2 SALMO 1-72 - Introdução e comentario

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  • Salmosintroduo e comentrio

    Derek Kidner

    SERIE CULTURA BBLICA

  • DIGITALIZAAO: EMANUENCE DIGITAL

  • SALMOS 1-72

  • MINHA ESPOSAS l13:6

  • SALMOS 1-72Introduo e Comentrio

    Aos Livros I e II dos Salmos por

    DEREK KIDNER, M.A. Diretor, Tyndale House, Cambridge

    SOCIEDADE RELIGIOSA EDIES VIDA NOVA EASSOCIAO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTO

  • Ttulo do original em ingls:

    PSALMS 1-72An Introduction and Commentary on Books I and II of the PSALMS

    Copyright 1973 pela INTER-VARSITY PRESS Londres, Inglaterra

    SRIE TYNDALE COMMENTARY

    Traduo:Gordon Chown

    Primeira Edio, 1980 4.000 exemplares

    Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pelas Editoras

    SOCIEDADE RELIGIOSA EDIES VIDA NOVA eASSOCIAO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTO So Paulo, SP, Brasil

  • PREFCIO GERAL

    As boas-vindas j concedidas aos volumes j publicados dos Comentrios Tyndale do Antigo Testamento e, inclusive ao volume sobre Provrbios, pelo Rev. Derek Kidner, nos encorajaram a convid-lo a escrever dois volumes sobre os Salmos, dos quais este o primeiro. O povo de Deus sempre se caracterizou pelo seu emprego de hinos e canes de vrios tipos na sua adorao, e, sendo assim, os Salmos permanecem sendo um livro essencial para o estudo do Antigo Testamento, com relevncia que continua at hoje.

    Este volume continua o alvo desta srie, que equipar o que estuda a Bblia, sem, porm, ter tido treinamento especializado na teologia, histria e lnguas bblicas, com um comentrio conveniente e atual de cada Livro. Embora a nfase primria seja dada exegese, questes crticas de importncia no tm sido deixadas de lado quando so essenciais compreenso do texto. O tamanho e a variedade de alguns Livros, tais como o dos Salmos, no permitem qualquer tratamento exaustivo dentro do nmero de pginas determinado para o comentrio. O suficiente nos oferecido, no entanto, para estimular o pensamento devocional tanto do pregador em pblico como do estudante em particular.

    Embora todos sejam unidos quanto sua crena na inspirao divina, fidedignidade essencial e relevncia prtica das Escrituras Sagradas, os autores individuais destes comentrios tm feito livremente as -suas contribuies. Nenhuma uniformidade detalhada de mtodo tem sido imposta sobre o tratamento de Livros de tal variedade de matria, forma e estilo como so os do Antigo Testamento.

    Para economizar o nmero de pginas neste volume, a referncia primria feita ao texto da Traduo de Almeida, Edio Revista e Atualizada no Brasil pela Sociedade Bblica do Brasil, e pressupe-se que o leitor deste comentrio tenha esta Verso mo. Num dia de muitos comentrios e tradues, alguns, como aquele que provi-

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  • denciado pelo Professor M. Dahood no seu volume sobre Salmos ("Anchor Bible), dependem pesadamente da base de literatura ugar- tica na sua interpretao do texto hebraico, mas o modo de entender aquela ainda freqentemente disputado. Sr. Kidner se refere a esta nova abordagem apenas em alguns pontos, a fim de no sobrecarregar o leitor geral com detalhes demasiados que, freqentemente, so de natureza negativa.

    O interesse no significado e na mensagem do Antigo Testamento continua inalterado e esperamos que esta srie venha a promover o estudo sistemtico da revelao de Deus, da Sua vontade e de Seus caminhos conforme registrados nas Escrituras. E a orao do editor, dos publicadores, bem como a dos autores, que estes livros possam ajudar muitos a entender e a obedecer a Palavra de Deus nos dias de hoje.

    D. J. Wiseman.

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  • NDICE

    Prefcio GeralPrefcio da Edio em Portugus Abreviaturas Principais Introduo

    Poesia Hebraica A Estrutura do SaltrioAlgumas Tendncias no Estudo Moderno dos Salmos A Esperana Messinica Gritos por Vingana Ttulos e Termos Tcnicos Episdios Davdicos nos Ttulos

    Comentrio sobre Livros I e II Livro I Salmos 1-41 Livro II Salmos 42-72

    589

    1111151830384557

    62185

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  • PREFCIO DA EDIO EM PORTUGUS

    Todo estudioso da Bblia sente a falta de bons e profundos comentrios em portugus. A quase totalidade das obras que existem entre ns peca pela superficialidade, tentando tratar o texto bblico em poucas linhas. A Srie Cultura Bblica vem remediar esta lamentvel situao sem que peque do outro lado por usar de linguagem tcnica e de demasiada ateno a detalhes.

    Os Comentrios que fazem parte desta coleo Cultura Bblica so ao mesmo tempo compreensveis e singelos. De leitura agradvel, seu contedo de fcil assimilao. As referncias a outros comentaristas e as notas de rodap so reduzidas ao mnimo. Mas nem por isso so superficiais. Renem o melhor da percia evanglica (ortodoxa) atual. O texto denso de observaes esclarecedoras.

    Trata-se de obra cuja caracterstica principal a de ser mais exegtica que homiltica. Mesmo assim, as observaes no so de teor acadmico. E muito menos so debates infindveis sobre mincias do texto. So de grande utilidade na compreenso exata do texto e proporcionam assim o preparo do caminho para a pregao. Cada Comentrio consta de duas partes: uma introduo que situa o livro bblico no tempo e no espao e um estudo profundo do texto a partir dos grandes temas do prprio livro. A primeira trata as questes crticas quanto ao livro e ao texto. Examina as questes de destinatrios, data e lugar de composio, autoria, bem como ocasio e propsito. A segunda analisa o texto do livro seo por seo. Ateno especial dada s palavras-chave e a partir delas procura compreender e interpretar o prprio texto. H bastante carne para mastigar nestes comentrios.

    Esta srie sobre o V.T. dever constar de 24 livros, de perto de 200 pginas cada. Os editores, Edies Vida Nova e Mundo Cristo, tm programado a publicao de, pelo menos, dois livros por ano. Com preos moderados para cada exemplar, o leitor, ao completar a coleo, ter um excelente e profundo comentrio sobre todo o V.T. Pretendemos, assim, ajudar os leitores de lngua portuguesa a compreender o que o texto veterotestamentrio, de fato, diz e o que significa. Se conseguirmos alcanar este propsito seremos gratos a Deus e ficaremos contentes porque este trabalho no ter sido em vo.

    RichardJ. Sturz

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  • ABREVIATURAS PRINCIPAIS

    Anderson The Book of Psalms por A. A. Anderson (New Century Bible, Oliphants), 1972.

    ANET Ancient Near Eastern Texts por J. B. Pritchard,2 19S5.ARA Almeida Revista e Atualizada.ARC Almeida Revista e Corrigida.AV Verso Autorizada em Ingls (King James), 1611.BASOR Bulletin o f the American Schools o f Oriental Research.BDB Hebrew-English Lexicon o f the Old Testament por F.

    Brown, S. R. Driver eC. A. Briggs, 1907.BH Biblia Hebraica editada por R. Kittel e P. Kahle,7 1951.Bib. Biblica.Briggs Psalms por C. A. e E. G. Briggs (international Critical

    Commentary, T. & T. Clark), 1906-07.Childs Memory and Tradition in Israel por B. S. Childs (SBT 37,

    SCM Press), 1962.Dahood Psalms por M. J. Dahood (Anchor Bible, Doubleday),

    1966-70.Delitzsch Psalms por F. Delitzsch,41883.Eaton Psalms por J. H. Eaton (Torch Bible Commentaries, SCM

    Press), 1967.ET Expository Times.EV Verses em Ingls.Gelineau The Psalms: A New Translation arranjados para serem

    cantados conforme a salmdia de Joseph Gelineau (Fontana), 1963.

    G-K Hebrew Grammar por W. Gesenius, editada por E.Kautzsch e A. E. Cowley,21910.

    HTR Harvard Theological Review.HUCA Hebrew Union College Annual.JB Jerusalem Bible (Bblia de Jerusalm), 1966.JBL Journal o f Biblical Literature.

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  • JTS Journal o f Theological Studies.K-B Lexicon in Veteris Testamenti Libros por L. Koehler e

    W. Baumgartner, 1953.Keet A Study of the Psalms o f Ascents por C. C. Keet (Mitre),

    1969.Kirkpatrick Psalms por A. F. Kirkpatrick (Cambridge Bible for Schools

    and Colleges, CUP), 1891-1901.Kissane Psalms por E. J. Kissane (Browne and Nolan), 1953-54.LXX A Septuaginta (verso grega pr-crist do Antigo Testa

    mento).mg. Margem.Mowinckel The Psalms in Israels Worship por S. Mowinckel (Black-

    well), 1962.TM 0 Texto Massortico.NCB 0 Novo Comentrio da Bblia, Edies Vida Nova (So

    Paulo, 1979).NDB 0 Novo Dicionrio da Bblia; editado por J. D. Douglas

    et al. Edies Vida Nova, So Paulo, 1979.NEB The New English Bible (A Nova Bblia em Ingls), 1970.OTS Oudtestamentische Studin.PBV Prayer Book Version, 1662.Perowne The Psalms por J. S. Perowne (G. Bell), 1864.RP The Revised Psalter (0 Saltrio Revisto) (SPCK), 1964.RSV American Revised Standard Version, 1952.RV English Revised Version, 1881.SBT Studies in Biblical Theology (SCM Press).Sir. A Pesita (Verso siiiaca do Antigo Testamento).Targ. 0 Tar gum (Verso aramaica do Antigo Testamento).TB Tyndale Bulletin.TEV Todays English Version: the Psalms, 1970.TRP The Text o f the Revised Psalter. Notas por D. W. Thomas

    (SPCK), 1963.VT Vetus Test amentum.Vulg. A Vulgata (A Verso da Bblia em Latim, feita por Jero

    nimo).Weiser Psalms por A. Weiser (Old Testament Library, SCM

    Press), 1962.ZAW Zeitschrift fu r die alttestameniliche Wissenschaft.

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  • INTRODUO

    I. A Poesia Hebraica.

    Repetidas vezes, o Antigo Testamento irrompe em poesia. At mesmo as suas narrativas so ornadas aqui e ali com uma parelha de versos, ou com uma seqncia mais longa de versos para ressaltar qualquer fato memorvel (cf., e.g., Gn 2-4 em qualquer verso moderna), e esta a forma que, de modo predominante, suas profecias assumem. Embora os Salmos formem o corpo principal de poesias nas Escrituras, e embora tivessem recebido (juntamente com J e Provrbios) um sistema distintivo de acentos por parte dos Massoretas1 para marcar este fato, eles mesmos esto cercados por poesia e esto arraigados numa tradio potica longa e popular.

    A poesia hebraica, pela sua flexibilidade de forma, se prestava bem para este emprego generalizado. Um ditado proverbial, um enigma, um apelo de um orador, uma orao, aes de graas, s para mencionar umas poucas variedades da expresso falada e escrita, todas estas podiam passar para os ritmos poticos quase sem esforo, porque a sua mtrica no era parcelada em ps ou em arranjos predeterminados de slabas fortes e fracas; esta, pelo contrrio, era ouvida no som de, digamos, trs ou quatro acentos tnicos numa sentena ou frase curta, parelhada por uma linha que a ela correspondia, de cerca do mesmo comprimento. As slabas mais leves que se entremeavam entre as mais fortes no tinham um nmero fixo, e a contagem de

    1 Eles eram os guardies do texto, c. 500-1000 d.C. O TM o texto hebraico padro do Antigo Testamento. Para maiores detalhes ver NDB, verbete Texto e Verses", I e II; pg. 1590.

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  • SALMOS

    compassos fortes numa linha podia, por sua vez, ser variada com certa liberdade dentro de um nico poema. Havia lugar de sobra para a espontaneidade.

