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A estrutura do universo, a mecânica quântica e a cosmologia moderna

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A estruturado universo,a mecânicaquântica e

a cosmologiamoderna

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A ELCIO ABDALLA

AS ORIGENS NAS PREOCUPAÇÕESDO HOMEM

preocupação humana com o problema de nossas

origens provavelmente remonta ao início das

preocupações conscientes do homem, haja vista a enorme

quantidade de lendas acerca do fato em sociedades mais

primitivas, e sua presença em conteúdos mitológicos de

várias religiões politeístas, que culminam nas gêneses

das religiões monoteístas. Como podemos apreciar, por

exemplo, nas pinturas da Capela Sistina, o problema da

criação passa pela arte de conteúdo religioso. Também

observamos a satisfação do pensamento na característica

hierárquica da criação, como após a separação entre a luz

e as trevas, onde temos a criação do Sol, e finalmente a

criação humana.

O ser humano, tornado consciente, passando a viver o

mito do herói e a planejar a compreensão da natureza,

almeja poder descrever a criação do mundo, suas leis e

conseqüências. A arte retrata muito bem essas passagens.

Pode-se dizer que a mitologia tenha sido o início da

ciência, como vemos nos pitagóricos que foram o elo entre

o orfismo e uma protociência. O orfismo, por sua vez, foi

um movimento de reforma dos mitos dionisíacos. Pitágoras

fez uma ligação entre o místico e o racional, dicotomia que

sempre permeou a história do pensamento humano, não

tendo mais uma união harmônica no Ocidente após os gre-

gos. Na Grécia Antiga, os mitos anteriores acerca de deu-

ses e ritos menos civilizados foram transformados nos

ELCIO ABDALLAé professor do Instituto deFísica da Universidade deSão Paulo.

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deuses olímpicos por Homero, já que umpovo guerreiro de grandes heróis necessi-tava de deuses condizentes com aqueladescrição.

Interessa-nos aqui a questão da criação.Em muitas civilizações a criação do uni-verso tem caráter similar, com uma criaçãodo universo que inclui a criação do própriotempo. A criação, entre os gregos, apresen-ta um aspecto geral bastante parecido coma criação judaica, em algumas de suas ver-tentes. Para os gregos, Caos juntou-se coma Noite (Nyx) com quem teve um filho,Érebo (Escuridão). Este casou-se com aprópria mãe, gerando a Éter (Luz) e Hemera(Dia) que, por sua vez, com a ajuda do filhoEros, geraram o Mar (Pontus) e a Terra(Gaia). Gaia gerou o Céu (Urano). Gaia eUrano geraram os doze Titãs, entre os quaisCrono e Rhea, pais de Zeus. Crono trouxeo tempo, e comia seus filhos, uma personi-ficação do que cria para destruir. Rhea sal-va Zeus, que quando crescido rebela-se, sal-vando os irmãos do interior paterno, e ge-rando assim a homens e deuses.

Esta brevíssima história, que, em suasversões originais, foi rica de detalhes atémesmo sobre o interior humano, mostra apreocupação do homem com a criação domundo e seu destino. Os deuses olímpicospreocuparam-se com os homens e suas lu-tas como se fossem questões deles mes-mos. Foram deuses humanizados, tanto nomelhor quanto no pior sentido, tal como nahistória bíblica de Jó. Os deuses olímpicosnos trouxeram a preocupação com as ciên-cias, com as artes e com a medicina. PalasAtena foi a mais sábia das deusas, e FeboApolo foi o pai de Asclépio, o fundador damedicina. Seus filhos Macáone e Podalírioforam médicos.

A cosmologia foi uma importante peçana estrutura do pensamento humano, jáque dá um caráter divino às atribuiçõeshumanas, fazendo dos céus um hábitat dosdeuses paralelo à Terra. Toda civilizaçãotem alguma resposta para a pergunta so-bre a estrutura do universo e, começandoda civilização helênica, o homem foi-seaproximando de uma resposta a partir daobservação dos céus, uma resposta que

andava na direção do racional.A ciência grega era no entanto uma

protociência. Conhecia-se muito mas, ape-sar disso, os conceitos estavam, dentro doaspecto da ciência moderna, equivocados.Foram no entanto essenciais para a poste-rior evolução do pensamento humano. Emparticular, o conhecimento dos céus, pri-meiramente através da antiga crença astro-lógica, posteriormente através da observa-ção direta dos céus, foi bastante grande,tendo evoluído para o universo ptolomaico.

Assim, já mais de 1.000 anos antes daera cristã havia observações precisas domovimento do Sol, através da variação dotamanho da sombra de uma vara vertical,durante o dia e de um dia para outro. Com-binando-se com relógios d’água, havia umamarcação do tempo.

Os movimentos das estrelas são maisregulares, porém sua observação é maisdifícil, pois é necessário que se reconhe-çam estrelas facilmente distinguíveis denoite para noite. São todavia excelentespara marcações de tempo mais longo. Amaioria das constelações reconhecidaspelos antigos foi colocada em correspon-dência a figuras mitológicas, de onde te-mos uma pré-protociência, a astrologia,que mistura observações precisas comelementos mitológicos.

Para que as observações feitas aqui naTerra que hoje sabemos estar em movimen-to fizessem sentido caracterizou-se o mo-vimento dos céus através de duas grandesesferas, que em uma interpretação moder-na referem-se aos movimentos da Terra.Desse modo, uma esfera contendo as estre-las move-se para oeste com uma rotação acada 23 horas e 56 minutos. As estrelasnascem e morrem exatamente a leste e aoeste em relação a essa esfera, respectiva-mente. Há um grande círculo, a eclítica,com uma inclinação de 231/2

o, e o Sol semove uma vez a cada 3651/4 dias pelaeclítica. Algumas estrelas tinham movi-mentos bastante distintos, pois em certaépoca do ano andavam em sentido contrá-rio, em movimento retrógrado. Foram cha-madas de planetas, palavra que significavamovimento errante.

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A descrição dos céus foi ficando maissofisticada. Os planetas passaram a semover em círculos em torno de outros cír-culos em torno da Terra, os epiciclos e osdeferentes. Esse sistema deu origem ao quepodemos chamar de sistema ptolomaico dedescrição dos céus. Recebido pelos árabes,os guardiães da ciência e da filosofia du-rante a Idade Média, o sistema foi aperfei-çoado a ponto de ter uma precisão de até 8minutos de arco!

NOSSA POSIÇÃO DIANTE DOUNIVERSO

Os pensadores da Antigüidade obser-vavam com muita frequência o seuesplendoroso céu. Desde muito cedo sou-beram da forma esférica da Terra. Medin-do o ângulo gerado pelos raios solares aomeio-dia por uma vara vertical e compa-rando-o com uma localidade onde o sol nomesmo instante estava a pino, Eratóstenes,o bibliotecário de Alexandria, foi capaz decalcular, aproximadamente, o raio da Ter-ra por volta do terceiro século antes deCristo. Para isso ele precisou apenas man-dar medir a distância entre Alexandria euma outra localidade, distância esta que seconstatou ser de 5.000 estádios, e compa-rou, no mesmo dia, o sol a pino em Ale-xandria com o ângulo de 73pt1/5o na outracidade. Isso levou a uma circunferência daTerra de 250.000 estádios, que segundoestimativas estaria correto dentro de umlimite de 5% (não se tem certeza do valorexato do estádio).

Como observadores perspicazes queeram, os antigos elaboraram mapas para alocalização dos astros celestes. Na teoriade Ptolomeu, a Terra era o centro do uni-verso. Ptolomeu viveu em Alexandria,durante o segundo século depois de Cristo.Sua teoria era bem aceita pela Igreja, já quepropunha que o homem era um ser privile-giado pela Divindade, no centro do univer-so. Além disso, pode-se imaginar que ateoria alimentava o orgulho dos poderosos,

que não eram apenas os donos do poder dolugar em que habitavam, mas do centro douniverso. Essa situação psicológica aindapersiste hoje, quando muitos acreditam quehaja vida em outros planetas, enquantooutros insistem que isso seja impossível,novamente um teimoso antagonismo deposições.

