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Turma e Ano: Flex A (2014)
Matéria / Aula: Direito Constitucional / Aula 04
Professor: Marcelo Leonardo Tavares
Monitora: Mariana Simas de Oliveira
AULA 04 Conteúdo da aula: Direito Constitucional. Mutação Constitucional. Interpretação constitucional. Visão positivista.
Norma constitucional.
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO (CONTINUAÇÃO)
RESOLUÇÃO DE QUESTÕES
(AGU\2012 – Cespe)
Após longa e intensa luta revolucionária, liderada por Carlos Magno, proclamou-se a
independência de uma área territorial, denominada até então Favela da Borboleta, e de seus
habitantes em relação a um Estado soberano da América Latina. Carlos, imediatamente, convocou
eleições, entre os habitantes da favela, visando à escolha de quinze membros da comunidade para
compor uma Assembleia Constituinte, cuja função era elaborar o texto da Constituição da República
Federativa das Borboletas. Tal constituição foi, então, elaborada e continha regras referentes à
organização política e administrativa do novo Estado, bem como as regras garantidoras das liberdades
fundamentais de seus habitantes. Entre as regras de organização, previu-se a divisão do território em
três estados-membros com constituições próprias, a serem elaboradas segundo os princípios da
constituição maior. Previu-se, também, a possibilidade de revisão da Constituição da República das
Borboletas, por procedimento especial distinto do da legislação ordinária, ficando vedada a revisão na
hipótese de decretação de estado de sítio ou de defesa, bem como em determinadas matérias
referentes às liberdades fundamentais dos membros da comunidade.
Considerando a situação hipotética descrita no texto e a doutrina constitucional, julgue os
itens a seguir.
1. O poder que constituiu a República Federativa das Borboletas pode ser considerado
poder constituinte originário.
(V) Pode, pois foi convocada uma Assembleia Constituinte após uma revolução e o texto
não traz nenhuma informação sobre previsão de limites para ela.
2. O poder constituinte originário tem como características fundamentais ser inicial,
limitado e incondicionado.
(F) Para a doutrina majoritária o poder constituinte originário é ilimitado. Para a doutrina
contemporânea, a limitação existente é de ordem ética, moral. Existe uma posição, ainda, dentro do
Direito Internacional Público, de que as regras dos tratados de direitos humanos seriam limitações
jurídicas ao poder constituinte originário, mas essa afirmação não tem boa acolhida no Direito
Constitucional.
3. A Constituição da República Federativa das Borboletas pode ser considerada uma
constituição escrita e flexível, uma vez que admite a revisão de seu texto em situações determinadas.
(F) Pelo enunciado da questão, a Constituição das Borboletas é rígida. Ser flexível não
significa a existência de possibilidade de revisão, mas sim ser alterada pelo processo legislativo
ordinário.
4. A Assembleia que elaborou a Constituição da República Federativa das Borboletas
detinha a titularidade e o exercício do poder constituinte, que lhe foram conferidos por Carlos Magno.
(F) A Assembleia detinha o exercício, já que a titularidade do poder constituinte é do povo
(segundo a teoria popular do poder constituinte; art.1º, § único, CRFB\88: todo poder emana do
povo. O Brasil não adota a teoria de Sieyès de que a titularidade é da nação).
5. A Constituição da República Federativa das Borboletas impõe ao poder constituinte
derivado limitações circunstanciais e materiais, mas não temporais.
(V) Circunstanciais: não pode ser revista em caso de estado de sítio e de defesa;
materiais: os direitos fundamentais são cláusulas pétreas; temporais: ela não prevê nenhuma limitação
temporal.
Ainda considerando a situação hipotética descrita no texto I e a doutrina constitucional,
julgue os itens abaixo.
1. O processo usado por Carlos Magno para positivar a Constituição da República
Federativa das Borboletas foi a outorga, tendo em vista a sua origem revolucionária.
(F) O processo utilizado foi a promulgação, pois teve fundamento em uma Revolução o
que pressupõe que a quebra institucional tenha sido feita com o apoio do povo.
2. Em sentido jurídico, revolução é o rompimento de uma ordem jurídico-
constitucional, que retira a eficácia de uma constituição em vigor, abrindo caminho ao poder
constituinte originário para implantar uma nova constituição.
(V) É o conceito jurídico de revolução.
3. Com base na doutrina constitucional, com a publicação da Constituição da República
Federativa das Borboletas, extingue-se o poder constituinte originário que lhe deu vida, passando a
regência do Estado às mãos do poder constituído.
(F) Os atos emanados passam a ser do poder constituinte derivado, mas isso não quer
dizer que o poder constituído foi extinto, pois ele é permanente.
4. A Constituição da República Federativa das Borboletas previu, no seu texto, tanto
manifestações do poder constituinte derivado reformador quanto do poder constituinte derivado
decorrente.