    Algum indcio destes ritmos pode ser sentido s vezes mesmo na traduo, quando a nossa ordem de palavras coincide mais ou menos com o hebraico, lngua em que s vezes h linhas de dois acentos tnicos, ou de quatro ou ainda mais, sendo, porm, que o ritmo mais comum 3:3, que aparece, e.g., na ARA do Salmo 26:2,

    Examia-me, SENHOR, eprva-me snda-me o corao e os pensamntos.

    O Salmo seguinte, SI 27, tem sua maior parte num ritmo 3:2, que tambm deixou a sua marca na traduo. E.g., no versculo 1,

    O SENHR a minha lz e a minha salvao; de qum terei mdo?

    Este padro de 3:2 freqentemente se chama qiti (lamento), por causa da sua cadncia descendente, com a sua sugesto de carter final, que fez com que fosse uma medida predileta para elegias (como no Livro de Lamentaes) e para cnticos de escrnio (e.g. Is 14:12ss.); mas este carter final podia igualmente expressar alegria e confiana, como demonstra plenamente o Salmo 27.

    A flexibilidade que se acha dentro da linha nica de verso se estende a unidades maiores tambm. O que chamamos de parelha de versos (ou, conforme o termo de Albright, um biclon) pode se desenvolver s vezes para atingir o clmax mais alto de um terno ou triclon, como no Salmo 92:9 [hebraico, v. 10]:

    Eis que os teus inimigos, SENHOR,eis que os teus inimigos perecero;sero dispersos todos os que praticam a iniqidade.2

    2 As canes de vitria de Moiss e Dbora tm alguns exemplos excitantes disto (e.g. x 15:8, 11; Jz5:21), e era uma caracterstica da poesia cananita antiga. Ver W.F. Albright, Yahweh and the Gods of Canaan (Athlone Press, 1968), p&gs. 4ss. Um hino ugaiitico a Baal contm linhas quase idnticas ao SI 92s9, supra.

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  • INTRODUO

    Semelhantemente, no poema como um todo, a exceo mais do que a regra achar estrofes de igual comprimento ou mesmo de definio clara. s vezes, sem dvida, um refro esboar um desgnio distintivo, como nos Salmos 42 e 43 onde isto levado a efeito de modo algo complexo, e, s vezes, um acrstico criar seu prprio arcabouo (do modo mais elaborado no SI 119); na maioria das vezes, porm, o movimento do pensamento est livre para formar qualquer padro que fosse mais naturalmente adotado.

    A caracterstica fundamental destas poesias, no entanto, no era suas formas ou seus ritmos externos, mas, sim, seu modo de combinar ou ecoar um pensamento com outro. Isto tem sido descrito como sendo rima de pensamento, porm, mais freqentemente, como paralelismo, um termo introduzido pelo Bispo Robert Lowth no sculo dezoito.3

    Isto se reconhece imediatamente numa parelha de versos tal como o Salmo 103:10, onde as duas linhas so sinnimas:

    No nos trata segundo os nossos pecados,nem nos retribui consoante as nossas iniqidades.

    Nesta forma de paralelismo, a segunda linha (ou, s vezes, o segundo versculo) meramente refora a primeira, de tal maneira que seu contedo fica enriquecido, e o efeito total se torna espaoso e impressionante. No se deve ressaltar por demais os matizes de diferena entre os sinnimos; esto em arreio duplo mais do que em concorrncia. Assim, e.g., homem , e o filho do homem no Salmo 8:4, ou minha alma e minha carne em 63:1, so emparelhadas mais do que contrastadas.

    3 Ver Preleo XIX, Lectures on the Sacred Poetry of the Hebrews, publicadas pela primeira vez em Latim, em 1753. A anlise feita por Lowth ainda marece respeito geral, embora existam sugestes quanto a distines adicionais (ver a nota seguinte) e a literatura descoberta em Ugarite tem ressaltado a atrao da simples repetio, bem como do paralelismo, da poesia antiga. Para algumas modificaes e crticas recentes das categorias de Lowth, ver S. Gevirtz, Patterns in the Early Poetry of Israel (Chicago University Pres ,^ 1963); e W. Whallon, Formula, Character and Context (Harvard University Press, 1969).

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  • SALMOS

    Os sinnimos por si mesmos seriam montonos, no entanto, e a forma tem muitas variaes. O paralelismo culminante de, e.g., Salmo 93:3, ou de 92:9 supra citado, mostra o efeito poderoso de deixar a segunda linha, como uma segunda onda, subir mais alto do que a primeira, para entao, talvez, ser ultrapassada por uma terceira. H vrias outras maneiras de se modificar a regularidade de linhas que se emparelham, de tal modo, por exemplo, que a segunda se estenda sobre um aspecto nico da primeira, como em 145:18

    Perto est o SENHOR de todos os que o invocam,de todos os que o invocam em verdade

    ou talvez seja o seu complemento ou contrapartida, como em 63:8, mais do que seu eco:

    A minha alta apega-se a ti;ti ii destra me ampara.

    lUle ltimo exemplo tem algo em comum com a segunda categoria ! hiwlh, o "punilcllxmn antittico , sobre o qual no se precisa dizer Uiitft mil. Nfa ui famlllariz-amos mais com ele a partir dos ditados it Pruvtrtitiw 10. p h Item caracterstico dos salmos didticos; e.g. til!

    ( I Imjilo tti|)n>inilu o nlo paga;o Ii i i I i i , |H t i4>nt , # r t t m i m d t v p e

  • INTRODUO

    de Lowth, porm, poderiam muito bem ser classificados como paralelos virtualmente sinnimos (e.g. 19:7ss.; 62:11a), e quanto ao resto, pareceria melhor deixar de lado o termo paralelismo e falar meramente de parelhas ou coplas, nos muitos casos nos quais o pensamento e a dico avanam diretamente na segunda linha de uma parelha, sem sequer uma olhadela para trs.

    Uma circunstncia final merece ser ressaltada, e esta, tambm, era uma das observaes de Lowth. o fato marcante de que este tipo de poesia perde menos do que talvez qualquer outro no processo da traduo. Em muitas literaturas o apelo de um poema se acha principalmente nas felicidades verbais e suas associaes, ou nas sutilezas mtricas, que tendem a perder seu efeito mesmo numa lngua afim. As notas da programao de qualquer recital de Lieder bastam para comprovar esta circunstncia! A poesia dos Salmos, porm, tem uma larga simplicidade de ritmos e figuras de linguagem que sobrevive o transplante para quase qualquer terreno. Acima de tudo, o fato de que seus paralelismos so mais de sentido do que de som permite que esta poesia reproduza seus efeitos principais com pouqussima perda quer de fora quer de beleza. E bem qualificada, pela providncia divina, a convidar toda a terra a cantar a glria do Seu nome .

    II. A Estrutura do Saltrio.

    A maioria das verses modernas demarca a diviso do Saltrio nos seus cinco livros, que comeam, respectivamente, nos Salmos 1, 42, 73, 90 e 107. A base disto se acha no prprio Saltrio, que coroa cada um destes grupos com uma doxologia. A Septuaginta (tendo como abreviatura UC), traduzida no sculo II ou III a.C., testemunha da antiguidade destas marcas, e ainda antes disto o cronista cita aquela que termina o Livro IV (1 Cr 16:35-36).5

    Alm destes, h outros indicadores quanto aos componentes da coleo e s etapas do seu crescimento. Um dos mais notveis o ps- -escrito ao livro II: Findam as oraes de Davi, filho de Jess (72:20). Isto imediatamente levanta a pergunta por que mais dezoito salmos de Davi se acham depois deste ponto, e uma dzia de salmos por outros autores antes dele; e a resposta mais provvel a isto que houve tempo

    s Para uma interpretao do significado disto, ver Mowinckel, II, pgs. 193ss.).

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  • SALMOS

    em que uma compilao completa em si mesma terminou aqui, e, mais tarde, outros livros de salmos, com sua prpria seleo de matria, foram acrescentados. Dentro da prpria unidade, porm (1-72), h sinais de que os dois livros que a compem fossem originalmente usados independentes um do outro. Por exemplo, dois salmos no Livro II (53 e 70) so rplicas quase exatas de matria do Livro I; alm disto, o termo Eloim (Deus), no livro II toma, em grande medida, o lugar do nome Jav (o Senhor) uma diferena de linguagem religiosa costumeira que se compara com as preferncias e averses que se acham em nossos prprios crculos, onde um grupo tende a falar de Deus, e outro do Senhor , e uma gerao emprega Vs na adorao enquanto outra emprega Tu . Assim como as palavras de um hino variam um pouco de uma coletnea para outra, para se enquadrar nas necessidades de diferentes grupos cristos, assim tambm, segundo parece, havia variaes entre a letra dos salmos, deixando sinais de pequenas coletneas que finalmente foram ajuntadas para o emprego de todo Israel. O emprego diferente dos nomes divinos continua, como que entre blocos de matria diferentes nos demais Salmos, sendo que Eloim tende a predominar em 73-83, mas Jav no restante do Livro III,i.e., em 84*89; aps o qual, nos Livros IV e V, Jav empregado quase sem variao.6 Sem dvida, algumas destas distines refletem as preferncias pessoais dos autores; outras, porm, so evidentemente editoriais, adaptando um salmo existente linguagem dos usurios.E.g., nos Salmos 84-85, 87-88, do Livro III, que vm do mesmo grupo de cantores do templo que os Salmos 42-49 no Livro II, a preferncia do Livro II por Eloim desapareceu.

    Mencionamos blocos de matria , e estes nos oferecem mais algumas introspeces na histria do Saltrio. O Livro II comea com um grupo de salmos (42-49) atribudos aos filhos de Cor, uma corporao hereditria de oficiais do templo. O Livro III, conforme j vimos, contm mais quatro dos seus salmos, mas estes so precedidos pelos

    6 S. R. Driver, Introduction to the Literature of the Old Testament (T. & T. Clark,718%), pg. 371, cita as seguintes estatsticas: Livro I, Jav 272, Elohim (sem qualificar) 15; livro II, E 164,1 30; Livro III, SI 73-83, E 36, J 13; SI 84-89,J 31, E 7; Livro IV, J somente; Livro V, 1 somente (executando-se 144*9; e tambm no SI 108 que tirado de SI 57 e 60.

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  • INTRODUO

    salmos de Asafe (73-83)7, um msico que era fundador de outra destas corporaes do templo. Estes dois corpos de msicos, portanto, tinham, cada qual, seu estoque especial de matria. Entre os salmos colecionados de Davi, Asafe e Cor, no entanto (e esta cifra inclui trs salmos davdicos do Livro V), achamos cinqenta e cinco que so assinalados >lao mestre de canto (se esta for a traduo certa).8 Isto sugere que, em certa etapa, o diretor supremo da msica do templo tinha sua prpria compilao, precursora do Saltrio completo, ou uma seleo especializada dele.

    Os Livros IV e V tm mais alguns agrupamentos, que se vinculam principalmente pelos seus assuntos ou empregos mais do que pela sua autoria. Tais so: 93-100, que tratam da soberania universal do Senhor; 113-118, o Halel Egpcio (louvor), cantado na noite da Pscoa; 120- -134, Cnticos de romagem(?9) que faziam parte do Grande Halel, 120-136; e um Halel final que consiste em 146-150, todos os quais comeam e terminam com Aleluia. H tambm duas coletneas de salmos davdicos, 108-110 e 138-145.

    Em ltimo lugar, talvez, a coleo recebeu o Salmo 1 como prefcio, o qual no tem ttulo ou nome de autor, diferentemente da maioria dos Salmos no livro I.

