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Andrena da Silva Lages
Presena ambiental de resduos de frmacos: fontes,
concentraes, efeitos potenciais e formas de
tratamento.
Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Cincias da Sade
Porto, 2011
2
Andrena da Silva Lages
Presena ambiental de resduos de frmacos: fontes,
concentraes, efeitos potenciais e formas de
tratamento.
Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Cincias da Sade
Porto, 2011
3
Andrena da Silva Lages
Presena ambiental de resduos de frmacos: fontes,
concentraes, efeitos potenciais e formas de
tratamento.
Monografia apresentada Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para
obteno do grau de Licenciatura em Cincias Farmacuticas.
______________________
Orientador:
Prof. Doutor Bruno Nunes
Porto, 2011
4
1 - Resumo
Na sociedade o uso de medicamentos tem uma importncia fundamental no
combate s vrias doenas, sendo possvel prolongar a longevidade humana. Nas
sociedades desenvolvidas os medicamentos representam um meio de satisfazer os
desejos da populao e um estilo de vida mais cmodo. Devido a estas razes, o uso de
medicamentos cada vez maior, proporcionando o aparecimento de resduos qumicos
derivados de medicamentos no ambiente. As principais causas para que isto acontea
so o facto do ser humano excretar os resduos atravs das fezes e urina, e tambm no
descarte indevido de medicamentos no meio ambiente. Neste trabalho, vamos perceber
o ciclo dos medicamentos, desde o pedido de introduo no mercado at ao seu
consumo e consequente insero no meio ambiente e identificar os perigos que resultam
do consumo e descarte inapropriado dos medicamentos que temos disposio.
Palavras-chave: Medicamentos; Ambiente; Organismo; EMEA; INFARMED; Poluio;
Toxicidade; Tratamento.
5
Abstract
In the society, the use of medicines has fundamental importance in fighting
various diseases; however, the use of medicines also provides an extension of human
longevity. In developed societies, pharmaceutical drugs are used to satisfy the desires of
the population allowing a more comfortable lifestyle. For these reasons, the use of
medicines is increasing, leading to the appearance of chemical residues derived from
medicines in the environment. The main causes for this to happen are the fact that
humans excrete residues through faeces and urine, and also (but less relevant) the
improper disposal of medicines in the environment. This work intends to enlighten the
cycle of pharmaceutical drugs, from its production until its use and subsequent release
into the environment, identifying hazards that result from inappropriate use and disposal
of medicines.
6
Agradecimentos
No momento em que apresento o meu trabalho final de curso no posso deixar
de expressar o meu agradecimento a todos os que contriburam para a sua realizao e
para a minha formao.
Em primeiro lugar cumpre destacar o Exmo. Prof. Doutor Bruno Nunes pela boa
vontade, disponibilidade, simpatia, profissionalismo e ateno que me prestou ao longo
da realizao do trabalho, como tambm nos anos anteriores da minha formao na
Universidade Fernando Pessoa.
A todos os Professores desta minha segunda casa pela contnua partilha de
conhecimentos e boa vontade com que sempre responderam s minhas inmeras
questes e dificuldades. Agradeo todo o apoio durante toda esta fase.
A todas as minhas amigas que ao longo de todos estes anos acadmicos me
acompanharam e apoiaram.
Por fim, quero agradecer de forma especial minha famlia por toda a dedicao que
tiveram desde sempre.
A todos, um muito obrigado!
7
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
Fernando Pessoa
8
ndice
1 - Resumo ........................................................................................................................ 4
2 - Introduo.................................................................................................................. 15
3- Ciclo do medicamento de uso humano ...................................................................... 17
3.1- Do fabricante ao consumidor ............................................................................... 17
3.2 Destinos dos medicamentos aps o seu consumo ................................................. 20
4- Presena de resduos de medicamentos no ambiente e aspectos toxicolgicos na
sade humana ................................................................................................................. 22
5- Categorias de medicamentos encontrados no ambiente ............................................. 26
5.1- Analgsicos e anti-inflamatrios ......................................................................... 26
5.1.1- Diclofenac ......................................................................................................... 26
5.1.1.1- Efeitos ecotoxicolgicos ................................................................................ 27
5.1.1.2- Remoo do diclofenac em ETAR ................................................................ 28
5.2- Antidepressivos ................................................................................................... 31
5.3- Antiepilpticos ..................................................................................................... 32
5.3.1- Carbamazepina ................................................................................................. 32
5.3.1.1- Efeitos ecotoxicolgicos ................................................................................ 32
5.3.1.2 - Remoo da carbamazepina em ETAR ........................................................ 34
5.4-Medicamentos utilizados em patologias cardiovasculares ................................... 35
5.4.1- cido clofbrico ................................................................................................ 36
5.4.1.1- Efeitos ecotoxicolgicos ................................................................................ 37
5.4.1.2- Remoo de cido clofbrico em ETAR ........................................................ 37
6-Caracterizao dos destinos finais dos compostos farmacuticos em termos
ambientais ....................................................................................................................... 39
6.1- Partio ................................................................................................................ 39
6.2- Degradao .......................................................................................................... 40
6.3- Bioacumulao, bioamplificao e biotranformao .......................................... 40
9
7 - Tratamento de efluentes poludos com substncias farmacuticas ........................... 42
7.1 - Lamas activadas .................................................................................................. 43
7.2 - Ozonizao ......................................................................................................... 45
7.3 - Processos avanados de oxidao....................................................................... 46
7.3.1 - Processo avanado de oxidao por UV.......................................................... 46
7.3.2 - Processo avanado de oxidao com recurso a UV/H2O2.............................. 46
7.3.3 - Processo de Fenton .......................................................................................... 47
7.3.4 - Processo avanado de oxidao foto-Fenton ................................................... 47
7.3.5 - Fotocatlise ...................................................................................................... 47
7.3.6 - Bioreactores de Membrana .............................................................................. 50
7.3.7 Microfiltrao ................................................................................................. 51
7.3.8 Ultrafiltrao ................................................................................................... 51
7.3.9 - Nanofiltrao ................................................................................................... 52
7.3.10 - Osmose Inversa ............................................................................................. 52
7.3.11 - Carvo activado ............................................................................................. 54
7.3.12 - Leitos Percoladores ....................................................................................... 56
7.3.13 - Leitos de macrfitas ...................................................................................... 57
8 - Factores que influenciam a remoo e frmacos dos sistemas de tratamento de guas
........................................................................................................................................ 61
9- Avaliao de risco ambiental colocado pelos compostos de utilizao farmacutica -
ERA (Environmental Risk Assessment) ........................................................................ 63
10 - Tcnicas de processamento para reciclagem e valorizao .................................... 70
10.1- Eliminao final ................................................................................................. 71
11 - VALORMED Sociedade Gestora de Resduos de Embalagens e Medicamentos
Lda. ................................................................................................................................. 73
12- Concluso ................................................................................................................. 75
13- Bibliografia .............................................................................................................. 76
10
ndice de figuras
Figura 1 - Possveis rotas de disperso de frmacos no ambiente
Figura 2 - Circuito interactivo do Medicamento de Uso Humano
Figura 3 - Estrutura qumica do diclofenac
Figura 4 - Eficincia de remoo de diclofenac em ETARs
Figura 5 - Consumo dos medicamentos ansiolticos, hipnticos, sedativos e
antidepressivos em Portugal de 2002-2008
Figura 6 - Estrutura qumica da carbamazepina
Figura 7 - Percentagem de carbamazepina removida numa escala laboratorial e real de
sistemas convencionais de lamas activadas, reactores de membrana escala laboratorial
e piloto, e SBRs
Figura 8 - Eficincias de remoo da carbamazepina, ibuprofeno e cido clofbrico pela
LECA.
Figura 9 - Estrutura qumica do cido clofbrico
Figura 10 - Representao da estao piloto utilizada no estudo realizado por Kimura et
al., 2005
Figura 11 - Esquema representativo do sistema convencional de lamas activadas
Figura 12 - Representao esquemtica da formao de ozono na estratosfera
Figura 13 - Diagrama esquemtico de bioreactores de membrana: (a) bioreactor
integrado com mdulo de membranas imerso, e (b) bioreactor com unidade de
membranas externa
Figura 14 - Diagrama esquemtico de um processo de membranas por osmose inversa
com pr e ps-tratamento.
Figura 15- Diagrama esquemtico de colunas de carvo activado
Figura 16 - Remoo mdia de cada composto farmacutico analisado em 65 dias
Figura 17 - Diagrama esquemtico de um leito percolador
11
Figura 18 - Diferentes tipos de escoamento utilizados em leitos artificiais de macrfitas
Figura 19 - Diagramas esquemticos de leitos de macrfitas de fluxo superficial (a) e
fluxo sub-superficial (b)
Figura 20 - Possveis percursos de recolha dos resduos de medicamento
Figura 21 - Exemplo de aterro sanitrio
Figura 22 - Circuito dos medicamentos, resduos e fluxos financeiros do sistema da
Valormed para as embalagens e medicamentos de uso humano
12
ndice de tabelas
Tabela 1- Valores experimentais de NOEC, LOEC e EC50 obtidos com bactrias,
rotferos, cladceros e peixes expostos a diclofenac
Tabela 2- Concentraes de diclofenac em afluentes e efluentes em ETARs e eficincia
de tratamentos de remoo segundo diversos autores
Tabela 3- Valores experimentais de NOEC, LOEC e EC50 obtidos com bactrias,
rotferos, cladceros e peixes submetidos a carbamazepina
Tabela 4- Valores experimentais de NOEC, LOEC e EC50 obtidos com bactrias,
rotferos, cladceros e peixes expostos ao cido clofbrico
Tabela 5- Partio de compostos farmacuticos segundo a gradao de log Kow
Tabela 6- Classificao dos regimes das lamas activadas
Tabela 7- Estudos representativos de 3 frmacos mais comuns tratados por processos
avanados de oxidao
Tabela 8- Resumo de degradao de degradao de alguns compostos farmacuticos
aps ozonizao e processos avanados de oxidao
Tabela 9- Valores padro para clculo PECsurfacewater na fase I
Tabela 10- Dados necessrios para o Clculo do Fpen
Tabela 11- Destino de produtos qumicos e estudos dos efeitos necessrios na fase 2 A
Tabela 12- Fases abordadas no environmental risk assesment (ERA)
Tabela 13- Parmetros e padres utilizados no clculo do PECsurfacewater
Tabela 14- Estudos referentes a avaliao dos riscos terrestres na fase 2 B
13
Abreviaturas
ACS - Alto comissariado da Sade
AIM - Autorizao de Introduo no Mercado
AINE - Anti-inflamatrios no-esterides
CAG - Carvo activado granular
CAP - Carvo activado em p
CBO5 - Carncia bioqumica de oxignio-5 dias
COX-2 - Enzima ciclooxigenase isoforma 2
DT - Dose teraputica
GABA - cido gama-aminobutrico
IMAO - Inibidores de monoaminooxidase
INFARMED - Instituto Nacional da Farmcia e do Medicamento
CMBR - Conventional membrane bioreactor
CQO Carncia qumica de oxignio
DDT - Dicloro-Difenil-Tricloroetano
EC50 - Effective concentration 50%
EMEA - Agncia Europeia de Avaliao de Medicamentos.
