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Luzes sobre o conhecimento organizacional

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a obra de Nonaka e Takeuchi. No en-tanto, como o próprio subtítulo deixa claro, aquele livro não pretendia de modo algum ser um texto sobre qualquer uma das muitas facetas do que hoje se compreende por GC, sendo na verdade seu objetivo trazer luzes sobre como alcançar a inovação.

Embora muitos julguem que a gran-de contribuição do livro de Nonaka e Takeuchi seja apenas a proposição do modelo Seci (Socialização – Externali-zação – Combinação – Internalização), talvez seu maior mérito seja provocar a discussão de um fato até hoje não bem assimilado pelos teóricos ocidentais do gerenciamento estratégico, da teoria organizacional e da economia, entre outros campos: se uma empresa é ca-

Quando falamos em Gestão do Co-nhecimento Organizacional (GC), cer-tamente o material mais adotado como livro-texto em cursos de mestrado ou MBA e ainda a referência mais citada em artigos é o livro “The Knowledge-Creating Company” (Nonaka; Takeuchi, 1995), com seu provocador subtítulo “How Japanese Companies Create the Dynamics of Innovation”.

É bastante significativo o fato de que um interesse generalizado em GC, tanto no meio acadêmico, como no mundo dos negócios só se tenha feito sentir a partir do ano de 1995. Os autores pioneiros sobre o tema, como Stewart, Wiig e Sveiby haviam publicado seus primeiros trabalhos em torno do ano de 1990, porém o interesse pelo assunto ainda

se mostrava bastante restrito até a pu-blicação em forma de livro dos trabalhos de Nonaka e Takeuchi. Serenko e Bontis (2004 apud GRANT, 2007, p. 173), por exemplo, constataram que menos de 100 documentos foram escritos sobre o tema até 1995, ano da publicação de “The Knowledge-Creating Company”, seguindo-se um rápido crescimento na atividade de produção de textos rela-cionados ao tema. Segundo Serenko e Bontis, cerca de 5 mil documentos foram publicados sobre GC e Capital Intelectual (CI) no período de 1995 a 2002.

Seja para referendar as ideias plan-tadas em “The Knowledge-Creating Com-pany”, seja para criticá-las, a maior parte dos textos sobre GC acaba citando

Luzes sobre o conhecimento organizacional

Numa economia cada vez mais baseada em valores intangíveis e influenciada pela disponibilidade de informações, tendo na inovação a força motriz de sua dinâmica, as empresas não apenas processam conhecimento, mas também o criam. Ou seja, o elemento capaz de justificar a existência de uma empresa é sua capacidade em criar continuamente conhecimento que lhe garanta vantagens competitivas.

FErnando GoldmanPresidente do Polo-rJ da Sociedade

Brasileira de Gestão do Conhecimento

Capital intelectual

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paz de criar conhecimento e se é, como isto acontece. A verdadeira natureza da firma na atual sociedade é criar conhe-cimento.

Ronald H. Coase, ganhador do Prê-mio Nobel de Economia de 1991, publi-cou em 1937 um artigo, que se tornaria um clássico. “The Nature of the Firm” levantou questões fundamentais sobre o conceito de empresa na teoria eco-nômica. Coase propôs que os custos comparativos de organizar transações através dos mercados ou dentro de empresas seriam os principais deter-minantes do tamanho e escopo das empresas.

O artigo de Coase apresentava uma interessante questão básica: “por que uma empresa surge em uma economia especializada em trocas?” Coase re-correu aos custos de transações como o fator capaz de dar uma explicação ao porque mercados são utilizados em alguns casos e em outros casos a hie-rarquia com todas suas possibilidades de ineficiência burocrática.

O trabalho de Nonaka e Takeuchi de certa forma trouxe outra possibili-dade de resposta à pergunta de Coase. Ou seja, a ideia principal do livro, de que empresas não apenas proces-sam conhecimento, mas também o criam. Numa economia crescentemente baseada em intangíveis e fortemente influenciada pela aceleração da dispo-nibilidade de informações, que elege a inovação como força motriz de sua dinâmica, reconhecendo que os fatores tradicionais de produção: terra, capital

e trabalho, não são suficientes para ex-plicar a criação de riqueza (DRUCKER, 1994), talvez seja mais fácil perceber que o elemento capaz de justificar a existência de uma empresa é a sua capacidade de criar conhecimento que viabilize vantagens competitivas.

