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1 ISSN 2238-9121 27 a 29 de maio de 2015 - Santa Maria / RS UFSM - Universidade Federal de Santa Maria Anais do 3º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede http://www.ufsm.br/congressodireito/anais A IMPORTÂNCIA DE SE PENSAR EM TÉCNICAS DE SUMARIZAÇÃO PARA SE EFETIVAR UM PROCESSO COLETIVO JURISDICIONAL DEMOCRÁTICO THE IMPORTANCE OF THINKING IF SUMMARIZATION TECHNIQUES TO A PROCESS EFFECT COLLECTIVE CONSTITUTIONAL DEMOCRACY Alexsandra Gato Rodrigues 1 RESUMO O presente trabalho estuda a necessidade da superação do individualismo processual pois, os institutos clássicos do processo, há muito se mostram impotentes para a tutela de direitos, especialmente os novos direitos coletivos. Nesse viés, se indaga quais os mecanismos necessários, no âmbito do direito processual civil coletivo, à tutela efetiva desses direitos, utilizando-se o método dedutivo. A partir da constitucionalização, o processo coletivo passa a ser percebido como um instituto fomentador do jogo democrático, um “novo” modelo de processo obtido por meio de uma “nova” leitura da Constituiçã o, torna-se possível, através da sumarização processual, a partir do reconhecimento do princípio do contraditório como a possibilidade das partes de inf luir na formação, de forma crítica e construtiva, do conteúdo das decisões judiciais (Sentença Liminar de Mérito), por meio de um debate prévio de todos os participantes. Palavras-chave: Constitucionalização; Processo Coletivo; sumarização. ABSTRACT This paper studies the need to overcome the procedural individualism because the process of classical institutes, has long been powerless to show the protection of rights, especially the new collective rights. In this bias, we look which the necessary mechanisms under the collective civil procedural law, the effective protection of these rights, using the deductive method. From the constitutionalization, the collective process is perceived as a developer institute the democratic game, a "new" process model obtained by means of a "new" reading of the Constitution, it becomes possible by procedural summarization, the from the recognition of the adversarial principle the possibility of the parties to influence the formation of critical and constructive manner, the contents of judgments (Merit Award Injunction), by means of a preliminary discussion of all participants. Keywords: Constitutionalisation; Collective process; summarization. 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria, área de concentração “Direitos Emergentes da Sociedade Global”, vinculada à linha de pesquisa “Direitos na Sociedade em Rede”. Advogada, Mestre em Desenvolvimento. E -mail: [email protected]

A IMPORTÂNCIA DE SE PENSAR EM TÉCNICAS DE … · RESUMO O presente ... do direito processual civil coletivo, ... o difuso e o coletivo”. O direito processual civil individual

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A IMPORTÂNCIA DE SE PENSAR EM TÉCNICAS DE SUMARIZAÇÃO PARA SE EFETIVAR UM PROCESSO COLETIVO

JURISDICIONAL DEMOCRÁTICO

THE IMPORTANCE OF THINKING IF SUMMARIZATION TECHNIQUES TO

A PROCESS EFFECT COLLECTIVE CONSTITUTIONAL DEMOCRACY

Alexsandra Gato Rodrigues 1

RESUMO

O presente trabalho estuda a necessidade da superação do individualismo processual pois, os

institutos clássicos do processo, há muito se mostram impotentes para a tutela de direitos, especialmente os novos direitos coletivos. Nesse viés, se indaga quais os mecanismos necessários,

no âmbito do direito processual civil coletivo, à tutela efetiva desses direitos, utilizando-se o método dedutivo. A partir da constitucionalização, o processo coletivo passa a ser percebido como

um instituto fomentador do jogo democrático, um “novo” modelo de processo obtido por meio de uma “nova” leitura da Constituição, torna-se possível, através da sumarização processual, a partir

do reconhecimento do princípio do contraditório como a possibilidade das partes de inf luir na formação, de forma crítica e construtiva, do conteúdo das decisões judiciais (Sentença Liminar de

Mérito), por meio de um debate prévio de todos os participantes.

Palavras-chave: Constitucionalização; Processo Coletivo; sumarização.

