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FILIPENSES Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 INTRODUÇÃO I. A FUNDAÇÃO DA IGREJA A cidade de Filipos era originalmente chamada Crenides (pequenas fontes), tendo sido denominada, posteriormente, no ano 350 A. C., Filipos, em homenagem a Filipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Cerca do ano 168 A. C. a cidade passou para o domínio romano, quando a província da Macedônia foi subjugada. Em 42 A. C. tornou-se colônia romana (At 16.12) ou reduto militar, em honra da vitória de Antônio e Otaviano sobre as forças republicanas de Bruto e Cássio, vitória esta que vingou o assassínio de Júlio César. Onze anos mais tarde, em 31 A. C., Otaviano, agora Imperador Augusto, recolonizou Filipos. Uma colônia romana deveria ter, então, tanto a sua forma de governo quanto os seus costumes modelados pelos da própria Roma. Seus magistrados eram devidamente escolhidos pelos cidadãos da própria colônia e a autoridade daqueles magistrados, dentro da cidade, era suprema. Há alusões ao estado colonial de Filipos em 1.27 e 3.20. A administração da cidade era, pois, inteiramente romana, sob pretores e litores (At 16.35). O acontecimento mais notável acerca de Filipos é que ali se realizou a primeira conquista de Paulo, na Europa, tendo sido «o berço do Cristianismo europeu». A história da fundação da igreja é relatada em At 16. Os membros da comunidade cristã eram, em sua maioria, gregos e possivelmente alguns cidadãos judeus e romanos. As mulheres tinham um lugar de merecida honra (At 16.13-14).

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NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA Intervarsity Press (Leicester, Inglaterra)

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FILIPENSES Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4

INTRODUÇÃO

I. A FUNDAÇÃO DA IGREJA A cidade de Filipos era originalmente chamada Crenides

(pequenas fontes), tendo sido denominada, posteriormente, no ano 350 A. C., Filipos, em homenagem a Filipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Cerca do ano 168 A. C. a cidade passou para o domínio romano, quando a província da Macedônia foi subjugada. Em 42 A. C. tornou-se colônia romana (At 16.12) ou reduto militar, em honra da vitória de Antônio e Otaviano sobre as forças republicanas de Bruto e Cássio, vitória esta que vingou o assassínio de Júlio César. Onze anos mais tarde, em 31 A. C., Otaviano, agora Imperador Augusto, recolonizou Filipos. Uma colônia romana deveria ter, então, tanto a sua forma de governo quanto os seus costumes modelados pelos da própria Roma. Seus magistrados eram devidamente escolhidos pelos cidadãos da própria colônia e a autoridade daqueles magistrados, dentro da cidade, era suprema. Há alusões ao estado colonial de Filipos em 1.27 e 3.20. A administração da cidade era, pois, inteiramente romana, sob pretores e litores (At 16.35). O acontecimento mais notável acerca de Filipos é que ali se realizou a primeira conquista de Paulo, na Europa, tendo sido «o berço do Cristianismo europeu».

A história da fundação da igreja é relatada em At 16. Os membros da comunidade cristã eram, em sua maioria, gregos e possivelmente alguns cidadãos judeus e romanos. As mulheres tinham um lugar de merecida honra (At 16.13-14).

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 2 II. OCASIÃO EM QUE FOI ESCRITA Houve duas razões principais que induziram o apóstolo a escrever

aos filipenses. A primeira, para hipotecar-lhes sua gratidão pelo fato de eles, simpatizando com seu apostolado e partilhando de suas aflições, lembrarem-se de enviar-lhe algumas dádivas por Intermédio de Epafrodito, um de seus membros (Fp 4.10-18). A segunda, para corrigir algumas pequenas desordens existentes no seio da igreja.

Parece que a congregação de Filipos foi a única da qual o apóstolo aceitou dinheiro. É testemunho eloqüente da absoluta confiança de Paulo na compreensão dos membros da igreja, quanto à relação mútua, e também o reconhecimento do direito de Paulo viver pelo evangelho e viver independentemente. Evidentemente, tal envio de dádivas há muito não acontecia, mas o apóstolo, com infinita delicadeza e tato exemplar, não lhes exprobra qualquer incúria cometida contra ele. Faltava-lhes somente oportunidade (4.10). Mas o amor e cuidado pelo apóstolo eram tão ardentes e reais como sempre. É provável que os oficiais da igreja ocupavam papel saliente no ministério de auxílio econômico ao apóstolo, corno se pode deduzir da menção especial feita por aquele, na dedicatória da carta, dirigida aos bispos e diáconos, o que, em nenhuma das outras epístolas, ocorre de modo semelhante.

O próprio Epafrodito foi também enviado como ajudante do apóstolo em sua prisão, porém, neste mesmo tempo, o mensageiro dos filipenses adoeceu gravemente e quase morreu. Por esse motivo, logo que Deus, apiedando-se de Paulo e de Epafrodito, restaurou a saúde deste, o apóstolo o enviou de volta a seus irmãos de Filipos.

É claro que Epafrodito, a dádiva viva dos filipenses a Paulo, tenha sido portador, além das oferendas a que já aludimos, de uma carta na qual eram focalizados certos problemas da igreja. Por esse motivo, o apóstolo, aproveitando o fato de estar Epafrodito cheio de saudade de sua terra, após restabelecer-se da moléstia que o acometera, fê-lo portador da extensa carta que estamos apreciando, que não é senão a

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 3 resposta aos seus irmãos de Filipos. Uma corrente de inquietação sobre parte dos convertidos pelo apóstolo foi revelada dada a ansiedade de Paulo em reafirmar aos filipenses sua profunda gratidão. Regozijou-se realmente seu mestre amado naquelas ofertas voluntárias? Estaria ele um pouco mais frio do que usualmente ou eles não o estavam compreendendo bem? Paulo, em palavras memoráveis, no entanto, enche suas mentes e seus corações de paz. A outra importante razão que também deu motivo à epístola foi a necessidade de corrigir certas irregularidades da igreja, as quais, provavelmente, foram relatadas na carta que os filipenses enviaram a Paulo. Tais irregularidades poderiam ser mais bem esclarecidas pelo próprio Epafrodito. Possivelmente eram as seguintes:

Pessimismo reinante entre os filipenses por causa da perseguição e as más notícias da prolongada prisão de Paulo.

Divisão na igreja, dada a incompatibilidade pecaminosa de alguns de seus membros. Duas mulheres, em particular, Evódia e Síntique, foram a causa do atrito (4.2). Não houve em Filipos partidarismos extremados, como em Corinto, mas simplesmente murmurações e discussões de caráter secundário.

Deslealdade, rastejando de seus lugares sombrios, cresceu, em sua ausência, alimentada pelos judeus inimigos de Paulo (3.2 e 4.8). Isso, entretanto, era apenas em pequena escala e Paulo sentia que uma advertência bastava para restaurar a antiga lealdade.

III. LUGAR E DATA Quatro das cartas de Paulo foram escritas, conforme nelas está

mencionado, quando o apóstolo estava na prisão (Ef 3.1; 6.20; Fp 1.7,13-14; Cl 4.18; Fm 9). A questão surge quanto ao lugar da prisão e se todas foram escritas durante o mesmo aprisionamento. A tradicional resposta é Roma, como sendo a fonte do escrito, o que tem sido contestado primeiro em favor de Cesaréia e por último em favor de Éfeso. O livro

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 4 de Atos menciona três encarceramentos. Em Filipos (At 16.23), em Cesaréia (At 23.23) e em Roma (At 28.30). A prisão em Filipos foi, obviamente, muito curta para qualquer atividade literária. A objeção contra Cesaréia é do mesmo modo considerável em relação à Epístola aos Filipenses, porque, no momento de escrevê-la, Paulo estava antecipando sua libertação próxima, mas, na prisão em Cesaréia, ele aguardava ansiosamente sua longa viagem a Roma. A teoria a favor de Cesaréia é abandonada quase que unanimemente. Deste modo resta Roma, mas também ela não em possessão do campo. Recentemente, Éfeso tem sido apontada como a fonte das epístolas da prisão e das quatro cartas pode-se afirmar que Filipos, pelo menos, está definitivamente fora da questão. O fato de Éfeso ser considerada como fonte da Epístola aos Filipenses pode ser brevemente considerado pelo modo como foi apresentado pelo Reitor G. S. Duncan, Prof. J. H. Michael e outros.

Embora não haja nas Escrituras nenhuma declaração definitiva a respeito de alguma prisão de Paulo em Éfeso, todavia nenhum forte argumento pode ser baseado em tal silêncio. Pelo contrário, Paulo fala de muitas prisões, em uma carta (2Co 11.23) escrita antes das prisões de Cesaréia e Roma. A antipatia dos judaizantes era suficientemente amarga para tornar possível um encarceramento de Paulo logo no início de seu ministério em Éfeso. Admite-se também que as palavras de Paulo, em 1Co 15.30-32 e 2Co 1.8-10, tratam implicitamente de sua prisão em Éfeso.

Quando a Epístola aos Filipenses foi escrita, Timóteo estava sendo esperado para breve em Filipos (2.19). Isso, aliás, está em concordância com At 19.22. Paulo, se posto em liberdade, espera ir a Filipos (Fp 1.27 e Fp 2.24), mas, se a epístola foi escrita de Roma, este fato entra em conflito com Rm 15.24.

