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2 2.1 O Assédio Moral Antes de se chegar ao tema referente ao assédio moral coletivo, mostra- se necessária a explanação acerca do conceito de assédio moral e de suas características principais. Ao se analisar a questão, verifica-se que a maior parte dos estudos doutrinários diz respeito ao que se denomina de assédio moral interpessoal e que pode ser identificado como “qualquer conduta abusiva que atente, por sua repetição ou sistematização contra a dignidade, integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho” 125 . A partir desse conceito que tem como ponto de partida o ataque ao indivíduo, é que se passa a identificar o que é assédio moral, tanto para doutrina quanto para jurisprudência, a formação do conceito, a legislação e os principais projetos de lei sobre o tema. Também serão abordados os seus elementos configuradores e as práticas mais comuns de assédio no ambiente laboral. Dentro deste tópico foram levantados alguns acórdãos dos Tribunais Regionais Trabalhistas brasileiros para que se visualize o posicionamentodos julgadores a respeito do tema e de suas características, o que tem sido ou não considerado assédio moral, tendo em vista se tratar de um conceito bastante amplo. O fato de ser impossível prever todas as condutas que possam se caracterizar como assédio faz aumentar a responsabilidade dos juízesem ter que reconhecer no caso concreto a presença ou não desse elemento. Após essa primeira abordagem, parte-se para um segundo tópico que é a definição do assédio moral coletivo, fenômeno mais recentemente reconhecido pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Não hácomo negar que a violência no ambiente do trabalho é tão antiga quanto o próprio trabalho humano, e, conforme retratado no capítulo anterior, nas relações trabalhistas atuais tem-se menos a 125 HIRIGOYEN, Marie France. Mal estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 5 edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 17. A escolha desse conceito dentre tantos outros existentes se justifica pelo fato de a autora francesa ser a mais citada dentre a doutrina brasileira, servindo de base, inclusive, para a fundamentação de muitos julgados sobre o assunto.

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2

2.1

O Assédio Moral

Antes de se chegar ao tema referente ao assédio moral coletivo, mostra-

se necessária a explanação acerca do conceito de assédio moral e de suas

características principais. Ao se analisar a questão, verifica-se que a maior parte

dos estudos doutrinários diz respeito ao que se denomina de assédio moral

interpessoal e que pode ser identificado como “qualquer conduta abusiva que

atente, por sua repetição ou sistematização contra a dignidade, integridade

psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima

de trabalho”125.

A partir desse conceito que tem como ponto de partida o ataque ao

indivíduo, é que se passa a identificar o que é assédio moral, tanto para doutrina

quanto para jurisprudência, a formação do conceito, a legislação e os principais

projetos de lei sobre o tema. Também serão abordados os seus elementos

configuradores e as práticas mais comuns de assédio no ambiente laboral.

Dentro deste tópico foram levantados alguns acórdãos dos Tribunais

Regionais Trabalhistas brasileiros para que se visualize o posicionamentodos

julgadores a respeito do tema e de suas características, o que tem sido ou não

considerado assédio moral, tendo em vista se tratar de um conceito bastante

amplo. O fato de ser impossível prever todas as condutas que possam se

caracterizar como assédio faz aumentar a responsabilidade dos juízesem ter que

reconhecer no caso concreto a presença ou não desse elemento.

Após essa primeira abordagem, parte-se para um segundo tópico que é a

definição do assédio moral coletivo, fenômeno mais recentemente reconhecido

pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Não hácomo negar que a violência no

ambiente do trabalho é tão antiga quanto o próprio trabalho humano, e, conforme

retratado no capítulo anterior, nas relações trabalhistas atuais tem-se menos a

125 HIRIGOYEN, Marie France. Mal estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 5 edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 17. A escolha desse conceito dentre tantos outros existentes se justifica pelo fato de a autora francesa ser a mais citada dentre a doutrina brasileira, servindo de base, inclusive, para a fundamentação de muitos julgados sobre o assunto.

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violência física (comum no modo de produção em massa) e muito mais a

uniformização do caráter dos trabalhadores como técnica de gestão de pessoas nas

empresas. O assédio moral torna-se instrumento de controle e disciplina dos

empregados, mecanismo de redução de custos e de aumento de produtividade.

Desta forma, serão estudados os conceitos de assédio moral em sua

dimensão coletiva por parte da doutrina, que ora denomina tal fenômeno como

assédio moral organizacional, ora como assédio moral coletivo126. A escolha no

presente estudo se dá a favor do termo coletivo, tendo em vista sua ampla

aplicação pela jurisprudência trabalhista.

Para tanto, aprofunda-se a temática inerente ao assédio moral coletivo

com a abordagem sobre suas características principais e, consequentemente, sua

diferenciação perante o assédio moral interpessoal. Também serão demonstradas

algumas condutas assediadoras passíveis de lesar a coletividade dos trabalhadores,

através dos exemplos retirados das ações civis públicas trabalhistas sobre o tema

ora estudado.

2.1.1

OAssédio Moral Interpessoal - Breve histórico e Legislação

As pesquisas envolvendo a figura do assédio tiveram início no ramo da

Biologia, antes de serem desenvolvidas na esfera das relações humanas. O

primeiro a utilizar a expressão mobbing, termo inglês que traduz a ideia de turbar

ou cercar, foi o etologistaKonrad Lorenz que, em 1968, identificou o termo com

“os ataques de um grupo de pequenos animais que ameaçam um animal maior”127.

Na década de 1970, o médico sueco Peter-Paul Heinemann utilizou o

mesmo conceito para se referir ao comportamento destrutivo de grupos de

crianças em relação a colegas de escola. Essa foi a pesquisa pioneira em detectar o

assédio moral nas relações humanas. Mas, somente na década de 1980 que o

126 O conceito de assédio moral organizacional aparece nas obras já citadas de Adriane Reis Araújo e de Thereza Cristina Gosdal. Já o termo assédio moral coletivo encontra-se no estudo de Renato de Almeida Oliveira Muçouçah: Assédio Moral coletivo nas relações de trabalho. São Paulo: Editora LTr. 2011. Na jurisprudência encontrada sobre o assunto, o termo mais utilizado nas ações civis públicas que serão abordadas é o assédio moral coletivo. 127ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral nas Relações de emprego. p. 38. Do ponto de vista etimológico, a palavra tem origem no verbo inglês to mob que indica as ações de turbar, agredir em massa e do substantivo derivado mob que significa tumulto, desordem. Logo, a expressão mobbing está associada à forma de violência coletiva ligada à organização do trabalho.

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psicólogo alemão Heinz Leymann descobriu o mesmo comportamento

identificado nas pesquisas anteriores dentro do ambiente de trabalho. Segundo

Leymann, a violência física raramente é usada no assédio moral, sendo este

comportamento marcado por condutas insidiosas, de difícil demonstração.

Tal constatação adveio de uma pesquisa realizada pelo psicólogo com

oitocentos trabalhadores no ano de 1982, a qual resultou em um relatório

científico sobre o assunto. Doutor Leymann observou que o estado de fragilidade

do assediado não decorria de algo inerente às características de determinado

indivíduo, mas era resultado de uma série de condutas oriundas da estrutura

empresarial que, após identificar tal condição, permitiam posturas que tinham

como objetivo a destruição psicológica daquela pessoa128.

O termo harassment moral é proposto na obra da psiquiatra Marie France

Hirigoyen que, em 1998, publicou um livro sob o título Le harcelèment moral: la

violence perverce ou quotidien, onde a autora constata não ser possível estudar o

fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética ou moral. O livro lançado pela

psiquiatra francesa reacendeu a discussão acerca do assédio moral na esfera

jurídica. Desde então, o tema foi ganhando proporções internacionais, sendo que

França, Suécia, Alemanha, Noruega, Itália, entre outros, passaram a produzir leis

visando a coibir o assédio moral nas relações de trabalho.

O tema no Brasil passou a ter maior divulgação com a apresentação da

dissertação de mestrado da Drª Margarida Barreto, defendida em maio de 2000 e

publicada pelo Departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo129, tendo como material básico as pesquisas desenvolvidas

por Marie-France Hirigoyen. A comunicação entre as duas pesquisadoras resultou

no Primeiro Seminário Internacional sobre assédio moral no trabalho, realizado

128DAVENPORT, Noa; SCHWARTZ, Ruth Distler; ELLIOT, Gail Pursell. Mobbing – emotional

abuse in the American workplace.Iowa: Civil Society Publishing, 2002 129 Margarida Barreto é médica do trabalho, Doutora pela PUC SP, com a tese que inspirou o livro:Violência, Saúde e Trabalho: uma Jornada de Humilhações. São Paulo: EDUC, 2006. A pesquisa foi baseada em duas mil e setenta e duas entrevistas realizadas com homens e mulheres de noventa e sete empresas paulistas. A médicaapontou diversos aspectos relevantes quantoà incidência do assédio moral, concluindo que a violência moral nas empresas tem contornos sutis que se manifestam através de coação, humilhação e constrangimentos e que nem sempre são percebidos pelas vítimas como um ato de violência. Ainda em conclusão de seus estudos, a autora informa que o assédio moral provoca danos à identidade e à dignidade do trabalhador e, por consequência, aumenta a ocorrência de distúrbios mentais e psíquicos que se manifestam sobre a forma de stress, hipertensão arterial, perda de memória, ganho de peso, etc.

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em São Paulo no dia 30 de abril de 2002, o qual movimentou a discussão e

chamou a atenção de parlamentares e sindicatos de diversas categorias.

Nos últimos anos, diferentes países passaram a adotar leis que preveem o

assédio moral, tanto na seara trabalhista, quanto penal. Destaca-se como exemplo

a legislação francesa que,em 2002, acrescentou o artigo 1.122-49, no qual ficou

estabelecido que: “nenhum trabalhador deve sofrer atos repetidos de assédio

moral que tenham por objeto ou por efeito a degradação das condições de

trabalho, suscetível de lesar os direitos e a dignidade do trabalhador, de alterar sua

saúde física ou mental ou de comprometer seu futuro profissional.”

Também foi alterado o Código Penal francês, que em seu art. 222-33-2

tipificou como crime o fato de “assediar os outros através de comportamentos

repetidos, tendo por objetivo ou efeito a degradação das condições de trabalho

suscetível de lesar seus direitos e sua dignidade, alterar a saúde física ou mental

ou comprometer seu futuro profissional”, prevendo a possibilidade de pena ao

assediador com um ano de reclusão ou multa de quinze mil euros130.

A preocupação com os limites e formas de identificação do assédio moral é

percebida mundialmente. Há várias Convenções Internacionais em que são

protegidos direitos dos empregados contra discriminações, conforme trata a

Convenção 111 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1965131.

Sobre a tipificação do assédiomoral, ressalta-se que a OIT expediu

informeno ano de 2002 em que lista alguns atos que se configuramcomo assédio,

quais sejam: medidas destinadas a excluir uma pessoa de uma atividade

profissional; ataques persistentes e negativos ao rendimento pessoal ou

profissional sem razão; a manipulação da reputação pessoal ou profissional de

uma pessoa através da ridicularização; abuso de poder através do menosprezo

persistente do trabalho da pessoa ou a fixação de objetivos com prazos

inatingíveis ou pouco razoáveis ou a atribuição de tarefas impossíveis e controle

desmedido do rendimento de uma pessoa.

No Brasil, ainda não há legislação federal específica a respeito do tema.

Uma interessante iniciativa encontra-se na Lei 11.948 de 2009, que em seu artigo

130 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 133. 131 Convenção 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão, adotada pela Conferência Geral da OIT, na sua 42 sessão, em Genebra a 25 de junho de 1958. Em seu artigo segundo coloca como finalidade: “que todos os Estados membros se comprometam a dotar uma politica nacional que promova a igualdade de oportunidades e tratamento em matéria de emprego, com objetivo de eliminar toda e qualquer discriminação.”

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quarto“veda a concessão ou renovação de qualquer empréstimo ou financiamento

por parte do BNDES a empresas da iniciativa privada, cujos dirigentes tenham

sido condenados pela prática do assédio moral”, dentre outras condutas.

Os projetos em tramitação no Congresso Nacional enfocam a questão do

assédio de diferentes maneiras. Há o Projeto 4742/2001 que pretende inserir o

tema na seara criminal,132 o que não pode ser considerada a opção mais adequada,

ao criar mais uma espécie penal,até porque, devido à cominação máxima para o

ilícito ser de até um ano de prisão, será cabível o instituto da transação penal e a

provável aplicação da pena de multa.

Em âmbito federal, há projetos que alteram algumas Leis para inserir a

previsão sobre o assédio e suas consequências. Esse é o caso do Projeto de Lei n.

80 de 2009 que pretende alterar a Lei 8666/93 ao inserir o inciso VI ao artigo 27,

que prevê que “empresas que pratiquem coação moral contra seus empregados

fiquem impedidas de licitar temporariamente com a Administração Pública pelo

prazo de cinco anos”.

Outra alteração diz respeito à Lei 8.112/90, por meio do Projeto de lei

4591/2001133 que acrescenta o artigo 117-A, ao prever diferentes penalidades

contra servidores que pratiquem assédio moral contra seus subordinados. Um

terceiro projeto de n. 7202/2010 acrescenta ao artigo 21 da Lei 8213/91, o inciso

VI , estabelecendo que “a ofensa física ou moral intencional seja tratada como

hipótese de acidente de trabalho”.

Por seu turno, o Projeto de Lei 5970/2001 pretende conferir tratamento

trabalhista ao tema, inserindo-o no artigo 483 da CLT. Prevê a possibilidade de o

assediado pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho, quando o

empregador ou seus prepostos praticarem coação moral contra o empregado, por

meios que atinjam sua dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes. As

verbas rescisórias seriam, caso comprovada a culpa exclusiva por parte do

empregador, pagas em dobro.

132 O projeto pretende inserir no Código Penal o artigo 146-A, tipificando o assédio moral como um “desqualificar reiteradamente por meio de palavras, gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem do empregado ou do servidor público, em razão de vínculo hierárquico, laboral ou funcional.” Tambémhá a previsão de pena de três meses a um ano, além de multa. 133 Este projeto acrescenta à Lei 8.112/90 o artigo 117-A: “é proibido aos servidores públicos praticarem assédio moral contra seus subordinados, estando estes sujeitos às seguintes penalidades disciplinares: I- Advertência, II- Demissão, III- Destituição do cargo em comissão, IV- Destituição da função comissionada, V- Demissão.” A penalidade a ser aplicada será apurada mediante processo administrativo.

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Algumas iniciativas legislativas adotadas por Municípios e

Estados134voltavam-se, especificamente, para os servidores públicos, como é o

caso da Lei estadual do Rio de Janeiro 3921/2002, que “veda qualquer atitude que

possa se caracterizar comoassédio moral, no âmbito da administração

centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia

mista, inclusive concessionárias ou permissionárias de serviços estaduais.”

Em que pese à existência de inúmeros projetos e de leis, tanto na

Administração Pública, quanto fora dela, não há ainda lei federal sobre o assédio

moral, o que torna a tarefa de delimitar o problema mais difícil e maior a

responsabilidade em definir seus contornos por parte do Judiciário Trabalhista.

2.1.2

Os elementos do assédio moral interpessoal

Para que se identifiquem os elementos caracterizadores do assédio moral,

necessário é analisar as definições acerca do tema. Contudo, como já ressaltado,

não há no ordenamento jurídico brasileiro uma previsão específica que delimite

tal conceito. A partir da consulta a diferentes obras sobre assédio moral, verificou-

se que os autores brasileiros se utilizam do conceito da psiquiatra Marie France

Hirigoyen como base para o estudo do tema. Segundo a autora: o assédio moral

no trabalho é definido como “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra,

comportamento ou atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra

a dignidade, integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu

emprego ou degradando o clima de trabalho”135.

Nesse esteio, alguns autores adotam o conceito da pesquisadora francesa,

sem sequer questioná-la, como é o caso de: André Luiz Souza Aguiar136,

Sebastião Vieira Caixeta137, Cláudio Armando Couce de Menezes138, José Afonso

134 Há Leis estaduais prevendo a proibição do assédio moral no âmbito da Administração Pública nos seguintes Estados: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. E há projetos de lei sobre o tema nos Estados do Ceará, Espírito Santo, Pernambuco e Bahia. Quanto aos Municípios, há mais de cinquenta deles com legislação aprovada sobre o tema. (Informação obtida através do site: http.//:www.assédio moral.org, acesso em 20 de agosto de 2012). 135 HIRIGOYEN, Marie-France. Op. Cit. p. 17. 136

Assédio Moral: o direito à indenização sofrida pelos maus tratos e humilhações sofridos no

ambiente de trabalho, 2005, p. 25. 137 O assédio moral nas relações de trabalho. Revista do Ministério Publico do Trabalho. Brasília, volume 13, n. 25, p. 93. Março de 2003.