ABSTRACT

This paper studies the need to overcome the procedural individualism because the process of

classical institutes, has long been powerless to show the protection of rights, especially the new collective rights. In this bias, we look which the necessary mechanisms under the collective civil

procedural law, the effective protection of these rights, using the deductive method. From the constitutionalization, the collective process is perceived as a developer institute the democratic

game, a "new" process model obtained by means of a "new" reading of the Constitution, it becomes possible by procedural summarization, the from the recognition of the adversarial principle the

possibility of the parties to influence the formation of critical and constructive manner, the contents of judgments (Merit Award Injunction), by means of a preliminary discussion of all

participants.

Keywords: Constitutionalisation; Collective process; summarization.

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria, área de concentração “Direitos Emergentes da Sociedade Global”, vinculada à linha de pesquisa “Direitos

na Sociedade em Rede”. Advogada, Mestre em Desenvolvimento. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO No século XX, a emergência dos novos direitos e a abertura democrática de

grande parte do mundo revolucionou a sociedade contemporânea, influenciando

também o direito. Diante de uma realidade processual atrelada à tecnização dos

séculos XVIII e XIX, observa-se que o processo civil ordinário, que tem por

característica a morosidade, encontra-se, no século XXI, totalmente desadaptado

às novas realidades sociais. Verifica-se a necessidade de uma releitura dos

institutos processuais e do modelo dominante, com a criação de novos institutos,

em busca de novas formas de atuação, para que a jurisdição consiga acompanhar as

modificações da realidade cultural moderna e dar respostas adequadas aos

chamados decorrentes dos novos direitos coletivos.

Considerando que o novo constitucionalismo apresentou como característica

principal, uma Constituição compromissária e dirigente e, assim, questões que

antes eram resolvidas apenas no âmbito das decisões políticas, passaram a ser

objeto de intervenção judicial, houve um aumento no número de demandas. A

consequência é que os princípios antes reguladores do direito, com enfoque apenas

ao indivíduo, não conseguem mais responder aos postulados decorrentes dos

direitos difusos, transindividuais ou metaindividuais reclamando a superação do

modelo vigente.

É a partir deste pressuposto que se deve tematizar e entender o

processualismo constitucional democrático como uma concepção teórica que busca

a democratização processual civil mediante a problematização das concepções de

liberalismo, socialização e da percepção do necessário resgate do papel

constitucional do processo como estrutura de formação das decisões, neste

contexto surge a seguinte indagação: quais os mecanismos necessários, no âmbito

do direito processual civil coletivo, à tutela efetiva desses direitos?

Para desenvolvimento desta pesquisa será utilizado o método de abordagem

dedutivo, uma vez que parte de questões gerais, bem como propor novos locais de

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prestação processual jurisdicional coletivo a esses direitos, fundados na própria

evolução do conceito de Estado e no movimento neoconstitucionalista

contemporâneo, através de uma jurisdição processual apta a enfrentar a

complexidade e contingência social, marcas de uma civilização pós-moderna.

1. OS DIREITOS COLETIVOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO E A

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO

No Constitucionalismo Contemporâneo, próprio do Estado Democrático de

Direito, rompe-se tanto com o positivismo, quanto com o constitucionalismo

liberal, a partir de uma perspectiva claramente dirigente e compromissória. O

constitucionalismo contemporâneo modifica a teoria que sustentava o positivismo,

dando lugar aos princípios que resgatam o mundo prático para o direito, surgindo,

assim, um novo paradigma interpretativo.

O processo civil no Estado Democrático de Direito deve ser entendido como

uma parceria de singularidades, ou seja, uma comunidade de trabalho entre o juiz

e as partes. Importante ressaltar que é preciso compreender que nem as partes,

nem o juiz, solitariamente, em monólogos articulados, são capazes de atingir o

melhor resultado do processo, restando daí a necessidade de trabalhar em

conjunto. Ou seja, extremos que pairam entre o papel apático e periférico do

cidadão, de um lado a execução desacerbada da atividade jurisdicional, culmina

com o surgimento de entendimentos judiciais, subjetivistas e particulares sobre a

aplicação normativa, ou seja, decisões solipsistas, solitárias, voluntarísticas,

arbitrárias2.