(V) Ela fez previsão de que seriam criados três Estados com Constituições próprias
(decorrente).
5. Do reconhecimento de um poder constituinte originário decorre a ideia de supremacia
constitucional e, do reconhecimento desta, o imperativo do controle de constitucionalidade.
(V).
MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
Com base no poder constituinte derivado reformador existe um processo formal de
alteração da Constituição, seja através de emenda ou de revisão (uma oportunidade na CRFB\88).
A doutrina e o STF reconhecem a possibilidade de alteração informal da Constituição
através da interpretação das normas constitucionais. Tal alteração recebe o nome de mutação
constitucional, que é um processo informal de alteração da norma constitucional através da
interpretação.
Quem está legitimado para aplicar a mutação?
R.: A rigor, todos os órgãos, pois como qualquer órgão (Executivo, Legislativo ou
Judiciário) pode se manifestar sobre o seu entendimento acerca da constitucionalidade da norma,
qualquer órgão de poder poderia analisar a mutação. No entanto, sem dúvida, cabe ao Judiciário, em
especial ao STF, a última palavra na mutação constitucional.
A mutação, como dito, é um processo de alteração da norma, mantendo o seu dispositivo,
que continuará escrito como sempre foi. No módulo de interpretação será visto o que é o dispositivo
constitucional (escrito) e a norma (compreensão que se tem do dispositivo constitucional).
Ela pode levar a ajustes ou, até mesmo, a uma declaração de inconstitucionalidade
superveniente da norma, ou seja, uma norma que em determinado momento histórico é considerada
constitucional, com o passar do tempo, pode ser declarada inconstitucional. No Brasil, essa declaração
derivada da mutação é chama da de inconstitucionalidade superveniente.
Cuidado com a leitura de autores portugueses, pois para alguns deles a não recepção
de uma norma legal é chamada de inconstitucionalidade superveniente.
Note-se: em uma ADI (controle concentrado) o efeito vinculante por ela produzida não
incide sobre o STF. A Lei 9869 diz que a decisão terá efeitos vinculantes para a administração e
demais órgãos do Judiciário. Isso permite que o STF possa rever uma decisão inicialmente tomada.
Se o STF declara uma norma inconstitucional e posteriormente é feita uma nova
reclamação, em princípio, o relator vai determinar o arquivamento acolhendo a coisa julgada. Todavia,
passado muito tempo, o relator pode levar uma questão de ordem ao Pleno sustentando que seria
conveniente ao STF reapreciar a questão em virtude da mutação. O STF pode superar a preliminar de
coisa julgada, pois não está vinculado à decisão.
Em matéria de assistência social houve um julgamento importante no ano passado, onde o
STF superou uma anterior declaração de inconstitucionalidade que havia feito (RE 580.963; RE
567.985; Reclamação 4.374 – posteriormente transcritos).
A questão de fundo nesses julgados refere-se à garantia do art.203, V, da CRFB\88:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A previsão constitucional do inciso V é regulamentada pela Lei 8742\93, que define ser
pessoa necessitada aquele que tem renda familiar per capta inferior a um quarto do salário mínimo. Há
um requisito objeto daquilo que a CRFB\88 enuncia.
O STF declarou a constitucionalidade dessa previsão por unanimidade (relator Min. Nelson
Jobim). No entanto, os juízes federais, principalmente, começam a desbordar esse julgamento ao
argumento de que se a pessoa comprovar a ausência de condição de se manter concretamente
caberia ao Judiciário decidir a questão e verificar se o critério de necessidade da pessoa se enquadra
na previsão legal. Assim, vários juízes afastaram o critério objetivo (um quarto do salário mínimo).
A maioria dos Ministros não reconhecia a reclamação por entender que não cabe o STF
apreciar questão de fato. Todavia, outros programas sociais começaram a colocar critérios mais
elásticos que fez o STF acabar reconhecendo a inconstitucionalidade superveniente na previsão da
Lei 8473\93.
No caso concreto houve alteração jurídica de normas infraconstitucionais, na medida em
que foram criados outros critérios para que a pessoa seja considerada necessitada (ex.: bolsa família
prevê valor superior a um quarto do salário mínimo). O STF entendeu que o critério estava
desatualizado, declarando a inconstitucionalidade sem redução de texto.
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI
1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção
da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua
constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios
definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à
controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido
pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério
objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das
famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram
critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de
Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o
Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios
objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão
de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade
por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no
art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não
será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não
exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até
um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação
dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da
assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um
salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso
extraordinário a que se nega provimento. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal
Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
***
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI
1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua
constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios
definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à
controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido
pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério
objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das
famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram
critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional
de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem
programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo
Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos
acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo
de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e
sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos
utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do
Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567985,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-
2013)
***
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo
fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios
de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI
1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua
constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer
ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de
normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre
da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões
tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma
mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no
“balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a
oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na
alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o
conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou
parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução
hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4.
Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal
Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da
renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se
maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais,
tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de
garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em
decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da
intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de
inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e
sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos
utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do
Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)
Outro exemplo de declaração superveniente de inconstitucionalidade, agora em razão de
alteração jurídica e não fática, encontra-se no HC 90450, da relatoria do Min. Celso de Mello. Nesse
julgamento ele fez uma nova interpretação sobre a possibilidade do depositário infiel, concluindo ela
se tornou incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica, tido como norma supralegal. A lei
brasileira que prevê a possibilidade da prisão do depositário se tornou incompatível com o Pacto:
"HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - A QUESTÃO DA
INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO
7º, n. 7) - HIERARQUIA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO
CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a
prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito,
trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é
o depósito judicial. Precedentes. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS
SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO
HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter
subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção
dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as
convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição
hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do
Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min.
CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em
matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE
MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação
constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento
juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação,
mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e
quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências,
necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos
que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.
HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE
DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no
exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de
direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado
no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à
norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla
proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da
norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se
acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das
declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar
o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas
institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a
liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao
caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção
efetiva do ser humano. (HC 90450, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado
em 23/09/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347-02 PP-
00354 RTJ VOL-00208-02 PP-00549 LEXSTF v. 31, n. 361, 2009, p. 316-355)
Prosseguindo, a principal limitação que a mutação tem é o próprio texto do dispositivo, não
podendo se chegar a uma conclusão diametralmente oposta ao que está disposto no texto. A
interpretação gramatical torna-se, então, um limite.
O âmbito da alteração jurídica que pode levar a mutação posiciona-se na norma
infraconstitucional, que pode levar a uma reinterpretação da norma constitucional. Se a alteração for
da própria norma constitucional haverá uma alteração formal.
INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO – HERMENÊUTICA
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA SOBRE O TEMA: (i) Luis Roberto Barroso (Direito Constitucional
Contemporâneo); (ii) Daniel Sarmento e Claudio Pereira de Souza Neto (Direito Constitucional).
VISÃO POSITIVISTA DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
O estudo desse ponto é baseado em duas obras de dois positivistas: a primeira, de um
positivista normativista, Hans Kelsen, chamada de Teoria Pura do Direito; a segunda, de um positivista
social, Norberto Bobbio, chamada de Teoria do Ordenamento Jurídico.
Ordenamento jurídico de um país, para a visão positivista, é o conjunto sistemático de
normas jurídicas de um determinado Estado dotado de unicidade e completude. Norberto Bobbio
destaca três características do ordenamento: é um sistema, único e completo.
A unicidade do ordenamento jurídico decorre da soberania do Estado como elemento da
sua formação, tendo o poder de impor as normas no âmbito do seu território.
O ordenamento é completo, não havendo lacuna. Norberto Bobbio admite lacuna na regra
escrita, mas como o ordenamento é sempre integrado nele não há lacuna.
Ex.: existe um dispositivo no CPC que diz ser vedado ao juiz deixar de julgar mesmo que
não haja lei regulamentando a matéria porque o ordenamento jurídico é completo. Na visão do Bobbio
o processo é o seguinte: tendo dispositivo, há subsunção do fato à norma; não tendo, haverá lacuna
na regra escrita e será aplicado o método de integração. A LINDIB prevê isso de forma clara e enuncia
os métodos de integração.
Como os princípios não tinham muito valor no positivismo eles eram métodos de
integração, pois não eram considerados normas (no pós-positivismo ele é norma).
O sistema é perfeito, por isso, para o positivismo, o conflito entre normas é aparente e não
real. Quando as normas aparentemente colidem existem, para essa visão, três métodos de solução
(devem ser aplicados nessa ordem):
(i) Hierarquia;
(ii) Especialidade;
(iii) Novidade.
Para o positivismo, tais métodos são suficientes para solucionar os conflitos aparentes das
normas.
Existem dois ramos dos Direitos que precisam muito de segurança jurídica, que são o
Direito Penal e o Direito Tributário. E, por essa razão, nesses ramos o positivismo ainda é muito forte –
e não sem razão – já que ele traz a segurança jurídica. Ex.: no Direito Penal ainda se utiliza muito o
conflito aparente de normas.
Kelsen dizia, quanto à hierarquia, que as normas no ordenamento jurídico não se
estabelecem no mesmo plano, devendo a norma superior servir de fundamento de validade da norma
imediatamente inferior. A partir daí se constrói a figura famosa da pirâmide de Kelsen:
Fundamento de validade
Fundamento de validade
O método da hierarquia aprecia a validade ou invalidade de uma norma. Assim o controle
de constitucionalidade de uma lei ou o controle de legalidade do ato administrativo são concretizações
do método da hierarquia, do positivismo.