    O quadro que emerge uma mistura de ordem e de informalidade de arranjo, que convida, mas ao mesmo tempo derrota, a tentativa de esclarecer cada detalhe da sua forma final. H alguma progresso cronolgica, sendo que Davi se evidencia mais na primeira metade, e que h uma clara aluso ao cativeiro perto do fim do Livro V (Salmo 137). Davi, no entanto, reaparece no salmo seguinte (138), e, por contraste, a queda de Jerusalm j fora lamentada no Salmo 74. O progresso do pensamento teolgico ou cltico no se demonstra mais facilmente. Embora no tenha havido falta de teorias, que tendem a refletir as formas de pensamentos de sucessivas eras (e.g., Gregrio de Nissa via nos cinco livros cinco passos para a perfeio moral, algo como o modo de Atansio interpretar os quinze Salmos de Romagem;

    7 O grupo Asafe tem um precursor solitrio no livro 11, i.e., SI 50. Ewald foi, talvez, o primeiro a indicar que, transferindo-se 42:50 para seguir 72, os salmos de Davi, Cor (primeiro grupo) e Asafe viriam numa nica seqncia direta.

    8 Ver pg. 53.9 Ver pg. 57.

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  • SALMOS

    com disposio diferente, Delitzsch achou uma srie de divisas ou palavras-chave que vinculavam cada salmo ao salmo seguinte no decurso de todos os 150), qualquer esquema que descobre uma necessidade lgica na posio de cada salmo provavelmente lana mais luz sobre a sutileza do seu proponente do que sobre o padro do Saltrio. Sua estrutura talvez se compare melhor com a de uma catedral edificada e aperfeioada no decurso de alguns sculos, numa variedade harmoniosa de estilos, mais do que a de um palcio que revela a simetria formal de um plano nico que a tudo abrange.

    III. Algumas Tendncias no Estudo Moderno dos Salmos.

    Poucas reas de Antigo Testamento tm se revelado mais fascinantes para os estudiosos em anos recentes do que os Salmos. Depois de Wellhausen, a opinio crtica demonstrava a probabilidade de permanecer de acordo que o Saltrio fosse um produto da maturidade ps-exlica de Israel, quando o ensino dos profetas e o colapso da monarquia tinham se combinado para dar novo destaque piedade individual. Ainda em 1922, John Skinner podia falar de Jeremias como sendo, em certo sentido, o primeiro dos salmistas,10 sendo que suas profecias desrespeitadas o foraram a contender com Deus, e descobrir, neste processo, o ambiente da comunho pessoal. O ofcio de profeta logo haveria de desaparecer, juntamente com a situao que criticara e exortara; logo mais, seria ouvido um novo tipo de voz, dirigindo-se a Deus mais do que ao homem, e um novo tipo espiritual o santo do Antigo Testamento 11 tomar-se-ia visvel com os poetas do Saltrio.

    J em 1904, porm, uma nova abordagem do estudo dos Salmos tivera como pioneiro H. Gunkel, que haveria de forar a uma nova avaliao da procedncia e funo dos salmos, abordagem esta que outros estudiosos levariam muito alm dos primeiros pensamentos do seu originador. O mtodo de Gunkel era buscar, em primeiro lugar, o contexto vivencial dos salmos, pesquisando as canes e poesias a serem achadas noutras partes da Bblia e em culturas contemporneas; e, em segundo lugar, classificar a matria mais pela sua forma do que pelo seu contedo, algo semelhante ao mtodo de Lineu de herborizar (uma analogia

    10 J. Skinner, Jeremias Profecia e Religio (ASTE SP), pg. 206,1966.11 Ibid., pg. 223.

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  • INTRODUO

    que o prprio Gunkel empregava12). Uma das circunstncias que emergiam disto era a semelhana ntima entre os tipos principais de matria do Saltrio para os hinos, lamentos, aes de graas, e peas para ocasies reais, que surgiam das vrias situaes que se achavam no restante do Antigo Testamento. Gunkel concluiu que esta poesia, que pertence ao culto, to antiga quanto o prprio culto, e brota da mesma era que a saga nacional, a justia, a Tor, e todos os demais tesouros da vida nacional.13 Jeremias, portanto (para voltar ao exemplo de Skin- ner), longe de ser o originador do salmo de splica pessoal, estava retomando e desenvolvendo uma forma que j estavam bem estabelecida.14

    Gunkel, a despeito de tudo isto, ainda considerava que a maioria da matria no Saltrio fosse ps-exlica, porm ainda escrita na linguagem idiomtica criada pelos antigos rituais, embora estes tivessem sido superados pelo desenvolvimento e a religio tivesse atingido a maioridade pois esta metfora clebre era dele, uma gerao antes de ser empregada por Bonhoeffer. Segundo a considerao dele, foi o conser- vantismo dos hbitos religiosos que deixou as marcas dos antigos padres clticos sobre a nova matria espiritual, de tal modo que o suplicante particular empregava a linguagem cujo propsito original tinha sido servir ao rei; ou falava dos seus problemas e da sua cura como se fossem os assaltos de doena e os ritos da expiao.

    Foi Mowinckel, na suas sries de monografias, Psalmenstudien (Estudos nos Salmos), I-VI (1921-24), que levou esta linha de estudo mais perto da sua verdadeira concluso, ao recusar a artificialidade de desligar os salmos dos rituais que, supostamente, os formaram. Gunkel, conforme ele indicou, tinha participado do preconceito dos seus dias, contra a religio cltica, e assim, parara na metade do caminho que ele mesmo abrira. Devemos aceitar aquilo que os salmos do a entender, e no somente v-los, na sua maioria, como verdadeiros salmos clticos compostos para . . . os prprios cultos no Templo 15,

    12 Cf. H. Gunkel, The Psalms (Facet Books, B. S. 19, Fortress Press, Philadelphia, 1967), pg. 5, nota de rodap. Esta uma traduo por T. Homer do artigo de Gunkel sobre os Salmos em Religion im Geschickte und Gegenwart (* 1909; 21930).

    13 The Poetry of the Psalter em Old Testament Essays, ed. D. C. Simpson (Griffin, Londres, 1927), pg. 136.

    14 Ibid. pg. 135.15 Mowinckel, I, pg. xxiii.

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  • SALMOS

    como tambm devemos formar um quadro to completo e vvido quanto possvel do antigo culto israelita e judaico, com suas muitas situaes e atos16. Os salmos e a liturgia deviam iluminar-se mutuamente.

    Um resultado surpreendente desta abordagem foi a atribuio de novas datas aos salmos. Agora, a sua idade de ouro ficou sendo entendida como a da monarquia, embora fosse ainda demais atribuir mais do que um ou dois ao prprio Davi. Ainda mais notvel, no entanto, foi a emergncia de um novo quadro do culto israelita, construdo no tanto a partir dos dados das leis (as quais Mowinckel considerava parciais e fragmentrias) como de insinuaes , conforme a expresso dele, nos prprios salmos ,17 com evidncia apoiadora tirada de outros cultos orientais.

    Seguindo esta indicao, diferentes estudiosos tm discernido festas diferentes como sendo as fontes principais dos salmos. O prprio Mowinckel via a festa da Colheita e dos Tabernculos, no Ano Novo, como sendo a principal destas, celebrando a epifania e entronizao de Deus com um ritual to elaborado que deu origem a mais do que quarenta salmos. Nela, o drama da criao era encenado, com uma batalha ritual contra o mar e os seus monstros (cf. e. g., SI 89:9-10), como as batalhas nos mitos cananitas e babilnicos. No devido tempo, Jav, cuja presena era simbolizada pela arca, subiria o monte Sio em procisso, para ali ser desafiado, admitido (24:7 e segs.) e finalmente aclamado com o grito: Reina o SENHOR! (e. g. 93:1). Como Rei, confirmaria Sua aliana com Israel e a casa de Davi, admoestando-os a guardarem as Suas leis (81:8ss.; 95:8ss.), e, como Marduque estabelecendo a sorte do ano vindouro, julgaria o mundo com justia (96:13); noutras palavras, colocaria os eventos no seu curso correto e atribuiria s naes os seus destinos.

    Segundo o ponto de vista de Mowinckel, toda esta atividade se preocupava com o aqui e agora, e no com o futuro distante. Anualmente, este grande dia, o Dia do Senhor, seria aguardado como sendo o tempo de restaurar todas as coisas em prontido para o ano vindouro; gradualmente, porm, estas esperanas, no cumpridas, seriam projetadas para uma era futura. Assim sendo, a escatologia de Israel veio a nascer desta prpria festa.

    16 Ibid. pg. 35.17 Ibid. pg. 36.

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  • INTRODUO

    As reaes a Mowinckel tm variado, conforme se poderia prever, entre uma impacincia que ultrapassaria seu prprio pensamento, e uma avaliao cautelosa que questionaria ou modificaria boa parte da sua posio. De modo geral, porm, conquistou aceitao considervel: todo comentarista tem que lev-lo em conta, e se agora a primeira pergunta que se levanta com respeito a qualquer salmo especifico tende a ser a inquirao de Gunkel quanto ao grupo em que deve ser colocado, a segunda pergunta ser, provavelmente, a de Mowinckel, a saber: qual ocasio cltica este grupo de salmos deve ter pertencido, e o que experimentou ou sentiu a congregao naquela ocasio? 18

    Uma resposta algo exagerada a estes novos mtodos veio de um grupo britnico de estudiosos que veio a ser conhecido como a escola Mito e Ritual (nome este tirado do ttulo de um simpsio editado em 1933 por S.H. Hooke), e de certo nmero de escandinavos, notavelmente Engnell e Widengren, que assiduamente perseguiam a idia de um padro cltico comum ao antigo Oriente Prximo. Dificilmente havia um aspecto do festival babilnio akitu ou dos ritos de fertilidade cananita que, para eles, no deixasse sinal da sua presena nos salmos. Alguns estudiosos, no se restringindo sugesto de Mowinckel de que Jav herdasse o culto jebusita de Elyon o Altssimo, se convenceram que Ele celebrava um casamento anual com Anate19 e uma morte e ressurreio ritual como aquela de Tamuz,20 em todos os quais Seu papel era desempenhado pelo rei. Este no era apenas o ponto de vista dos escandinavos Widengren e Hvidberg; T. H. Robinson o expressou (num estilo imperturbavelmente prosaico) nas palavras: O casamento divino se seguia, consumado na choupana sagrada, e era sucedido pela morte de Jav. Aps um perodo de lamentao, era restaurado vida, e, com Sua consorte, era acompanhado para Seu lar no Templo, para ali reinar at que a mudana do ano trouxesse de volta a estao festiva .21

    Outros estudiosos, tendo uma apreciao mais forte de Jav como o Deus vivo, entenderam que a ao do rei era desempenhar o papel, no

    18 Mowinckel, 1, pg. 32. Ver abaixo, pgs. 24-29; 60-61, as crticas abordagem dele.19 T. H. Robinson, Hebrew Myths em Myth and Ritual, ed. S. H. Hooke (Oxford,

    1933), pgs. 185-6.20 Cf. G. Widengren em Myth, Ritual and Kingship, ed. S. H. Hooke (Oxford,

    1958), pgs. 190ss.21 Myth and Ritual, pgs. 188-9.

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  • SALMOS

    do prprio Jav, mas do Seu filho adotivo, e reconstruram o drama cltico como sendo uma seqncia dupla de conflito e vitria: primeiro, o Criador esmaga Seus inimigos csmicos, para ento reasseverar Sua soberania e renovar a terra; depois, h a luta do rei davdico com os reis da terra e com o poder da morte, em que ele foi humilhado e quase tragado (cf. 18:4-5), para ser salvo no momento exato.

    Um aspecto atraente desta abordagem era que libertava o saltrio da sua associao de decoro eclesistico. Imaginar um drama cltico de batalhas, procisses e gritos de homenagem ver, pelo menos, os salmos se vivificarem com um pouco da cor e emoo que so subentendidas nas suas aluses ao bater de palmas e lamentao, dana e prostrao. Numa reconstruo imaginativa do festival do Ano Novo, por exemplo, certo escritor retrata o extinguir gradual das tochas, enquanto o rei se despe das suas vestes reais, e, com a chegada da escurido total, o rei jaz prostrado aos ps dos seus inimigos, onde clama a Jav com as palavras do Salmo 89: At quando, SENHOR? Esconder-te-s para sempre?. . . Lembra-te, Senhor, do oprbrio dos teus servos . . . Finalmente, depois de a atmosfera se tomar quase intolervel na sua intensidade, Jav vem de fato libertar Seu povo. Vem com o amanhecer, simbolizado pelo sol, fonte suprema da luz e da vida, e vitorioso. . . 22

    Isto fascinante e memorvel, ainda que levante a pergunta: Como poderemos saber se qualquer coisa disto aconteceu assim?