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Dallegrave Neto139 e Maria Aparecida Alkimin140. Interessante é a abordagem

feita por Alice Monteiro de Barros141, ao constatar que a doutrina e a

jurisprudência brasileiras, ora enfatizam os efeitos nefastos das práticas

desencadeadas pelo assediador, destacando a ligação delas com os distúrbios

psicológicos142 que acarretam, oraprivilegiam o objetivo final do assediador, qual

seja a criação de um ambiente do trabalho que inviabilize a continuidade da

relação empregatícia protagonizada pelavítima.

Como exemplo do posicionamento favorável à ocorrência do dano

psicológico para a caracterização do fenômeno, encontra-se a autora Sônia

Mascaro Nascimento143, ao defender que o assédio moral é “a conduta abusiva, de

natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e

prolongada e expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras,

capazes de ofender apersonalidade, à dignidade ou à integridade psíquica e que

tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o

ambiente de trabalho”.

No entanto,tem-se destacado a visão que critica o critério psicológico

presente no assédio moral, ao defini-lo como uma prática reiterada que atenta

contra direitos fundamentais dos trabalhadores e contra a dignidade da pessoa

humana. O dano, seja ele físico ou psíquico, seria o efeito, a consequência da

conduta assediante144. A crítica é pertinente ao se observar que o assédio moral

138 Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo, vol. 28, n. 108, p. 195, out/dez de 2002. 139 Assédio e Contrato de trabalho. Revista da Academia Nacional de direito do trabalho. Brasília, vol. 12, n.12, p.64, 2004. 140

Assédio Moral na relação de emprego. Curitiba, Juruá, 2007, p. 36. 141

Curso de Direito do Trabalho.3 ed. São Paulo: LTr ,2007. p. 889. 142Existe na jurisprudência pátria vários julgados com essa tendência. A título exemplificativo: “Ementa - Assédio Moral – Não se vislumbra, no caso em análise, caracterização do alegado assédio moral, uma vez que não restou provada a suposta perseguição e, sequer, demonstrado, como consequência, o grave dano psíquico-emocional ocorrido. Enfatiza-se que o autor, sequer, apontou e comprovou que sofreuqualquer dano psíquico em razão da dita perseguição. (TRT 1 Região, Processo n. 0230600-23.2008.5.01.0281, 2 Turma, publicada no DJRJ em 30.11.2010.) No mesmo sentido: “DANO MORAL DECORRENTE DE ASSÉDIO MORAL. NÃO RECONHECIMENTO. O assédiomoral é espécie do gênerodano moral e se configura pela atitude abusiva do empregador, que exerce opoder diretivo de forma excessiva, causando aos empregados humilhações etranstornos psicológicos. É também chamado de “psicoterrorismo”. A nãodemonstração da prática de atos repetidos de violênciamoral, de tortura psíquica,e de intenção de degradar as condições de trabalho do empregado acarreta o não reconhecimento de alegado assédio moral e consequente pleito de indenização.” (TRT 1 Região, Processo n. 0193800-63.2005.5.01.0034, 10 Turma, publicado em 26.01.2011.) 143

O assédio moral no ambiente de trabalho. Revista LTr, São Paulo, vol. 68, n.8, p. 925, ago. 2004. 144 MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira. Op. cit. p. 135.

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pode se concretizar a partir de situações nas quais o aspecto psicológico não é

necessariamente abalado. Até porque, há uma série de condutas, que, apesar de

não acarretarem sequelas psicológicas, poderiam ser encaixadas como práticas

assediadoras.

Além disso, se a existência de assédio moral estivesse condicionada à

comprovação dos danos psicológicos, a caracterização da atitude assediante

ficaria suscetível à sensibilidade de suas vítimas, e, consequentemente, redundaria

na não condenação de agressões morais que não tivessem afetado

psicologicamente a pessoa.

O psicólogo alemão Dieter Zapf145 segue essa postura mais flexível,

admitindo o bullying na presença de intenso estresse social, sem necessariamente

acarretar qualquer distúrbio biológico. Ao se fazer uma análise do conceito de

assédio moral mais aceito pela doutrina brasileira, que é o da psicóloga Marie-

France Hirigoyen, nele não está presente a necessidade de dano psicológico. Tanto

isso é verdade, que a autora critica “a psiquiatrização das vitimas, usada como

meio de descartar um problema social mais complexo”146.

Após verificar as controvérsias quanto à exigência do dano psicológico

para que se tenha configurada a prática de assédio moral, passa-se para o estudo

dos elementos que caracterizam o fenômeno. De acordo com o conceito já

descrito de Marie France Hirigoyen147, algumas características podem ser

mencionadas: a repetição ou sistematização da conduta, a forma abusiva da

prática assediadora e que esta atente contra a dignidade ou contra a integridade

física ou psíquica. A autora acrescenta ainda a intenção em prejudicar,

principalmente através da ameaça de perda do emprego e da degradação do

ambiente de trabalho.

A doutrina brasileira segue, em grande medida, os requisitos

caracterizadores do assédio moral encontrados na definição da autora francesa.

Para um melhor entendimento sobre estes elementos, eles serão enumerados a

145 ZAPF, Dieter. Work and Organizational Psychology unit.Research. Disponível em: http://www.psychologie.uni-frankfurt/abteil/ABO/forschung/mobbing_e.htm. Acesso em: 19 de julho de 2012. 146 HIRIGOYEN, Marie-France. Op. cit. p. 10. 147 Ibid., p. 17. Observando o conceito da autora, podem-se retirar alguns elementos caracterizadores do assédio: “o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta

abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra à dignidade ou integridade física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.”

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seguir,com base no que tem sido utilizado, tanto pelos doutrinadores, quanto pela

jurisprudência trabalhista.

2.1.2.1

Habitualidade ou sistematização da conduta no tempo

No que diz respeito a esse requisito, observou-se a necessidade de haver

uma sistematização ou reiteração de condutas assediantes ao longo do tempo na

relação de trabalho. No entanto, não se defende uma frequência ou um lapso

temporal mínimo qualquer para sua configuração148, pois o que caracteriza o

assédio é o seu caráter processual: as agressões têm que ser constatadas durante

certo período contra uma determinada pessoa, já que não se perfaz a ocorrência

do assédio ante a prática de atos isolados.

Exigir um prazo determinado com frequência mínima semanal de atos, se

mostra desarrazoado, por desconsiderar as peculiaridades do caso concreto. Nas

palavras de Hirigoyen: “cada ataque tomado de forma isolada não é

verdadeiramente grave, o efeito cumulativo de microtraumatismos frequentes e

repetidos é que constitui a agressão”149.De modo que, a fixação de um critério

baseado em um lapso mínimo de tempo para a caracterização do assédio moral

pode não ser o correto, visto que as agressões podem variar de intensidade e, neste

caso, irão desencadear consequências graves aos trabalhadores, mesmo em

períodos mais curtos.

Em que pese ser desnecessário um lapso temporal mínimo, ainda existe

posicionamento favorável à inexistência do assédio em casos concretos, por se ter

um período considerado curto para a ocorrência do dano150. Embora tal decisão

148 Heinz Leymann em suas pesquisas estabeleceu uma lista com quarenta e cinco comportamentos hostis e considerou que para que se pudesse falar em mobbing seria preciso que uma ou várias dessas ofensas se repitam pelo menos uma vez por semana e por um período de tempo, de no mínimo, seis meses. (In: Mobbing. Seuil, Paris, 1996. 149 HIRIGOYEN, Marie France. Op. Cit, p. 17. 150“ASSÉDIO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. Incabível a configuração do assédio moral, na modalidade vertical descendente, quando não evidenciada a necessária reiteração dos atos abusivos, por períodoprolongado,caracterizados por submeter o trabalhador a situações humilhantes,vexatórias e constrangedoras, com o intuito de sua desestabilização emocional e psíquica. O curto lapso temporal das situações narradas desqualifica a figura gravosa e, por consequência, desautoriza a indenização deferida na R. sentença. Recurso Ordinário do réu provido parcialmente.” (TRT 1 Região. Processo n. 0167700-72.2009.5.01.0022. 2 Turma. Publicado em 18 de janeiro de 2012.). No caso em questão a sentença constatou o assédio moral por parte da gerente contra funcionária de um Banco, tanto é que o Regional confirma a conduta

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tenha se pautado no indeferimento da indenização por ser pequeno o prazo a que

ficou submetido o trabalhador aos atos assediantes, filia-se o presente trabalho a

rechaçar a exigência de um prazo concreto para que se possa ter configurado o

assédio, pois o essencial é a intensidade e a gravidade da conduta, mesmo que seja

por um período curto no tempo151.

2.1.2.2

A Conduta Abusiva

Outro elemento para a caracterização do assédio assenta-se na conduta

abusiva. No assédio moral interpessoal não há relação simétrica entre as partes,

mas sim uma relação na qual o superior procura submeter o outro. Daí surge a

figura do abuso de poder diretivo, a partir da desigualdade em relação à vítima

que passa a ser ridicularizada, seja pela posição hierárquica dentro da empresa, ou

de gênero, ou alguma deficiência no trabalho, etc.

Richard Sennet em seus estudos sobre a ética no trabalho separa o que

denomina de “velha ética de trabalho árduo”, baseado na disciplina e em

instituições estáveis, da “moderna ética do trabalho de equipe” voltado para a

flexibilidade de tarefas específicas e de curto prazo. Nas palavras do autor: “o

trabalho em equipe nos leva ao domínio da superficialidade degradante que

assedia o moderno local de trabalho”152.Com esta argumentação o autor constata

que a técnica de trabalho em equipe, apesar do nome, fragmenta as relações de

solidariedade no ambiente de trabalho, onde cada um pressiona os demais por

melhores resultados.

intimidatória e exacerbada do superior para com a reclamante. No entanto, o que fez o mesmo Regional descaracterizar o assédio foi o aspecto temporal da lesão sofrida pela trabalhadora, adstrita ao mês de novembro de 2008, quando lotada em outra agência. 151Exemplo de acórdão com mesmo entendimento: “ASSÉDIO MORAL. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO. IRRELEVÂNCIA DE QUE O CONSTRANGIMENTO NÃO TENHA PERDURADO POR LONGO LAPSO DE TEMPO. Conquanto não se trate de fenômeno recente, o assédio moral tem merecido reflexão e debate, em função dos aspectos que, no atual contexto, social e econômico, levam o trabalhador a se sujeitar a condições de trabalho degradantes, na medida em que afetam sua dignidade. (...)A humilhação, no sentido de ser ofendido, menosprezado e inferiorizado, causa dor e sofrimento, independente do tempo por que se prolongou o comportamento. A reparação do dano é forma de coibir o empregador que intimida o empregado, sem que se cogite de que ele, em indiscutível estado de sujeição, pudesse tomar providencia no curso do contrato de trabalho. Recurso provido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos provocados pelo assédio por moral”. (TRT 9 Região. Processo n. 09329-2002-004-09-00-2. Publicado em 24 de janeiro de 2006.) 152 SENNET, Richard. Op. Cit. p. 127.

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O abuso encontra-se não apenas na falta de limites ao poder dos

dirigentes, mas no acirramento da rivalidade dentro das equipes de trabalho. Isso

porque a pressão dos outros colegas sobre sua própria equipe de trabalho em prol

da produtividade toma o lugar do controle que anteriormente era realizado pela

chefia direta. As modernas técnicas da administração se afastam do aspecto

autoritário existente nas antigas formas de poder e escapam, sobretudo, da

responsabilidade de seus atos, transferidos para as exigências das equipes153.

De mais a mais, o poder dentro da relação de emprego se reproduz a

partir dos sujeitos que dele se servem, e nesse sentido, o assédio moral

descendente, praticado por superiores hierárquicos, materializa-se na forma de

condutas que visam à destruição da vítima, deixando transparecer a face nociva do

poder diretivo. E, no que diz respeito à figura da equipe de trabalho, o assédio

moral horizontal (realizado entre os próprios empregados, uns contra os outros)

completa a relação de dominação no cotidiano das organizações.

A figura do abuso no assédio moral também aparece na jurisprudência

pátria, quando o empregadorultrapassa de forma manifesta a finalidade social ou

econômica do direito exercido, seja exigindo metas inalcançáveis ou na prática de

atos como discriminar quem tira licenças, ou quem realiza atividades sindicais,

dentre outras condutas. O aumento de produtividade tem aparecido

constantemente nas decisões como exemplo de abuso do poder diretivo ao forçar

o empregado a alcançar uma produção fictícia e de difícil consecução,

possibilitando a existência de situações relativas ao assédio moral154.

153 Segundo Sennet, op. cit., p. 138: “o bom jogador da equipe não se queixa, as ficções do trabalho em equipe, pela própria superficialidade de seu conteúdo, sua fuga à resistência e ao confronto são assim úteis ao exercício da dominação.”E, se nas relações de trabalho sempre se confundiam os abusos com atitudes legítimas, devido à dificuldade de se dissociar os atos abusivos das prerrogativas de hierarquia e do elo de subordinação, com a figura da equipe, descrita por Sennet, tal tarefa restou ainda mais árdua. 154 “ASSÉDIO MORAL. MOBBING INSTITUCIONAL. A implementação de determinados procedimentos com o fim de atingir melhores resultados produtivos deve respeitar a dignidade dos trabalhadores. Recurso desprovido.” Como ressaltado por um trecho da fundamentação do acórdão: “A Reclamante entende ter sofrido assédio moral em virtude das arbitrariedades cometidas, no caso, o critério de metas e aceleração da prestação de serviços para evitar a denominada “fila de espera”, sempre com ameaças de demissão." Tal modelo de organização de trabalho é denominado pela doutrina de “mobbing institucional”, parte de uma estratégia de gestão de recursos humanos, na esteira das novas formas de organização do trabalho – medidas aplicáveis a todo o universo de trabalhadores, com vista à implementação de determinados procedimentos ou à proibição de certos comportamentos, visando-se atingir como tal melhores resultados produtivos.(...) O procedimento adotado pelo citado supervisor e a condescendência da reclamada não devem ser estimuladas.” (TRT 1 Região, Processo n. 0088500-06.2009.5.01.0024, 5 Turma, publicado em 21 de junho de 2011.)

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A Ementa abaixo traz um bom exemplo de prática de assédio moral, com

base nos abusos decorrentes das dinâmicas de grupo presentes dentro das equipes

de trabalho:

“DINÂMICA DE GRUPO. DESVIRTUAMENTO. VIOLAÇÃO AO PATRIMÔNIO MORAL DO EMPREGADO. ASSÉDIO MORAL. INDENZAÇÃO. A dinâmica grupal na área de Recursos Humanos, objetiva testar a capacidade do indivíduo, compreensão das normas do empregador e gerar a sua socialização. Entretanto, sua aplicação inconsequente produz efeitos danosos ao equilíbrio emocional do empregado. Aomanipular tanto a emoção, como o íntimo do indivíduo, adinâmica pode levá-lo a se sentir humilhado e menos capazque os demais. Impor “pagamentos” de “prendas”publicamente, tais como, “dançar a dança da boquinha dagarrafa”, àquele que não cumpre sua tarefa a tempo e modo,configura assédio moral, pois, o objetivo passa a ser o de inferiorizá-lo e torná-lo “diferente” do grupo. Por isso, golpeia a sua autoestima e fere o seu decoro e prestígio profissional. A relação de emprego cuja matriz filosófica está assentada no respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o dever de zelar pela dignidade do trabalhador. A CLT, maior fonte estatal dos direitos e deveres do empregado e empregador, impõe a obrigação de o empregador abster-se de praticar lesão à honra e boa fama do seu empregado (art. 483). Se o empregador age contrário à norma, deve responder pelo ato antijurídico que praticou, nos termos do art. quinto, X da CF/88. Recurso provido.”(TRT 17ª Região, Processo n. 01294.2002.007.17.00.9, Publicado em 23 de outubro de 2006.)

Contudo, devido aos critérios subjetivos que perfazem tais limites, não é

raro que se apresentem situações nas quais a jurisprudência se mostre indefinida

sobre até que ponto são possíveis determinadas atitudes tomadas pelo empregador

para ensejar melhores resultados. Aparecem em alguns julgados o entendimento

de que a cobrança de metas é inerente ao poder diretivo155, ou ainda, que houve

mero aborrecimento no tratamento não civilizado do superior hierárquico156.