Fp 1.30 cresce em significação se foi escrita de Éfeso. Paulo, com efeito, diz: «Vós me vistes na prisão em Filipos e agora ouvis a respeito de minha prisão em...». Se estivesse em Roma, o apóstolo estaria

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 5 colocando juntos dois acontecimentos que tiveram entre si um intervalo de cerca de doze anos. Se em Éfeso, houve um espaço de tempo relativamente curto entre a ocasião em que foi escrita a carta e a visita do apóstolo a Filipos, que ocorreu no verão de 54 A. D.

Fp 1.13 tem sido bastante evocado para indicar Roma como sendo a fonte de onde a carta fluiu, porém a palavra pretório era usada comumente para designar a residência do governador de qualquer província e não somente para designar um lugar supremo em Roma. Assim também a frase «da casa de César» não se limita apenas a Roma, mas a todos aqueles que, em Roma ou em qualquer outro lugar, estavam ligados ao serviço de César.

É evidente em 2.26 que os filipenses tinham ouvido que Epafrodito adoecera e que Paulo sabia estarem eles a par do acontecido. Mas a distância existente entre Roma e Filipos tornava praticamente impossível freqüentes comunicações entre Paulo e os conversos indicados na Epístola aos Filipenses. Epafrodito teria que gastar cerca de um mês para fazer uma viagem de Roma a Filipos, enquanto que para fazer uma viagem de Éfeso a Filipos duas semanas seriam suficientes.

Pelo exposto, parece não ser inteiramente infundada a idéia da prisão de Paulo em Éfeso, mas ainda não vimos um argumento suficientemente forte para destruir a posição tradicional de uma prisão de Paulo em Roma.

A alegação de que a distância entre Éfeso e Filipos é mais curta é consideravelmente enfraquecida quando notamos que, como dizem Wood e outros, a comunicação entre Roma e Filipos era fácil e freqüente, pois a Macedônia estava situada às margens da Via Egnatia, a grande estrada que ia do Helesponto ao Adriático.

Os termos «pretório» e «casa de César» devem igualmente ser usados, tanto cm referência a Éfeso, como a Roma, porém, Roma é o lugar a que os mesmos mais claramente se referem.

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 6 Se Éfeso for de fato a fonte das epístolas da prisão e, mui

especialmente, a de onde saiu a Epístola aos Filipenses, é de admirar que nenhum traço desta opinião seja achado nos primeiros séculos.

Mesmo que as palavras do apóstolo em 1Co 15.30-32 e 2Co 1.8-10 signifiquem que ele sofreu aprisionamento em Éfeso, não se pode concluir disso que as epístolas da prisão tenham ali sido escritas.

A prisão em Roma tinha uma causa específica para sua duração, porquanto Paulo estava ali esperando ser julgado; mas o aprisionamento em Éfeso foi, comparativamente, por um tempo muito curto e, na verdade, os partidários da hipótese de Éfeso realmente postulam vários períodos curtos de prisão.

Finalmente, se a hipótese de Éfeso é certa, temos que 1.12-20 deve ter uma interpretação à parte do apelo, que Paulo sabia dever ser ouvido em Roma, diante de César (At 25.11).

O assunto em causa não pode ser dogmaticamente decidido, mas, felizmente, não perturba a mensagem permanente do apóstolo. Entrementes, podemos aceitar a origem romana e a data 61-63 A. D. (Se Éfeso, a data apontada é 54-57 A.D.) A maioria dos que aceitam Roma como o lugar de origem da epístola, crê que ela foi a última do período das epístolas da prisão. Essas, indubitavelmente, podem ser divididas em dois grupos, tanto geográfica quanto teologicamente. Efésios, Colossenses e Filemom tomam o mesmo destino no vale de Licus, na Ásia Menor, enquanto que Filipenses vai localizar-se na Europa. Do mesmo modo, essa epístola permanece isolada entre as cartas escritas na prisão, como não tratando da onda de heresias gnósticas que avassalavam as igrejas da Ásia Menor. As três cartas - Efésios, Colossenses e Filemom -- foram escritas quase que ao mesmo tempo, enquanto Filipenses vem por si mesma em data posterior. O fato de essa epístola ter sido escrita mais tarde que as demais pode ser defendido pelo fato de observarmos que: a) as comunicações entre Filipos e Roma, subentendidas em 2.26, devem ter tomado um tempo considerável; b) quando Paulo escreveu aos Filipenses, era bem conhecido «em todo o

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 7 pretório» (isto é, em todo o palácio e em todos os outros lugares). Ele tinha entrado em contacto com muitos soldados e outras pessoas, de modo que o motivo de sua prisão era de conhecimento geral, pelo que muitos se interessavam pelo seu apelo a César (1.13 e segs.).

A inferência é que a Epístola aos Filipenses deve ter sido escrita pelo término da prisão de Paulo e, deste modo, a data sugerida está entre 61-63 A. D.

IV. CARACTERÍSTICAS Esta carta apresenta três características dignas de nota. É, em

primeiro lugar, a mais pessoal de todas as cartas de Paulo. Não há restrições de sua parte. Ele escreve, mais como amigo do que como bispo ou eclesiástico. Na saudação inicial dispensa o título «apóstolo» e com plena ciência do lugar que ocupa no coração de seus leitores, ele se chama simplesmente «servo». A passagem intensamente biográfica de 3.4-14 revela uma profunda experiência espiritual com toda a naturalidade de perfeita confiança. Enquanto dita seus pensamentos, ele parece ter seus amigos a seu lado aí em Filipos.

A carta é também notável pela revelação da pessoa de Cristo. A grande passagem cristológica (2.5-11) é aí introduzida não com um propósito de ensinamento doutrinal, mas para mostrar aos leitores a graça da humildade. O exemplo supremo de pobres de espírito é aquele manifestado na encarnação de Jesus, o Senhor da Glória. Daí a exortação prática de possuir o espírito de Jesus Cristo e amar ao próximo mais que a si mesmo. Que tão grande revelação da pessoa de Nosso Senhor tenha vindo tão espontânea da mente de Paulo convence-nos mais prontamente de sua realidade e verdade.

A terceira característica é a nota dominante de alegria. O nome «alegria» (chara) é encontrado cinco vezes (1.4,25; 2.2,29; 4.1), enquanto que o verbo «regozijar» (chairein) aparece onze vezes (1.18 duas vezes, 2.17 duas vezes, 2.18 duas vezes, 2.28; 3.1; 4.4 duas vezes,

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 8 4.10). O fato de o apóstolo, em circunstâncias humanamente tão tristes, escrever com um otimismo tão magnífico torna a brilhante exortação muito mais notável, Paulo, realmente, sente-se bem acima das circunstâncias e senhor da situação, sua «cabeça ensangüentada, mas do pé (altiva)». Ele não estava apenas fazendo um espetáculo e representando sua parte, a fim de que os crentes filipenses pudessem ter um bom exemplo para suas dificuldades peculiares e perseguições pessoais. Era uma alegria «no Senhor». «Regozijai-vos comigo» é um apelo sincero e ressonante. Indica para todos os tempos o dever do otimismo cristão.

V. INTEGRIDADE A genuinidade da Epístola aos Filipenses é quase que

universalmente aceita. Desde os primeiros tempos ela tem sido aceita como uma carta autêntica do apóstolo Paulo à igreja cristã em Filipos. Sua unidade é que tem sido discutida, Supondo que Paulo tenha escrito aos filipenses outras cartas além desta, alguns críticos lançaram a teoria de que esta epístola é composta, uma combinação de pelo menos duas cartas. Uns poucos fatos sugerem a probabilidade de tal ponto de vista, como por exemplo o termo «finalmente» em 3.1a; a rápida mudança de tom expressa em 3.2 «cuidado com os cães»; a expressão tardia de gratidão (4.10 e segs.); e o duplo «amém» (4.20,23). Do mesmo modo sugere-se que em nossa epístola há uma interpolação, ainda que paulina, mas pertencente a outra carta nos filipenses. Muitos estudiosos não aceitam a solução de uma «interpolação», mas, sim, de uma «interrupção», solução esta totalmente aceita aqui.

O argumento básico de alguns redatores para uma inserção paulina é a mudança brusca de tom em 3.2. Isto pode ser satisfatoriamente interpretado de um ponto de vista psicológico. O apóstolo está ditando sua carta e, enquanto fala, chegam notícias de alguma ofensa judaica em Filipos. Este fato distrai seu pensamento e imediatamente ele irrompe na

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 9 grave advertência: «Acautelai-vos dos cães! acautelai-vos dos maus obreiros! acautelai-vos da falsa circuncisão!». O hábito do apóstolo de «cortar por uma tangente» de há muito tem sido observado por estudiosos. Como uma pedra lançada ondula a corrente transbordante, do mesmo modo a corrente de seus pensamentos pode ser levada para diferentes canais. A deficiência da teoria da interpolação é a dificuldade encontrada por seus defensores em traçar os limites exatos da interpolação. Alguns dizem 4.8, outros 4.9 e ainda outros 4.20. Existem ainda hipóteses de três cartas paulinas que formariam a que temos em mãos. Essas teorias de divisão destroem-se a si mesmas.