VISÃo da FIrmaGrant (2006, p. 210), por exemplo,

apresenta a ideia de que as teorias baseadas em conhecimento e em custos de transação são complementares e não competitivas entre si. Ainda segundo Grant (2006, p. 204), durante a primei-ra metade dos anos 1990, muitas ideias e linhas de pesquisa convergiram para produzir aquilo que vem sendo chamado de “Uma visão da firma” baseada no conhecimento. Entre tantas diferentes abordagens, além da própria GC, da ino-vação e do aprendizado organizacional, podem ser citadas: a visão de recursos e de capacitações; competências es-senciais; a economia da inovação; a governança do conhecimento; a aborda-gem epistemológica; e o sense-making, contribuindo de forma valiosa à análise de áreas específicas tais como criati-vidade nas empresas, aprendizagem, desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, colaboração entre firmas, transferência de conhecimento, compe-tição baseada em conhecimento, entre muitas outras.

O resultado de todos estes trabalhos, embora não tenha produzido ainda uma nova Teoria da Firma (TIGRE, 2005), possibilitou a exploração de aspectos

relativos às empresas (e as instituições econômicas, de um modo mais geral) que tem em comum o foco e o reconhe-cimento sobre o papel do conhecimento como novo fator de produção na econo-mia pós-industrial.

Entre as muitas contribuições da literatura sobre o conhecimento e a inovação no período citado a análise de Nonaka e Takeuchi (1995) se destaca, pois fala sobre a criação do conheci-mento dentro das empresas e propõe um modelo que ajuda a entender tal fenômeno. O trabalho daqueles autores foi de tal forma impactante que muitos pesquisadores sobre GC ao examinarem a cronologia do tema propõem o ano de sua publicação nos Estados Unidos como um marco.

Snowden (2007), por exemplo, pro-põe a cronologia mostrada no Quadro 1, considerando três gerações da Gestão do Conhecimento. A primeira geração compreende a maioria dos trabalhos ditos de GC, mas que na verdade são Gestão de Informações, sendo baseados principalmente em Tecnologia da In-formação (TI). O foco desses primeiros trabalhos era e ainda é nos chamados 3Cs: Captar, Codificar e Comparti-lhar. A ideia é obter as informações corretas, para as pessoas certas, no momento certo.

Percebe-se aqui alguma coisa de economia neoclássica, pois se supõe que os conhecimentos valiosos já existem na empresa ou estão disponíveis na socie-dade e o papel da GC seria encontrá-los, codificá-los e torná-los disponíveis ao

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O elemento capaz de justificar a existência de uma empresa é a sua capacidade de criar conhecimento que viabilize vantagens competitivas

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embora não fosse esta a ideia de No-naka e Takeuchi, pelo foco em explicitar conhecimento produzindo conteúdos, a maioria das ações de GC da segunda geração não passava de processos com os quais as organizações identificavam, criavam, administravam e entregavam conteúdos para aumentar o desempenho da força de trabalho. Esses conteúdos assumiam o caráter de informação para quem os acessava. Na verdade, tratava-se novamente de Gestão de Informações. Importante, porém não suficiente.

Embora o conhecimento seja cons-truído pela análise da informação e que possa algumas vezes ser transformado em informação para ser disseminado, ele não é um tipo especial de informa-ção, como muitos creem, pois impor-tantes elementos de conhecimento são incorporados nas mentes e corpos de agentes, nas rotinas das empresas e, não menos importante, no relaciona-mento entre pessoas e organizações (DOSI, 1999 apud JOHNSON; EDQUIST; LUNDVALL, 2003, p. 5). O conhecimento é contextual. Segundo Snowden (2007), contexto é a palavra mais importante em GC e talvez a mais negligenciada.