    Voltaremos a este ponto: no nterim, porm, podemos notar um segundo atrativo neste conceito cltico-dramtico. Colocava juntos certos temas do Antigo Testamento que, doutro modo, poderiam ter parecido isentos de relacionamento, ou arbitrrios. Entre outras coisas, ligava o abismo entre o rei e o Servo sofredor. Aqui havia um modo de ver ambos os ofcios unidos de modo significante numa s pessoa. Alm disto, a apresentao do rei como sendo sacro , um mediador sem igual entre Deus e Seu povo, de Quem ele era (conforme este ponto de vista) a personificao e o representante, formava um contexto para a profecia messinica. Se a uno que o rei recebia fazia dele uma pessoa parte, com um papel crucial para desempenhar em relao a Deus e aos homens, alguns dos ttulos messinicos exaltados comeariam a parecer menos violentamente inapropriados aos antecessores do Mes

    22 D. Anders-Richards, The Drama of the Psalms (Darton, Longmam & Todd, 1968), pg. 41.

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  • INTRODUO

    sias, embora ainda fossem por demais magnficos para se enquadrarem em qualquer rei na sua prpria pessoa.

    Este prprio conceito de soberania sacra, porm, precrio, e tem sido sujeito a ataques de muitos lugares. Duvida-se que ele se teria sugerido a estudiosos bblicos meramente pela evidncia nas Escrituras sem a instigao da antropologia comparada.23 Esta, na melhor das hipteses, uma fonte duvidosa, conforme deu a entender C. R. North quando criticou o mtodo de Mowinckel de trabalhar para dentro, a partir do largo crculo do Umwelt (mundo em derredor) semtico primitivo e geral, ao invs de trabalhar de dentro para fora, a partir do centro da conscincia proftica24, e, nesta rea especfica, mesmo a idia de um padro comum ao Oriente Prximo de monarquia ou de adorao refutada pela evidncia, conforme vrios estudiosos j indicaram.

    A matria bblica, de si mesma, mostra dois aspectos do rei, com uma certa tenso entre eles que a teoria da monarquia sacra resolve com demasiada facilidade. De um lado, vrios salmos reais (2, 45, 110 em particular) empregam linguagem a respeito do rei que d para este uma posio que parece ser divina, como filho de Deus (2:7) ou mesmo como Deus encarnado (45:6, lit.); e, nas narrativas, sua pessoa sagrada, como Ungido do Senhor. Havia ocasies, outrossim, nas quais presidia como sacerdote (cf. 2 Sm 6:12ss.; 1 Rs 8). De outro lado, no h descrio alguma do alegado combate e libertao do rei num festival anual, do qual alegadamente dependia tanto o bem-estar do seu povo. E por certo significante, conforme indica M. Noth,25 que em Israel a monarquia somente chegou tardiamente em cena, e despertou sentimentos mistos entre os fiis na ocasio da sua chegada. s atividades como sacerdote, exercidas pelo rei, referidas supra, pertenciam a ocasies bem exepcionais; ele foi advertido que no devia tomar sobre si qualquer direito geral quanto a esta rea (1 Sm 13:8ss.; 2 Cr 26:18).

    Dificilmente poderamos fazer melhor do que seguir o modo de o Novo Testamento tratar deste paradoxo, que no diminuir qualquer

    23 Cf. as observaes de Widengren com respeito influncia de Frazer sobre a Escola do Mito e Ritual, e do Grnhech sobre Pedersen e Mowinckel. Ver Myth, Ritual and Kingskip, pg. 152,154.

    24 ZA W 50 (1932), pg. 35, citado por A. R. Johnson em Myth, Ritual and Kingship, pg. 224.

    25 M. Noth, God, King and Nation em The Laws in the Pentateuch, and Other Essays (Edio Inglesa, Oliver & Boyd, 1966), pgs. 161ss.

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  • SALMOS

    lado da questo (e.g. por emendas textuais ou por apagar as tradues), mas, pelo contrrio, nos conduzir soluo sem igual que estava para receber em Jesus Cristo. Vrias passagens tratam a questo desta forma. Uma delas onde nosso Senhor insiste no paradoxo: o Senhor de Davi o filho de Davi; outra onde Pedro emprega o mesmo orculo, e o do Salmo 16, para contrastar a incorrupo e o trono dos quais Davi falou, com o tmulo que ele mesmo haveria de ocupar; ainda outra passagem a fileira de testemunhos tirados dos Salmos, em Hebreus 1, bem conhecida por muitas pessoas como sendo a Epstola para o Dia de Natal, onde pleno valor se atribui a expresses tais como: Tu s meu Filho e O teu trono, Deus, para todo o sempre .26 Isto envolve, sem dvida alguma, um ponto de vista francamente sobrenaturalista destes orculos; , porm, difcil entender por que se deva pensar que imprprio para o Esprito Santo inspirar profecias a respeito do assunto central de toda a revelao.

    Temos considerado alguns dos seguidores ou, em certos casos, ultrapassadores mais extremos de Mowinckel. No outro extremo, h os que discordam dele inteiramente, ou em certos pontos cruciais. Um exemplo destes ltimos R. de Vaux, que responde com uma negativa decidida pergunta: Existia um Festival do Ano Novo (nos tempos do Antigo Testamento)? e com um No ou, no mnimo, um No Comprovado pergunta: Existia uma festa da entronizao de Jav? Ele concorda com aqueles que vem uma objeo sria no fato de que no se acha explicitamente na Escritura uma conexo entre a Festa dos Tabernculos e a soberania de Jav (quanto nica exeo que alegada, Zc 14:16, ele a rejeita como sendo fortuita, j que o captulo inteiro trata do reino futuro de Jav). O grito, Yahweh mlak, no SI 93:1, etc., meramente uma aclamao leal: Reina o SENHOR ; no uma frmula de entronizao. Os salmos que a contm so salmos em louvor do reino de Jav, e no proclamaes da Sua ascenso.27 Quanto ao Dia do Senhor, que, para Mowinckel, originalmente significava o dia do mesmo festival, de Vaux concorda com aqueles que, como von Rad, o vem como um dia de batalha, sendo que a guerra, e no a dignidade

    26 Este assunto tratado com mais detalhe na Se&o IV, abaixo, pgs. 30ss. (A Esperana Messinica).

    27 R. de Vaux, Ancient Israel (Darton, Longman & Todd, 1961), pgs. 502- -506.

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  • INTRODUO

    real divina, o contexto invarivel do Dia do Senhor no Antigo Testamento.28

    Entre os comentaristas, alguns seguiram o exemplo de Mowinckel em tratar um festival como sendo a influncia preeminente, mas o identificaram de modo diferente. H.-J. Kraus argumenta em prol de uma festa que celebrava a escolha de Sio e a casa de Davi, mas no (at depois do Exlio) a entronizao de Jav.29 E A. Weiser considera um festival da Aliana como sendo a sementeira de quase a totalidade do Saltrio. Mowinckel sada a posio de Weiser como sendo, de modo geral, de acordo com a sua prpria, embora Weiser mesmo no concordaria com isso, sendo que considera a Histria e a lei como os pilares gmeos de renovao da aliana.30 Sendo, porm que o esquema inteiro da salvao foi dramatizado na semana festiva, conforme o ponto de vista de Weiser, h, inevitavelmente, muito terreno em comum entre ele e Mowinckel.

    Mais importante do que as concordncias e discordncias, no entanto, o conceito de atualizao que vinculado compreenso cltica dos salmos. O drama cltico, conforme se argumentava, era muito mais do que uma ajuda didtica. Trazia os eventos que representava para o momento atual. Numa religio dominada pela magia, isto teria dado a entender o desencadear automtico do poder para o bem ou para o mal, mas na religio do Antigo Testamento confrontava o adorador com Deus e Seus atos, convidando uma resposta imediata da f. O xodo e Sinai, vividos de novo no culto, j no ficavam enterrados no passado; tomavam-se, para o fiel, a prpria salvao dele e sua prpria viso da teofania. Eu te vi no santurio . Deus podia Se dirigir congregao presente, e no meramente Se referir aos antepassados da mesma, como sendo aqueles que comigo fizeram aliana por meio de sacrifcios (50:5); e no ritual de entronizao (pois Weiser o aceita, embora tenha o pano de fundo babilnio postulado) o grito Reina o Senhor abrange, conforme a expresso dele: o passado total, por remoto que seja, e inclui a consumao do Reino de Deus no fim do tempo .31

    28 R. de Vaux, op. cit. pg. 264; G. von Rad, Teologia do Antigo Testamento, II (ASTE SP), pg. 120.

    29 Mowinckel discute a teoria de Kraus quanto a isso em The Psalms in Israels Worship, II, pgs. 230-1.

    30 Weiser, pg. 32.31 Ibid. pg. 618.

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  • SALMOS

    To logo, no entanto, algum pergunta em que sentido a libertao do xodo foi experimentada pelo adorador de uma era posterior, confrontado, de uma vez por todas, pelo aspecto final daquele evento. Somente poderia ser experimentada de novo ou pela analogia (como quando algum considerasse uma situao presente como sendo o equivalente da triste situao de Israel no Egito), ou por um sentido de continuidade, sendo que a pessoa era herdeira da salvao que comeou a correr seu curso no mar Vermelho. E somente neste sentido algo oblquo que parece apropriado falar da atualizao no culto israelita. Mesmo assim, tinha um papel importante para desempenhar em ressaltar o fato de que Deus no Deus dos mortos, mas dos vivos, e que Seus atos tm a caracterstica dinmica (conforme a expresso de Brevard S. Childs) de recusar-se a ser relegado para o passado .32 Isto se exprime do modo hebraico imediato, quando Moiss diz nova gerao no fim dos quarenta anos no deserto: No foi com nossos pais que fez o SENHOR esta aliana, e, sim, conosco, todos os que hoje estamos vivos (Dt 5:3). Aquele prprio pano de fundo, porm, no deserto, deve nos prevenir contra o tomarmos aquela linguagem vvida com literalidade inepta. Era uma maneira de confrontar a nova gerao com a aliana que continuava, e com o Deus vivo; mas no era a nica maneira. O mesmo fato poderia ser ressaltado por outros meios: no por meio de encaixar o passado no presente, e, sim, por meio de segur-los firmemente separados. Este o mtodo do Salmo 95, que trata com o mesmo complexo de eventos. O hoje desta passagem se contrasta com o dia de Mass ; o cenrio atual em contraste com o deserto; a gerao presente em contraste com aquela que submeteu Deus prova.

    Sendo assim, os festivais em Israel (conforme meu ponto de vista) no eram os meios, ex opere operato, de abolir o tempo ou de renovar a potncia do passado: eram celebrados a fim de que te lembres . . . do dia em que saste da terra do Egito , e: "lembrar-te-s" de que foste escravo no Egito (Dt 16:3, 12), e: para que saibam as vossas geraes que fiz habitar os filhos de Israel em tendas, quando os tirei da terra do Egito (Lv 23:43). Esta a linguagem da resposta consciente e racional, e no da experincia mstica. E, para evitar que pensssemos que fosse isto um acidente de linguagem, corroborado pela forma alterada em que a Pscoa tinha que ser celebrada depois daquela primeira ocasio

    32 Childs, pg. 88.

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  • INTRODUO

    que no se podia repetir. O festival foi, a partir de ento, uma comemorao sem sombra de dvida no um meio de tomar um evento passado eficaz no presente (para citar uma exposio da mesma numa declarao ecumnica moderna33) pois nunca mais o sangue protetor seria aplicado s ombreiras e verga da porta. Aquele aspecto tinha sido o ato crucial da Pscoa no Egito; sua abolio foi to eloqente como o grito: Est consumado!