Felizmente, a ciência não se desenvol-ve baseada apenas em opiniões, mas emfatos. No século XV, o padre polonês Ni-colau Copérnico foi incumbido de uma re-forma do calendário pondo-se, portanto, afazer observações astronômicas, já que asantigas tabelas ptolomaicas haviam acumu-lado muitos erros até aquela época. Em par-ticular, festas como a Páscoa estavam sen-do comemoradas em dias que não eram osprescritos anteriormente. Copérnico des-cobriu que as complicadas tabelas dePtolomeu ficavam muito mais simples se,ao invés de a Terra ser considerada comocentro do universo, o Sol o fosse. Copérniconão teve problemas com o clero, pois issofoi considerado apenas como uma hipótesede trabalho, e não como uma realidade.Quando outros filósofos, como GiordanoBruno, tomaram as idéias de Copérnicocomo verdades científicas, houve um in-tensa reação – Giordano Bruno foi consi-derado herege e queimado vivo. Todavia,com o tempo, os fatos impuseram-se. Deacordo com a teoria de Ptolomeu, segundoa qual os planetas se movem em epiciclos(círculos menores cujos centros estavampor sua vez em círculos maiores em tornoda Terra), Vênus nunca poderia ter fasescomo a Lua. Mas essas fases foram obser-vadas com o advento do telescópio! Maisque isso, as observações mais modernasforam dando corpo a uma nova teoria, muitoprecisa, e com poder de previsão. O astrô-nomo dinamarquês Tycho Brahe recebeudo rei permissão para usar a Ilha de Hvencomo observatório. Ali ele fez um enormenúmero de observações. Por sua vez, o ale-mão Johanes Kepler colocou essas obser-vações sob a forma de três leis, conhecidascomo Leis de Kepler, que diziam que osplanetas se moviam em elipses, o Sol esta-va num dos focos, a área varrida por unida-

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de de tempo era constante e o cubo do raioda órbita é proporcional ao quadrado doperíodo de revolução. Essas leis, o inglêsIsaac Newton mostrou serem conseqüên-cia de outra mais simples ainda: em primei-ro lugar há um conceito de força agindosobre a aceleração dos corpos proporcio-nalmente, com a constante de proporciona-lidade igual à massa do corpo. Além disso,há uma força gravitacional entre os corposproporcional ao produto das massas e aoinverso do quadrado da distância. Assimnascera a lei da gravitação universal deNewton. O universo tem agora uma outraaparência, completamente diferente: não háum centro, nem a Terra, nem o Sol, masuma infinidade de astros sujeitos à ação deuma lei fundamental, universal, regendoseus movimentos e suas trajetórias.

Após Newton, vários desenvolvimen-tos seguiram-se dentro da física. Dois gran-des campos afirmaram-se: por um lado, afísica do pequeno, com a hipótese atômi-ca ganhando força e finalmente se impon-do; e de outro lado, a união de dois tiposde força conhecidas milenarmente: o mag-netismo (do antiqüíssimo ímã) e a eletri-cidade (do pré-histórico relâmpago). Foicom grande surpresa que se verificou noséculo XIX que as leis que regem o eletro-magnetismo pareciam diferentes das leisque regem a mecânica dos corpos – aqueladescoberta séculos antes por Isaac Newton.Para acomodar esses dois tipos de leis foiproposto que os fenômenos eletromagné-ticos (e a luz é um desses fenômenos) sóocorreriam em um tipo de geléia universalchamada éter, que preenche todo o espa-ço. Todavia foram vãs as tentativas de semedir o éter.

Foi em 1905 que Albert Einstein, quetrabalhava no departamento de patentes emBerna, na Suíça, propôs que todas as leisdevem ter a mesma forma. Não importavade onde observássemos um fenômeno, sejade um trem em movimento, seja parado ven-do-o acontecer, tanto o fenômeno eletro-magnético como o mecânico devem se com-portar da mesma maneira. Assim, ele mo-dificou as Leis de Newton – na verdade amodificação era muito pequena, e com os

aparelhos da época não podia ser observa-da em fenômenos mecânicos, pois era daordem (tamanho) do quadrado da relaçãoentre a velocidade do objeto e a velocidadeda luz! Lembremos que a velocidade da luzé de 300.000 quilômetros por segundo!Dessa maneira, a modificação em fenôme-nos do dia-a-dia (movimento de uma pes-soa, por exemplo) não poderia ser notada.No entanto, quando aplicada ao macro-cosmo a teoria da relatividade traz váriasconseqüências. Desse modo, a teoria dagravitação de Newton também foi mudadapara ser relativística, ou seja, obedecer àteoria da relatividade.

Einstein acreditava que o universo fos-se estático. Tentou resolver suas equaçõespara a relatividade geral (assim foi chama-da a nova teoria da gravitação) para obterum universo estacionário e encontrou difi-culdades, sendo possível encontrar tal so-lução apenas no caso de modificar as equa-ções com um termo chamado cosmológi-co. Outras soluções existiam, que todavianão eram estáticas, e que sugeriam um uni-verso em expansão.

Em 1926 o astrônomo Edwin Hubbleverificou que as estrelas distantes estavamse afastando de nós, e que a velocidade deafastamento era proporcional à distânciaque estivéssemos da estrela. Ora, se to-marmos um elástico, pintarmos nele pon-tos eqüidistantes e começarmos a esticá-lo, vamos verificar que também a veloci-dade relativa de um ponto a outro é pro-porcional à distância – isso significa queas observações de Hubble implicam umuniverso em expansão, de acordo com asequações originais da teoria da relativida-de geral! E mais, se o universo está emexpansão, houve um dia em que tudo es-tava comprimido numa região do espaço,e de repente – Bum! – uma grande explo-são deu origem a tudo!

Dessa maneira nos aproximamos da ori-gem do nosso universo. No entanto, comodescrevê-la em mais detalhe? Por que seformaram as estrelas, os planetas, as molé-culas, os átomos, ou o que quer que exista demenor? E por que as galáxias, aglomeradosde galáxias ou o que quer que exista de maior?

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A resposta a essas questões merece umestudo muito detalhado. E devemos retro-ceder um pouco, para olhar para outrasdescobertas, agora no mundo do muito pe-queno.

O NASCIMENTO DA CIÊNCIAMODERNA

Em um estudo sobre o universo comoum todo, partimos agora da revolução ci-entífica de Galileu e Descartes. Com ométodo científico em mãos, levando emconta as observações detalhadas anterioresao século XVII, foi possível a Isaac Newtonrealizar a grande revolução científica den-tro da ciência. O trabalho de Newton tor-nou-se a base sólida da física clássica. Háduas partes essenciais na equação deNewton. Em primeiro lugar, fala-se do re-sultado da força: esta é proporcional à ace-leração do corpo a ela submetida. Sendo aaceleração um objeto geométrico obtido daposição geométrica do objeto como funçãodo parâmetro absoluto chamado tempo, oresultado da força é imediatamente conhe-cido, uma vez que se saiba a constante deproporcionalidade, chamada de massa. Defato, podemos chamá-la massa inercial. Aforça deverá ser o produto da massa pelaaceleração. Por sua vez, para definirmos afísica do problema, devemos dizer quem éa força. No caso da gravitação, Newtonpostulou que ela fosse proporcional àsmassas (aqui massas gravitacionais) dosobjetos que se atraem e inversamente pro-porcional à distância que os separa.

Finalmente, as forças devem obedecerao princípio de ação e reação. Com as Leisde Newton, puderam-se confirmar as Leisde Kepler de modo dedutivo. Esse foi ogrande sucesso de Newton. O universonewtoniano, todavia, era pobre, por váriasrazões. Em primeiro lugar, a lei de Newtonda gravitação era postulada não havendoqualquer razão fundamental para a mesma.No entanto, para a época, este não era real-mente um problema. Havia dificuldades

decorrentes do fato de tal universo ser infi-nito. Poderia haver colapsos de proporçõesgigantescas no universo! Além disso, ha-via o paradoxo de Olbers conforme vemosna Figura 1.

Suponhamos que o universo seja for-mado por estrelas ou aglomerados unifor-memente distribuídos. Nesse caso, se olhar-mos para uma dada direção no céus, sem-pre veremos algum ponto luminoso vindode uma estrela (ou aglomerado). O fluxo deenergia dali proveniente é inversamenteproporcional ao quadrado da distância, por-tanto, a energia que é obtida multiplican-do-se pela área de transmissão é proporcio-nal apenas ao ângulo sólido usado na ob-servação. A constante de proporcionalida-de só depende do fluxo de energia transmi-tida pela estrela ou aglomerado, que supo-mos constante pelo universo. Portanto, seolhássemos para qualquer parte do céu,durante o dia ou à noite, veríamos a mesmaclaridade que observamos para o Sol! Esteé o paradoxo de Olbers. Finalmente, com otempo absoluto tal como definido pela físi-ca clássica, não há um início, e não se po-dem compreender problemas relacionadoscom a formação cósmica.

NOVOS VENTOS NA CIÊNCIA

O próximo desenvolvimento científicode relevância é o eletromagnetismo (1). Asequações de Maxwell descrevendo o ele-tromagnetismo são de natureza diferentedas equações de Newton. Elas descrevem afonte da força que se juntaria à forçagravitacional para dar origem ao sistemade forças que alavancam o movimento ho-rário através das equações de movimento.Todavia ocorre que a simetria fundamentaldas equações de Maxwell é tal que não háum tempo absoluto parametrizando as trêsdimensões espaciais euclidianas, mas, sim,um conjunto de quatro parâmetros que en-volvem de modo quase democrático as trêsdimensões espaciais e o tempo. Dessemodo, as equações de Newton não seriam

1 De fato, a formulação do para-doxo de Olbers só se faz apóso desenvolvimento do eletro-magnetismo.

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as mesmas para observadores diferentes, oque lhes retiraria o caráter universal e fariacom que a física fosse diferente para dife-rentes observadores. Esta foi uma questãofundamental ao final do século XIX, queculminou, no início do século XX, maisexatamente em 1905, com o advento dateoria da relatividade especial.