Por isso, uma nova abordagem de GC vem emergindo, na qual o conhe-cimento é visto não mais como uma “coisa” que possa ser identificada e catalogada. Busca-se a gestão de um ambiente propício aos processos que produzem novos conhecimentos na

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compartilhamento. Nessa fase não havia ainda uma preocupação, tão explícita, de diferenciar “informação” de “conhe-cimento”. Não deixa de ser sintomático que muitos textos de economia ainda hoje falem em “assimetria de infor-mações” como elemento construtor de vantagens competitivas.

Por outro lado, as empresas de TI re-presentam para a sociedade atual o que as empresas de engenharia tradicionais, em especial as de consultoria, represen-taram para a Revolução Industrial. Por incrível que possa parecer, as empresas de consultoria de engenharia sempre foram muito admiradas pela sua capa-citação para lidar com o conhecimento. Com o rápido avanço das Tecnologias da Informação e das Comunicações (TIC) e a aceleração das mudanças, acarretan-do um aumento na disponibilidade de informações, passou a ser necessário lidar com o conhecimento de uma forma mais eficaz, que talvez nem as próprias empresas de TI atualmente venham tendo sucesso.

Isto demonstra que a simples dis-ponibilidade de ferramentas de TI, não é suficiente para lidar com o conheci-mento de forma eficaz. Se assim fosse, todas as empresas de TI seriam supe-reficientes em lidar com seus próprios processos de conhecimento, ou seja, seriam casos de sucesso em GC, o que na prática não se observa.

Esta primeira geração de GC nasceu da crença existente na época de seu surgimento (segunda metade dos anos 1980) de que os então recentes desen-volvimentos da pesquisa em Inteligência Artificial e outras disciplinas vinculadas à pesquisa cognitiva produziriam um salto qualitativo na automação do tra-balho intelectual. Logo se aprendeu uma lição hoje ainda muitas vezes esquecida: de que não há trabalho realmente inte-lectual sem a presença do ser humano. Apesar disso, muitos continuam insis-tindo em pensar no conhecimento sem

levar em conta a figura do conhecedor.Uma segunda geração da GC pode

assim ser considerada, tendo como mar-co inicial a primeira edição em inglês do livro de Nonaka e Takeuchi, em 1995. A partir de então, as palavras “tácito” e “explícito”, que Michael Polanyi (1958 apud NONAKA; TAKEUCHI, 1997) já tinha explorado na metodologia cientí-fica nos anos 1950 e 1960, e diversos autores, a exemplo de Nelson e Winter (1982), vinham utilizando, se populari-zam ainda mais na linguagem do mundo dos negócios. Esta segunda geração e os desdobramentos do trabalho de Nonaka e Takeuchi serão alvo de análise nas seções subseqüentes.

No entanto, vale notar que a pri-meira geração da GC, bem como os trabalhos da segunda geração, mas que não estavam totalmente alinhados com as ideias de Nonaka e Takeuchi, não contribuíram para responder à crítica de Willianson (1992, p. 2):

“as proposições de que a organi-zação importa e é suscetível a análise foram por muito tempo recebidas com ceticismo pelos economistas. [...] Uma das razões pelas quais essa mensagem demorou muito tempo a ser registrada é que é muito mais fácil dizer que a or-ganização importa, do que é mostrar o como e o porquê”. (tradução do autor)

Hoje há um reconhecimento cres-cente de que muito conhecimento não pode ou não deve ser explicitado e que,

TrêS GEraçõES dE GESTÃo do ConhECImEnTo

Desde o final dos anos 1980 Centrada em Tecnologia Tecnomíope

A partir de 1995 Centrada em Valoriza em excesso

em Pessoas o conteúdo

A partir de 2002 Combina ênfase em Equilibra conteúdo/

pessoas e tecnologia contexto/ narrativas

Fonte: Elaboração própria baseado em Snowden (2007)

Quadro 1

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empresa. Há aqui uma interessante analogia da mudança da ênfase da organização como uma máquina, com o gerente ocupando o papel de mecânico, para a organização como uma ecologia complexa, em que o gerente é um jar-dineiro, capaz de dirigir e influenciar, mas não de controlar inteiramente, a evolução de seu ambiente.