Resta patente que a pressão exercida pelo empregador tem dividido a

interpretação jurisprudencial que ora a declara infundada, ora alega estar dentro da

155“ASSÉDIO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO. O estabelecimento de metas e a cobrança pelo seu cumprimento, dentro dos limites de respeito à dignidade do trabalhador, é pertinente ao competitivo sistema capitalista e não caracteriza, por si só, assédio moral a ensejar a respectiva compensação pecuniária’. (TRT 1 Região, Processo n. 0046400-31.2009.5.01.0058, 1 Turma, Publicado em 07 de dezembro de 2010.) 156“I - DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR. ASSÉDIO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO OFENSIVO À HONRA SUBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CARACTERIZADO. O assédio moral caracteriza-se pela violência psicológica por parte do empregador que fere a dignidade do trabalhador de maneira reiterada, denegrindo sua imagem no ambiente de trabalho e desestabilizando seu sistema emocional. Na hipótese, não restou provada a prática reiterada de ato lesivo à honra do Autor, apenas tratamento pouco civilizado por parte do representante da ré, mas dirigido genericamente a toda a coletividade de empregados o que descaracteriza o assédio moral alegado. Ademais, meros aborrecimentos perfeitamente suportados pelo homem médio não têm o condão de caracterizar dano moral”. (TRT 6 Região, Processo n. 0000659-95.2010.5.06.0121, 3 Turma, publicado em: 25 de julho de 2011)

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razoabilidade do poder diretivo, sob a justificativa de que tais práticas seriam

inerentes às relações empregatícias atuais. Devido às controvérsias presentes na

jurisprudência sobre assunto, mister se faz delimitar quais as condutas agridem a

dignidade do trabalhador, a ponto de serem protegidas juridicamente.

2.1.2.3

A agressão à dignidade da pessoa

Cabe pontuar que a agressão à dignidade vem sendo consagrada como

elemento intrínseco do assédio moral, tanto para a doutrina, quanto para a

jurisprudência trabalhista. Como ressalta Renato Muçouçah: “o assédio moral é

uma prática reiterada que atenta contra direitos e contra a dignidade da pessoa

humana. Esse é o seu conceito. O dano, seja ele físico ou psíquico, é o efeito, a

consequência da conduta assediante”157. O autor é favorável ao conceito de

assédio conforme se verifica na lei francesa158 e na definição de Marie France

Hirigoyen de conduta abusiva, que atente contra a dignidade ou integridade física

e psíquica de uma pessoa.

Interessante é o trabalho de Leonardo Rezende ao tratar da agressão à

dignidade da pessoa como elemento necessário para que se reconheça o assédio

moral159. Segundo o autor, a dificuldade reside não no reconhecimento da

dignidade como valor supremo, mas em traçar contornos que possibilitem

enxergar seu desrespeito, e, assim, buscar a instrumentalização do conceito de

assédio moral. As práticas abusivas devem ser encaradas a partir da agressão à

dignidade da pessoa humana, decorrente do desrespeito ao trabalho decente160.

Na tentativa de delimitar o conteúdo da dignidade dentro das relações de

trabalho, é importante resgatar o conceito de trabalho decente proposto pela OIT,

157 Op. Cit., p. 135. 158 Lei francesa de 17 de janeiro de 2002 que tipificou o assédio moral no artigo 1.122-49 do Código de Trabalho francês: “atitudes repetidas (...) que tem por objeto ou por efeito a degradação das condições de trabalho, suscetível de poder atentar a seus direitos e a sua dignidade, de alterar sua saúde física ou psíquica, ou de comprometer seu futuro profissional”. 159

A deterioração das relações de poder dentro do organismo empresarial: Uma análise do

assédio moral no contrato de trabalho. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, 2006. 160 Leonardo Rezende em seu trabalho parte dos conceitos de trabalho decente e honra, presentes na obra já citada de Thereza Cristina Gosdal. Para o autor, com base nas ideias defendidas pela autora, pode-se construir uma compreensão objetiva da dignidade da pessoa humana dentro das relações trabalhistas, com contornos definidos e que podem auxiliar o intérprete quando da análise das situações ensejadoras de assédio moral.

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a partir da Declaração Relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no

Trabalho de 1998, em que se defende um trabalho produtivo e adequadamente

remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade, e segurança, sem

quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as

pessoas que vivem de seu trabalho.

Pode-se inferir que o controle abusivo do empregador sobre seus

subordinados é a antítese do trabalho decente. Os poderes conferidos ao

empregador pelo contrato de trabalho dão a ele muito mais do que a capacidade de

resolver unilateralmente o contrato, pois há uma gama de faculdades punitivas que

podem ser exercidas ad hoc, como verdadeira autotutela de interesses privados. A

bilateralidade contratual é incompatível com a relação de emprego, vez que o

poder punitivo e o aspecto econômico desequilibram a isonomia jurídica que

deveria pautar todo e qualquer contrato.

Os poderes atribuídos ao empregador em face do empregado que

decorrem da livre iniciativa por ele exercida e importamna assunção dos riscos e

na apropriação do lucroque da atividade derivarem, não são absolutos. Limitam-se

por outrosprincípios e regras constitucionais e legais, como o respeito à dignidade

e a valorização do trabalho, a função social da propriedade e do contrato.A

dignidade do trabalhador preexiste ao vínculo contratual e por isso deve

prevalecer. No entanto, devido à supervalorização do patrimônio em detrimento

dos direitos fundamentais, evidencia-se a profusão de demandas e o desrespeito

aos direitos dos trabalhadores como prática comum.

Chama-se atenção para que se eviteumainterpretação da dignidade nas

relações de trabalho que seja ampla demais, incluindoqualquer descumprimento

da lei como atentatório aos direitos dos trabalhadores, o que esvaziaria o conceito

de seu conteúdo. De fato, conforme aponta Maria Celina Bodin de Moraes:“não

será qualquer situação de tristeza, sofrimento ou aborrecimento que ensejará a

reparação, mas apenas as situações graves o suficiente para afetar a dignidade

humana em seus diversos substratos materiais, quais sejam a igualdade, a

integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade social”161.

Nesse esteio, ao observar a jurisprudência sobre assédio moral, verifica-se que a

agressão à dignidade da pessoa humana aparece como fundamento para diferentes

161

Danos à pessoa humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro. Renovar, 2003, p. 189.

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situações, como, por exemplo, as medidas opressoras impostas pelas empresas por

conta das metas e os constrangimentos daí decorrentes162, onde resta evidente a

violação ao subprincípio da integridade psicofísica ao se exigirem resultados

inalcançáveis, com jornadas excessivas que ultrapassam as horas extras permitidas

por lei, além da pressão emocional sobre aqueles que não atingem as metas

impostas. Pode-se afirmar que dentro do subprincípio da integridade psicofísica é

que se enquadra a maioria das situações referentes a assédio moral, devido,

sobretudo, a tais práticas ocasionarem danos ao bem estar psicofísico e social dos

trabalhadores atingidos.

Importante acrescentar que, o assédio moral, além de propiciar danos

psíquicos, pode trazer sequelas físicas àqueles que são vítimas de fortes pressões

por parte dos superiores hierárquicos. Há exemplos de dano à integridade física na

jurisprudência trabalhista, seja na ocorrência de doenças mais simples que levam a

afastamentos temporários do trabalhador, até danos mais graves aptos a gerar

aposentadoria por invalidez, como no caso da funcionária de um Banco, que em

decorrência de um AVC (acidente vascular cerebral), teve que sair

definitivamente do emprego163.

Muito comum nos exemplos de assédio interpessoal são as

discriminações contra aqueles que não se enquadram nos padrões de lucratividade 162“DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. ASSÉDIO MORAL. Comprovada a conduta da Ré a fim de excluir o obreiro no ambiente de trabalho, ferindo a autoestima e a dignidade do empregado, tal comportamento patronal merece ser penalizado com a imposição de indenização. (...) Da análise da prova oral restou evidenciada, in casu, a prática constante de perseguição ao Autor, de forma ostensiva e contínua, perpetrado pelo seu superior hierárquico, capaz de causar dano à integridade física ou psíquica do acionante no ambiente de trabalho a configurar o assédio moral. Durante o contrato de trabalho sofreu perseguição e era constantemente humilhado perante os colegas de trabalho com insultos e ameaças, além de sofrer cobranças excessivas.” (TRT 1 Região, Processo n.0005800-56.2009.5.01.0061 -9ª Turma, publicado em 1 de junho de 2010.) 163“EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. REPARAÇÃO. 1. A lei tutela o direito de mãe e filho permanecerem juntos nas suas primeiras relações de vida sem quaisquer interferências, uma vez que garantido o afastamento da mulher empregada sem prejuízo do emprego e do salário pelo período de 120 dias (art. 392, caput da CLT). 2. Sabendo que a empregada encontrava-se em gozo de licença-maternidade, o banco reclamado jamais poderia fazer solicitação de atividades relacionadas ao trabalho, porquanto a licença de qualquer empregado deve ser preservada e jamais sofrer interferências do empregador. 3. Ao não considerar o estado gravídico/puerperal da empregada na cobrança de serviços involuntariamente inacabados, o banco reclamado assumiu os riscos do acidente vascular cerebral que vitimou a obreira, ainda que não tenha agido de forma intencional. 4. Presente, assim, o nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido na medida em que tendo o dever jurídico de não agir, ou seja, de não interferir na licença-maternidade da empregada, o banco atuou ativamente, descumprindo o dever legal que lhe impunha de não perturbar o resguardo de sua funcionária. 5. Os telefonemas realizados pelo reclamado podem não ter sido a causa única do AVC, mas constituem fator diretamente responsável por violar o estado de proteção legal em que se encontrava a empregada. Recurso do reclamado a que se dá parcial provimento”. (TRT 10 Região, Processo n. 00144-2006-010-10-00-2-RO)

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empresarial, como nos casos de pessoas em licença por motivo de doença,

mulheres grávidas164, dirigentes sindicais, idosos, readaptados, homossexuais, etc.

Pode-se mesmo dizer que esta formadeassédio tem sua base na discriminação,

pois tende a ratificar a recusa das particularidades de um determinado empregado,

e, desta forma, há a afronta ao subprincípio da igualdade, tanto no sentido formal

(direito a ter tratamento igual a todos os demais) quanto substancial (tratar as

pessoas desiguais em conformidade com sua desigualdade).

Quanto à liberdade, pode-se afirmar haver afronta a este subprincípio,

devido a tentativa de controle total nas empresas atuais, expressa pela crescente

ingerência na vida privada do trabalhador, ao pautar os comportamentos pelas

diretrizes corporativas165. Desde a tentativa de obrigar os trabalhadores a

realizarem testes de Aids166 e exames toxicológicos, até a interferência na vida

privada (ao proibir relacionamentos afetivos entre empregados ou questionar nos

exames admissionais o fato de a pessoa ser casada ou ter filhos), vê-se a afronta à

liberdade individual, na perspectiva de não se respeitar as escolhas individuais e a

privacidade dos empregados.

Dentro do tema assédio moral, o subprincípio liberdade tem sido objeto

de violações, através de atos patronais que excedem o poder diretivo que lhe é

conferido, não preservando o patrimônio moral dos empregados. São corriqueiras

164“RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL. ASSÉDIO MORAL. DISCRIMINAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER. O direito à igualdade se caracteriza pela isonomia de tratamento e a proteção à maternidade encontra sede na Constituição Política (arts. 5º, I, 6º, caput), portanto, não se permite qualquer distinção decorrente de atributos pessoais, ainda mais referente ao estado gestacional, momento em que a mulher, devido a diversas alterações físicas e emocionais, encontra-se numa condição mais sensível a fatores discriminatórios. (...) Especificamente quanto à maternidade, a legislação, de cunho eminentemente social, prevê medidas que visam proteger não só a mulher, mas também permitir que esta tenha tranquilidade para exercer suas funções maternas, o que é de suma importância para um desenvolvimento saudável da criança. Nesse contexto, verifica-se que a conduta da reclamada, ao praticar discriminação generalizada contra mulheres grávidas em seu estabelecimento, além de contrariar todas as normas protetivas do mercado feminino, está na contramão da história, por demonstrar modos de conduta empresariais arcaicos não condizentes com o que se espera hodiernamente de uma empresa séria e em consonância com as peculiaridades da sociedade moderna. Recurso patronal a que se nega provimento.” (TRT 10 Região, Processo n. 00949-2008-021-10-00-1, publicado em 29 de maio de 2009). 165 LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 140. 166Há Resolução do Conselho Federal de Medicina de n. 1359/92 que veda aos médicos que prestam serviços a empresas revelar o diagnóstico de funcionário ou candidato a emprego, inclusive ao empregador, cabendo-lhe informar exclusivamente quanto a capacidade ou não de exercer determinada função. Tanto é que os Tribunais trabalhistas vêm majoritariamente garantindo os direitos de não discriminação aos soropositivos, tendo em vista que o exame de sangue vinculado ao contrato de trabalho não pode ser realizado sem o consentimento do individuo, que tem direito, inclusive a negar-se a realizar o exame.

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as demandas contra empresas que limitam a ida ao banheiro167 e o período

máximo em que lá poderão permanecer. Tal atitude, além de ir contra a liberdade,

fere o dever de proteção à integridade física do empregado decorrente da boa fé

objetiva contratual. Mais graves são as represálias contra aqueles que apresentam

atestados médicos ou se dirigem a consultas168, cerceando o direito de ir e vir

destes empregados que temem ficar “visados” por seus gerentes ou ser

despedidos.

Para finalizar, apresenta-se a seguinte ementa, com exemplo de conduta

por parte da empregadora que afronta os vários substratos da dignidade da pessoa

humana, já descritos:

“E M E N T A: DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. Hipótese em queevidenciada a ilicitude da conduta da reclamada e suas consequências danosas à empregada, impondo-se, assim a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, conforme vindicado pela reclamante. A prova oral colhida no feito evidencia que foi obrigada a trabalhar em condição humilhante. Aponta que o tratamento recebido de seus superiores hierárquicos configura assédio moral. Alega que foi discriminada em razão de sua enfermidade, qual seja, mioma uterino. Reitera que tais atitudes ocorreram em frente aos demais empregados e clientes da reclamada. O empregador impediu-a de deixar o local de trabalho, mesmo estando com sangramento aparente. (...) Desse modo, entendo que mesmo se a reclamante tivesse desejado permanecer laborando - embora "suja" de sangue - o que, com efeito, não ocorreu, deveria a reclamada tê-la dispensado e encaminhado ao serviçomédico, máxime porque a situação representou risco à saúde da autora, doscolegas de trabalho desta e aos clientes da reclamada. Dito isto, evidencia-seque a ré, ao invés de franquear a

167“Dano Moral: Restrições de ir ao banheiro e tomar água. (...). O empregador impondo regra de no sentido de que o empregado não pode mais ir ao banheiro ou beber água e depois fazer mais os quinze minutos de lanche, determinando que tudo deve ser realizado nos quinze minutos ou dividir os quinze minutos durante o dia, extrapola o seu poder diretivo, gerando constrangimentos e ferindo o direito à intimidade e a liberdade do empregado. Constranger ou impedir o trabalhador no atendimento a suas necessidades fisiológicas básicas, bem como pressupor que irá se valer delas paradiminuir a produção é reduzi-lo a condição de mero objeto, instrumento, descaracterizando sua condição de ser humano.” (TRT 9 Região, RO 004496-2006.673.09.00.4, Relator: Des. Arion Mazurkevic, Curitiba, 17 de fevereiro de 2009.) 168No exemplo a seguir a empregada sofria perseguições por estar grávida e precisar utilizar-se dos atestados médicos a que tinha direito, conforme se extrai da fundamentação do acórdão: “(...) Em 2008, quando a supervisora dareclamante descobriu que esta estava grávida não mais a deixoutrabalhar em paz, sendo certo que sempre a pressionava a trabalhar mais rápido, pegar peso, etc. Diz a demandante que “devido à tamanha pressão e estresse no ambiente de trabalho, a reclamante veio a sofrer de mal súbito, havendo o rompimento da bolsa e perda de líquido amniótico. A preposta da reclamada (supervisora) ao invés de prestar socorro àfuncionária simplesmente a dispensou dos serviços, sendo a reclamante obrigada a ir de ônibus para o hospital e, como consequência, a perda do bebê”.Diz, mais ainda, que, “quando da segunda gravidez, a Reclamante continuou a sofrer com os abusos, e mesmo com atestado médico especificando que a Reclamante deveria ser afastada do trabalho devido ao risco de parto prematuro, a Reclamada continuava a forçá-la a trabalhar, vindo a passar mal no trabalho(contrações) ficando internada por quatro dias na Casa de Saúde e Maternidade Terezinha de Jesus”. (TRT 1 Região, 7 Turma, RO: 0000049-16.2011.5.01.0224, Des. Alexandre Teixeira de Freitas Cunha, publicado em: 14 de maio de 2012)

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saída da autora, a obstaculizou, exigindo que esta trouxesse um atestado médico.(...) Dou provimento parcial e fixo a indenização em 10 mil reais”.(TRT 4 Região, Processo n. 000384-03.2010.5.04.0122, publicado em 1 de dezembro de 2011.)

Resta claro a partir deste exemplo, a afronta aos subprincípios já

mencionados: a igualdade, pois a reclamante era discriminada por sofrer de uma

doença crônica. Além de ter sua liberdade cerceada, por não lhe permitirem a ida

ao médico, apesar do estado em que se encontrava. Mais grave ainda é que tal

conduta por parte da empregadora pôs em risco à saúde da empregada, obstruindo

sua saída, e, consequentemente, caracterizando a violação de sua integridade

psicofísica.

Por derradeiro, no que se diz respeito ao subprincípio da solidariedade

social, este será abordado no momento em que se discutir a questão da agressão à

dignidade da pessoa dos trabalhadores no assédio moral coletivo, tendo em vista

sua adequação à problemática da lesão aos direitos fundamentais do grupo de

trabalho.