A reinterpretação da mecânica clássicaem termos da teoria da relatividade especi-al requereu novos conceitos e interpreta-ções, mas a parte formal da teoria pode serrevista em pouco tempo. Desse modo, a

cinemática relativística passa a ser simples.Por outro lado, um grande passo seria a

reinterpretação de outro pilar da física clás-sica, a teoria da gravitação de Newton.Como a força newtoniana tinha uma ex-pressão que não fora deduzida de preceitosgerais, mas postulada de modo a poderexplicar uma série de leis, seria naturalobter-se a força gravitacional de equaçõesde campo similares às equações deMaxwell. Tais equações foram propostaspor Einstein como conseqüência do princí-pio de equivalência e através de uma for-

O paradoxo de Olbers. Qualquer que seja a direção em que olharmos ouniverso, através de um ângulo sólido W, encontraremos uma fonteluminosa, que emitirá energia de fluxo proporcional a 1—r2 com área totalWr2; portanto o produto será constante, qualquer que seja a distâncianecessária para encontrarmos a fonte luminosa. Isso acarreta o fato deesperarmos, em um universo infinito e homogêneo, uma luminosidadeconstante no céu, como se todas as estrelas estivessem arbitrariamentepróximas.

Figura 1

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mulação geométrica da gravitação. O prin-cípio de equivalência, conseqüência daigualdade das massas inercial e gravi-tacional, leva-nos a uma geometrização dafísica gravitacional. O uso da geometriariemanniana completa o cenário.

ÁTOMOS, PRÓTONS, ELÉTRONSE OUTROS – QUAL É OFUNDAMENTAL?

Demócrito, famoso filósofo grego, di-zia que toda matéria era formada por umaunidade fundamental, indivisível, a qual elechamou átomo (do grego: sem partes, istoé, indivisível). Todavia, a hipótese atômicanão podia ser provada – ou desmentida – eficou por vários séculos no domínio da fi-losofia. Na Idade Moderna, com o desen-volvimento da química, a hipótese atômicafoi finalmente demonstrada pela experiên-cia: reações químicas eram descritas porrelações entre números inteiros, mostran-do a existência de uma unidade fundamen-tal. Posteriormente Mendelev classificouos átomos em uma tabela, a tabela periódi-ca, de acordo com seus pesos atômicos,descobrindo uma série de regularidades.Baseado na idéia atômica, Boltzmann cons-truiu uma teoria para os gases – a teoriacinética dos gases.

No final do século XIX foi descobertoainda o elétron e sua carga, por Thomson eseus colaboradores. E, para dar a idéia finaldo que é o átomo, Lord Rutherford bom-bardeou finíssimas lâminas de ouro compequenas partículas descobertas na época– as partículas , provenientes de materialchamado radiativo. Foi com grande sur-presa que Rutherford constatou que o áto-mo era formado por um núcleo muito pe-queno, enquanto os elétrons deveriam es-tar girando a uma grande distância, comono movimento planetário. Mas isso consti-tuía um enorme problema, pois esse tipo demovimento de cargas não era compatívelcom a teoria eletromagnética de James C.

Maxwell. Essa teoria, muito bem confir-mada na prática, previa que, se o elétrongirasse em torno do núcleo, ele começariaa emitir radiação – pois, segundo a teoria,cargas aceleradas irradiam. Assim, ele per-deria sua energia e cairia no núcleo, de modoque a matéria seria instável. Foi o físicodinamarquês Niels Bohr quem resolveu oproblema, dizendo que as leis do eletro-magnetismo, tais como eram apresentadas,não valiam para partículas muito peque-nas. Bohr construiu teoricamente o átomo,introduzindo uma constante fundamental,chamada h, postulada anos antes por MaxPlanck para resolver o problema da radia-ção do corpo negro. A constante h é chama-da constante de Planck. Postulou-se que,para objetos muito pequenos, certas quan-tidades físicas escolhidas em conformida-de com o problema em questão, como omomento angular, ou a energia, são descri-tas por certas funções de números inteirosmultiplicadas por h = h—2

, e portanto nãopodiam tomar qualquer valor, como se pen-sava anteriormente. Assim nascia a teoriaquântica. Muitos outros fenômenos (queaqui não serão descritos), que não eramcompreendidos na teoria clássica, o foramna teoria quântica.

Para que a teoria quântica pudesse setornar uma teoria física, sendo propriamen-te chamada de mecânica quântica, dever-se-ia mostrar as equações que regem o movi-mento das partículas na teoria quântica.Nesse sentido, Erwin Schrödinger e WernerHeisenberg escreveram, independentemen-te, equações que regem o movimento daspartículas, e como essas equações devemser interpretadas, já que toda a idéia de tra-jetória, tão comum na física clássica (comoo caminho de um carro na estrada), não valemais na mecânica quântica. O princípio daincerteza na mecânica quântica diz que, setentarmos localizar uma partícula, para sa-bermos onde ela está, haverá uma incertezamuito grande em sua velocidade, isto é, avelocidade escapa ao nosso controle.

Uma vez construída a mecânica quânti-ca, havia dois gigantescos passos a seremdados. O primeiro, construir uma mecâni-ca quântica relativística, incorporando a pri-

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meira teoria de Einstein (de 1905). Depois,tentar incorporar a relatividade geral, istoé, a gravitação. Esses processos envolvemproblemas enormes que não foram aindacompletamente resolvidos, sendo que parao segundo problema, qual seja, uma teoriaquântica da gravitação, ainda não há umateoria completamente desenvolvida, masvárias tentativas em estudo, como a teoriade cordas, atualmente.

Paul A. M. Dirac propôs, em 1928, umaequação – hoje chamada equação de Dirac –que descreve objetos na teoria quânticarelativística. Mais uma vez a teoria trouxenovas e fantásticas descobertas. Na teoriada relatividade, uma certa quantidade dematéria-massa tem um equivalente em ener-gia, dada pela equação E=mc2. Assim, ener-gia e massa são equivalentes. Dentro dateoria quântica, essa relação adquire novasdimensões, pelo seguinte: a equação deDirac, além de descrever o elétron, que temcarga negativa, descreve também uma ou-tra partícula de carga oposta e mesma mas-sa, a qual chamou-se de pósitron. Quandoo elétron e o pósitron se encontram eles seaniquilam, e as suas massas transformam-se em energia pura na forma de radiaçãoeletromagnética! Além disso, a reaçãooposta é perfeitamente possível, e quandohá quantidade suficiente de energia, e con-dições apropriadas, como no choque de par-tículas de altíssima energia, pode-se for-mar um par elétron-pósitron (ou e–e+). Defato, poucos anos mais tarde o pósitron foiencontrado.

No princípio, chegou-se a pensar que opósitron pudesse ser nosso conhecido, opróton, idéia que se configurou errada. Opósitron era uma nova partícula, um exem-plo de antimatéria: ele é o antielétron.

A introdução da teoria da relatividade namecânica quântica tornou-se então uma novaárea, agora conhecida como teoria de cam-pos. Esta teoria trata da descrição das partícu-las elementares – como o elétron, o pósitron,o próton e outras que seriam descobertas nocontexto da mecânica quântica relativística.Mas outras descobertas excitantes estariamainda por aparecer na década de 30.

O decaimento para substâncias radia-

tivas era conhecido. Verificava-se que onêutron decaía em um próton e um elétron,mas havia algo de errado, pois a quantida-de de movimento e a energia aparentemen-te não se conservavam. Além disso, todasas partículas tinham spin 1/2 (2), de manei-ra que o momento angular também nãopodia ser conservado. Em 1930, WolfgangPauli postulou a existência de uma novapartícula, o neutrino. Em 1934, EnricoFermi formulou a teoria das interações fra-cas, responsável pelo decaimento , usan-do esta nova partícula – o neutrino – expli-cando as experiências até então. Posterior-mente, em 1955, o neutrino foi de fato detec-tado numa reação inversa.

Outro problema que se fazia presenteera como o núcleo atômico podia ser está-vel se ele é formado por partículas comcarga positiva (prótons) e partículas semcarga (nêutrons). Deveria, portanto, haveruma outra força agregando tais partículas,já que um cálculo rápido mostra que a atra-ção gravitacional não pode juntá-los, poisela é fraca demais. A nova força foi chama-da forte – pois deveria sobrepujar a forçade repulsão eletromagnética para conferirestabilidade ao núcleo atômico.

Assim como os fótons são os mediado-res da interação eletromagnética, pensou-se que deveria haver um mediador da inte-ração forte, que foi chamado de píon. Ospíons foram de fato descobertos. No entan-to, descobriu-se bem mais tarde que prótonse nêutrons não são partículas fundamen-tais, mas compostas de outras mais sim-ples, os quarks. E ainda os mediadores nãosão os píons (apesar de estes existirem),mas outras partículas chamadas glúons.Como se pode bem perceber, a imagem douniverso das partículas elementares vai fi-cando cada vez mais complexa!