O (re) pensar o direito, no Estado Democrático de Direito, traz

consequências sérias para o processo civil, na medida em que se deixa de acreditar

que o perfil democrático do processo está na simples submissão cega do juiz à lei

2 STRECK, Lênio. O que é isso – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010,p. 33-40.

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como ocorrida no Estado Liberal Clássico. Assim, o direito deixa de ser encarado

como algo pre-dado pelo legislador. As condições de possibilidade para uma

construção democrática do direito também não podem mais ser as mesmas

presentes no Estado Liberal Clássico. Tem – se, no plano normativo, um

deslocamento para o plano constitucional, também nos fundamentos políticos

participativos o Estado adquire uma nova fundamentação democrática.

O processo mostra - se como locus privilegiado para a concretização do

convívio em sociedade, o que importa conceber os instrumentos processuais e a

própria decisão do juiz como fruto de um diálogo democrático convergente para

uma nova legitimidade.

Disto, observa-se a premente necessidade de uma releitura das normas

jurídicas processuais aos princípios constitucionais, na medida em que somente

com a devida interpretação da Constituição será possível almejar a efetivação dos

direitos, aplicando seus princípios na readequação da legislação ao conteúdo e ao

ideário do constituinte, a fim de compreender qual o melhor direito a ser aplicado

ao caso concreto.

É óbvio que as alterações legislativas no campo do Direito Processual devem,

em certa medida, buscar resultados práticos para a melhoria da aplicação da

tutela, mas isso não significa que se possa negligenciar o papel importantíssimo que

o processo possui como estrutura dialógica de formação de provimentos e

garantidora de direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar uma série de garantias e

direitos fundamentais dos cidadãos, deu abertura a um novo paradigma para o

processo, até então centrado na ação individual, quando apenas o titular do direito

detinha legitimidade para invocar a jurisdição, por via da ação, para ver

reconhecido um bem da vida protegido. A partir do ideal do Estado Democrático de

Direito, foi reconhecida uma dimensão coletiva para a postulação ao

reconhecimento de direitos e, consequentemente, uma nova extensão de institutos

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para atender aos direitos pertencentes à coletividade ou a um grupo determinado

de pessoas.

Falar em processo coletivo é falar em evolução do processo em geral, pois

reconhece que deve haver rompimentos nos institutos tradicionais, focado no ser

individual que não condiz mais com a sociedade pluralista em que se vive. Esta

quebra de paradigmas atendeu às expectativas no Brasil enquanto legislação com a

coordenação entre o Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Civil Públi ca.

Todavia, a lei, por si só, não sustenta uma tutela digna.

Importante esclarecer que Direitos coletivos são direitos subjetivamente

transindividuais, onde não há titular determinado, quando na verdade o que é

múltiplo é a titularidade. Por isso, a transindividualidade. Zavascki3 afirma que

“Direito coletivo é designação genérica para as duas modalidades e direitos

transindividuais: o difuso e o coletivo”.

O direito processual civil individual mostra-se, aparentemente, insuficiente

para as demandas coletivas. Ao abordar o individualismo no sistema processual,

Ovídio Baptista da Silva (2004), refere não ser possível pretender a superação do

paradigma racionalista sem transformar as estruturas econômicas e políticas,

consagrando o entendimento de que o processo coletivo pode surgir como

instrumento de transformação social e modernização do sistema processual para

atender esse “novo” direito.

Outro instrumento capaz de exercer uma poderosa influência modernizadora do sistema processual são as ações coletivas, enquanto

instrumentos que, superando a concepção da ação processual como expressa e um conflito individual, abre um campo extraordinariamente

significativo para o exercício político da solidariedade, permitindo uma visão comunitária do Direito4.

Este modo de conceber o direito, como fonte adstrita e vinculada à lei,

compromete o aprimoramento do processo civil para atender as demandas atuais.

3 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de

direitos. 2ª ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 41. 4 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro,

Forense, 2004, p. 319

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Baptista da Silva5 adverte como solução dos problemas atuais, a utilização de

remédios ultrapassados. Assim, é predominante o pensamento linear do século

XVIII, obstaculizando-se a tentativa de adequação processual aos novos litígios de

uma sociedade eminentemente complexa. O processo coletivo precisa se adaptar a

nova realidade social, ou seja, precisa democratizar-se, pois só assim será possível

construir uma decisão justa e com a participação das partes envolvidas no litigio e

mais, precisa criar técnicas de sumarização. É o que analisa.