2.1.2.4

A intenção em prejudicar e os alvos específicos

Outro elemento tratado pela doutrina e jurisprudência é a

intencionalidade. No geral, o fim almejado pelo assediador coincide com a

precarização das condições de trabalho ou o afastamento da vítima do seu

emprego. Para a autora Marie France Hirigoyen o assédio moral tem a má

intenção e o perfil perverso do assediador como elementos, segundo ela: “é muito

difícil a distinção entre assédio moral e más condições de trabalho, e é neste caso

que a noção de intencionalidade adquire toda sua importância”169. Ela justifica

este posicionamento afirmando que “as condições de trabalho podem ser ruins, ou

a carga de trabalho ser grande, mas quando esse tratamento se dirige àdeterminada

pessoa, tem-se a finalidade de causar prejuízo a alguém, desmerecendo seu

trabalho”.

Há autores que consideram a prática de assédio moral sempre

intencional. Esse é o posicionamento de Thereza Cristina Gosdal e Lis Soboll ao

169 Op. cit. p. 33

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verificarem que “nos casos em que correspondem ao assedio interpessoal é mais

frequente a intenção deliberada de prejudicar ou humilhar pessoas específicas. Já

no assédio organizacional, a pressão enquadra-se como meio para se atingir um

objetivo da organização”170.

Na jurisprudência trabalhista a má fé em prejudicar, em geral, interfere

na majoração da indenização devida. É muito comum perseguições visando o

afastamento do serviço, como ocorre, por exemplo, com empregados que tiveram

algum problema de saúde (em consequência de readaptação em outras funções

que se encaixem com as limitações existentes para o cargo ou no caso de

reintegração ao emprego171, após o empregado ter sofrido dispensa

equivocadamente).

Todavia, usar o critério subjetivo da má intenção como faz a autora

francesa pode gerar imprecisão, pois o assédio na conjuntura empresarial tem-se

tornado muito mais instrumento do próprio ato do que uma finalidade em

especial. Adriane Reis Araújo aponta que o assédio é um método de gestão de

mão de obra cujos objetivos estão em “sanear a organização dos trabalhadores

menos produtivos (com doença profissional) ou mais onerosos (estabilidade, mais

reivindicativos)”172.

Quanto a existência de alvos específicos da conduta assediadora,

observa-se que, no Brasil, pesquisas realizadas pela psicóloga do trabalho

Margarida Barreto apontam uma tendência semelhante à constatada por Marie F.

Hirigoyen: a de punir aquele que é diferente. O assédio, segundo Barreto, é mais

comum contra pessoas mais velhas e com melhores salários; ou contra mulheres

que sofrem lesão por esforço repetitivo; os doentes e acidentados em geral que,

com o retorno ao trabalho, são acusados de improdutivos.173. De toda forma, frisa-

se que o assédio interpessoal normalmente se dá com pessoas individualmente

170

Assédio Moral Interpessoal e Organizacional. São Paulo: Ltr, 2009, p. 30. 171“ASSÉDIO MORAL. Caracteriza o assédio moral a exposição sistemática do trabalhador a situações vexatórias como, por exemplo, a exclusão do convívio dos colegas e a redução proposital de suas atividades profissionais. A reclamante foi reintegrada no emprego em julho de 2002, por forçade decisão da MM. 25 Vara do Trabalho. (...) O assédio moral restou amplamente provado no presente caso, pelos depoimentos das testemunhas que comprovam o isolamento da empregada. Como o empregador não desejava a presença da reclamante no local de trabalho, passou a tratá-la com desprezo, alijando-a do convívio dos colegas e das atividades inerentes à sua função. Nego provimento ao recurso da reclamada.” (TRT 1 Região, Processo n. 00983-2004-040-01-00-0, publicado em: 21 de junho de 2006.) 172

Op. cit., p. 98. 173 BARRETO, Margarida. Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo, Educ, 2003, p. 107.

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consideradas, diferente do assédio coletivo a ser analisado posteriormente em que

a prática de assediar se dirige a grande parte dos trabalhadores da empresa174.

Destaca-se a rejeição a um perfil típico de agressor, pois se defende que o

assédio advém muito mais de um contexto ou de fatores externos do que da

própria personalidade de um indivíduo. Dentro do assédio interpessoal, podem-se

identificar casos de chefes que se sentem ameaçados por alguém mais competente,

ou de pessoas que devido à disputa por cargos dentro da empresa procuram minar

o trabalho de seus concorrentes. No entanto, como será demonstrado no tópico

sobre assédio moral coletivo, a causa para este problema pode ser encontrada

dentro das regras da Organização, muito mais do que no perfil do agressor175 ou

na postura do agredido176.

Após analisar o conceito e os elementos atinentes ao assédio moral,

passa-se para a caracterização desta conduta em sua prática, principalmente

através das situações mais corriqueiras na jurisprudência.

2.1.3

Os métodos mais comuns de assédio

A partir dos anos de 1980, houve os primeiros impulsos de reestruturação

produtiva e se iniciou um movimento de redução de postos de trabalho. A mescla

de informatização e desemprego estrutural foi apta a gerar um ambiente propício

para deterioração das condições de trabalho com a consequente prática do assédio

moral. O sociólogo do trabalho Ricardo Antunes aponta para uma dinâmica

diferenciada percebida, principalmente, em setores como os de telemarketing,

bancário e automotivo, marcados pelo enxugamento dos custos e terceirizações177.

174 As autoras Thereza Cristina Gosdal e Lys Soboll, procuradoras do trabalho, afirmam, a partir dos relatos dos trabalhadores e das intervenções feitas nas organizações, que o caráter coletivo do assédio é tão ou mais frequente do que o individual, por se identificar um tratamento de maus tratos perante todo o grupo de trabalho. Fato que será mais detalhado nos próximos itens. (Op. cit, p. 27) 175 A autora Marie France Hirigoyen defende a ideia de que há um perfil “perverso” do assediador denominado de assédio moral perverso, fato com o qual não concordamos, pois isso generaliza o que seria uma conduta individual, o que não retrata a maioria dos casos. Não se pode deixar de lado a origem coletiva do problema retirando a responsabilidade da empresa. 176 Como ressalta Adriane Reis (Op. cit., p. 105), o estudo de perfis das pessoas agredidas “deve ser visto com desconfiança, porque ele atrai para a própria vítima a responsabilidade pelo assédio sofrido.” 177Ricardo Antunes foi organizador da obra Riqueza e Miséria do trabalho no Brasil. São Paulo, Editora Boitempo, 2006, onde diversos pesquisadores reuniram mais de vinte artigos, como

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Não é por acaso que, ao se analisar a jurisprudência, sejam os Bancos um

dos maiores líderes nas demandas judiciais envolvendo algum tipo de assédio

moral, seja interpessoal ou organizacional. A partir de um movimento de

reorganização do sistema bancário, com privatizações e o enfraquecimento do

capital estatal, houve a substituição da força de trabalho pelo atendimento

eletrônico. É nesse contexto que a reorganização da força de trabalho nos Bancos

se pauta em excluir os não adaptados, de acordo com os princípios empresariais

da qualidade total e excelência no atendimento ao cliente. Conforme demonstrado

em fragmentos da sentença abaixo:

“ASSÉDIO MORAL: Alega o reclamante que a reclamada praticou assédio moral objetivando seu pedido de demissão, a fim de substituí-lo por um empregado com salário inferior. Diz que o banco, mesmo tendo ciência de que o reclamante estava acometido de moléstia com necessidade de tratamento, recusou os atestados médicos apresentados e o encaminhou ao INSS. Argumenta que, diante dessa pressão, retornou precariamente ao trabalho em 27/05/2010, ocasião em que foi informado de que, desde 07/05/2010, estava classificado no quadro suplementar, com atribuição de tarefas que lhe exigiam maior esforço físico, além da retirada das comissões e demais vantagens do cargo comissionado (fl. 06). O reclamante denuncia que o banco procedeu a diversos débitos indevidos de valores em sua conta corrente. Por fim, aduz que, após todas essas perseguições, não lhe restou alternativa senão solicitar o seu desligamento do banco, a fim de receber o pagamento da aposentadoria da PREVI, pois não recebia seus proventos desde maio de 2010. (...)O banco se mostrou negligente na pesquisa do prazo necessário à recuperação do reclamante. A par disso, ignorou as reclamações do trabalhador e continuou procedendo ao estorno do pagamento do salário, gerando mais débitos. A conduta do banco, portanto, configura assédio moral, porque exerceu sobre o reclamante uma violência psicológica extrema, de formasistemática e frequente, durante um tempo significativo, comprometendo seu equilíbrio emocional, resultando no seu pedido de demissão. Desse modo, vislumbro a agressão aos direitos personalíssimos do reclamante, sobretudo, o seu direito fundamental ao trabalho digno, à vida saudável, à integridade física e psíquica e ao bem estar. A conduta banqueira reputa-se ilícita e atrai a sua responsabilidade civil, nos termos dos artigos 186 e 927 do CC.” (Primeira Vara do Trabalho de Montes Claros- Minas Gerais, Processo n. 01539-2010-067-03-00-8, publicadoem: 15 de junho de 2011)

Por ser o assédio figura que necessita da frequência de atos hostis para

sua configuração, interessante é a classificação realizada por Marie France

Hirigoyen, que agrupa os métodos assediantes em quatro categorias, sendo elas:

resultado de pesquisas em diferentes áreas, como indústrias automobilísticas, bancos, indústrias têxteis e de calçados e setor de telemarketing. Considerando-se as particularidades de cada ramo produtivo, buscou-se demarcar as novas formas de controle e organização da força de trabalho e as implicações disso para o movimento sindical, analisando as estratégias de desverticalização e a preponderância das técnicas de terceirização, subcontratação e precarização da classe trabalhadora.

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“1) a deterioração proposital das condições de trabalho; 2) isolamento e recusa de

comunicação; 3) atentado contra dignidade e 4) violência verbal, física ou

sexual”178.

Para a autora, deteriorar condições de trabalho significa agir de maneira a

colocar a pessoa visada de modo a parecer incompetente, dirigindo-lhe toda

espécie de críticas e tarefas confusas como pretexto para desligá-la do emprego.

Também é comum pressionar o empregado para que não faça valer seus direitos,

ameaçando de demissão aqueles que são mais combativos. Quanto ao isolamento

e recusa de comunicação, são estes procedimentos banalizados pelo agressor no

ambiente de trabalho, onde se costuma separar a vítima do convívio com os

demais ou até mesmo proibir os colegas de a ela dirigirem a palavra.

Os atentados contra a dignidade já foram objeto de explanação em tópico

anterior, mas Marie France Hirigoyen acrescenta outras condutas que considera

como afronta à dignidade no meio ambiente de trabalho identificadas por meio de

chacotas, insinuações desqualificativas, atribuição de tarefas humilhantes,

injúrias, etc. São atitudes visíveis pelo grupo, mas a vítima é considerada culpada

por aquele tratamento. E por fim, a violência verbal, física ou sexual, que é mais

comum em ambientes onde o assédio é declarado e visível por todos. Nesse

estágio, já há ameaças de agressão, xingamentos e muitas das vezes, passa-se a

invadir a vida privada da vítima.

Na jurisprudência e doutrina tais métodos de assédio são recorrentes e

aparecem de diferentes formas, como por exemplo: minar as condições de

trabalho de determinados empregados que detêm alguma garantia de emprego, por

meio de rigor excessivo, inação forçada, provocações179. Também sofrem algum

178 Op. cit., p. 108-109. 179“EMENTA: INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL.Demonstrada a prática de atos abusivos e atentatórios à dignidade pessoal do trabalhador, por parte de seu superior hierárquico, é devida a reparação do assédio moral que a conduta abusiva deu causa (...)Na petição inicial, o autor narra que em razão de seu trabalho atuante como membro da CIPA e dirigente sindical, vem sofrendo perseguições no âmbito da empresa, as quais caracterizam assédio moral. Ocorre que, frente sua condição de delegado sindical, o autor foi retirado de sua sala - laboratório de controle de qualidade – e transferido para a linha de produção, passando a ser motivo de deboche para os demais colegas, os quais faziam menção que, devido à atuação sindical, o autor teria sido alijado do laboratório de controle de qualidade. A conduta da ré em transferir o autor de seu local de trabalho comprova as perseguições que vem realizando em relação ao autor. (...) ACORDAM os Magistrados integrantes da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário da ré.” (TRT 4 Região, processo n. 0000643-89.2010.5.04.0221, publicado em 04 de agosto de 2011.)

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tipo de perseguiçãoàqueles que reclamam contra o empregador na justiça e por

isso passam a serem preteridos, rebaixados de função, etc.

Bastante corriqueiro é forçar o empregado a trabalhar em espaço exíguo,

isolado e mal iluminado, principalmente quando se tratam de pessoas que

retornam à empresa após licença médica ou de outra natureza180. E, como

demonstra Claudio Couce de Menezes181, há violação da dignidade do empregado,

quando: “atos humilhantes antecedem sua dispensa (como ocorre em casos de ter

a pessoa sua sala trancada, gavetas esvaziadas, repreensão pública) ou quando se é

constantemente vítima de comentários maldosos de ordem sexual, racial ou social

e sistematicamente sofre agressões verbais e ameaças”182.

Desta forma, após verificar alguns dos principais métodos utilizados com

o objetivo de constranger e destruir a autoestima das vítimas, passa-se para a

necessidade de diferenciar o assédio moral das situações que dele se aproximam,

mas que com ele não se confundem.

180 Conforme demonstrado no seguinte trecho de acórdão: “No caso, discute-se a ocorrência de tratamento discriminatório e humilhanteque teria sido adotado em relação à autora quando de seu retorno do benefício previdenciário, após ter sido reabilitada. Segundo a petição inicial, a reclamante foi admitida em 05/02/2001, permanecendo afastada em alguns períodos por gozo de benefício previdenciário. Afirma que em junho/09 recebeu alta do benefício, iniciando processo de reabilitação na empresa. Alega que, após seu retorno, não mais lhe foram repassadas atividades laborais, sendo colocada em ambiente de trabalho com temperatura extremamente baixa, sem mesa e cadeira de trabalho, ocupando seu tempo com a leitura de jornal, revistas ou vendo televisão. Afirma que passou a ser alvo de piadas dos demais colegas por causa da ausência de tarefas.Como bem assinalado pela decisão de primeiro grau, os depoimentos das testemunhas ouvidas dão conta de que é procedimento usual da reclamada o não repasse de atividades para os empregados em processo de readaptação, fato este que, inclusive, foi vivenciado pela primeira testemunha da ré. Também o parecer e os documentos trazidos pelo Ministério Público do Trabalho (fls. 84/109) comprovam o assédio moral havido na relação entre a autora e a reclamadapela reclamante quando do seu retorno de gozo de benefício. Tenho, portanto, por configurado o assédio moral, do que resulta inequívoca a ocorrência do dano”. (TRT 4 Região, Processo n. 000667-65.2010.5.04.0012, acórdão publicado em 10 de novembro de 2011) 181

Assédio moral e seus efeitos jurídicos. Publicada na Revista Juris Síntese, n. 41, mai-jun de 2003. 182“EMENTA: ASSÉDIO MORAL – INDENIZAÇÃO. Restando comprovado nos autos que a conduta ilícita da Reclamada violou a dignidade da Reclamante, deve, por isso, ser reprimida, por causar sofrimento físico e psicológico, com reflexos na produção e na saúde do trabalhador. (...)A prática do assédio foi comunicada à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais e ao Ministério Público do Trabalho por meio do Sindicato dos Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância do Estado de Minas Gerais, no qual foi instaurado o Inquérito Civil n. 677/2008 e na própria sindicância realizada na segunda Reclamada foi reconhecida a existência de “excesso de rigor no tratamento com os empregados da Confederal”, evidenciando a prática de atosagressivos e humilhantes por empregados da segunda Reclamada contra a Autora e outros empregados da primeira Ré.Revelou uma das testemunhas que o assédio consistia em palavras ofensivas em local público, desmoralizando o funcionário, faltando com respeito e educação de todas as formas, sofrendo ameaças de dispensa por parte dos supervisores, sendo certo que, após a reclamação à Delegacia Regional do Trabalho, a situação mais se agravou. Dessa maneira, configurou-se, à evidência, dano moral”. (TRT 3 Região, Processo n. 0000449-2010-009-03-00-9, publicado em 17 de maio de 2011)

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79

2.1.4

Atitudes que se diferenciam do assédio moral

Em razão da grande quantidade de demandas relacionadas ao assédio, é

importante distingui-lo de outros comportamentos agressivos e formas de

violência no ambiente de trabalho, que, embora possam integrar um processo de

assédio moral, quando verificados de forma isolada, com ele não se confundem.

De início, cabe pontuar que a doutrina se mostra bastante uniforme quanto ao que

não entende ser assédio moral. Na maioria dos estudos, diferencia-se o assédio

moral do assédio sexual, do estresse, das agressões pontuais, dos conflitos e das

más condições de trabalho183.

