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1 FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ DIREITO PENAL IV – PARTE ESPECIAL 1 PROFESSOR: ALEXANDRE RAMALHO DE FARIAS 2 INTRODUÇÃO Ao buscar interpretar o Sistema Criminal como um todo e o Direito Penal Especial em particular que é o que nos caberá: alguns poucos encontros... Objeto de análise bastante amplo, praticamente invencível... No entanto, é preciso estabelecer algumas premissas, algum ponto de partida. Na busca desta ideologia, desta perspectiva de análise temos duas direções a tomar: “A primeira é continuar alimentando a espiral da criminalidade: apoiar o endurecimento penal, aumentar as taxas de encarceramento, adotar o modelo de superprisões, ignorar a seletividade penal, idolatrar a pena privativa de liberdade, eleger as facções criminosas como problema central, apoiar a privatização do sistema penal, combater apenas a corrupção da ponta, judicializar todos os comportamentos da vida, potencializar o mito das drogas, enfraquecer e criminalizar os movimentos sociais e defensores de Direitos Humanos e considerar o sistema prisional adjacente e consequente das polícias”. “A segunda é criar uma nova espiral, da cidadania e da responsabilização: reduzir as taxas de encarceramento, descriminalizar condutas, ter modelos distintos de prisões para cada segmento, combater a seletividade penal, buscar menos justiça criminal e mais justiça social, investir na justiça restaurativa, empoderar a população para busca de solução dos conflitos, priorizar as penas alternativas à prisão, eleger o sistema prisional como problema central, fortalecer o Estado na gestão do sistema penal, combater todos os níveis da corrupção, enfrentar a questão das drogas nas suas múltiplas dimensões (social, econômica, de saúde, criminal), fortalecer o controle social sobre o sistema penal e ter política, método e gestão específica para o sistema prisional”. (Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), em 26/04/2011). Tanto quanto possível, parece indicado buscar a segunda direção. 1 Advirta-se que o presente material não tem qualquer caráter científico, ao contrário, trata-se apenas de anotações prévias às aulas ministradas no Curso da FEMPAR em 2011, sendo que tanto quanto possível buscou-se fazer referencia bibliográfica, mesmo que indiretamente e que, ao final, foram referidas. 2 Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Ciencias Juridicas e Sociais na Universidad Pablo de Olavid, Sevilla/ES.

Direito penal iv – parte especial (1)

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Para os estudantes de direito uma ótima opção em direito penal!!!

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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

DIREITO PENAL IV – PARTE ESPECIAL1

PROFESSOR: ALEXANDRE RAMALHO DE FARIAS2

INTRODUÇÃO

Ao buscar interpretar o Sistema Criminal como um todo e o Direito Penal Especial em particular que é o que nos caberá: alguns poucos encontros... Objeto de análise bastante amplo, praticamente invencível... No entanto, é preciso estabelecer algumas premissas, algum ponto de partida. Na busca desta ideologia, desta perspectiva de análise temos duas direções a tomar: “A primeira é continuar alimentando a espiral da criminalidade: apoiar o endurecimento penal, aumentar as taxas de encarceramento, adotar o modelo de superprisões, ignorar a seletividade penal, idolatrar a pena privativa de liberdade, eleger as facções criminosas como problema central, apoiar a privatização do sistema penal, combater apenas a corrupção da ponta, judicializar todos os comportamentos da vida, potencializar o mito das drogas, enfraquecer e criminalizar os movimentos sociais e defensores de Direitos Humanos e considerar o sistema prisional adjacente e consequente das polícias”.

“A segunda é criar uma nova espiral, da cidadania e da responsabilização: reduzir as taxas de encarceramento, descriminalizar condutas, ter modelos distintos de prisões para cada segmento, combater a seletividade penal, buscar menos justiça criminal e mais justiça social, investir na justiça restaurativa, empoderar a população para busca de solução dos conflitos, priorizar as penas alternativas à prisão, eleger o sistema prisional como problema central, fortalecer o Estado na gestão do sistema penal, combater todos os níveis da corrupção, enfrentar a questão das drogas nas suas múltiplas dimensões (social, econômica, de saúde, criminal), fortalecer o controle social sobre o sistema penal e ter política, método e gestão específica para o sistema prisional”. (Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), em 26/04/2011).

Tanto quanto possível, parece indicado buscar a segunda direção.

1 Advirta-se que o presente material não tem qualquer caráter científico, ao contrário, trata-se apenas de anotações prévias às aulas ministradas no Curso da FEMPAR em 2011, sendo que tanto quanto possível buscou-se fazer referencia bibliográfica, mesmo que indiretamente e que, ao final, foram referidas. 2 Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Ciencias Juridicas e Sociais na Universidad Pablo de Olavid, Sevilla/ES.

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Tipo é o “modelo legal de conduta proibida”. H. C. FRAGOSO – doloso ou

culposo.

*Tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza

predominantemente descritiva, que tem por função individualizar condutas

humanas penalmente relevantes, porque penalmente proibidas.

Características do tipo:

-pertence a lei: Princ. da Legalidade. Tipo é o que está na lei. A norma pertence

ao mundo ético, não pertence ao tipo, mas ela inspira o tipo. Somente o tipo

pertence a lei. O que está na Lei é o tipo, o que não está na lei não é o tipo. Ex.

Sedução – art. 217. Rapto art. 219 (homem).

-logicamente necessário: é o caminho lógico a ser percorrido depois da conduta e

antes da antijuridicidade. Não podemos inverter a lógica do sistema (conceito

analítico de crime).

-predominantemente descritivo: o tipo possui (ou deveria) elementos objetivos

precisos, compreensíveis, que não dão ensejo a dúvida nem a raciocínios de

valoração de caráter subjetivo. Ex. Rixa – art. 137; Adultério – 240;

-tem como função individualizar condutas humanas: Individualizar condutas e não

definir resultados. Ex. Redução à condição análoga a de escravo – art. 149. Isso é

o resultado. Deve estabelecer qual é a conduta que leva alguém a reduzir outrem

à condição análoga a de escravo. É um lapso que o legislador deveria Ter

evitado. A idéia é descrever/delimitar o que é proibido.

Função do tipo penal: Garantia (assinala e limita o injusto): garantia para os

indivíduos porque afeta o direito fundamental à liberdade. O que está no tipo

incriminador é proibido, o que não está não é. O nosso limite é o tipo – e não o

que falam do tipo. Ex. Parte da doutrina dizia que a mulher não poderia ser sujeito

ativo do crime de estupro ou ainda, que o marido não poderia ser sujeito ativo do

estupro.

Tipo formal – tipo material (conglobante/conglobado ZAFFARONI).

Importância da dogmática, todavia, poderá até mesmo ser relativizada no caso concreto, em favor da Política Criminal e da Justiça - ROXIN.

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PARTE ESPECIAL

TÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Inicia-se a parte especial, talvez pelo crime e seguro pelo bem jurídico mais importante.

Conceito é a morte de um homem por outro.

A vida, para a análise do delito, começa para a maioria da doutrina com o início do parto, pelo rompimento do saco amniótico (DELMANTO e Cezar Roberto BITENCOURT). A vida extrauterina, para MUÑOZ CONDE (ESP), se dá com a total expulsão do claustro materno e para Guilherme NUCCI, ocorre com o processo respiratório autônomo.

Importante diferenciar, porque antes disto – destruição da vida intrauterina configura o delito de aborto.

Morte do fato durante o parto perfaz o homicídio.

Ainda, poder-se-á configurar o delito de infanticídio quando a mãe mata o filho, logo após o parto, sob a influência do estado puerperal.

Nota: O direito à vida não é absoluto. Vide p. ex. a legítima defesa e a pena de morte em caso de guerra declarada.

Genocídio é crime contra a humanidade – artigo 1º, da Lei n. 2.889/56, quando elimina, ainda que parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

1. Bem Jurídico: a vida humana, independente.

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa.

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa, que é também o objeto material. Quando praticado contra o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal será crime contra a Segurança Nacional, conforme artigo 29, da Lei n. 7.170/83.

4. Tipo Objetivo: matar alguém. Forma livre, inclusive por omissão.

5. Tipo Subjetivo: dolo, dolo eventual e culpa (artigo 121, parág. 3º).

6. Consumação e Tentativa: Delito instantâneo de efeitos permanentes. A tentativa é admissível.

7. Classificação: comum; material ou de resultado; de forma livre; impróprio (CP, artigo 13, par. 2º); instantâneo; de dano; unissubjetivo; progressivo; admite a tentativa.

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8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

Homicídio simples

Artigo 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

O homicídio simples, segundo BITENCOURT, em tese, não é objeto de qualquer motivação especial, moral ou imoral, tampouco a natureza dos meios empregados ou dos modos de execução apresenta característica determinante, capaz de alterar a reprovabilidade, para além ou aquém da simples conduta de matar alguém.

A ausência de causas especiais de aumento ou diminuição ou mesmo que o qualificam, resultam em um delito subsidiário entre as espécies de homicídio. Sem cores...

É delito hediondo o homicídio simples praticado em atividade de grupo de extermínio, ainda que apenas por um agente.

Homicídio Privilegiado – Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Natureza jurídica: Crítica de NUCCI (e BITENCOURT) a esta nomenclatura, pois o crime privilegiado é àquele que tem a pena mínima e máxima diminuídas (infanticídio). Neste caso, é verdadeira causa especial de diminuição de pena.

Formas (motivo determinante):

a) impelido por motivo de relevante valor social (BITENCOURT: relevante e interesse coletivo). Ex. mata um perigoso traficante, matador do bairro, da região.

b) impelido por motivo de relevante valor moral (BITENCOURT: relevante e interesse pessoal). Ex. mata o estuprador de sua filha.

Justificativa: Há punição, pois o ato não é lícito (legítima defesa ou estado de necessidade), todavia, justifica a pena menor pela importância do motivo fato.

Privilégio, causa de diminuição X atenuante (CP, artigo 65, III, a, b): maior influência, porque impelido, movido, impulsionado, constrangido, dominado X menor influência, não está dominado: “praticado por motivo”. Na prática... JÚRI...

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O Ciúme, para Guilherme NUCCI, dependendo do caso concreto, pode ser fútil, torpe ou mesmo representar relevante valor moral ou social. Pessoalmente, em princípio, mais torpe que fútil e menos social que moral.

Os motivos de relevante valor moral ou social são incomunicáveis, visto que denotam menor culpabilidade do agente (REGIS PRADO).

c) sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima.

Requisitos (BITENCOURT): (1) a provocação injusta da vítima (não se confunde com agressão – coloca em risco a integridade do ofendido e autoriza a legítima defesa); (2) o domínio da violenta emoção (não é qualquer emoção, mas somente quando intensa, violenta, absorvente, capaz de dominar o autocontrole do agente); e (3) a imediatidade entre a provocação e a reação (relativiza a expressão “logo em seguida”, quando a ação ocorrer em breve espaço de tempo e perdurar o estado emocional dominador. Ainda, assim, na expressão de Hungria, não admite a vingança tardia).

Emoção x Paixão: Para BITENCOURT, a emoção é uma descarga emocional passageira, de vida efêmera, enquanto a paixão é o estado crônico da emoção, que se alonga no tempo, representando um estado contínuo e duradouro de perturbação afetiva. A emoção passa, enquanto a paixão permanece. Reduzem, mas não eliminam a censurabilidade da conduta (CP, artigo 28, I).

Privilégio, causa de diminuição X atenuante (CP, artigo 65, III, c), diferenças:

1) segundo o grau de influência maior – causa de diminuição (quando assumir o domínio) X menor – atenuante (quando tiver simples “influência);

2) logo após, em seguida (de imediato, instantâneo) de injusta de injusta provocação, enquanto que a atenuante nada observa quanto ao limite temporal.

Concomitância das causas de diminuição: é possível, sendo que uma delas será causa de diminuição de pena e a outra atenuante.

Premeditação é incompatível com violenta emoção.

Homicídio privilegiado/qualificado: é possível, desde que exista compatibilidade lógica entre as circunstâncias, ou seja, qualificadoras objetivas (CP, artigo 121, par. 2º, incisos III e IV) com as circunstâncias do privilégio que são de ordem subjetiva. Não é crime hediondo.

Diminuição não é faculdade do juiz, senão o quantum, motivadamente.

BITENCOURT destaca que os estados emocionais ou passionais só poderão servir como modificadores da culpabilidade se forem sintomas de doença mental, estados emocionais patológicos.

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Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

Formas específicas de torpeza: homicídio mercenário.

Paga é a recompensa prévia pela morte da vítima. Recompensa, por disposição literal, o prêmio é posterior.

Motivo econômico, pois do contrário, necessitaria determinar em cada caso a especial reprovabilidade e geraria insegurança jurídica (BITENCOURT, FRAGOSO, HUNGRIA E MAGALHÕES NORONHA). Contra: DAMÁSIO.

Desnecessária a efetiva entrega do prêmio, pois é suficiente a promessa.

Torpe é o motivo repugnante, abjeto, vil, que causa repulsa excessiva. É caso de interpretação analógica, pois se trata de regra específica, seguida de regra geral.

O motivo torpe exclui o fútil.

Segundo BITENCOURT, a vingança nem sempre caracteriza o motivo torpe, pois o sentimento de vingança pode até mesmo ser nobre, relevante, ético e moral...

Os motivos que qualificam o crime são incomunicáveis: não se aplica àquele que oferece paga ou recompensa ou mesmo ao executor no caso do motivo torpe, pois tem motivação diversa.

II - por motivo fútil;

É o motivo insignificante, flagrantemente desproporcional, de mínima importância. Ex. (1) Risada e queda do cavalo e (2) troco de R$ 0,50 centavos.

Jurisprudência e doutrina: ausência de motivo não caracteriza futilidade, ou seja, a ausência de motivo é menos grave do que a existência de motivo, ainda que irrelevante. Paradoxo que somente se sustenta pelo absoluto respeito ao princípio da legalidade (BITENCOURT).

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

BITENCOURT, citando Roberto Lyra, classifica os meios segundo sua natureza: a) emprego de meio insidioso: veneno; b) emprego de meio cruel: fogo, tortura; c) emprego de meio de que pode resultar perigo comum: fogo e explosivo.

Interpretação analógica, pois se utiliza de uma fórmula casuística inicia, exemplificando, seguida de uma fórmula genérica.

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Veneno por tratar-se de meio insidioso, somente qualifica se praticado por dissimulação. Não qualifica quando é administrado à força ou com o conhecimento da vítima.

Segundo BITENCOURT, Veneno é qualquer substância vegetal, animal ou mineral que tenha idoneidade para provocar lesão no organismo humano. Uma substância teoricamente inócua pode assumir a condição de venenosa, segundo as condições especiais da vítima: açúcar para um diabético. Todavia, vidro moído, segundo NUCCI, não se considera como veneno.

Exige prova pericial toxicológica, nos termos do artigo 158 do CPP.

Emprego de fogo poderá constituir meio cruel (atear fogo em mendigos) ou meio que pode resultar perigo comum (atear fogo no escritório de um prédio, para matar o desafeto), dependendo das circunstâncias.

Emprego de explosivo poderá constituir meio cruel (explosão de membros) ou meio que pode resultar perigo comum (explosão de bomba em um edifício) ocorrer pelo manuseio de dinamite ou qualquer outro material explosivo como bomba caseira, etc.

Emprego de asfixia

a) Asfixia mecânica, segundo NUCCI, pode ser produzida por enforcamento (compressão do pescoço com um laço, causada pelo peso do corpo do ofendido), estrangulamento (compressão do pescoço por um laço conduzido por força que pode ser a do agente agressor ou outra fonte, exceto o peso do corpo da vítima), afogamento (inspiração de líquidos, estando ou não submerso), esganadura (apertar o pescoço diretamente, valendo-se das mãos, das pernas ou do antebraço) ou sufocamento (p. ex. impedir a respiração com um travesseiro, saco plástico).

b) Tóxica pelo uso de gás asfixiante.

A reforma de 1984 excluiu a asfixia como agravante genérica, permanecendo apenas como qualificadora do homicídio. Se acaso asfixia a vítima, produzindo-lhe lesões corporais, todavia, sem ânimo homicida, não responderá pela agravante, nem pela qualificadora (BITENCOURT).

Emprego de tortura

É o meio que causa prolongado, atroz e desnecessário padecimento. É espécie de meio cruel, apenas um pouco mais prolongada.

Tortura e morte, como resultado preterdoloso, sem ânimo de matar: pena de 8 a 16 anos. Artigo 1º, parágrafo 3º, 2ª parte da Lei n. 9.455/97.

Se durante a tortura o agente resolve matar a vítima, responderá por tortura (artigo 1º da Lei n. 9.455/97) e homicídio (CP, artigo 121), em concurso material (DAMÁSIO e BITENCOURT).