PLANO DO LIVRO

I. SAUDAÇÃO INICIAL -- 1.1-2 II. AÇÃO DE GRAÇAS E ORAÇÃO -- 1.3-11 III. A SITUAÇÃO EM ROMA -- 1.12-26 IV. INCENTIVOS A UNIDADE CRISTÃ -- 1.27-2.4 V. O EXEMPLO DE CRISTO -- 2.5-18 VI. PRÓXIMAS VISITAS -- 2.19-30 VII. ADVERTÊNCIA CONTRA OS FALSOS MESTRES -- 3.1-21 VIII. TRÊS EXORTAÇÕES FINAIS -- 4.1-9 IX. RECONHECIMENTO DE DÁDIVAS -- 4.10-20 X. SAUDAÇÃO FINAL -- 4.21-23

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 10 COMENTÁRIO

Filipenses 1 I. SAUDAÇÃO INICIAL - 1.1-2 E Timóteo (1). Neste preâmbulo, Paulo associa Timóteo consigo

mesmo, não como autor, mas como companheiro de lutas. Pode ter sido até o amanuense do apóstolo. Os dois nomes também aparecem juntos nas saudações do começo de 2 aos Coríntios, Colossenses, 1 e 2 aos Tessalonicenses e Filemom. Paulo intitula-se a si e a seu assistente como servos de Cristo Jesus. No grego a palavra douloi significa literalmente «escravos» e demonstra que os laços espirituais entre Cristo e eles era de servidão, pois eles se haviam dado a Cristo, como a um Senhor e não se iriam livres (Êx 21.5-6). Paulo não usa seu título de apóstolo aqui (cf. 1Co 1.1; Gl 1.1). Sem dúvida porque sua posição jamais foi disputada na relação de amor existente entre ele e esta igreja. Note-se a ordem no uso do nome de Nosso Senhor. Em algumas versões temos Jesus Cristo e em outras «Cristo Jesus», que é a ordem preferida no texto grego. Isto é importante porque Paulo é cuidadoso neste ponto. Quando a ênfase recai sobre a humanidade histórica de Cristo, ele coloca «Jesus» primeiro, em qualquer construção; quando, porém, a palavra «Cristo» tem a precedência, ele significa com isso o Cristo ressurreto, o Messias eterno.

Os destinatários são todos os santos... com os bispos e diáconos (1). O apóstolo chama os filipenses convertidos de santos, tanto por causa de sua presente justificação através de Cristo, como por causa de seu fim assegurado inteiramente por Sua divina Pessoa, totalmente santificados nEle (cf. 1.6). A adição com os bispos e diáconos torna esta saudação única. O termo episkopos ou «bispos» significa alguém que inspeciona ou revista, uma espécie de superintendente (cf. 1Ts 5.12, «os que vos presidem»). Do uso desse termo na literatura paulina, muitos adotam a opinião que o episkopos estava presente na igreja primitiva, desde a sua fundação, e não que apareceu mais tarde, em séculos

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 11 posteriores. Outros notam que presbyteros («presbítero» ou «ancião») é o nome geral do dirigente de uma igreja, no Novo Testamento, e estão convictos de que o episcopado é de data posterior. Episkopos o presbyteros são aceitos como termos idênticos, especialmente porque encontramos, na Epístola aos Filipenses, a palavra bispos, no plural. É interessante ressaltar aqui a origem das duas opiniões a respeito do governo da igreja. O vocábulo diakonos aparece freqüentemente nos Evangelhos e Epístolas, sendo traduzido por «servo» ou «ministro» que é sua significação. Num sentido mais técnico «diácono» é o termo aplicado à classe dos oficiais da igreja, cujo dever se relaciona mais com os negócios materiais da igreja, do que com assuntos espirituais (1Tm 3.8). A função especial dos diáconos pode ter tido origem na escolha dos sete, em At 6, ainda, que ali tal nome não seja mencionado para eles. As saudações do verso 2 são uma combinação cristã do grego familiar e da forma de saudação dos hebreus, graça e paz que somente podem vir de Deus, o Pai, e do Senhor Jesus Cristo (Ef 6.23-24 n).

II. AÇÃO DE GRAÇAS E ORAÇÃO - 1.3-11 Uma predominante feição característica da vida do apóstolo é a

ação de graças. Constantemente, em cada carta, com exceção da Epístola aos Gálatas, ele infunde no coração dos convertidos o sentimento de gratidão a Deus (Cl 1.12 n.).

Cada oração é feita com esse espírito. Aqui nos vv. 3-8 Paulo expressa gratidão a Deus pela amizade (5) que desfrutou com os convertidos em Filipos. Desde o primeiro momento da evangelização da cidade de Filipos até o tempo de seu encarceramento, jamais se quebrou um elo sequer desta amizade. O gr. koinonia deriva-se da raiz que significa «fazer comum» e tem duas aplicações no Novo Testamento. Significa sociedade, comunhão, ter todas as coisas em comum, como na prática da igreja pentecostal (At 2.42), Como não pode haver comunhão sem que haja um «dar» e um «receber», a palavra também é usada no

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 12 sentido de «contribuição» (Rm 15.26; 2Co 8.4; 9.13; Hb 13.16. Cf. também Fm 6 n,). O uso de Paulo aqui envolve ambos os sentidos, uma vez que rende graças por sua camaradagem pessoal com os filipenses, uma união louvável não só por si mesma como uma real contribuição para o evangelho.

No evangelho (5); melhor, como em algumas versões, que dão plena força à preposição eis («para» ou «em»), lendo «pela vossa cooperação no evangelho».

A ação de graças de Paulo é inspirada na lembrança (3), expressa em oração (4), seguida de alegria (4) e robustecida pela convicção de que Deus mesmo fará perfeita Sua obra da graça em suas vidas (6). O apóstolo se sente justificado nesta atitude para com Deus e para com os cristãos em Filipos por duas razões.

Primeiro, eu vos tenho posto em meu coração (7), uma confissão aberta de amor, interpretada mais adiante, no verso 8, que significa «meu amor é grande, na verdade, pois é o próprio amor de Cristo amando-vos através de mim», tão íntima é a koinonia entre o apóstolo e seu Salvador.

Segundo, todos vós fostes participantes da minha graça, isto é, todos são participantes comigo da graça divina, dada a mim enquanto padeço prisões e estabeleço o evangelho por meu testemunho aqui em Roma e defendo minha fé nas cortes de justiça. A ajuda e simpatia que me estão dando tornam isso manifesto.

Paulo revela que este espírito totalmente impregnado de ação de graças sempre o dominava em todos os exercícios espirituais e o conduzia a uma oração definida.

E peço isto (9). Sua palavra aqui, proseuchomai, é o termo mais amplo e mais sagrado. É irrestrito quanto ao conteúdo e nunca é empregado para uma súplica feita a um homem, mas unicamente a Deus. Nesta carta, o apóstolo emprega dois outros termos para oração deesis e aitema. A primeira (1.4,19) implica uma necessidade real, uma petição urgente; a segunda (4.6), porém, indica «aquilo que eu preciso pedir», é

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 13 uma súplica definida. As três palavras, com seus matizes peculiares, encontram-se combinadas em 4.6.

Algumas orações de Paulo nos foram preservadas e se caracterizam por uma adaptabilidade perfeita a cada necessidade agudamente sentida. No caso dos filipenses, ele reconhecia existir um fervente e genuíno emocionalismo, porém, que eles tinham grande necessidade de uma luz compensadora. Ele ora, portanto, não para que se arrefeça o amor dos filipenses, mas para que esse sentimento mais e mais abunde neles, equilibrado, porém, por conhecimento e julgamento ou «discernimento moral» (9). Deste modo, o amor não se tornaria um impulso desregrado, mas um princípio orientador, com o fim prático de que eles pudessem distinguir as diferenças existentes entre as várias qualidades morais e, desse modo, escolher a melhor.

Para que aproveis as cousas que são excelentes (10). Uma possível alternativa na interpretação é «posta para provar coisas diferentes», com um voto favorável à mais elevada. O resultado de tal amor e de tal luz em combinação seria, inevitavelmente, que os filipenses saberiam o que deveriam ser ou não ser, sinceros e sem escândalo para si mesmos e para os outros (10).

Desse modo, aqueles para quem era feita a oração de Paulo, com amor, enriquecidos por sua intercessão, possuiriam três coisas: uma faculdade de crítica (9-10), um caráter sincero (10) e uma vida cheia de fruto de justiça (11).

Todos os louváveis benefícios, bem como a conduta cristã dos santos de Filipos, estariam em perfeita harmonia, todos unidos para glória e louvor de Deus. Note-se que o gr. karpos é singular o não plural, «fruto» não frutos.

As raízes de uma nova vida em Cristo produzem o único fruto de santidade ou semelhança de Cristo, embora em diferentes formas e padrões humanos (cf. Gl 5.22 n.).

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 14 III. A SITUAÇÃO EM ROMA - 1.12-26 Nesta seção Paulo revela vários fatos acerca de si mesmo e de seu

trabalho evangélico em Roma. Os vers. 12 e 13 afirmam que ele estava na prisão, aguardando julgamento, cujo veredito poderia ser até mesmo a morte. Seus negócios (i. e., as coisas que me aconteceram), acerca dos quais o apóstolo sabe que os filipenses estavam profundamente preocupados, juntamente com as minhas cadeias em Cristo (13), combinam-se testemunhar sua prisão real. No vers. 20, Paulo revela inteira e francamente quão séria era a situação, com sucessivas alternativas de vida ou morte. Seu corajoso exemplo de pregar desassombradamente o evangelho, até mesmo como prisioneiro, serviu, contudo, para infundir ânimo no coração dos crentes da igreja, em Roma, a fim de que evangelizassem com um entusiasmo maior.

