico após a intervenção

Antes da intervenção, observa-se que 15 meninos apresentavam desempenho escolar aquém de sua série, o que é compatível com o motivo de encaminhamento para a clínica. Já quanto aos problemas de comportamento, os escores no CBCL não coincidem totalmente com o critério de pré-seleção baseado no ponto de corte da ECI. Dos 17 meninos selecionados segundo esse critério, dez foram diagnosticadas no CBCL como tendo problemas de comportamento com status clínico na Escala Total antes da intervenção. Os problemas de atenção sobressaem como a síndrome que afeta clinicamente o maior número de meninos desta amostra. As outras três síndromes que na Tabela 3 aparecem com as médias mais elevadas de escore T pré-intervenção, e que se referem a dificuldades interpessoais, apresentam-se em status clínico para um pequeno número de participantes. Entretanto, no conjunto, dez crianças apresentam alguma dificuldade interpessoal em nível clínico antes da intervenção.

Após a intervenção, as mudanças foram discretas, com exceção dos resultados relativos a problemas de comportamento na ECI e a problemas de atenção no CBCL, em que o número de crianças com status clínico foi reduzido quase à metade. Há variação entre as síndromes no que se refere à mudança de status clínico. Enquanto problemas de atenção, problemas sociais, complicações somáticas e comportamento delinqüente perdem status clínico, comportamento agressivo e retraimento parecem persistir nos mesmos níveis.

Conforme está indicado no rodapé da Tabela 5, houve casos de piora em alguns indicadores de problema de comportamento do CBCL. Chamam a atenção os resultados na escala Internalização, em que um participante passou do status normal ao clínico. Inspecionando-se os protocolos de avaliação deste participante, verificou-se que, antes da intervenção, apresentava escores clínicos nas escalas Externalização e Total do CBCL, assim como nas síndromes Problema de Atenção e Comportamento Agressivo. Tinha dificuldades com a lição de casa e desempenho aquém de sua série. Após a intervenção, esta criança não alterou as dificuldades anteriores com a lição de casa, nem os problemas de atenção ou os comportamentos agressivos; apresentou piora no desempenho de escrita e na síndrome Ansiedade / Depressão do CBCL. Após a reavaliação, foi encaminhada para atendimento individual. Uma avaliação de seguimento seis meses depois indicou um perfil comportamental dentro da faixa normal no CBCL e melhora no desempenho escolar, porém abaixo das normas para sua idade e série.

Discussão

A investigação relatada neste artigo focalizou a modalidade de apoio psicopedagógico denominada oficinas de linguagem, verificando sua eficácia para melhorar o desempenho e atenuar problemas de comportamento em meninos com queixa de

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desempenho escolar pobre. Antes da intervenção, as crianças incluídas no projeto apresentavam, como grupo, ausência de iniciativa e dependência de ajuda para a lição de casa, problemas de atenção, dificuldades interpessoais e elevado escore de problemas de comportamento, além do baixo desempenho escolar.

A comparação entre medidas obtidas antes e depois da intervenção sugeriu, em relação aos problemas modais da amostra, melhora no desempenho escolar, mais iniciativa e independência na lição de casa, melhora das dificuldades de atenção e diminuição dos problemas de comportamento. Outras dificuldades, menos freqüentes na amostra, pareceram também sensíveis à intervenção. Atenuaram-se os sinais de imaturidade interpessoal, os comportamentos anti-sociais e as manifestações internalizantes. Por outro lado, persistiram problemas interpessoais como retraimento e comportamento agressivo.

Um aspecto positivo desses resultados é que diversos problemas que se mostraram maleáveis à intervenção correspondem a características repetidamente encontradas nessa população clínica, tais como problemas de atenção e manifestações internalizantes (Elias, 2003; Marturano et al., 1997).

A configuração das melhoras detectadas indica com clareza que os maiores benefícios incidem sobre aspectos relevantes para o desempenho acadêmico, o que está de acordo com os objetivos da intervenção. As oficinas parecem (re)ativar processos internos facilitadores do aprendizado escolar. Após a intervenção, os participantes se mostram menos dispersos, menos dependentes de ajuda e com mais iniciativa nas tarefas. Esse conjunto de recursos das crianças, resgatados fora do contexto das sessões de oficina, denotam que após 20 semanas de atendimento elas estão mais equipadas e dispostas para tirar proveito de oportunidades de aprendizado oferecidas em outros contextos, como a sala de aula, programas de aceleração do aprendizado ou classes de recuperação. É plausível supor que as melhoras verificadas no teste de desempenho acadêmico sejam em parte decorrentes desse processo que, uma vez iniciado, tem boas chances de se manter no tempo, desde que retroalimentado nos sistemas de suporte escolar e familiar. A ação de um processo de retroalimentação que, uma vez superados os obstáculos momentâneos, sustenta e impulsiona o progresso escolar da criança, é sugerida pelos dados de Campos e Marturano (2003). Em estudo de seguimento com crianças que receberam apoio psicopedagógico para superação de suas dificuldades escolares, essas autoras verificaram que as crianças mais sociáveis, envolvidas em relações interpessoais harmoniosas, são as que mais mantêm os ganhos obtidos com o atendimento e conseguem mais progresso acadêmico. Uma orientação social positiva pode ser crucial para procurar, eliciar, perceber e aceitar o suporte dos pais, professores e colegas, estando provavelmente no cerne desse mecanismo de retroalimentação positiva.