    J foi dito o suficiente para mostrar que a exposio que o Antigo Testamento faz de uma ocasio cltica pode ser marcantemente diferente das concluses tiradas da religio comparada. E tudo isto ressalta a dificuldade de controlar a interpretao na ausncia de um comentrio feito na prpria Bblia para dirimir a questo. Como se distingue uma figura de linguagem vvida de um ato cltico? Certamente no por inquirir se na Babilnia ou em Ugarite as palavras eram dramatizadas culti- camente, porque os deuses deles eram muitos, e visveis, e com atividades sexuais, e famintos; suscetveis magia, e revelados por augrios. Poder-se-ia tomar emprestada a linguagem deles, mas a mudana que sofreria seria total. Para ver a face de Deus , o israelita no precisaria de olhos; para consult-Lo, nenhuma adivinhao.

    Voltamos pergunta: at que ponto o culto era normativo? H uma diferena imensa entre a resposta de algum como Engnell, para quem at os lamentos individuais eram litanias da morte cltica de Jav, e a resposta de Westermann, por exemplo, de que o elemento nativo dos salmos no era o isolamento de um ambiente cltico, mas, sim, o corao da vida do povo escolhido, de onde irradiava para todas as reas34. As vrias posies entre estes extremos tendem a ser debatidas a partir de premissas algo arbitrrias. raro descobrir um jogo de critrios para distinguir salmos clticos de 'salmos no-clticos, tal como a lista de indicaes externas e internas, dada por Szrnyi (resumida no sumrio valioso feito por D. J. A. Clines de Pesquisas nos Salmos ); e

    33 A Decalrao Anglicana/Catlica Romana sobre a Eucaristia (1972), item II, que tira o argumento da Pscoa, assim entendida, e o aplica i Eucaristia.

    34 C. Westermann, Isaiah 40-66 (SCM Press, 1969), pg. 8. Cf. The Praise of God in the Psalms (Epworth, 1966), pg. 155, do mesmo autor.

    35 Psalm Research since 1955: I. The Psalms and the Cult, Tyndale Bulletin 18(1967), pg. 107. (No tenho conhecimento em primeira mo das obras de Szrnyi).

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  • SALMOS

    mesmo esta lista sbria e razovel rejeita a evidncia oferecida pelos ttulos dos salmos.

    Neste ponto, somos confrontados, mais uma vez, com a coliso quase total entre a opinio moderna e o testemunho do prprio texto isto porque os ttulos fazem parte do texto, e aparecem na Bblia Hebraica como versculo 1, ou parte do mesmo, onde quer que ocorram. Muitos destes sobrescritos do testemunho explcito funo dos seus salmos no culto: Salmo de aes de graa (100); Orao do aflito que, desfalecido, derrama o seu queixume diante do SENHOR (102); Cntico para o dia de sbado (92); e assim por diante. Outros do a entender a funo, ao atribuir sua matria aos cantores levitas, mormente a Asafe e os filhos de Cor.

    Setenta e trs dos salmos, no entanto, que consistem em quase metade do Saltrio, se introduzem com a frmula: De Davi ; e quatorze destes so vinculados a episdios na sua carreira, a maioria deles sendo dos dias em que era perseguido. Tomando-os por aquilo que declaram ser, portanto, estes so salmos tirados diretamente da vida: do campo de batalha ou na caverna , no do santurio nem do drama cltico. As direes musicais, no entanto, bem como as aluses ao mestre de cntico (conforme usualmente se traduz este termo36), mostra que foram colecionados, e, onde necessrio, adaptados, para o emprego no culto. Esta a direo oposta de movimento (ou seja, da vida para o culto) do que se retrata pela maioria de estudiosos modernos. Intrinsecamente, no menos provvel do que sua anttese, e rejeitada sem motivos obrigatrios. Gunkel, por exemplo, generaliza a partir da histria das religies, que os salmos . . . compostos para o culto so, de modo geral, mais antigos do que aqueles que o poeta piedoso comps para seu prprio uso . Ele acrescenta, para provar , que na hindia protestante, o coral mais antigo do que o cntico espiritual 37. Mowinckel no fica to sem argumentos, mas ele tambm, como Gunkel, depende de generalizaes. E.g., como exemplos das discrepncias entre os salmos e os tempos de Davi, aponta as atitudes aprovadoras da monarquia antiga para com os sacrifcios de animais e as riquezas e poder (esquecendo-se, talvez, da famosa repreenso dirigida a Saul por Samuel em 1 Sm 15:22, e do fato de que Davi conhecia pobreza e perse-

    36 Ver VI, c. 3, abaixo, pg. 52.37 H. Gunkel, The Psalms: a form-critical Introduction (Fortress Press, 1967),

    pg. 5.

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  • INTRODUO

    guio). Para uma discusso mais completa, ver Vlb (pgs. 46ss.) e VII (pgs. 57ss.).

    Pode parece desnecessrio dar muita importncia s letras midas dos salmos (os ttulos, conforme aparecem nas Bblias em Ingls, quando aparecem). Alm da falta de sabedoria em despojar-nos de parte dos nossos dados sem lhe prestar ateno, porm, permanece o fato de que qualquer documento que, segundo se sabe, tirado da vida real, faz um impacto bem diferente sobre o leitor do que um que encomendado para preencher um tipo padro de necessidade. Se a inteno que participemos nas profundas meditaes do corao de um homem to excepcional e to severamente provado como Davi, ficaremos tanto mais pobres se insistirmos em tratar suas obras como sendo annimas e divorciadas da sua vida cheia de eventos. Voltando smile de Gunkel, se nos entregarmos herborizao demasiada entre os salmos, no devemos ficar surpreendidos se nada mais nos sobra do que uma fileira de amostras.

    Isto, talvez, inconscientemente corroborado pelo prprio Mowinckel, de quemlemos as seguintes palavras reveladoras: O que nos chama a ateno nos salmos bblicos a uniformidade e formalidade que caracterizam a maioria deles. Um to semelhante a outro que difcil diferenciar entre eles38. Embora ele faa disto a base da sua anlise de tipos, possvel que a prpria anlise tenha devolvido algo da sua prpria formalidade matria como ele a v. Cada poema (na experincia de pelo menos um estudante deles), abordado sem este aparato, mas tendo-se em mente as informaes que os salmos e seus ttulos providenciam, emerge com sua prpria individualidade forte. Voltar-se do estudo minucioso de um salmo, para ento estudar o prximo, se ver confrontado, por assim dizer, com uma nova personalidade, num encontro que exige certo esforo de reajustamento.

    Se, em concluso, pudermos mudar a metfora, seria justo dizer que o Saltrio, tomado nos seus prprios termos, no tanto uma biblioteca litrgia, guardando literatura padronizada para as exigncias clti- cas, como uma casa hospitaleira, bem habitada, onde a maioria das coisas pode ser achada e tomada por emprstimo aps um pouco de busca, e cujos primeiros ocupantes deixaram nela, em todo lugar, a marca das suas experincias e a impresso do seu carter.

    38 Mowinckel, I, pg. 30.

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  • SALMOS

    IV. A Esperana Messinica

    O cristianismo compartilha com o judasmo tradicional-a convico de que muitas passagens nos salmos so messinicas: isto , predies ou prenncios de Cristo. Aqui, examinaremos em primeiro lugar o contedo das passagens que o Novo Testamento assim interpreta, e, depois, o alcance da matria messinica alm destas partes do Saltrio que foram assim citadas.

    Em primeiro lugar, pois, o contedo da esperana messinica. Confinando-nos queles salmos, em nmero de cerca de quinze, que o Novo Testamento cita nesta conexo, podemos achar os seguintes aspectos, no mnimo, dAquele que estava para vir.

    a. O Rei Ungido.

    O Saltrio faz pouca demora quanto a introduzir a figura do rei, que nele desempenhar um papel de tanto destaque. J no incio, no Salmo 2, apresenta-o em termos que deixam as limitaes da dignidade real local muito para trs. O salmo serviria muito bem (e, sem dvida, servia mesmo) de antema regular de entronizao de um novo rei, quando, ento, a sua linguagem seria interpretada como sendo retrica da corte, tratando o modesto imprio de Davi como se fosse o mundo. H, no entanto, mais do que retrica aqui. O poema desenvolve o fato de que o rei davdico reina em prol de Deus, cujo trono est nos cus (2:4). As extremidades da terra so, portanto, possesso dele por direito, e ainda sero dele de fato. Alm disto, pleno valor atribudo ao seu ttulo duplo, de ungido do Senhor e de filho do Senhor. Falaremos separadamente a respeito do segundo ttulo; neste nterim, o primeiro deles nos apresenta de imediato a palavra masiah, cuja forma aramaica era trans- literada em textos gregos como messias, ou traduzida como christos, de onde temos Messias e Cristo .

    A uno simbolizava a consagrao39 a um alto ofcio, no somente investindo a pessoa ungida com uma alta categoria (de tal modo que, e.g., um ato de violncia contra ele seria sacrilgio40), como

    39 E.g. Lv8:12, . . ungiu-o (a Ario) para consagr-lo.40 E.g. Como nto temeste estender a mio para matares o ungido do Senhor? (2 Sm

    1:14). Cf. Nto toqueis nos meus ungidos" (SI lOSilS).

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  • INTRODUO

    tambm revestindo-a com poder para a sua tarefa (cf. 89:22ss.), sendo que o rito externo era completado, na melhor das hipteses, com o dom do Esprito. Assim era a uno de Saul (1 Sm 10:1, 6) e a de Davi (1 Sm 16:13); assim tambm era a do Servo do Senhor, se este o termo certo para a figura descrita em Isaas 61: lss., com a qual Jesus Se identificou. A uno era o rito de iniciao tanto para sacerdotes como para reis, e, pelo menos numa ocasio, para um profeta (1 Rs 19:16).

    O rei, portanto, era muito mais do que um lder. Embora algumas escolas de pensamento tenham exagerado sua qualidade sagrada, como se fosse ele o mediador da nao entre a terra e o cu, permanece verdade que a boa sorte da nao se vinculava a ele, e que algo da glria de Deus se via nele. A proeza de Davi, e no somente o seu ofcio, pode ter conquistado para ele o ttulo de lmpada de Israel (2 Sm 21:17); mesmo assim, um sucessor dele, sem distino alguma, ainda era O flego da nossa vida, o ungido do Senhor (Lm 4:20); e duas vezes, em se orando em favor do rei nos salmos, chamado escudo nosso (84:9; 89:18). Quanto s honras divinas, a linguagem de filiao no Salmo 2, da co-regncia com Deus no Salmo 110, e da prpria divindade no Salmo 45, que discutiremos abaixo, se entendia, conforme podemos supor, como terminologia que no deveria ser levada at s ltimas conseqncias (at que o Novo Testamento insistisse que assim fosse), sem, porm, ser inteiramente inapropriada. Entretanto, as dolorosas insuficincias dos prprios reis ajudavam a erguer os olhos dos homens em direo quele que haveria de vir. A adio do Targum ao Salmo 72:1 apenas um exemplo disto, onde o rei fica sendo o rei Messias.

    b. "MeuFilho.

    Esta a linguagem do Salmo 2:7, um versculo que muito citado no Novo Testamento. Abordando-o dentro do Antigo Testamento, achamos duas grandes marcas no caminho para ele: a declarao Israel o meu filho, meu primognito (x 4:22), e a promessa feita a Davi com respeito ao seu herdeiro ao trono: Eu lhe serei por pai, e ele me ser por filho (2 Sm 7:14). Esta promessa se referia inicialmente a Salomo, como deixam claro o restante daquele versculo e o seguinte; era, porm, vinculada com a promessa de uma dinastia que no teria fim. Sendo assim, em cada novo reinado, provvel que a entronizao do rei fosse a ocasio em que este entrava formalmente nesta herana (e possivelmente era presenteado com um decreto tal

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  • SALMOS

    qual o do Salmo 2:7 (ver o comentrio), para assim se tomar a expresso suprema da filiao do seu povo e da posio deste de primognito de Deus neste mundo (cf. 89:27 com Dt 28:1).