TEORIA MODERNA DASPARTÍCULAS ELEMENTARES

A meta das teorias físicas, de uma ma-neira geral, é unificar. Isso significa dar pou-

2 O spin mede a rotação intrínse-ca de uma partícula, e só temsentido de fato em uma teoriaquântica, podendo assumirapenas valores inteiros ou semi-inteiros. Os primeiros são cha-mados bósons, e os outros sãoférmions. As propriedades debósons e férmions são muitodiferentes.

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cas e simples explicações para uma gamavariada de fenômenos. Este era o grandesonho de Einstein: unificar as interaçõesconhecidas, eletromagnetismo e gravitação(posteriomente as interações fraca e forte),em um esquema amplo, assim como eletri-cidade e magnetismo haviam sido unifica-dos no eletromagnetismo. Era um sonhoalto. Muitas foram as tentativas.

Usando a idéia de quebra de simetria,os professores Abdus Salam e StevenWeinberg propuseram uma teoria que uni-ficava as interações eletromagnética e fra-ca, na década de 60. Foi o primeiro avançoreal no sentido da unificação das interações.A idéia era introduzir quatro partículas,chamadas campos de calibre, que são aná-logas a fótons de luz, principalmente quan-do a temperatura for muito alta. No entan-to, quando a temperatura decresce o sufi-ciente, três dessas partículas ficam pesa-das, e uma, o fóton que conhecemos, con-tinua sem massa. O processo guarda analo-gia com o congelamento da matéria. Issoporque, quando a matéria é congelada, asimetria é menor. Expliquemos melhor.Considere um chapéu mexicano de abasmuito altas, e bolinhas movendo-se em seuinterior. Quando a temperatura é muito alta,isto é, quando as bolinhas movem-se muitorápido, elas vão a qualquer ponto do cha-péu, não se importando com o cume nocentro. No entanto, quando elas estão va-garosas, só podem dar a volta no cume,perdendo uma direção de movimento. Essaperda de uma direção de movimento é aquebra de simetria e leva ao ganho de mas-sa dos três irmãos do fóton de luz. É tam-bém o que acontece quando congelamosum material cristalino: antes, todas as dire-ções do cristal eram equivalentes; depois,devido à formação da estrutura cristalina,onde os átomos se justapõem em direçõesdefinidas, algumas direções ficam diferen-tes de outras, e a simetria diminui.

A quebra de simetria tornou-se uma pe-dra angular na construção das teoriasunificadas. Notemos ainda que um outroconceito, a temperatura, entrou agora emquestão, e será muito importante na descri-ção do universo primordial, já que, no iní-

cio, a temperatura era muito alta. Vemos,então, que já há um ponto de contato entreo infinitamente pequeno – as partículaselementares – e o infinitamente grande – omacrocosmo.

Mas voltemos à teoria de Weinberg-Salam. Medimos uma simetria através deum conceito matemático chamado grupo.A teoria prediz a existência das correntesneutras que foram posteriormente consta-tadas em experimentos. Também prediz aexistência dos companheiros massivos dofóton, chamados W+, W– e Z0, que foramdescobertas no CERN, em Genebra, em1983 pelo grupo do prof. Carlo Rubbia. Osprofessores Steven Weinberg e AbdusSalam receberam juntamente com o prof.Sheldon Glashow o prêmio Nobel de Físi-ca pelos seus trabalhos em teorias unifi-cadas. Posteriormente, pelo trabalho expe-rimental, o prof. Rubbia dividiu o prêmioNobel de Física de 1984 com o engenheiroVan der Meer, que inventou o processo doesfriamento estocástico, que permite a acu-mulação de antiprótons necessários para aexperiência que visa à identificação dosbósons mediadores W+, W– e Z0. Além dateoria da interação eletrofraca, acima des-crita, procurou-se compreender o papel dainteração forte, que é descrita por 8 compa-nheiros do fóton – os glúons – e por com-panheiros análogos do elétron, os quarks,que formam o próton e o nêutron. Váriasformulações têm sido propostas para a gran-de unificação, não havendo resposta defi-nitiva. Mas o que é certo é que, havendouma teoria unificada com maior simetria etemperaturas mais altas ainda, existemoutros companheiros do fóton, e estes ou-tros companheiros – os campos de calibreX –, devido à grande simetria, vão tornarpossível o decaimento do próton. Isso im-plica que, em temperaturas altíssimas, opróton evapora, transformando-se empósitrons e outras partículas. E o que acon-tece com a teoria da gravitação, até agoracompletamente fora desse esquema, e queteria sido o objeto da idéia de Einstein deuma unificação das interações? O fato éque a gravitação, sob o ponto de vista damecânica quântica, é a mais complicada

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das teorias. Tecnicamente falando, a teoriada gravitação é não renormalizável, fazen-do com que haja um número infinitamentegrande de ambigüidades na definição dateoria. A idéia mais atraente hoje é queexiste um outro tipo de simetria, chamadade supersimetria, que liga bósons eférmions, embebida em uma teoria comobjetos extensos, a Teoria das Cordas.

SUPERSIMETRIA – BÓSONS EFÉRMIONS

Há duas grandes classes de partículas,cujo comportamento é muito diferente: osbósons são partículas de spin inteiro. O spiné uma quantidade que aparece em mecâni-ca quântica análoga ao movimento de rota-ção dos corpos; seu valor é fixo para cadatipo de partícula, contrastando, nesse pon-to, com a rotação clássica; os férmions pos-suem spin semi-inteiro (1/2, 3/2, 5/2, etc.).Esse número muito simples implica dife-renças fundamentais dentro da teoria quân-tica. Um exemplo dessas diferenças é dadopelo gás helio a temperaturas muito baixas.O He3 (hélio-3) é um férmion, e apresentao fenômeno da superfluidez. Ele é um flui-do perfeito. O He4 (hélio-4) difere do ante-rior basicamente pelo spin: é um bóson.

Até há 30 anos não se conhecia nenhumtipo de relação de simetria entre bósons eférmions. Pensava-se que fossem partícu-las de características distintas, criadas semqualquer conexão entre si. Todavia, a idéiade unificação dentro da física tem sido muitofrutífera, e acreditamos que uma visão fun-damental dos fenômenos da natureza devetratar de uma maneira única todos os fenô-menos, e as partículas elementares deverãoter sido criadas por um mecanismo comum.No entanto várias dificuldades são encon-tradas para tornar realizável tal programa.

Do ponto de vista técnico, as teorias su-persimétricas possuem propriedades mui-to interessantes, havendo possibilidade desolução de vários problemas, como a ob-tenção de resultados finitos na teoria quân-

tica da gravitação, ou ainda a explicação daexistência de partículas cujas massas dife-rem em várias ordens de magnitude.

TEORIAS DE CORDAS E OUTRASDIMENSÕES

A idéia de supersimetria tem como con-seqüência natural a introdução de novasdimensões no espaço. Para concretizar com-pletamente as idéias apresentadas, precisa-mos de uma máxima supersimetria – cha-mada supersimetria estendida –, precisa-mos definir a teoria em 10 ou 11 dimensõesde espaço-tempo, e depois tornar as 6 ou 7dimensões extras muito pequenas.

Uma maneira alternativa para o proce-dimento acima é a idéia de cordas – as par-tículas elementares seriam pequenas estru-turas alongadas movimentando-se no es-paço-tempo. Para as cordas supersimétricassó existe uma dimensão onde as quantida-des físicas são consistentes: 10 dimensõessendo 9 de espaço e 1 de tempo.

A CIÊNCIA DOS DIAS DE HOJE

As equações de Einstein podem ser resol-vidas para certas situações físicas particula-res da gravitação. Para um centro atrator comsimetria esférica, acha-se o potencial deNewton, como no caso de planetas ou estre-las com densidade relativamente baixa. Paragrandes concentrações de matéria, acha-sea solução de Schwarzschild para o buraconegro, que virá a ser de grande importância.

No caso da descrição cosmológica deve-se levar em conta a equação de campo damatéria e sua distribuição. Nesse caso, foipostulado o princípio cosmológico que nosdiz que o universo é, em escala muito gran-de (escalas cosmológicas), homogêneo eisotrópico, ou seja, não há posições privi-legiadas no cosmo. Como consequência,acham-se as soluções de Friedmann-Lemaî-tre-Robertson-Walker.