A esse respeito, cabe lembrar que problemas de natureza interpessoal, modais na população com queixas escolares (Elias, 2003), foram detectados, em nível clínico, em mais de metade da amostra deste estudo e, no entanto, a freqüência às oficinas não contribuiu para melhoras significativas, a não ser nos indicadores de imaturidade interpessoal, que incluem conduta infantilizada e dependência emocional em relação ao adulto. Esses resultados, ao mesmo tempo em que reafirmam o papel das oficinas na promoção da independência – tanto instrumental como afetiva – da criança, delimitam seus efeitos comportamentais. Dado que algumas das dificuldades sócio-emocionais apresentadas pelas crianças com dificuldades escolares, como agitação, irrequietude, dificuldade de concentração, queixas somáticas, tristeza e angústia, têm sido tomadas como indicadores de stress infantil (Lipp & Romano, 1987), pode-se supor que os efeitos comportamentais das oficinas refletem alívio das tensões relacionadas à situação escolar adversa. Problemas sócio-emocionais de outra origem não seriam afetados.

Com respeito aos benefícios do atendimento, algumas ressalvas devem ser feitas. Em primeiro lugar, é preciso atentar para o fato de que algumas crianças mostraram intensificação de problemas. Especificamente, em uma criança os sintomas internalizados passaram do status normal para o clínico após a intervenção. Embora os sintomas internalizados tenham decaído significativamente na amostra como um todo, denotando alívio de tensões na maioria dos participantes, o fato de que eles se intensificaram em uma criança alerta para a necessidade de cuidadoso acompanhamento caso a caso. Esse resultado isolado, se agregado aos que indicaram persistência dos problemas relativos a comportamento agressivo e retraimento, corrobora uma visão parcimoniosa dos efeitos do atendimento, delimitando seu alcance a aspectos diretamente relacionados ao problema escolar. Como ressalta Kazdin (2000), um grande número de fatores influencia os resultados de intervenções psicossociais, e uma análise da ação desses fatores transcende o escopo desta investigação.

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Em segundo lugar, as mudanças no status clínico dos problemas foram em geral modestas. Uma questão que se coloca é se, e até quando, melhoras no status clínico seriam observadas caso novas avaliações fossem feitas ao longo do atendimento, para além das 20 semanas a que se restringiu este estudo. A noção de que mais é melhor, freqüentemente assumida na pesquisa contemporânea sobre efeitos de tratamentos psicossociais (Kazdin, 2000), é uma questão a ser tratada empírica e teoricamente. Pelo menos no que diz respeito ao desempenho escolar, a resposta tende a ser negativa, já que se trata de intervenção de baixa periodicidade. O esquema recomendado para programas de recuperação de leitura ao nível da série em crianças iniciantes é de sessões diárias (Clay, 1993). Um progresso escolar mais acelerado poderia ser atribuído a efeitos de bola de neve, como os comentados em parágrafo anterior, a partir da melhora em aspectos do funcionamento da criança que são requisitos para o aprendizado acadêmico e que as oficinas parecem promover, de acordo com suas finalidades.

Duas ressalvas adicionais devem ser feitas, como limites metodológicos impostos pela realização do estudo em situação real de atendimento clínico. Consoante o compromisso ético com os clientes da clínica, o delineamento adotado não incluiu um grupo não-tratado, o que seria necessário para se poder afirmar que as melhoras observadas não se devem meramente à passagem do tempo. Pode-se argumentar, a esse respeito, que por se tratar de famílias que procuram ajuda clínica para lidar com as dificuldades da criança, é pouco plausível que melhoras em múltiplos domínios do funcionamento da criança tivessem ocorrido independentemente dessa ajuda, em padrão coerente com os objetivos da intervenção.

Uma segunda limitação do delineamento é que não há como dissociar eventuais efeitos das oficinas de linguagem e das orientações às mães, que foram concomitantes. Pode-se supor que as melhoras se devem, pelo menos em parte, a mudanças de atitudes e comportamentos maternos. Por outro lado, há que considerar que o atendimento à criança, por ter sido direto, mais freqüente e de maior duração que o atendimento à mãe, tem maior chance de afetar o desempenho e o comportamento da primeira. Essa discussão, no entanto, se faz todo sentido em relação aos objetivos específicos do estudo, perde significado no contexto do atendimento clínico. A importância da família em todo processo de apoio psicológico ou psicopedagógico ao escolar não pode ser subestimada.

Com as limitações mencionadas, a realização da pesquisa no contexto de uma instituição de saúde apresentou uma contribuição positiva, no fato de ter demonstrado a adequação do tratamento em uma situação clínica real, beneficiando meninos, que constituem a parcela mais significativa da demanda por atendimento em razão de queixas escolares (Barbosa & Silvares, 1994), com impacto positivo nos problemas mais comuns encontrados na clientela antes da intervenção.

Os efeitos encontrados são coerentes com os objetivos da proposta de atendimento, circunscrevendo-se às questões escolares.

Enquanto experiência de aprendizagem mediada, as oficinas de linguagem parecem promover modificabilidade cognitiva, ao desenvolver na criança uma genuína disponibilidade para aprender (Goulart, Guhur, & Mori, 2001). Para as crianças que estão vivendo um momento crítico frente à ameaça de insucesso na tarefa evolutiva da produtividade, o programa constitui fonte de suporte para o enfrentamento da crise, contribuindo para alívio do stress e ativando seus recursos internos para lidar com os desafios da aprendizagem (Linhares, 1998). Seria interessante verificar o grau em que a redução dos sintomas de tensão psicológica se associa à melhora na percepção de si como aprendiz, já que uma das metas das oficinas de linguagem é trabalhar este aspecto, bastante prejudicado nas crianças com queixas escolares (Jacob, 2001).

São necessários estudos de seguimento para investigar o grau de permanência dos ganhos obtidos, bem como investigações sobre o processo da intervenção para elucidar os mecanismos que contribuem efetivamente para as melhoras obtidas.

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