    O Salmo 2, porm, oferece a ele a terra inteira, e parece que vincula o Senhor e Seu ungido como Pai e Filho em mais do que o mero nome. A impresso que este no qualquer filho comum de Davi, e que esta linguagem no era mero Hofstil (estilo da corte), confirmada pelo Salmo 110 onde, conforme nosso Senhor indicou, o prprio Davi sada Algum que seu soberano, colocado mo direita de Deus. Hebreus 1:13 tira um contraste adicional ao perguntar: Ora, a qual dos anjos jamais disse: Assenta-te minha direita . . . Quanto a isto, F. F. Bruce comenta sagazmente: Os anjos mais exaltados so aqueles cujo privilgio assistir diante de Deus como Gabriel (Lc 1:19), mas nenhum deles j foi convidado a ficar assentado diante dEle, muito menos sentar-se no lugar de honra sem igual, direita dEle . 41 Mais uma vez, ao chamar o rei de Filho, o Antigo Testamento introduziu um tema que, sem maior desenvolvimento, se encaixa no seu contexto imediato, mas que o supera totalmente pelo crescimento quando suas implicaes se desdobram completamente.

    O Novo Testamento, revelando que o Filho unignito de Deus co-etemo com o Pai, aplica o hoje do Salmo 2:7 ressurreio do Filho encarnado, quando, como o rei na sua coroao, foi poderosamente demonstrado Filho de Deus (Rm 1:4; cf. At 13:33).

    c. "Deus",

    Ao evitarem a traduo bvia do Salmo 45:6, RSV e NEB enfraqueceram o impacto de um texto que, traduzido de modo direto, diz ao rei: O teu trono, 6 Deus, para todo o sempre (AV, RV, cf. JB). At a LXX, que pr-crist, no fez nenhuma tentativa no sentido de desviar o impacto disto, e suas vastas implicaes se colocam alm de qualquer dvida em Hebreus 1:8, que contrasta este modo de falar ao Filho com aquilo que se fala aos anjos. , talvez, o orculo messinico mais destemido que h no Saltrio; mas no fica isolado. O mesmo captulo de Hebreus acha referncia a Cristo em duas outras declaraes

    41 F. F. Bruce, The Epistle to the Hebrews (New London Commentary), Marshall, Morgan & Scott, 1964), pig. 24.

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  • INTRODUO

    que falam de Deus de modo imediato. Uma destas Salmo 97:7 (prostrem-se diante dele todos os deuses (ou anjos)), onde o contexto uma teofania. O comentrio de Hebreus 1:6 d a entender que, quando Deus Se manifesta na terra, f-lo na Pessoa do Seu Filho. A segunda referncia ao Salmo 102:25-27 [heb. 26-28], que citado em Hebreus 1:10-12 como palavras que Deus dirige a Algum a Quem d o titulo de Senhor ,42 e a Quem atribui a eternidade e a criao do universo. A vocalizao que a LXX d ao Salmo 102:23-24, apia a Epstola na sua inferncia de que de fato o prprio Deus quem fala.43 Uma exegese to espantosa do salmo deve ter sido por demais ofuscante para ser contemplada, at que os eventos, na vinda de Cristo, acostumassem os olhos dos crentes plenitude da glria da verdade.

    Caso atribussemos estas interpretaes corajosas ao preconceito de uma nica Epstola, poderemos acrescentar a esta lista a exposio do Salmo 68:18 em Efsios 4:8-11, onde a descrio da ascenso de Deus s alturas , levando cativo o cativeiro, considerada cumprida pela ascenso de Cristo ao cu. Mais uma vez, o Novo Testamento desvenda a luz escondida do Antigo.

    d. "TeuServo.

    Este no um ttulo distintivo no Saltrio, embora Davi tenda a empreg-lo quando est aflito (e.g. 69:17; 86:2, 4, 16), e a expresso servo do Senhor ocorra nos ttulos de dois salmos davdicos (18 e 36). Empregamos o mesmo aqui como indicador conveniente do papel de sofredor inocente, que d forte colorido ao retrato de Si mesmo que Jesus reconhecia no Saltrio.

    A maioria das referncias que nosso Senhor faz aos salmos aludem, de fato, a este elemento que h neles; de fato, o Salmo trgico, 69, a maior fonte empregada no Novo Testamento de citaes e aluses a Cristo na coletnea inteira, sendo que seis ou sete versculos ou frases so tirados dele para interpretar Sua cruz e paixo. Neste salmo, e

    42 Hb 1:10 segue diretamente aps os versculos 8-9, assim: Mas, acerca do Filho [diz]: O teu trono, Deus, para todo o sempre . . . E No princpio, Senhor, lanaste os fundamentos da terra. . .

    43 Ver o comentrio sobre esta passagem no Vol. Dois. Quanto ao seu emprego em Hb 1:10-12, ver, especialmente, F. F. Bruce, op. cit. pgs. 21-23, a quem devo boa parte desta matria.

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  • SALMOS

    seus companheiros (notavelmente 22, 35, 40, 41, 109, 118), os Evangelhos, Atos e Epstolas acham suas palavras mais eficazes para ressaltarem assuntos tais como Seu zelo reformador (69:9a), Sua deliberada oblao de Si mesmo (40:6-8), Sua experincia de isolamento (69:8), a traio, o dio e a rejeio dirigidos contra Ele (41:9; 69:4; 35:19; 118:22), Sua submisso repreenso (69:9b), zombaria (22:7-8; 69- 21), ao despojamento das roupas (22:18), e, conforme parece ser, ao cravejamento cruz (22:16). Muitos destes incidentes so tratados como sendo profecias cumpridas; de fato, Pedro nos diz que no Salmo 16Davi, Sendo, pois, profeta . . . prevendo isto, referiu-se ressurreio de Cristo (At 2:30-31). Em Atos 1:16-20 e Romanos 11:9-10, os apstolos tambm nos mostram predies da triste sorte de Judas (109:8; cf. 69:25), e do Israel descrente (69:22-23). O prprio Jesus, na cruz, achou nos Salmos palavras para a Sua hora pior e para Seu ltimo suspiro (22:1; 31:5).

    e. Outros Termos.

    H algumas poucas outras expresses cujo contedo messinico se desdobra com a vinda de Cristo.

    1. A alta vocao do homem, ou, no termo paralelo, o filho do homem (8:4), se contrasta em Hebreus 2:5ss. com o fracasso da humanidade quanto a atingi-la, mas demonstra-se que Jesus, o Homem por excelncia, a cumpriu uma verdade a respeito dEle que complementa Seu ttulo de Deus no Salmo 45, j discutido supra44.

    2. Salmo 110:4 designa o rei-guerreiro, que entronizado destra de Deus, um sacerdote para sempre . Esta a nica referncia deste tipo no Saltrio; em Zacarias, porm, a coroao do sumo sacerdote Josu, que tambm tem um orculo messinico dirigido a ele (Zc 6:llss.), confirmou dramaticamente este aspecto da vocao do Messias. O Salmo se refere ao passado, a Melquisedeque, o arqutipo do sacerdote-rei que se encontra em Gnesis 14:18ss., e a relevncia de cada detalhe daquela narrativa para o sumo sacerdcio de Cristo

    44 Salmo 80i 17 emprega termos semelhantes aos de 8i4, mas fala de Israel. , portanto, messinico apenas no sentido de ser Cristo o verdadeiro Israel e a Videira verdadeira. O Targum, porm, interpretou o verso paralelo, 15b (omitido por RSV, etc.) como sendo messinico, embora o Novo Testamento n&o faa uso dele.

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  • INTRODUO

    exposta em Hebreus 7, que, por sua vez, leva para a discusso mais completa do sacerdcio e do sacrifcio em Hebreus 8-10. Sendo assim, a frase nica no Salmo 110, que citada em Hebreus 5:6, a origem de um dos grandes temas daquela Epstola, e, conseqentemente, o meio de demonstrar que o sacerdcio terreno do ntigo Testamento estava destinado a ser ultrapassado pelo sacerdcio celestial de Cristo. Nossa compreenso do relacionamento entre a velha ordem e a nova teria sido inimaginavelmente mais pobre sem este versculo e a sua exposio.

    3. A pedra que os construtores rejeitaram (118:22) foi identificada por nosso Senhor como sendo uma referncia a Ele prprio; e Suas palavras foram reforadas mediante Sua aceitao das Hosanas e Bendito o que vem . . . da parte da multido aclamaes estas que foram tiradas deste salmo. Jesus, no entanto, abriu novos horizontes ao relacionar este orculo da pedra a mais dois (Lc 20:18), e referindo ambos a Si mesmo. No seu primeiro contexto, a pedra sobre a qual os homens caem e se quebram no outro seno o Senhor dos Exrcitos , conforme os ouvintes judeus muito bem saberiam;45 e a pedra que moer em p tudo sobre o que cai a pedra cortada sem mos humanas no sonho de Nabucodonosor: i.e., o reino para acabar com todos os reinos.46

    Sendo assim, Jesus tomou um salmo em que, segundo parece, personifica-se um Israel perseguido, e no somente tratou os retratos como sendo dEle prprio, e os perseguidores como sendo Seu povo descrente, como tambm Se identificou com Deus, a Rocha de Israel, de um lado, e com o reino (a pedra que se tornou em grande montanha) do outro lado. Sendo assim, Ele a pedra da esquina no somente no sentido de vincular toda a Sua igreja, como tambm no sentido de unir o cu e a terra na Sua prpria Pessoa.

    Nossa segunda preocupao principal pesquisar a extenso do elemento messinico no Saltrio.

    J vimos que o Novo Testamento tira matria deste tipo de cerca de quinze salmos. Um exame, porm, mais pormenorizado de como estes so tratados sugerir que so considerados como sendo amostras

    45 O mesmo emprego de Is 8:13-15 se faz em 1 Pe 2:8, confirmado por 3:14b, 15.46 Dn 2:34-35,44.

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  • SALMOS

    de uma coletnea muito maior. Dificilmente pareceria demais tirar a inferncia deste tratamento, que sempre quando Davi ou o rei davdico aparece no Saltrio (a no ser quando est confessando o fracasso quanto ao viver altura da sua vocao), prenuncia o Messias, at certo grau.

    Isto o que se d a entender, por exemplo, na atitude do Novo Testamento para com Salmo 18 (= 2 Sm 22), que o testemunho pessoal de Davi. citado duas vezes nas Epstolas com referncia a Cristo, e, em cada caso a maneira da citao, ainda mais do que a matria, que de significncia para nosso atual propsito. Hebreus 2:13 cita o versculo 2 (nas palavras da LXX de 2 Sm 22:3): Eu porei nele a minha confiana; e Romanos 15:9 cita o versculo 49 (LXX): Por isso eu te glorificarei entre os gentios, e cantarei louvores ao teu nome . O interesse especial destas frases para ns sua falta de interesse especial. No nos foram, mediante alguma reivindicao ou paradoxo marcante, a procurar alguma figura sobrenatural para cumpri-las: encaixam-se perfeitamente na pessoa de Davi. O versculo 2, de fato, nos parece uma resposta por demais bsica para ser distintivo do Messias, e, na realidade, citado para comprovar precisamente esta circunstncia de ser Ele um de ns: Por isso mesmo convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos seus irmos (Hb 2:17; cf. vers. 11). Isto, porm, no teria impacto algum a no ser que o escritor pudesse j pressupor que seus leitores escutariam as palavras de Davi como tambm sendo as palavras do Messias. O mesmo fenmeno ocorre no versculo 49, conforme seu emprego em Romanos 15. O fato que nenhum destes dois autores se d ao trabalho de declarar, e muito menos argumentar, que o salmo messinico, sugere que o Novo Testamento considera como fato consumado que os salmos davdicos e reais tm esta dimenso adicional. Isto concorda com o tratamento semelhante dado aos salmos na pregao de Pedro e nos Evangelhos.