O campo de ação missionária do apóstolo é por ele descrito como sendo todo o palácio e todos os demais lugares (13), lit. «em todo o pretório». A palavra pretório tanto pode significar o quartel-general de um acampamento romano, como a residência oficial do governador de uma província, ou mesmo a guarda imperial, um corpo escolhido de tropas especiais. No segundo sentido é ela empregada nos Evangelhos e Atos (ver Mt 27.27; Mc 15.16; Jo 18.28,33; 19.9; At 23.35). Não há, contudo, evidência de que a mesma haja sido empregada como significando o palácio do imperador em Roma e é provável que, no passo bíblico citado, Paulo emprega o termo na significação de guarda pretoriana, que era comumente conhecida como o pretório.

Tem sido levantada a suposição de que a palavra pretório, usada em 1.13, foi empregada para significar autoridades judiciais diante de quem o apóstolo deveria ser submetido a julgamento, mas não há nenhuma prova de que o referido julgamento haja ocorrido no tempo em que a epístola foi escrita. Paulo, em sua casa alugada, estaria guardado por um soldado da guarda pretoriana (At 28.30) e, como este era constantemente substituído por outros da mesma corporação, não é de

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 15 admirar que, em pouco tempo, o que ele pregava e ensinava a cada um, bem como a todos que o visitavam, fosse divulgado, não só no seio de toda a guarda pretoriana, mas por todos os demais lugares, penetrando até na Casa de César, como se vê em 4.22, em que o apóstolo se apresenta como prisioneiro por amor de Cristo.

Evidentemente, Paulo contribuía para o encorajamento de dois tipos de pregadores, alguns de má e outros de boa vontade (15 e segs.). Entre os primeiros, certamente, estão incluídos os dirigentes da comunidade cristã, antes da chegada de Paulo, porque não obtendo a simpatia do apóstolo os pontos de vista que defendiam e os métodos que seguiam, logo se encheram de ciúmes dele, dada a sua influência. Os últimos eram poucas, mas nobres almas, que não julgavam a situação de Paulo como a de um indivíduo egocêntrico que buscava a sua própria glória, mas sim como a de quem se devotara inteiramente à obra do evangelho. Esses, portanto, alegremente, deram ao apóstolo todo o amor e simpatia, na perigosa situação em que se achava e a si mesmos se apresentavam como as mais corajosas testemunhas de Cristo. A reação de Paulo a essa rivalidade é magnânima. Os motivos que levam à proclamação do evangelho podem ser confusos e até mesmo destituídos da verdadeira dignidade, mas o que verdadeiramente importa é que Cristo seja anunciado (18).

Eu sei que disso me resultará salvação (19). Paulo estava confiante que no final sairia salvo. O termo salvação tem uma conotação muito ampla no Novo Testamento e Paulo via algo de espiritual em sua temporal libertação. Alguns estudiosos descobrem aqui uma citação de Jó 13.16 que, na versão dos LXX, diz: «Isto resultará em salvação para mim». Depois de passar pelo sofrimento da prisão e do julgamento, Paulo crê que será posto em liberdade, não apenas para seu próprio conforto, porém muito mais pelo triunfo e fortalecimento do evangelho.

Dois fatores assegurariam aquele fim desejado: a intercessão dos filipenses e os recursos que lhe foram outorgados pelo Espírito de Jesus Cristo (19). Esta última frase é encontrada somente aqui no Novo

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 16 Testamento, porém, há expressões semelhantes em vários outros lugares que põem fora de dúvida que, na mesma, deve ser compreendida a terceira Pessoa da Divindade (ver At 5.9; 16.7; Rm 8.9; 2Co 3.17; Gl 4.6). A expressão que Paulo usa aqui compreende a doutrina que mais tarde foi conhecida como a «operação» do Espírito Santo do Filho junto ao Pai, como na famosa cláusula do credo filioque. Em nada... envergonhado (20). Que ele pudesse ser uma testemunha desassombrada de seu Senhor era a esperança do apóstolo, enquanto considerava estes dois fatores de sua salvação, isto é, a intercessão e a graça do Espírito Santo. Mas qualquer que fosse o veredito legal da corte de Roma, seu alvo era glorificar a Cristo, quer com o prolongamento de sua vida terrena, quer com sua morte iminente. A atitude de Paulo em relação ao resultado de seu julgamento é de perfeita submissão à vontade de Deus, ainda que sentisse que seria posto em liberdade. Mas a vida ou a morte terão o mesmo resultado – Cristo será glorificado (20).

O apóstolo, contudo, não é sobre-humano, a despeito de toda a sua confiança e não é, portanto, absolutamente capaz de banir a possibilidade de morte. Isto cria para ele um dilema: O que deva escolher, não sei, mas de ambos os lados estou em aperto (22-23). Mas se eu vivo na carne, isto é o fruto do meu trabalho (22; gr. touto moi karpos ergou).

Várias interpretações têm sido dadas a esse trecho. a) Ficar na carne pode ter a significação de «fruto» ou de

recompensa de seus trabalhos no evangelho. Sua conservação em vida seria uma recompensa por seu trabalho no passado;

b) Essa versão e interpretação do grego não é satisfatória, porquanto a última coisa que o apóstolo considera e assim mesmo como não tendo valor algum é o mérito humano e em nenhuma parte ele emprega a palavra «fruto» com a significação de recompensa por um trabalho feito;

c) A versão mais simples transmite o pensamento geral do apóstolo: «Mas se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, não sei

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 17 então o que hei de escolher». A tradução do Dr. J. W. C. Wand apresenta o discutido trecho na seguinte forma: «Para mim, na verdade, a vida tem a significação de Cristo e a morte me traria uma grande vantagem. Mas também como a existência física dá uma oportunidade de trabalho frutífero, eu dificilmente sei o que preferir».

Eu estou em aperto de ambos os lados (23). O verbo é synechomai, que significa ser constrangido ou pressionado. É ele encontrado também em Lc 12.50; At 18.5 e 2Co 5.14. Duas forças poderosas agiam nele, tornando-o imóvel em ambas as direções. Pessoalmente, todo o seu coração se inclinava para estar com Cristo, na felicidade de uma vida eternal perfeita; mas, ao mesmo tempo, a necessidade urgente de seus filhos na fé prendia-o à vida terrena e ao privilégio de seu trabalho. Da expressão do pensamento do apóstolo aqui, embora conciso, pode afirmar-se com segurança que ele não admitia nenhum dogma ou doutrina a respeito de um estado intermediário. Seu pensamento é mais semelhante ao relatório dos teólogos de Westminster, quando afirma que «as almas dos crentes que dormern no Senhor tornam-se perfeitas em santidade e imediatamente passam para a glória; e seus corpos, sendo unidos com Cristo, permanecem na sepultura até o dia da ressurreição» (cf. Hb 12.23; 2Co 5.1,6,8; Lc 23.43).

IV. INCENTIVOS À UNIDADE CRISTÃ - 1.27-2.4 Nesses versículos Paulo expõe, de modo mais incisivo, a atitude e

o espírito que deseja ver na igreja de Filipos. As frases principais são, que permaneçais firmes em um só espírito (27) e sendo de comum acordo, de um só pensamento (2.2). Essas palavras enfatizam o dever da unidade cristã. Evidentemente houve em Filipos indicações de rompimento, embora incipientes, definitivamente perigosas. Os filipenses eram os convertidos a quem Paulo devotava mais amor e a igreja de Filipos era a que menos lhe dava cuidados, tão verdadeira e leal

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 18 era. Mas não era perfeita. Por isso, necessitava também de exortações e de conselhos. No caso dos crentes de Filipos, duas coisas se faziam mister para estabelecer entre eles uma perfeita harmonia de vida e testemunho: solidez da conduta cristã e continuidade da luta contra o mal.

Fazei que as vossas conversas girem unicamente em torno do evangelho de Cristo (27). Note-se que o termo «conversas» tinha um sentido amplo de comportamento, conduta, como a palavra latina conversatio. O grego aqui é politeuesthe, «viver como um cidadão, da raiz polis «cidade». A palavra é encontrada outra vez em At 23.1, onde Paulo faz referência à sua boa cidadania, pois era cidadão romano de nascimento. Os cristãos de Filipos, residindo nessa colônia romana (At 16.12), compreendiam bem os privilégios e obrigações de sua cidadania. Assim como uma colônia romana era obrigada a reger-se pelas leis do Império, assim também a igreja de Filipos deveria mostrar pelo seu procedimento que seus membros eram cidadãos do Reino dos Céus. «Somente deixai que a vossa maneira de viver seja digna do evangelho de Cristo». «Vivei a vida do evangelho», Paulo exorta os filipenses, pois o evangelho supre todas as necessidades.

Combatendo juntamente (27). A unidade cristã pode ser alcançada pela participação de todos os crentes no mesmo combate. O verbo grego aqui é synathlountes; o prefixo syn aplica-se á comunidade, indicando a luta em que todos se empenham juntamente.