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Destaque negativo é, ainda nos dias atuas, ser utilizada por agentes do Estado como forma de obter a “verdade real” – mito. Vide nos EUA X terrorismo. Nas cadeias públicas brasileiras. Retorno à inquisição, à Idade média.

Meio insidioso utilizado com estratégia, dissimulado, disfarçado, ardiloso para ocultar o verdadeiro propósito do agente, surpreendendo a vítima. Ex. emboscada, traição.

Meio cruel é a forma brutal, bárbara, sem piedade de praticar o crime. Causa sofrimento desnecessário, objetiva o padecimento. Ex. Hildebrando no Pará, que matava as vítimas com uma moto-serra.

A crueldade praticada depois da morte não qualifica. Ex. Reiteradas facadas.

Meio que possa resultar perigo comum

Elemento subjetivo – dolo de homicídio e não de crimes de perigo comum, do Título VIII, Capítulo I, do CP.

BITENCOURT sustenta que poderá haver concurso formal com estes delitos quando além de atingir a vítima, criar também situação concreta de perigo comum para número indeterminado de pessoas.

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

Modos qualificadores

À Traição é o ataque sorrateiro, inesperado, desleal. Ex. Atira pelas costas.

Não se configura se a vítima percebe ou mesmo se houver tempo para fugir.

De emboscada é a tocaia, a espreita, escondendo-se para surpreender a vítima. Ex.: Espera na estrada, no portão da casa.

Mediante dissimulação. É modalidade de surpresa, pois oculta, esconde ou disfarça sua intenção hostil, para surpreender a vítima desprevenida. É modalidade de surpresa.

Recurso que dificulta ou impossibilita a defesa: hipótese análoga, de mesmas características à traição, emboscada ou dissimulação. Ex. Surpresa, o ataque inesperado, imprevisto e imprevisível.

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Fins qualificadores – Elemento subjetivo diverso do dolo. Especial fim de agir que deverá ser abrangido pelo dolo.

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Assegurar a execução (para NUCCI, exemplo de conexão consequencial): não é necessário que o outro crime ocorra, mas apenas o fim de assegurar a execução. Ex. mata o segurança da empresa para furtá-la, roubá-la mais facilmente. Mata o guarda costas para poder sequestrar.

Assegurar a ocultação ou impunidade (para NUCCI, exemplo de conexão consequencial): finalidade de dificultar, destruir a prova e evitar as consequências do delito. Ex. A morte do co-autor, da testemunha.

Assegurar a vantagem de outro crime (para NUCCI, exemplo de conexão teleológica): garantir o êxito patrimonial ou não, direto ou indireto. Ex. Mata o comparsa para ficar com todo o produto do roubo.

De maneira geral, no interesse próprio ou de terceiro.

Não se trata de crime complexo, mas sim de conexão e, quando da prática de ambos, haverá concurso material.

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O dolo eventual é compatível com as qualificadoras subjetivas. Portanto, que o agente assuma o risco de produzir o resultado morte (dolo eventual), motivado pela torpeza, futilidade ou ânsia de assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro delito (NUCCI e STF).

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de um a três anos.

Menção expressa ao crime culposo: Falta do dever objetivo de cuidado.

O artigo 121, parágrafo 3º deverá ser complementado pelo artigo 18, II do CP: “Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por:

Imprudência: É a conduta arriscada ou perigosa. Caracteriza-se pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação.

Negligência: É a falta de precaução, portanto passiva. Não atuar como deveria. Ex. Passeio de barco, praia de Guairá.

Imperícia: Segundo BITENCOURT, é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou ofício. Não se confunde com o simples erro profissional. Ex. Imperícia médica.

Ponderação da pena. Alguns como RUI STOCO, afirmam que o artigo 302 do CTB é inconstitucional por ofender o princípio da isonomia (detenção de 2 a 4 anos); CP homicídio culposo: detenção de 1 a 3 anos. BITENCOURT defende a diferenciação de pena por motivos de política criminal, especialmente ponderando

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o desvalor da ação e o desvalor do resultado. Certo é que não há justificativa para a punição mais grave da lesão corporal culposa (CTB, detenção de 6 meses a 2 anos) do que a da lesão corporal dolosa (CP, Artigo 129: detenção de 3 meses a 1 ano).

Não se aplica o artigo 121, parágrafo 3º ao homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, porque há tipo específico no artigo 302, da Lei n. 9.503/97.

Aumento de pena

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

a) Resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. NUCCI critica esta causa de aumento de pena, pois se confunde com a imperícia. Na verdade, estas causas de aumento eram direcionadas para os delitos de trânsito que, à época, não eram previstos em lei especial.

Diferentemente, REGIS PRADO sustenta que o agente é portador dos conhecimentos técnicos necessários para o exercício de sua profissão, arte ou ofício, todavia, deliberadamente os desatende.

Hipóteses a seguir são causas de aumento por conduta após o fato: pro maior reprovabilidade social e não crime qualificado pelo resultado.

b) Se o agente deixa de prestar socorro à vítima: nos delitos de trânsito encontra previsão expressa no artigo 302, parágrafo 4º: “deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente”.

ZAFFARONI destaca que a falta de capacidade para dirigir movimentos/ação: pessoa que atropela e fica estática (estado de choque) é hipótese de ausência de conduta.

Socorro prestado por terceiro: NUCCI: haver disputa pelo socorro é surreal. Deve-se ponderar quem tem melhores condições para atender a vítima. P. ex. quando o terceiro é médico.

No caso do homicídio, é no mínimo ilógico ter de prestar socorro à vítima quando a morte é instantânea... Código de Transito Brasileiro, artigo 304. NUCCI diferencia entre morte clara, inconteste ou duvidosa.

c) Não procura diminuir as consequências do seu ato: REGIS PRADO/BITENCOURT entendem redundante, porque abarcada pela omissão de socorro. Já NUCCI sustenta ser uma causa de aumento subsidiária, no caso em que o agente não possa prestar socorro à vítima, seja porque está ameaçado de

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linchamento, seja porque não tem recursos (veículo, p. ex.), poderá atenuar as consequências de seu ato buscando auxílio de terceiros ou chamando a polícia ou o socorro de emergência.

d) Foge para evitar a prisão em flagrante: REGIS PRADO diz haver razões de política criminal, para maior eficiência da administração da justiça. BITENCOURT afirma que o agente que presta socorro não pode ser preso e NUCCI diz ser inconstitucional. 1. Não se exige esta atitude do autor do crime doloso, porque exigir do autor do crime culposo, mais brando. 2. Porque não se pode exigir a autoincriminação do autor do fato: Convenção Americana de Direitos Humanos.

Norma semelhante no artigo 305 do CTB.

Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

Causa de aumento de Homicídio doloso mal inserida, deslocada.

Menor de 14 anos – pelo ECA: qual o critério... menor de 12, 18 anos.

Maior de 60 anos – Estatuto do Idoso. NUCCI afirma haver maior reprovação social.

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Perdão judicial é hipótese de extinção de punibilidade e a sentença tem natureza declaratória.

Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.

BITENCOURT entende que, presentes os requisitos, é direito público e subjetivo do autor do fato.

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

BITENCOURT critica o tipo penal, pois não sendo criminalizada a ação de matar-se ou a sua tentativa, a participação nessa conduta atípica, consequentemente,

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tampouco poderia ser penalmente punível, uma vez que, segundo a teoria da acessoriedade limitada, adotada por nós, a punibilidade da participação em sentido estrito, que é uma atividade secundária, exige que a conduta principal seja típica e antijurídica.

1. Bem Jurídico: a vida humana.

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa.

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa (determinada). É necessário que o suicida atue de forma consciente e voluntária, pois, caso contrário, será homicídio.

4. Tipo Objetivo: induzir (fazer surgir a idéia suicida) ou instigar (reforçar a idéia suicida pré-existente) ou prestar auxílio (colaborando, fornecendo os meios necessários para que a vítima pratique o suicídio) – Tipo misto alternativo.

HUNGRIA, REGIS PRADO, NUCCI sustentam que a omissão é, em tese, admissível se o autor omisso é o “garante”, apenas na modalidade auxiliar. Contra, porque a conduta de “prestar auxílio” é positiva. DAMÁSIO.

Pacto de morte: 1. Atira na cabeça do outro e, em seguida na própria, se acaso mata, mas não morre: homicídio. 2. Cada qual atira na própria cabeça, entretanto, se algum sobrevive, responde pelo artigo 122.

5. Tipo Subjetivo: dolo, direto ou eventual.

6. Consumação e Tentativa: Segundo REGIS PRADO, consuma-se com o induzimento, com a instigação ou o auxílio (delito instantâneo e de mera atividade). Não admite tentativa. Se o suicídio não se consuma ou não ocorre ao menos lesão corporal grave, não é possível a aplicação da pena, pois inexistirá punibilidade. O delito, porém, está perfeito em seus elementos. Diversamente, BITENCOURT não admite a tentativa branca e admite a tentativa cruenta, com lesão grave.

A condição (morte ou lesão grave) é condição objetiva de punibilidade.

7. Classificação: comum, de ação múltipla ou de conteúdo variado, de resultado, material, doloso e instantâneo.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

Aumento de pena

Parágrafo único - A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

Maior reprovabilidade: p. ex. para receber seguro ou herança.

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II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Maior propensão da vítima.

Infanticídio

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

É hipótese de homicídio privilegiado.

Anteriormente, nos Códigos Penais de 1830 e 1890 havia a expressão “para ocultar desonra própria”.

1. Bem Jurídico: a vida humana.

2. Sujeito Ativo: a mãe que mata o próprio filho durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal (delito especial próprio). Pela teoria monista, admite-se o concurso de pessoas (NUCCI). Também BITENCOURT e DAMÁSIO. Contra a comunicabilidade da influência do estado puerperal: HUNGRIA, ANIBAL BRUNO e FRAGOSO. Vide CP, artigo 30.

3. Sujeito Passivo: é o feto nascente ou recém-nascido.

4. Tipo Objetivo: matar o próprio filho durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal. Conduta comissiva ou omissiva quando, p. ex. não presta os cuidados essenciais. A expressão logo após o parto é a realização imediata e sem interrupção, pois deve haver nexo causal entre a morte e o estado puerperal.

5. Tipo Subjetivo: dolo, direto ou eventual.

6. Consumação e Tentativa: Se consuma com a morte do ser humano nascente ou recém nascido. A tentativa é admissível quando iniciada a ação de matar, esta é interrompida por circunstâncias alheias a vontade do agente.

7. Classificação: próprio; material ou de resultado; de forma livre; impróprio (CP, artigo 13, par. 2º); instantâneo; de dano; unissubjetivo; progressivo; admite a tentativa.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

Confronto com o Aborto: antes de iniciado o parto, a ocisão do feto é aborto; após aquele ter começado, o crime é de infanticídio, desde que praticado sob a influência do estado puerperal. BITENCOURT.

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Aborto

ROXIN ensina que da união do óvulo e do espermatozoide, surge uma forma de vida que se tornará um homem no futuro. Portanto o embrião, considerado um fim em si mesmo e não um objeto, um material consumível para fins de pesquisa, merece – até certo ponto, proteção e tratamento com dignidade.

Questões: 1. Embriões e diagnóstico pré-implantação para detectar severos defeitos genéticos? 2. Embriões produzidos e utilizados para fins de pesquisa buscando a cura para graves doenças com Alzheimer. Na Alemanha, ambas as questões recebem resposta negativa. Na Dinamarca e França, a primeira hipótese é possível. Na Inglaterra, ambas as questões são possíveis.

O CP não conceitua aborto – REGIS PRADO é elemento normativo extrajurídico do Tipo. Já NUCCI conceitua aborto como a cessação da gravidez, cujo início se dá com a nidação, antes do termo normal, causando a morte do feto ou embrião.

1. Bem Jurídico: a vida humana do ser humano em formação e a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida.

2. Sujeito Ativo: No crime de autoaborto e aborto consentido é a própria mãe (delito especial próprio). Nos demais casos, qualquer pessoa. Admite a participação, pois se o terceiro atua diretamente para interromper a gravidez não é participe, mas autor do delito do artigo 126.

3. Sujeito Passivo: ser humano em formação (embrião/feto), que é também o objeto material. Será a mãe quando se atente também contra a sua liberdade (aborto não consentido) ou contra sua vida ou integridade pessoal (aborto qualificado pelo resultado).

4. Tipo Objetivo: provocar (dar causa, promover, ocasionar) o aborto. Forma livre, inclusive por omissão.

Pode haver crime impossível por impropriedade do meio (reza ou simpatia) ou do objeto (não havia gravidez ou o feto já estava morto).

5. Tipo Subjetivo: dolo, direto ou eventual. Não se pune a forma culposa.

Quando além do dolo do aborto, houver dolo de lesões ou homicídio quanto à mãe, haverá concurso formal de delitos.

6. Consumação e Tentativa: É delito de resultado, consumando-se com a morte do embrião ou do feto. A tentativa é admissível quando, p. ex., das manobras abortivas sobrevém a aceleração do parto, mas o feto sobrevive por circunstâncias alheias a vontade do agente.

Se após manobras abortivas, a morte do neonato resulta de causas independentes, existe apenas aborto tentado.

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7. Classificação: delito especial próprio (autoaborto); comum (demais formas); de resultado; instantâneo; e doloso de dano; unissubjetivo (artigo 126 é plurissubjetivo); plurissubsistente; de forma livre; admite a tentativa.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos.

1a Parte: Auto aborto

2a Parte: Aborto consentido

É indispensável o consentimento da grávida, desde o início ao fim da conduta. Se acaso o consentimento é revogado durante a conduta e o terceiro prossegue, responde pelo artigo 125.

A coautoria não é admissível no autoaborto, pois o terceiro responde pelo artigo 126. Já a participação é admitida.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Exceção à teoria monista, ou seja, aplicação da teoria dualista para o concurso de pessoas.

Note-se aqui, que a violência é aquela empregada para obtenção do consentimento e não para a realização do aborto.

Forma qualificada pelo resultado

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Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

As causas de aumento são aplicáveis apenas aos artigos 125 e 126, pois não se pune a autolesão.

Crime preterdoloso ou preterintencional – há dolo no antecedente e culpa na consequência: o resultado mais grave é imputado a título de culpa. Se abarcado pelo dolo (direto ou eventual), há concurso formal de delitos: aborto e lesão corporal leve ou homicídio consumados.

Se dos meios empregados para causar o aborto não sobrevém a morte do feto, mas a lesão corporal grave ou a morte da gestante, configura o aborto qualificado pelo resultado consumado (CP, artigo 127 – REGIS PRADO). Este caso, para NUCCI, é tentativa de aborto com lesões graves para a mãe.

Aborto legal - permitido

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário ou terapêutico

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Exclui a ilicitude por estado de necessidade. Em princípio, somente o médico, pois necessita conhecer a situação de risco para a gestante. Mas, a enfermeira ou outra pessoa, em tese, também podem se valer do estado de necessidade ou mesmo inexigibilidade de conduta diversa. Prescinde do consentimento da gestante.

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro ou sentimental, humanitário ou piedoso.

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Necessita da comprovação do estupro, todavia, prescinde de condenação ou até mesmo do processo. É necessário o consentimento da gestante.

Há, ainda, o aborto eugênico ou eugenésico que é a interrupção da gravidez, causando a morte do feto, quando apresenta graves defeitos e anomalias. Direito alemão permite e ROXIN sustenta que o Direito Penal não pode exigir da mãe este sacrifício que muitas vezes é verdadeiramente heroico. De outro lado, também não pode obrigá-la. Foi incluída no Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal.

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Também há o aborto econômico-social: quando razões dessa natureza – prole numerosa, escassez de recursos, motivem o aborto.

ROXIN: Modelo de indicações: o aborto é, em regra punível, todavia, justificado e impunível se for realizado por médico, com o consentimento da gestante e, presente determinados casos, indicações como o risco para a saúde da gestante.

Modelo, Solução de prazo: é autorizada a interrupção da gravidez, por vontade da gestante, mesmo que imotivada, dentro de terminado prazo, geralmente 3 meses.

A Alemanha segue o modelo de aconselhamento à proteção da vida não nascida – procedimento nos três primeiros meses que busca a decisão responsável e consciente.

Questão social, sanitária que resulta em política criminal, todavia, um sistema de indicações rígido como o Brasileiro, pode resultar consequências indesejadas como perigos à gestante que vão desde lesões à saúde até extorsões.

CAPÍTULO II - DAS LESÕES CORPORAIS

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Conceito: ofensa física voltada à integridade ou à saúde do corpo humano.

A autolesão não é punida. Mas poderá constituir elementar de uma figura do crime de estelionato, quando, p. ex., o agente lesa a própria integridade física ou saúde com o fim de obter indenização ou valor de seguro (CP, art. 171, parágrafo 2o, V).

1. Bem Jurídico: a incolumidade da pessoa humana, sua integridade física e psíquica. No parágrafo 9o, o respeito à pessoa no âmbito familiar (REGIS PRADO).