    Se perguntarmos como isto veio a existir, vemo-nos confrontados no somente com uma tradio meramente rabnica (que poderia se enganar), mas tambm com o nosso Senhor mesmo. Quando lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lc 24:45), foi com referncia especial ao contedo messinico delas. Assim est escrito que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remisso de pecados, a todas as naes . Embora Lucas 24 nos d poucos detalhes desta instruo, o restante do Novo Testamento mostra

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  • INTRODUO

    como os apstolos unanimemente a entenderam; e a prova de que no tinham entendido mal se pode achar nos Seus prprios ensinos. As palavras dEle, como as deles, revelam a suposio de que aquilo que era davdico nos salmos era messinico, no somente onde a referncia era clara, como no orculo O Senhor disse ao meu Senhor (110:1), mas tambm onde se referia, em primeiro lugar, s vicissitudes pessoais de Davi, como no Salmo 41:9 e 69:4 (= 35:19), citados em Joo 13:18 e 15:25 como trechos bblicos que aguardam o cumprimento no meramente como ditados apropriados e familiares. bem evidente que diria a respeito de Davi aquilo que disse a respeito de Moiss: escreveu a Meu respeito .

    Parece que temos justificativa em dizer de Davi e dos demais salmistas aquilo que foi dito de Moiss e da sua gerao: Estas coisas lhes aconteceram typiks, ou significativamente. Vemos o rei davdico em relacionamento com as naes, as quais h de subjugar (2:9), em relacionamento com seu povo, a quem guia com a percia das suas mos (78:72, AV), ou com sua noiva cuja formosura desejar grandemente (45:11), ou com seu Deus, cuja autoridade ele exerce (110:2). Vemos Davi como o homem segundo o corao de Deus (como, por exemplo, em 16,18 ou 40), e o Davi sofredor que foi ensinado na escola do perigo, dio e ingratido, que foi trado por alguns dos seus amigos mais ntimos e por seu filho mais querido.

    Davi no emerge isento de falhas, conforme o Saltrio, bem como de acordo com os registros histricos. Quando assevera a sua retido (18:20ss.) somente relativa, porque um homem perdoado (32:1) que pecou grandemente (51). Assim como, porm, o reino perfeito prenunciado por um reino limitado e imperfeito, assim tambm o Homem perfeito tipificado por um pecador cujos sofrimentos, f, soberania e filiao Ele transcende totalmente.

    A qualidade especial da profecia messinica do Saltrio, pois, que vivida na prtica, e no somente pronunciada. H alguns poucos orculos puramente profticos, e.g. 2:7; 110:1, e muito uso se faz deles no Novo Testamento; muito mais uso, porm, se faz das oraes e louvores que surgiram diretamente da vida, de situaes que o prprio Cristo experimentaria, embora num contexto maior e num nvel mais profundo, como personificao e completao de Israel, da dignidade real, do homem e do sacrifcio, e como a encarnao de Deus.

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  • SALMOS

    V. Gritos por Vingana.

    As transies repentinas nos Salmos, de devoo humilde para imprecao ardente criam um problema embaraoso para o cristo, que tem a certeza que toda a Escritura inspirada e proveitosa, e que sabe, igualmente, que ele mesmo tem que abenoar aqueles que o amaldioam. Nossa abordagem deste problema ser prestar ateno substncia destas exploses antes de olhar a tonalidade delas, e ao emprego que o Novo Testamento faz delas antes de discutir, finalmente, sua relevncia a ns.

    a. Sua Substncia.

    Podemos resumir isto como sendo uma petio de que a justia seja feita, e o direito vindicado. Esta uma preocupao que o Novo Testamento calorosamente sustenta. A parbola do juiz inquo, por exemplo, reitera a palavra vindicar 'com uma persistncia que digna da prpria viva, e no o faz apenas dentro da histria (onde poderia ser meramente incidental) como tambm na aplicao: No far Deus justia aos seus escolhidos? . . . Digo-vos que depressa lhes far justia (Lc 18:1-8). Esta palavra, deve-se entender, significa uma ao judicial mais forte do que o limpar o bom nome de uma pessoa; suas associaes primrias so com a retribuio.

    O evangelho, sem dvida alguma, reorienta radicalmente a nossa preocupao, conforme ressaltaremos abaixo, mas faz assim parcialmente ao introduzir a nova situao criada pela cruz, e parcialmente ao tomar claro aquilo que era dificilmente visvel numa etapa anterior: a vida do porvir. Para ficarmos plenamente harmonizados com os salmistas quanto a esta questo, teramos que suspender a nossa conscincia de termos um evangelho para compartilhar (o que afeta a nossa atitude para com outros pecadores) e a nossa certeza do endireitar final de todas as injustias (que afeta a nossa atitude para com anomalias atuais). Sem estas certezas, somente o cnico ficaria sem sentir impacincia para ver a justia triunfar e os malignos arruinados; e estes autores no eram cnicos. Seria melhor, de fato, falar do que eles fazem em afinar nossos ouvidos ao evangelho, do que falar do nosso ajustamento situao deles, porque no podemos verdadeiramente escutar as respostas que o evangelho d at que tenhamos sentido o impacto das perguntas deles.

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  • INTRODUO

    J argumentei noutro lugar47 que a histria de Davi, porta-voz principal deles, d provas suficientes de que sua paixo pela justia era genuna, e no uma mscara para uma ndole vingativa. Poucos homens tm havido com mais capacidade de generosidade sob ataque pessoal, conforme comprovou pelas suas atitudes para com Saul e Absalo, sem falar em Simei;48 e nenhum soberano foi mais profundamente levado ira por aes cruis e inescrupulosas, embora parecessem favorecer a causa dele. O que pedia a Deus no era mais e certamente no poderia ser menos do que o veredito e a interveno que uma vtima da injustia poderia esperar dele, o prprio Davi, como rei de Israel. Quanto mais a srio ele levava seu ideal de realeza da parte de Deus

    Aquele que domina com justia sobre os homens,que domina no temor de Deus

    (para citar das suas ltimas palavras 49), tanto menos se poderia imaginar que ele caluniaria a Deus por subestimar a averso dEle pela iniqidade.

    b. Sua Tonalidade.

    A tonalidade e esprito destes gritos corre entre lamentao e ferocidade. O dio s vezes correspondido pelo dio, a crueldade pela crueldade. Ningum tenha misericrdia dele, nem haja quem se compadea dos seus rfos (109:12). Filha de Babilnia . . . Feliz aquele que pegar teus filhos e esmag-los contra a pedra (137:8-9).

    apenas um ato de eqidade indicar que estas palavras que foram extradas destes sofredores enquanto pleiteavam a sua causa so apenas

    47 D. Kidner, HardSayings (IVP, 1972), pgs. 15-17.48 2 Sm 16:11; 19:16-23. Mais tarde, Davi mudou de ida, guardando apenas a

    letra da sua promessa (1 Rs 2:8-9). possvel que considerasse Simei uma ameaa contra Salomo, que estava em perigo (e cuja deciso de manter Simei confinado sua casa confirma isto: 1 Rs 2:36). Se, porm, Davi realmente decaiu momentaneamente da sua magnanimidade anterior, foi apenas um lapso, e no um hbito. Estava to longe das caractersticas dele quanto foi a traio contra Urias.

    49 2 Sm 23:1,3.

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  • SALMOS

    uma medida dos atos que as provocam. Aqueles atos no foram forados sobre pessoa alguma: eram a resposta brutal ao amor (109:4) e fraqueza pattica (137). Dizer que eram indesculpveis to inadequado quanto verdade. Precisa ser dito com paixo.

    Aqui devemos notar que a invectiva tem sua prpria retrica, na qual horror pode ser empilhado sobre horror, mais para expressar o senso de ultraje de quem fala do que para indicar as penalidades que literalmente quer dizer. Isto pode ser visto bem claramente na maldio que Jeremias elaborou com eloqncia bruta contra o homem que levou ao seu pai os parabns pelo seu nascimento ao invs de assassinar a me grvidat50 Tal linguagem imoderada tem uma aparncia de irresponsabilidade que clama por crticas; seria, porm, um erro desejar que no existisse. Tem uma funo to vlida neste tipo de contexto como tem a hiprbole no ambiente da descrio: um carter vvido de comunicao que est alm do alcance do literalismo cauteloso.

    Isto nos traz perto do corao do assunto, o qual que os salmos tm, entre outros papis, nas Escrituras, um papel que peculiar deles: tocar-nos e inflamar-nos, e no simplesmente se dirigir a ns. As passagens sobre as quais poderamos ser tentados a pronunciar julgamentos tm o aspecto chocantemente imediato de um grito, para nos assustar ao ponto de sentirmos algo do desespero que as produziu. Esta a revelao numa forma mais indireta, porm mais ntima do que a maioria das outras formas. Sem ela, teramos menos embarao, mas ainda menos conceito dos lugares escuros da terra que so cheios das habitaes da crueldade, 51 uma crueldade que pode levar homens fiis ao ponto de se quebrarem.

    A comparao com Jeremias pode, talvez, ser levada um pouco mais longe, para dar conta do fato de que seus gritos no se nos apresentam num vcuo. No contexto da sua vida revelam-se como uma etapa da sua luta para enquadrar-se na sua vocao uma luta que deu profundidade a ele e nos ilumina a ns. Mais explicitamente, as respostas que Deus d a ele misturam o encorajamento e a repreenso. 52 A mesma coisa acontece com J: escureceu os desgnios de Deus com palavras sem conhecimento , no entanto, falou a respeito de Deus o que era reto (J 38:2; 42:7). Em poucas palavras, Deus l a

    50 Jr 20:15-17.51 SI 74:20, AV.52 E.g. Jr 12:5; 15:19.

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  • INTRODUO

    mensagem inteira: no somente as palavras como tambm o homem e a situao o que os consoladores de J deixaram de fazer. Deus menos passvel de ficar chocado do que ns ou, mais precisamente, fica chocado ou comovido por coisas diferentes, uma vez que Ele v o corao e Se aflige com as nossas aflies.

    Jeremias e J nos ensinaram a tomarmos juntamente a pergunta e a resposta, e a superfcie de uma declarao com as profundezas por debaixo dela, como partes inseparveis da revelao inspirada. Devemos, no entanto, tomar o cuidado de no insistirmos nas nossas prprias respostas. A petulncia de Jeremias, por exemplo, foi repreendida em 12:5, mas a substncia da sua orao pela retribuio foi sustentada (11:20-23; 12:7ss.) onde ns, sem dvida, no a teramos apoiado. Semelhantemente, os Salmos recebem confirmaes nas Escrituras que s vezes nos pegam de surpresa. Isto nos leva para a nossa seo seguinte.

    c. Seu Emprego no Novo Testamento.

    Nosso Senhor, no incio do Seu ministrio, fez uma omisso deliberada de uma passagem do Antigo Testamento, ao fechar o livro antes da frase o dia de vingana do nosso Deus (Is 61:1-2; Lc 4:18-20). Isto, tomado juntamente com Seu ensino com respeito a pagar o mal com o bem, pode sugerir que Ele deixasse de lado o conceito completo do julgamento; logo se toma claro, no entanto, que as coisas no so to fceis assim. Ele veio com a salvao, mas a prpria aproximao desta traz o julgamento tanto mais perto. Os lavradores maus na parbola so levados a uma deciso final, e, conforme se revela, fatal, quando se vem confrontados com o filho da casa; as pequenas cidades da Galilia, tendo tido seu antegozo do cu, agora tm diante delas um inferno mais profundo do que o de Sodoma.

    Este paradoxo tem relao com os salmos de imprecao. Os salmistas, na sua ansiedade pelo julgamento, clamam a Deus para que Ele o apresse; o evangelho, em contraste, demonstra a ansiedade de Deus para salvar, mas tambm revela novas profundidades e imensidades de julgamento que so seu corolrio. Agora no tm desculpa pelo seu pecado.