ETAR - Estao de tratamento de guas residuais
EUA - Estados Unidos da Amrica
FEDESA - Federao Europeia de Sade
F/M - Food/Microorganisms
ICH - Conferncia Internacional de Harmonizao
IRAR - Instituto Regulador de guas e Resduos
Kow - Coeficiente de partio octanol-gua
LC50 - Lethal concentration 50
LER - Lista Europeia de Resduos
LOEC - Lowest observed effect concentration
14
LOEL - Lowest observed effect level
MBR - Membrane bioreactors
MF - Microfiltrao
MV - Medicamentos veterinrios
MVS - Matria voltil em suspenso
NF - Nanofiltrao
NOAEL - No observed adverse effect level
NOEC - No observed effect concentration
OI - Osmose inversa
OMS - Organizao Mundial de Sade
PBT - Persistent, bioaccumulative and toxic
PEC - Predicted Environmental Concentration
PGs - Prostaglandinas
ppb - Partes por bilio
ppt Partes por trilio
RSU - Resduos Slidos Urbanos
SIGRE - Sistema Integrado de Gesto de Resduos de Embalagens
SIGREM - Sistema Integrado de Gesto de Resduos de Embalagens e Medicamentos
SBRs - Sequencing batch reactors
SNS - Sistema Nacional de Sade
STC - Sistema de tratamento convencional
TRH - Tempo reteno hidrulico
UF - Ultrafiltrao
UV - Ultravioleta
UE - Unio Europeia
VALORMED - Sociedade Gestora de Resduos de Embalagens e Medicamentos, Lda
vPvB - Very persistent and bioaccumulative
15
2 - Introduo
Pelo mundo inteiro e desde h muito tempo que os medicamentos so utilizados
com diversas finalidades, seja na preveno, diagnstico ou tratamento de doenas. Tal
diversidade implica que esta classe de compostos qumicos possua mltiplas actividades
biolgicas, que podem ser mantidas mesmo aps metabolizao e excreo destes
compostos para o meio ambiente. Existe uma gama alargada de princpios activos que
possuem caractersticas de estabilidade e resistncia a vrios factores externos como o
pH, a temperatura, ou a humidade, essenciais para que os medicamentos possam exercer
a sua funo no organismo. Estas caractersticas, que justificam a manuteno da sua
actividade biolgica no organismo humano aquando da sua toma teraputica, fazem
com que os frmacos se mantenham no meio ambiente como compostos biologicamente
activos. Os resduos de medicamentos constituem-se assim como componentes
resistentes, de difcil degradao, que podem contaminar o solo e a gua representando
um risco para a sade pblica e para o meio ambiente.
Para a comercializao dos medicamentos necessria a realizao de estudos que
garantam a segurana dos consumidores face a possveis reaces adversas que um
medicamento poder vir a desenvolver, tanto no organismo humano como
posteriormente no meio ambiente. No entanto, existe ainda pouca informao
relativamente aos efeitos que podem surgir nos organismos aquticos ou terrestres
aquando de uma exposio acidental a produtos qumicos desta natureza. Esta questo
colocada pelo facto de j h muito tempo ocorrer a libertao de frmacos para o meio
ambiente mas s recentemente terem sido iniciados e desenvolvidos estudos que
detectam e quantificam a sua presena no mesmo.
Para perceber um pouco como facto ocorre, podemos observar o diagrama abaixo que
explica as possveis rotas que um frmaco pode seguir no meio ambiente depois da sua
produo e posterior consumo pelos seres vivos, sejam humanos ou animais.
16
Figura 1 Possveis rotas de disperso de frmacos no ambiente (Adaptado a partir de Bila et
al., 2003)
Existem entidades reguladoras que garantem a eficcia e segurana dos medicamentos
atravs de avaliaes tcnico-cientficas, como o caso do Infarmed, estrutura nacional
que autoriza a colocao do medicamento no mercado. Nesse sentido, necessrio um
processo de Autorizao de Introduo no Mercado (AIM). O sistema de Autorizao
de Introduo no Mercado pode ser efectuado a nvel nacional ou em coordenao com
os restantes Estados Membros na Unio Europeia e Comisso Europeia, tendo que
recorrer Agncia Europeia de Avaliao de Medicamentos (EMEA), sendo esta
formada por um comit cientfico de peritos nomeados por cada Estado-Membro.
Os objectivos deste trabalho so perceber os mtodos de certificao e comercializao
de medicamentos, identificar os potenciais perigos do uso dos vrios tipos de
medicamentos existentes no mercado para o meio ambiente, apresentar tipos de
tratamento possveis e propor uma resoluo para o problema em causa.
17
3- Ciclo do medicamento de uso humano
3.1- Do fabricante ao consumidor
Esta etapa comea na investigao e desenvolvimento de um dado medicamento,
atravs de meios tecnolgicos de pesquisa cientfica rigorosa com vista a garantir a
eficcia e segurana de um medicamento. Segue-se a realizao de ensaios clnicos de
medicamentos para uso humano que regulada pelo regime jurdico estabelecido pela
Lei n. 46/2004, de 19 de Agosto, que transpe para a ordem jurdica nacional a
Directiva 2001/20/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Abril. Isto, para
garantir que os ensaios realizados sejam efectuados respeitando as regras europeias de
aplicao de boas prticas clnicas conduzidas aos medicamentos de uso humano
(Infarmed, 2010).
De acordo com a Lei n. 46/2004, de 19 de Agosto, um ensaio clnico definido como
"qualquer investigao conduzida no ser humano, destinada a descobrir ou verificar os
efeitos clnicos, farmacolgicos ou os outros efeitos farmacodinmicos de um ou mais
medicamentos experimentais, ou identificar os efeitos indesejveis de um ou mais
medicamentos experimentais, ou a analisar a absoro, a distribuio, o metabolismo e a
eliminao de um ou mais medicamentos experimentais, a fim de apurar a respectiva
segurana ou eficcia" (Infarmed, 2010).
Posteriormente, segue-se o pedido de autorizao por parte do Infarmed para que o
medicamento em causa possa ser colocado no mercado, sendo necessria a concepo
de uma autorizao para o efeito, a Autorizao de Introduo no Mercado (AIM).
Caso um medicamento sofra modificaes, seja na sua apresentao, dosagem, etc.,
necessrio que essas modificaes sejam autorizadas pelo Infarmed, e seguem
procedimentos padronizados, e denominados Alteraes aos Termos da AIM, de forma
a manter-se sempre actualizado.
Os procedimentos acima descritos configuram a designada Avaliao Tcnico-
cientfica. O medicamento j pode ser fabricado atravs das entidades titulares de
instalaes que se dedicam ao fabrico de medicamentos e produtos de sade, e que por
sua vez, esto sujeitas ao licenciamento industrial nos termos da legislao aplicvel -
Decreto-Lei n. 69/2003, de 10 de Abril, Decreto Regulamentar n. 8/2003, de 11 de
18
Abril, Portaria n. 464/2003, de 6 de Junho, sendo o Ministrio da Economia e Inovao
a entidade coordenadora do licenciamento industrial.
Depois da produo, o medicamento distribudo, sendo a sua comercializao sujeita
aos requisitos legais do Decreto-Lei n. 176/2006, de 30 de Agosto, na observncia das
Boas Prticas de Distribuio. Esta actividade de distribuio por grosso de
medicamentos de uso humano est sujeita a autorizao do Infarmed. Aps a
distribuio, o medicamento sofrer dispensa, em que prescrito por um mdico e
comercializado numa farmcia e utilizado pelo consumidor.
Simultaneamente, so desenvolvidos duas avaliaes ao longo do ciclo; uma avaliao
tcnico-cientfica, cujo objectivo garantir a qualidade, segurana e eficcia dos
medicamentos colocados no mercado. Esta avaliao segue critrios rigorosos e normas
orientadoras, nomeadamente as publicadas no Eudralex, EMEA e Internacional
Conference Harmonization (ICH), tendo por linha de base a legislao aplicvel.
Paralelamente efectuada uma avaliao econmica e de comparticipao, que visam
fundamentar a deciso de comparticipao por parte do Estado em relao ao preo dos
medicamentos, consoante a sua avaliao nas vertentes frmaco-teraputica e
econmica (Infarmed, 2010).
De uma forma geral podemos descrever este ciclo atravs da figura n 2 que se segue;
Figura 2- Circuito interactivo do Medicamento de Uso Humano (adaptado a partir de Infarmed,
2010)
19
A partir de todos os procedimentos listados, possvel constatar que aps a sua toma,
mais nenhum processo preconizado no sentido de avaliar o destino final de um dado
frmaco, nem to pouco quantificar os seus efeitos aps libertao a partir do paciente
humano.
20
3.2 Destinos dos medicamentos aps o seu consumo
Uma vez adquiridos, os medicamentos podem seguir destinos muito diferentes.
Isto porque uma grande parte consumida, mas outra parte acaba por no ser
administrada e guardada em casa ou devolvida a terceiros (hospitais, farmcias etc.)
ou ento, descartada (Ruhoy et al., 2007).
Assumindo que o medicamento consumido de forma apropriada, este causar no
organismo uma srie de reaces ou alteraes de processos metablicos para que seja
possvel desenvolverem a sua aco farmacolgica e teraputica, sendo no final
excretados pelo corpo humano, regra geral aps degradao metablica. Esta excreo
ocorre predominantemente por via urinria e fecal tendo fim nos meios aquticos (guas
de superfcie) ou estaes de tratamento de guas residuais (ETARs) no caso de estar
operacional (Bound e Voulvoulis, 2005). A capacidade de resposta das ETARs a esta
situao limitada, verificando-se que muitos dos compostos que aqui chegam so
descarregados nos meios aquticos para onde a ETAR encaminha o seu efluente final
(Bound e Voulvoulis, 2005).