Indisponibilidade/disponibilidade do bem – consentimento da vítima: historicamente entendida como indisponível, todavia, a evolução social, cultural, relativizaram a própria indisponibilidade da integridade física, pois a ação penal nos casos de lesão leve, culposas dependem de representação (BITENCOURT).

É possível a aplicação do princípio da insignificância (NUCCI e BITENCOURT). Entretanto, não se confunde com crime de menor potencial ofensivo. Neste sentido, ANIBAL BRUNO, destaca que não caberia punir como lesão corporal

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uma picada de alfinete, um pequeno arranhão, um resfriado ligeiro, uma dor de cabeça passageira”.

O consentimento do ofendido também é aplicável como causa supra legal de exclusão de ilicitude (FRAGOSO e NUCCI). Para BITENCOURT e DELMANTO, exclui a tipicidade (material).

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa. Na hipótese do parágrafo 9o, 1a parte, apenas o ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro da vítima (delito especial próprio) e, na 2a parte, aquele que tenha com ela relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, podendo ser qualquer pessoa (delito comum).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa. Exceção: Apenas a mulher grávida em algumas hipóteses qualificadas, parágrafos 1o, inciso IV e 2o, inciso V, do artigo 129.

4. Tipo Objetivo: ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Compreende a alteração, anatômica ou funcional, interna ou externa, do corpo humano, como, p. ex. equimoses, luxações, mutilações, fraturas, etc. Inclui a perturbação psíquica, todavia, mais grave que a simples perturbação de ânimo (BITENCOURT).

5. Tipo Subjetivo: dolo, direto ou eventual e culpa (artigo 121, parágrafo 6º). Ainda, o preterdolo, em determinadas figuras qualificadas. O dolo deve abarcar a conduta, o resultado e o nexo causal. BITENCOURT destaca que o que distingue a lesão corporal da tentativa de homicídio é exatamente o elemento subjetivo: dolo de lesionar ou de matar. Pode haver, ainda, confronto com maus tratos (CP, art. 136), tentativa de lesões corporais (art. 129 c.c 14, II) e perigo para a vida ou a saúde de outrem (art. 132), contravenção de vias de fato.

6. Consumação e Tentativa: Consuma-se com a efetiva ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem (resultado). Admite a tentativa. Exceto a lesão culposa, a lesão corporal grave, prevista no artigo 129, parágrafo 1o, inciso II, e a lesão gravíssima inscrita no parágrafo 2o, inciso V, porque os resultados que, no caso, agravam a pena (perigo de vida e aborto) devem ser imputados ao agente unicamente a título de culpa (REGIS PRADO e BITENCOURT).

7. Classificação: comum; material ou de resultado; de forma livre; em regra comissivo – ação de ofender, excepcionalmente, comissivo por omissão ou omissivo impróprio, quando exerce a função de garante, artigo 13, parágrafo 2o; instantâneo; de dano; unissubjetivo; plurissubsistente.

8. Ação Penal: é Pública, condicionada à representação nas lesões corporais leves, culposas (artigo 88 da Lei n. 9.099) e de violência doméstica (artigo 16, da Lei n. 11.340/2006, e incondicionada nas demais hipóteses).

Sob a mesma rubrica “lesão grave”, dois modelos distintos “lesão grave” do parágrafo 1o e “lesão gravíssima” do parágrafo 2o – ontologicamente não há diferença, senão no desvalor do resultado e reflexo na pena.

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A lesão leve se dá por exclusão.

Lesão corporal de natureza “grave”

§ 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

Toda e qualquer atividade desempenhada pela vítima (habitual, frequente como trabalho, lazer, recreação) e não apenas laborativa (NUCCI, REGIS PRADO e BITENCOURT). Importante porque as crianças e adolescentes também podem ser vítimas. Não abrange atividades ilícitas (criminosas), mas sim imorais como a prostituição. Apenas o exame de corpo de delito não é suficiente, e o exame complementar é indispensável, todavia, o exame suplementar (após 30 dias) poderá ser suprido por prova testemunhal (CPP, artigo 3o, do Código de Processo Penal) (NUCCI, BITENCOURT).

II - perigo de vida;

Impropriedade legislativa, pois o perigo é de morte.

Não basta a possibilidade, meras suposições: há necessidade de um fator real de risco inerente ao ferimento – probabilidade concreta da vida em perigo (NUCCI e BITENCOURT). Praticamente indispensável a perícia, podendo ser substituída apenas por prova testemunhal qualificada: médico que atendeu a vítima.

Doutrina e jurisprudência majoritária consideram crime preterdoloso, agravado pelo resultado, em que há dolo na lesão e culpa no perigo de morte, pois, havendo dolo em ambas, seria tentativa de homicídio. NUCCI é contra, pois entende como possível que o agente tenha provocado uma lesão na vítima, assumindo o risco de colocá-la em perigo de vida.

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

Debilidade (redução ou enfraquecimento da capacidade funcional) de longa duração – não precisa ser definitiva, perpétua.

Membros: braços, mãos, pernas e pés. Para NUCCI, a perda de um dedo é considerada como lesão grave.

Sentido é a capacidade de percepção: visão, olfato, audição, paladar e tato. Perda da visão em um dos olhos e da audição em um dos ouvidos.

Função: é a ação própria de um órgão do corpo humano. Função respiratória, circulatória, digestiva, reprodutora, secretora. P. ex. a perda de um dos rins, pois é órgão duplo.

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IV - aceleração de parto:

É a antecipação do nascimento. É indispensável o conhecimento da gravidez, pois o desconhecimento caracteriza a lesão como leve (BITENCOURT).

NUCCI sustenta que se houve aceleração de parto, o feto nasceu com vida, morrendo, em face das lesões sofridas, dias, semanas ou meses depois, não há como falar em lesão corporal gravíssima, ou seja, cujo resultado mais grave é o aborto, pois este é um termo específico, que significa a morte do feto antes do nascimento. Trata-se de lesão corporal grave (aceleração do parto).

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

Todas as qualificadoras são de natureza objetiva e, portanto, se comunicam em caso de concurso de pessoas, desde que abarcadas pelo dolo.

Lesão corporal de natureza “gravíssima”: em regra, irreparáveis.

§ 2° Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

Incapacidade somente para o trabalho, mas o trabalho em geral e não de forma específica para a atividade que exercia. Permanente, mas não irreversível, pois pode até curar-se que a qualificadora persiste.

II - enfermidade incurável;

É a doença cuja cura não é conseguida no atual estágio da Medicina. Não são exigíveis intervenções cirúrgicas arriscadas ou tratamentos duvidosos (BITENCOURT).

III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

Perda é a extirpação, quando o membro ou órgão é mutilado, amputado ou extraído.

IV - deformidade permanente;

Lesão estética visível de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê e vexame humilhação ao portador. Defeito físico permanente, irrecuperável que não perde este caráter se houver a possibilidade artificial de remoção como, p. ex. por cirurgia plástica.

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V - aborto:

Crime preterdoloso, pois há dolo em relação à lesão corporal e culpa em relação ao aborto. Este é provocado involuntariamente, pois o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo.

A condição de gestante deve ser conhecida.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Homicídio Preterdoloso: caracteriza-se pelo dolo na lesão e a culpa quanto à morte. Se houver dolo eventual quanto à morte, será homicídio. O resultado morte não foi desejado pelo autor, mas era previsível, o crime é preterdoloso.

Diminuição de pena

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Mesmas considerações realizadas por ocasião do homicídio e, inclusive, o fato de que a redução é obrigatória.

Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:

I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;

II - se as lesões são recíprocas.

Hipótese de privilégio. Aplica-se apenas ao caso de lesão corporal leve.

NUCCI sustenta que nas lesões recíprocas ambos atuam injustamente, porque se algum deles atua em legítima defesa não pode esta situação servir para o outro conseguir um benefício legal considerável.

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Lesão corporal culposa

§ 6° Se a lesão é culposa:

Pena - detenção, de dois meses a um ano.

Menção expressa ao crime culposo: Falta do dever objetivo de cuidado.

O artigo 121, parágrafo 6º deverá ser complementado pelo artigo 18, II do CP: “Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por Imprudência: É a conduta arriscada ou perigosa. Caracteriza-se pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação.

Negligência: É a falta de precaução, portanto passiva. Não atuar como deveria.

Imperícia: Segundo BITENCOURT, é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou ofício. Não se confunde com o simples erro profissional. Ex. Imperícia médica.

Certo é que não há justificativa para a punição mais grave da lesão corporal culposa (CTB, detenção de 6 meses a 2 anos) do que a da lesão corporal dolosa (CP, Artigo 129: detenção de 3 meses a 1 ano).

Não se aplica o artigo 129, parágrafo 6º à lesão corporal culposa cometida na direção de veículo automotor, porque há tipo específico no artigo 303, da Lei n. 9.503/97.

Para a lesão culposa, não há diferenciação entre lesão leve, grave e gravíssima, sendo que, em princípio, receberão a mesma pena. P. ex., quem provoca escoriações e quem torna a vítima tetraplégica. (BITENCOURT)

Aumento de pena

§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º.

Art. 121, § 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

Art. 121, § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

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Perdão judicial é hipótese de extinção de punibilidade e a sentença tem natureza declaratória.

Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.

BITENCOURT entende que, presentes os requisitos, é direito público e subjetivo do autor do fato.

Violência Doméstica (Lei nº 10.886, de 2004)

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Lei nº 11.340, de 2006)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Lei nº 11.340, de 2006)

Segundo DELMANTO, é lesão “leve” qualificada não pelo resultado (parágrafo 1º, 2º e 3º), mas pelo contexto em que é praticada.

Justificativa (NUCCI): para dar cumprimento à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Em realidade, mais que isso... preservar as relações domésticas.

Há quem defenda que, se fosse apenas em favor da mulher, seria inconstitucional. Sujeito ativo/passivo especial.

NUCCI critica a pena cominada em caso de lesão leve decorrente de violência doméstica, pois o mínimo permaneceu o mesmo e apenas o máximo saltou de 1 para 3 anos.

Não incide a agravante de parentesco (art. 61, II, e) e nem a referente às relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade (art. 61, II, f), pois integram a figura típica (bis in idem) (REGIS PRADO).

O juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, algumas medidas protetivas de urgência – art. 22, da Lei n. 11.340/2006.

O tipo objetivo é o mesmo do caput e se aplica, portanto, apenas à lesão leve.

a) lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro

Foi acrescentado o termo companheiro, equiparado ao cônjuge para efeito de proteção penal.

b) ou contra aquele com quem conviva ou tenha convivido. A expressão “com quem conviva ou tenha convivido” deverá ser interpretada de forma restritiva, apenas relacionada à ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou

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companheiro. Questiona-se exemplos como a agressão à empregada doméstica, a genitora ou genitor com os quais nunca residiram.

c) ou, ainda, prevalecendo-se o sujeito ativo das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade em relação à vítima. EXAGERO em certas situações...

NUCCI afirma que não há sentido punir como violência doméstica, p. ex., agressões entre moradores de uma mesma pensão (coabitação) ou àquela praticada pelo anfitrião, contra a visita (relação de hospitalidade). Seria suficiente a lesão leve com a agravante do artigo 65 do CP.

DELMANTO diz que a consumação se dá com a efetiva ofensa à integridade física, mas não admite a tentativa?????!!!!! Por que não???????

NUCCI afirma que em caso de lesão leve decorrente de violência doméstica a Ação Penal é Pública Incondicionada. DELMANTO afirma que na maioria dos casos é de ação pública condicionada a representação (Lei n. 9.099/95), todavia, quando o agressor for homem e a vítima mulher, será de ação penal pública incondicionada. Entretanto, a 3ª Seção do STJ decidiu que é pública condicionada à representação. Com relação à retratação, somente poderá ocorrer na presença do Juiz.

Vedação expressa no artigo 17 da Lei n. 11.340/2006, à aplicação de penas de prestação pecuniária (cestas básicas) ou a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

O art. 41 da Lei n. 11.340/2006 afirma que: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099/95.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

Lesão corporal grave, gravíssima e seguida de morte. Já eram consideradas qualificadas em relação à lesão leve e, neste caso, são consideradas causa de aumento.

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

Esta causa de aumento aplica-se apenas à lesão leve.

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CAPÍTULO III – DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

Perigo de contágio venéreo

Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º - Somente se procede mediante representação.

1. Bem Jurídico: a incolumidade física da pessoa.

2 e 3. Sujeito Ativo/Passivo: qualquer pessoa, homem ou mulher.

4. Tipo Objetivo: a) o agente que sabe estar contaminado; b) não sabe, mas deveria saber achar-se contaminado; c) sabe e tem a intenção de transmitir a moléstia. A ação de expor deve ser praticada mediante relações sexuais ou qualquer ato libidinoso – forma vinculada. Não há modalidade omissiva.

Será crime impossível (CP, artigo 17), por falta de perigo, se o ofendido já estiver igualmente contaminado pela mesma moléstia.

5. Tipo Subjetivo: É diverso para as três figuras: a) o agente que sabe estar contaminado: é dolo de perigo direto; b) não sabe, mas deveria saber achar-se contaminado: parece indicar culpa (majoritária), mas como o delito culposo exige previsão expressa e não seria razoável ter a mesma pena do doloso, trata-se de dolo eventual; c) sabe e tem a intenção de transmitir a moléstia: há dolo de dano direto. 6. Consumação e Tentativa: Com a prática da relação sexual ou do ato libidinoso, independente do contágio que será o exaurimento. A tentativa é admitida.

7. Classificação: comum; doloso (direto ou eventual); de forma vinculada; de perigo (art. 130, caput) ou formal com dolo de dano (parágrafo 1º); comissivo e instantâneo.

8. Ação Penal: Pública condicionada à representação.

Confronto: Se não há relação sexual ou ato libidinoso (indiretamente, por meio extrassexual – p. ex. utilização de objetos contaminados), o delito poderá ser o dos arts. 131 ou 132 do CP.

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REGIS PRADO: Se do contágio resulta lesão corporal de natureza grave dolosa, aplica-se o artigo 129, parágrafos 1º e 2º; se atua culposamente, responde o agente por lesão corporal culposa (art. 129, parágrafo 6º). Se atua com dolo de ofender a integridade física da vítima ou mesmo assume o risco do contágio e a moléstia grave transmitida causa a morte da vítima, responderá por lesão corporal seguida de morte (art. 129, parágrafo 3º); mas, se age com ânimo de morte, haverá homicídio doloso consumado; responderá o sujeito por homicídio culposo, se o contágio resulta de inobservância do cuidado objetivamente devido.

AIDS: não é doença venérea, pois ela possui outras formas de transmissão. NUCCI sustenta que quando houver a relação sexual com a intenção de transmissão, responderá por tentativa de homicídio ou homicídio consumado.

Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

1. Bem Jurídico: a incolumidade pessoal, a vida e a saúde da pessoa.

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa, desde que contaminada pro moléstia grave e contagiosa (delito comum).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa.

4. Tipo Objetivo: praticar ato capaz de transmitir moléstia grave de que está contaminado. O que é moléstia grave: elemento normativo “cultural” do tipo (aberto) Moléstia grave é aquela que afeta seriamente a saúde. Todavia, é indispensável que seja transmissível por contágio (tuberculose, lepra, difteria, cólera, sarampo, meningite, AIDS, etc.). Excluídas as doenças graves quando não são transmissíveis por contágio e as hereditárias (p. ex. respectivamente, câncer e diabetes).

5. Tipo Subjetivo: dolo direto e o elemento subjetivo do tipo diverso do dolo: com o fim de transmitir moléstia grave.

6. Consumação e Tentativa: Consuma-se com a prática de ato capaz de transmitir a doença. Não é necessária a efetiva transmissão, que se ocorrer, representa o exaurimento. Entretanto, se a vítima já estiver contaminada é crime impossível.

REGIS PRADO: Se do contágio resulta lesão corporal de natureza grave dolosa, aplica-se o artigo 129, parágrafos 1º e 2º; Se atua com dolo de ofender a integridade física da vítima ou mesmo assume o risco do contágio e a moléstia

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grave transmitida causa a morte da vítima, responderá por lesão corporal seguida de morte (art. 129, parágrafo 3º); mas, se age com ânimo de morte, haverá homicídio doloso consumado;

Não há a hipótese culposa, mesmo quando por inobservância do dever objetivo de cuidado; responderá o sujeito por homicídio culposo, quando sobrevém o resultado morte e se o contágio de moléstia grave é resultado de inobservância do cuidado objetivamente devido.

REGIS PRADO diz ser, em tese, admissível a tentativa: quando não logra praticar o ato dirigido à transmissão da doença por circunstâncias alheias à vontade do agente.

7. Classificação: comum; de perigo concreto; de forma livre, instantâneo e doloso. (REGIS PRADO diz ser de perigo concreto e de mera atividade).