2. A IMPORTÂNCIA DE SE PENSAR EM UM PROCESSO COLETIVO

JURISDICIONAL DEMOCRÁTICO

O processo civil, segundo Ovídio Baptista da Silva (2004), a partir das

filosofias do século XVII priorizou o valor “segurança” como exigência fundamental

à construção de um Poder Judiciário eficiente. Com efeito, desde sua concepção, é

essencial à legitimidade do procedimento ordinário-plenário-declaratório, o

contraditório prévio, segundo o qual, o juiz somente poderá julgar depois de ter

ouvido ambas as partes (cognição exauriente), porque assim é que estará

habilitado a descobrir a vontade da lei. Essa ritualística nada mais é do que a

representação do racionalismo, através do qual se entende possível alcançar a

verdadeira vontade da lei, que teria um sentido unívoco prestes a ser demonstrado

pelo juiz através do método adequado.

A codificação afastou o direito dos conflitos sociais e, por sua vez, “o

processo congelou-se no tempo”, atrelado ainda hoje ao “componente ideológico

inerente à ética do liberalismo” segundo Baptista da Silva6. Ou seja, o processo

continua possuindo caráter autoritário e algemado ao paradigma racional,

preterindo decisões sumárias.

5 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro,

Forense, 2004, p. 82 6 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro,

Forense, 2004, p. 35.

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Diante dos litígios coletivos, aqueles instrumentos processuais que eram

suficientes e adequados para solucionar os conflitos individuais perdem sua

funcionalidade, impondo transformações no direito processual civil. O direito

processual assim, impelido pelas modificações ocorridas na sociedade e nas

relações sociais, também passa a ser visualizado como fenômeno de massa,

revelando a concepção de processo coletivo como instrumento de transformação

social, rompendo com o modelo individualista de processo vigente para visualizar o

indivíduo como uma célula da sociedade apenas, encontrando-se os seus direitos

similares e ligados aos dos outros indivíduos7.

Como aponta Dierle José Coelho Nunes8, posteriormente ao fomento do

constitucionalismo no século XX o processo deixou de ser visto apenas como um

instrumento técnico neutro, uma vez que se vislumbra neste uma estrutura

democratizante de participação dos interessados em todas as esferas de poder, de

modo a balizar a tomada de qualquer decisão no âmbito público. Nesse sentido, “o

processo passa a ser percebido como um instituto fomentador do jogo democrático,

eis que todas as decisões devem provir dele, e não de algum escolhido com

habilidades hercúleas”.

Nessa dimensão não mais serve o modelo que resolvia processos entre

credores e devedores, ou seja, que atendia apenas às demandas de natureza

privada, de cunho meramente individual, tornando as estruturas processuais

ineficazes e afastadas de sua finalidade. A construção de um processo civil atento

ao paradigma do Estado Democrático de Direito, à concretização dos direitos, aos

princípios processuais constitucionais e, consequentemente, ao “acontecer” da

Constituição, precisa superar o peso cultural do paradigma racionalista bem como

os valores liberais individualistas ainda remanescentes. Assumir esta preocupação é

7 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro,

Forense, 2004, p. 37. 8 NUNES, Dierle Coelho. Apontamentos iniciais de um processualismo cons titucional democrático. In:

MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (Coord). Constituição e Processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte:

Del Rey, 2009-b, p. 351.

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condição de possibilidade para a defesa da jurisdição estatal e da democracia sem

desconsiderar o contexto histórico em que sociedade moderna – complexa e

pluralista – se encontra.

Cristiano Becker Isaia9 aponta que “o processo civil do século XXI carece de

um pensar a partir do novo modelo de organização social que ser apresenta”. Dessa

forma, o direito processual civil deve ter a capacidade de construir-se e

reconstruir-se a partir do tempo do direito, voltando-se também para o futuro e

para o coletivo.

Esse “novo” modelo de processo obtido por meio de uma “nova” leitura da

Constituição torna - se possível a partir do reconhecimento do princípio do

contraditório como a possibilidade das partes de influir na formação, de forma

crítica e construtiva, do conteúdo das decisões judiciais, por meio de um debate

prévio de todos os participantes. O mecanismo do contraditório passa, pois, a ser

“instrumento democrático de assegurar a efetiva influência das partes sobre o

resultado da prestação jurisdicional10”.