No verso 30, Paulo afirma, para encorajá-los, que eles lutam juntamente com ele, tendo o mesmo conflito (gr. agon, cf. 4.3; Rm 15.30). Este companheirismo no sofrimento por causa do amor pela fé no evangelho (isto é, as coisas reveladas para a salvação e mais seguramente cridas) é uma força unificadora. É uma verdadeira graça de Deus outorgada aos filipenses, que não precisam ficar atemorizados nem recuar ante a perseguição, considerada deste ponto de vista, uma vez que isso constituía um privilégio dos santos, porque a vós é dado (29), isto

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 19 é, a perseguição para vós é concedida como um presente. A expressão do grego echaristhe enfatiza a idéia de dádiva, sendo a raiz charis (graça).

Que Paulo era um sofredor, seus filhos na fé bem o sabiam, desde a primeira vez em que esteve em Filipos até a prisão atual em Roma. Tal era o seu quinhão por amor de Cristo.

Agora a perseguição era também deles; portanto, Paulo exortava-os a permanecer firmemente em um só espírito (27).

Coragem ao sofrer hostilidades, diz o apóstolo é um sinal visível da destruição final do inimigo, prova evidente de perdição (28) mas para eles é uma prova de salvação, não provinda de qualquer fonte humana, mas promanada inteiramente do próprio Deus. Em outras palavras, o destemor dos cristãos, diante da perseguição, infunde pavor no coração dos perseguidores, enquanto contribui para o crescimento da confiança no coração do crente sofredor. As palavras perdição (gr. apoleia) e salvação (gr. soteria) estão em absoluto contraste. A primeira é uma terrível negativa, uma espantosa perda; a outra, uma libertação positiva do pecado, uma bendita segurança para a eternidade. Paulo aconselha o cultivo dessas forças construtoras da resistência e combate ao pecado para a criação de uma verdadeira comunidade espiritual. Insiste ele em fazer aos filipenses duas exortações com o mesmo alvo: completar sua alegria e preservar neles um espírito humilde para com toda a irmandade. Primeiro, ele os exorta a união por uma súplica cheia de amor para que seu coração transbordasse de gozo, como se fora a habitação de felicidade espiritual, completai minha alegria (2.2). Eles já lhe haviam dado motivo de júbilo (1.3; 4.10), mas se quisessem que seu gozo fosse completo, deixassem de praticar aquelas coisas a que se refere e se tornassem unidos.

Filipenses 2 A admoestação é sustentada por quatro fortes razões (2.1) que o

apóstolo, em estilo exortativo, crê que certamente trarão importância, porque, seguramente, tais coisas são reais e servem para atrair poder.

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 20 Moffatt traduz o verso referido assim: «Desse modo, por todos os estímulos de Cristo, por todo incentivo de amor, por toda a vossa participação no espírito, por todos os vossos ternos afetos eu vos rogo que me deis uma completa alegria, por saber que estais vivendo em harmonia».

Uma segunda admoestação com o fito de estimular a unidade é acrescentada, o cultivo da humildade. Forças desagregadoras fortemente se abaterão sobre os crentes se entre eles tiver preponderância e espírito de baixeza (3). A cidadania celestial da vida espiritual em comum dos membros da igreja em Filipos será completamente preservada, se desinteressadamente cada um, ou cada grupo, atentar também para os interesses de seu próximo, considerando-o superior a si. Entre os pagãos, o espírito de humildade não constituía uma virtude, mas um grave defeito.

Contenda (3, ARA «partidarismo») contribuía, no entanto, para a formação de facções no seio da igreja, que tentariam manobrar todas as coisas a seu modo, por amor de interesses partidários. Vanglória significa a ambição de cada membro da igreja em adquirir posição de relevo e bem assim criar um séquito para que assim pudesse exercer um ministério pleno de vaidade pessoal.

V. O EXEMPLO DE CRISTO - 2.5-18 O apóstolo apela para o exemplo de Cristo como sendo uma

inspiração de humildade espiritual necessária à formação de uma sociedade unida e feliz. Esta seção tem duas partes: 2.5-11 e 2.12-18.

a) O auto-aniquilamento e a auto-humilhação de Cristo (2.5-11) Essa é a grande passagem cristológica, que projeta luz sobre a

encarnação de Jesus Cristo. A grande verdade aqui revelada é justamente a que dimana do pensamento do apóstolo, quando se voltou para o

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 21 advento histórico de Cristo, a fim de ilustrar a doutrina da humilhação do Filho de Deus (cf. 2Co 8.9). O coração da doutrina está na frase tornou-se a si mesmo como não tendo reputação alguma, ou melhor, esvaziou-se de si mesmo, sendo esta última frase a tradução literal do grego ekenosen, de que se deriva o termo teológico e técnico kenosis ou auto-aniquilamento.

Jesus, que existiu em forma de Deus e igual a Deus (6), humilhou-se a Si mesmo tomando a forma de servo (7) em lugar da pré-existente forma de Deus.

Note-se que nesta passagem há três idéias gradativas: «essência» (gr. hyparchon, lat. essentia); «forma» (gr. morphe, lat. forma); «figura» (gr. schema, lat. figura). Essência, existência ou ser são fundamentais e devem existir em alguma forma, que, uma vez adotada, permanece sempre a mesma. Cada ser tem sua própria forma. Forma é a expressão permanente da existência. Assim temos a forma de Deus, a forma de um anjo, a forma de homem, a forma dos animais; todas essas formas são qualidades inalienáveis ao ser ou existência. A figura, no entanto, é transitória. Em outras palavras: a figura ou aspecto podem mudar, mas forma permanece. Desse modo a aparência deste mundo (schema) passa, não porém sua forma (morphe), (1Co 7.31). Satanás pode transfigurar-se num anjo de luz, mas não pode transformar-se em tal (cf. 2Co 11.14). Assim nosso Senhor existiu primeiramente na forma de Deus, uma forte afirmação de Sua deidade essencial e na encarnação e aniquilamento de Si mesmo Ele adotou a forma de servo, o que resultou em se tornar homem, tornando-se seu Ser na semelhança de homem.

O apóstolo encontra em Cristo o exemplo supremo do que por ele havia ensinado nos vv. 3 e 4.

Descreve ele, primeiro, a altura da qual Cristo desceu, sendo (gr. «sendo originalmente») na forma de Deus (6). Isso demonstra os atributos essenciais de Deus e compreende não somente a pré-existência de Cristo, mas Sua existência como Deus era uma divina maneira do ser.

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 22 Ele era em tudo, consoante mostra a cláusula seguinte, igual a Deus (6). Entretanto, Ele não considerou esse modo de ser como algo que devesse ser usurpado, mas «despojou-Se a Si mesmo».

Em segundo lugar, o apóstolo descreve até onde Cristo desceu. Em vez de viver em igualdade com Deus, tomou a forma de servo (de Deus), como um ser humano entre os homens (7). Assim, sendo achado na forma de homem («sendo reconhecido como verdadeiramente humano»), não buscou a Sua própria glória (Jo 7.18), mas humilhou-se a Si mesmo, vivendo na obediência de servo, sem cessar até a crucifixão (8).

Em terceiro lugar, o apóstolo descreve a altura a que Deus soberanamente o exaltou (9), gr. hyperypsosen, indicando o prefixo uma exaltação superior a qualquer outra. Deus colocou assim o selo de Sua aprovação sobre a humildade, «o espírito que estava em Cristo Jesus».

Assim a encarnação consistiu no próprio aniquilamento voluntário de Cristo, processo esse claramente expresso no verso que... não teve por usurpação ser igual a Deus (6). Diversas interpretações são aqui possíveis, de acordo com o sentido da palavra harpagmon ativa ou passiva, isto é, «usurpando» ou uma coisa «usurpada». Paulo pode estar dizendo que Jesus não considerou sua igualdade com Deus uma «usurpação», um «ato de usurpar», um «roubo», isto é, algo ainda são legitimamente seu. Mas, embora tão indiscutivelmente igual a Deus, Cristo despiu-se de todas as prerrogativas divinas e fez-se homem. Ou então a significação pode ser que Jesus não considerou Sua igualdade com Deus «algo que devesse ser conquistado», um prêmio, alguma coisa a «se apegar», com avidez, como se fora o acúmulo de riquezas. Jesus livremente despiu-se dessa igualdade com Deus». Nesse ponto de vista a «igualdade com Deus» já era prerrogativa de Cristo em Seu estado anterior, pois só assim poderia deixá-la.

Uma terceira opinião que, à semelhança da segunda, também admite o sentido passivo de harpagmon, dá a significação de que Jesus

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 23 não considerou a alguma coisa que devesse ser arrebatada e possuída como presa (cf. a tentação de Satanás em Gn 3.5 – “sereis como Deus”). Pelo contrário, Cristo esvaziou-Se a Si mesmo, a fim de que pudesse obter aquela qualidade e manifestar sua deidade inerente em Si, humilhando-se e tornando-se obediente até a morte e morte de cruz. Esse ponto de vista ainda mais se fortalece à luz de Hb 5.8-9. Cristo considerou o alvo de Sua exaltação final, após a consumação da obra redentora, como algo que deveria ser alcançado, não por força de usurpação de que fosse o autor, mas como um compromisso divino plenamente satisfeito pelo sacrifício da cruz.

