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QUERIDO DIÁRIO
Acordei inspirada a
ler o livro “Vidas
Secas” de Graciliano
Ramos. Na verdade
foi depois de ler um
diário virtual de um
parente de seu Tomás
da Bolandeira.
Antes de ler a
história toda,
contada por seu
Graciliano Ramos,
vou contar um pouco
do que li do
familiar de seu
Tomás para vocês.
Sábado – 15/08/1940:
Os infelizes tinham
caminhado o dia todo,
estavam cansados e
famintos. É assim que
entendo os sons guturais
de Fabiano. Neste dia,
segundo me parece, foi
sacrificado o papagaio da
família, para
diminuir um pouco a fome.
Se pudesse até ajudaria
mas o que tenho é leitura
que herdei do Tomás e
para cá das bandas do
sertão a serventia que
tem é de denunciar.
A fim de que juntos
tenhamos a vontade de
conhecer um pouco da
família sertaneja que
metaforiza várias
outras histórias de
famílias brasileiras.
Terça – 18/08/1940:
Quando a família está
feliz é porque Baleia
está com a boca de
sangue de preás. Até
quis chegar junto, só
que eles pouco tem pra
eles mesmo.
Eita chuva boa, assim
todo escravo da roça
sonha ser vaqueiro e a
mulher deste quer ter
cama de lastro de
couro, quinem de Tomás.
Sexta – 21/08/1940:
Hoje ouvi ele se chamar de
bicho. Estranha família. Os
meninos sem nome, a
cachorra que vive só nos
ossos, tem nome de peixe
gordo, Baleia. E a mulher
que mal tem o que comer se
chama Vitória. Percebi uma
briga do patrão de Fabiano
com ele. Não sei até quando
os ciganos ficarão por
estas bandas. O que será
que vai acontecer com os
meninos?
Sexta – 28/08/1940:
Cada dia mais tenho pena da
sinha Vitória. Ela novamente
tava falando da cama de
varas. Fabiano disse que
podia economizar, mas eles
mesmo falavam que não tinha
como, andavam quase nus, mal
tinham querosene para a luz.
Decerto que as coisas
estavam melhor, a seca havia
passado, mas a sinha Vitória
se queixava da coluna, será
pecado sonhar com uma cama
decente?
Terça – 25/08/1940:
Dia movimentado este, o
vizinho foi comprar uns
mantimentos, e como
sertanejo num resiste a
provocação inda mais com
água que passarinho não
bebe, já viu? Não sei se
ouvi bem, mas um tal de
soldado brigou com
Fabiano, teve picuinha com
nome de mãe, aí é perreio.
Ele era ignorante, bruto,
mas pacífico e que mal ele
fez para ir em cana?
Lembrando da galera do
cangaço Fabiano pensou em
perder os estribos, entrar
no cangaço, acabando com
os chefes do soldado
Amarelo e com o próprio
soldado, mas o que
segurava ele era a
família.
Quarta – 19/08/1940:
Esta família me apronta
cada uma. Hoje foi o
pequeno. Pelo que vejo,
admira o pai, a roupa que
Fabiano usa, até o jeito
dele andar. Vi o menino
espatifado no chão, na
tentativa de impressionar
seu irmão mais velho e a
Baleia. O bode soltava mais
que tudo, não sei o que
passa na cabeça deste
menino que deu com as caras
no chão.
Quinta – 20/08/1940:
Sinha Terta é uma vizinha
muito religiosa e foi
convidada pela família de
Fabiano para rezar pela cura
de um espinho nele. Em meio a
pedido a Deus, o menino mais
velho ouviu uma palavra que
chamou muito atenção dele,
‘inferno’. Quase ninguém tem
paciência para explicar as
crianças o que significa as
palavras, como insistisse, a
mãe deu uns cocorotes na
cabeça dele que levou ele a
perceber ser o lugar muito
ruim, cheio de jararacas, e
as pessoas que lá moravam
recebiam puxões de orelhas,
cocorotes e pancadas com
bainhas de faca.
Quarta – 29/09/1940:
Percebi que eles não estava
em casa. Soube por Tomás que
eles tinham ido para uma
festa na cidade. Imagino que
acharam estranho tanta gente,
tantas casas. Era como se as
mãos e braços das multidão
fossem agarrá-los, espremer
num canto da parede.
Choveu tanto, tanto, que
parecia que tudo ia ser
levado. A família não sabia
se chorava porque a
inundação matava os bichos
ou se ria porque podia beber
água, a seca castigava inda
deixava a garganta seca. Foi
o dia que mais ouvi a voz da
família, mesmo que sons
desencontrados. Tomara que
esta tempestade acabe...
Hoje amanheceu triste.
A Baleia está morrendo.
Parece ser raiva, tava
emagrecida, os pelos
soltano, sangrando na boca,
cheia de mosca. Fabiano
estava muito triste indo
sacrificar alguém da
família. Pela cara da Baleia
ela está sonhando, comendo
preás, lambendo as mãos de
um Fabiano enorme, rolando
com as crianças no
chiqueiro.
Segunda – 25/09/1940:
Estava muito azoada a
família. As contas do patrão
de Fabiano estavam muito
menor que da sinha Vitória,
que sabe somar e subtrair
com sementes. O patrão tava
roubando e Fabiano se retou,
mas quando ameaçado a perder
o emprego, pediu desculpas.
Parece uma história que ele
contou quando era vendedor
de carnes de porco. Acredita
que mal tendo ele para comer
do que ele vendia, o fiscal
cobrava imposto?
O dia tá tão quente que
não sabe se o sol tá em
cima ou aqui em baixo.
A danada da sinha Vitória
bem que tinha dito que as
aves matariam o restante
do gado, das cabras,
bebendo o que sobrava das
água.
Alguns meses, ou até um ano
depois, Fabiano encontra de
novo o soldado Amarelo. O
que muda é que em
território diferente, no
seu território. Passou na
cabeça dele pelo que me
consta, vingar, também não
entendo como o governo
emprega gente só para
prender e espancar pessoas
de bem, mas ele não quis
arriscar ser preso, nem
ficar inutilizado, resolveu
ajudar o soldado Amarelo a
achar o caminho de volta.
Dia triste, percebi que ia
ser difícil, quase
impossível esta família
continuar na fazenda. Os
cálculos do patrão diziam
que tavam devendo, eles
tinham que sair de fininho,
só vimos depois. Será que
eles sempre viveriam como
bichos? Fugindo. O que os
filhos ia ser quando
crescessem? Ouvia
comentários que Fabiano
pensava deles ser vaqueiros,
a sinha Vitória não, diz que
eles ia ter estudo, um
destino diferente. Enquanto
os velhos se acabariam como
a cachorra... Será que
conseguiriam a cama de
lastro de couro?
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