Pensado sob o prisma democrático, o processo aufere nova dimensão ao se

transformar em espaço onde todos os temas e contribuições devam ser

intersubjetivamente discutidos, de modo preventivo ou sucessivo a todos os

provimentos, à luz da concepção democrática participativa, em que se enfatiza a

racionalidade do diálogo. Vê-se na participação dos sujeitos processuais a forma

legítima de influenciar nas decisões estatais, seja na produção probatória, na

possibilidade de apresentar seus argumentos e de se opor aos argumentos do

adversário.

9 ISAIA, Cristiano Becker. Processo Civil e Hermenêutica: a crise do procedimento ordinário e o

redesenhar da jurisdição processual pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá, 2012, p.262. 10 NUNES, Dierle Coelho. Apontamentos iniciais de um processualismo constitucional democrático. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (Coord). Constituição e

Processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009-b, p. 252.

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Percebe-se, assim, uma nova formatação para as decisões judiciais, pois

estas passam a ser fruto de debates em contraditório e de inclusão e oitiva do

sujeito através da publicidade dos atos jurisdicionais. Como quer Dierle Nunes,

tanto o papel das partes como o do magistrado é redefinido. Este passa a ser visto

como um garantidor dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que asseguram a

participação dos sujeitos processuais na formação da decisão. O juiz democrático

não pode ser omisso em relação à realidade social e deve assumir sua função

institucional decisória, num sistema de regras e princípios, com o substrato

extraído do debate endoprocessual, no qual todos os sujeitos processuais e seus

argumentos são considerados e influenciam o dimensionamento decisório11.

Como consequência da própria noção de democracia participativa, o direito

de participação configura um direito de incidir sobre o desenvolvimento e sobre o

êxito da controvérsia. Desta maneira, o princípio do contraditório, visto como

direito fundamental e não como mera garantia, passa ser o cerne da participação.

“O polo metodológico do direito processual é deslocado da jurisdição ao processo,

que vai encarado como um procedimento em contraditório12”.

A condução do processo pelo juiz vai se dar, portanto, de maneira dialogal,

colhendo a impressão das partes a respeito dos eventuais rumos a serem tomados

no processo, possibilitando que essas dele participem, influenciando-o a respeito

de suas possíveis decisões. O processo civil, assim, deixa de ser um ambiente

dominado pelos particulares, numa concepção liberal e privatista do processo, ou

um espaço no qual o Estado se sobrepõe aos indivíduos.

Ocorre que o sistema processual, através do aperfeiçoamento de uma

mentalidade comprometida com a ideologia da ordinariedade, possui certa

repugnância às formas sumárias de tutela processual13. No entanto, com relação a

tutela preventiva, não existem obstáculos legislativos, ao contrário, a tutela

11 NUNES, Dierle Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2009, p. 200-203. 12 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. Padova:CEDAM, 1975, p. 24. 13 BAPTISTA DA SILVA, Ovidio. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p 8.

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preventiva está inscrita, no sistema, como uma possibilidade, no entanto a

“impossibilidade” está nos operadores do sistema, na mentalidade dos juristas

modernos, a quem se proíbe decidir com base em simples verossimilhança.

O processo civil brasileiro apenas prevê o julgamento do mérito da causa na

sentença, não se vislumbrando a possibilidade de liminares de mérito. Isto, em

termos de ações coletivas entrava a prestação jurisdicional, impedindo a satisfação

de direitos. Tal fato se dá porque a doutrina processual de cunho racionalista

considera que quaisquer decisões de mérito anteriores à sentença atentam contra o

ideário processual da busca da verdade da lei. Ovídio Baptista14 ressalta que o

conceito racionalista de sentença, tem por escopo “declarar” o direito e pôr fim à

lide. Desta maneira, o ordenamento pátrio não admite a existência de decisões de

mérito antes do provimento final e após vasta instrução probatória. O que,

inclusive, se aplica ao procedimento cautelar, de índole preparatória, jamais

admitindo um provimento cautelar satisfativo.