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Desse modo, pode-se supor que o uni-verso seja formado por um fluido cósmicouniversal, homogêneo, dependente apenasdo tempo. O tensor de energia-momento,compatível com essa mesma isotropia ehomogeneidade, teria uma componente re-presentando a densidade de energia (t), eoutras representando a pressão p(t). Postu-ladas as equações de Einstein, o mundo édescrito por uma métrica, ou seja, por umarégua universal cujo tamanho se modificade um lugar para outro. Podemos obter amétrica de um modelo cosmológico encon-trando, para a solução das equações deEinstein, a solução de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker, que caracteriza umuniverso dinâmico, primeiramente em ex-pansão, e depois em contração ou expan-são até o infinito. Einstein havia julgadoessas soluções como errôneas, propondomodificações para sua teoria. Tomemos umcerto fôlego para a interpretação dos resul-tados. A métrica g

µ representa a geometria

intrínseca do espaço-tempo. Ela é a medidade distância, e num espaço plano em trêsdimensões ela representa nada menos queo teorema de Pitágoras para se achar adiagonal de um paralelepípedo de arestasdx, dy e dz, ou seja, ds2 = dx2 + dy2 + dz2.Incluindo-se o tempo num espaço semgravitação, temos a geometria deMinkowski da relatividade especial, ou seja(adiante faremos a velocidade da luz c=1,que representa uma escolha especial deunidades): ds2 = -c2dt2 + dx2 + dy2 + dz2.

No caso Friedmann-Lemaître-Ro-bertson-Walker temos um parâmetro de-pendente do tempo, R(t) que, se aumentan-do ou diminuindo, aumenta ou diminui ovalor das distâncias. Além disso temos umaconstante k que torna os valores 0±1.

O valor de k determina o tipo de univer-so obtido. Quando k = 1 o universo é ditofechado. Nesse caso, R(t) aumenta até umvalor máximo voltando posteriormente adiminuir. Nesse caso o universo se inicia aalta temperatura e densidade, expande-seaté um máximo, depois volta a se encolheraté seu desaparecimento numa implosãofinal. Para k = -1 a expansão é eterna. O quediferencia um caso de outro é a densidadede matéria média no universo. Há um valorcrítico para a mesma, = crit, acima doqual o universo é fechado, ou seja, a atra-ção gravitacional é mais forte que a expan-são; enquanto para a densidade média me-nor que a densidade crítica a expansão éeterna. O caso = crit corresponde a k = 0e o universo é dito chato (flat). As figuras2 e 3 ilustram esses fatos.

Se tivermos a equação de estado damatéria, ou seja, se caracterizarmos bem aspropriedades físicas da matéria, poderemosobter soluções explícitas. Essa equação éde fato bastante geral, descrevendo maté-ria ora inerte, como hoje, ora radiação pura,como há 14 bilhões de anos.

O resultado das equações de Einsteinmostra que a régua universal depende dotempo, aumentando sempre segundo cer-

Evolução dos universos aberto e fechado (do Cambridge Atlas of Astronomy).

Figura 2Aberto

Fechado

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tos modelos cosmológicos. A régua depen-de também da constante de Hubble, hoje,que fixa a escala de tempo e a idade douniverso. A régua é exatamente a funçãoR(t) apresentada acima.

O diagrama mostrando a evolução deR(t), que nos diz o tamanho da régua paraos três casos possíveis de evolução, é dadopela Figura 3.

Os dados observacionais originais, ob-tidos pelo astrônomo Edwin Hubble, mos-tram o universo em expansão e estão naFigura 4. Através dos dados obtidos daslinhas espectrais de corpos celestes, pode-se observar a sua velocidade, através dochamado efeito Doppler. Hubble fez umdiagrama das velocidades assim calcula-das como função da distância de tais cor-pos celestes em relação a nós, obtendo uma

relação aproximadamente linear. A cons-tante de Hubble corresponde à constantede proporcionalidade entre a velocidade ea distância. O valor correspondente a Hobtido por Hubble foi H = 500km/sMpc.

Supondo-se que o universo tenha tidoum início e que tenha se expandido desdeentão, o tempo passado até hoje, que cor-responde à idade do universo, equivale a T≈ H–1

≈ 2 bilhões de anos.Esta idade é ainda menor que a própria

idade da Terra, 5 bilhões de anos. O valorcorreto de Ho pode ser obtido do diagrama(Figura 5) que indica valores da ordem deH ≈ 75 km/sMpc, de modo que a idade douniverso é cerca de 14 bilhões de anos, comoconseqüência desses dados.

Há várias questões atuais nesse contex-to. Em primeiro lugar, as escalas de distân-cia. Tais escalas são grandes demais paraque possam ser observadas diretamente. Istoé apenas um pequeno detalhe do grandeproblema observacional em astronomia, masque tem óbvias conseqüências em relaçõescomo a de Hubble, indicando a dificuldadeem se obter informação sobre um parâmetrotão importante quanto H, que determina aidade do universo. Além disso, há a questãosobre se o universo está se acelerando oudesacelerando, se é fechado ou aberto.

As observações indicam que a densida-de do universo é muito próxima da densi-dade crítica, ou seja = ––––

crit ≈ 1, que é arelação entre a densidade da matéria obser-vada no universo e um valor crítico, teori-camente previsto. Esse valor próximo dovalor crítico constitui um grande problemade interpretação, como veremos adiante, jáque esse valor é instável. Além disso, umaaceleração, ou desaceleração, pode ser umindício de uma constante cosmológica ouenergia escura, o que pode mudar sobre-maneira nossa visão de mundo.

Mecânica quântica

Toda a descrição feita até o momentosupõe uma natureza clássica relativística,ou seja, não há modificações de princípios

Evolução segundo o valor de k(do Cambridge Atlas of Astronomy).

Figura 3

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na mecânica clássica, além dos ajustes usu-ais advindos da teoria da relatividade espe-cial e geral.

A necessidade de quantização advémde vários pontos na descrição do universo.O principal deles é o fato de que uma teoriado tipo big-bang, na qual o universo emer-ge de um plasma cosmológico de tempera-tura altíssima, requer a descrição de umfluido cuja energia média por partículaconstituinte (ou seja, a temperatura) é mui-to alta. Assim, a interação se dá no âmagoda matéria e requer uma descrição eminen-temente quântica.

A mecânica quântica é uma teoria li-near, com uma interpretação não-linear,em que, para todos os efeitos práticos,supõe-se que haja um limite clássicomacroscópico que constitui o instrumentode medida do fenômeno quântico. Dessemodo, a descrição mais simples do fenô-meno quântico se dá através de uma medi-da clássica, que é o que chamamos acimade interpretação não-linear.

No entanto, tal interpretação passa a serproblemática no caso do universo. Afinal,para um observador interno do universo,pode-se perguntar o que é a sua função deonda, já que não há limite clássico, ou seja,não há uma medida clássica externa aoobjeto quântico em questão, no caso, ocosmo universal. Poderíamos perguntar:existe o universo quando fechamos osolhos? Mas se fecharmos os olhos e o uni-verso não existir, então, há olhos? Taisperguntas são inerentes à interpretação damecânica quântica com relação à medidaclássica. O fato é que o problema da me-dida é resolvido, de modo prático, colo-cando-se o observador num mundo clássi-co, o mais longe possível do fenômenoquântico a ser estudado. Em outras pala-vras, o observador é externo ao mundoquântico em estudo, o que faz sentidoquando estudamos fenômenos da escalado microscópico.

Por outro lado, nós, como observado-res, fazemos parte do universo e a dicoto-mia entre observador e observado desapa-rece completamente ao estudarmos o uni-verso como um todo, fazendo com que o

Novos dados sobre a lei de Hubble, em que se graficaa velocidade contra a distância (Cambridge Atlas

of Astronomy).

Dados originais de Hubble, em que temos a velocidadeem km/s graficada contra a distância em parsecs.

Figura 4

Figura 5

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observador faça parte do fenômeno, ou seja,o experimentador é parte intrínseca da ex-periência. Assim, não mais se define a par-te clássica do aparelho de medida.

Tal contexto faz de uma teoria quânticada gravitação algo muito difícil para serestudado. No entanto, estes não são os úni-cos problemas a serem apresentados. Aevolução relativística da mecânica quânti-ca, ou seja, a teoria quântica relativísticaapresenta novas e grandes dificuldades. Aprimeira descrição quântica relativísticacorreta de uma partícula foi feita por Dirac.Ele modificou a equação de Schrödingerde modo que ela pudesse descrever o spindo elétron e satisfazer a relação relativísticaentre energia e momentum. A primeiraconseqüência importante da equação deDirac foi o fato de haver estados de energianegativa, havendo um número infinito de-les, que não podiam ser compreendidos pelateoria padrão. Dirac reinterpretou os esta-dos de energia negativa em termos de umaantimatéria, de tal modo que um estado deelétron e um estado de pósitron – oantielétron (ou, equivalentemente, um es-tado disponível de energia negativa), napresença um do outro, desapareceriam dei-xando para trás energia pura. Do mesmo

modo, energia pura em quantidade sufici-ente pode gerar matéria na forma de pareselétron-pósitron, no processo acima vistono sentido inverso. Como na teoria quânti-ca, uma variação de energia infinitesimal éuma quantidade com indefinição devido àrelação de incerteza E ~ h/ t para peque-nos intervalos de tempo, é possível haverenergia suficiente para formar pares, comona reação e+ + e– 2 , que nos mostra queos fótons, aqui denotados por , podem seconverter em um par elétron (e–) e pósitron(e+). Isso faz com que a teoria quânticarelativística seja uma teoria de muitos cor-pos. Daí o advento da teoria de campoquantizado, ou teoria quântica de campos.