Os medicamentos nem sempre tm o final inicialmente pretendido, que a sua
utilizao teraputica, verificando-se que muitas das vezes a posologia prescrita pelo
mdico no administrada correctamente, observando-se cada vez mais a acumulao
de medicamentos em casa, at que os prazos de validade esgotem (Ruhoy et al., 2007).
Os motivos que levam as pessoas a seleccionar destinos diferentes para os seus
medicamentos fora de uso so de natureza diversa. Algumas desfazem-se dos
medicamentos imediatamente aps o seu consumo, enquanto outras tendem a manter os
medicamentos at fazerem uma limpeza geral dos mesmos (Bound e Voulvoulis, 2005).
Segundo Kuspis e Krenzelok (1996), que publicaram um estudo sobre prticas de
descarte de medicamentos nos Estados Unidos da Amrica, foi possvel concluir que
dos 500 inquiridos, apenas 1,4% tinha devolvido os medicamentos farmcia, 54%
eliminaram-nos para o lixo convencional e 35,4% para a sanita ou lavatrio, 7,2% no
eliminaram nenhum tipo de medicao e apenas 2% relatou ter consumido toda a
medicao antes de expirar o seu prazo de validade. Dez anos depois, num outro
inqurito realizado por Seehusen e Edwards (2006), tambm nos EUA, a uma amostra
de 301 indivduos militares e seus familiares utentes de uma farmcia de um centro
mdico militar revelou os seguintes resultados relativos ao destino dado aos
medicamentos fora de uso: 54,2% guardam em casa, 53,8% despejam para a sanita,
21
35,2% enxaguam e despejam para o lavatrio, 22,9% devolvem nas farmcias, 14,0%
devolvem a uma entidade mdica e 11% do a familiares/amigos. Nesse mesmo estudo,
os inquiridos consideraram como aceitvel os seguintes destinos: 66,7% devolver os
medicamentos nas farmcias, 53,0% devolver a uma entidade mdica, 35,7% despejar
para a sanita, 21% despejar para o lavatrio, 15% guardar em casa e 2,7% dar a
familiares/amigos. Atravs do estudo foi possvel associar os comportamentos de
devoluo dos medicamentos nas farmcias e o grau de educao/informao prvia
sobre o destino correcto a dar aos medicamentos.
22
4- Presena de resduos de medicamentos no ambiente e aspectos
toxicolgicos na sade humana
Entre 1996 e 2002, a venda de medicamentos aumentou cerca de 25%. Em 2002,
51% dos medicamentos vendidos no mundo eram consumidos nos Estados Unidos de
Amrica, 25% na Europa, 12% no Japo e 8% frica, Austrlia, sia e 4% na Amrica
latina (Xia et al, 2005). De acordo com estes dados, que demonstram um claro aumento
da venda de medicamentos a nvel global, pode considerar-se que um assunto de
particular relevncia e actualidade a forma contnua como so introduzidos resduos de
medicamentos no meio aqutico, uma vez que estes podem provocar efeitos
imperceptveis nos organismos, efeitos cumulativos to significativos que seja
impossvel a sua reversibilidade (Daughton, 1999).
Nem todos os medicamentos so persistentes no ambiente; no entanto, a sua introduo
no meio aqutico, ainda que em doses muito pequenas, pode provocar alteraes no
ciclo de vida dos organismos (Daughton, 1999). A insero de compostos txicos na
cadeia alimentar pode causar srios danos ao ser humano atravs da bioacumulao. Por
exemplo, o DDT, composto utilizado pelas suas propriedades insecticidas, acumula-se
na cadeia alimentar, uma vez que os animais so contaminados, e depois ingeridos pelos
seus predadores, absorvendo indirectamente o DDT. Partindo da ideia que os
predadores se alimentam de vrias presas, acumulam muito DDT nos seus organismos.
O DDT pode estar presente em nveis aceitveis num lago, mas pode ser acumulado em
plantas e peixes de consumo humano devido a uma bioacumulao ao longo da cadeia
alimentar. Assim sendo, os peixes de consumo humano podem apresentar uma
concentrao elevada de DDT que pode ser txica para o homem (Hodgson et al.,
2004). Um raciocnio similar pode ser realizado para os frmacos e seus resduos. Dada
a multiplicidade de compostos, alguns podero ser suficientemente lipoflicos para
exibirem comportamente com semelhanas ao descrito para o DDT.
So hoje j conhecidos os efeitos negativos de resduos de medicamentos em seres
humanos e animais. No entanto, os seus impactos no ambiente so ainda um tema
recente que carece de investigaes mais aprofundadas (Boxall, 2004). Foi
aproximadamente h 30 anos que foi detectado pela primeira vez a ocorrncia de
resduos de medicamentos no ambiente (Daughton, 2003). No entanto, s nos anos 90
que foram desenvolvidas novas tcnicas analticas que permitissem de forma mais
23
eficaz a deteco e anlise toxicolgicas dos resduos medicamentosos, levando
finalmente este tema a uma nova dimenso (Bound et al., 2005).
Vrios estudos recentes referem que a maioria dos processos de tratamento efectuados
em ETARs so incapazes de remover estes compostos, sendo por isso transferidos para
os meios receptores hdricos ou para o solo. A libertao destes compostos no ambiente
levou preocupao geral por parte da comunidade cientfica, sendo que em muitos
pases foram adoptadas outras prticas de descarte de medicamentos, que incluem a sua
introduo no sistema dos resduos slidos urbanos, RSU (Musson et al., 2009).
A comunidade cientfica debate-se com algumas questes de avaliao de riscos
ecolgicos relativos ocorrncia de resduos medicamentosos no ambiente. Todos os
anos milhares de novos medicamentos so introduzidos no mercado, e disponibilizados
para consumo; no entanto, no considerado o vasto conjunto de efeitos fisiolgicos
que podero surgir da sua utilizao, sendo que os estudos efectuados nesta rea so
escassos e relativamente pouco aprofundados. relevante definir testes de toxicidade
para espcies alvo, podendo prever por extrapolao os impactos dos resduos de
medicamentos ao nvel de sistemas complexos de comunidades e ecossistemas. No
entanto. alguns autores consideram que esta abordagem se encontra limitada a um
conjunto pr-definido de respostas (Daughton et al., 1999).
Muitos medicamentos utilizados nos dias de hoje so delineados para atingir uma
determinada via metablica, quer em humanos, quer em animais, podendo desenvolver
uma srie de efeitos adversos nos sistemas metablicos de organismos no alvo, uma
vez que alguns destes organismos partilham alguns receptores com os humanos. Os
resduos medicamentosos so encontrados no ambiente em quantidades muito pequenas,
na ordem da parte por bilio ou trilio (ppb/ppt). Apesar de se encontrarem em
concentraes baixas e no serem susceptveis de causar efeitos agudos, desconhecido
se os receptores de organismos aquticos so ou no sensveis a estas concentraes, ou
se estes resduos podero ou no ter efeitos sinrgicos em conjunto com outras
substncias que partilhem o mesmo mecanismo de aco, podendo representar um risco
potencial (Daughton et al., 1999).
Foi nos anos 80 que foi documentado pela primeira vez um medicamento de prescrio
mdica no ambiente. Os autores Garrison et al., (1999), identificaram o cido clofbrico
(substncia activa de uma grande variedade de medicamentos reguladores de lpidos no
sangue, dislipidemizantes), e reportaram que esta substncia se encontra em guas
residuais no tratadas e efluentes de ETAR que operam em sistemas de lamas activada.
24
A cafena e a nicotina constituram os dois elementos mais prevalentes em afluentes e
efluentes de ETAR operando sistema de lamas activadas (Garrison et al.,1999).
Paralelamente, foi relatado o aparecimento de cido saliclico e acido clofbrico por
Hignite et al., (1977) e Daughton et al., (1999) em afluentes e efluentes de ETARs
municipais em Kansas City, Missouri, EUA. Os autores observaram durante um perodo
de 10 meses que o cido clofbrico foi detectado em efluentes da estao mencionada
anteriormente. A descoberta mais alarmante surgiu quando comparadas as
concentraes de cido clofbrico encontradas entre os afluentes e efluentes: foi
verificada uma diferena de apenas 20% o que indica a dificuldade da remoo deste
composto numa ETAR. No entanto a variao das concentraes entre afluentes e
efluentes em relao ao cido saliclico era muito grande o que demonstra uma maior
capacidade para a remoo deste composto (Hignite et al., 1977 e Daughton et al.,1999).
Existem muitas questes por parte da comunidade cientfica em relao a este tema,
uma delas saber se ser possvel conhecer os efeitos fisiolgicos de um poluente da
classe dos medicamentos dada a multiplicidade e mecanismos de aco to diversos nos
organismos. O estudo dos mecanismos de aco de um medicamento sobre as clulas
comea conhecendo a selectividade dos medicamentos. Alguns medicamentos possuem
uma baixa selectividade pelo que exercem os seus efeitos sobre muitos rgos e tecidos,
enquanto outros medicamentos so altamente selectivos, exercendo a sua funo em
clulas de um rgo especfico (Merck, 2008). Para a maioria dos compostos qumicos, a
aco que exercem sobre o organismo resultante da sua estrutura qumica, de tal modo
que variaes mnimas nessa estrutura alteram significativamente a selectividade do
medicamento (Elliott et al., 2004). A maioria dos compostos exerce a sua aco sobre
uma clula capaz de a reconhecer atravs de receptores que se encontram sobre a
superfcie celular, especificamente por ter a configurao molecular que se ajusta ao
domnio de unio do receptor. A selectividade de um frmaco para um ou vrios rgos
fundamentado principalmente pela adeso especfica do medicamento ao receptor
alvo. Alguns frmacos unem-se a um nico tipo de receptores, enquanto outros tm a
capacidade bioqumica de interagir com mltiplos tipos de receptores celulares (Merck,
2008). Tal facto potencia a possibilidade de interagirem com mltiplos receptores
existentes nas espcies existentes nos meios receptores destes resduos, nomeadamente
no meio aqutico.
Coloca-se ainda outra questo, devido ao facto da maioria dos medicamentos serem
misturas racmicas. Isto quer dizer que h uma mistura de vrios ismeros do mesmo
25
composto, sendo apenas um dos ismeros responsveis pela aco teraputica
pretendida. Os restantes ismeros podero ser os causadores dos efeitos secundrios
indesejados dos medicamentos (Daughton et al., 1999). No entanto hoje em dia a indstria
farmacutica est a ser motivada no sentido de produzir medicamentos contendo
unicamente ismeros puros, diminuindo assim os efeitos secundrios como tambm
reduzir a dosagem total dos medicamentos, pelo menos em 50% (Daughton et al., 1999).