Quanto ao assédio sexual, sua caracterização é independente e autônoma

dos requisitos presentes no assédio moral, e, embora a reiteração dos atos esteja

presente em ambas, no assédio sexual exige-se conduta específica do agressor em

obter vantagens sexuais, valendo-se do poder exercido sobre a vítima no ambiente

de trabalho.

No entanto, as figuras apresentam semelhanças, já que ambas afetam à

personalidade podendo, inclusive, a conduta de assédio moral, por ser mais ampla,

englobar uma tentativa de assédio sexual. É o que ocorre no caso de um agente

que tem frustrado seu desejo de obter vantagens sexuais em relação à determinada

pessoa e por isso, passa a persegui-la sistematicamente.

No que tange ao estresse, o assédio moral dele se distingue, pois neste

prepondera a humilhação e o constrangimento, enquanto o estresse é antes de

tudo, um estado biológico gerado por situações como o excesso de trabalho ou sua

realização em condições inadequadas. O assédio moral vai além, devido ao fato de

haver um objetivo de se afastar de determinado funcionário, o que não ocorre no

183 Corroboram deste entendimento diversos autores citados anteriormente, como Marie France Hirigoyen, Thereza Cristina Gosdal, Lys Pereira Soboll, Renato da Costa Lino Barros, Claudio Armando Couce de Menezes, Leonardo Rezende e Renato Muçouçah. Nesse sentido, o acórdão abaixo: “ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. O assédio moral deve estar claramente distinto das demais formas de sofrimento no trabalho, não obstante o seu processo de caracterização possa, em determinadas circunstâncias, perpassar pelo estresse, conflito, gestão por injúria, agressões pontuais, más condições de trabalho e imposições profissionais, as quais, no entanto, por si só, não podem, quando analisadas isoladamente, ser interpretadas como assédio moral”.(TRT 10 Região, Processo n. 00249-2007-006-10-00-3, Relator: Desembargador Bertholdo Satyro, Data de Publicação: 02/05/2008)

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estresse. Até porque o estado configurador do estresse é uma resposta não

especifica do corpo diante de qualquer demanda sobre ele, é considerado um

estado de tensão.

O conflito diferencia-se do assédio moral, porque naquele é mais comum

às pessoas se colocarem em uma relação de igualdade, apesar do confronto de

ideias. No conflito estabelece-se a oposição abertamente, o que pode ser positivo

no desenvolvimento do trabalho. Já o assédio moral, ao contrário, costuma se

construir em atitudes veladas e impede que os sujeitos de coloquem em posição de

igualdade, que expressem seu ponto de vista. Não existe simetria, pois aquele que

comanda procura submeter o outro. Pequenas agressões pontuais, desde que não

sistemáticas, também não se confundem com o assédio, pois são condutas geradas

por impulso, como agressões verbais e isoladas.

Quanto às más condições de trabalho, segundo Marie France Hirigoyen,

“manter um indivíduo em um ambiente laboral degradado, em instalações

precárias ou submetê-lo a sobrecargas de trabalho pode sugerir apenas que a

administração é mal organizada”184. Interessante é a análise da jurisprudência

sobre os casos em que se entende não restar configurado o assédio moral. Dentre

as hipóteses mais comuns nas quais se negaram os pedidos de indenização, está a

alegação de mero aborrecimento no ambiente de trabalho185, a inexistência de

provas quanto ao dano à integridade física ou psíquica ou a não comprovação de

condutas abusivas e excessivas.

Entende-se que o dano moral não decorre de qualquer dissabor

enfrentado pelo trabalhador, mas a jurisprudência se mostra vacilante pois alguns

atos graves contra os trabalhadores foram tidos como mero aborrecimento. Ter a

função rebaixada para atendente, após anos de serviço como caixa, devido a

retorno de beneficio previdenciário, também não foi visto pela jurisprudência

184 Op. Cit., p. 33. 185 “EMENTA: DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINARIO DO AUTOR. ASSÉDIO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO OFENSIVO À HONRA SUBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CARACTERIZADO. O Assédio moral caracteriza-se pela violência psicológica, por parte do empregador que fere a dignidade do trabalhador de maneira reiterada, denegrindo sua imagem no ambiente de trabalho e desestabilizando seu sistema emocional. Na hipótese, não restou provada a prática reiterada de ato lesivo à honra do autor, apenas tratamento pouco civilizado por parte do representante legal da ré, o que descaracteriza o assedio moral alegado. Ademais, meros aborrecimentos perfeitamente suportados pelo homem médio não têm condão de caracterizar dano moral.” (TRT 6 Região, Processo n. 0000659-95.2010.5.06.0121, publicado em 25 de julho de 2011)

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como ato a ensejar assédio moral, uma vez que houve o exercício regular do poder

diretivo, o qual não teve a intenção de humilhar ou desabonar a conduta do

empregado186.

O próprio TST já decidiu não reformar acórdão de regional que negou

pedido de danos morais pela restrição de uso de banheiro por parte dos

funcionários, sob o fundamento de que negar momentaneamente a ida ao banheiro

ou exigir justificação depois deexauridas as hipóteses normais de uso, não

caracteriza a ocorrência de assédio moral, mas um pequeno incômodo capaz de

ser suportado por qualquer pessoa fisiologicamente normal. Diante disso, a Turma

decidiu ter havido regular uso do poder diretivo, a fim de aperfeiçoar os

serviços.187.

No entanto, dependendo da situação fática, já foi decidido de forma

contrária, por haver assédio moral, devido à restrição à liberdadedo trabalhador

impedido de usar o banheiro, devidoàs seguintes exigências: a) era necessária uma

autorização para o uso; b) os empregados dispunham de somente sete minutos

para ir ao banheiro (se ultrapassado tal limite, poderiam sofrer punições). Com

isso, os desembargadores entenderam que “a empregadora, ao adotar um sistema

de fiscalização que engloba, inclusive, a ida e o controle temporal dos empregados

ao banheiro, ultrapassou os limites de atuação do seu poder diretivo, afrontando

normas de proteção à saúde e lhe impondo situação vexatória.”188

No que tange a cobrança de metas, o conjunto das decisões demonstra

que a falta de umcritério objetivo para sua determinação enseja a existência de

decisões controvertidas diante de situações semelhantes. A pressão

exercidamesmo que infundada ou dentro dos limites de razoabilidade tem dividido

a interpretação jurisprudencial que, ora se posiciona a favor da caracterização de

conduta lesiva do empregador189 e ora o exime de qualqueratitude danosa, sob a

186TRT 1 Região, 6 Turma, Processo: 0030500-19.2009.5.01.0022, publicado em: 29 de novembro de 2010. 1872 Turma, processo n.: TST-RR-155600-41.2007.5.18.0002, (ver data). No mesmo sentido: ° TST-RR-109700-35.2007.5.18.0002, 1 Turma, (ver data) 188(TST AIRR-137940-94.2007.5.01.0038, 6ª Turma, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, D.J. de 10/12/2010) 189“EMENTA: (...) ASSÉDIO MORAL. 1. A existência do assédio moral na relação de trabalho é uma prática que deve ser combatida. As afrontas ao direito da personalidade, sejam elas em qualquer esfera, não são toleradas no Estado Democrático de Direito. 2. Não se olvida que o empregador na área de comércio possa estimular as vendas de seus produtos ou até mesmo estipular metas a serem cumpridas pelos empregados como estímulo para as vendas. O que não se pode admitir é que essa conduta seja feita de forma desarrazoada e desproporcional, tampouco que

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justificativa de que tais práticas seriam inerentes às relações empregatícias atuais

que têm sua essência na busca pela lucratividade190.

Observam-se alguns julgados em que se tem negado o pedido de

indenização, por não restar comprovada a conduta abusiva dos superiores

hierárquicos quanto à cobrança por produtividade191. Isso se explica pelo fato da

prova testemunhal confirmar que existiam cobranças, mas que delas não

decorriam humilhação ou ameaça de dispensa pelo não cumprimento das metas.

Ou porque os depoimentos demonstram que as cobranças eram destinadas a todo

o grupo, não havendo ataques, ofensas dirigidas a um reclamante apenas.

2.2

O Assédio Moral Coletivo

Conforme tratado anteriormente, identificou-se o que seria o assédio

moral individualmente considerado, seus elementos caracterizadores e atitudes

mais comuns. Parte-se agora para o estudo do que seria este fenômeno em seu

viés coletivo, dentro de um contexto onde as empresas buscam pelo máximo

engajamento da força de trabalho, mesmo que para isso sejam banalizadas as

se realize por meio de ofensas verbais à pessoa do trabalhador. (TRT 10 Região, 2 Turma, Processo n. 01150-2010.103-10-00-3, publicado em: 10 de junho de 2011). Neste sentido, também o julgado: ASSÉDIO MORAL. A condição jurídica de condutor da prestação pessoal de serviços permite ao empregador realizar cobrança da produtividade esperada, o que, obviamente, não autoriza seus prepostos a olvidarem regras elementares de civilidade e polidez que devem prevalecer em qualquer local de trabalho. Se a abordagem patronal ocorria de modo pessoal e ofensivo, com evidência de que a conduta do empregador excedia os limites do poder diretivo com frequência, fica caracterizado o assédio moral contra a pessoa do empregado. Sentença reformada em parte apenas para reduzir o valor da indenização por dano moral(TRT 1 Região, Processo n. 0156000-77.2005.5.01.0041, publicado em: 25 de maio de 2011 190“ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. O assédio moral consiste no exercício abusivo do poder diretivo, onde a dignidade do empregado é violentada pela existência de verdadeiraperseguição. Se da prova dos autos ressai que havia cobrança geral de metas de todos os gerentes gerais, sem que tenha havido, contudo, direcionamento ou perseguição do reclamante, de modo a atentar contra a dignidade da pessoa humana, não há que se falar em assédio moral. Tal procedimento faz parte da realidade dos tempos modernos, em que, cada vez mais, se busca o lucro”. (Processo: 01691-2005-107-03-00-8, Data da Publicação: 12/05/2006, Órgão Julgador: Primeira Turma, Juiz Relator: Juiz Manuel CandidoRodrigues.) 191 “DANO MORAL DECORRENTE DE ASSÉDIO MORAL. NÃO RECONHECIMENTO. O assédiomoral é espécie do gênerodano moral e se configurapela atitude abusiva doempregador, que exerce opoder diretivo de formaexcessiva, causando aosempregados humilhações etranstornos psicológicos. Étambém chamado de“psicoterrorismo”. A nãodemonstração da prática deatos repetidos de violênciamoral, de tortura psíquica,e de intenção de degradar ascondições de trabalho doempregado acarreta o nãoreconhecimento de alegadoassédio moral e consequente pleito de indenização”. (TRT 1 Região, Processo n. 0193800-63.2005.5.01.0034, publicado em 26 de janeiro de 2011).

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práticas de humilhação. A precarizaçãoconstitui-se em estratégia organizacional

cujo objetivo éincrementar as formas decontrole por intermédio de duas novas

técnicas de organização do trabalho:a qualidade total e a avaliação individual de

desempenho192.

No presente estudo, procurou-se utilizar a doutrina trabalhista a respeito

da temática do assédio coletivo no que tange a sua definição, características

principais e diferenciação quanto ao assédio interpessoal. Privilegia-se a

abordagem coletiva das relações de trabalho voltada às causas do problema, uma

vez que, o exercício intenso do controle disciplinar somada a maior

responsabilização do trabalhador, inclusive, sobre a qualidade do produto

produzido e na polivalência de suas funções acaba por transformar todo integrante

da organização em potencial agressor e agredido.

Foi realizada uma pesquisa da jurisprudência trabalhista sobre o assunto

por meio de acórdãos de diferentes Tribunais Regionais do Trabalho, devido ao

fato de ser o tema recente, não havendo delimitação da pesquisa a um só Tribunal.

De acordo com o que foi analisado, pode-se afirmar que o assédio moral coletivo

é considerado pela jurisprudência como o gênero e o assédio organizacional

decorre daquele como sua principal espécie193. Nos termos do presente trabalho,

192Segundo Wilson Ramos Filho (op. cit): “muda-se, portanto, a própria forma de ser da subordinação, que passa a contar cada vez mais com o self-managementde cada operário. Para tanto, fixam-se metas individuais e coletivas a serem atingidas em cada unidade organizacional, sempre de modo competitivo, cobrando dos demais o cumprimento de objetivos e padrões de qualidade, todos vinculados à satisfação dos acionistas e dos clientes” (p.17) 193 Essa constatação foi obtida após a análise dos acórdãos referentes a ações civis públicas em que o tema era o assédio moral coletivo. Chegou-se a conclusão de que a maioria dos casos diz respeito à lesão ao grupo de trabalhadores como ferramenta de gestão da empresa, ou seja, há práticas constrangedoras e de ameaça de demissão contra quem se recusasse a acatar a política empresarial de produtividade a qualquer custo ou contra aqueles que não conseguiam atingir os objetivos impostos pela organização. Também foram encontrados, mas em número ínfimo, acórdãos em que houve assédio moral coletivo contra o grupo de empregados por fundamentos diferentes da imposição de metas, como se observa na decisão abaixo transcrita:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITOS COLETIVOS E DIFUSOS – ASSÉDIO MORAL E DESVIRTUAMENTO DE PROGRAMA SOCIAL PARA FINS ELEITOREIROS – TRABALHO DE MENORES, ADOLESCENTES E APRENDIZES - SUBSISTE INTERESSE PROCESSUAL EM RELAÇÃO AO PLEITO DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE NÃOFAZER - CONDENAÇÃO EM DANO MORAL COLETIVO ARBITRADO EM R$ 1.000.000,00 (UM MILHÃO DE REAIS) – SENTENÇA QUE SE REFORMA. (...) Os referidos documentos confirmam o desvirtuamento do programa social, cujo objeto seria a inclusão social de jovens e seu afastamento de atividades criminosas. No curso do inquérito civil público instaurado no âmbito dos MPE e MPT, foi identificada fraude e atos de improbidade administrativa, sendo apurado que o réu, instituiu Programa Social, intitulado de “Jovens pela Paz”, no qual monitores e supervisores passaram a praticar atos de assédio moral, com constantes ameaças de desligamento dos jovens que se recusassem: a filiar à Juventude do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB; participar e contribuir financeiramente para as reuniões políticas do referido partido; participar das campanhas políticas em favor dos candidatos do partido; trabalhar em zonas

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essa diferenciação não tem importância, sendo ambos os conceitos tratados como

sinônimos devido a sua semelhança.

Conforme o acórdão exposto na nota abaixo, tem-se assédio moral

coletivo por violar direitos fundamentais do grupo de jovens pertencentes ao

Programa Jovens pela paz. No entanto, o fundamento para o dano não adveio de

uma estratégia empresarial, como ocorre no assédio organizacional, mas sim da

violação à liberdade política do grupo caso se recusassem a cumprir as exigências

do Partido que controlava o programa social em questão. Vê-se que neste exemplo

o conceito de assédio coletivo por não se referir à gestão empresarial é mais

amplo do que o conceito de assédio organizacional.

No tópico seguinte, serão abordados os primeiros estudos sobre o assédio

em sua vertente coletiva e as definições existentes sobre o assunto.

2.2.1

Nomenclatura e definição

A maior parte da literatura nacional e estrangeira sobre o assédio moral

diz respeito à conduta individual de um agressor perante uma vítima por ele

escolhida. Mas, em 2003, pesquisadores europeus publicaram uma revisão da

bibliografia existente sobre mobbing ou bullying no ambiente de trabalho. Neste

estudo, os autores fazem uma distinção entre assédio moral propriamente dito ou

o que se denomina de bullying interpessoal do assédio ou bullying organizacional.

O assédio interpessoal distingue-se de outra situação na quais administradores

executam procedimentos organizacionais que podem gerar abusos ou exploração

dos empregados. Portanto, bullying nesses casos, não se refere estritamente a

interações interpessoais, mas antes a interações indiretas entre os indivíduos e a

administração194.

Em 2005, Einarsen chama de bullying institucionalizado“o assédio moral

perpetrado pelos chefes ou supervisores de uma empresa ou instituição que adota

Eleitorais nos períodos de eleição, entregar, em algumas hipóteses, seus cartões bancários pessoais, destinados ao recebimento das bolsas, a determinados monitores do Programa; sobretudo no período compreendido entre fevereiro e novembro de 2004 e especificamente no Município de Nova Iguaçu.” (TRT 1 Região, Processo n. 0012900-66.2006.5.01.0223, Relator: Alexandre Agra Belmonte, publicado em: 06 de junho de 2011). 194EINARSEN, S.; HOEL, H.; ZAPF, D.; COOPER, C. L. The concept of bullying at work- The

europeian tradition. In: Bullying and emotional abuse in the workplace-international perspectives in the research and practice. London: Taylor & Francis, 2003. p. 3-30.