Três heurísticas definidas por Snow-den (2007) ajudam a entender as dificul-dades enfrentadas pelos trabalhos com foco em “explicitar” conhecimento: “O Conhecimento é sempre apenas volun-tário, nunca forçado”; “Nós só sabemos o que nós sabemos, quando precisamos sabê-lo”; e “Nós sempre sabemos mais do que podemos dizer, e sempre dizemos mais do que podemos escrever”.

Essa última é um dos princípios operacionais básicos da atual GC, la-mentavelmente não compreendidos in-teiramente na segunda geração, embora totalmente de acordo com as ideias de Nonaka e Takeuchi. O processo de ex-plicitar o conhecimento envolve alguma perda inevitável de conteúdo, e freqüen-temente envolve uma perda maciça do contexto. Uma vez que se reconheceu isto, pôde-se começar a repensar a natureza da GC.

A separação em Contexto, Narrativa e Conteúdo, utilizada atualmente em GC, a tornará cada vez mais eficaz. Assim, após um período de ênfase equivocada nas ferramentas das TIC, a GC vem se firmando como condutora de ações de incentivo à criatividade, invenção e inovação, visando o desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos. Ou seja, a criação do Conhecimento Organizacional.

Nonaka e Takeuchi nunca propuse-ram que fosse importante para a cria-ção do conhecimento organizacional, a “explicitação” do conhecimento de um determinado conhecedor. Esse tipo de ideia, muitas vezes a eles atribuída, é típica da visão da primeira geração da

GC e quando levada a cabo acaba pro-duzindo muito mais frustração do que efeitos práticos.

Nas seções seguintes procurar-se-á mostrar que embora o livro de Nonaka e Takeuchi seja o marco de início de uma segunda geração da GC, as ideias nele apresentadas estão totalmente alinha-das com a terceira geração da GC e a maioria das críticas ao trabalho deles não reflete a importância que o mesmo tem na construção de uma Teoria da Firma baseada em conhecimento.

Uma das principais críticas que o trabalho de Nonaka e Takeuchi sofre diz respeito a uma falta de aprofundamento sobre as ideias de Polanyi na construção de seu modelo SECI. No entanto, talvez o que haja de mais notável no trabalho de Nonaka e Takeuchi seja o fato de que, apesar dos profundos aspectos filosóficos relativos à natureza do conhe-cimento, algumas das mais importantes revelações sobre o conhecimento no ambiente organizacional aconteceram a partir das características mais básicas apontadas por aqueles dois autores. A distinção entre conhecimento explícito e tácito tem tido amplas implicações para a estratégia e o design organizacionais (GRANT, 2006, p. 222).

Nonaka e Takeuchi, naturalmente, não podem ser responsabilizados por equívocos de interpretação produzidos por autores que possivelmente leram o trabalho de Nonaka e Takeuchi, mas que provavelmente nunca leram Polanyi, muito embora o citem (GRANT, 2007).

Na abordagem objetiva adotada por Nonaka e Takeuchi para o ambiente organizacional, o Conhecimento Explí-cito é organizado e estruturado. Está disponível em documentos, bases de dados, vídeos de treinamento e outros canais, tradicionais ou não, de com-partilhamento de conhecimentos. Já o Conhecimento Tácito é principalmente baseado na vivência. Ele existe na men-te das pessoas na forma de memórias,

modelos mentais, impressões, know-how prático etc.

A partir desta abordagem simples, porém eficiente para entender a criação do conhecimento no ambiente organiza-cional, Nonaka e Takeuchi construíram um modelo para dar suporte a uma Teoria da Criação do Conhecimento Organizacional.

o modElo SECINa filosofia dominante no Ocidente,

o indivíduo é o principal agente, que possui e processa o conhecimento. Nonaka e Takeuchi, entretanto, mos-traram que o indivíduo interage com a organização através do conhecimento. A criação do conhecimento ocorre em três níveis: do indivíduo, do grupo e da organização. Portanto, a discussão da criação do conhecimento organizacional tem dois componentes principais: as formas de interação do conhecimento e os níveis de criação do conhecimento. As duas formas de interação – entre o conhecimento tácito e o conheci-mento explícito e entre o indivíduo e a organização – realizarão quatro processos principais da conversão do conhecimento que, juntos, constituem a criação do conhecimento: 1) do tácito para o explícito; 2) do explícito para o explícito; 3) do explícito para o tácito; e 4) do tácito para o tácito.