Por outro lado esta atitude iria reduzir de forma significativa os resduos dos
medicamentos no meio ambiente.
relevante a carncia de conhecimentos de efeitos sinrgicos dos medicamentos, que
ocorrem com a interaco de vrias substncias podendo provocar alteraes
bioqumicas em organismos expostos. Assim sendo, o comportamento de uma
substncia pode ser alterado na presena de outros compostos com vias farmacolgicas
de actuao similares (Boxall, 2004).
Nos ltimos anos a comunidade cientfica reconheceu a necessidade de incluir os
medicamentos no grupo de compostos que podem causar efeitos adversos em espcies
no-alvo. Foi em 1995, na Alemanha, que surgiu o primeiro requerimento para que os
medicamentos introduzidos no mercado fossem submetidos a uma srie de testes de
ecotoxicidade, isto de acordo com as Normas 92/18 EWG da Unio Europeia (Henschel
et al, 1997; Daughton et al., 1999). No entanto ainda h um longo caminho a percorrer,
visto a grande variedade de organismos tanto terrestres como aquticos, a multiplicidade
de efeitos fisiolgicos possveis de se desenvolver, uma vez que podem surgir alteraes
muito subtis de difcil percepo, que tendem a causar consequncias por vezes no
imediatas que s se manifestam aps longos perodos de tempo (Daughton et al., 1999).
26
5- Categorias de medicamentos encontrados no ambiente
5.1- Analgsicos e anti-inflamatrios
Este grupo dos compostos farmacuticos mais vendidos no mundo inteiro,
sendo que so produzidas quilotoneladas por ano. Como resultado do seu elevado
consumo, bem como a sua elevada farmacocintica, os analgsicos e anti-inflamatrios
podem atingir concentraes detectveis no ambiente (Clouvers, 2003). Dentro dos mais
frequentemente encontrados em amostras de gua esto o paracetamol, cido
acetilsaliclico, diclofenac, cetoprofeno, ibuprofeno e indometacina.
5.1.1- Diclofenac
O diclofenac constitui a stima substncia activa mais vendida em Portugal,
atingindo um valor total de 1 947 175 embalagens, sendo considerada um importante
objecto de estudo (Infarmed, 2009). Estudos realizados indicam a presena de diclofenac
em guas superficiais, subterrneas e inclusive de consumo humano, uma vez que os
sistemas de tratamento em Portugal no permitem a remoo completa deste composto
nas guas. S no ano 2007 foram vendidas 1.947.175 embalagens em Portugal
(Infarmed, 2008).
Pertence ao grupo frmacoteraputico dos anti-inflamatrios no esterides, sendo
utilizado em situaes de artrites ou leses agudas (Ferreira e Ferreira, 2006).
Figura 3- Estrutura qumica do diclofenac (Adaptado a partir de National Library of Medicine,
2010)
A aco anti-inflamatria do diclofenac est relacionada com a inibio da COX-2, que
responsvel pela sntese de PGs que so intermedirias no processo inflamatrio (Rang
et al., 2001).
27
O diclofenac eliminado sob a forma de glucuronidos e sulfatos conjugados dos
metabolitos. Menos de 1% de frmaco excretada sob a forma inalterada (Davies et al.,
1997).
No Paran (Brasil), foi feita a avaliao do risco ambiental dos anti-inflamatrios no-
esterides (AINE) diclofenac e ibuprofeno, usando um modelo de avaliao da Agncia
Europeia de Medicamentos (EMEA) em 323 cidades, o ensaio revelou um risco
ambiental acrescido em 12 cidade relativamente ao diclofenac e 51 cidades para
ibuprofeno (Gamarra Junior, 2007). Num outro estudo, Ternes (1999), documentou
valores de diclofenac, indometacina, ibuprofeno, naproxeno, cetoprofeno e fenazona em
efluentes de ETAR com concentraes acima de 1 g/L. excepo do cetoprofeno, os
restantes compostos foram tambm encontrados em guas superficiais em
concentraes mais reduzidas.
O diclofenac pode apresentar efeitos sobre a mutao de microorganismos, j que foi
demonstrada alguma aco anti-microbiana, especialmente em valores baixos de pH e
contra bactrias Gram (+) ou fungos dermatfitos (Berger et al., 1986).
5.1.1.1- Efeitos ecotoxicolgicos
Existem estudos que demonstram os efeitos ecotoxicolgicos do anti-
inflamatrio diclofenac no ambiente. Ferrari et al. (2003), demonstrou a ecotoxicidade
do anti-inflamatrio diclofenac (resultados compilados no Quadro n 1), classificando o
diclofenac segundo a exposio dos organismos testados a perigosidade que varia entre
perigoso para organismos aquticos quando o EC50 se encontra entre 11-100 mg/L
muito txico para organismos aquticos quando apresentam valores de EC50 inferior a
1 mg/L, e txico para organismos aquticos quando o EC50 se encontra entre 1 - 10
mg/L.
Quadro 1- Valores experimentais de NOEC, LOEC e EC50 obtidos com bactrias, rotferos,
cladceros e peixes submetidos a diclofenac (Adaptado a partir de Ferreira e Ferreira, 2006).
Toxicidade Aguda g/L
V. fischeri 30 min EC50 114 554
D. magna 48h EC50 22 430
C. dbia 48 h EC50 22 704
28
Toxicidade Crnica
P. subcapitata 96h NOEC 0000
LOEC 20000
B. calyciflorus 48h NOEC 12500
LOEC 25000
C. dbia 7 dias NOEC 1000
LOEC 2000
D. rerio (ELS) 10 dias NOEC 4000
LOEC 8000
Outro estudo realizado investigou a letalidade e teratogenicidade do diclofenac em
trutas arco-iris, durante uma exposio de 4 semanas, levando a alteraes
histopatolgicas nos rins e brnquias, utilizando concentraes de 5 g/L, e
estabelecendo-se um NOEC de 1g/L (Schwaiger et al., 2004)
Com concentraes mais elevadas, de 20g/L foram observadas alteraes
degenerativas das clulas epiteliais respiratrias, interferindo tambm nas funes
respiratrias normais da espcie (Triebskorn et al., 2004).
Um estudo descrito em 1997, visou avaliar os efeitos toxicolgicos decorrentes da
exposio de Oryzias latipes a diclofenac. Este estudo reportou efeitos toxicolgicos a
nvel celular e carcinognicos nos tecidos desta espcie de peixe. Alm disso, exposio
a uma concentrao de 1g/L resultou numa diminuiao da expresso do gene da
vitelogenina, proteina especfica do vitelo do ocito, sintetizada pelas fmeas (Hong et
al., 2007).
5.1.1.2- Remoo do diclofenac em ETAR
Como foi referido anteriormente, o diclofenac dos compostos farmacuticos
mais importantes a considerar, devido ao seu elevado consumo pelos humanos, e como
consequncia, maior prevalncia nas guas residuais. O mais problemtico a sua baixa
remoo em estaes de tratamento de guas residuais, que se cifra em 17% da
quantidade inicial de diclofenac que entra nas estaes de tratamento (Heberer, 2002).
Atravs do seguinte quadro possvel observar as concentraes de diclofenac em
afluentes e efluentes de ETARs e verificar a eficincia de diversos tratamentos para a
remoo do diclofenac.
29
Tabela 2- Concentraes de diclofenac em afluentes e efluentes de ETARs e eficincia de
tratamentos de remoo segundo diversos autores (Adaptado a partir de Roque, 2009)
Composto Concentra
o afluente
g/L
Concentrao
efluente g/L
Sistema de
tratamento
Remo
o
mxima
(%)
Referncia
Diclofenac
2,8 1,9 Bioreactores de
membrana
23-30 Quintana et
al., 2005.
1,47-1,9 0,4-1,9 Lamas activadas e
tratamento qumico
com FeCl3
Trauxe-
Wuersch et
al., 2005.
0,350,1 0,17-0,35 Tratamento qumico
para remoo de
fsforo e Lamas
activadas
9-60 Lindqvist et
al., 2005.
1,0 0,3 Leito percolador e
lamas activadas
71,0 Roberts and
Thomas,
2005.
Como possvel constatar, no quadro anterior nenhum dos mtodos utilizados
conseguiu a remoo total do diclofenac. A remoo total no entanto possvel de
conseguir atravs de mtodos mais sofisticados de oxidao. Um dos processos
sugeridos envolve o mtodo do Foto-Fenton, que consiste na reaco de sais de ferro e
perxido de hidrognio produzindo radicais hidroxilo, catalisado por radiao na faixa
do UV e visvel, durante 100 minutos. Estes radicais tm um elevado poder oxidante e
no so selectivos, pelo que podem degradar uma grande variedade de compostos
orgnicos, podendo levar at a completa mineralizao (Cunha et al, 2007).
Por outro lado, um trabalho realizado por Kimura et al., (2007) revelou uma eficincia
de remoo de 80%, aps tratamento com bioreactor de membrana com tempos de
reteno de lamas elevados (65 dias).
Existem muitas tcnicas aplicadas na remoo de diclofenac nas ETARs onde a
eficincia varia entre 0% e 80% como se verifica na Figura 4, sendo que a maioria
remove apenas entre 21 e os 40% (Zhang et al, 2008).
30
Figura 4 - Eficincia de remoo do diclofenac nas ETAR (Adaptado a partir de Zhang et al.,
2008).
31
5.2- Antidepressivos
Foi na dcada de 50 que foram descobertos os frmacos antidepressivos,
tornando possvel o tratamento de transtornos depressivos. Os medicamentos
antidepressivos tm a capacidade de aumentar a concentrao de neurotransmissores na
fenda sinptica atravs da inibio do metabolismo, bloqueio de recaptura neuronal ou
actuao em autoreceptores pr-sinpticos (Bezchlibnyk-Butler et al., 1999).
Na figura apresentada a seguir possvel constatar o aumento de consumo deste tipo de
medicamentos em Portugal de ano para ano, sendo de esperar o surgimento de alguns
destes compostos no meio ambiente, podendo afectar organismos aquticos e terrestres
(Schultz et al., 2008).