A tutela sumária é uma questão de dar abrigo à verossimilhança e à

capacidade de o julgador encontrar a resposta adequada mantendo a coerência e a

integridade do Direito que, seguramente, não deverá resultar de sua representação

subjetiva. Toda vez que o julgador prefere o processo ordinário à proteção

sumária, acaba negando a possibilidade de um definitivo que poderia ser melhor.

Trata-se de fazer uma opção entre evitar o risco do dano ou sofrer o dano porque

manteve o risco15.

O que o moderno conceito de jurisdição ainda proíbe, e com reflexos da

actio romana, que primava pela “segurança” e “certeza” na prestação jurisdicional

de mérito (esta somente na sentença), impedindo o julgador de dispor de

procedimentos de cognição sumária, é a convivência entre as medidas

14 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Jurisdição, Direito Material e Processo. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 12. 15 SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Substancialização e efetividade do direito processual civil- a sumariedade material da jurisdição: proposta de estabilização da tutela antecipada em relação

ao projeto de novo CPC. Curitiba: Juruá, 2011, p. 278.

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antecipatórias e a decisão de mérito16. Assim, a prestação jurisdicional moderna

está sedimentada na ficção de que ao juiz caberia encontrar a vontade da lei, o

que somente ocorreria na sentença final, não se admitindo a solução do méri to da

causa em decisão liminar. A proposta do presente trabalho de pesquisa busca

encontrar uma solução procedimental capaz de tutelar as ações coletivas, de modo

a tornar o processo civil uma alternativa efetiva aos interessados. Ou seja, de

possibilitar a coexistência do procedimento ordinário com ambientes de

sumarização, com o objetivo de encontrar uma resposta constitucionalmente

adequada através do enfrentamento da atividade processual entendendo-se que as

novas demandas, oriundas dos novos direitos sociais, são incompatíveis com a

obtenção de verdades absolutas desejadas pelo processo de cunho liberalista.

Trilha-se um novo caminho no qual o magistrado possa decidir com base em um

juízo de verossimilhança, dentro de uma verdade possível naquele momento

processual, desvinculando o magistrado de declarar a verdade/vontade da lei 17.

Adverte-se que esta proposta não pretende pôr fim ao procedimento

ordinário que temos hoje, apenas tem por escopo, adequá-lo à tutela dos novos

direitos, redefinindo-se o sentido da expressão “liminar”, democratiza-se a

jurisdição, com a sumarização das demandas, como meio de efetivação dos direitos

fundamentais.

Para que ocorra uma forma de sumarização processual, desatrelando a

prestação jurisdicional dos moldes racionalistas, em homenagem à efetividade do

processo, sem deixar de lado as garantias do contraditório e da ampla defesa, faz-

16 ISAIA, Cristiano Becker. Processo Civil e Hermenêutica: a crise do procedimento ordinário e o

redesenhar da jurisdição processual pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá, 2012, 264-265. 17 ISAIA, Cristiano Becker. Processo Civil e Hermenêutica: a crise do procedimento ordinário e o redesenhar da jurisdição processual pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá,

2012, 349

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se necessário redefinir o significado da expressão “liminar”, conforme defende

Cristiano Becker Isaia18:

No interior desta proposta de sumarização de ações e defesas em

processo civil é possível trabalhar com o contraditório e a ampla defesa de forma a não criar óbices à efetividade do processo e à própria

implementação dos direitos sociais. Isso significa que os cortes de sumarização procedimental e material não violam o devido processo legal.

O importante é dar-se conta de que é possível, com a sentença liminar de mérito, inverter o ônus do tempo do processo sem violar o contraditório e

a ampla defesa, não vilipendiando o devido processo legal.

Sumarizar, ao contrário do que se pode pensar, não viola a Constituição, mas

atende ao que ela “constitui”, que é a entrega de uma prestação jurisdicional que

erradique desigualdades, possibilite amplo acesso à justiça e dê resultados 19.

O processo civil precisa libertar-se das amarras do procedimento ordinário,

sobremaneira do valor “segurança”, pois só desta forma poderá atender os anseios

do Estado Democrático de Direito. Não mais é possível tratar novos direitos

coletivos da mesma forma como se tratam direitos individuais, especialmente, no

que diz respeito a questão de duração razoável do processo. Isto será possível

através do respeito ao caso concreto submetido à jurisdição.