8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

CAPÍTULO V - DOS CRIMES CONTRA A HONRA

Constituição Federal artigo 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação”.

A honra é o valor ideal, a consideração, a reputação, a boa fama de que gozamos perante a sociedade em que vivemos (BITTENCOURT) Para NUCCI é a faculdade de apreciação ou o senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa. A honra não é absoluta.

Honra objetiva: é a reputação do indivíduo, é o conceito que goza dentre os demais membros da sociedade, quanto aos atributos morais, éticos, culturais, intelectuais, físicos ou profissionais. Honra subjetiva: é o sentimento ou a concepção que temos a nosso próprio respeito. Nada obstante, BITTENCOURT e FRAGOSO são contra a referida divisão.

A honra é bem jurídico disponível inclusive porque a ação penal é, em regra, privada, e, por conseguinte, admite a renúncia (CP, artigo 104) e o perdão (CP, arts. 105 e 106) que extinguem a punibilidade (CP, art. 107, V).

É disponível quando o bem jurídico seja exclusivamente a honra (diferente da denunciação caluniosa (CP, art. 339).

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

1. Bem Jurídico: a honra objetiva, a reputação que o indivíduo desfruta no meio social. A honra é bem jurídico disponível.

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum) NUCCI inclusive os inimputáveis, desonradas.

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa, física (REGIS PRADO). BITENCOURT não concorda, mas aceita a pessoa jurídica (p. ex. crimes ambientais). NUCCI e BITENCOURT inclusive os incapazes (distinção entre imputar falsamente fato definido como crime X a prática de crime).

Com relação ao artigo 138, parágrafo 2º, é punível a calúnia contra os mortos, mas serão sujeitos passivos seus cônjuges, ascendentes, descendentes ou irmãos (CPP, art. 31). Para ANIBAL BRUNO, relatos históricos tem interesse superior e, portanto, excluem a antijuridicidade.

4. Tipo Objetivo: imputar, atribuir a alguém falsamente a prática de fato definido como crime.

Requisitos: a) falsidade da imputação sobre fato ou autoria – admite a exceção da verdade em alguns casos. Para BITENCOURT e NUCCI, falsamente é elemento normativo do tipo; b) fato determinado (caso contrário poderá ser difamação: ladrão) e definido como crime (e não contravenção penal);

Parágrafo 1º: aquele que sabendo falsa a imputação, a propala (verbal) ou divulga (outra forma): espalha, torna pública... dá conhecimento à outrem.

5. Tipo Subjetivo: dolo, dolo direto ou eventual.

No caso do parágrafo 1º - propalar ou divulgar, apenas o dolo direto, pois é necessário que o agente saiba da falsidade da imputação (DELMANTO e REGIS PRADO).

Segundo REGIS PRADO, NUCCI e BITENCOURT, exigem ainda o elemento subjetivo diverso do dolo, ou seja, o especial fim de agir: a finalidade de desacreditar, menosprezar, o fim de caluniar.

BITENCOURT diz não haver calúnia se o fato é produto de acirrada discussão, irrefletidamente.

6. Consumação e Tentativa: Consuma-se quando alguém que não o sujeito passivo toma conhecimento da imputação falsa. A tentativa é admissível – embora de difícil configuração, quando o delito é cometido por escrito. REGIS PRADO entende que a hipótese do parágrafo 1º não admite a tentativa (?).

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7. Classificação: comum; comissivo, de mera atividade, instantâneo e doloso. Admite a tentativa (por escrito).

8. Ação Penal: nos crimes contra a honra é privada. Salvo se praticado contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, ou funcionário público em razão das funções (art. 141, incisos I e II), hipóteses em que a ação penal é pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça ou à representação do ofendido, respectivamente. É também pública condicionada à representação na hipótese de injúria discriminatória (CP, artigo 145, parágrafo único).

REGIS PRADO ressalta que a calúnia não se confunde com a denunciação caluniosa, em que o sujeito dá causa a investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou pedido de improbidade administrativa contra quem sabe ser inocente (CP, artigo 339).

Exceção da verdade: exclui-se o crime de calúnia, pois é conduta atípica.

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141 (Presidente da República ou Chefe de governo);

Fato imputado contra o Presidente da República ou contra chefe de governo: importantes funções pública e a repercussão dos fatos.

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Coisa julgada e a presunção juris et de jure da falsidade da acusação.

É de competência do Juizado Especial Criminal e cabe a suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei n. 9.099/95), ressalvada a hipótese de violência doméstica contra a mulher – art. 41, Lei 11.340/2006.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

1. Bem Jurídico: a honra objetiva, a reputação, respeitabilidade que o indivíduo desfruta no meio social. A honra é bem jurídico disponível.

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa, inclusive crianças/adolescentes e portadores de enfermidades mentais.

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Também as pessoas jurídicas se lhe são imputados fatos ofensivos à sua reputação. NUCCI, REGIS PRADO e BITENCOURT.

4. Tipo Objetivo: imputar, atribuir a alguém fato determinado – verdadeiro ou falso, quando ofensivo, desonroso à sua reputação, inclusive contravenção penal; Ex. Que Fulano deixou de pagar suas contas em dia. Que fulano traiu o marido com beltrano.

5. Tipo Subjetivo: dolo, dolo direto ou eventual.

Segundo REGIS PRADO, NUCCI e BITENCOURT, exige ainda o elemento subjetivo diverso do dolo, ou seja, o especial fim de agir: o ânimo de difamar, a finalidade de macular a reputação alheia.

6. Consumação e Tentativa: Consuma-se quando alguém que não o sujeito passivo toma conhecimento do fato ofensivo. A tentativa é admissível – embora de difícil configuração, quando o delito é cometido por escrito. REGIS PRADO, NUCCI e BITENCOURT.

7. Classificação: comum; de mera atividade, instantâneo e doloso.

8. Ação Penal: nos crimes contra a honra é privada. Salvo se praticado contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, ou funcionário público em razão das funções (art. 141, incisos I e II), hipóteses em que a ação penal é pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça ou à representação do ofendido, respectivamente.

Exceção da verdade

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Como regra, não admite a exceção da verdade, porque a falsidade da imputação não é elemento do tipo penal. Excepcionalmente se a vítima é funcionário público e a ofensa relativa ao exercício das funções no interesse da Administração Pública.

É de competência do Juizado Especial Criminal e cabe a suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei n. 9.099/95), ressalvada a hipótese de violência doméstica contra a mulher – art. 41, Lei 11.340/2006.

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

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1. Bem Jurídico: a honra subjetiva, a dignidade (amor próprio), o decoro (correção moral, compostura).

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa física. Crianças/adolescentes e portadores de enfermidades mentais poderão ser, desde que possam perceber, compreender o caráter ultrajante da injúria. Pessoa jurídica e mortos não (NUCCI).

4. Tipo Objetivo: injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Emissão de conceito depreciativo.

Dignidade são os valores morais que compõem a personalidade. Ex.: imoral, desonesto.

Decoro são as qualidades de ordem física e intelectual. Ex.: ignorante, aleijado.

Segundo REGIS PRADO, destingue-se a injúria da calúnia e da difamação porque não imputa um fato determinado – criminoso ou desonroso, mas atribuição de vícios ou defeitos morais, intelectuais ou físicos.

5. Tipo Subjetivo: dolo, dolo direto ou eventual. Também exige o elemento subjetivo diverso do dolo, ou seja, o especial fim de agir: a finalidade de menosprezar, o ânimo de injuriar.

6. Consumação e Tentativa: Consuma-se quando a vítima toma conhecimento, ainda que não se sinta realmente ofendido. A tentativa é admissível – embora de difícil configuração, quando o delito é cometido por escrito.

7. Classificação: comum; formal; comissivo, de mera atividade, instantâneo e doloso. De forma livre.

8. Ação Penal: nos crimes contra a honra é privada. Salvo se praticado contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, ou funcionário público em razão das funções (art. 141, incisos I e II), hipóteses em que a ação penal é pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça ou à representação do ofendido, respectivamente.

É também pública condicionada à representação na hipótese de injúria discriminatória (CP, artigo 145, parágrafo único).

Na injúria real:

a) lesão corporal grave: ação penal pública incondicionada;

b) lesão leve: ação penal pública condicionada à representação;

c) vias de fato: ação penal privada.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

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PERDÃO JUDICIAL – causa declaratória de extinção da punibilidade.

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

Justifica-se a ira quando diretamente provocada e digna de censura.

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Injúria real: é preciso o dolo de injuriar, caso contrário permanece apenas as vias de fato ou a lesão corporal. Não é qualquer agressão física ou lesão corporal, mas aquela aviltante.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Qualificadora que atua sobre a maior culpabilidade, juízo de reprovação social. Mas a pena é desproporcional se comparada com a do homicídio culposo (REGIS PRADO e NUCCI).

Disposições comuns

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

II - contra funcionário público, em razão de suas funções;

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

IV - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria.

Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

Semelhantes considerações à qualificadora do homicídio.

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Exclusão do crime (BITENCOURT), causas especiais de exclusão de crime: ou desaparece a tipicidade REGIS PRADO (falta de ânimo de ofender) ou exclui a antijuridicidade NUCCI (autorização da prática de uma conduta típica por interesse social relevante). Ainda, HUNGRIA: exclui a pena.

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

A CF/88 assegura, ao advogado, a inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (Art. 133), exceto a calúnia.

a) em juízo; b) relacionada com a causa.

Justifica-se pelo exercício da ampla defesa, mesmo quando da veemência dos debates.

REGIS PRADO é extensivo quanto ao conceito de parte. Já NUCCI, restritivo, ressalva que não abrange o MP quando atua como “custus legis” e não inclui a ofensa ao Magistrado – CONTRA BITENCOURT e FRAGOSO. Procurador, quando constituído, dativo ou ad hoc.

EM JUÍZO OU FORA DELE: Ressalte-se o teor do Art. 7º, parágrafo 2º, da Lei n. 8.906/94: “O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB...”. BITENCOURT.

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Resguardar a independência funcional do servidor público no exercício do dever legal. Para BITENCOURT o funcionário poderá ser levado a usar termos ou expressões ofensivas, mas necessárias ao fiel relato dos fatos ou argumentos. No exercício da função: “adequação do meio ao fim pretendido”.

Parágrafo único - Nos casos dos incisos I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

Retratação

Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

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Negar o fato não é retratar-se. Negar a intenção de ofender, tampouco. Desdizer-se, retirar o que foi dito. Ato unilateral que independe da aceitação do ofendido. Por política criminal extingue-se a punibilidade (CP, artigo 107, VI).

Segundo HUNGRIA e BITENCOURT é espécie de arrependimento eficaz (CP, artigo 13).

Ato pessoal que não se comunica aos demais querelados. Não se admite na injúria.

Anterior à sentença de primeiro grau, porque se posterior será atenuante (CP, artigo 65, III, b,).

Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Medida preliminar e facultativa que não interrompe ou suspende o prazo decadencial.

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste Código.

Ação Penal Privada é a regra. Será condicionada: a) praticada contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro (requisição do Ministro da Justiça); b) contra funcionário público, em razão de suas funções (representação do ofendido).

Será pública incondicionada quando, na injúria real, da violência resultar lesão corporal (grave – Lei n. 9.099/95).

Para REGIS PRADO os delitos contra a honra do funcionário público distinguem-se do delito de desacato (CP, art. 331). Nesta último, a ofensa é infligida na presença do funcionário público, e pode ou não relacionar-se com o exercício da função, desde que o atinja durante sua atuação.

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CAPÍTULO VI – DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

SEÇÃO I – DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

Constrangimento ilegal

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

A CF/88, no art. 5º, caput: direito à liberdade e no inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

1. Bem Jurídico: a liberdade individual de autodeterminação (física e psíquica).

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (crime comum). Se o agente for funcionário público poderá ser exercício arbitrário das próprias razões ou mesmo abuso de autoridade (art. 4º, letra “b”, da Lei n. 4898/65).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa física, independente da capacidade de autoexercício da liberdade física (paralítico, cego, etc.).

Se o constrangimento é para votar, artigo 301, da Lei n. 4737/65. Se contra criança ou adolescente, artigo 232 do ECA. Se o constrangimento ocorre para cobrar dívida de consumidor: artigo 71, da Lei n. 8.078/90. REGIS PRADO.

4. Tipo Objetivo: a conduta consiste em constranger forçar, obrigar, coagir alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Para tanto, utilizando-se dos meios previstos.

A violência física é entendida como a força física empregada para suplantar a resistência oposta pela vítima – imediata ou mediata. A ameaça é a violência moral, pela intimidação ou promessa de causar a alguém, futura ou imediatamente, mal relevante e grave (lesão, morte, prejuízo econômico, revelação de conduta desonrosa, etc.).

Outros meios capazes de reduzir a capacidade da vítima: drogas, bebida alcoólica, etc., desde que sem violência ou grave ameaça. Admite-se a prática pela omissão (p. ex. a enfermeira que deixa de ministrar dieta alimentar ou o cônjuge que não abre a porta da casa... REGIS PRADO).

Exige-se que a pretensão seja ilegítima, pois se acaso legítima, poderá tratar de exercício arbitrário das próprias razões (CP, artigo 345) ou violência arbitrária (CP, artigo 322).

Forma livre, inclusive por omissão.

5. Tipo Subjetivo: dolo, direto ou eventual (REGIS PRADO e BITENCOURT).

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NUCCI não vislumbra o elemento subjetivo do tipo diverso do dolo, especial fim de agir. Para BITENCOURT exige-se o especial fim de agir, o fim de constranger a vítima à ação ou omissão pretendida.

6. Consumação e Tentativa: para BITENCOURT a consumação se dá pela realização pela vítima, do comportamento visado pelo agente. Execução complexa. A tentativa é admissível.

7. Classificação: comum; material ou de resultado; de forma livre; impróprio (CP, artigo 13, par. 2º); instantâneo; de dano; unissubjetivo; progressivo; admite a tentativa.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

Aumento de pena

§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

Figuras majoradas: Cumulativamente e em dobro a pena privativa de liberdade e a multa.

Qual quer arma, própria ou imprópria, mas não de brinquedo (Revogação da Súmula 174 do STJ).

§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

Para BITENCOURT é concurso formal, todavia, com aplicação de pena do cúmulo material. REGIS PRADO: apenas as vias de fato (LCP, artigo 21) e a ameaça (CP, artigo 147) são absorvidos pelo delito de constrangimento ilegal.

§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

Para BITENCOURT são, em regra, exercício regular de direito e, excepcionalmente estado de necessidade. Exclui a própria tipicidade, antes mesmo da antijuridicidade.

II - a coação exercida para impedir suicídio.

Hipóteses de estado de necessidade.

É delito subsidiário e, se acaso figura como elementar de outro delito, como o roubo, a extorsão, estupro, não haverá concurso material, mas porque de menor gravidade, insere-se na composição do outro, como elemento objetivo do tipo ou circunstância agravante e, portanto, afasta-se a aplicação concomitante.

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É de competência do Juizado Especial Criminal e, em princípio, caberá a suspensão condicional do processo.

Ameaça

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

1. Bem Jurídico: a liberdade individual, a liberdade psíquica (autodeterminação (da vontade).

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum). Se o agente for funcionário público poderá caracterizar abuso de autoridade (art. 3º da Lei n. 4898/65).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa física, em condições de maturidade e sanidade para sentir-se ameaçada. Se a ameaça ocorre para cobrar dívida de consumidor: artigo 71, da Lei n. 8.078/90. REGIS PRADO.

4. Tipo Objetivo: a conduta típica consiste em ameaçar alguém de causar-lhe mal injusto e grave. É a violência moral, destinada a perturbar a liberdade psíquica e a tranquilidade da vítima. O mal prometido deve ser injusto. Sendo que a promessa de processo judicial, penhora de bens, demissão de funcionário relapso é exercício regular de direito. Realizada direta ou indiretamente à vítima, verbal, escrita, por gesto ou outro meio simbólico e idôneo para intimidar.

Se a ameaça figura como elementar de outro delito (constrangimento ilegal, roubo, extorsão, estupro) não há concurso formal/material, mas sim relação de primariedade/subsidiariedade tácita e, porquanto de menor gravidade, a ameaça é absorvida.

5. Tipo Subjetivo: dolo. É indispensável a seriedade da ameaça, reveladora do propósito de intimidar.

A ameaça realizada em momento de súbita cólera carece de seriedade e nela encontra-se ausente o propósito de intimidar. Da mesma forma, ameaça sob o estado de embriaguez do agente REGIS PRADO. NUCCI relativiza a cada caso.

Segundo NUCCI, é necessário que a vítima sinta-se ameaçada.

6. Consumação e Tentativa: Consuma-se quando a vítima toma conhecimento da ameaça, ainda que não se sinta ameaçada (delito de mera atividade). A tentativa é admissível, p. ex., na hipótese de realizar-se por escrito.