Figura 5- Consumo dos medicamentos ansiolticos, hipnticos, sedativos e antidepressivos em
Portugal de 2002-2008 (Adaptado a partir de ACS- Alto Comissariado da Sade, 2009).
Um estudo recente demonstrou a presena significativa de fluoxetina, sertralina e
norsertralina em vrios tecidos examinados (tecidos cerebrais, fgado e msculos) de
uma populao de peixes das espcies Lepomis macrochirus, Ictalurus punctatus e
Pomoxis nigromaculatus. Foi determinado que estes compostos so capazes de afectar o
sistema fisiolgico destas espcies (Schultz et al., 2008)
32
5.3- Antiepilpticos
5.3.1- Carbamazepina
A carbamazepina o principal antiepilptico de primeira linha para o tratamento
de crises parciais e generalizadas tnico-clnicas, actuando atravs do bloqueio dos
canais de sdio. Est inserida no grupo dos 100 medicamentos mais vendidos em
Portugal, segundo o Infarmed. S em 2007 foram dispensadas mais de 335.000
embalagens que constituam a carbamazepina como princpio activo (Infarmed, 2007).
Figura 6- Estrutura qumica da carbamazepina (Adaptado de National Library of Medicine,
2010)
A carbamazepina metabolizada no fgado, originando vrios metabolitos dentro dos
quais o composto activo carbamazepina-10,11epxido o mais importante. So
formados outros compostos de carcter farmacolgico inactivo, como o caso dos
glucurondeos, que so excretados pela urina. Aps a administrao de uma dose oral
nica de 400 mg de carbamazepina, 72% so excretadas na urina e 28% nas fezes. Na
urina, cerca de 2% da dose so recuperadas como substncia inalterada e cerca de 1%
como metabolito 10,11-epxido, farmacologicamente activo (Borges et al., 1999).
5.3.1.1- Efeitos ecotoxicolgicos
Em 2002, foram estudados os efeitos ecotoxicolgicos da carbamazepina em
bactrias, algas, microcrustceos e peixes. Este estudo, conduzido por Ferrari et al,
(2002), avaliou os efeitos agudos e crnicos sobre estes organismos, obtendo os
resultados que se apresentam no Quadro 3. Foi possvel demonstrar uma toxicidade
33
crnica a 25 g/L no crustceo Ceriodaphnia dubia, sugerindo o potencial de
perigosidade da carbamazepina para o meio hdrico (Ferrari et al., 2002).
Quadro 3 Valores experimentais de NOEC, LOEC e EC50 obtidos com bactrias, rotferos,
cladceros e peixes submetidos a carbamazepina (Adaptado a partir de Ferrari et al., 2002).
Toxicidade Aguda g/L
V. fischeri 30 min EC50 81000
D. magna 48h EC50 13800
C. dbia 48 h EC50 77700
Toxicidade Crnica
P. subcapitata 96h NOEC 100000
LOEC 100000
B. calyciflorus 48h NOEC 377
LOEC 751
C. dbia 7 dias NOEC 25
LOEC 100
D. rerio (ELS) 10 dias NOEC 25000
LOEC 50000
Existem diversos estudos acerca dos efeitos da carbamazepina nos organismos
aquticos. Este composto considerado txico para cnidrios (EC50 entre 1 10 mg/L)
e no txico para crustceos e peixes (EC50> 100 mg/L). Os resultados obtidos neste
ensaio revelaram que no expectvel que a carbamazepina produza efeitos txicos
agudos no biota aqutico sob estas circunstncias. Contudo, os efeitos crnicos e os
efeitos sinrgicos com outros qumicos no podem ser excludos e devero ser
investigados (Jones et al., 2002).
Num outro estudo publicado em 2005, foram analisados os efeitos da carbamazepina em
Chironomus riparius, invertebrados aquticos pertencentes famlia dos
quironomdeos. Este estudo demonstrou uma baixa toxicidade aguda da carbamazepina
para estes organismos aquticos. No entanto, quando expostos a sedimentos
contaminados, os ensaios demonstraram efeitos crnicos significativos e especficos nos
organismos, tais como o bloqueio da fase de pupa (fase de desenvolvimento), bem como
a emergncia nos Chironomus riparius com valores de EC10 de 70 a 210 g/kg de peso
seco (Oetken et al., 2005).
34
5.3.1.2 - Remoo da carbamazepina em ETAR
Figura 7- Percentagem de carbamazepina removida numa escala laboratorial e real de sistemas
convencionais de lamas activadas, reactores de membrana escala laboratorial e piloto, e SBRs
(Adaptado a partir de Zhang et al., 2008).
Estes dados apresentados englobaram ensaios escala laboratorial e real de sistemas
convencionais de lamas activadas, reactores de membrana escala laboratorial e piloto,
e SBRs (sequencing batch reactors). Este estudo permitiu concluir que a carbamazepina
um composto persistente e que as eficincias de remoo das ETARs so, na maioria,
abaixo dos 10%. Existindo ainda estudos em que, aps o tratamento por lamas activadas
foram obtidas taxas de remoo perto de 0%, justificando o resultado devido elevada
resistncia da carbamazepina degradao em ETARs (Castiglioni et al., 2006).
A percentagem de remoo mais elevada de carbamazepina foi de 53%, registada num
sistema convencional de tratamento de guas residuais. Pxeus et al., (2004) assumiu
que o elevado teor de leos de silicone possivelmente tenha melhorado a eficincia de
remoo por extrair a carbamazepina juntamente com o leo de silicone anexado s
lamas. Os leos de silicone so anlogos ao silcio de carbono com base em compostos
orgnicos e podem formar molculas relativamente longas e complexas (Martn-Gil et al.,
1997).
Dordio et al., (2009) estudaram a remoo de trs compostos farmacuticos
carbamazepina, cido clofbrico e ibuprofeno - atravs de leitos de macrfitas, com
meio de enchimento constitudo por agregados de argila expandida LECA
(MaxitGroup Portugal) (Zhang et al., 2008). Primeiramente foi testada a capacidade da
LECA para remover os compostos farmacuticos dissolvidos individualmente na gua;
35
posteriormente testou-se a sua capacidade de remoo aquando da presena dos trs
compostos em simultneo. Com isto, os autores concluram que as eficincias de
remoo so ligeiramente inferiores na presena da mistura dos trs compostos. A
LECA permitiu uma remoo de 60% a 95% de carbamazepina, para concentraes
iniciais entre 1 mg/L a 50 mg/L, verificando-se uma relao linear entre as quantidades
absorvidas/adsorvidas e as concentraes iniciais testadas.
Figura 8 Eficincias de remoo da carbamazepina, ibuprofeno e cido clofbrico pela LECA,
para cada concentrao inicial e tempo de contacto de 144 horas. (a) ensaios realizados com
cada composto presente individualmente na gua e (b) ensaios realizados com a mistura de
compostos (Adaptado a partir de Dordio et al., 2009).
De acordo com Ternes (2006), obteve-se uma eficincia de remoo da carbamazepina
de 99% quando aplicado o tratamento por carvo activado. Tal facto deve-se ao elevado
coeficiente de partio octanol-gua (2,45), que permite que este anti-epilptico fique
adsorvido s partculas de carvo activado.
5.4-Medicamentos utilizados em patologias cardiovasculares
Segundo o Infarmed, a utilizao de anti-hipertensores apresentou entre 1999 e
2003 um aumento de 28% em doses dirias definidas por 1000 habitantes/dia, passando
de 183 em 1999 para 234 em 2003, correspondente a 40% no aumento dos encargos do
SNS (Infarmed, 2005).
Existem vrios beta-bloqueadores, tais como metoprolol, propanolol, betaxolol,
bisoprolol e nadolol, que foram detectados em efluentes de ETARs municipais em
concentraes significativas. Destes, apenas o metoprolol, propanolol e bisoprolol
foram encontrados em amostras de guas superficiais, em concentraes reduzidas.
36
O cido clofbrico, um metabolito activo dos reguladores dos lpidos, foi um dos
primeiros compostos a ser documentado como um resduo de medicamento presente em
afluentes e efluentes de ETARs, bem como em guas subterrneas, e continua a ser um
dos compostos mais frequentemente analisados em estudos de monitorizao de
resduos de medicamentos (Tauxe-Wuersch et al., 2005).
5.4.1- cido clofbrico
O cido clofbrico o principal metabolito e a substncia activa dos reguladores
de cidos gordos e colesterol clofibrato, etofibrato, fenofibrato e etofilinclofibrato
(Stumpf et al., 1999). Estas substncias, denominadas de antidislipidmicos, actuam de
modo a reduzir a elevada quantidade de lpidos, reduzindo a fraco de lipoprotena,
bastante rica em triglicridos. Contudo, o seu mecanismo de aco no est
definitivamente estabelecido (Emblidge e De Louenzo, 2006).
Figura 9 Estrutura qumica do cido clofbrico (Adaptado a partir de National Library of
Medicine, 2010).
O cido clofbrico excretado do organismo maioritariamente sob a forma de
glucurondeos (> 90%) e sob a forma inalterada (6%) (Winkler et al., 2001). Este
metabolito foi detectado em afluentes de estaes de tratamento de gua residual em
nveis bastantes elevados, sendo que os tratamentos convencionais s conseguem
remover apenas 50%, durante a passagem pelas ETARs, sendo um dos maiores
contaminantes farmacuticos presentes nos efluentes de ETARs (Ternes, 1998).
Atravs de um estudo realizado em Portugal, foi possvel detectar quantidades
considerveis de cido clofbrico em vrias ETARs, tanto nos afluentes, como efluentes
(Salgado et al., 2007). Este antidislipidmico tem sido frequentemente detectado em
efluentes de ETAR por todo o mundo, em concentraes variveis entre 0,07 e 0,27
g/L (Tauxe-Wuersch et al., 2005).
37
5.4.1.1- Efeitos ecotoxicolgicos
Ferrari et al., (2003), para alm de estudar os efeitos ecotoxicolgicos da
carbamazepina e do diclofenac, estudou o antidislipidmico cido clofbrico. Os
resultados a que chegou encontram-se no Tabela 4.
Tabela 4- Valores experimentais de NOEC, LOEC e EC50 obtidos com bactrias, rotferos,
cladceros e peixes submetidos ao cido clofbrico (Adaptado a partir de Ferrari et al., 2002).