Universo quântico em expansão:o modelo padrão

Conforme mencionamos, seguindo aevolução cósmica para trás no tempo, che-garemos a um ponto inicial de tempera-turas altíssimas em que a teoria quânticarelativística será essencial para a descri-ção do mundo. Vários elementos serãonecessários para uma descrição teórica

Dados obtidos da radiação cósmica de fundo.

Figura 6

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competente de tal evolução, assim comopara que se confirmem observacional-mente os fatos.

Em primeiro lugar, foi observado umresquício importante da explosão inicial queperdura até os dias presentes, e continuarános céus para sempre. O fato é que umagrande explosão e sua conseqüente evolu-ção produzem uma grande quantidade deradiação. No início, tal radiação esteve emequilíbrio com a matéria, já que pares departículas e antipartículas estariam se ani-quilando produzindo fótons – radiação ele-tromagnética –, ao mesmo tempo em quefótons altamente energéticos teriam volta-do a interagir na reação inversa, produzin-do pares, como na reação já vista anterior-mente. Quando a energia diminui aquémda energia mínima necessária para que osfótons possam interagir com a matéria, osfótons – ou seja, a radiação eletromagnéti-ca – desacoplam-se – ou seja, separam-sedo restante –, praticamente não interagin-do mais com a matéria, e passam a existirisoladamente. Radiação em um dado espa-ço vazio é um problema conhecido comocorpo negro, e foi o objeto estudado porPlanck na descoberta inicial que levou àmecânica quântica. Para uma dada tempe-ratura, a distribuição de energia em termosda freqüência obedece à chamada distri-buição de Planck, que é caracterizada poruma temperatura T.

Em um estudo com antenas, Penzias eWilson, em 1965, observaram a existênciade uma radiação de fundo em todo o céu,que obedece à distribuição de Planck, comum parâmetro de temperatura T tendo umvalor de aproximadamente 3K. Essa desco-berta foi fundamental para que se pudesseconfirmar experimentalmente (observacio-nalmente) a teoria do big-bang. A radiaçãoaqui descrita é chamada de radiação cósmi-ca de fundo. Hoje, mapas da radiação cós-mica de fundo são feitos com extremo deta-lhe, e se supõe que as pequenas diferençasnas várias regiões sejam responsáveis pelasfuturas estruturas do universo, já que a radia-ção de fundo é um resquício deixado desde14 bilhões de anos atrás, ou seja, desde antesda formação de qualquer estrutura no hori-

zonte conhecido. É muito digno de nota que,se retirarmos o efeito do nosso movimentona radiação de fundo consignado pelo efeitoDoppler, que tecnicamente é um efeito dedipolo, as diferenças de temperatura entreos vários pontos do universo são menoresque uma fração de aproximadamente 10–5

em relação à temperatura média. O fato deessa diferença ser tão diminuta aponta paramais uma forte razão para o que será a teoriainflacionária.

Deveremos, subseqüentemente, descre-ver a evolução cósmica. No entanto, é certoque tal evolução terá diferentes fases. Hojehá muita matéria que não faz qualquer pres-são. Assim, há uma densidade de energiainerte e pressão zero: estamos no chamadodomínio da matéria, e a física é descritapelas quatro interações fundamentais, asinterações forte, eletromagnética, fraca egravitacional. As partículas elementaresque compõem o universo, apesar de pare-cerem estar presentes em grande número,são de fato compostas de poucos elemen-tos primordiais – quarks, léptons e seus res-pectivos antiquarks e antiléptons, além doscarregadores de força –, os fótons e suageneralizações não abelianas. Além dis-so, há mais algumas partículas teoricamen-te previstas para dar consistência à teoria.

Uma pergunta aparentemente sem co-nexão com a evolução do universo será achave da compreensão cósmica: por que asdiferentes interações têm força diferente, epor que de fato há um certo número deinterações? Ou ainda: haverá uma teoriaunificada das interações? Como tal teoriaestaria relacionada com as diversasinterações elementares?

A resposta está na dependência dasinterações com a energia efetiva e com atemperatura, e no processo chamado de que-bra espontânea de simetria.

A quebra de simetria é um processo sim-ples, como acontece quando uma interaçãoelementar é descrita por um potencial comsimetria por rotação, tal como no exemploda Figura 7.

Se escolhermos um desses pontos comoorigem, na direção radial haverá uma inér-cia para se deslocar a partícula, mas na

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direção do mínimo não haverá, portantohá uma partícula de massa zero. O pontoé que o fóton devora o bóson sem massa eengorda! Este é o chamado fenômeno deHiggs, e, em conseqüência dele, os fótonsde interação fraca ganham massa e suainteração fica fraca, ao contrário do ele-tromagnetismo e da interação forte. Noentanto, quando as partículas estão numplasma de alta temperatura, os detalhes dopotencial não são mais tão importantes, eo fenômeno de Higgs não se pode proces-sar! Assim, quanto mais alta a temperatu-ra mais simétricas serão as interações –elas tendem a se igualar.

Este fenômeno pode ser revisto ereestudado em termos da teoria de camposdas três interações elementares – fraca, ele-tromagnética e forte, tais como descritaspelo respectivo grupo de simetria, SU(3) XSU(2) X U(1). As respectivas forças de in-teração vão se tornando iguais com o au-mento da energia. As interações fraca e ele-

tromagnética tornam-se uma só a uma ener-gia de aproximadamente 100Gev (3). Apósisso, elas se juntam à interação forte, numaúnica interação elementar unificada a umaenergia aproximadamente correspondentea 1015 Gev, portanto já macroscopicamenterelevante, algo gigantesco para uma partí-cula elementar. Os aceleradores existentessó chegam hoje a algumas centenas de Gev,devendo chegar ao milhar de Gev (1Tev)na próxima geração de aceleradores. Apossibilidade de uma experiência diretanessa energia só seria possível com técni-cas inteiramente novas, indisponíveis nosdias de hoje.

A EVOLUÇÃO DO UNIVERSO

No início do universo, com altas tem-peraturas, fora possível o fenômeno da res-tauração de simetria, de modo que outrasfases do universo passam a existir, cadavez com maior simetria quanto mais altafor a temperatura.

Dessa maneira, é possível fazer umparalelo entre a história cósmica e a descri-ção das interações elementares como fun-ção de energia de interação. Os detalhes dahistória do universo, também chamada dehistória térmica do universo, já que a tem-peratura do universo é uma função monoto-nicamente decrescente do tempo, foi e temsido objeto de estudos em cosmologia, as-sim como em teorias de campos. Os deta-lhes de tal história, desde a quebra da sime-tria eletrofraca, são bem conhecidos e con-firmados em física de aceleradores. Antesdisso, até energias correspondentes à teo-ria unificada das três interações, excluída agravitação, tem-se um conhecimento razoá-vel da evolução do universo, baseado emhipóteses teóricas bem fundamentadas.Mais além, a questão é bem mais profunda,envolvendo o universo inflacionário e pos-teriormente uma teoria quântica da gravita-ção unificada com as outras interações. Sãoproblemas profundos, enraizados na pró-pria origem de todo o universo, cuja solu-ção poderia explicar não apenas nosso uni-

Figura 7

Diagrama com potencial tipo chapéu mexicano, emque a quebra de simetria se dá para uma simetria derotação contínua, criando a possibilidade de geração

de massa através do fenômeno de Higgs.

3 1 Gev = 109 eV = 1.6 X 10–3erg.

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verso mas também prever dimensões ex-traordinárias, partículas supersimétricas,novas propriedades físicas e até mesmonovos universos. Uma versão simplifica-da da história térmica é dada pela seqüên-cia abaixo.

• 10–44 seg ................................ gravitação quântica .......................... 1019 Gev• 10–34 seg ................................. origem da matéria ............................ 1015 Gev• 10–12 seg ................................ transição eletrofraca ........................... 102 Gev• 10–6 seg ............................... transição quark hádron ............................ 1 Gev• 10–6 seg .................................... matéria nuclear ................................. 1 Gev• 1 seg ......................................... nucleossíntese ................................... 1 Mev• 1012 seg .................................... matéria atômica .................................. 10 ev• 1013 seg ....................... desacoplamento matéria energia ....................... 1 ev• 1016 seg ................................... formação galática ............................... 10–2 ev• 1017 seg ............................ formação do sistema solar ........................ 10–3 ev

Um ano corresponde a 3.15 X 107seg, e1 ev corresponde a uma temperatura de 5 X103K, praticamente o mesmo em grausCelsius.

Pode-se observar ainda que, nos primei-ros instantes, a evolução temporal, medidaatravés de nosso presente parâmetro tem-po, tem uma evolução cada vez mais rápi-da, quanto mais nos aproximamos do ins-tante inicial.