Qualquer que seja a interpretação dessa difícil passagem cristológica, pode ser aceita a distinção entre «deidade» e «igualdade com Deus». Não padece dúvida o fato de que o pensamento do apóstolo, a esse respeito, é que «igualdade com Deus» significa o ato pelo qual Deus exaltou a Seu Filho a um plano superior e Lhe deu um nome que é sobre todo nome (9-11). Deste modo, não Sua deidade, mas Sua igualdade com Deus é o prêmio conquistado por Cristo por Se haver humilhado a Si mesmo, por tornar-se homem e por cumprir perfeitamente o plano redentivo da vontade de Deus, o Pai.

b) Normas práticas de vida para os filipenses (2.12-18) 1. OPERAI VOSSA PRÓPRIA SALVAÇÃO (2.12-16) - O

exemplo de humilhação de Jesus, em todo o Seu estupendo sacrifício, deve inspirar aos que o lêem a uma vida de verdadeiros discípulos, especialmente imitando-o quanto a Sua impressionante humildade. Os filipenses (não todos, talvez, porém vários deles) eram propensos a um alto espírito de divergência, a fonte fértil de dissensões. O dever imediato deles, portanto, muito mais na ausência de Paulo do que na sua presença, de cujo auxílio espiritual presentemente estavam privados, era trabalharem para operar a Sua própria salvação, elevar cada esforço individual ao máximo, a fim de que fossem libertados do pecado que os

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 24 estava bloqueando. A exortação é dirigida, em primeiro lugar, ao grupo faltoso, mas por fim é extensiva a toda a igreja de Filipos, porque é dever de cada um trabalhar, não somente pela Sua própria perfeição, mas também pela de seu próximo.

A mesma exortação é apresentada quanto a seu modo, base e propósito. Com temor e tremor (12). Descreve como os filipenses deveriam trabalhar ardentemente pela sua própria salvação (cf. 2Pe 1.10. A frase ocorre também em 1Co 2.3; 2Cor 7.15 e Ef 6.5). Essas três referências implicam numa dúvida ansiosa, pelo temor de que fossem desfeitos os laços da fraternidade e todas dizem respeito à esfera humana. Nesta passagem a exposição é dada com freqüência como à vista de Deus e a tradução que se oferece «com meticulosa reverência» (Wand) ou interpretação semelhante. Isto é permitido se a conduta da comunidade não é obscurecida.

A base da admoestação está inspiradamente afirmada na frase Porque Deus é o que opera em vós (13), isto é, «habilita-vos». A ênfase, portanto, recai sobre a palavra Deus. No grego ela vem colocada em primeiro lugar. Não é Paulo quem é dinâmico, nem qualquer ideal elevado deles mesmos, que podem operar e completar a salvação. É Deus apenas. A graça divina interior procede para com ambas a vontade e a ação, de modo semelhante. Deste modo, tanto o querer como o efetuar são operações da graça divina, produzidas pela boa vontade de Deus (13). O apóstolo emprega o mesmo vocábulo grego eudokia, em 1.15, para descrever a atitude de outros para com ele mesmo.

Aqui ele o emprega, como em Ef 1.5,9; 2Ts 1.11, para significar o beneplácito da vontade de Deus. O propósito da exortação aos filipenses para que operem sua própria salvação é no sentido de que vos torneis irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus inculpáveis (15). Este deve ser o desígnio deles e o alvo da Providência divina. A vida dos filipenses na sociedade dos santos deve ser unificante, trazendo unidos cada indivíduo, família ou grupo, e não dispersiva, devido às ofensas. Como filhos de Deus estão eles destinados a ser astros do mundo (15;

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 25 ARA «luzeiros»). A figura é de uma estrela resplandecendo em uma noite escura. Seu brilho atrativo fere a imaginação do apóstolo e ele os vê, num instante, irradiando as palavras da vida e dissipando as trevas espirituais, no meio de uma nação perversa («geração», cf. Dt 32.5).

2. ALEGRAI-VOS E REGOZIJAI-VOS COMIGO (2.17-18) --

Esta é a segunda injunção que Paulo faz aos crentes em Filipos como resultado prático da humilhação do Senhor Jesus Cristo. O pensamento principal do apóstolo em toda esta seção é o exemplo do sacrifício em Cristo, depois em si mesmo e nos filipenses.

Se os filipenses abandonarem o espírito de auto-suficiência, que é entre eles a causa de algumas divisões e crucificarem o orgulho e vontade-própria, serão verdadeiramente filhos de Deus (15). Se sua fé encontrar expressão semelhante à vida de sacrifício e trabalho de Jesus Cristo, então Paulo saberá que seu ministério não foi em vão (16) e então se regozijará. Mesmo se em adição a essa vida de sacrifício dos filipenses (cf. Rm 12.1) o apóstolo for levado a derramar seu próprio sangue como libação de sacrifício (17; cf. Nm 28.7), isto deve ser considerado motivo de triunfante alegria tanto para eles como para o próprio apóstolo.

VI. PRÓXIMAS VISITAS - 2.19-30 Nesta seção o apóstolo revela seus planos para o futuro. Fala de

três visitas aos filipenses, uma por Timóteo (19-23) outra por ele mesmo (24) e a terceira por Epafrodito (25-30).

A decisão de enviar Timóteo firma-se no desejo de alegrar tanto nos filipenses quanto a si mesmo pela troca de notícias. Timóteo é o homem certo para aquele empreendimento e um testemunho elevado é dado a seu respeito. Ele apenas, dentre o círculo de amigos e ajudadores de Paulo, é o que tem igual sentimento (20; lit. «de igual espírito»).

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 26 O coração de Paulo está cheio de cuidado pela igreja de Filipos,

mas todos que cercavam o apóstolo naquele momento, estavam completamente ocupados com seus próprios interesses, com exceção de Timóteo (21). Faz Paulo essa angustiosa condenação a todos os seus seguidores e assistentes, a todo o círculo interno de seus amigos? Dificilmente, pois onde estavam Lucas e Epafrodito naquele tempo? A linguagem seguramente expressa mais as especiais qualidades de Timóteo para ir a Filipos, um egoísmo tanto dos pagãos como de alguns cristãos imaturos que o cercavam, do que um impedimento, por incapacidade espiritual, dos demais companheiros de trabalho evangélico.

Timóteo ganhou seu estímulo, é um servo experimentado do Senhor e um verdadeiro filho espiritual de seu pai na fé, Paulo, donde o advérbio gnesios. O termo grego refere-se a «filho nascido legalmente», «nascido pelo casamento», genuíno, verdadeiro. Timóteo reproduz a natureza do apóstolo como um pai espiritual, especialmente no cuidado para com os filipenses. Esta solicitude é traduzida no fato de o apóstolo desejar enviá-lo a eles como sendo o companheiro que tinha um sentimento igual ao seu e cuja experiência no evangelho também era por eles conhecida.

A segunda visita prevista nos filipenses é do próprio Paulo (24). Ele refere-se a isso brevemente. Ao mesmo tempo em que está pronto a se tornar um mártir por causa de sua fé, o apóstolo está plenamente confiante que será libertado. Atente-se para a repetição da frase no Senhor (19,24), Esta é a esfera de todos os seus planos.

A terceira visita que Paulo tem em mente é a de Epafrodito, nome que aparece apenas nesta epístola (2.25 e 4.18). Esse nome significa «amável» e, provavelmente, esse cooperador era digno do nome, pois era muito amado pelos filipenses. Não deve ele ser confundido com Epafras (Cl 1.7; 4.12; Fm 23). Paulo dá a ele cinco títulos: Meu Irmão e companheiro de lutas e cooperador e, depois, vosso mensageiro e vosso auxiliar nas minhas necessidades. Não era voluntariamente que

Page 27: Filipenses - N. Comentario

Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 27 o apóstolo o deixava ir, mas julgava necessário fazê-lo por amor do próprio Epafrodito, dos filipenses e de si mesmo.

Havia três razões para sua volta. Epafrodito adoecera, ficando às portas da morte (27,30) e se angustiava de saudade por rever os seus, principalmente depois que soubera que esses tiveram conhecimento de sua enfermidade (26).

Além disso, a posição que Epafrodito ocupava na igreja devia ser importante e seu trabalho entre eles muito apreciado, daí o grande afeto que os filipenses sentiam por ele. Finalmente, por amor do próprio Paulo, Epafrodito está sendo enviado de volta, dedução que se tira da frase e eu tenha menos tristeza (28). Provavelmente Paulo está pensando na morte da qual seu amigo escapara pela misericórdia de Deus e em torná-lo a salvo de uma possível recaída, da doença que o acometera, por força dos perigos a que estava exposta a saúde de Epafrodito em Roma. Também é possível que o pensamento de reunião e explanações mútuas entre Epafrodito e os filipenses trouxesse algum alívio à angústia do apóstolo, por causa da ansiedade de que eles eram presa. É possível até que algum mal-entendido houvesse sido levantado entre eles.