    O Novo Testamento, nas suas citaes e ecos do Saltrio a respeito deste tema, s vezes fala com menos severidade do que a sua fonte, e s vezes com mais, mas nunca com mero rancor pessoal. Voltaremos a

    41

  • SALMOS

    isso na seo final; no nterim, podemos notar, como amostras, que a ira de Deus e a vara de ferro do Messias, que se destacam no Salmo2, tambm se destacam no Apocalipse,53 e que o dia da Sua ira (110:5) acha seu eco em Romanos 2:5, e que a ira invocada contra os que no conhecem a Deus (79:6) confirmada em 2 Tessalonicenses 1:8 (onde, porm, a ofensa esclarecida como sendo a recusa de obedecer a Ele, e no mera ignorncia).

    Ocasionalmente, o Novo Testamento interrompe uma citao num ponto em que a retribuio ameaada no Saltrio, mas isto usualmente por razes de relevncia mais do que por causa de quaisquer reservas doutrinrias. Por exemplo, em Joo 10:34 o ponto essencial em questo j foi plenamente esclarecido com as palavras: Eu disse: Sois deuses; nada seria obtido ao completar a citao: . . . todavia, como homens, morrereis (82:7). Quase o mesmo se pode dizer a respeito de 1 Pedro 3:12, citando apenas metade do Salmo 34:16. Outra vez, em Romanos 3:19, a frase: para que se cale toda boca, conclui o argumento contra o ser humano, que j foi desenvolvido no decurso dos captulos anteriores, de modo que aqui Paulo silencia. No h aqui necessidade alguma das sanes que se avultam por detrs do Salmo 63:11. Este silncio, do outro lado, significativo em Joo 13:18, onde nosso Senhor cita Salmo 41:9 a respeito do amigo que comia do meu po e que levantou contra mim o calcanhar , mas deixa de orar, como Davi orou, pedindo a oportunidade de retribuir a ele. Jesus tem algo melhor para lhe oferecer.

    Ao mesmo tempo, o Novo Testamento revela um castigo mais severo do que se menciona nos Salmos, simplesmente porque a escala inteira do destino humano j se tornou visvel. Isto fica muito claro quando se compara Salmo 6:8 com Mateus 7:23, onde as palavras Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniqidade so transformadas de grito de alvio proferido por Davi para uma sentena de morte proferida por Cristo. O princpio o mesmo: a verdade e as mentiras no podem conviver juntas. Fora ficar todo aquele que ama e pratica mentira . 54 uma coisa ser repudiado por Davi; coisa bem diferente ser repudiado por Cristo para aquela excluso que tambm o clmax de quase toda parbola nos Evangelhos.

    53 Cf. e.g., a ira do Cordeiro", Ap 6:16. Para a vara de ferro, ver Ap 2:27; 12:5:19:15.

    54 Ap 22:15; cf. tambm SI 5i6.

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  • INTRODUO

    O Novo Testamento, portanto, longe de reduzir ao mnimo o papel do julgamento, aumenta a sua gravidade ao mesmo tempo em que o remove da esfera de represlia particular. Isto fica bem ilustrado pelo seu emprego em duas das exploses mais calorosas no Saltrio, nos Salmos 69 e 109. Cada uma delas tratada como profecia, e tomada como sendo a sentena de Deus contra a impenitncia invencvel. Pedro cita os Salmos 69:25 e 109:8, a respeito de Judas, no esprito das referncias tristes porm sem questionar, que Jesus faz perdio deste. Paulo tem uma ternura semelhante para com Israel (em prol do qual poderia desejar ser amaldioado) quando v que herdam a condenao do Salmo 69:22-23: Torne-se-lhes a mesa em lao e armadilha . . . escuream-se-lhes os olhos . . . e fiquem para sempre encurvadas as suas costas (Rm 11:9-10) mas claramente considera a clusula para sempre como revogvel se eles se arrependerem, conforme ele realmente espera que faam. Assim, ganhamos este entendimento adicional destas maldies, que, por toda a sua aparncia de implacabilidade, devem ser tomadas como sendo condicionais, como, de fato, eram os orculos dos profetas.56 Sua fora integral era para os empedernidos; mediante o arrependimento, ficariam sendo uma maldio sem causa, que, segundo Provrbios 26:2 nos assegura, no se cumpre.

    d. A Sua Relevncia Atual.

    Como preliminar a esta questo, h mais dois elementos no Novo Testamento que devem ser levados em conta, por mais brevemente que sejam. O primeiro a petio dos eleitos de Deus, implorando a vindi- cao, j mencionada na primeira seo; uma petio que o Senhor aceita em Lucas 18:7-8, e que ecoada no clamor dos mrtires em Apocalipse 6:10: At quando, Soberano Senhor, santo e verdadeiro, no julgas nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? O significado em ambos os casos, conforme parece, o fato acusador de sangue inocente, clamando, como o de Abel, da terra para Deus.57 Dificilmente pode significar o clamor consciente dos mrtires,

    55 Jesus tambm Se refere a este versculo, segundo parece, no Seu lamento por Jerusalm, Mt 23:37-38. Aqui, somente h& pesar.

    56 Ver Jr 18:7-10; Jn 3:4,10.57 Gn 4:10; cf. Mt 23:35; Hb 12:24; ver tambm Nm 35:33.

    43

  • SALMOS

    pois, na realidade, o exemplo de Estvo definiu o tom para seus sucessores (conforme o fez o do Seu Mestre para ele), terminando a antiga tradio de protesto indignado (cf. 2 Cr 24:22; Jr 18:23). A orao de Estvo em prol dos ses inimigos, no entanto, somente poderia ser respondida atravs do arrependimento deles, conforme aconteceu na realidade com Saulo. Doutra forma, do ponto de vista celestial, este sangue ainda ficaria nas cabeas deles. Mesmo o sangue expiador de Cristo, embora fale coisas superiores ao que fala o prprio Abel fica sendo evidncia condenadora contra aqueles que dele abusam.58

    O segundo elemento o equivalente ocasional do amaldioar no Novo Testamento. O prprio Senhor abriu o caminho com Seus orculos encenados e falados de julgamento contra o Israel infiel (Mc 11:14; 12:9) e contra as igrejas infiis (Ap 2 e 3). Na era dos apstolos, se o fim de Ananias e Safira no foi propriamente invocado, o cegamento temporrio de Elimas o foi; assim tambm foi a entrega temporria do pecador corntio a Satans (1 Co 5:5). A retribuio futura de Alexandre o latoeiro declarada em termos do Salmo 62:12 em 2 Timteo 4:14 (mas note-se a orao do versculo 16). O que h em comum entre todos estes casos a preocupao pelo bem-estar do reino ou do prprio pecador (inclusive Alexandre, pode ser, enquanto ainda havia esperana de arrependimento: 1 Tm 1:20). Os interesses pessoais dos que invocam estes julgamentos no tm nada do destaque que parecem ter nos Salmos. A escassez destas oraes ou orculos de julgamento, e a ausncia de amargura, so provas suficientes da coisa nova que acontecera; o fato de que h a presena delas no Novo Testamento confirma a continuidade deste cm o Antigo.

    Conclumos, portanto, que no temos a opo de deixar de lado ou renunciar os salmistas, pois uma parte da sua funo no plano de Deus era tomar articulado o grito detodo o sangue justo derramado na terra (para tomar emprestado a frase de nosso Senhor). Ao mesmo tempo, porm, j no est aberto para ns o direito de simplesmente ocupar o terreno que eles ocuparam. Entre o dia deles e o nosso, entre a nossa vocao e a deles, fica a cruz. Somos ministros de reconciliao, e este um dia de boas novas.

    pergunta, pode um cristo empregar estes gritos por vingana como os dele prprio? A resposta curta tem certamente que ser: No,

    58 Hb 10:26-31; 12:24; Mt 23:37.

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  • INTRODUO

    assim como no deve ecoar as maldies de Jeremias ou os protestos de J. Ele pode, naturalmente, traduzi-los em afirmaes do julgamento divino, e em denncias das hostes espirituais do mal que so o verdadeiro inimigo. Quanto a homens de carne e sangue, que vivem como inimigos da cruz de Cristo ou que se tomam em inimigos nossos, nossas instrues mandam orar, no contra eles, mas em prol deles; desvi-los do poder de Satans para Deus; pagar o mal deles com o bem; e no escolher nenhum de seus caminhos. Como homens necessitados, que ainda podero ser salvos, devem ser amados e buscados; como homens que nos lesaram, devem ser perdoados. Como, porm, homens para serem seguidos e escolhidos como companheiros e aqui os Salmos e o Novo Testamento falam com voz unssona devem ser totalmente rejeitados, como so rejeitados os poderes e principados por detrs deles. 59

    Se estas passagens nos Salmos abrem os nossos olhos s profundezas e ao merecido castigo da iniqidade, e aos perigos de tomarmos emprestadas as armas dela, j fizeram seu trabalho. Dizer que a palavra deles no a ltima a respeito do assunto no nenhuma censura: era primeiramente necessrio que outra obra fosse levada a efeito. Aquela obra e palavra final pertenceu a Cristo, e ns a herdamos.

    VI. Ttulos e Termos Tcnicos.

    a. Sua Autenticidade e Antiguidade.

    As notas que se reproduzem em letra mida na maioria das nossas verses inglesas,60 encabeando todos os salmos menos alguns poucos, fazem parte do texto cannico da Bblia Hebraica (diferentemente das notas marginais acrescentadas pelos massoretas), e se incluem na numerao dos versculos desta. Sendo assim, na maioria dos salmos que tm um ttulo, os versculos no texto hebraico tm sua numerao desencontrada com a dos nossos. O Novo Testamento no somente trata estes ttulos como Escritura Sagrada, como tambm, seguindo o exemplo de nosso Senhor, est disposto a edificar seus argumentos nalguma das notas de autoria que deles fazem parte (Mc 12:35-37; At

    59 D. Kidner, Hard Sayings (1VP, 1972), pg. 17.60 NEB as omite totalmente.

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  • SALMOS

    2:29ss, 34ss; 13:35-37). Nao precisamos ir mais longe em procurar a autenticao deles; mesmo assim, algumas das crticas levantadas contra eles sero debatidas na seo b, abaixo.

    No que diz respeito antiguidade deles, dois fatos principais surgem tona atravs da terminologia que empregam. Em primeiro lugar, que so editoriais, sendo que empregam a terceira pessoa para quaisquer comentrios que tecem (e.g., quando fugia de Absalo, seu filho , SI 3), e so, portanto, posteriores aos prprios Salmos. Em segundo lugar, porm, so suficientemente antigos para seus termos tcnicos terem perdido seu sentido, em grande medida, para os judeus do sculo II ou III a.C. que traduziram o Saltrio para a lngua grega. Isto deixa em aberto um perodo de vrios sculos no decurso dos quais poderiam ter sido escritos, sendo este, porm, o perodo durante o qual a maioria do Antigo Testamento estava sendo feita. Notas semelhantes para salmos ocorrem em Livros cannicos fora do Saltrio:e.g. 2 Samuel 22:1 (cf. SI 18, ttulo); Isaas 38:9, 21-22; Habacuque 3:1, 19b. O segundo e terceiro destes exemplos tambm levantam a questo quanto possibilidade de parte da matria achada no cabealho de certos salmos ser de fato notas concludentes mais do que ttulos. Isto ser debatido mais adiante, sob o ttulo Notas Litrgicas (c. 3, abaixo).

    b. Notas Quanto a Autores.

    Davi. Setenta e trs salmos, quase metade do Saltrio, tm a anotao ledwtd, (pertence) a Davi . Da, a coleo como um todo tendia a ser chamada simplesmente Davi (Hb 4:7). Embora a preposio le tenha uma variedade de significados (cf. a nota ao ou para o mestre de canto, ou De Salomo [Para Salomo AV] no ttulo dos SI 72 e 127), pouca dvida poderia haver de que neste contexto e em context