7. Classificação: comum; de mera atividade, doloso, instantâneo e subsidiário.

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8. Ação Penal: Pública condicionada à representação.

É de competência do Juizado Especial Criminal e, em princípio, caberá a suspensão condicional do processo.

Sequestro e cárcere privado

Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:

Pena - reclusão, de um a três anos.

1. Bem Jurídico: a liberdade individual, a liberdade, o direito de ir e vir e de ficar no local escolhido.

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum).

3. Sujeito Passivo: qualquer pessoa.

4. Tipo Objetivo: privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro (a vítima é detida em local aberto, mas que não pode sair: fazenda, ilha) ou cárcere privado (vítima confinada em recinto fechado). Pode ser praticado de forma livre: violência física, grave ameaça, entorpecentes. Para REGIS PRADO até por omissão.

O consentimento do ofendido exclui a ilicitude da conduta, mas é necessário que perdure por todo o tempo da privação da liberdade.

5. Tipo Subjetivo: dolo, direto ou eventual.

6. Consumação e Tentativa: REGIS PRADO: o delito se consuma quando a vítima é privada de sua liberdade de locomoção. É delito permanente, cujo momento consumativo se protrai no tempo. Admite-se a tentativa.

7. Classificação: delito comum; material ou de resultado; permanente, doloso, comissivo ou omissivo; admite a tentativa.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada.

§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.

IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

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V - se o crime é praticado com fins libidinosos.

§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

TÍTULO II – DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

O bem jurídico patrimônio é considerado direito humano fundamental e recebe tutela constitucional no artigo 5º, caput, da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à propriedade...”.

CAPÍTULO I – DO FURTO

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Conceito: furtar significa tornar-se senhor ou dono daquilo que, juridicamente, não lhe pertence (NUCCI).

1. Bem jurídico: a) para HUNGRIA, apenas a propriedade; b) para MAGALHÃES NORONHA, a posse e a propriedade; c) a posse, a propriedade e a detenção de coisa móvel (DELMANTO, REGIS PRADO, FRAGOSO, DAMÁSIO, BITTENCOURT).

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum), exceto o proprietário.

3. Sujeito Passivo: o proprietário, o possuidor ou o mero detentor.

4. Tipo Objetivo: consiste em subtrair (retirar, tirar às escondidas), para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

A expressão ‘subtração’ engloba: 1. tanto a hipótese em que o bem é retirado da vítima sem sua autorização. P. ex. cliente que pede para ver algo na loja e, ao pegar, sai correndo; 2. quanto aquela em que a coisa é entregue voluntariamente ao agente e este, sem permissão, a leva consigo. Ex.: caixa de supermercado, que tem a posse vigiada, se pegar dinheiro praticará furto.

Pergunta de concurso:

COMO ESSA 2ª MODALIDADE DE SUBTRAÇÃO DIFERE DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA? – porque nesta, como veremos, a posse é desvigiada. Isto porque, “a subtração consiste exatamente na retirada do bem da esfera de vigilância”.

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Coisa móvel: pode ser transportada de um local para outro, pois somente as ‘coisas móveis’, podem ser retiradas da esfera de vigilância da vítima.

Ainda que o Código Civil considere como imóvel alguns bens móveis, como aviões, embarcações (CC, 1.473, VI e VII – imobilizados para fins de hipoteca), poderão ser objeto de furto (levados de um local para o outro).

Os semoventes: ‘abigeato’ furto de gado.

Areia, terra (retirados sem autorização) e árvores (quando arrancadas).

Além de móvel, há necessidade de ser coisa alheia (elemento normativo do furto): “aquela que tem dono, possuidor ou detentor”:

���� não constituem objeto de furto a res nullius (COISA DE NINGUÉM, que nunca teve dono) nem a res derelicta (COISA ABANDONADA). O fato será atípico;

���� embora a COISA PERDIDA (res desperdicta) “tenha dono”, não pode ser objeto de furto porque faltará o requisito da subtração. (Apropriação de coisa achada (CP, 169, par. ún., II).

A coisa só é considerada PERDIDA quando está em “local público ou aberto ao público”. Logo, “coisa perdida dentro de casa, dentro do carro”, se achada e não restituída ao proprietário, caracterizará crime de furto.

���� COISA DE USO COMUM (res commune omnium: água dos mares, ar atmosférico, etc.) não pode ser objeto de furto, exceto: - se estiver destacada de seu meio natural e for explorada por alguém. Ex.: água da SANEPAR; - se houver o desvio ou represamento, em proveito próprio ou alheio, de águas correntes alheias � crime de usurpação (CP, 161, §1º, I);

���� ‘Coisa de uso comum’ (que não pode ser objeto de furto), entretanto, não pode ser confundida com o FURTO DE COISA COMUM (CP 156) – condomínio.

���� SER HUMANO não é coisa, logo, não pode ser objeto de furto: eventual subtração que sob ele recaia poderá caracterizar crime de outra espécie (rapto, subtração de incapaz, extorsão mediante sequestro, etc); •••• a subtração de cadáver ou parte dele tipifica o delito específico do art. 211 (destruição, subtração ou ocultação de cadáver), salvo se o cadáver pertencer a uma instituição e tiver finalidade específica. Ex.: faculdade de medicina, institutos de pesquisa.

• a subtração de órgão de pessoa viva ou de cadáver, para fins de transplante, caracteriza crime previsto na Lei nº 9.434/97 (art. 14).

���� COISAS DE VALOR AFETIVO: como fotografias de família, mexas de cabelo, dente de leite, etc.). Para NUCCI não há valor econômico. Contra: precedentes do STF. ROGÉRIO GRECO: aplicação do princípio da insignificância.

���� COISAS DE ÍNFIMO VALOR: - 5ª T. do STJ: como o resultado jurídico é irrelevante, o fato será atípico com base na teoria da imputação objetiva, já que esta prega que todo crime deve ter ‘resultado jurídico’; - 6ª T. do STJ: o ‘valor da coisa’ só pode ser considerado ‘ínfimo’ se a situação financeira da vítima assim demonstrar: critério subjetivo; - há, por fim, quem entenda que as coisas de ‘valor ínfimo’ só implicarão em

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fato típico quando houver, além do valor, houver a possibilidade de incidência das regras do furto privilegiado. Do contrário, o fato será atípico. Intervenção mínima e não insignificância. Tipicidade material e não formal. Critérios do STF: HC 84.412-0 SP, Rel. Min. Celso de Mello: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Intervenção mínima e maus antecedentes...concurso de agentes. Excludente de tipicidade.

PODE O FURTO SER PRATICADO POR OMISSÃO? – ROGÉRIO GRECO entende que sim, no caso do agente que goza do status de garantidor (CP 13, § 2º) e dolosamente permite a subtração.

5. Tipo Subjetivo: dolo e o elemento subjetivo do tipo diverso do dolo, ou o especial fim de agir de assenhoreamento da coisa subtraída. Fazê-la definitivamente sua ou de outrem, independentemente da intenção de lucro (REGIS PRADO, NUCCI).

6. Consumação e Tentativa: com a retirada da coisa móvel da esfera de proteção e disponibilidade da vítima. Posse tranquila da coisa furtada, mesmo que breve, invertendo-se o poder de disposição que antes era da vítima (REGIS PRADO, DELMANTO, NUCCI, BITENCOURT). Porque crime material de resultado.

Apenas tentativa se houver perseguição e em momento algum conseguir a livre disposição da coisa (NUCCI e DELMANTO).

7. Classificação: delito comum; doloso; de forma livre; comissivo; material, de dano ou de resultado; admite a tentativa.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada. Salvo hipótese do artigo 182 em que será pública condicionada à representação.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

a) o lugar precisa ser habitado, com pessoa repousando (BITENCOURT); b) durante o repouso noturno, todavia, não se exige a presença de morares (REGIS PRADO, NUCCI).

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

a) Primário é aquele que, por exclusão, não é reincidente. Ou seja, após ser condenado definitivamente pratica novo delito (5 anos desde o cumprimento da pena).

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b) NUCCI pequeno valor é aquele que não ultrapassa um salário mínimo.

NUCCI entende possível a aplicação concomitante dos parágrafos 1º e 2º.

NUCCI, BITENCOURT e STF entendem compatível o furto privilegiado com o qualificado (CONTRA REGIS PRADO).

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Hipótese de furto com crime permanente. - a TV a cabo e pulso telefônico estão sendo equiparados como furto de energia NUCCI, (BITENCOURT é contra, pois o sinal da TV não se extingue);

- ‘gato’ de energia, há quem diferencie o momento em que o mesmo é feito, isto é, para alguns se a alteração ocorresse no medidor o delito seria de estelionato (Magalhães Noronha).

Prevalece, porém, que seja realizado antes do medidor, seja realizado no próprio medidor, o caso será de furto (quiçá mediante fraude), pois “como no estelionato a entrega da coisa sempre é feita com a vontade viciada da vítima, no caso, o fornecimento da energia se dá não por força da vontade viciada, mas por força de um contrato” (Hungria e jurisprudência).

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

Pressupõe uma agressão que danifique um objeto, destruindo-o (destruição total) ou rompendo-o (destruição parcial). Neste dispositivo é imprescindível a prova pericial (CPP 171), muito embora a prova testemunhal possa supri-la (CPP 167). O obstáculo pode ser passivo (porta, janela, corrente, cadeado etc.) ou ativo (alarme, armadilha). A simples remoção do obstáculo não caracteriza a qualificadora, que exige o rompimento ou destruição. Daí porque, desligar o alarme não danifica o objeto, não fazendo incidir a qualificadora. O cão não é considerado obstáculo. O crime de dano fica absorvido pelo furto qualificado “quando é meio para a subtração, por ser uma qualificadora específica”. A qualificadora só será aplicada “quando o obstáculo atingido não for parte integrante do bem a ser subtraído”, isto é, “é necessário que a conduta atinja

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algum obstáculo que impeça a apreensão ou remoção do bem que o agente quer subtrair” (que o obstáculo tenha sido colocado para dificultar a subtração). Ex.: - arrombar o portão para furtar o carro � aplica-se a qualificadora; - quebrar o vidro do carro para subtrair o automóvel � furto simples;

- quebrar o vidro do carro para subtrair uma bolsa do interior ou (o que é mais divergente) o toca-fitas � furto qualificado. Há quem entenda, aqui, que o caso seria furto simples, por uma questão de equidade. De fato, “se o dano causado para levar o carro (bem de maior valor) é simples, não faria sentido punir mais gravemente para furtar bem de menor valor (toca-fitas)”;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

a) abuso de confiança: pressupõe prévia credibilidade. Empregado(a) de vários anos.

b) mediante fraude: manobra enganosa destinada a iludir, enganar alguém. Ex. Funcionário de empresa aérea que se oferece para cuidar da bagagem. NUCCI.

O furto mediante fraude distingue-se do estelionato, porque: - no Estelionato “a fraude é utilizada para convencer a vítima a entregar o bem ao agente”; no Furto, “a fraude serve para distrair a vítima para que o bem lhe seja subtraído” (bem retirado sem que a vítima perceba);

- no Furto, a fraude é qualificadora; no estelionato a fraude é elementar do tipo.

c) escalada: ingresso anormal. Valendo-se de escada, muro, grade, telhado, etc.

d) destreza: agilidade impar de movimentos: especial habilidade. Batedor de carteiras (não o trombadinha que, em verdade, é roubo).

III - com emprego de chave falsa; instrumento destinado a abrir fechaduras ou fazer funcionar aparelhos: “micha”. A chave verdadeira subtraída não configura.

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Para NUCCI, incide tanto na participação, quanto na coautoria.

- a aplicação da qualificadora dispensa a identificação de todos os indivíduos e é cabível ainda que um dos envolvidos seja adolescente. - reconhecida a existência do crime de quadrilha ou bando (CP 288), o juiz não poderá aplicar a qualificadora do furto mediante concurso de duas ou mais pessoas porque constituiria bis in idem (o STF, em algumas ocasiões, aceitou a dupla valoração, acatando, entretanto, a posição de Hungria referida abaixo).

EXIGE-SE QUE AS DUAS PESSOAS PRATIQUEM OS ATOS DE EXECUÇÃO DO FURTO? Para HUNGRIA e DELMANTO a qualificadora só será aplicada quando pelo menos duas pessoas executarem a subtração, pois o crime seria cometido com maior facilidade, dificultando a defesa da vítima.

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Para DAMÁSIO, FRAGOSO e jurisprudência majoritária a qualificadora existirá ainda que uma só pessoa tenha praticado os atos executórios, porque a lei exige o “concurso de duas ou mais pessoas”, não distinguindo co-autoria de participação, sendo que nessa o agente não pratica atos executórios. Ademais, demonstram que a lei, quando exige a execução por todos os envolvidos, se expressa nesse sentido, citando como exemplo o art. 146, §1º, do Código que impõe “para execução do crime” a reunião de mais de três pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Nova qualificadora: atuação das seguradoras. Dificulta sobremaneira a recuperação do bem.

Esqueceu-se da pena de multa.

Não pode ser cumulada com o furto noturno ou as qualificadoras do parágrafo 4º. (NUCCI).

Distrito Federal: embora não referido no tipo, deve-se interpretá-lo de acordo com o desejado pelo legislador, embora haja quem enxergue analogia vedada.

Para NUCCI, delito material ou de resultado: veículo automotor que efetivamente seja levado para outro Estado ou País.

Se o agente for detido antes de cruzar a divisa, haverá o crime de furto simples consumado e a qualificadora não será aplicada. É que não haveria como cogitar de tentativa de furto qualificado se o furto já se consumou. A tentativa dessa modalidade de furto qualificado será possível quando o agente tentar transpor a barreira da divisa e for detido (sem conseguir a posse tranquila do bem).

Furto de coisa comum

Art. 156 - Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Segundo NUCCI é tipo penal especial, pois prevê a subtração de coisa que não é completamente alheia.

Crime próprio, pois o sujeito ativo e passivo é qualificado: condômino, coproprietário, coerdeiro, sócio.

§ 1º - Somente se procede mediante representação.

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Ação penal pública condicionada a representação da vítima.

§ 2º - Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.

Excludente de ilicitude: Se a coisa comum for fungível, substituível como o dinheiro e o agente subtrai apenas parcela que não excede a sua cota parte.

CAPÍTULO II – DO ROUBO E DA EXTORSÃO

Roubo

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Enquanto o furto é a subtração pura e simples de coisa alheia móvel, para si ou para outrem (CP 155), o roubo é a subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, “mediante violência, grave ameaça ou qualquer outro recurso que reduza a possibilidade de resistência da vítima”.

1. Bem jurídico: a inviolabilidade do patrimônio (a posse, a propriedade e a detenção de coisa móvel), a liberdade individual e a integridade corporal (delito pluriofensivo).

2. Sujeito Ativo: qualquer pessoa (delito comum), exceto o proprietário (exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345).

3. Sujeito Passivo: em geral o proprietário, o possuidor ou o mero detentor, mas também terceiro, quando a violência recai sobre pessoa diversa.

4. Tipo Objetivo: consiste em subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de defesa.

•••• Violência (vis absoluta): É o emprego de qualquer desforço físico sobre a vítima a fim de possibilitar a subtração” (socos, pontapés, facada, disparo de arma de fogo, paulada, etc.), seja causando lesão corporal ou vias de fato. Contra a pessoa (dono do objeto ou terceiro) e não apenas contra a coisa.

TROMBADA? – segundo a jurisprudência: o empurrão for violento (reduz a impossibilidade de resistência da vítima) � roubo por violência; o empurrão leve (para distrair a vítima, incapaz de machucá-la) � furto (qualificado pela destreza).

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•••• Grave ameaça (vis relativa): - é a promessa de um mal grave e iminente que deixa a vítima atemorizada (exs: anúncio de morte, lesão, sequestro, de praticar atos sexuais contra a vítima do roubo, gritos de assalto, etc.). - o grito de assalto pegando a vítima de surpresa também é apto a gerar a grave ameaça, atemorizada � ‘critério subjetivo’: vítima no caso concreto. - não por outra razão que a simulação de arma e o uso de arma de brinquedo constituem grave ameaça.

•••• Qualquer outro meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima: - trata-se de elementar que autoriza uma interpretação analógica, viabilizando o roubo em várias situações não abrangidas pelas expressões ‘violência’ e ‘grave ameaça’.

- é a chamada violência imprópria, que pode ser revelada, por exemplo, pelo uso de sonífero, de hipnose, de substância que embriague à vítima etc.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

A pena para ambos é de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

O caput do artigo 157 trata do roubo próprio, e o seu §1º descreve o que a doutrina chama roubo impróprio. A DIFERENÇA reside no “instante em que a violência ou a grave ameaça contra a pessoa são empregadas”: • quando o agente pratica a violência ou grave ameaça, antes ou durante a subtração, responde por roubo próprio;

• quando pratica esses recursos depois da subtração, para assegurar a impunidade do crime ou a detenção do objeto material, responde por roubo impróprio.