Para Cristiano Becker Isaia20 a sentença liminar de mérito mostra-se como

solução adequada a essa proposta de sumarização uma vez que,

(...) o contraditório é trabalhado de forma diferenciada, já que tanto a defesa quanto o debate em relação aos pontos centrais da causa,

bem como o julgamento da demanda, devem dar-se na audiência liminar, que é única nesse local de proteção constitucional. Nela, portanto, se

concentram: a) o exercício do contraditório entre as partes; b) o debate sobre as teses da ação e da defesa; c) o debate sobre a prova prima facie,

tanto a apresentada documentalmente quanto a produzida oralmente na audiência; (...)a construção de uma decisão sob os pilares da aparência; f)

a construção de uma decisão participada. (democratizada), com a efetiva contribuição de todos os envolvidos.

18 ISAIA, Cristiano Becker. Processo Civil e Hermenêutica: a crise do procedimento ordinário e o redesenhar da jurisdição processual pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá,

2012, p. 35 19 SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Substancialização e efetividade do direito processual civil- a

sumariedade material da jurisdição: proposta de estabilização da tutela antecipada em relação ao projeto de novo CPC. Curitiba: Juruá, 2011, p. 339. 20 ISAIA, Cristiano Becker. Processo Civil e Hermenêutica: a crise do procedimento ordinário e o redesenhar da jurisdição processual pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá,

2012, p. 325

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A decisão num processo coletivo estaria fundada numa oralidade construída

dentro de um ambiente democratizado, através da participação de todos os

interessados e com base em “uma produção probatória prima facie –, renunciando

verdades eternas e certezas ficcionais –, apta a demonstrar, por verossimilhança, o

direito material levado à jurisdição-processual pela via da aparência”21. Desta

forma a decisão construída nesse locus processual reúne todos os requisitos para

ser considerada uma resposta constitucionalmente adequada, isso porque importa

na construção de um provimento de mérito (liminar) em que todas as teses de ação

e de defesa sejam confrontadas pelo juiz imbuído do dever de fundamentação.

CONCLUSÃO

O peso da herança racionalista não permite que a estrutura do direito

processual se compatibilize com as exigências de um novo contexto histórico, e as

decisões judiciais deixam de concretizar direitos, limitando-se, tão somente, a

dizer os direitos. Os institutos clássicos do processo há muito se mostram

impotentes para a tutela de direitos, especialmente os novos direitos típicos de

uma sociedade complexa e em rede, como os direitos coletivos. Tendo em conta

que o Estado ainda é responsável pela produção do direito e da jurisdição, uma vez

que as criações legislativas e jurisprudenciais estão a ele intimamente vinculadas,

pertinente à análise da (in) adequação do modelo vigorante de jurisdição do

paradigma racionalista, que se mostrou útil, por longos anos, na solução de

conflitos individuais.

Entretanto, diante da complexidade social e observada a Constituição, a

jurisdição não pode ficar dissociada das transformações sentidas na

contemporaneidade. Meras reformas e alterações legislativas não se mostram

suficientes ao objetivo de reformas paradigmáticas no processo civil.

21 ISAIA, Cristiano Becker. Processo Civil e Hermenêutica: a crise do procedimento ordinário e o redesenhar da jurisdição processual pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá,

2012, p. 326.

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Sinteticamente, nesse processo constitucionalizado e democrático,

desenvolvido no âmbito de um sistema dialético, que garante uma “racionalidade

procedimental” discursiva e argumentativamente construída em contraditório,

prioriza-se de um lado, o direito das partes de participar da construção da decisão

jurisdicional e, de outro lado, o dever do magistrado de fundamentar essas

decisões, demonstrando racionalmente que as alegações das partes foram

consideradas e, com isso, possibilitar o controle da sociedade e legitimar sua

atuação.

Nessa perspectiva, faz-se necessária a busca de uma estruturação processual

que permita o exercício de um controle compartilhado sobre o papel do magistrado

e das partes, que não represente um retorno a ciclos históricos já suplantados

(liberalismo processual). Deve-se vislumbrar que o processo estruturado em

perspectiva comparticipativa, não mais embasado no protagonismo do juiz, mas, na

sua atuação responsável, competente e interdependente, ancorado nos princípios

processuais constitucionais através da sumarização processual (sentença liminar de

mérito).

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