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uma política agressiva e destrutiva de forma recorrente”195. No mesmo ano, o

sociólogo francês Vincent de Gaulejac196 apresenta um artigo em que chama a

atenção para pressão generalizada no mundo do trabalho decorrente de modos de

administração que favorecem o assédio. Para o autor, o assédio deve ser visto

mais como violência do que como patologia, já que o sofrimento psíquico e os

problemas relacionais seriam efeitos destas formas de gestão.

No Brasil, pioneira no trato do assédio moral organizacional é a

dissertação de mestrado da Procuradora do Ministério Público do Trabalho,

Adriane Reis de Araújo197, que identificou práticas difusas de assédio moral no

ambiente de trabalho, voltadas para coletividade produtiva e incorporadas ao

método de gestão empresarial. Segundo a autora, o assédio moral organizacional

é:

“o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática, durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas, com o objetivo de obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos ou psíquicos”198.

Para chegar a esse conceito, a autora fez uma revisão das pesquisas

anteriormente realizadas sobre o assédio moral interpessoal, diferenciando-o do

assédio organizacional. A partir deste estudo, outras obras surgiram sobre o tema,

e em 2009 as autoras Thereza Cristina Gosdal e Lys Pereira Soboll organizaram

um livro199 que resultou da reunião de alguns artigos, com a proposta de um

estudo multidisciplinar sobre o assédio moral. As autoras diferenciam o assédio

moral interpessoal do assédio organizacional, ao apontar que naquele há a

195EINARSEN, Stale. Dealing with bullying at work: the Norwegian lesson.Disponível em: http://worktrauma.org/research/Research%203.htm. Acesso em: 12 de maio de 2012. 196 Artigo traduzido pela professora da Universidade Federal de Uberlândia, Jacy Alves de Seixas e que faz parte da obra: Assédio Moral – desafios políticos, considerações sociais e incertezas

jurídicas. Uberlandia: Edufu, 2006. Nele o autor defende a seguinte tese: “A noção de assédio moral tende a focalizar o problema sobre o comportamento das pessoas, em vez de focar os processos que os geram. Quando o assédio, o stress, a depressão, ou mais genericamente, o sofrimento psíquico se desenvolve , é a gestão mesma da empresa que deve ser questionada. Na maioria dos casos, o assédio não é obra de uma pessoa em particular, mas de uma situação de conjunto”. Gaulejac apresentou este artigo originariamente no livro: La Société malade de la

gestion. Paris, Seuil, 2005. 197 Op. cit. 198Ibid., p. 107. 199

Assédio moral Interpessoal e Organizacional: Um enfoque interdisciplinar. São Paulo: LTr, 2009. Nesta obra, as autoras citadas acima foram as organizadoras do livro que conta com vários artigos de diferentes profissionais relacionados ao ambiente de trabalho, tais como: juízes do trabalho, procuradores, psicólogos e médicos do trabalho.

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intenção em prejudicar ou excluir determinada pessoa, seja através da

discriminação ou da perseguição pessoal.

Já o assédio organizacional se caracterizaria por um conjunto sistemático

de práticas reiteradas, inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por meio de

pressões e constrangimentos, para que sejam alcançados objetivos empresariais

relativos ao controle do trabalhador (aqui incluído o corpo, o comportamento e o

tempo de trabalho), ou ao custo do trabalho, ou ao aumento de produtividade e

resultados, ou à exclusão de indivíduos ou grupo de trabalho200. A finalidade de

distinguir as figuras de assédio em interpessoal e organizacional está em se dar à

devida dimensão coletiva ao assédio inserido nas estratégias de gestão

empresariais, ao estimular a competição entre as equipes de trabalho em prol de

atingir melhores resultados.

Mais recentemente, o conceito de assédio moral coletivo aparece atrelado

ao uso abusivo do poder diretivo do empregadorcom fins de aumentar sua

lucratividade, sem qualquer preocupação com os direitos elementares dos

subordinados. A definição de assédio coletivo na visão do advogado e pesquisador

Renato Mouçouçah é:

“a da prática dos empregadores, que se utilizando abusivamente do seu direito subjetivo de organizar, regulamentar, fiscalizar a produção e punir os empregados, usa esses direitos de forma reiterada e sistemática, como política gerencial, atentando contra os direitos humanos fundamentais dos empregados em todas as dimensões, geralmente para o incremento de sua produção”201.

Na jurisprudência dos tribunais regionais do trabalho o tema assédio

moral organizacional vem ganhando espaço e geralmente está associado a técnicas

gerenciais em que se objetiva o lucro, a partir de ameaças constantes para que se

atinjam metas elevadas, em afronta à valorização do trabalho humano (art.170,

CF). Conforme acórdão selecionado:

“ADMINISTRAÇÃO POR ESTRESSE - DANO MORAL. A adoção de estratégias empresariais agressivas, baseadas no cumprimento de metas elevadas, aliadas a imposição de jornadas exaustivas, sob a constante ameaça da perda do emprego, com a submissão dos trabalhadores a intensa pressão

200EBERLE, A.; GOSDAL, T.; SCHATZMAM, M.; SOBOLL, L. Assédio Moral Organizacional:

esclarecimentos conceituais e repercussões. In: Op. cit, p. 37. 201

Assédio moral coletivo nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2011, p. 187. Para o autor, incorre em abuso de direito, o empregador ou seus prepostos, em determinadas situações, sobretudo, quando ultrapassar de forma manifesta a finalidade social ou econômica do direito exercido.

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psicológica, vem sendo classificada pela doutrina como "administração por estresse" ou assédio organizacional, técnica gerencial voltada exclusivamente à obtençãodo lucro, em prejuízo da dignidade humana dos empregados, representando uma espécie de assédio moral coletivo, por afetar, indistintamente, um grupo de empregados, expondo-os a um meio-ambiente de trabalho degradado pelas constantes humilhações praticadas pelos superiores hierárquicos. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, acordam os desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria, dar-lheprovimento parcial, nos termos deste voto.” (Processo n. 00880-2008-015-16-00-1, Relator: José Evandro de Souza, data de publicação: 12/03/2010)

Outros exemplos aparecem principalmente em ações em que se têm

como reclamadas empresas de vendas ou Bancos, dentre outros, onde há

imposição de metas inalcançáveis. Nestes casos, têm-se diferenciado o assédio

moral organizacional ou administração por estresse, do assédio moral clássico

(interpessoal) por caracterizar prática generalizada da empresa, ofensiva aos

direitos fundamentais dos empregados como um todo, visando incrementar os

lucros. Se a empresa impõe ou, da mesma forma, se é conivente com o

estabelecimento de prendas vexatórias aos empregados que produzem menos, está

caracterizado o assédio moral organizacional202.

Após a análise da doutrina e jurisprudência a respeito do conceito de

assédio moral organizacional ou coletivo, passa-se ao estudo de seus principais

elementos e sua diferenciação com o assédio moral interpessoal.

202Neste sentido: “EMENTA. ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. TROFÉUS LANTERNA E TARTARUGA. O pseudo procedimento de incentivo de vendas adotado pela empresa, consistente em atribuir troféus lanterna e tartaruga aos vendedores e coordenadores de vendas com menores desempenhos na semana, trouxe-lhes desequilíbrio emocional incontestável, independentemente de quem efetivamente os recebiam, visto que na semana seguinte qualquer um deles poderia ser o próximo agraciado com este abuso patronal, que ocorreu de forma generalizada e reiterada. Ficou evidente que o clima organizacional era de constante pressão, com abuso do poder diretivo na condução do processo de vendas. Não há outra conclusão a se chegar senão a de que todos que ali trabalhavam estavam expostos às agressões emocionais, com possibilidades de serem o próximo alvo de chacota. Nesse contexto, o tratamento humilhante direcionado ao Autor e existente no seu ambiente de trabalho mostra-se suficiente para caracterizar o fenômeno do assédio moral organizacional, máxime quando presente prova de que a conduta desrespeitosa se perpetrou no tempo, de forma repetitiva e sistemática. Configurado o assédio moral e a culpa patronal, é devida a indenização pretendida pelo Reclamante. (TRT da 23 Região, Processo n. 00795.2010.002.23.00-3, Relator: Tarcísio Valente, data de publicação: 09/09/2011). Apenas para citar alguns acórdãos com o tema do assédio organizacional: (00354-2010-003-16-00-6, publicado em 15/02/2012; 00772-2008-016-16-00-5, publicado em: 26/04/11; 146200-20.2007.5.24.7, publicação: 25/03/2010; 19700-2008-29-9-0-6, publicado em: 27/08/2010).

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2.2.2

As características principais do assédio moral coletivo –

Comparação com as características enunciadas no assédio moral

individual

Inicialmente, pode-se dizer que a principal característica do assédio

moral coletivo sob a forma organizacional é a sua configuração como método de

gestão empresarial. Não basta que as empresas fiquem mais enxutas com a

redução de encargos trabalhistas ou terceirizações, pois se faz necessário que o

operário seja qualificado e tenha o seu caráter vinculado ao perfil da empresa. De

modo que, os empregados com menos condições de competir serão afastados de

imediato ou se tornarão futuras vítimas de assédio pela falta de características

impostas pela administração203. Conforme algumas jurisprudências citadas no

tópico anterior, identifica-se o assédio organizacional com um tipo de

“administração por estresse” ou com técnicas gerenciais voltadas exclusivamente

à obtenção de lucro.

Para que se possa chegar a outras características do assédio

organizacional, necessário é retomar os elementos identificados no assédio moral

clássico e adaptá-los para o viés coletivo das relações de trabalho. No que

concerne à habitualidade e sistematização da conduta, esta também se faz presente

no assédio coletivo, já que não basta uma atitude, mas sim um conjunto de

práticas reiteradas contra o grupo ou contra todos os empregados de um

estabelecimento. Não é preciso que haja lapso temporal mínimo para que se tenha

este tipo de assédio, no entanto, deve haver ataques regulares às vítimas.

Quanto à conduta abusiva, pode-se afirmar que este elemento trata-se de

unanimidade para os autores que cuidam do tema. No caso coletivo, os abusos são

envoltos em um discurso organizacional capaz de justificar as práticas como úteis

em nome da sobrevivência da empresa, naturalizando-se a violência. Como

evidenciam Thereza Cristina Gosdal e Lys Soboll, “o assédio organizacional

caracteriza-se na gestão abusiva pelo empregador detentor do poder diretivo, que

203 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Assédio Moral Organizacional. Revista LTr, vol 76, n. 8, agosto de 2012, p. 2.

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lhe é juridicamente reconhecido, para uma finalidade não tutelada pelo

Direito”.204

Renato Muçouçah classifica como abuso de direito nas relações de

trabalho “qualquer ato do empregador ou seus prepostos que na realização do seu

poder diretivo ofenda os direitos fundamentais dos empregados”.205 No assédio

organizacional fica mais evidente a prática de abusos ou desvios no exercício de

poderes conferidos aos empregadores que visam atingir a todos os aspectos da

personalidade dos trabalhadores.

No que se refere ao requisito da má intenção ou finalidade da conduta,

observou-se que no assédio interpessoal até pode haver a intenção em prejudicar

determinada pessoa, seja deteriorando as condições de trabalho ou incentivando o

afastamento da vítima do emprego. Já no assédio moral organizacional, a empresa

estimula as práticas assediantes no interesse de alcançar elevados índices de

produção, controlar os trabalhadores e os custos, independentemente do objetivo

de atingir alguém em específico, já que tais atitudes representam a escolha da

empresa como estratégia de administração.

Segundo Adriane Reis de Araújo, o assédio moral coletivo é um método

de homogeneização de comportamento, ou seja, de controle da subjetividade dos

trabalhadores, visto que, em sua maioria, as pessoas assediadas são consideradas

fora do padrão almejado pela empresa. “A padronização do comportamento do

grupo de trabalho, obtida pela sanção imputada aos “diferentes”, se irradia em

diversos níveis da organização por intermédio do exemplo, saneando o espaço

empresarial”206.

O objetivo imediato é reforçar os espaços de controle, aumentar a

produtividade e excluir trabalhadores que a empresa não deseja manter em seus

quadros. Geralmente, as metas se direcionam para todo o grupo, através do

estímulo à competitividade e a finalidade de exclusão dirige-se àqueles a quem a

empresa deseja despedir, seja por não querer arcar com os custos de uma dispensa

204 Op. cit. p. 41. 205 Op. cit. p. 188. Segundo o autor, constitui-se o assédio moral coletivo quando o poder diretivo é a mola mestra que impulsiona a produção, com base no desrespeito dos direitos dos seus empregados. 206 ARAÚJO, Adriane Reis de. Op. cit. p. 95-96. A autora afirma, inclusive, que “o assédio moral organizacional, por ter a função de “sanear” o espaço empresarial, com evidente pretensão de servir de exemplo para os demais, assume a feição própria de sanção normalizadora. Esta atua de modo permanente na organização, sendo um importante instrumento de poder ao acuar os trabalhadores, que com medo do desemprego se tornam mais dóceis e menos reivindicativos”.

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sem justa causa ou por se tratar de pessoas menos produtivas ou mais

dispendiosas (como é o caso das gestantes, das pessoas que sofreram doenças ou

acidentes de trabalho, etc.).

Consequentemente, no assédio organizacional, por se ter uma prática

difusa edirigida aos empregados dos mais diferentes níveis, não se pode falar em

alvo específico e muito menos em haver um perfil psicológico do agressor ou do

agredido. Com a pulverização do exercício do poder nas empresas, o grupo é

levado à posição de empreendedor e os próprios colaboradores, colocados diante

de membros da equipe que sejam improdutivos, assumem condutas abusivas com

o fim de pressioná-los a atingir o nível de qualidade exigido. Isso demonstra que a

causa do assédio encontra-se nas regras da administração e não no perfil do

agressor ou em sua posição hierárquica.

Devido o assédio afetar indistintamente a todos, não há que se falar em

perfil do agredido. A organização fixa objetivos prévios e adota estratégias

voltadas a garantir maior competitividade no mercado, reduzindo seus custos e

procurando atingir aqueles que atrapalham essa finalidade. Portanto, refutam-se

alvos prévios do assédio, até porque essa vertente psicológica das vítimas traz

para elas a responsabilidade pelo assédio sofrido. De modo que, se segue na

discussão do tema, relacionando-se a afronta à dignidade dos trabalhadores com a

falta de solidariedade presente nas práticas de gestão.

2.2.2.1

A agressão ao princípio da solidariedade social no assédio moral

coletivo

No que diz respeito à agressão à dignidade da pessoa humana, observa-se

que, no assédio moral coletivo tal violação é ainda mais evidente que no assédio

clássico, pois além de atingir um número maior de pessoas, relaciona-se a

métodos de cobrança excessiva impostas com intuito de alcançar melhores

resultados. Portanto, é mais difícil haver condutas veladas, sendo os abusos

corriqueiros e de conhecimento de todo o grupo de trabalho.

Se de um lado, as empresas buscam o máximo de engajamento do grupo

para que se cumpram as metas impostas, de outro, cristaliza-se o individualismo e

a consequente corrosão dos caráteres e dos valores morais. Segundo Richard

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Sennet, “o sistema irradia indiferença e falta de confiança, onde não há motivo

para ser necessário,e com a reengenharia das instituições as pessoas são tratadas

como descartáveis. Essas práticas reduzem o senso de que contamos como pessoa,

de que somos necessários aos outros”207.

A principal forma de controle dos resultados dentro da empresa tem sido

fiscalizar a produtividade, tanto a individual, quanto a do grupo, para torná-la

pública. A sociabilidade que deveria existir sucumbe diante da acirrada

competição que se instaura, já que cada empregado pode ser responsabilizado pelo

fracasso do grupo. O assédio empresarial, ao submeter os empregados aos

objetivos de maximização dos lucros, vai contra a perspectiva solidarista presente

nos artigos terceiro, incisos I (estabelece como um de seus fins a construção de

uma sociedade livre, justa e solidária) e inciso III (erradicação da pobreza, da

marginalização social e redução das desigualdades sociais e regionais), da

Constituição Federal.

Um dos principais aspectos relacionados ao individualismo exacerbado

dentro das empresas está na desintegração da comunidade de trabalho. O medo do

desemprego enfraqueceu a combatividade dos trabalhadores e a procura por se

sindicalizarem. A reestruturação produtiva a partir da década de 1970, com a

transferência do emprego para o setor de serviços e para pequenas e médias

empresas, colocou os assalariados em estruturas menos sindicalizadas. Além do

que, o desenvolvimento do sistema remuneratório por recompensas pode ser

considerado decisivo na desunião do grupo operário208.