Os primeiros segundos são incógnitos,correspondendo à época de gravitaçãoquântica, em que presumivelmente have-ria supercordas como elementos físicos re-levantes, e a dimensão do espaço-tempodeveria ser 10 (9 de espaço e 1 tempo) paraque fossem descritas corretamente assupercordas, ou eventualmente 11 no casode uma teoria mãe ou teoria mestra, já re-centemente formulada. A matéria passou aexistir aos 10–34 segundos, quando a teoriaunificada se dividiu em interação forte einteração eletrofraca. Antes disso os bárionspodiam decair, o que seria equivalente adizer que os prótons, ou a matéria normal,não são estáveis. Sinais experimentais detal decaimento estão sendo procurados masainda não há confirmação.

A matéria atômica, tal como a conhece-mos hoje, só se formou segundos após oinício (cerca de 30 mil anos após o big-bang), mas a matéria desacoplou-se da ener-

o universo posteriormente ao tempo em queos fótons passaram a se mover livremente.Antes disso, eles eram capturados antes dechegarem aos nossos olhos, de modo quenão podemos enxergar nada antes do tem-po tl ≈ 1013 s≈ 300.000 anos, o tempo deliberação dos fótons.

Do ponto de vista observacional, amelhor confirmação do modelo, após a ra-diação cósmica de fundo, é a abundânciade hélio observada no universo. Tal abun-dância é prevista como conseqüência desucessivas reações de captura de nêutrons,começando por n + p d + , ou seja, umnêutron n choca-se com um próton p dandoorigem ao deutério d e radiação eletromag-nética, ou fóton, , dando início a reaçõesmais complicadas.

Como resultado, obtém-se a previsãode que a quantidade de hélio como fraçãoda matéria bariônica no universo deve serde aproximadamente 25%, o que é plena-mente confirmado pelos dados observa-cionais.

Alguns problemas ainda permanecem,todavia, sem solução. O primeiro é o pro-blema da extrema isotropia observada nouniverso. Conforme mencionado, retiran-do-se o efeito do movimento da Terra emrelação à radiação cósmica de fundo, aisotropia no valor da temperatura observa-da é tal que a diferença relativa nas tempe-

gia radiante apenas 300 mil anos após obig-bang. Foi só então que a luz passou apoder viajar longas distâncias sem se espa-lhar pela matéria, e o universo ficou trans-parente. De fato, antes disso o universo eraopaco. Desse modo, só podemos observar

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raturas é da ordem de 10–5. Isso é visto naFigura 6. Naquele mapa, as duas grandesmanchas na temperatura correspondem aotermo de dipolo gerado pelo movimento daTerra em relação à radiação de fundo.

O segundo problema refere-se ao fatode o valor da densidade de matéria no uni-verso ser tão próximo do da densidade crí-tica. Em geral, definimos = ––crit . O valor

= 1 é muito instável. Se olharmos para odiagrama (Figura 8) veremos que o valorde , perto de 1 hoje, deve corresponder,no início dos tempos, a um valor enorme-mente mais próximo de 1. Seria comomanter uma esfera equilibrada sobre umdedo por muito tempo sem tocá-la. Tal fatodificilmente ocorreria por mero acaso.

Um terceiro problema é o fato de nãohaver monopolos magnéticos no universo.A teoria os prevê, mas eles nunca foramencontrados.

Estes e alguns outros problemas são

resolvidos pelo processo chamado de in-flação. Segundo tal processo, teria havidono princípio uma expansão exponencial dofator de escala do universo. De modo geral,esse crescimento exponencial deveu-se aofato de o universo estar em um falso vácuo– um máximo relativo de energia.

Com o crescimento alucinante do uni-verso ficamos em um espaço relativamen-te homogêneo que estava em conexão cau-sal no início dos tempos. A densidade dematéria deve se manter igual à densidadecrítica, e outros monopolos estariam forado horizonte conhecido. São resolvidos,portanto, os maiores problemas do modelopadrão. Abrem-se ao mesmo tempo outraspossibilidades, como por exemplo a cria-ção de novos universos (ver Figura 9).

O último degrau nessa seqüência será acompreensão de uma teoria quântica dagravitação que lance luz na estrutura últi-ma do espaço-tempo.

Comparação entre o valor de hoje e aquele do início do universo;qualquer diferença extremamente pequena naquela época se configura hoje

como gigantesca. Assim, para que se tenha próximo de 1 hoje, estaconstante deve ser escolhida infinitesimalmente próxima de 1 no início.

Figura 8

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RUMO AO FUTURO

Teoria quântica da gravitação

Há tão grandes dificuldades em se for-mular uma teoria quântica da gravitação,que não poucas vezes chegou-se a sugerirque a gravitação talvez jamais devesse serquantizada, permanecendo um capítuloclássico à margem do desenvolvimento dateoria geral de campos e partículas.

De fato, apenas pensar em uma gravita-ção quântica já nos demanda uma rees-truturação da geometria. Ademais, umateoria de campos gravitacionais quantiza-dos não é consistente devido a quantidadesinfinitas que não podem ser absorvidas emconstantes experimentais. O chamado pro-blema da renormalização de uma teoria decampos, que cura os infinitos que apare-

cem devido ao caráter operacional dos cam-pos quantizados, não pode ser resolvido emteorias de campos que contenham agravitação. Diz-se que a gravitação é umateoria não renormalizável.

Dessa maneira, a antiga meta já antevistapor Einstein, de se obter uma teoriaunificada dos campos, que foi obtida paraas outras interações no decorrer das últi-mas décadas do século XX, encontra umaalta barreira exatamente na teoria da gra-vitação, que podemos chamar a menina dosolhos da física fundamental.

Várias tentativas foram iniciadas. Emparticular, foi tentada a introdução da novasimetria relacionando bósons e férmions, asupersimetria.

Entrementes, havia uma teoria iniciadano final dos anos 60 que pretendia chegarà compreensão da teoria das interaçõesfortes, como uma alternativa às teorias decampo: era a chamada teoria dual, que ti-nha poucos elementos dinâmicos e basica-

Figura 9

A criação de novos universos.

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mente tratava de simetrias. Mostrou-seposteriormente que a teoria dual podia serdescrita por um objeto filamentar percor-rendo livremente o espaço-tempo, sendo oúnico vínculo o fato de fazê-lo descreven-do uma superfície de área mínima – equi-valente a um princípio de mínima ação.

Certas manobras de consistência teóri-ca levam a vínculos que só podem ser des-critos de modo simples em um espaço de26 dimensões (25 de espaço e 1 de tempo).Uma corda supersimétrica foi obtida, des-sa vez em 10 dimensões (9 de espaço e 1 detempo).

Apesar de o problema tornar-se difícildemais para seu uso em teorias de forçanucleares, para as quais, no início dos anos70, foi demonstrada a melhor utilidade dacromodinâmica quântica, uma generaliza-ção colorida do eletromagnetismo, passou-se a utilizar a teoria de cordas no contextode uma teoria unificada dos campos quan-tizados. Isso se deve a alguns fatos, dentreos quais destacamos haver, na teoria decordas, no limite de teorias de campos,basicamente dividindo-se a corda em mo-dos normais, uma partícula de massa zeroe spin 2, que foi interpretada como o grávi-ton, acomodando portanto a gravitação emesmo sua versão quântica!

As teorias de cordas têm uma formula-ção muito simples no que diz respeito à suainteração. Elas se mesclam e se dividem,tal como sugerimos na Figura 10. Há umnúmero pequeno de teorias de cordas, jáque sua formulação simples termina porser quase única. Isso advém de um fato quegerou a chamada primeira revolução dascordas. É que a simetria subjacente tem umnúmero pequeníssimo de possibilidades quelevem a uma teoria de campos simples, enão ao que se costumou chamar de teoriasanômalas.

Mais recentemente, acharam-se novassimetrias, dessa vez interligando as poucase ainda diferentes teorias de cordas. Essaclasse de simetrias foi de modo geral cha-mada de dualidade. Esta gerou a segundarevolução das teorias de cordas. Ela traz asuspeita de que haja uma única teoria ditateoria M, possivelmente em 11 dimensões,que gera as poucas e diferentes teorias decordas ao mesmo tempo.

Como a teoria de cordas contém a teoriada gravitação, além das outras teorias decampos, ela se torna a candidata natural àteoria unificada dos campos quantizados.

Resta-nos, então, olhar para as conse-qüências e expectativas que possam sercomprovadas ou que poderiam nos levar aconseqüências ainda mais profundas, mo-dificando nossa visão de mundo.

Desse modo, assim como em todas asdescrições acima, chegamos à conclusãode que a teoria de cordas apresenta umanotável unificação. Poderíamos resumir oque dissemos com uma antiga citação deum grande sufi de nome Rumi, que em umcontexto completamente diferente disse:“Even though you tie a hundred knots – thestring remains one”.

Conseqüências e expectativas

Nossos olhos passam então a questõesque possam nos dar indicações de que com-preendemos a estrutura do universo e suasleis. O fato experimental que nos pode le-var à estrutura do universo em larga escalaa partir de primeiros princípios são as ob-

Figura 10

Espalhamento de cordas.