Toxicidade Aguda g/L
V. fischeri 30 min EC50 91827
D. magna 48h EC50 200000
C. dbia 48 h EC50 200000
Toxicidade Crnica
P. subcapitata 96h NOEC 75000
LOEC 150000
B. calyciflorus 48h NOEC 246
LOEC 740
C. dbia 7 dias NOEC 640
LOEC 2560
D. rerio (ELS) 10 dias NOEC 70000
LOEC 140000
Um estudo realizado em 2005 por Flaherty e Dodson, permitiu concluir que a mistura
de cido clofbrico (100 g/L) com fluoxetina (36 g/L) causa malformaes e
mortalidade em Daphnia magna. Em mdia, 62,5% destes crustceos expostos a esta
mistura de frmacos, morreram aps 6 dias de exposio. A exposio aguda a 36 g/L
de fluoxetina e 10 g/L de cido clofbrico resultaram no aparecimento de
anormalidades morfolgicas em cerca de 19% dos organismos da espcie D. magna
(Flaherty et al., 2005).
5.4.1.2- Remoo de cido clofbrico em ETAR
Foi concludo que nenhum dos distintos processos utilizados nas ETARs,
nomeadamente lamas activadas e sistemas por leitos percoladores, conseguiu uma
eficincia na remoo de cido clofbrico superior a 29%, sendo j este valor bastante
reduzido. O cido clofbrico foi detectado em concentraes muito elevadas (711 g/g)
38
nas lamas provenientes das ETARs, sugerindo que a adsoro desempenha um papel
importante na sua remoo.
Kimura et al., (2005), realizaram um estudo onde avaliaram a eficincia de remoo de
determinados compostos farmacuticos, comparando bioreactores de membrana com o
sistema convencional de lamas activadas. Na Figura 10 encontra-se representada a
estao piloto utilizada pelos autores neste estudo.
Figura 10- Representao da estao piloto utilizada no estudo (Adaptado a partir de
Kimura et al., 2005).
Entre vrios sistemas investigados foi o CMBR hybrid membrane bireactor, que
exibiu maior ndice de remoo, resultado da diferena de pH. Esta diferena de pH
poder alterar a comunidade microbiolgica no reactor, resultando na induo de
diferentes enzimas (Kimura et al., 2005).
Por outro lado, foi testado o potencial de leitos de macrfitas de fluxo sub-superficial,
plantada com Typha spp., para a remoo do cido clofbrico e os resultados
demonstraram que esta monocotilednea na presena de 20 g/L de cido clofbrico,
tem capacidade para remover 50% do cido clofbrico nas primeira 24-48h, e aps 21
dias de exposio remove 80% do cido clofbrico (Dordio et al., 2009). Os nveis de
crescimento vegetal indicaram que com o aumento das quantidades de cido clofbrico o
crescimento das razes aumentava. No entanto, registou-se um aumento da actividade de
enzimas antioxidantes, indicando que o cido clofbrico leva um aumento oxidativo
considervel nos tecidos da Typha spp., nomeadamente folhas e razes, podendo
constituir um sinal precoce de toxicidade.
39
6-Caracterizao dos destinos finais dos compostos farmacuticos
em termos ambientais
6.1- Partio
Uma vez descarregados os resduos dos medicamentos nas guas superficiais,
pode ocorrer a fixao s fases slidas como slidos suspensos, sedimentos ou biota
(que constitui um conjunto de seres vivos de um ecossistema, o que inclui a flora, a
fauna, os fungos de outros grupos de organismos). Tal ligao pode levar ao decrscimo
das concentraes de compostos farmacuticos na fase aquosa (Jones et al., 2004).
Contudo, existe uma grande quantidade de compostos com caractersticas hidrfilas e de
baixa volatilidade, no sendo assim a partio um factor significante na reduo das
concentraes na fase aquosa. Assim, pode concluir-se que so os compostos
hidrofbicos os que se ligam com mais facilidade aos sedimentos. O destino destes
compostos no meio hdrico essencial para determinar a sua biodisponibilidade,
degradao e transporte, uma vez que os compostos que sejam adsorvidos/absorvidos
aos sedimentos existiro numa concentrao superior do que os presentes na coluna de
gua, expondo mais os organismos bentnicos (pertencem ao fundo e corpos de gua)
do que os pelgicos (organismos que vivem na coluna de gua ocenica) (Jones et al.,
2004).
possvel descobrir a propenso para os compostos se ligarem matria orgnica e aos
sedimentos atravs da anlise dos coeficientes de partio octanol-gua (Kow) e
carbono orgnico (Koc) (Jones et al., 2004). H autores que correlacionam um elevado
valor de log Kow com uma maior taxa de remoo dos resduos uma vez que estes se
encontram ligados aos sedimentos.
Tabela 5 - Partio de compostos farmacuticos segundo a gradao de log Kow (Adaptado a
partir de Jones et al., 2004).
Valor logKow Potencial de partio
2,5 Baixa
2,5 - 4,0 Media
4,0 Alta
40
6.2- Degradao
A biodegradao provavelmente a maior via de degradao de muitos
compostos medicinais. Quando presentes no ambiente, os compostos so sujeitos a
processos qumicos e biolgicos apresentando uma variabilidade na resistncia que vai
depender das suas caractersticas, uma vez que eles podem ser facilmente
biodegradveis, ou seja, o composto mineralizado a dixido de carbono e gua, ou
pode passar por algum processo metablico ou ser degradado parcialmente, ou na pior
das hipteses ser persistente no meio em que est inserido (Richardson et al., 1985).
Apesar da falta de conhecimentos do que ocorre com a maior parte dos frmacos, h
estudos que demonstram a importncia da fotodegradao em alguns compostos, sendo
possvel a utilizao de tecnologias como as radiaes ultra-violeta (UV) para reduzir a
concentrao de alguns compostos nas guas efluentes de ETAR, como por exemplo a
aspirina e o paracetamol (Jones et al., 2004).
6.3- Bioacumulao, bioamplificao e biotranformao
Muitas drogas so biotransformadas em produtos mais hidroflicos, sendo
possvel a sua excreo pelos sistemas renais dos organismos que as ingeriram; assim, a
eliminao por via renal assume-se como a principal via atravs da qual os compostos
so eliminados do corpo (Jones et al., 2004). Compostos que so pouco solveis nos
fluidos corporais e que no so absorvidos no tracto alimentar, e tambm electrlitos
solveis em gua, so excretados sob a forma no alterada. A biotransformao que
ocorre principalmente no fgado, leva perda de actividade farmacolgica do composto.
As reaces qumicas no processo de biotransformao so agrupadas em duas fases.
Primeiro ocorre a reaco de oxidao-reduo e hidrlise. Os compostos formados so
metabolitos com grupos polares reactivos. Posteriormente ocorrem as reaces de
conjugao ou acoplamento de grupos polares endgenos. Os produtos resultantes da
segunda fase so, geralmente, inactivos e solveis em gua, e facilmente excretados
pela urina (Jones et al., 2004). Em algumas situaes so formados compostos
intermedirios a partir dos frmacos, ou seja, produtos estveis resultado da
biotransformao, que podem ser ainda mais estveis, mais txicos e ter um potencial
de acumulao superior aos compostos originais (Kummerer, 2009).
41
Assim, por vezes, os compostos farmacuticos so acumulados em organismos
terrestres ou aquticos uma vez que necessrio algum tempo at que ocorra a
biodegradao dos mesmos (Jones et al., 2004). A bioacumulao acontece quando
ocorre o aumento da concentrao de um poluente num organismo aqutico, atravs da
sua incorporao por absoro, atravs do contacto com a gua poluda. O incremento
de concentrao nos tecidos pode induzir efeitos adversos no biota, uma vez que
aumenta a exposio dos predadores, atravs do consumo ao longo da cadeia alimentar
(Jones et al., 2004).
A bioamplificao a acumulao de uma substncia no biota em toda a extenso da
cadeia alimentar, atravs da alimentao. Os antibiticos so exemplo de uma classe
teraputica utilizada na agropecuria, que pode ocasionar a contaminao de ambientes
tanto aquticos quanto terrestres (Boxall et al., 2003) uma vez que muitos dos
antibiticos administrados no so completamente metabolizados no organismo animal,
sendo excretados na urina e nas fezes, tanto na forma do composto original ou j
parcialmente metabolizados (Halling-Srensen et al., 1998; Sarmah et al., 2006;
Kemper, 2008). A utilizao de excrementos animais e da lama de esgoto para fins de
adubao constitui numa das principais vias de disseminao desses compostos no
ambiente (Christian et al., 2003). Uma vez no ambiente, os resduos de antibiticos
podem acumular-se no solo, ou sofrer lixiviao (Daz-Cruz et al., 2003). Alm disso,
alguns desses resduos no solo podem ser absorvidos e acumular-se nos tecidos
vegetais, resultando em risco para a sade humana (Migliore et al., 2003; Boxall et al.,
2006).
42
7 - Tratamento de efluentes poludos com substncias
farmacuticas
Para a obteno de um efluente adequado nos processos em vigor nas estaes
de tratamento de guas residuais, podem ser usados sistemas de tratamento fsico-
qumicos ou biolgicos. Tal depende do destino dado ao efluente em estudo, bem como
a presena de micropoluentes que se pretendem remover e que se encontram nesse
mesmo efluente.
De um modo geral, existem quatro tipos de tratamento de efluentes: preliminar,
primrio, secundrio e tercirio, sendo que a deciso do nvel de tratamento a atingir
depende do tipo de guas residuais a tratar e do tipo e procedimento de produo de
efluentes a obter.
Pormenorizando cada um dos tipos de tratamento das guas residuais, temos:
- O tratamento preliminar, constitudo unicamente por processos fsicos, onde h
remoo dos slidos grosseiros, flutuantes e sedimentveis, atravs da utilizao de
grades (gradagem) e de crivos grossos. O tratamento preliminar constitudo tambm
por um sistema de desengorduramento e desarenao, de forma a remover areias e
gorduras existentes na gua residual (Cruz, 1997).
- O tratamento primrio constitudo por processos fsico-qumicos. Nesta etapa,
procede-se ao pr-arejamento, equalizao do caudal, neutralizao da carga do efluente
a partir de um tanque de equalizao e, seguidamente, procede-se separao de
partculas lquidas ou slidas, atravs de processos de floculao e sedimentao,
utilizando um sedimentador ou decantador primrio. As lamas resultantes deste
tratamento so sujeitas a um processo de digesto anaerbia num digestor anaerbio ou
tanque sptico (Cruz, 1997).