Na verdade, Nonaka e Takeuchi formularam seu modelo não em duas, mas em três dimensões diferentes: a epistemológica, com base na teoria do conhecimento, porém propositadamen-te se limitando apenas a distinguir o conhecimento tácito do explícito, sem, no entanto, levar em conta o grau de aprofundamento alcançado nas análises de Polanyi; a ontológica, considerando o que existe no sistema observado, que no caso é a organização em geral, dis-tinguindo assim três níveis, que seriam o indivíduo, o grupo e a organização; e o temporal, levando em conta como o

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sistema observado funciona ao longo do tempo e até mesmo sua interação com outros sistemas semelhantes (ações interfirmas) e dá ao modelo sua carac-terística de espiral tridimensional.

Partindo da premissa de que um mo-delo é uma representação simplificada da realidade, no modelo SECI o conhe-cimento humano, utilizado no ambiente organizacional, é de uma forma simples e objetiva dividido em dois tipos. Um é o conhecimento explícito, que pode ser ar-ticulado na linguagem formal, inclusive em afirmações gramaticais, expressões matemáticas, especificações, manuais e assim por diante. Esse tipo de conhe-cimento pode ser então transmitido, formal e facilmente, entre os indivíduos. Esse foi o modo dominante de conheci-mento na tradição filosófica ocidental e infelizmente, ao contrário do que Nonaka e Takeuchi pregavam, se tornou o foco dos consultores prescritivos de GC.

Não foram claramente compreendi-dos, ou foram intencionalmente deixados de lado, os argumentos por eles defendi-dos mostrando que o conhecimento táci-to, difícil de ser articulado na linguagem formal, é um tipo de conhecimento mais importante, pois é o verdadeiro criador de vantagem competitiva.

O conhecimento tácito é o conhe-cimento pessoal incorporado à expe-riência individual e envolve fatores in-tangíveis como, por exemplo, crenças pessoais, perspectivas e sistemas de valor. O conhecimento tácito sempre foi deixado de lado como componen-te crítico do comportamento humano

coletivo na análise ocidental e não é de estranhar que para muitos a impor-tante mensagem de Nonaka e Takeuchi de que o conhecimento tácito era uma fonte importante da competitividade e diferenciação das empresas japonesas, observado na década de 1980, tenha sido diminuído, quando não totalmente desconsiderado, em um momento em que elas enfrentavam uma crise.

Enquanto Nonaka e Takeuchi brada-vam que o componente tácito do conhe-cimento era, provavelmente, o principal motivo tanto da competitividade das empresas japonesas como também o principal motivo pelo qual a gerência japonesa é vista como um enigma pelos ocidentais, muitos preferiram entender a mensagem como uma necessidade de explicitar conhecimentos, como se o conhecimento não fosse sempre tácito e explícito simultaneamente ou como se fosse possível separar o conhecimento explícito de um indivíduo de seu conhe-cimento tácito.

Esta abordagem está totalmente em desacordo com o modelo proposto, no qual os autores se concentraram no co-nhecimento explícito e no conhecimento tácito como unidades estruturais básicas que se complementam em um processo social. Mais importante, o modelo tenta descrever a interação entre essas duas formas de conhecimento como sendo a principal dinâmica da criação do conhe-cimento na organização de negócios. A “criação do conhecimento organizacio-nal” é um processo em espiral em que a interação ocorre repetidamente.

Por isso, a onda de explicitação de conhecimentos a partir de interpreta-ções errôneas do modelo proposto, em-bora possa ter produzido belos conteú-dos, taxonomias, portais corporativos de alta qualidade visual, apostilas e manu-ais em meio digital e toda uma sorte de iniciativas que visavam a disponibilizar conteúdos de rápida entrega a possíveis consumidores finais e diminuir a depen-dência dos especialistas, resultou em frustração no que diz respeito à criação de conhecimento organizacional.