Filipenses 3 VII. ADVERTÊNCIA CONTRA FALSOS MESTRES - 3.1-21 O apóstolo tinha terminado de ditar Finalmente, meus irmãos,

regozijai-vos no Senhor (1), quando alguma coisa aconteceu que fez voltar o curso de seus pensamentos felizes à corrente menos congratulatória. O que aconteceu, porém, não pode ser afirmado definitivamente. Pode ter ocorrido algo que impediu Paulo de continuar a escrever e, antes que voltasse novamente à redação da epístola, um grave relatório chegasse às suas mãos. Provavelmente alguma notícia de desordens em Filipos, juntamente com outras de agitações fomentadas contra ele próprio em Roma. Seja o que for, a verdade é que Paulo

Page 28: Filipenses - N. Comentario

Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 28 começa a falar rápida e veementemente, em indiscutível admoestação contra três classes de falsos mestres.

a) Advertência contra os judaizantes (3.2-11) Cf. Gl 3.1-29; 4.21-31; Rm 2.25-29. Ver também a Introdução a

Gálatas. Paulo, completamente cheio de justa indignação dá a esses homens

nomes equivalentes a seus caracteres, como cães, maus obreiros, falsa circuncisão (2). Cães é uma palavra de desprezo. Eram eles os párias do Oriente, que se alimentavam de rebotalhos das ruas. Paulo inferia que os judaizantes estavam colocados em plano oposto ao concerto e à graça, merecendo, portanto, o mesmo tratamento que eles davam aos gentios. Os judaizantes injuriavam por onde quer que andassem e iam por toda parte com perversa e pessoal animosidade. Eram também eles iguais à circuncisão, «partido da incisão», «os que mutilam a carne». O grego é katatome em oposição a peritome, deste modo, uma paródia de desprezo -- amputação, não circuncisão. A palavra implica em rito despojado de fé, símbolo vazio, apenas mutilação do corpo. Peritome, ao contrário, significa uma circuncisão real de fé, como no verso 3 – os que servem a Deus e se gloriam em Jesus Cristo que é a única fonte da justiça. Os que fazem assim não põem sua confiança em sua própria justiça nem nas obras da carne.

Nos vv. 4-11 encontramos uma síntese biográfica de Paulo, na qual declara que ele tem todos os privilégios raciais dos judaizantes e ainda mais que eles. Revela como ele mesmo podia orgulhar-se em termos de lei. Há sete excelentes anotações: «Se alguém cuida que pode fiar-se em privilégios externos, eu posso mais ainda. Fui circuncidado ao oitavo dia; pertenço à raça de Israel, da tribo de Benjamim; hebreu filho de hebreus, fariseu de acordo com a lei, a ponto de ser um ardoroso perseguidor da igreja; imaculado segundo o padrão da justiça legal».

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 29 O verso 9 apresenta duas qualidades da justiça que, em sua vida

cheia de experiências, Paulo conheceu muito bem: que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé; isto é, uma legal, outra atribuída. Paulo apóia-se apenas em Cristo para a justiça. Seu grande problema, a que dá forma definida na epístola aos Romanos, é «Como posso ser justo diante de Deus?» e encontra solução através da fé em Cristo ressuscitado.

Todos os méritos religiosos e hereditários, a justiça que procede da lei, é considerada por ele como perda (8) ou «refugo», aquilo que é desprezado como sendo inútil. Seus valores sofreram uma revisão radical. O tesouro mais precioso ele agora ambiciona, a excelência do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor (8). O pronome possessivo singular, meu, é bastante impressivo. Paulo não se envergonha de pertencer a seu Senhor.

O pensamento primordial destes versos está no conhecimento por experiência do Cristo ressuscitado. O apóstolo move-se ao redor deste fato e revela-o como sendo a força dinâmica de toda a sua auto-renúncia, o motivo precípuo do repúdio total de todo e qualquer mérito pessoal. Ele expressa seu objetivo de modo diferente: para ganhar a Cristo (8), que eu possa ser achado nele (9), para o conhecer (10) e para de algum modo alcançar a ressurreição dentre os mortos (11). Estas quatro frases merecem consideração.

1. PARA GANHAR A CRISTO (3.8) -- Paulo usa para «ganhar»

o mesmo termo grego que usou anteriormente para avaliar os ganhos (ver vers. 7). Ele já possui Cristo, mas não ainda totalmente. A vida cristã é uma luta de fé. Seu alvo não é atingido automaticamente.

2. PARA QUE EU POSSA SER ACHADO NELE (3.9) – Paulo

pensa aqui acima de tudo em sua comunhão com Cristo. Levado a uma união espiritual com Cristo (nEle) pela fé, não pela lei, ele está salvo agora e sempre. Ele é a salvação completa, uma perene amizade com

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 30 Deus, o Pai, através de Cristo, o Filho. Este conhecimento pessoal de Cristo torna-se ainda mais explícito.

3. PARA O CONHECER (3.10) -- o próprio Cristo que Paulo

deseja conhecer cada vez mais, o Cristo da ressurreição, o Cristo da cruz. As três frases cheias de significação, o poder da ressurreição, a comunhão de seus sofrimentos, conformando-me com Ele na Sua morte, contêm uma riqueza de sentido. A pergunta surgida refere-se ao fato de elas se referirem à vida do apóstolo em Cristo ou a seus serviços para Ele. A resposta é que certamente elas incluem ambas.

O poder de sua ressurreição; não o poder da doutrina simplesmente, que no terceiro dia, de acordo com as Escrituras, Jesus ressuscitou dos mortos, embora este fato também seja poderoso (cf. At 17.31; Rm 1.4; 4.25); porém o poder da vida ressurreta do Salvador, realizada na vida e trabalhos diários de Paulo (cf. Rm 8.10-11; 15.18-19; 2Co 4.7-11; 12.9).

A comunhão de seus sofrimentos, uma experiência tão intimamente ligada ao fluxo vital da graça provinda do Deus vivo e ressurreto que ela vem juntamente com a própria realização de Cristo. Um único artigo no grego serve igualmente para o poder da ressurreição e a comunhão de seus sofrimentos, tornando, deste modo, as duas frases numa só gramaticalmente. A comunhão com o sofrimento de Cristo é adquirida através da experiência da negação de si mesmo (Mc 8.35), em aprender a obediência (Hb 5.8) na obra da redenção (2Co 4.11-12). Conformando-se com Ele na Sua morte. Esta é uma experiência íntima relacionada com a forma essencial (gr. morphe) e não com a figura exterior (gr. schema), como em Rm 12.2, onde Paulo proíbe conformar-se com e mundo. Cf. Gl 2.20; 5.24; 6.14.

4. PARA DE ALGUM MODO ALCANÇAR A RESSURREIÇÃO

DENTRE OS MORTOS (3.11) – No conhecimento de Cristo, como Paulo já compreendera, está a bênção sem par de levantar-se com Cristo na

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 31 ressurreição dos mortos. Conhecer a Cristo no poder de sua ressurreição e conformar-se com Ele na Sua morte, é estar a caminho da glória através da ressurreição. A justiça atribuída de Cristo transforma-se em justiça adquirida, pois o conhecimento experimental do Salvador transforma a vida totalmente. Paulo antecipa-se, tornando real a vida ressuscitada e vitoriosa de Cristo em sua própria personalidade e partilhando com a mente de homens justos, transformados. O «dia de Senhor» será um dia glorioso para o apóstolo. Paulo não tem qualquer dúvida a respeito de seu destino. As palavras para de algum modo não expressam dúvida, mas uma livre vontade de seu coração de tomar parte na «ressurreição da vida» (Jo 5.29).

b) Advertência contra os perfeccionistas (3.12-16) O apóstolo fala de sua própria experiência de um modo bem

franco. Alguns de seus conversos menos iluminados podem crer que sejam perfeitos, mas Paulo nega-lhes tal perfeição. Este convencimento é habilmente condenado.

Mas prossigo, Paulo o pai espiritual humildemente confessa, para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus (12). O verbo grego no aoristo passivo (katelephthen) denota uma ação definitivamente no passado, um acontecimento específico na experiência do apóstolo, isto é, sua conversão. A finalidade de Cristo em salvá-lo deve ser completada por sua luta contínua na mesma direção. «Continuo na conquista, porque do mesmo modo fui conquistado».

Mas mesmo assim, através de toda sua vida, inteiramente consagrada, Paulo não se atribui perfeita santificação. Ao contrário, como um corredor numa competição, ele se esforça para ir avante, na direção da meta, para alcançar o prêmio de estar com Cristo nos céus. A idéia do fim do cristão e sua felicidade é comum na literatura paulina e resume-se em receber plenamente tudo o que Deus nos deu em Cristo.

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 32 Cf. 1Co 2.9; Ef 4.13-14; Cl 4.12. Ver também 1Pe 5.4 («coroa de glória»); 2Tm 4.8 («coroa de justiça»); Ap 2.10 («coroa da vida»).

Para Paulo a abençoada consumação da boa luta cristã jamais é apenas uma experiência individual. Ele revela seu ideal de inspirar seus convertidos a uma «perfeição dos santos».

Assim ele continua todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento (15). Alguém sugeriu que Paulo está aqui sendo irônico: «aqueles que entre vós vos julgais perfeitos». O sentido está no grego teleios. Paulo em suas cartas usa esse termo nove vezes (Fp 3.15; 1Co 2.6; 14.20; Ef 4.13; Cl 1.28; 4.12; Rm 12.2; 1Co 13.10). Apenas os seis primeiros referem-se a pessoas; 1Co 14.20 e Ef 4.13 estilo definitivamente em contraste com nepios (criança). Logo, «maduro» é claramente um sentido de teleios. É possível que a palavra fosse usada na igreja primitiva em referência aos cristãos amadurecidos na fé (cf. Hb 5.14).

Alguns traduzem também por «iniciado», palavra usada para designar os que tinham acesso aos cultos dos mistérios da época. Mas a tradução «perfeito» é a que melhor convém quando chegamos à conclusão de que a realização de nossa finalidade é possível nos vários estágios de nossa experiência. Assim é que a perfeição da criança é diferente da do jovem, do adulto e do velho. Outro modo de interpretação é examinar a palavra «santos» que Paulo emprega à luz de seu fim. Ninguém é absolutamente perfeito, mas tanto Paulo como seus filhos na fé ainda se encontram a caminho da perfeição e já podem ser chamados santos. Por isso, não se deve presumir exista aqui sarcasmo.