O segundo método, da especialidade, dispõe que se as normas estão em níveis
diferentes, mas uma dá tratamento especial e a outra mais genérica, prevalece a norma especial se o
fato é especial e, se o fato é geral, prevalece a norma geral em face da especial.
Se as normas são hierarquicamente compatíveis e se nenhuma delas é geral ou especial,
aplica-se o terceiro método de novidade: a norma mais nova revoga tacitamente a anterior.
Qual é a consequência da utilização dos métodos da hierarquia, especialidade e
novidade?
R.: No caso da hierarquia a norma não aplicada é considerada nula, gerando
consequência no âmbito da validade da norma. O método da especialidade, por sua vez, não gera
consequência no âmbito abstrato, mas apenas no caso concreto, ou seja, as normas continuam a
convier, prevalecendo no caso concreto uma das duas. Por fim, a aplicação do método da novidade
gera uma consequência abstrata: a revogação tácita da norma anterior.
Paradigmas do positivismo
Primeiro paradigma: o intérprete é neutro.
Segundo paradigma: “faça justiça e pereça o mundo”. Deve o intérprete se ater ao que é
juridicamente justo independente da consequência para a sociedade. Atualmente esse paradigma está
superado: (ex.:) a repercussão geral pode ser reconhecida pela importância, por exemplo, política.
Terceiro paradigma: a supervalorização da regra em detrimento do princípio, que é visto
como um enunciado abstrato em excesso e incapaz de coagir condutas humanas, sendo quase
enunciados morais de aconselhamento. Eles podem ser uteis na integração das regras, que para o
positivismo é basicamente o único tipo de norma que existe. Não havia o reconhecimento da distinção
entre princípio e norma.
Quarto paradigma: distinção entre interpretação e aplicação e a separação rígida em
fases no processo hermenêutico. Maximiliano, que tem um livro do início do século XX sobre
hermenêutica, diz que o jurista primeiro compreende o dispositivo no vernáculo, depois o interpreta e,
entendia a norma abstratamente, a última fase é a aplicação da regra pelo método de adequação do
fato à norma (subsunção). As fases do processo intelectivo são distintas, desse modo. É o chamado
método de raciocínio hermenêutico linear (interpreta e aplica).
NORMAS CONSTITUCIONAIS
As normas constitucionais, antes de qualquer coisa, são normas e passam por processo
de interpretação.
O que se chama de critério hermenêutico clássico é o conjunto dos métodos tradicionais
do positivismo (interpretação gramatical, lógica, sistemática, histórica).
A Constituição, apesar de ser norma, é diferenciada de uma norma infraconstitucional, e
tem as seguintes características:
(i) O nível de hierarquia é superior, fazendo com que a sua interpretação tenha
sempre consequências mais graves;
(ii) É dotada de natureza política, como dizia Carl Schmitt é uma decisão política
fundamental.
(iii) Tende a ser mais abstrata do que uma norma de lei.
Isso faz com que acabe surgindo outros métodos de interpretação além dos métodos
clássicos. São exemplos de métodos contemporâneos:
(i) Método tópico problemático: coloca o seu foco no caso concreto e parte do
princípio de que não há uma solução única, sendo a melhor interpretação aquela
nascida do diálogo da apreciação do problema.
(ii) Método hermenêutico concretizador: valoriza muito o caso, mas parte da ordem
inversa do tópico problemático, isso é, da norma para o fato. Ele dá muita força à
aplicação em detrimento de uma interpretação abstrata da norma. Faz parte dos
defensores desse método a frase “interpretar é aplicar”.
(iii) Método científico espiritual: a Constituição é um conjunto de normas que
concretiza o espírito da sociedade. O importante é encontrar o espirito da
sociedade que consta na norma. A solução não se preocupa muito com o caso
concreto.
(iv) Método comparativo: pode ser baseado em dois critérios: a comparação do
instituto jurídico no ordenamento entre países (direito comparado) ou a comparação
histórica.
Classificação das normas constitucionais
José Afonso da Silva divide as normas constitucionais em cinco espécies:
(i) Normas de organização, que dão a estrutura dos Estados. Ex.: Art.1º, CRFB\88.
(ii) Normas limitativas, que dão proteção aos direitos individuais. Ex.: várias no art.5º,
CRFB\88;
(iii) Normas sociais ideológicas, próprias das Constituições sociais. Ex.: arts. 201
205, CRFB\88;
(iv) Normas de estabilização constitucional, que procuram prevenir ou resolver
crises. Ex.: arts. 34, 36, 136, 137. 102 e 103;
(v) Normas de aplicabilidade da Constituição, que tratam de vigência, validade e
servem de norte de interpretação. Ex.: Preâmbulo, apesar de não ter força de
coerção; art.34 do ADCT, sobre o sistema tributário nacional.
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