5. Tipo Subjetivo: dolo e o elemento subjetivo do tipo diverso do dolo, ou o especial fim de agir de assenhoreamento da coisa subtraída. Fazê-la definitivamente sua ou de outrem, independentemente da intenção de lucro (REGIS PRADO, NUCCI).

No roubo impróprio, o especial fim de agir é assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

P. EXIGE-SE O ÂNIMO DE ASSENHORAMENTO DEFINITIVO DA COISA? – sim, mas ainda que este não esteja presente não há se falar em roubo de uso. Isto porque, enquanto no furto só há um bem jurídico protegido (patrimônio), no roubo além deste (patrimônio) também é protegido outro bem jurídico (integridade física / liberdade individual).

Pela mesma razão não há roubo de pequeno valor ou mesmo a incidência do princípio da insignificância. 6. Consumação e Tentativa:

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O roubo próprio consuma-se com a retirada da coisa móvel da esfera de proteção e disponibilidade da vítima. Posse tranquila da coisa, mesmo que breve, podendo dela dispor (REGIS PRADO, DELMANTO, NUCCI, BITENCOURT). Porque crime material ou de resultado, admite a tentativa.

No roubo impróprio: consuma-se com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, logo após a subtração da coisa.

REGIS PRADO sustenta haver duas posições: a) o crime não comporta a tentativa, porque a tentativa de violência ou grave ameaça é irrelevante: ou ocorre e o roubo está consumado, ou haverá apenas furto; b) há tentativa se o autor é impedido no momento em que emprega a violência ou grave ameaça, mas sem êxito.

Se a subtração é apenas tentada, e existindo violência ou grave ameaça na fuga, instaura-se o concurso material entre o furto tentado e o delito contra a pessoa (ameaça, lesão corporal, etc.). 7. Classificação: delito comum; complexo (furto + extorsão); comissivo; material, de dano ou de resultado; doloso; instantâneo; admite a tentativa.

8. Ação Penal: Pública Incondicionada. Salvo hipótese do artigo 182 em que será pública condicionada à representação.

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:

Em realidade são causas de aumento (e não qualificadoras).

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

•••• Arma é “qualquer instrumento que tenha poder vulnerante”. Como se vê, esta arma pode ser própria ou imprópria: ���� arma própria é a criada especificamente para ataque e defesa, tal como o

revólver, punhal, arco e flecha por exemplo; ���� arma imprópria é qualquer objeto que possa matar, ferir ou ameaçar, mas

que não possui esta finalidade específica, como a faca, a navalha, a foice, a tesoura, o espeto, a pedra, o guarda-chuva etc.

•••• BITTENCOURT/LUIZ FLÁVIO: “é necessário o emprego efetivo de arma (“violência ‘exercida’ com ‘emprego’”), sendo insuficiente o mero portar”. REGIS PRADO, entretanto, aceita que o mero porte já seria o suficiente. Atenção: o porte ostensivo gera grave ameaça � roubo simples.

•••• Arma de fogo descarregada, arma defeituosa ou simulacro de arma:

CAPEZ (MINORITÁRIO – CRITÉRIO SUBJETIVO): o fundamento dessa causa de aumento é “o poder intimidador que a arma exerce sobre a vítima”.

POSIÇÃO MAJORITÁRIA (CRITÉRIO OBJETIVO): o fundamento dessa causa de aumento é “o perigo real que representa à incolumidade física da vítima o

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emprego de arma. Logo, a arma deve ter idoneidade ofensiva, isto é, capacidade de colocar em risco a integridade física da vítima”. Com efeito, se a arma é de brinquedo, não é arma. Cancelada a Súmula nº 174.

•••• SEMPRE QUE A ARMA FOR DEFEITUOSA SE FALARÁ SÓ EM ROUBO SIMPLES? – não, pois se deve saber (por perícia) se o defeito retirou a potencialidade lesiva da arma (ex: perícia constata que a arma era relativamente capaz para efetuar disparos � roubo majorado – é a posição de NUCCI, que por força disto entende que também a arma desmuniciada seria suficiente para gerar a agravante, já que poderia a qualquer tempo ser carregada).

•••• Utilizar arma de brinquedo ainda é crime autônomo? – não, na época da Lei nº 9.437/97 sim, conforme (art. 10, § 1º, II). Com a Lei nº 10.826/03, não há mais crime, há mera vedação da fabricação, venda, comercialização ou importação de “brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo (art. 26). Não há sanção para o descumprimento.

•••• Apreensão da arma: não há necessidade para a incidência da agravante, podendo restar provada por outras formas;

•••• Cumulação de roubo agravado pelo uso de arma e crime de quadrilha armada: STF é possível já que os bens jurídicos protegidos são distintos.

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

Prevalece que não é necessário a presença do co-autor ou do partícipe para incidir a agravante.

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

•••• aplicável apenas se a vítima está trabalhando (“em serviço”) com o transporte de valores (exemplo: assalto de office-boy, de carro-forte etc.),

•••• exige-se, ainda, que o agente conheça a circunstância do transporte de valor (dolo direto), não se admitindo dolo eventual. Neste sentido, é expressa a redação da agravante (“que o agente conheça”. Ex.: roubo de mala jóias/roupas.

•••• valores: para Luiz Flávio Gomes, não se deve limitar ao transporte de valores bancários, pois o vendedor que entrega uma mercadoria (remédio, cerveja, roupa, etc), recebe um numerário e deva levá-lo de volta à base.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;

Distrito Federal: vontade da lei X analogia vedada.

Para NUCCI, delito material ou de resultado: veículo automotor que efetivamente seja levado para outro Estado ou País.

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Se o agente for detido antes de cruzar a divisa, haverá o crime de roubo simples consumado e a qualificadora não será aplicada. Não haveria como sustentar tentativa de roubo majorada se o roubo já se consumou. A tentativa será possível quando o agente tentar transpor a barreira da divisa e for detido (sem conseguir a posse tranquila do bem).

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

•••• aplica-se às hipóteses em que a vítima é mantida pelo assaltante: a) ou por pouco tempo para assegurar a fuga � se o período for longo e

desnecessário à fuga, haverá concurso material de roubo simples e sequestro (CP 157 c/c 148). A FINALIDADE é: ‘dificultar a operação policial’;

b) ou por tempo suficiente para a consumação do roubo. A FINALIDADE é:

‘facilitar a execução do crime’.

•••• Cuidado: agente entra no carro da vítima para roubá-lo e mantém a vitima consigo só por alguns quarteirões � não incide a agravante.

•••• essa majorante não se aplica nos casos em que ocorre o chamado sequestro-relâmpago, embora tenha sido esta a intenção da lei. Isto porque, o sequestro-relâmpago configura, na verdade, extorsão (e não roubo), pois

���� o comportamento da vítima, ao fornecer a senha do cartão magnético, é imprescindível para o sucesso do crime (obtenção do resultado)”.

���� no sequestro-relâmpago, não se trata de subtração e por isso não se pode falar em roubo.

���� enquanto no roubo a FINALIDADE DA PRIVAÇÃO será: dificultar a operação policial ou facilitar a execução do crime; na extorsão a FINALIDADE DA PRIVAÇÃO será obter a própria vantagem indevida.

Em resumo: embora Hungria entenda de forma diversa, prevalece que o roubo se diferencia da extorsão nos seguintes pontos:

a) na extorsão ‘a vítima deve ter alguma possibilidade de escolha’ e ‘sua conduta é imprescindível para que o agente obtenha a vantagem visada’ (ex: arma na cabeça exigindo senha); no roubo ‘a conduta da vítima é prescindível para que o agente obtenha a vantagem visada’ (ex: arma na cabeça exigindo bolsa);

b) na extorsão ‘o mal prometido e vantagem visada são futuros’, ao passo que no roubo ‘a vantagem é concomitante ao emprego da violência ou grave ameaça’. COMO FICARÁ A REPRESSÃO DO CRIME DE SEQÜESTRO, JÁ QUE O ART. 158 NÃO O PREVÊ

COMO CAUSA DE AUMENTO DE PENA? - se o sequestro: - for praticado como meio executório do crime de extorsão ou - for praticado como escudo para a fuga da extorsão, restará absorvido. Se praticado depois da extorsão, sem que a restrição da liberdade da vítima seja necessária para a consumação do crime, haverá concurso material.

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As causas de aumento da pena incidem apenas sobre o roubo simples (próprio ou impróprio), isto é, não se aplicam ao roubo qualificado pelo resultado lesão grave ou morte (§ 3º);

Se o juiz reconhecer a existência de 02 ou mais causas de aumento da pena poderá aplicar somente 01, de acordo com o parágrafo único do artigo 68 do CP. As demais hão de interferir como circunstâncias judiciais negativas.

§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

•••• Há 02 formas (roubo qualificado), aplicáveis ao roubo próprio/impróprio. a) 1ª parte do dispositivo: “se da violência resulta lesão corporal de natureza grave (gravíssima – pelo CP são sinônimas), a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa”. Se a lesão é leve, é absorvida. As causas de aumento da pena do § 2º não se aplicam às qualificadoras. b) parte final: “se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa” � latrocínio: a 2ª parte é crime hediondo Lei n. 8.072/90.

•••• Em regra, o crime qualificado pelo resultado é PRETERDOLOSO (há dolo no antecedente e culpa no consequente). No caso do § 3º, entretanto, o resultado agravador pode decorrer de ‘culpa’ ou ‘dolo’, pois o agente pode, além de desejar a subtração, querer provocar lesão grave ou a morte da vítima.

•••• a morte ou lesão corporal grave, resultado da violência, pode ser de qualquer pessoa (exemplo: segurança da vítima).

•••• existindo mais de um autor, prevalece o entendimento de que todos respondem pelo delito qualificado.

•••• O roubo será qualificado se a morte ou a lesão grave resultarem da “VIOLÊNCIA”; o tipo não menciona a ‘grave ameaça’ � haveria concurso formal de roubo simples e homicídio culposo (ex.: a vítima, ao ver a arma, sofre ataque cardíaco e morre). Há julgados entendendo que bastaria nexo objetivo para reconhecer o latrocínio (ex: vítima sai correndo e morre atropelada).

Não é, porém, qualquer violência praticada que causar a morte ou a lesão corporal grave que vão gerar o roubo qualificado. Não, exige-se que a violência deve ser empregada (1)no mesmo contexto fático e (2)com o fim de: - se apoderar da res; ou - assegurar a posse da coisa; ou - garantir a impunidade do crime. Ex: agente após subtrair a coisa mata a vítima por vingança � roubo em concurso com o homicídio. Daí se falar que “a violência, no roubo qualificado, deve ser empregada”: ���� em razão do roubo (nexo causal: p/ subtrair, p/ assegurar a posse, p/ assegurar a impunidade) E ���� durante o cometimento do roubo (no mesmo contexto fático). Caso contrário: roubo em concurso material com homicídio ou lesão corporal

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•••• Se a intenção inicial era apenas a morte da vítima e após esta subtrai dinheiro do cadáver � Luiz Flávio: há homicídio em concurso com furto.

•••• Se houver pluralidade de vítimas mas nem todas morrerem: sendo tipo complexo, a mera pluralidade de vitimas não gera pluralidade de latrocínios. Número de vítimas (feridas ou ameaçadas na subtração) servirá fixação pena.

Consumação e Tentativa (crime complexo): • subtração consumada + morte consumada � latrocínio consumado. • subtração tentada + morte tentada � latrocínio tentado. • subtração consumada + morte tentada � latrocínio tentado • subtração tentada + morte consumada � latrocínio consumado STF Súmula 610: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”. ROGÉRIO GRECO e FREDERICO MARQUES sustentam haver latrocínio tentado, porque no crime complexo é preciso que se verifiquem todos os elementos que integram o tipo.

Extorsão

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.

§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.

§ 3o Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.

Extorsão mediante sequestro

Art. 159 - Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:

Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

§ 1o Se o sequestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o sequestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha.

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Pena - reclusão, de doze a vinte anos.

§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.

§ 3º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.

§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

CAPÍTULO VI – DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES

Estelionato

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O estelionato pode ser praticado através de diversas modalidades do artigo 171. O certo é que o estelionato se caracteriza pelo emprego de fraude, pois “o agente vale-se de uma artimanha (astúcia, esperteza, engodo, mentira) para induzir ou manter a vítima em erro, convencendo-a a entregar seus pertences”. Isto é, mantém a vítima com uma falsa percepção da realidade. 1. Elementares do tipo 1) que o agente, inicialmente, empregue ‘artifício’, ‘ardil’ ou ‘qualquer outra

fraude’ (objetivo): • artifício: é a utilização de algum aparato material para enganar (cheque

falso, bilhete premiado, disfarce, efeitos especiais etc.) � aspecto material. No dizer de NUCCI: “artifício é a astúcia, esperteza, manobra que implica em engenhosidade”.

• ardil: é a conversa enganosa � aspecto intelectual (manha, sutileza ou, no dizer de Hungria, ‘reticência maliciosa’, como se dá no caso do colecionador que mantém a vítima em erro em relação ao real valor da antiguidade).

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• qualquer outro meio fraudulento: como o silêncio usado para manter a vítima em erro (estelionato por omissão). Aqui, exigiu o legislador uma interpretação analógica.

2) que o emprego da fraude (artifício, ardil), pelo agente vise (sub): • ou induzir a vítima em erro: neste caso, é o agente quem faz a vítima ter

uma percepção errônea da realidade; • ou manter a vítima em erro: neste caso, a vítima espontaneamente se

equivoca em relação a uma determinada situação e o agente, percebendo tal erro, a mantém nesse estado (ex: entregador que erra o endereço da entrega.

Pergunta-se: QUAL A DIFERENÇA ENTRE ESTE ESTELIONATO E O CRIME DE

APROPRIAÇÃO DE COISA HAVIDA POR ERRO? – em ambos a vítima espontaneamente incide em erro e em ambos é ela quem entrega a coisa para o agente.

Porém, diferenciam-se na medida em que, no estelionato, o agente percebe o erro da vítima antes de receber a coisa; no crime do art. 169, o agente só percebe o erro da vítima depois da entrega da coisa, e resolve permanecer com ela.

3) tudo para que o agente possa obter uma vantagem ilícita e, consequentemente, causar um prejuízo alheio (resultado):

• vantagem de natureza econômica? Parte da doutrina até chega a alegar que esta seria a corrente majoritária, afirmando que, por ser crime contra o patrimônio, necessariamente a vantagem a ser obtida deveria ter natureza econômica (CAPEZ e GRECO). BITENCOURT e a maior parte da doutrina, entretanto, discordam de tal entendimento, afirmando que qualquer vantagem ilícita pode caracterizar o delito, já que, no art. 171, o legislador não especificou a natureza da vantagem, como o fez no crime de extorsão.

• vantagem ilícita: pois, do contrário, ter-se-á exercício arbitrário das próprias razões;

• binômio de consumação do estelionato: vantagem ilícita/prejuízo alheio. 2. Sujeito Ativo O sujeito ativo é qualquer pessoa. Admite-se o concurso de pessoas (ex: quando um emprega a fraude e o outro obtém a indevida vantagem patrimonial: ambos serão co-autores). 3. Sujeito Passivo O sujeito passivo é qualquer pessoa, podendo ser tanto quem sofre o prejuízo (ex: ente público), quanto quem é ludibriado pela fraude (na maioria das vezes é a mesma pessoa).

Fundamental, entretanto, que a vítima seja:

• pessoa determinada � se as vítimas forem indeterminadas, pode ser falar em:

� crime contra a economia popular: adulteração de balança, de bomba de gasolina, pirâmide, etc.: “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou

� processos fraudulentos (‘pirâmides’, ‘cadeias’, , e quaisquer outros meios (cambistas, “vídeo poker”) - Lei 1.521/51, art. 2º, IX)”;

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� contravenção penal de mendicância por meio fraudulento: ex: agente que pede dinheiro para instituição que não existe (LCP, art. 60, parágrafo único, alínea ‘a’).

• pessoa capaz � se a vítima é pessoa menor de 18 anos ou alienada mental e o agente se aproveita desta circunstância para induzi-la a praticar ato suscetível de provocar-lhe prejuízo, incidirá o crime de abuso de incapazes (CP, 173). 4. Consumação e Tentativa O crime é material, pois “se consuma com a efetiva obtenção da vantagem ilícita” e não no momento do emprego da fraude.

Diante dos requisitos exigidos para a configuração do tipo, afirma a doutrina que o estelionato é crime de duplo resultado: pois sua caracterização gera: � a obtenção da vantagem ilícita e � a ocorrência de um prejuízo para a vítima.

5. Perguntas

QUEM BANCA JOGO DE AZAR COMETE ESTELIONATO? – não, haverá a incidência da contravenção penal do art. 50 da LCP. Quanto o jogo de azar, porém, “empregar fraude com o fim de excluir a possibilidade de ganho”, haverá estelionato. Há entendimento de que seria crime contra a economia popular (pessoas indeterminadas).