- O tratamento secundrio constitudo por processos biolgicos seguidos de processos
fsico-qumicos. No processo biolgico podem ser utilizados dois tipos diferentes de
tratamento:
Os processos aerbios simulam o processo natural de decomposio, com
eficincia no tratamento de partculas finas em suspenso. O oxignio obtido
por agitao mecnica ou por injeco de ar.
43
Os processos anaerbios consistem na estabilizao de resduos feita pela aco
de microorganismos, na ausncia de ar ou oxignio elementar. O tratamento
pode ser referido como fermentao mecnica.
O processo fsico-qumico constitudo por um ou mais sedimentadores secundrios.
Nesta etapa feita a sedimentao dos flocos biolgicos, obtendo um resultado isento
de slidos ou flocos biolgicos. As lamas resultantes deste tratamento so secas em
leitos de secagem, sacos filtrantes ou filtros de prensa;
- O tratamento tercirio constitudo unicamente por processos fsico-qumicos. Nesta
fase procede-se remoo de microrganismos patognicos; a gua resultante sujeita a
desinfeco atravs da adsoro com a utilizao de carvo activado e, se necessrio,
feito tratamento com cloro, ozono e canal ultravioletas (U.V.) (Cruz, 1997).
No passado, os tratamentos primrios e secundrio promoviam ptimas condies para
uma degradao microbiana de desperdcios orgnicos e nutrientes inorgnicos, atravs
da promoo de uma intensa mistura e introduo de oxignio. Actualmente, estes
tratamentos so considerados pouco eficientes na degradao dos nutrientes, pelo que
foram sendo substitudos pelo tratamento tercirio. Mas este processo tambm tem
variabilidade na eficincia, j que depende do composto a ser removido (Gonzles et al.,
1997). Os tratamentos tercirios requerem extensos tempos de reaco em reactores
expansivos e, em alguns casos, o uso de aditivos qumicos, o que requer, geralmente,
grandes custos para serem implementados. Por outro lado, resduos prprios do
processo (subprodutos) podem ficar no efluente, o que conduz a uma poluio
secundria (Gonzles et al., 1997).
7.1 - Lamas activadas
Este um processo biolgico realizado por um grupo de microorganismos na
presena de oxignio que proporcionado atravs de um sistema artificial forando a
entrada de ar de modo a garantir condies aerbias para que seja possvel a oxidao
da matria orgnica por parte das bactrias. Este sistema pode ou no incluir decantao
primria, isto no caso de se tratar de um sistema de baixa carga cujo arejamento
prolongado e a relao entre o alimento (CBO5) e os microorganismos (MVS) muito
baixa, para que no seja removida a pequena poro de alimento existente. Atravs
deste processo possvel remover 70% dos slidos que se encontram suspensos e
aproximadamente 30% do carbono orgnico. Este tratamento realizado num ou mais
44
tanques de arejamento onde possvel manter as condies necessrias como o caso
da mistura e sistema de arejamento.
Logo de seguida ao processo biolgico ocorre a decantao secundria onde h
separao dos flocos biolgicos e a gua residual. Os flocos biolgicos so massas
activas biologicamente que resultam da floculao de partculas coloidais orgnicas,
inorgnicas e de clulas vivas.
O produto resultante d origem a um efluente secundrio clarificado e a lamas
espessadas que so circuladas novamente para o tanque de arejamento com vista a
manter as lamas facilmente sedimentveis isto , manter a relao
alimento/microrganismo desejada.
As lamas que se formam no tanque para que apresentem uma boa caracterstica de
sedimentabilidade, os valores de F/M (Food/Microorganisms) tm que se enquadrar nos
intervalos apropriados, isto :
Tabela 6- Classificao dos regimes das lamas activadas (Adaptado a partir de Amaral, 2008).
No fim, as lamas em excesso que so produzidas diariamente depois de estar
estabelecido o equilbrio do sistema em relao aos valores F/M, so extradas do
sistema e so submetidas a um tratamento adequado.
Figura 11 - Esquema representativo do sistema convencional de lamas activadas (Adaptado a
partir de Metcalf e Eddy, 2003).
Regime do sistema F/M (KgCBO5/KgMVS.dia)
Alta carga - arejamento rpido 1,5 5
Media carga - arejamento convencional 0,2 0,5
Baixa carga - arejamento prolongado 0,03 0,135
45
O sistema de tratamento de guas residuais por bioreactores de membrana
comparativamente ao de lamas activadas, apresenta uma maior eficincia de remoo de
alguns compostos farmacuticos (Radjenovic et al., 2007). Frmacos como o
ibuprofeno, diclofenac e acetaminofeno, apresentaram elevados nveis de remoo,
sendo possvel a sua remoo total atravs de processos de adsoro ou degradao
durante o tratamento por membranas. Esta tecnologia promissora para atingir um bom
funcionamento tem de ser optimizado atravs da modificao das membranas e pela
modificao do processo de tratamento, i.e. introduo de microorganismos especficos
com vista remoo completa dos compostos farmacuticos (Radjenovic et al., 2007).
7.2 - Ozonizao
O ozono (O3) um gs ligeiramente azulado considerado instvel e de odor
caracterstico, pouco solvel em gua e muito voltil. muito utilizado na desinfeco
de gua residual para o controlo de odores e na remoo de compostos orgnicos
solveis refractrios (Daughton et al., 1999). O ozono actua ento em compostos
sensveis a oxidao, como o exemplo de alguns pesticidas.
Figura 12 - Representao esquemtica da formao de ozono na estratosfera (Adaptado a partir
de Pereira, 1999).
Dependendo do tipo de substrato e das condies operacionais, a oxidao por ozono
normalmente potenciada por valores de pH elevados, uma vez que nestas circunstncias
a produo de radicais hidroxilo superior. O ozono pode ser utilizado no tratamento de
guas residuais para o controlo de odores, bem como nos processos avanados de
tratamento de gua residual, removendo os compostos orgnicos solveis refractrios.
Assim sendo, o ozono um agente oxidante extremamente forte, com capacidade para
46
produzir efeitos sobre os contaminantes susceptveis oxidao, como pesticidas e
compostos farmacuticos (Klavarioti et al., 2008).
7.3 - Processos avanados de oxidao
Existem vrios processos avanados de oxidao entre os quais os processos por
UV, UV/H2O2, Processo de Fenton, Foto-Fenton e fotocatlise so os mais relevantes.
Os processos avanados de oxidao tm como finalidade a gerao de um oxidante
no-especfico, altamente reactivo, denominado por radical hidroxilo (OH*), capaz de
destruir uma vasta gama de poluentes nas guas residuais.
7.3.1 - Processo avanado de oxidao por UV
Atravs do exemplo demonstrado a seguir, possvel notar a interaco da luz
com as molculas, de modo a que se dissociem em fragmentos originando compostos
intermedirios que por sua vez vo dar origem a um agente oxidante (Pera-Titus et al.,
2004).
composto + hv compostos intermedirios
compostos intermedirios + hv CO2 + H2O + Cl
7.3.2 - Processo avanado de oxidao com recurso a UV/H2O2
Este processo baseia-se na formao de radicais OH* atravs da fotlise do
perxido de hidrognio e nas subsequentes reaces de propagao. Isto s possvel
com uma dose relativamente elevada de H2O2 e/ou um tempo de exposio a UV muito
maior (Saritha et al, 2007).
H2O2 + h 2OH*
47
7.3.3 - Processo de Fenton
Nesta situao h produo de radicais OH* pelo reagente de Fenton, aquando da
adio de H2O2 a sais de Fe2+
(Andreozzi et al., 1999). O ferro considerado como um
catalisador, contudo no consegue levar mineralizao completa dos compostos
orgnicos (Safarzadeh-Amiri et al., 1997).
Fe2+ +H2O2 Fe3
+ + OH
+OH*
Fe3+ +H2O2 H
+ + FeOOH2
+
FeOOH2+ HO2* + Fe2
+
7.3.4 - Processo avanado de oxidao foto-Fenton
uma extenso do processo de Fenton, que utiliza a irradiao de luz UV nos
comprimentos de onda superiores a 300 nm. A fotlise dos complexos de Fe3+
permite a
regenerao de Fe2+
e a ocorrncia de reaces de Fenton associadas presena de H2O2
(Andreozzi et al., 1999).
Fe2+
+H2O2 Fe3+ + OH
+OH*
Fe(OH)2+
Fe2+
+HO2*
7.3.5 - Fotocatlise
Este processo oxidativo utiliza luz UV artificial e um semicondutor como TiO2
ou ZnO. Quando comparado com os outros processos avanados de oxidao um
processo relativamente lento e em alguns casos, leva mineralizao incompleta das
substncias orgnicas (Emilio et al., 2002).
A reaco iniciada pela absoro de radiao por parte dos electres que provoca a sua
activao que consequentemente leva ao surgimento do poder redutor dos electres
excitados que vo por sua vez permitir a reduo do metal, formando um radical super-
xido O2*-
, onde os nveis de valncia restantes tm capacidade de oxidar o H2O ou HO-
absorvido a radicais reactivos HO (Saritha et al., 2007).
48
TiO2 e + h+
TiO2(h+) + H2Oad TiO2 +HOad* + H
+
TiO2(h+) + HOad TiO2 +HOad*
A eficincia da remoo de compostos farmacuticos atravs de processos avanados de
oxidao na maioria das vezes bastante satisfatria, sendo capaz de destruir os
compostos em questo, tal facto demonstrado na Tabela 7 (Klavarioti et al., 2009).
Tabela 7- Estudos representativos de 3 frmacos mais comuns tratados por processos avanados
de oxidao (Adaptado a partir de Klavarioti et al., 2009).
Composto Concentrao Processo avanado de
oxidao
% de
remoo
Durao
do
processo
Diclofenac
Perez-Estrada et
al., (2006)
50 mg/L Foto-Fenton em estao
de luz piloto
100 100 min
Calza et al., (2006) 15 mg/L 200 mg/L de TiO2/ Luz
artificial 750 W/m2
100 60 min
Carbamazepina
Doll et al., (2005) 4,2 mg/L 100 mg/L de TiO2/ Luz
artificial
75 9 min
Hua et al.,
(2006)
0,3 g/L 1,5-2 mg/L de Ozono 100 20 min
Pereira et al.,
(2007)
240-720 g/L 10 mg/L de H2O2/UV
(200-300 nm)
90 --
Acido clofbrico
Andreozzi et al.,
(2003)
215-320 mg/L 1 M H2O2/UVC
(17 W)
90 60 min
Molinari et al.,
(2006)
10 mg/L 1 g/L de TiO2/UV
(125 W)
100 20 min
Sires et al., (2007) 179 mg/L Electrlise sobre
diamante com boro a
100 mA/cm2 e Fe
2+
100 7 min
Outro estudo focado na remoo de compostos farmacuticos atravs de processos
avanados de oxidao e ozonizao, concluiu que os poluentes orgnicos persistentes,
como o caso dos compostos farmacuticos, podem ser degradados atravs destes
processos de tratamento podendo eliminar completamente os frmacos atravs da
mineralizao ou convert-los em produtos menos prejudiciais para a sade humana e
para o meio hdrico (Ikehata et al., 2006).