O desrespeito ao principio da solidariedade dentro das organizações pode

ser constatado no valor secundário atribuído ao grupo, tendo em vista que as

premiações pelo desempenho se dirigem apenas a alguns trabalhadores que

atingem as metas estabelecidas. Atitudes individualistas se originam da

competitividade que reduz as relações sociais ao gerar uma série de atritos entre

207 Op. cit. p. 174. 208Neste ponto, vale mencionar uma breve passagem sobre o assunto dessindicalização na obra já citada de Luc Boltanski e Eve Chiapello, onde os autores constatam: “o desenvolvimento das remunerações extras com base na consecução de objetivos, sejam individuais ou do grupo, teve como consequência aumentar o espírito de competição entre grupos e assalariados, bem como o envolvimento no trabalho, reduzindo as possibilidades de unir-se ou opor-se.”p. 298. Os autores também chamam atenção para o fato de que:“a consciência de classe se enfraqueceu, por conta da individualização das condições de emprego e da recomposição das situações de trabalho: trata-se de passar de modos de gestão coletivos, centrados em estatutos a modos de gestão individuais, centrados na gestão de competências.”p. 327

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chefes e subordinados e entre os próprios empregados. A uniformidade que se

busca com a imposição de metas sem critérios de razoabilidade ocasiona a

intolerância com a diferença, com aquele que se distancia do padrão almejado pela

empresa. Conforme se pode observar na ementa abaixo, onde empregados eram

obrigados a participar de competição de paintball com o fim de despertar no

grupo a competitividade:

“Assédio moral organizacional. Caracterização. Possibilidade de ressarcimento de dano causado aos empregados. O assédio moral organizacional caracteriza-se pelo emprego de “condutas abusivas, de qualquer natureza, exercidas de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação, constrangimento das vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos”, os quais podem ser objeto de reparação em virtude da responsabilidade social atribuída às empresas, a partir da função social ostentada no artigo 170 da Constituição. A desumanização das relações de trabalho está impregnada dos valores organizacionais brasileiros. Estratégias de venda. Participação do empregado em competição de paint ball e uso de bótons coloridospara identificar o atingimento de metas estabelecidas. Limites ao poder diretivo do empregador.

Ausência de possibilidade de recusa. Dano moral caracterizado. As modernas estratégias de vendas adotadas pelas empresas com a finalidade de identificar as reações das pessoas diante de imprevistos não podem deixar de lado as individualidades de cada um, e, até mesmo as fobias que podem decorrer da participação compulsória capaz de produzir lesões psíquicas de natureza grave” (...)209

Dessa forma, apesar de o empregador ter o direito de estabelecer

estratégias em prol do lucro, seu poder diretivo não é absoluto, ao contrário, é um

poder-dever, já que é de sua responsabilidade absorver os riscos inerentes ao

negócio e zelar pela integridade física e psíquica do trabalhador. O direito de gerir

a empresa não dá margem a afrontar a dignidade da pessoa humana. A

solidariedade social constitui mais do que um limite ético, impondo ao

empregador o dever de considerar o empregado nas suas qualidades de pessoa

dotada de necessidades, objetivos, valores, entre outros atributos e não como

mercadoria ou mero elemento de produção210.

209 TRT da 5 Região, Processo n. 00730-2007.463.05.00.3, Relator Des. Claudio Brandão, 2 Turma, publicado em 07 de dezembro de 2009. 210 Segundo Tchilla Helena Candido:“ficou relegado a um segundo plano o caráter humano. Sem maiores óbices, construiu-se uma postura de exigências excessivas, por parte daquele que detém o poder e o capital, instalando-se uma permissividade de desmandos imoderados. Logo, o assédio moral rompeu as barreiras da moralidade em vista das condições de mercado de trabalho, onde manda quem pode e obedece quem necessita.” (Assédio moral: Acidente laboral. São Paulo, LTr, 2011, p. 33).

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Faz-se necessário trazer para as relações de emprego a primazia das

situações existenciais sobre as patrimoniais, conforme preconizado pela CF de

1988. Assim como o poder estatal tem seus limites na ordem jurídica, também o

tem a autonomia da vontade dos particulares frente ao princípio constitucional da

solidariedade social. De modo que, à autonomia contratual se impõem o concreto

equilíbrio entre as partes e a exigência de atuação conforme a função social do

contrato. Assim ressalta Maria Celina Bodin de Moraes: “alterou-se o próprio

conceito de direito subjetivo, pois, evidentemente, permanecem espaços abertos

de liberdade, mas esta liberdade (autonomia) é consentida e já não serve mais a

definir o sistema de direito privado”211.

Importa observar que as relações privadas também devem ser protegidas

pela eficácia direta dos direitos fundamentais. A constitucionalização do direito

privado foi escolha doconstituinte que disciplinou vários institutos como família,

contrato, propriedade, etc. Conforme destaca DanielSarmento,“a eficácia dos

direitos fundamentais nas relações trabalhistas é direta pela desigualdade entre os

sujeitos da relação”212.Torna-se imperiosa a valorização e a efetiva tutela da boa

fé objetiva contratual para que se respeite a solidariedade social, como princípio

presente no ordenamento constitucional, dotado de força normativa e capaz de

assegurar o respeito devido a cada um dos contratantes.

Nesse sentido, destaca-se o Enunciado 39 do TST, onde se estipula:“o

dever do empregador e do tomador de serviços de zelar por um ambiente de

trabalho saudável,inclusive do ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas

aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional a seus trabalhadores,

passíveis de indenização”. De fato, as metas podem ser utilizadas pelas empresas,

desde que representem um efetivo incentivo e não firam os bens jurídicos mais

caros ao trabalhador.213 Deve-se coibir o estímulo à produção a todo custo, em

que as pessoas são instigadas a defender somente o emprego e a premiação em

211

Constituição e Direito Civil: Tendências. In: Revista dos Tribunais, vol. 779, p. 51-52. 212 SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 261. 213 “Recurso da 1ª Reclamada - CONTAX S/A ASSÉDIO MORAL. MOBBING INSTITUCIONAL. Aimplementação de determinados procedimentos com ofim de atingir melhores resultados produtivos deverespeitar a dignidade dos trabalhadores. Recurso desprovido. Tal modelo de organização de trabalho é denominado pela doutrina de “mobbing institucional” e parte de uma estratégia de gestão de recursos humanos, na esteira das novas formas de organização – medidas aplicáveis a todo o universo de trabalhadores, com vista à implementação de determinados procedimentos ou à proibição de certos comportamentos, visando-se atingir melhores resultados produtivos”. (TRT 1 Região, Processo n. 0088500-06.2009.5.01.0024, Relator: Bruno Losada Albuquerque Lopes, publicado em 28 de junho de 2011)

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detrimento dos demais colegas de trabalho que passam a ser vistos como

inimigos, já que nas empresas impera um clima de suspeitas recíprocas entre os

trabalhadores.

Após apontar as principais características que compõem o conceito de

assédio moral organizacional e em que ponto há violação à dignidade dos

trabalhadores pelo desrespeito à solidariedade social, segue-se para a análise

jurisprudencial sobre o tema.

2.2.3

A jurisprudência trabalhista sobre a temática

Embora haja previsão de proteção ao meio ambiente do trabalho e à

saúde do trabalhador214, tal fato não afasta as demandas de danos morais

relacionadas ao viés organizacional. Por meio do assédio, os danos são causados

pelo ambiente apto a desenvolver doenças psíquicas pelo incremento dos níveis de

ansiedade, em consequência dos modos de gestão utilizados215. Conforme

salientado no tópico anterior, o assédio organizacional independe de intenção

deliberada do agente, uma vez que é usado como estratégia ou característica

empresarial. A finalidade não é perseguir determinado empregado e sim manter

índices de produtividade a partir do envolvimento de todos os trabalhadores.

O maior diferencial quanto ao assédio interpessoal é que pela prática ser

difusa e percorrer toda empresa, tem-se extrapolada a esfera de interesse

individual e se permite a tutela coletiva com a participação do Ministério Público

do Trabalho. Devido ao potencial lesivo atingir a coletividade de empregados, é

cabível não somente a pretensão do dano moral coletivo, como também tutelas

específicas de obrigação de fazer e não fazer e multas administrativas em face dos

causadores do dano.

Ao analisar a jurisprudência trabalhista, verificam-se algumas situações

recorrentes e que se referem a denúncias de assédio investigadas pelo Ministério

Público do Trabalho. Um primeiro exemplo se dá em empresas que usam o

assédio moral como prática generalizada de maus tratos, discriminação e

214A Constituição assegura aos trabalhadores o direito à saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII) e o artigo 200, inciso VIII prevê a proteção ao meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. 215 RAMOS FILHO, Wilson. Op. Cit. p. 22.

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perseguição a seus empregados, acompanhada de outras violações a direitos dos

trabalhadores, como: o desrespeito ao limite máximo de horas extras, ao intervalo

mínimo de onze horas entre jornadas e o desvio de função na empresa216. Na nota

abaixo, houve denúncia de uma ex-empregada ao MPT que reuniu provas do

assédio moral a partir de inúmeros depoimentos e mensagens eletrônicas.

No que concerne às práticas de assédio coletivo por maus tratos

generalizados, percebe-se o quanto é comum os xingamentos, cobranças

indevidas, acusações sem provas, por parte dos superiores hierárquicos, que

constrangem seus subordinados de forma permanente217.Na maioria das vezes, os

chefes administrativos são comunicados das ocorrências de assédio moral e

nenhuma providência é tomada. Além de as empresas serem tolerantes com tais

práticas, algumas não aceitam as medidas determinadas nos Termos de

Ajustamento de Conduta realizados pelo MPT, só restando como alternativa

acioná-las judicialmente na tentativa de reprimir os abusos cometidos.

Um segundo exemplo ocorre em empresas que adotam o assédio moral

em substituição à dispensa sem justa causa, para reduzir os custos da mão de obra,

216 “RECURSO ORDINÁRIO DA EMPRESA RÉ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSÉDIO MORAL. DANO MORAL COLETIVO. Constatado que o gerente da empresa ré submetia diariamente seus subordinados a verdadeiro assédio moral, consubstanciado, entre outras condutas, no hábito de colocar apelidos injuriosos nos empregados, em episódios de constrangimento e humilhação de funcionários perante os demais, no seu comportamento agressivo, mediante práticas de ameaça e intimidação, em ataques sistemáticos ao rendimento de determinados empregados e em diversas ofensas gratuitas e reiteradas, além da discriminação contra funcionários nordestinos, resta caracterizado o dano moral coletivo, afigurando-se devida a condenação ao pagamento de indenização revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.” (TRT 21 Região, RO n. 6000-73.2009.5.21.0007, Relator: José Rêgo Junior, publicado em 13 de julho de 2010). No mesmo sentido: “A ré sujeitava seus trabalhadores a excesso de jornada de trabalho, não concessão de repouso mínimo para alimentação, ausência ou inexistência dos registros de controles de jornada, não concessão do repouso remunerado, inclusive aos domingos e feriados, desrespeito à liberdade dos trabalhadores, informações desabonadoras sobre ex-colaboradores, descontos ilícitos ou indevidos, transportes e alojamentos e vestuários precários, falta de primeiros socorros, pagamento ‘por fora’ e dano moral individual e coletivo por assédio moral e sexual (...) Mantém-se, porquanto, o valor arbitrado em primeiro grau, onde o Juiz do feito, a par dos critérios acima, fixou razoavelmente o valor da indenização.” (TRT 14 Região, RO n. 00014.2005.003.14.00-9, Relator: Mário Sergio Lapunka, publicado em 27 de março de 2007.) 217O Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário - SINPAF apresentou denúncia, alegando que há mais de dois anos os trabalhadores da referida unidade da EMBRAPA vinham passando por situações de humilhação e constrangimento, ocasionadas pelo comportamento da supervisora. Acrescenta que o MPT notificou, em abril de 2009, a empresa para firmar um Termo de Ajustamento de Conduta, com vistas a adequar o meio ambiente de trabalho, mas em 09/07/2009 a ré externou a sua recusa basicamente por dois fundamentos: falta de intencionalidade do agente, elemento que em seu entender é imprescindível à caracterização do assédio moral, além da pessoa jurídica não poder ser responsabilizada pela eventual prática assediadora de um agente, pessoa natural. O MPT entrou com a ação civil pública pleiteando pela coibição do assédio moral e com pedido de indenização pelo dano moral coletivo. (TRT 10 Região, RO n. 01242-2009-008-10-00-3, Desembargador Relator: João Amílcar, publicado em: 25 de março de 2011)

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ao deixar de pagar verbas de aviso prévio e a multa de quarenta por cento do

FGTS. Isso se dá quando conseguem fazer com que o trabalhador peça demissão

ou quando em sua reação ao assédio tem-se alguma hipótese de justa causa.

Muitas das vezes, trabalhadores tidos como indesejados por serem mais antigos,

reivindicativos, ou doentes são forçados a aderirem aos chamados planos de

demissão voluntária. Principalmente nos Bancos estatais, atualmente incorporados

por bancos privados, houve intensa pressão psicológica para adesão ao

programa218.

A rede de Supermercados Carrefour foi condenada em ação civil

pública219, por ter permitido que se pratique no ambiente de trabalho o assédio

moral em relação a todos os empregados e terceirizados, expondo-os a situação

humilhante, tais como ofensa à honra e à imagem, acusações infundadas e

ameaças de dispensa por justa causa, visando coagir empregados e terceirizados a

formalizar pedidos de demissão.

Outro caso semelhante se deu com duas empresas rés, que, ao elaboraram

novos turnos de trabalho para seus empregados, passaram a coagi-los a assinar

acordos para alteração do contrato de trabalho com os horários modificados, sob

pena de serem despedidos. No caso dos autos, embora as empresas tivessem a

liberdade de alterar os horários de seus empregados, no exercício regular dos

limites do jus variandi,a prova oral colhida demonstra que, quando da alteração

218No acórdão, as empregadas foram forçadas a aderir um programa de demissão, por serem consideradas improdutivas pelo gerente geral do Banco, apesar de prestarem seus serviços por cerca de trinta anos: “O pedido de pagamento de indenização por danos morais veio com base na alegação inicial de que a partir do final do ano de 2010, a reclamante passou a ser perseguida e discriminada em seu ambiente de Trabalho. Segundo o gerente local da agência de Três Corações, o rendimento da agência estava insatisfatório, motivo pelo qual deveria resolver problemas internos; a Reclamante, juntamente com outra funcionária, foi chamada para uma conversa, quando em alto e bom som, o gerente informou que os problemas de desempenho da agência tinham relação com o trabalho desenvolvido pela autora e pela sua colega; em razão disso, ele apresentou duas alternativas: ou pediam transferência para outra agência ou suas funções seriam retiradas. Em decorrência da perseguição passou a ser excluída pelos demais colegas, com medo de retaliação. Acrescentou, ainda, que o próprio supervisor, em visita à agência, convocou uma reunião, onde na frente de todos, mencionou como era bom trocar um carro “velho” num carro “novo”; que era necessário arejar a agência com novos pensamentos. Diante da situação, não lhe restou alternativa, senão aderir ao plano de demissão voluntária.(TRT 3 Região, RO n.00032-2011-147-03-00-1Des. Relator: Paulo Roberto Sifuentes Costa, publicado em: 11/10/2011.) 219Processo n. 00957-2008-076-02-00-0, Juíza Caroline Cruz Walsh Monteiro, julgamento realizado em: 10 de maio de 2010. Além disso, muitas empresas adotam a estratégia de desqualificar seus trabalhadores, para forçar pedidos de demissão e desonerar-se de verbas rescisórias que seriam devidas pela dispensa sem justa causa. Isso ocorre, sobretudo, em empresas que, por processos de fusão ou incorporação, não querem assumir empregados que são encarados como um “problema”, como lideranças sindicais, os acometidos por doenças crônicas (LER) ou os que tenham muito tempo de serviço.

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do horário, tiveram conduta ilegal ao empregarem coação. De fato, houve por

parte das empresas ameaças de dispensa sumária daqueles que discordassem da

medida e não assinassem o documento que formalizava a mudança da jornada220.

Um dos tipos mais corriqueiros de assédio coletivo é o que se dá nas

atividades relacionadas àteleatendimento, em que na busca de resultados o

empregador proíbe ou limita o acesso ao banheiro, mesmo em se tratando de

necessidade que não possui hora determinada para acontecer. Segundo André

Davi Eberle, o assédio organizacional nas empresas de telemarketing “é utilizado

como estratégia de controle dos empregados, coibindo a formação de demandas

individuais e coletivas e especialmente, aumento da produtividade, com o controle

do tempo do trabalho e do conteúdo das conversas com o cliente”221.

É muito comum que os funcionários desses estabelecimentos sigam um

manual quanto ao que dever ser dito aos clientes, com medo de advertências e

sanções disciplinares, além de serem induzidos a não apresentarem atestados

médicos para não serem demitidos. O ato patronal que limita a quantidade de

vezes e o período máximo em que os empregados poderão ir ao banheiro, além de

ser considerado rigor excessivo, caracteriza-se como abuso de direito. Há violação

não só normas de proteção à saúde do trabalhador, mas também o dever de

preservar sua integridade física222.