Outra importante contribuição de Nonaka e Takeuchi foi a definição das cinco condições capacitadoras para a criação do conhecimento. Segundo eles

“A função da organização é fornecer o contexto apropriado para a facilitação das atividades em grupo e para a cria-ção e acúmulo de conhecimento em nível individual” (1997, p.83)

Está presente aqui a ideia de “con-texto capacitante” ou “BA”, que Nonaka iria explorar mais tarde em artigos com outros autores (1998). Para que haja este contexto apropriado citado, eles estabeleceram então cinco condições em nível organizacional que promovem a espiral do conhecimento: intenção, autonomia, flutuação/caos criativo, re-dundância e variedade de requisitos. (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p.83)

Nonaka e Takeuchi entendem que as raízes de seu livro começaram a crescer doze anos antes de sua primeira edição, quando foram solicitados a apresentar nas festividades do 75º aniversário da Harvard Business School, fundada em

O conhecimento tácito é o conhecimento pessoal incorporado à experiência individual e envolve fatores intangíveis como crenças, perspectivas e sistemas de valor

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1908, um artigo sobre as características singulares do processo de desenvolvi-mento de novos produtos nas empresas japonesas.

Segundo eles, as ideias geradas na-quele estudo tornaram-se a base para um outro artigo publicado em 1986, na Harvard Business Review, intitulado “The New New Product Development Game”. Foi nesse artigo, que eles utili-zaram, pela primeira vez, a metáfora do “rúgbi” para descrever a velocidade e flexibilidade de desenvolvimento de no-vos produtos nas empresas japonesas.

Aquele estudo buscou entender as raízes das empresas de sucesso, na-quele momento, décadas de 70 e 80, as japonesas. Para entender a analogia com o rúgbi, por eles proposta, é preciso concentrar a atenção na “bola”.

“A bola que é passada de um joga-dor para outro encerra a compreensão compartilhada da razão de ser da em-presa, o rumo que está tomando, em que tipo de mundo quer viver e como tornar esse mundo realidade. Insights, intuições e pressentimentos altamente subjetivos também são levados em con-sideração. É isso o que a bola contém – ou seja, ideias, valores e emoções.” (NONAKA;TAKEUCHI, 1997, p. XI)

A metáfora do rúgbi é poderosa, ao mostrar que naquele esporte a bola é passada de um jogador para outro à medida que o time avança no campo, como uma unidade. Com este enten-dimento é possível se concentrar em “como” a bola é passada nos jogos de rúgbi e perceber a diferença funda-

mental em relação a como o bastão é passado de um corredor para o outro na corrida de revezamento. No rúgbi, a bola não se move de forma definida ou estruturada, não se movimenta de forma linear. O movimento da bola no rúgbi nasce da interação entre os mem-bros da equipe no campo. É definido na hora (no “aqui e agora”) com base na experiência direta e através da tenta-tiva e erro. Exige intensa e trabalhosa interação entre os membros da equipe. (NONAKA;TAKEUCHI, 1997, p. XII)

Na compreensão de Nonaka e Takeu-chi, esse processo interativo é análogo à criação do conhecimento nas empre-sas japonesas. Como eles mostram em diversos exemplos do livro, o conheci-mento organizacional diz respeito tanto à experiência física e à tentativa e erro quanto à geração de modelos mentais e ao aprendizado com os outros. Assim, diz respeito também tanto aos ideais quanto às ideias. Nonaka e Takeuchi afirmam, no seu livro, que o sucesso das empresas japonesas se deve a suas habilidades técnicas na “criação do co-nhecimento organizacional”.

Por criação de conhecimento organi-zacional eles querem dizer a capacidade que uma empresa tem de criar conhe-cimento, disseminá-lo na organização e incorporá-lo a produtos, serviços e sistemas. Aqui está o que eles chamam de “as raízes”. Naquele momento em que diversos outros pesquisadores tentavam criar teorias sobre o motivo do sucesso das empresas japonesas, a explicação deles tocava no componente mais básico

e universal da organização – o conheci-mento humano.