49
A ozonizao e os processos avanados de oxidao podem ser usados antes do
tratamento biolgico. Contudo, em casos onde a matria orgnica se encontra
predominantemente presente, como o caso das guas residuais municipais, o mais
apropriado seria instalar a ozonizao ou os processos avanados de oxidao como
tratamento tercirio, aps o tratamento biolgico, uma vez que o requisito de agente
oxidante que permite a degradao dos poluentes bastante elevada (Ikehata et al.,
2006). Ikehata et al. (2006) estudaram a eficincia de processos avanados de oxidao
e ozonizao, podendo concluir que alguns compostos como a carbamazepina, o
diclofenac, entre outros, tem uma grande reactividade ao ozono molecular. No entanto
compostos como o ibuprofeno e o cido clofbrico revelaram-se resistentes a
ozonizao. Na tabela 8, encontram-se alguns resultados compilados por Ikehata et al.
(2006) aps ozonizao e processos avanados de oxidao.
Tabela 8- Resumo de degradao de alguns compostos farmacuticos aps ozonizao e
processos avanados de oxidao (Adaptado de Ikehata et al., 2006).
Composto Processo de aplicao Biodegradabilidade e
toxicidade
Carbamazepina Ozonizao Toxicidade diminuda para algas
H2O/UV No definido
TiO2/hv No definido
Diazepam Ozonizao No definido
Diclofenac Ozonizao Toxicidade eliminada para algas
e protozorios
O3/H2O2 No definido
H2O/UV Toxicidade eliminada para algas
e diminuda para protozorios
Fenton No definido
Foto-Fenton No definido
TiO2/hv Sem reduo da toxicidade
17-estradiol Ozonizao Estrogenicidade reduzida
O3/H2O2 Estrogenicidade reduzida
H2O/UV No definido
Foto-Fenton No definido
TiO2/hv Estrogenicidade removida
cido clofbrico Ozonizao Toxicidade eliminada para algas
e protozorios
O3/H2O2 No definido
H2O/UV Toxicidade eliminada para algas
e reduzida para protozorios
Foto-Fenton No definido
TiO2/hv Sem reduo de toxicidade
50
7.3.6 - Bioreactores de Membrana
Consiste na utilizao de um bioreactor e de um sistema de microfiltrao como
nico processo no tratamento de guas residuais, substituindo o processo de separao
de slidos na decantao secundria e da filtrao do efluente.
Existem dois tipos de bioreactores de membrana: (a) bioreactores integrados que
utilizam membranas imersas no bioreactor e (b) bioreactores de membrana com
recirculao, onde a membrana se situa fora do bioreactor.
Figura 13 Diagrama esquemtico de bioreactores de membrana: (a) bioreactor integrado com
mdulo de membranas imerso, e (b) bioreactor com unidade de membranas externa (Adaptado a
partir de Metcalf e Eddy, 2003).
No sistema de bioreactores de membrana integrados, a membrana de microfiltrao est
imersa no reactor de lamas activadas. As membranas so agrupadas em mdulos e
sujeitas a vcuo (menos de 50 kPa), por onde a gua permeada, ficando os slidos no
reactor. Dentro do processo, h uma etapa que consiste em introduzir ar comprimido
atravs de um sistema de difuso na base dos mdulos de membranas que vai garantir as
necessidades de O2 do sistema, mantendo os slidos suspensos no reactor e
consequentemente limpar a parte exterior das membranas (Metcalf e Eddy, 2003).
Por outro lado, nos bioreactores de membrana com recirculao, as lamas activadas do
bioreactor so bombeadas para uma membrana tubular de presso controlada, onde os
slidos ficam retidos dentro da membrana e a gua passa por fora desta, sendo que os
51
slidos retidos na membrana so recirculados para o tanque de lamas activadas (Metcalf
e Eddy, 2003).
A grande vantagem destes sistemas que tm capacidade para operar a concentraes
de slidos mais elevadas (de 15000 a 25000 mg/L) do que os sistemas convencionais de
lamas activadas (Metcalf e Eddy, 2003).
7.3.7 Microfiltrao
A microfiltrao (MF) consiste num processo de filtrao que envolve a
remoo de contaminantes de um fludo seja lquido ou gs, atravs da passagem de
uma membrana microporosa. Os poros das membranas de microfiltrao podem variar
de dimenso, entre 0,1 e 10 micrmetros, e possvel implementar esta tecnologia em
diversos processos de tratamento de guas, onde seja necessria a remoo de partculas
com diamtros superiores a 0,1 nm. Este processo difere dos processos de osmose
inversa e de nanofiltrao uma vez que no utiliza sistemas de presso para forar a
passagem da gua de uma zona de menor presso para outra de maior presso.
Snyder et al. (2007) estudaram a eficincia de vrias membranas e, ainda do carvo
activado, na remoo de compostos farmacuticos. Neste estudo foram avaliados
diversos tipos de membranas; a microfiltrao (MF), ultrafiltrao (UF), osmose
inversa, electrodilise, bioreactores de membrana. O carvo activado foi testado escala
laboratorial, e demonstrou ser bastante eficiente na remoo dos compostos em causa.
De acordo com os autores, os resultados confirmaram que tanto as membranas como os
processos por carvo activado tm capacidade para reduzir significativamente as
concentraes de contaminantes emergentes; no entanto, diversos compostos foram
detectados no permeado da membrana e no efluente do processo por carvo activado,
significando isto que estes processos no so eficazes a 100%.
7.3.8 Ultrafiltrao
A ultrafiltrao (UF) um processo de separao por membranas onde a fora
motriz se baseia na diferena de presso atravs da membrana, ficando retidas
macromolculas tais como gorduras, emulses, protenas, polmeros, entre outras, cuja
massa molar varie entre 500 e 500000 Daltons (Peppin e Elliot, 2001).
52
7.3.9 - Nanofiltrao
A nanofiltrao (NF) um processo de separao por membranas, permitindo a
disjuno de solutos neutros ou carregados presentes na gua. Este processo tambm
conhecido por loose reverse osmosis, retm partculas de dimenses superiores a
0,001 g/L, razo pela qual utilizada na remoo de determinados compostos
dissolvidos presentes nas guas residuais, como o caso de ies metlicos multivalentes
responsveis pela sua dureza (Metcalf e Eddy, 2003).
A nanofiltrao til num sistema de tratamento de guas, pelo facto deste permitir a
remoo dos compostos orgnicos e inorgnicos (bem como as bactrias e vrus), os
requisitos de desinfeco so minimizados, sendo este processo indicado para a
obteno de uma gua para consumo que cumpra os critrios mais rigorosos de
qualidade da gua.
Comerton et al. (2008) avaliaram a remoo de 22 disruptores endcrinos e compostos
farmacuticos de uma gua natural, pelo processo de nanofiltrao, seguido de osmose
inversa. Os autores tinham como objectivo examinar e comparar diversos tipos de
membrana em funo das propriedades de cada composto. De uma forma geral, foram
obtidos resultados mais eficientes atravs da osmose inversa apresentando uma maior
remoo dos compostos farmacuticos e disruptores endcrinos, comparativamente ao
processo de nanofiltrao, apesar da remoo ter variado de composto para composto.
Comerton et al. (2008) concluram que um sistema constitudo por bioreactores de
membrana e membrana de osmose inversa apresenta excelentes resultados na remoo
dos compostos farmacuticos e disruptores endcrinos presentes em todas as guas (>
90%).
7.3.10 - Osmose Inversa
Este processo o inverso da osmose normal, onde o movimento natural do
solvente ocorre da zona de menor concentrao, para a zona de maior concentrao de
soluto. A osmose inversa (OI) um processo de filtrao por membranas, que consiste
na passagem forada da gua residual atravs de uma membrana, mantendo o soluto de
um lado, permitindo que o solvente puro passe para o outro. A osmose inversa contm
uma membrana semi-permevel com poros minsculos por onde a gua flui ficando
retidos os compostos orgnicos como o caso dos sais e outros minerais naturais, que
53
na maior parte das vezes tm uma estrutura molecular de maior dimenso que a gua;
por outro lado, existem substncias qumicas com estruturas de dimenso inferior a esta
como pesticidas e herbicidas, que no so retidas pelas membranas de osmose inversa.
A osmose inversa envolve um mecanismo de difuso, de modo que a eficincia de
separao dependente da concentrao e do caudal afluente, bem como da presso. A
diferena de presso denominada de presso osmtica, funo das caractersticas do
soluto, bem como da sua concentrao e temperatura (Metcalf e Eddy, 2003).
Na Figura 14 representado um processo de membranas tpico por osmose inversa.
Figura 14 Diagrama esquemtico de um processo de membranas por osmose inversa com pr
e ps-tratamento (Adaptado a partir de Metcalf e Eddy, 2003).
Um dos trabalhos de Snyder et al. (2007) consistiu na avaliao da remoo de
frmacos de um efluente secundrio atravs de membranas, recorrendo a um sistema
piloto que consistia numa unidade de UF seguida de osmose inversa. Na generalidade, a
ultrafiltrao no apresentou eficincias de remoo satisfatrias, ao contrrio da
osmose inversa que removeu a maioria dos compostos avaliados, para alm do seu
limite de deteco.
Snyder et al. (2007) avaliaram ainda a eficincia de remoo de frmacos de um
efluente secundrio sem desinfeco, por um sistema escala real constitudo por uma
unidade de microfiltrao, seguida de uma passagem dupla pelas membranas de osmose
inversa. Os autores chegaram concluso de que as membranas de osmose inversa tm
capacidade para remover a maioria dos compostos investigados at nveis abaixo dos
limites detectveis. Contudo, nveis vestigiais de alguns contaminantes continuam a ser
detectados nos permeados da osmose inversa. Estes compostos que atravessam as
54
membranas no so persistentes, no existindo uma clara relao entre a sua estrutura
molecular e a passagem pela membrana
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