QUAL O CRIME NO CASO DE FALSA PROMESSA DE CURA? – depende, se o agente recebe remuneração em troca de cura impossível, há estelionato; ficando absorvido o curandeirismo (CP 284). Ademais, entende-se que no delito do artigo 284 o agente crê na cura, isto é, acredita que o que prega efetivamente gerará a cura da vítima; no estelionato, diferentemente, desde o início o agente sabe que a cura prometida é falsa.

QUAL O CRIME NO CASO DE COLA ELETRÔNICA PARA FRAUDAR CONCURSO? – no julgamento do IP 1.145 do STF, o Pleno reconheceu que a conduta é atípica, “por ausência de vítima certa e prejuízo determinado”.

Há corrente contrária, no próprio STF: concurso entre estelionato e falsidade, já que: � a vantagem ilícita seria a obtenção de vaga na instituição de ensino, por meio fraudulento; � o prejuízo alheio seria o ônus suportado pela instituição de ensino e pelos próprios candidatos injustamente excluídos das vagas, induzidos em erro quanto à lisura do certame.

QUE CRIME COMETE QUEM FALSIFICA DOCUMENTOS PARA COMETER ESTELIONATO? – há divergência: � para o STJ haveria concurso material entre falsificação de documento e estelionato, pois (1)eles atingem bens jurídicos diversos, vítimas diversas e não há unidade de conduta. Ressalva a Súmula 17 do STJ: “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

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Assim, o agente que falsificar um RG e o usar com o cheque da vítima não terá exaurido a potencialidade lesiva do falso (pois após entregar o cheque, ele continuará com o RG da vítima que poderá lhe servir para outros crimes); � para o STF há concurso formal: embora tecnicamente se trata de concurso material, por razões de política criminal, há de se aplicar a pena segundo as regras do concurso formal. Ademais, haveria “uma conduta dividida em dois atos, produzindo pluralidade de resultados”; � para uma 3ª corrente o falso absorve o estelionato porque tem pena mais grave (reclusão de 2 a 6 anos e multa – princípio da absorção).

QUE SE ENTENDE POR FRAUDE BILATERAL? – há fraude bilateral “quando a vítima também age de má-fé”, isto é, há dolo bilateral (ex: a vítima compra uma máquina de fazer dinheiro que não passa de um truque; o agente que se diz assassino profissional e não concretiza o homicídio).

NO CASO DE FRAUDE BILATERAL EXISTE ESTELIONATO POR PARTE DE QUEM FICOU COM O

LUCRO? – a doutrina se divide:

a) para HUNGRIA e GRECO não há crime, pois: � a lei não pode amparar a má-fé da vítima; e � se no cível a vítima não pode pedir a reparação do dano (obrigações

naturais, CC 883), então também não haveria ilícito penal. b) para MAGALHÃES NORONHA e a maioria da jurisprudência existe estelionato, pois:

� a lei não pode ignorar a má-fé do agente, através da qual obteve uma vantagem ilegal;

� não é elementar do tipo exigir-se ‘boa-fé da vítima’ (LUIZ FLÁVIO GOMES);

� o Direito Penal visa tutelar o interesse de toda a coletividade, não apenas o interesse particular da vítima.

COMO DIFERENCIAR O ESTELIONATO DO FURTO MEDIANTE FRAUDE? – na subtração também são utilizados “artifícios para enganar alguém e possibilitar a execução do furto” (ex: uso de disfarces, falsificações). Ocorre que no estelionato “a fraude é utilizada para convencer a vítima a entregar o bem ao agente”; no furto, “a fraude serve para distrair a vítima para que o bem lhe seja subtraído” (o bem retirado sem que a vítima perceba).

Observe-se, assim, as seguintes situações: � pessoa que se apresenta como manobrista num restaurante e leva o carro: estelionato; � pessoa que se diz dona de um carro localizado no estacionamento e o leva embora: estelionato; � pessoa que se diz eletricista entra numa casa e leva objetos embora: furto mediante fraude;

Estelionato privilegiado ou estelionato mínimo

§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.

Trata-se de direito subjetivo do réu quando presentes os seguintes requisitos:

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���� que o agente seja primário; e ���� que haja pequeno valor do prejuízo: isto é, não deve superar um salário mínimo.

As consequências serão as mesmas do furto privilegiado, nos termos do previsto no artigo 155, § 2º. Ademais, tal regra se aplica às figuras do caput e do § 2º (já que não são qualificadoras).

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria

I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

� momento consumativo: com o recebimento da vantagem, isto é, não é necessária a tradição ou inscrição no registro do objeto da venda.

� o silêncio do agente a respeito da propriedade da coisa é imprescindível. A ciência do adquirente exclui o delito.

� é admissível a tentativa. � tem-se entendido que, se o agente está na posse ou na detenção do objeto

material e o aliena, responde somente por apropriação indébita.

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

� o silêncio do agente constitui a fraude. � a inalienabilidade pode ser legal ou convencional (doador ou testador). � a simples promessa de venda não configura o delito. O delito consuma-se com

a obtenção da vantagem. � a tentativa é admissível.

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

� trata-se da espécie de penhor em que, pelo efeito da clausula constituti, a

coisa móvel empenhada continua em poder do devedor. � o sujeito ativo é somente o devedor do contrato de penhor. � se tiver o consentimento do credor não comete crime.

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� a defraudação de penhor consiste em defraudar o objeto material que constitui a garantia pignoratícia. Trata-se de crime material, exigindo-se a efetiva defraudação da garantia pignoratícia. consuma-se com a alienação, a ocultação, o desvio, a substituição, o consumo, o abandono etc. da coisa dada em garantia.

Fraude na entrega de coisa

IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;

� o sujeito ativo é aquele que tem a obrigação de entregar a coisa a alguém.

� a ação incide sobre a qualidade, quantidade ou substância.

� consuma-se com a tradição do objeto material. Admite-se a tentativa.

� se a conduta recair sobre produtos alimentícios ou medicinais haverá tipos

próprios (CP 272 e 273, respectivamente).

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

� pressuposto do crime é a existência de contrato de seguro válido e vigente. � o sujeito ativo é o segurado; o sujeito passivo, o segurador. � nada impede que terceiro intervenha no comportamento típico, respondendo também pelo crime. Na hipótese de lesão causada no segurado, o terceiro responde por dois crimes: estelionato e lesão corporal. � nessa modalidade, é crime formal, pois basta que se realize a conduta, independentemente da obtenção da vantagem indevida. Não é necessário que o autor do fato seja o beneficiário do contrato de seguro, podendo ocorrer que terceiro venha a receber o valor da indenização. � admite-se a tentativa.

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

� Emitir cheque sem fundos é “preencher, assinar e colocar em circulação”, (é entregar a alguém), sem possuir a quantia correspondente. � Frustrar o pagamento do cheque é o (2º núcleo do crime) caracteriza-se pela “existência de fundos no momento da emissão e o posterior impedimento do recebimento do valor” (ex: sustação de cheque, etc.).

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Consumação Muito embora persista alguma divergência, prevalece majoritariamente que se trata de crime material, a consumação se dará no momento em que ocorrer o prejuízo � “no instante em que o banco sacado recusa o pagamento.

Importância para as regras de competência:

� “O foro competente para o processo e o julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado” (STF 521). CPP 70, caput.

Tentativa

A tentativa existe nas 02 modalidades: � o agente age de má-fé emitindo um cheque sem fundos e alguém deposita o valor antes da apresentação da cártula, sem que o agente tenha pedido; � após emitir um cheque, o agente envia uma carta/email para o banco sustando o título, mas esta se extravia e o cheque é compensado. Observação

Em ambas as modalidades, o crime sempre será doloso, não se admitindo a modalidade culposa � para configurar o crime, o agente deve ter consciência da falta de provisão de fundos quando da emissão do cheque ou quando realizar a conduta tendente a frustrar o pagamento.

PODE SER PRATICADO POR ENDOSSANTE? – há duas posições: • DELMANTO, entre outros, entende que o endossante não pode ser agente do crime, pois a lei usa o verbo ‘emitir’, que não deve ser ampliado para compreender ações diversas, como a de transferir o título ou avalizá-lo. Ademais, o endossante jamais poderia praticar a 2ª conduta: frustrar; • HUNGRIA e NORONHA, entretanto, entendem que o endossante pode ser agente: o endosso equivaleria a ‘nova emissão’. Interpretação extensiva.

Daí estabelecer a própria Súmula 246 do STF que: “Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheques sem fundos”. A partir disto, podem ser retiradas as seguintes conclusões:

• exige-se que “a emissão do cheque sem fundos tenha sido a fraude empregada pelo agente para induzir a vítima em erro e convencê-la a entregar o objeto”.

� não haverá crime quando o agente, por desorganização, imaginar que possui a quantia no banco para cobrir o pagamento;

� não haverá crime quando o agente, por descuido, esquecer de cobrir a conta após a emissão do cheque;

� não haverá crime, ainda, quando o cheque for descontado fora do prazo para a apresentação, nos termos da Lei do Cheque;

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• exige-se, por fim, que “o cheque tenha sido emitido como ordem de pagamento à vista”; logo, qualquer atitude que desconfigurar essa natureza afastará o delito; logo:

� não haverá o crime quando se tratar de cheque pré-datado (pós-datado). Neste caso, na verdade, o cheque não passará de mera garantia de crédito;

� não haverá crime se o cheque for dado como garantia de uma dívida.

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Trata-se de causa de aumento que incidirá sobre todas as modalidades de estelionato. Aumenta-se a pena em 1/3: - se o estelionato é praticado contra entidade de direito público. Súmula 24 do STJ que: “aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3º do artigo 171 do CP”;

- se o estelionato é praticado contra entidade assistencial, beneficente ou contra instituto de economia popular: o prejuízo não atinge apenas as entidades referidas, mas todos os seus beneficiários.

Duplicata simulada

Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas.

Abuso de incapazes

Art. 173 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

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CAPÍTULO VII – DA RECEPTAÇÃO

Receptação

Trata-se de crime acessório (parasitário, sucedâneo, consequencial), cuja existência “pressupõe a prática de um crime antecedente (crime pressuposto)”. Quanto a este crime antecedente, convém destacar desde logo:

���� não precisa estar no título dos crimes contra o patrimônio, mas é necessário que cause prejuízo a alguém (ex.: coisa produto de peculato; crânio produto de subtração de cadáver); ���� o art. 180, §4º, traz uma norma penal explicativa, pois dispõe sobre a autonomia da receptação, explicitando que: • a receptação será punível ainda que desconhecido o autor do crime antecedente; e • a receptação será punível ainda que isento de pena o autor do crime antecedente. As causas de isenção de pena poderão estar relacionadas: � às excludentes de culpabilidade (ex.: inimputabilidade – adquire objeto furtado por menor, por alienado mental, etc.); � às escusas absolutórias (CP 181). • a receptação será punível ainda que extinta a punibilidade do crime anterior. Neste sentido, é expresso o artigo 108 ao estabelecer que “a extinção da punibilidade do crime anterior não atinge o delito que dele dependa”, salvo nos casos de abolitio criminis e anistia (ex.: crime anterior de ação penal privada em que ocorreu a decadência e a consequente extinção da punibilidade); • atente-se, porém, que embora haja a autonomia da receptação ao crime anterior, ao menos incidentalmente o crime anterior deverá restar provado para que seja possível a condenação pela receptação. Isto não significa que somente a sentença condenatória do crime anterior possa fazer esta prova, pois são admitidos outros meios de prova como suficientes (v.g., já se reconheceu com mero boletim de ocorrência). Em resumo: embora não seja preciso sequer apontar o autor do delito anterior, a prova da sua existência deverá, no dizer de Greco, ser absoluta. Logo, na dúvida sobre a origem da coisa, esta deverá ser solucionada em benefício do agente a quem se imputa a receptação.

Daí a pergunta: SE O JUIZ ABSOLVER O AUTOR DO CRIME ANTECEDENTE, PODERÁ

CONDENAR O RECEPTADOR? – depende do motivo que levar à absolvição do crime antecedente, a saber: a) será possível a condenação, se a absolvição anterior for por: • estar provado que o réu não concorreu para a infração (pois o delito pode ter sido praticado por outra pessoa – CPP 386, IV); • não existir prova de que o réu concorreu para o crime (pois, igualmente, o delito pode ter sido praticado por outra pessoa – CPP 386, V); • existir circunstância que o isente de pena (excludente de culpabilidade ou escusa absolutória – CPP 386, VI e CP 180, § 4º); • não existir prova suficiente para a condenação – CPP 386, VII (pois, conforme ressaltamos, basta que o crime anterior esteja “incidentalmente constatado”); b) não poderá ser condenado, se a absolvição anterior foi por: • estar provada a inexistência do fato – CPP 386, I;

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• não estar provada a existência do fato – CPP 386, II (é que a receptação pressupõe prova, ainda que incidental, da existência do fato, e não dúvida); • não constituir o fato infração penal – CPP 386, III (ora, sendo o crime anterior atípico, faltará uma elementar da receptação); • existir circunstância que o exclua o crime (excludentes de ilicitude – CPP 386, VI, pois igualmente não poderá se falar em ‘crime anterior’, mas tão só em ‘fato típico’ # CP 180, § 4º).

Pergunta:

���� EXISTE RECEPTAÇÃO DE RECEPTAÇÃO (RECEPTAÇÃO EM CADEIA)? – sim. De acordo com HUNGRIA e ROGÉRIO GRECO, “respondem pelo crime todos aqueles que, nas sucessivas negociações envolvendo o objeto, tenham ciência da origem espúria do bem”. E SE HOUVER UMA QUEBRA NA SEQUÊNCIA? – malgrado segundo os mesmos autores haveria receptação ainda que tenha ocorrido uma quebra na sequência (ex.: o receptador A vende o objeto para B, que não sabe da origem ilícita e, por sua vez, vende-o a C, que tem ciência da origem � A e C respondem pela receptação), prevalece na jurisprudência que neste caso o coisa receptada terá perdido seu caráter delituoso: “se no encadeamento das aquisições ou dos recebimentos alguém assume a figura de possuidor de boa-fé, não se poderá mais cogitar de receptação por parte de quem a tenha adquirido desse possuidor” (Paulo José da Costa Jr.).

���� UM BEM IMÓVEL PODE SER OBJETO MATERIAL DO DELITO DE RECEPTAÇÃO? – há divergência: •••• FRAGOSO entendem que não há restrição, já que a lei se refere somente ao termo ‘coisa’, podendo portanto ser objeto de receptação tanto o ‘imóvel’ quanto o ‘móvel’; •••• HUNGRIA e a doutrina majoritária (além do STF), entretanto, entendem que não, pois a receptação pressupõe um deslocamento da res do poder de quem legitimamente a detém para o receptador, de modo a tornar mais difícil a sua recuperação por quem de direito (receptação � é dar receptáculo, abrigo, esconderijo, o que é próprio de coisa móvel). 1. Sujeitos Ativo e Passivo

Sujeito ativo pode ser praticado por qualquer pessoa, “desde que não seja o autor, co-autor ou partícipe do delito antecedente” (ex.: quem faz encomenda; agente que adquire a quota que corresponderia aos demais, etc.).

Sujeito passivo é a mesma vítima do crime antecedente.

Perceba que o tipo não exige que a coisa seja ‘alheia’. Daí a pergunta: COMETE

RECEPTAÇÃO A VÍTIMA QUE COMPRA DELIBERADAMENTE A COISA QUE LHE FOI FURTADA? – não, pois não se pode ser sujeito ativo e passivo de um mesmo crime. Haveria exceção, entretanto, no caso do mútuo pignoratício (alguém toma um empréstimo e deixa com o credor uma garantia); um terceiro furta o objeto, sem participação do proprietário, e oferece a este que o adquire com o intuito de favorecer-se � haverá receptação porque o credor foi lesado com a perda da garantia.

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2. Objeto Material O tipo menciona “produto de crime” para a caracterização da receptação. Logo, podemos retirar as seguintes conclusões:

���� aquele que tem sua conduta ligada a uma contravenção anterior não comete receptação;

���� considera-se que há produto de crime ainda que a coisa tenha sido modificada (ex.: após o furto de carro, houve a receptação de algumas peças). Logo, pode-se dizer que ‘produto do crime’ abrange tudo aquilo que for originário economicamente do delito anterior (ex.: com o valor do resgate de extorsão mediante sequestro, o agente adquire um veículo e o vendo, após, a terceiro que tem conhecimento da origem ilícita � o terceiro será receptador); ���� não se confunde ‘produto do crime’ com ‘instrumento do crime’ (arma, chave falsa etc.) ou o ‘preço do crime’ (ex.: pagamento pelo homicídio), os quais não constituem objeto do crime de receptação. Logo, quem guarda o instrumento do crime para dar cobertura ao autor do crime antecedente, pratica favorecimento real (CP 348).