Paulo exorta aos filipenses (principalmente aos perfeccionistas existentes entre eles) que julgavam ter atingido tal perfeição, a que tenham o mesmo sentimento (15). Ter esta opinião, isto é, o de visar chegar a uma altura ainda não atingida. Se seus filhos na fé, em Filipos, tiverem idéias diferentes, o próprio Deus lhes dará a necessária revelação: deste modo, gentilmente Paulo admoesta a facção dos perfeccionistas. Apenas uma coisa mais o apóstolo precisa dizer, antes

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 33 de ir além. «Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos» (16). A perfeição é conseguida apenas pelo progresso do estágio já alcançado. Este progresso não pode ser alcançado no isolamento da desunião, mas andando passo a passo com os outros. O gr. stoichein - «andar» significa marchar em fileira na mesma direção.

c) Advertência contra os antinomistas (3.17-21) Crê-se que Paulo, nesta seção, está pensando nos antinomistas (lit.

«aqueles que são contra a lei ou código moral»). Os sentimentos desses pareciam ser de uma espiritualidade tão alta que menosprezavam a carne como sendo mal, entretanto, tal espiritualidade é espúria. Não há necessidade, segundo tal opinião, de se obedecer à lei naquilo que diz respeito à carne, porque o espírito é tudo. Na verdade, ao espírito compete dominar seu contaminado sócio, o corpo. Tal atitude, no entanto, para com esse, ora descamba para o ascetismo, ora resvala para a libertinagem. Aqui em Filipos, evidentemente, a inclinação foi para a última alternativa, ou seja, grosseira sensualidade. Tais idéias usadas como um caminho de vida são absolutamente alheias à verdade cristã. Paulo exorta os filipenses a seguirem seu exemplo (17) e a evitarem o dos antinomistas, em seu meio, porque os tais fazem deuses de seus apetites (19). O evangelho de Jesus Cristo, pregado pelo apóstolo aos filipenses, põe ênfase no que é espiritual e não no que é carnal, sobre as coisas celestiais e não sobre as terrenas (cf. Cl 3.1).

A pátria deles («cidadania», ver 1.27 n.) está nos céus (20). Por isso, o caminho da vida cristã é regulado pelo Senhor Jesus Cristo, cuja regra espiritual na vida dos crentes envolve dois fatos, a Sua segunda vinda e a transformação do corpo (20-21). Longe do desprezo pelo corpo, o que deve haver é reverência.

Nosso corpo abatido (21). Não se deve compreender como uma depreciação; é somente uma interpretação infeliz. Mesmo a idéia de humilhação quer dizer apenas que o corpo que agora temos está

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 34 subordinado às limitações terrenas, inclusive a morte; porém, tem a potencialidade de exaltação, glorificação, transformação em um corpo espiritual semelhante ao seu corpo glorioso (21). O onipotente poder de Cristo, o Redentor, completará esta maravilhosa obra.

Filipenses 4 VIII. TRÊS EXORTAÇÕES FINAIS - 4.1-9 O primeiro versículo pode ser a conclusão da seção anterior -- um

apelo geral a permanecerem unidos («firmes») no Senhor. Também pode referir-se à advertência que Paulo está por fazer. Deste modo ele dá três últimos conselhos, a fim de que permaneçam firmes, um diretamente a indivíduos e os demais à igreja como um todo.

a) Conselhos de reconciliação (4.2-3) Duas mulheres, que tinham certa posição de destaque na igreja,

desavieram-se – Evódia e Síntique. Cada uma possuía um grupo de seguidores, pelo que a semente da discórdia estava sendo semeada no seio da igreja. Paulo as exorta para que tenham o mesmo sentimento no Senhor (cf. 2.2) e a viverem em harmonia. A assistência de uma terceira pessoa é solicitada para completar a pacificação. Quem é o fiel companheiro aqui mencionado não se sabe. Semelhantemente não se pode identificar quem é Clemente. Possivelmente ambos eram bispos em Filipos (ver 1.1). A expressão simbólica livro da vida só é encontrada aqui e no Apocalipse (cf. Ap 3.5; 13.8; 17.8; 20.12,15; 21.27). Mas cf. Êx 32.32; Sl 69.28; Is 4.3; Dn 12.1; Lc 10.20.

b) Conselhos de regozijo (4.4-7) A nota predominante da epístola é a alegria. Ela vem à tona em

todos os lugares. As coisas que se seguem ao regozijo são aqui

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 35 apresentadas em número de cinco: suave equidade (moderação, «indulgência», «gentileza»), a presença de Jesus (o Senhor está perto ou, talvez, «está próximo»; Sua presença e não sua Parousia, ausência de cuidado, oração com ações de graças (ver 1.9) e a paz de Deus.

c) Conselhos de justiça (4.8-9) Esses conselhos se integram no cômputo dos verdadeiros valores

da vida. Pensai nessas coisas significa «tomai essas coisas na devida conta». Tem a força de um apelo ao julgamento moral. Que valores são esses? O apóstolo dá uma lista de sete: real (verdadeiro), venerável (honesto), direito (justo), puro, amável (tudo o que é de boa fama), respeitável (tudo o que for de valor moral digno de louvor). Tais virtudes, na acepção de Paulo, eram mais excelentes que todas as demais, por isso ele exorta os crentes a ocuparem seus pensamentos com elas e a fazerem norma prática de seu modo de viver. Isso porque a mera contemplação daquelas coisas não é suficiente. O pensamento deve ser traduzido por ação, de acordo com o próprio ensinamento e exemplo de Paulo (9). Se deste modo andarem, o Deus de paz será com eles (cf. verso 7).

IX. RECONHECIMENTO DE DÁDIVAS - 4.10,20 Nesta seção Paulo expressa, em primeiro lugar, sua gratidão pela

generosidade da igreja dos filipenses. Este elevado e maneiroso reconhecimento é, na verdade, a causa principal da epístola. Outra vez o prisioneiro grandemente se regozija. E agora por causa do zelo para com ele de seus amados filhos na fé. Estes sempre se lembravam de suas necessidades materiais, mas, ultimamente, não tinham achado oportunidade para lhe enviar qualquer dádiva, faltando ocasião apropriada para isso. Não resta dúvida de que as dádivas que então chegaram às mãos de Paulo, por intermédio de Epafrodito, chegaram no

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 36 mais oportuno momento. Mas, ao mesmo tempo em que se regozija pela generosidade dos filipenses, sente o apóstolo que lhes deve asseverar sua completa independência das condições materiais, pois pode depender do poder de Cristo, existente nele (13), não sendo um homem ansioso à espera de dádivas. É a graça da liberalidade outorgada pelos filipenses que enche de regozijo o coração do apóstolo.

Há quem descubra no versículo 18 um trocadilho do nome de Evódia, a quem Paulo faz referência no verso 2, porque um cheiro de suave sacrifício é, no original, osmen euodias «perfume de boa fragrância» ou «de evódia». Pode ser que Evódia houvesse tido um papel proeminente na aquisição de dádivas que foram enviadas a Paulo por intermédio de Epafrodito. Um trocadilho semelhante é encontrado em Fm 11 (Onésimo).

Paulo prossegue em seu reconhecimento pelas dádivas dos filipenses com louvor à característica liberalidade deles (14-16). Desde a fundação da comunidade cristã ali, alguns anos antes, os filipenses revelaram uma constante consideração ao apóstolo, procurando sempre suprir-lhe as necessidades imediatas. Enviavam-lhe vez por outra contribuições espontâneas. Parece mesmo que Paulo fez dos filipenses seus únicos benfeitores. Eles eram tão leais, amáveis e desejosos de contribuir. Enquanto ele recebe essas novas agora, suas muitas dádivas afetuosas voltavam-lhe ao espírito. Todas eram levadas à presença de Deus. Sob o ponto de vista espiritual mais do que do lado material, Paulo declara aos filipenses que seriam compensados por sua bondade, não como compensação, na verdade, mas como um elogio. Deus é o banqueiro do apóstolo. «Minhas necessidades vós supris. Vossas necessidades meu Deus suprirá» (19).

X. SAUDAÇÃO FINAL - 4.21-23 Crê-se que essas últimas linhas da epístola foram escritas pela

própria mão do apóstolo ( cf. 2Ts 3.17; 1Co 16.21; Gl 6.11; Cl 4.18). A

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Filipenses (Novo Comentário da Bíblia) 37 pequena frase em Cristo Jesus é usada às vezes com o verbo salute e outras vezes com o nome santo (21). Emprega-se com o verbo em Rm 16.22 e 1Co 16.19, onde é ligeiramente mudada para no Senhor. Mas a associação com o nome é preferida aqui (cf. 1.1).

Os irmãos que estão comigo, que enviam saudações, não são nomeados. Poderiam ser conhecidos se conhecêssemos o lugar onde Paulo estava preso, se Roma ou Éfeso, mas o portador da epístola, Epafrodito, poderia suprir toda a informação necessária àqueles. «Com vosso espírito» em lugar de com vós todos (23), de acordo com os melhores textos. «Com vosso espírito» significa que a graça é desejada para ser infundida na mais íntima natureza e é também encontrada em Gl 6.18 e Fm 25.

F. DAVIDSON