Como eles mesmos reconhecem, o estudo do conhecimento humano é tão antigo quanto a própria história do homem, tendo sido o tema central da filosofia e epistemologia desde o período grego. O conhecimento também começou a ganhar uma redobrada atenção recen-temente. Não só teóricos socioeconômi-cos como autores como Peter Drucker e Alvin Toffler chamaram atenção de Nonaka e Takeuchi para a importância do conhecimento como recurso e poder gerencial, como também um número crescente de estudiosos nas áreas de or-ganização industrial, gerenciamento da tecnologia, estratégia gerencial e teoria organizacional começou a teorizar sobre a administração do conhecimento.

Em seu livro, Nonaka e Takeuchi tomaram o conhecimento como a uni-dade básica de análise para explicar o comportamento da empresa. Ao discutir o conhecimento na organização de ne-gócios, seu livro exigiu uma mudança fundamental na forma de pensar sobre o que a organização de negócios faz com o conhecimento. O livro começa, mais especificamente, com a crença de que a organização de negócios não só “pro-cessa” o conhecimento, mas também o “cria”. Nonaka e Takeuchi afirmam que a economia e os estudos sobre adminis-tração praticamente negligenciaram a criação de conhecimento pela organi-zação de negócios. Anos de pesquisas sobre empresas japonesas, entretanto, convenceram-lhes de que a criação do

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O estudo do conhecimento é tão antigo quanto a própria história, tendo sido tema central da filosofia e da epistemologia desde os gregos

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conhecimento daquelas empresas era a principal fonte de sua competitividade internacional.

Muitos são os autores que têm de-dicado tempo e esforço às ideias que Nonaka e Takeuchi ofereceram aos pes-quisadores envolvidos nos estudos sobre a inovação, não no sentido de aperfei-çoá-las, mas tentando encontrar nelas falhas. Atribuindo-lhes culpas que são características da primeira geração da GC ou interpretações errôneas do cha-mado processo de conversão do conheci-mento, imaginando-o como um processo passível de ser realizado por um mesmo ser humano. O trecho a seguir é um dos muitos possíveis exemplos:

A interpretação de Nonaka e Takeu-chi do conhecimento tácito como co-nhecimento “não ainda articulado” – o conhecimento que aguarda pela sua “tradução” ou “conversão” em conhe-cimento explícito –, uma interpretação que tem sido amplamente adotada em estudos de gestão, é errada: ela ignora a essencial inefabilidade do conheci-mento tácito, ao reduzi-lo ao que pode ser articulado. (TSOUKAS,2005, p.425) (traduçao do autor)

Nonaka e Takeuchi sempre dei-xaram bem claro que Polanyi, que cunhou o termo conhecimento tácito em 1952 e produziu uma grande obra sobre o tema até falecer em 1976, era um filósofo. Seu trabalho era sobre o conhecimento de um ponto de vista totalmente filosófico e que ele sequer imaginou que seu trabalho serviria de base para um livro sobre o conheci-mento no âmbito organizacional. Na página 67, por exemplo, eles dizem:

“Em nossa visão, contudo, o conheci-mento tácito e o conhecimento explícito não são entidades totalmente separadas, e sim mutuamente complementares.[...] Nosso modelo dinâmico da criação do conhecimento está ancorado no pres-suposto crítico de que o conhecimento humano é criado e expandido através da

interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito... Não podemos deixar de observar que essa conversão é um processo “social” entre indivíduos, e não confinada dentro de um indivíduo.”

FalSaS dICoTomIaSNonaka e Takeuchi previram, no úl-

timo capítulo de seu livro, que algumas falsas dicotomias tenderiam a limitar a criação do Conhecimento Organizacio-nal. São elas: Tácito / explícito; Corpo / Mente; Indivíduo / Organização; Top-down / bottom-up; Burocracia / Task Force; Revezamento / Rugby; e Oriente / Ocidente. A última falsa dicotomia listada, Oriente / Ocidente, parece ter influenciado bastante os argumentos negativos aos modelos propostos por Nonaka e Takeuchi. Uma das muitas crí-ticas ao trabalho de Nonaka e Takeuchi é que ele envolve, em sua maior parte, empresas japonesas.