Pergunta: UM IMÓVEL PODE SER OBJETO DE RECEPTAÇÃO? – a doutrina não é pacífica:

���� como a lei não exige que a coisa seja móvel, tal como fez com outros delitos, Fragoso entende que pode ser objeto de receptação; ���� prevalece, porém, inclusive no STF (Damásio, Hungria e Magalhães Noronha) que o termo receptação pressupõe o deslocamento do objeto, tornando prescindível que o tipo especifique “coisa móvel” (ex.: imóvel comprado por traficante com produto do tráfico).

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Receptação Dolosa Simples (CP, 180, caput) Receptação própria (CP, 180, “caput”, 1ª parte) São 05 as condutas típicas da receptação própria (� crime de ação múltipla ou crime conteúdo variado): • adquirir: obter a propriedade a título oneroso ou gratuito (ex.: doação). Pergunta: PARA ESTE NÚCLEO, EXIGE-SE VÍNCULO NEGOCIAL ENTRE AUTOR DO CRIME E

RECEPTADOR? – não, como nas hipóteses � do agente que se apodera da coisa atirada fora pelo ladrão que esta

empreendendo fuga, com pleno conhecimento de sua origem ilícita (RÉGIS PRADO);

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� do agente que se apodera das jóias subtraídas que lhe foram passadas pelo furtador para que vendesse (neste caso, não há que se falar em apropriação indébita).

• receber: obter a posse ou detenção, ainda que transitoriamente (ex.: tomar emprestado). Perceba que neste núcleo, é fundamental que o agente passe a possuir (deter) a coisa para o fim de utilizá-la em seu proveito ou de outrem, pois:

- se quiser a coisa para si � receptação com núcleo ‘adquirir’; - se não quiser utilizá-la, mas apenas auxiliar o agente do crime anterior �

favorecimento; • transportar: levar o objeto de um lugar para outro; • conduzir: estar na direção de um veículo para levar o objeto de um local ao

outro (ex.: guiar). COMO DIFERENCIAR ‘TRANSPORTAR’ E ‘CONDUZIR’? – no dizer de Rogério Greco as condutas são semelhantes, pois “transportar implica remoção, transferência de uma coisa de um lugar para outro; conduzir é guiar, dirigir. Só o caso concreto, na verdade, é que permitirá apontar o verbo que melhor se amolde à conduta”.

• ocultar: esconder, isto é, colocar o objeto em local que não possa ser encontrado por terceiros.

Nesta modalidade é possível a aplicação do privilégio do §2º do art.155 (CP 180, §5º). Consumação e Tentativa (da Receptação Própria) É crime material � consuma-se quando o agente adquire, recebe, oculta, conduz ou transporta, sendo que os 03 últimos núcleos implicam em crime permanente cuja consumação protrai-se no tempo, permitindo o flagrante a qualquer momento. A tentativa é possível. Elemento subjetivo Exige a lei o dolo direto, isto é, o agente deve ter efetivo conhecimento da origem ilícita do objeto. Não basta, portanto, o dolo eventual, haja vista a descrição típica do ‘caput’ do art. 180, razão pela qual, se assim agir, o fato será enquadrado na modalidade culposa do crime.

Pergunta:

• QUAL A DIFERENÇA ENTRE A RECEPTAÇÃO E O FAVORECIMENTO REAL (CP 349)? – no favorecimento, o agente oculta o proveito do crime “pretendendo auxiliar o infrator”; já na receptação, o fato é praticado com a intenção de lucro, e não de favorecer o sujeito ativo do delito anterior. Como esta intenção de lucro, pela redação do art. 180, também pode ser para ‘outrem’ (‘proveito próprio ou alheio’), entende-se que haverá as seguintes possibilidades: � quem esconde um veículo roubado para o autor da subtração livrar-se das investigações e, posteriormente, o devolve ao agente, pratica favorecimento real; � quem esconde um veículo roubado por outra pessoa para beneficiar a si ou a outra pessoa que não o autor da subtração, pratica receptação � logo, o outrem, previsto no artigo 180, jamais poderá ser o próprio autor do crime antecedente.

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• CASO O AGENTE SÓ DESCUBRA A ORIGEM ESPÚRIA APÓS A PRÁTICA DE UMA DAS

05 CONDUTAS? – prevalece majoritariamente que o ‘DOLO SUBSEQÜENTE’ não configura o delito, isto é, o dolo deve ser contemporâneo com a conduta. Hungria minoritariamente, discorda, afirmando que inexiste esta elementar no tipo, daí a possibilidade de existir receptação com dolo subsequente, tal qual reconhece a jurisprudência francesa. Receptação imprópria (CP, 180, “caput”, 2ª parte) A receptação imprópria – também chamada por NORONHA de ‘mediação criminosa’ – consiste em “influir para que terceiro, de boa-fé3, adquira, receba ou oculte objeto produto de crime”. Influir significa ‘persuadir, convencer’, isto é, “incutir, estimular, inspirar, entusiasmar, excitar” (NORONHA). Atente que, neste caso, não há a previsão de ‘influir’ para ‘transporte’ ou ‘condução’.

Neste caso, também se exige o dolo direto, não se admitindo nem ‘culpa’, nem ‘dolo eventual’, daí ser atípica a chamada ‘mediação culposa’.

Quem influencia recebe o nome de intermediário (ou mediador � Noronha; autor intelectual � Paulo José da Costa Júnior): � não podendo ser o autor do delito antecedente e, necessariamente, � conhecendo a origem espúria do bem � dolo. � curiosidade: a conduta de ‘influir’ geralmente seria punida a titulo de

participação.

Pergunta-se: o agente que após praticar receptação própria vem a influenciar para que 3º venha a adquirir o bem responde por 02 crimes? – há divergência: Greco entende que o caso seria de crime único, pois a receptação imprópria seria espécie de pós-fato impunível; BITENCOURT, entretanto, entende que o caso é de 02 crimes de receptação (própria/imprópria). Consumação (da Receptação Imprópria) A consumação ocorre “no exato instante em que o agente mantém contato com o terceiro de boa-fé”, ainda que não o convença a adquirir, receber ou ocultar � trata-se de crime formal. Assim, não se admite tentativa, pois ou o agente manteve contato com o terceiro configurando-se o crime ou não, tornando-se fato atípico4. Há, porém, doutrina (GRECO) entendendo que seria fundamental que o influenciado efetivamente praticasse uma das condutas previstas: “influir, portanto, quer dizer determinar com que o sujeito faça alguma coisa. Caso essa influência não resulte na prática de qualquer das condutas narradas pelo tipo o máximo que se poderia falar seria em tentativa”. Causa de aumento de pena (CP 180, § 6º)

3 Se o terceiro estiver agindo de má-fé, responderá por receptação própria e o intermediário será partícipe. 4 Regra para memorizar: enquanto a receptação própria é um crime material, a receptação imprópria é um crime formal. Consequentemente, enquanto a própria admite tentativa e exige a efetiva tradição da coisa para o que o crime esteja consumado; a imprópria não admite tentativa, não se exigindo a tradição da coisa para que haja a consumação.

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Se o objeto é produto de crime que fora praticado contra a União, o Estado, o Município, concessionária de serviço público ou sociedade de economia mista, a pena do caput aplica-se em dobro. Esta previsão, porém, só se aplica à receptação dolosa do caput (próprio ou imprópria).

Por óbvio, o agente deve saber que o produto do crime atingiu uma das entidades mencionadas. Se assim não fosse, haveria responsabilidade objetiva.

Receptação qualificada ou profissional

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

Na verdade, para boa parte da doutrina não se trata de mera qualificadora, mas de ‘tipo penal autônomo’, já que contém verbos não previstos no caput. No dizer de DAMÁSIO o dispositivo não descreve causa de aumento de pena ou qualificadora, isto é, não contêm meras circunstâncias, mas 6 verbos que não se encontram no ‘caput’ e apresenta 2 elementos subjetivos do tipo. Para NUCCI e GRECO, porém, o caso seria de verdadeira qualificadora, embora com sujeito ativo especial, pois na essência trata-se de uma receptação (dar abrigo a produto de crime).

De qualquer forma, todos concordam que é crime próprio, pois “só pode ser cometido por comerciante ou industrial no exercício de suas funções”.

No tocante aos núcleos acrescentados, pode-se dizer que: • ter em depósito: é armazenar, guardar, manter, conservar a coisa recebida em proveito próprio ou alheio � infração de natureza permanente; • desmontar: é separar as peças existentes, isto é, desencaixar; • montar: é juntar as peças que se encontram separadas do todo, encaixando-as de modo que permitam o funcionamento da coisa; • remontar: significa montar novamente, ou seja, o objeto já tinha sido montado uma 1ª vez, estando pronto para uso, quando foi desmontado; • vender: expressa a conduta do comerciante ou industrial de transferir a outrem, mediante pagamento, a posse da coisa obtida com o crime antecedente; • expor à venda: se traduz tão-somente no fato de exibir, mostrar a coisa d origem criminosa com a finalidade de transferi-la a terceiro; • utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que saiba ser produto de crime. Utilizar, segundo Mirabete, é “fazer uso, usar, valer-se, empregar com utilidade, aproveitar, ganhar, lucrar”. Elemento subjetivo da Receptação Qualificada Exige-se que tais pessoas devam saber da origem espúria do bem. COMO ASSIM?

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���� HUNGRIA, NORONHA, MIRABETE (entre outros), entendem que o caso é de culpa, inclusive por força da mesma interpretação que se deu ao ‘deve saber’ do artigo 130 (contágio de moléstia venérea); ���� DELMANTO e Paulo José da Costa Júnior, entendem que o caso é de dolo eventual, pois, diferentemente do artigo 130, aqui já há previsão autônoma da figura culposa. Ademais, trata-se de pena superior, inclusive, à modalidade simples.

E SE O COMERCIANTE SABE DA PROCEDÊNCIA ILÍCITA (DOLO DIRETO)? – há divergências: ���� para alguns (maioria), o §1º tanto prevê as condutas de quem sabe (dolo direto) quanto as de quem deve saber (dolo eventual), pois, embora empregue apenas a expressão “deve saber”, a conduta de quem sabe encontra-se abrangida. Assim, para NUCCI e GRECO, o comerciante que “sabe” (dolo direito) deve responder também pelo §1º, pois há de ser feita, segundo alguns, uma interpretação extensiva, a fim de nele compreender não somente o dolo eventual (minus), como também o dolo direto (plus); ���� para Damásio e Alberto Silva Franco (minoria), o comerciante que “sabe” (dolo direto) só pode ser punido pela figura simples do caput, enquanto o comerciante que “deve saber” (dolo eventual) responde pela forma qualificada do §1o. Como essa interpretação gera condenação injusta e ofende o princípio da proporcionalidade (a conduta mais grave (dolo direto) tem pena menor), entende-se que em ambos (dolo direto e eventual) deve ser aplicada a pena do caput; ���� uma 3 corrente, entende que a expressão ‘deve saber’, na verdade, é um elemento normativo e não um elemento subjetivo do tipo. É dizer, trata-se de expressão para servir de critério através do qual o juiz, no caso concreto, possa analisar se o comerciante (tendo em vista o conhecimento acerca da atividade especializada que exerce) tinha ou não a obrigação de conhecer a origem espúria do bem (ex.: comerciante de carros usados não pode alegar desconhecimento acerca da falsificação grosseira do chassi).

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.

É uma norma penal explicativa, dispondo “o que se deve entender por atividade comercial”. Para efeito do §1º, assim, também se considera comerciante “aquele que exerce sua atividade de forma irregular ou clandestina, inclusive a exercida em residência” (ex.: camelô, desmanches).

Receptação Culposa

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

Adquirir e receber são os verbos do tipo, que excluiu a conduta ocultar por se tratar de hipótese reveladora de dolo.

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Muito embora os crimes culposos, em geral, sejam tipos abertos (nos quais a lei não descreve as condutas, cabendo ao juiz a análise do caso concreto), na receptação culposa se esta diante de exceção (tipo fechado) pois a lei descreve os parâmetros ensejadores da culpa, dispondo que ela será aferida através de alguns elementos. É dizer, o agente deveria ter presumido que a coisa fora obtida por meio criminoso, por causa (� elementos indicativos da inobservância do dever objetivo de cuidado que competia ao agente):

���� da natureza do objeto: certos objetos exigem maiores cuidados quando de sua aquisição. Exemplo: no caso de armas de fogo deve-se exigir o registro; acessórios de veículos vendidos na rua igualmente são exemplo);

���� da desproporção entre o valor de mercado e o preço pago: deve haver uma desproporção considerável, que fizesse surgir no homem médio certa desconfiança;

���� da condição do ofertante: quando é pessoa desconhecida ou que não tem condições de possuir o objeto, como, por exemplo, no caso do mendigo que oferece um relógio de ouro. Neste particular, perceba que a aparência, a idade e a conduta social de quem oferta a coisa poderão ser determinantes para a caracterização ou não do tipo.

Conforme já afirmamos, o tipo abrange o dolo eventual, pois ao ver da doutrina e da jurisprudência, o dolo eventual não se adapta à hipótese do caput, que pune apenas o dolo direto.

§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.

O parágrafo prevê, na 1ª parte, o perdão judicial, que somente é aplicado à

receptação culposa, desde que:

� o agente seja primário;

� o juiz considere as circunstâncias.

Trata-se de direito subjetivo do réu e não de faculdade do juiz em aplicá-

lo, não obstante a existência da expressão pode.

O parágrafo prevê, na última parte, entretanto, uma norma

privilegiadora, que será aplicada à receptação dolosa (caput ou qualificada),

desde que:

� o agente seja primário; e

� a coisa receptada seja de pequeno valor, nos termos do já analisado para o

furto.

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§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

CAPÍTULO VIII – DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

Trata-se de hipótese de imunidade penal absoluta, também chamada “escusa absolutória”, tendo em vista razões de política criminal5. No dizer de Hungria ‘impunibilidade absoluta’.

Possuem a mesma natureza jurídica das causas extintivas da punibilidade � logo, subsiste o crime com todos os seus requisitos, excluindo-se apenas a punibilidade. A consequência da imunidade absoluta será a isenção de pena.

Em razão disso, a autoridade policial está impedida de instaurar inquérito policial, salvo se houver alguma evidência de que também fizeram parte do crime terceiros não atingidos pela escusa (CP 183, II).

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

Leva-se em conta a data do fato, que deve ocorrer na constância do casamento � logo: - não incide se os cônjuges estão judicialmente separados ou divorciados; - no caso de separados de fato, a imunidade incide, pois tecnicamente os cônjuges ainda estão na constância. - no tocante à união estável, para a doutrina majoritária, a escusa absolutória não deve a ela se estender, malgrado o companheiro seja comparável ao cônjuge pela CF (art. 226, §3º - NUCCI). ROGÉRIO GRECO, entretanto, entendem que há possibilidade de analogia in bonam partem. - não alcança os noivos, mesmo que venham a se casar.

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Atinge qualquer grau de parentesco na linha reta, mas não abrange o parentesco por afinidade. Ademais, a obrigação de reparação do dano não é excluída.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

5 Bem destaca Hungria que, originariamente (no Direito Romano), estas causas de impunibilidade absoluta tinham por fundamento o princípio da co-propriedade familiar, daí desnecessário punir-se membros da família que, em última análise, também estariam sendo sujeitos passivos.

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I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Trata-se de imunidade penal relativa ou, no dizer de Hungria, ‘punibilidade relativa’.

Nada mais faz do que transformar o crime contra o patrimônio de ação penal pública incondicionada em condicionada à representação.

Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

Prevê 3 hipóteses em que é vedada a aplicação das imunidades (absoluta e relativa):

I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;

Nos crimes de roubo e de extorsão, ou, em geral, quando há emprego de violência ou grave ameaça (esbulho possessório e dano qualificado pela violência ou grave ameaça);

II - ao estranho que participa do crime.

Ao terceiro que toma parte do crime. Damásio de Jesus cita o seguinte exemplo: o filho, em companhia de terceiro, subtrai bens de seu pai. O terceiro responde por delito de furto qualificado pelo concurso de agentes;

III - se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (

Nos crimes patrimoniais praticados contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, na data dos fatos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial, Saraiva. Volumes 2 e 3, respectivamente, 11a e 7a edições, 2011.

DELMANTO Jr., Roberto. DELMANTO, Roberto e DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Saraiva. 8a Edição, 2010.

FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Forense. 17a Edição, 2006.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Impetus. 5a Edição, 2011.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Manual de Derecho Penal – Parte Especial. Editorial Tirant lo Blanch. 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Revista dos Tribunais. 10a Edição, 2010.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. Revista dos Tribunais, 6a Edição, 2011.

ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Renovar. 2a Edição, 2008.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Derecho Penal. Editora Ediar.