Percebe-se que, embora a conduta acima seja abusiva, não há

entendimento pacificado sobre o assunto do TST, pois, ora se reconhece que tal

disciplina ultrapassa os limites de atuação do poder diretivo223, ora se considera

220“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. Evidenciada a prática de assédio moral coletivo por parte das empresas rés, que ameaçaram grupo de empregados com dispensa sem justa causa como forma de forçar estes a aceitarem alteração contratual. Recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho provido parcialmente para condenar as empresas rés ao pagamento de dano moral coletivo como reparação genérica à ordem jurídica.” (TRT 4 Região, Processo n (ver). , publicado em 27 de abril de 2011, Relator: André Reverbel Fernandes) 221 EBERLE, André Davi et. Al. Assédio moral organizacional: esclarecimento conceitual e

repercussões. In: GOSDAL, Thereza Cristina e SOBOLL, Lis Andrea Pereira (Org.). Op. cit. p. 37 222“Dano moral. Constrangimento. Abuso. A limitação do tempo para uso do banheiro, inclusive com rígida fiscalização sobre o tempo gasto pelo empregado causa inegável constrangimento. Trata-se de excessivo e rigoroso controle que constitui flagrante abuso do poder de direção do empreendimento (...)Torna-se ainda mais grave a situação, quando se constata, que, além de fiscalizar e limitar o uso do banheiro, a empregadora elaborava e tornava publica planilha com anotações de horários e duração das idas ao banheiro de cada empregado, em atitude claramente abusiva que causou abalo moral, passível de indenização”. (TRT 9 Região, Processo n. 17023.2006.652.09.00.6. Relatora Marlene Fuverki, publicado em 10 de junho de 2008.) 223“Recurso de Revista. Danos Morais. Limitação do uso ao banheiro. A higidez física e mental do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, autoestima e nessa medida, também de sua honra. Agredidos em face de circunstancia laborativa, passam a merecer tutela ainda mais forte da Carta Magna. A empregadora ao adotar esse sistema de

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que o controle para o uso dos sanitários, por si só, não configura um episódio

específico a produzir dano à esfera extrapatrimonial do empregado. Ao contrário

disso, é medida necessária, posto o grande número de atendentes224.

Por fim, é muito comum ocorrer assédio moral coletivo em organizações

que trabalham com vendas e se utilizam de técnicas de humilhação e perseguição

como estratégia para estimular o aumento dos negócios. São conhecidas pelos

tribunais situações de empresas que penalizam publicamente e ridicularizam seus

empregados ou equipes que vendem menos, com pagamentos de prendas. Um dos

casos de maior repercussão, tendo em vista que houve lesão à coletividade de

trabalhadores, foi a ação civil pública ajuizada contra a AMBEV em que o MPT

expôs o constrangimento causado aos empregados submetidos a situações

humilhantes quando do não cumprimento das metas estabelecidas. Devido à

comprovação de tal prática ser recorrente em outras filiais da empresa ré, houve a

condenação por dano moral coletivo em um milhão de reais revertidos ao FAT:

“Assédio Moral. Ocorrência. Indenização. Cabimento. Comprovado o cometimento, pelo empregador, de atos de constrangimento a seus empregados, consistentes na submissão destes a situação vexatória, com utilização de camisetas, pelos vendedores, com apelidos jocosos, além de brincadeiras humilhantes, está patente o assédio moralautorizador do deferimento de indenização por danos morais.” (RO 1034-2005-001-21-00-6, TRT 21 Região, publicado no Diário da Justiça do Rio Grande do Norte em: 22/08/2006)

Em outra ação, o Banco Bradesco foi condenado a pagar cem mil reais ao

FAT, devido à conduta reiterada de gerente que assediava os caixas do Banco,

com cobranças indevidas225.O rigor excessivo como prática empresarial para

estimular o cumprimento de metas, degrada as condições de trabalho, ignora as

peculiaridades de cada indivíduo, e configura o que se denomina chamado

deassédio moral organizacional.

Recentemente, o Banco do Brasil também foi alvo de ação civil pública,

por conta da prática de assédio moral coletivo praticado em várias de suas

fiscalização, ultrapassa os limites de seu poder diretivo para atingir a liberdade do trabalhador de satisfazer suas necessidades fisiológicas, afrontando normas protetoras da saúde e impondo-lhe uma situação vexatória.Essa disciplina interna revela uma opressão despropositada, autorizando a condenação em danos morais. (TST RR 224700.65.2007.5.18.0008, Relator: Min. Maurício Godinho Delgado, 6 Turma, Brasília, 20 nov. 2009.) 224TST-RR-127600-61.2008.5.18.0013, Brasília, 2 Turma, Min. Renato de Lacerda Paiva, publicado em 29 de agosto de 2012. 225 TRT 5 Região, Processo n. RO 0084300-30.2008.5.05.0007, Relatora: Dalila Andrade, Publicado em: 30 de novembro de 2010.

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unidades como ferramenta de gestão. O MPT no inquérito que deu causa a ação

apurou a existência do assédio moral, tendo em vista haver lesão a diferentes

trabalhadores do Banco, em decorrência dos seguintes fatos:parturiente que teve

exigido trabalho logo após o parto e assim foi vítima de acidente vascular

cerebral; empregadosque perderam cargo em comissão por não atingirem os

resultados almejados; a exigência de metas descabidas; injúrias de chefes em

relação a subordinados; ameaças contra empregado idoso226.

Como foi ressaltado quantoà restrição ao uso do banheiro, também no

que tange a imposição de metas, não há entendimento pacífico. O TST já concluiu

de modo diverso do que vem sendo exposto, alegando que não haveria de se falar

em compensação por danos morais, uma vez que a prova dos autos não

demonstrou que asmetas fixadas eram excessivas e fora do alcance do vendedor,

pois é procedimento corriqueiro e normal na empresa227.

Outra questão relevante é que grande parte das demandas relacionadas

ao assédio moral organizacional ainda se situa em âmbito individual, mesmo

quando há elementos no processo que demonstram que a situação narrada não

ocorria somente em relação ao demandante, mas afetava o grupo de trabalhadores

como um todo. Para exemplificar, pode ser citado o caso da empregada que

retornou de benefício previdenciário e em readaptação sofreu assédio moral por

não lhe ser repassada nenhuma atividade, nem ter local dentro da empresa para

trabalhar, fato este que, devido à repetição com outros empregados, era objeto de

inquérito civil por parte do MPT228.

Em um caso curioso, tratado individualmente, embora com característica

coletiva, não só o demandante, mas todos os empregados de determinada filial

foram submetidos à desgastante treinamento militar, em que se viram obrigados a

fazer flexões, saltar obstáculos, passar por túneis, tudo com o objetivo de simular

um ataque contra o “inimigo” (a concorrência), sem que pudessem manifestar a

recusa em participar, com receio de perder o emprego. No exemplo, o principal

problema encontra-se no fato de que não é dado aos empregados o direito de se

recusar a participar deste tipo de estratégia de venda, como se extrai da ementa:

226 TRT 10 Região, RO n. 00500.2008.007.10.86-2, Relatora Elke Just, Publicado em 02/03/2012. 227TST RR 246600-60.20075.02.00.5, Relator Min. Caputo Bastos, Brasília, publicado em 19 de setembro de 2012. 228 TRT 4º Região, Processo n.º 0000667-65.2010.5.04.0012, Relator: Fernando Luiz de Moura Cassal, publicado em 10 de novembro de 2011.

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“Estratégia de vendas. Participação do empregado em competição de Paint ball e uso de bótons coloridos para identificar o atingimento de metas estabelecidas pela empresa. Limites ao poder diretivo do empregador. Ausência da possibilidade de recusa. Dano Moral caracterizado. As modernas estratégias de vendas adotadas pela empresa com a finalidade de identificar as reações das pessoas diante de imprevistos, não pode deixar de lado as individualidades de cadaum e até mesmo as fobias que podem decorrer da participação compulsória, capaz de produzir lesões psíquicas de natureza grave. Atualmente, estudos na área de neurociências comprovam a possibilidade de ocorrência de lesão física por agentes psíquicos, sobretudo, no que toca ao estresse crônico, capaz de produzir danos irreversíveis no sistema imunológico do individuo.” (TRT 5 Região, Processo n. 00730-2007.463.05.00.3, Relator: Claudio Brandão, publicado em 07 de dezembro de 2009).

Tem-se acima exemplo de demanda individual, pois o empregado entra

com a ação individualmente, mas o seu conteúdo por lesar o grupo de

empregados, é coletivo. Percebe-se que tais demandas seriam mais bem

enquadradas em ações coletivas, cujo maior diferencial frente às individuais está

nos mecanismos de tutela, ao se permitir a proteção mais adequada dos interesses

dos trabalhadores. É ainda tímida a iniciativa judicial em classificar o conteúdo

coletivo do caso concreto e oficiar ao MPT, a fim de que a matéria dos autos seja

adequadamente tratada por uma ação coletiva.229

Nesse esteio, cabe frisar que a postura do judiciário ao favorecer a

coletivização das ações, permite não só superar a dificuldade do acesso individual

à justiça, mas também assegurar uma decisão mais coerente para as vítimas.

2.2.4

Os efeitos do assédio moral coletivo para a empresa e para a

sociedade

A maioria da doutrina ao tratar das consequências do assédio moral, traz

como foco principal a questão da saúde mental dos trabalhadores. Para isso, ganha

229 Poucos foram os acórdãos encontrados com determinação de que os autos seguissem ao MPT. Exemplos: “E, sob o viés pedagógico e sancionatório, exige-se, in casu, a fixação do dano moral em patamar assaz elevado, mormente porque o ilícito patronal atingiu toda uma coletividade de trabalhadores (vendedores da empresa), e de forma reiterada e diuturna, de molde a inibir a reclamada de cometer os mesmos atos geradores de danos morais aos trabalhadores (...)Em razão dos graves fatos apurados referentes ao assédio moral coletivo, expeça-se ofício ao Ministério Público do Trabalho para adoção das medidas cabíveis. (TRT 2 Região, RO n. 0102500-32.2009.5.02.0008, Des. Maria Isabel Cueva Moraes, publicado em: 30 de janeiro de 2012). No mesmo sentido, para que fosse o processo para o MPT, por ocorrer gestão por injúria na empresa: (TRT 2 Região, RO n. 0161600-2008.084.02.00-6, Des. Davi Furtado Meirelles.)

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destaque a dimensão temporal do assédio, pois quanto maior o período em que as

pessoas se encontram a mercê de condutas hostis, maiores as chances de algum

impacto na integridade mental dos empregados, principalmente, quando o assédio

é adotado como forma de gestão.

Sabe-se que o trabalho desempenha um papel central na vida dos sujeitos

e na estrutura de suas identidades. Quando o assédio se dá como prática

corriqueira é a relação com o outro que é afetada, seja com o assediador, seja com

os demais colegas, que apenas assistem as agressões. É muito comum o

rompimento do vínculo com o grupo de trabalho, e, consequentemente, se

acentuam o individualismo e a falta de solidariedade.

Segundo Ana Cristina Limongi França e Avelino Luiz Rodrigues230, as

consequências de um ambiente de elevado estresse “podem ser fisiológicas

(problemas físicos de curto e longo prazo), de ordem psicológica (que vão desde

problemas no campo afetivo e cognitivo, que transitam entre estados de ansiedade

até o desenvolvimento de depressão, burnout e uma série de distúrbios mentais) e

comportamental” (isolamento, falta de motivação, etc.).

Uma das moléstias que afetam o trabalhador como resultado de exigência

desequilibrada de metas é a Síndrome deBurlou231. Essa doença compreende uma

exaustão emocional que pode ser considerada doença do trabalho, capaz de

acarretar a incapacidade temporária ou definitiva para a prestação dos serviços232.

230 FRANÇA, Ana Cristina Limonge e RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma

abordagem psicossomática. 3 edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 122. 231 “Síndrome de Burnout. Estresse profissional com exaustão emocional. Avaliação negativa de si

mesma. Depressão. Nexo com o trabalho. Cabimento da estabilidade do artigo 118 da Lei 8213/91. Verificada que a depressão causa incapacidade laborativa e foi impulsionada pelas condições adversas de trabalho, faz jus a trabalhadora à estabilidade provisória do artigo 118 da Lei 8213/91. Mesmo que se considere uma tendência fisiológica da pessoa à depressão, nesta hipótese há ao menos concausa, expressamente prevista no artigo 21, I da Lei 8213/91, no artigo 133 do decreto 2172/97. Ao invés de dispensar a empregada cabe ao empregador encaminhá-la para tratamento médico e providenciar seu afastamento junto ao INSS e transferi-la para setor que exija menos pressão psicológica. (...)Verificadaem perícia judicial a existência de moléstia profissional que tenha nexo causal com o trabalho e causeincapacidade laborativa, faz jus o trabalhador à estabilidade provisória em questão”. (TRT 2 Região, RO n. 1318/2009.104.03.00-1, Relator: Juiz Jales Valadão, publicado em: 19 de fevereiro de 2010. 232 Tal síndrome é reconhecida no Brasil como acidente de trabalho, pela dicção do artigo 20, II da Lei 8213/91: “Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: (...) II- doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.” As doenças ocupacionais são equiparáveis a acidentes de trabalho e exigem comprovação do nexo causal. Os acidentes de trabalho também podem ocorrer por concausa, consoante o artigo 21, I, da Lei 8213/91, ou seja, equipara-se a acidente de trabalho:o acidente ligado ao trabalho, que embora não tenha sido a causa única haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução

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O Burnout é considerado reação psíquica de caráter depressivo, precedida de

esgotamento crônico. De acordo com Dallegrave Neto, “a expressão burnout

advém do inglês e significa “combustão completa”233, sinalizando para exaustão

da pessoa acometida pelo estresse. Representa, portanto, esgotamento provocado

por constate tensão emocional no ambiente de trabalho.

Contrariamente dos que pregam a defesa do empreendedorismo, a busca

incessante por metas torna elevado o custo do assédio moral ao provocar a alta

rotatividade de funcionários e o aumento do número de indenizações. Como

consequência, também tem ocorrido o afastamento do trabalhador por doenças,

diminuição da qualidade do trabalho pela desmotivação do grupo, além do

desgaste da imagem de empresas que, recorrentemente, são rés em processos de

assédio moral.

Os efeitos do assédio não se limitam aos empregados, nem ao âmbito

empresarial, uma vez que a sociedade acaba por arcar com custos referentes à

seguridade. São os contribuintes que suportam os encargos causados pela

concessão de benefícios previdenciários, sejam eles permanentes ou temporários.

Em caso recente, foram concedidas à empregada que sofria intensa pressão por

metas, somadas à depressão e ao transtorno bipolar, indenizações por assédio

moral e pela doença ocupacional, além de pensão por conta de ter sido aposentada

por invalidez e o pagamento das despesas com o tratamento médico234.

Acertada a decisão acima, uma vez que, se do assédio moral resulta um

dano psíquico caracteriza-se uma doença do trabalho e, por conseguinte, acidente

de trabalho nos termos da Lei 8213/91, surgindo obrigação de indenizar por parte

ou perda de sua capacidade para o trabalho ou produzido lesão que exija atenção médica para sua recuperação. 233DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Responsabilidade Civil no direito do trabalho. 3 edição. São Paulo: LTr, 2009, p. 212. 234“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CARACTERIZAÇÃO – PRESSÃO EXACERBADA PARA CUMPRIMENTO DE METAS. A violênciamoral no trabalho é a submissão detrabalhadores a situações humilhantes edegradantes, que ultrapassam o poderdiretivo do empregador, o que seconstata no presente caso, poiscomprovada a exigência exacerbada decumprimento de metas, com aplicação depunição vexatória e humilhante. Recurso da reclamada desprovido”. Na fundamentação da decisão, a prova confirma o fato deque o gerente exigia que ninguémfosse embora se não houvesse vendido nada até determinada hora do dia; que existia determinação para os vendedores ligarem para parentes para que viessem comprar na loja a fim de alcançarem a meta; que nas reuniões o gerente era muito agressivo com as palavras, havendo pagamento de prendas e que vários vendedores se afastaram em razão de doenças decorrentes dessas pressões. E a perícia aponta como causa desencadeante para os distúrbios sofridos pela reclamante o relacionamento com os gerentes e o sistema de punição que a autora relatou como vexatório e humilhante.” (TRT 24 Região, Processo n. 0170700-85.2009.5.24.0006, Relator Des. André Luiz Moraes de Oliveira, publicado em 24 de abril de 2012)

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Page 48: 2.1 O Assédio Moral - DBD PUC RIO · informa que o assédio moral provoca danos à identidade e à dignidade do trabalhador e, por consequência, aumenta a ocorrência de distúrbios

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do empregador. É dever de quem contrata o trabalho preservar a integridade do

empregado da forma mais ampla, garantindo seu bem estar físico, mental e social.

Conforme aponta Mauricio Godinho Delgado:“tratando-se de atividade

empresarial de risco para os trabalhadores envolvidos, desponta a exceção

respaldada pelo parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, tornando objetiva

a responsabilidade empresarial por danos acidentários”235. Quanto à

responsabilidade civil, o próximo capítulo abordará a reparação frente às práticas

de assédio moral e os principais critérios utilizados pela jurisprudência trabalhista.

235 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit, p. 619.

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