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servações do satélite Cobe, que nos dão aestrutura da radiação cósmica de fundo,300.000 anos após a explosão inicial. Sepudermos seguir a evolução das inomoge-neidades observadas, talvez possamos che-gar às estruturas vistas hoje. Essa evoluçãoterá como ingrediente essencial a teoria darelatividade geral.

Seguindo um pouco mais adiante, gos-taríamos de saber as demais conseqüênciasda mecânica quântica diretamente sobre arelatividade geral, tal como discutimos. Oestudo de buracos negros é a maneira maisdireta de se chegar a uma compreensão maisprofunda, não somente da relatividade ge-ral clássica mas principalmente de umateoria quântica da gravitação. Isso se deveà observação de que há leis para a dinâmicade buracos negros inerentes à relatividadegeral, que são idênticas às leis da termodi-nâmica, uma vez que indentifiquemos aentropia termodinâmica com a área do bu-raco negro dividida por quatro vezes a cons-tante de Newton. Tal identificação terá pa-pel fundamental em processos puramentequânticos envolvendo a evaporação dosburacos negros. Mais recentemente, a rela-ção da entropia de um sistema cosmológi-co arbitrário com a área que cerca esse mes-mo sistema é vista como uma relação funda-mental, o chamado princípio holográfico,que requer que a relação entre a entropia e aárea seja sempre menor que o inverso doquádruplo da constante de Newton.

Tal relação é natural em certas teoriasde cordas, e representaria um avanço teóri-co muito importante. Além disso, estaría-mos em direção a uma completa quanti-zação de toda a natureza incluindo o cos-mo. Isso nos indica uma mudança manda-tória dos conceitos, já que o observador éagora interno ao objeto quântico a ser estu-dado. Coloca-se então a pergunta: podem-se criar universos em processos quânticosanálogos aos de formação de partículaselementares? Podem tais universos, inclu-indo o nosso, desaparecer em um processoquântico? Afinal, uma teoria de camposquantizados prevê, e até mesmo requer, quetais processos ocorram, e eles de fato ocor-rem com freqüência no âmbito de partícu-

las elementares. Deveríamos então podercalcular a função de onda do universo!

No contexto de teorias inflacionárias jáse mostrou natural tal criação de universos.Agora poderíamos ter processos tais comona Figura 11.

CONCLUSÕES

Chegamos finalmente ao ponto em queciência e filosofia imergem em preocupa-ções atávicas do homem. Passamos, daspreocupações práticas, técnicas e úteis emnossa vida diária colocadas pela física erealizadas pela tecnologia, a preocupaçõescada vez mais teóricas e especulativas.

Em primeiro lugar são misteriosas a ori-gem e a estrutura da geometria do espaço-tempo. Uma geometria quântica não temmais funções simples representando o es-

Figura 11

A criação de novos universos na teoria de cordas.

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paço, mas operadores quânticos, e sua in-terpretação já não é mais tão simples. Maisainda, no âmago da gravitação quântica,em buracos negros e a altíssimas tempera-turas, é essencial que consideremos todasas partículas e interações, que são geradasem números infinitos nas teorias de cordas.Sobretudo, podem ainda intervir as dimen-sões extras das teorias de cordas, ou aindaoutras das teorias M, colocando a comple-xidade do problema em patamares aindamais altos. Prevêem alguns que as dimen-sões extras já se encontram em regiões pró-ximas às observações. De todo modo, suapresença passou a ser bastante provável noâmbito de teorias gerais de campo quanti-zados, e a velha idéia de Kaluza e Klein dosanos 20 passa a fazer parte de um ideárioquase quotidiano, onde outras dimensõespassam a ser ubíquas.

Passamos a uma zona bastante maisespeculativa, em que o observador não ape-nas é parte do objeto de estudo, mas muitomais que isso: o objeto de estudo transcen-de o observador, por ser não apenas muitomaior, como é de fato nosso universo, maspor conter o observador de forma que esteúltimo não seja capaz, nem mesmo em prin-cípio, de observar seu objeto de estudo, poisnão há ligação causal entre um universo eoutro.

Esta é a mecânica quântica vista sobuma nova dimensão, em que a medida, es-sencial para a própria interpretação da teo-ria, passa a ser impossível de ser realizada.

O DOSSIÊ COSMOLOGIA

Os fatos aqui descritos de modo resu-mido e unificado serão discutidos por es-pecialistas em seus detalhes mais precisos.Inicialmente o prof. Henrique Fleming, doInstituto de Física da USP, fará uma síntesedos rumos tomados em direção à compre-ensão do cosmos. Subseqüentemente o ar-tigo do prof. Augusto Damineli (IAG-USP)nos dará uma idéia sobre a possibilidade davida no universo exterior à nossa Terra. Apartir deste ponto, o dossiê passa a descre-

ver o universo físico, sua história, e possi-velmente uma certa compreensão da ori-gem de todo o mundo físico, uma perguntaatávica do ser humano.

Primeiramente o prof. Luís Weber Abra-mo (IF-USP) descreve a geografia do uni-verso, aquilatando vários problemas fun-damentais sobre sua estrutua conforme vistahoje, e descrevendo várias idéias que fun-damentalmente são necessidades teóricas,como a idéia de um universo inflacionário,descrevendo uma época distante em que omundo multiplicou seu tamanho. Os ele-mentos primordiais e sua formação no uni-verso serão discutidos pelo prof. WalterMaciel (IAG-USP) e pelos profs. ValdirGuimarães e Mahir S. Hussein (IF-USP),que explicarão a origem dos elementos pordois pontos de vista complementares.

Posteriormente, dois aspectos relevan-tes da relatividade geral serão abordados,o primeiro concerne aos mais estranhosobjetos previstos para o espaço, que sãoos chamamos buracos negros, apresenta-dos pelo prof. George Matsas (do IFT-Unesp), especialista na área, que contarásobre seus detalhes e certas idiossincrasiasdestas incríveis soluções. Depois, o prof.Alberto Saa (Imec-Unicamp) apresentaráa mais nova experiência concernente à ve-racidade da teoria da relatividade geral,cujas conseqüências têm sido medidas hácerca de 90 anos. Há várias experiênciasem curso para teste da relatividade geral,incluindo uma na Universidade de SãoPaulo, onde um grupo importante, especi-alizado em física de baixas temperaturas,em colaboração com um grupo do Institu-to de Pesquisas Espaciais, está em busca deondas gravitacionais através da construçãode sofisticada antena de ondas gravitacio-nais. A experiência descrita pelo prof. Saase adiciona a tantas outras que visam con-firmar a teoria.

Uma visão do universo primordial e dasua evolução, através da fotografia da radia-ção cósmica de fundo, será dada pelo arti-go dos professores Thyrso Vilella, IvanFerreira e Alexandre Wuensche do Inpe.Essa descrição é um dos componentes maisimportantes de nossa visão atual do univer-

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so, podendo dar uma fotografia detalhadado cosmos primordial, e confirmando de-talhes antes inimagináveis da teoria. É oinício da chamada cosmologia de precisão.O problema das partículas elementares, eum de seus mais significativos represen-tantes no aspecto de confirmação da teoria,o neutrino, será objeto do artigo da profa

Renata Zukanovich Funchal (IF-USP), quemostrará também os vários experimentossobre o assunto. Chegamos então a proble-mas importantes na descrição e observaçãodo universo, que mencionamos anterior-mente, e que são cruciais para o futuro dateoria, a matéria escura e a energia escura.Esses aspectos serão abordados por váriospesquisadores. O prof. José Ademir Salesde Lima descreve a surpreendente expan-são acelerada do universo, e sua explica-ção através de uma energia escura, miste-riosa entidade que nos lembra a antiga (ouquase vetusta) quintessência, e que com-põe nada menos que 70% da energia totaldo universo. Posteriormente os professo-

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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res Rogério Rosenfeld (IFT-Unesp) e JoãoAntonio Freitas Pacheco (Observatório deNice, França) continuam a falar sobre asformas da matéria escura. Sob forma inerte,esta representa cerca de 25% do universo.Os professores Jacques Lépine e LaerteSodré, do IAG-USP, completam o impres-sionante quadro. De fato, pode acontecer quenada menos que 95% do universo seja com-pletamente desconhecido. A profa BeatrizBarbuy (IAG-USP) nos traz vários outrosaspectos observacionais importantes douniverso com resultados importantes sobrea idade e a expansão do universo. A dra BerthaCuadros-Melgar, do Instituto de Física, che-ga ao instante do próprio big-bang, a fron-teira última deste nosso universo, edescortina um novo conjunto de idéias ba-seado na teoria das supercordas, com novasdimensões de espaço, e um tempo transcen-dente, assim como com criações múltiplasde universos. Ao final, o prof. Reuven Opher(IAG-USP) dará detalhes sobre a formaçãodos primeiros objetos do cosmo.