Analisando-se o período em que aqueles autores realizaram suas pes-quisas, ou seja, o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, é fácil perceber que, mesmo que eles não fossem autores japoneses, seus principais benchma-rkings seriam necessariamente em-presas japonesas como era o caso, por exemplo, de Prahalad e Hamel (1990) e Stalk, Evans e Schulman (1992). Afinal de contas, naquele período as empresas japonesas se constituíam nos labora-tórios mais desafiadores, quando se pensava em criação do conhecimento organizacional, pois se tornaram as mais competitivas e isso ao longo de um relativamente curto período de tempo.

De tal forma que, como afirmam Nonaka e Takeuchi, as empresas japo-nesas, principalmente, são analisadas no livro, não como simples “histórias de sucesso”, mas como estudos de caso bastante representativos.

Hoje, é fácil perceber que os ele-mentos listados por eles como sendo

característicos de uma abordagem ja-ponesa ao conhecimento estão presen-tes em qualquer receituário de boas práticas no ocidente. Entre os quais se destacam: a visão da empresa como um organismo vivo e não como uma máqui-na; um foco na crença justificada, mui-to mais do que em procurar a verdade; ênfase no conhecimento tácito sobre o conhecimento explícito; o uso de equi-pes auto-organizadas e não apenas as estruturas organizacionais existentes, para criar novos conhecimentos; o uso da gerência média para resolver as contradições entre a alta gerência e trabalhadores da linha de frente; e a aquisição de conhecimentos olhando para fora – clientes, fornecedores, etc.– assim como para dentro.

Na verdade o objetivo do estudo empreendido por Nonaka e Takeuchi era muito mais ambicioso do que um simples entendimento das razões de um momentâneo sucesso das empresas japonesas. Sua meta, a rigor, era forma-lizar um modelo genérico de criação do conhecimento organizacional.

O argumento, muitas vezes apresen-tado, de que o conhecimento tácito tem sido analisado de uma forma superficial, sendo muito mal-entendido na maioria dos estudos de gestão, não correspon-dendo plenamente à profundidade dos trabalhos de Polanyi, é perfeitamente válido. No entanto, não se deve, de forma alguma, atribuir ao modelo for-mulado por Nonaka e Takeuchi tal res-ponsabilidade. A interpretação errônea do conhecimento tácito como sendo um conhecimento esperando para ser explicitado, ignorando seu caráter ine-fável, reduzindo-o a algo que pode ser articulado desde que as ferramentas de TI adequadas estejam disponíveis é um equívoco que nada tem a ver com as ideias de Nonaka e Takeuchi.

As empresas criam, sim, conheci-mento, porém uma empresa não pode sozinha criar conhecimento e o conhe-

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cimento tácito dos indivíduos constitui a verdadeira base de criação do co-nhecimento organizacional. Ao aceitar esta ideia contida em “The Knowledge-Creating Company”, será possível às empresas perceberem que é possível usar os modelos propostos por Nonaka e Takeuchi, aliados às condições capa-citadoras da criação do conhecimento organizacional para ainda contribuir,

em muito, para o aperfeiçoamento da Teoria da Firma e o entendimento de que é o conhecimento tácito que consti-tui a base da inovação nas empresas.

Aqueles que estiverem dispostos a uma releitura de “The Knowledge-Creating Company” – se conseguirem superar, através da síntese, as falsas dicotomias inibidoras da capacitação à criação do conhecimento organiza-

cional e a entender que um modelo é apenas um modelo – verificarão então que aqueles autores, hoje pouco citados em trabalhos que não sejam específicos de GC e que quando citados muitas ve-zes o são de forma indevida, têm muito a contribuir para uma visão da firma baseada em conhecimento, havendo ainda muito a aprender com Nonaka e Takeuchi.

[email protected]

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